Justiça nega redução de preços de combustíveis em Manaus e força-tarefa diz que vai recorrer

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Autos nº: 0634947-79.2019.8.04.0001 Requerente: Defensoria Pública do Estado do Amazonas e outros. Requerido: Sindicombustíveis - Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo e outros. DECISÃO Cuida-se de Ação Coletiva, com pedido de concessão de tutela provisória de urgência, proposta por órgãos integrantes do sistema estadual de defesa do consumidor contra as Distribuidoras de Combustíveis, Sindicato do setor econômico e Postos de Combustível de Manaus. Albergados no fundamento fático dos constantes aumentos dos combustíveis nas bombas da Capital, na contramão das sucessivas reduções nos preços nas refinarias, os autores inferem uma suposta prática de Cartel e lucros abusivos, o que vem corroborada, ainda, por práticas criminosas anteriores que assolaram a cidade. Neste cenário, passo a abordar a tutela de urgência requerida. A tutela provisória pode fundar-se na urgência (periculum in mora) ou na evidência (alto grau de probabilidade do direito alegado) e encontra-se regulada a partir do art. 294 do CPC. Ao cuidar da tutela de urgência, o NCPC adotou regime jurídico único, de modo que a tutela cautelar (utilidade do processo) e a tutela antecipada (satisfação da pretensão) passaram a ser consideradas espécies do mesmo gênero. Ambas envolvem cognição sumária, conservam sua eficácia na pendência do processo, mas podem ser revogadas ou modificadas a qualquer tempo, ex vi do art. 296 do citado diploma legal. Reza, pois, o art. 300 do CPC que: Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. O elemento característico da tutela de urgência é a existência de uma situação de risco ou perigo que, de per si, reclama a atuação imediata do Estado-Juiz, destinada a evitar a concretização de dano irreparável ou de difícil reparação ao interessado. Tereza Arruda Alvim Wambier ensina, com a propriedade que lhe é peculiar que: "Em palavras simples, pode-se afirmar, como ponto de partida, que só é possível cogitar tutela de urgência se houver uma situação crítica, de emergência. Dessa forma, a técnica processual empregada para impedir a consumação ou o agravamento do dano que pode consistir no agravamento do prejuízo ou no risco de que a decisão final seja ineficaz no plano dos fatos, que geram a necessidade de uma solução imediata é que pode ser classificada como tutela de urgência. É, pois, a resposta do processo a uma situação de emergência, de perigo, de urgência.

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por LEONEY FIGLIUOLO HARRAQUIAN, liberado nos autos em 15/07/2019 às 10:08 . Para conferir o original, acesse o site https://consultasaj.tjam.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0634947-79.2019.8.04.0001 e código 5B054D1.

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(...) O caput do art. 300 traz os requisitos para a concessão da tutela de urgência (cautelar ou satisfativa), quais sejam, evidência da probabilidade do direito o e o perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo. Noutras palavras, para a concessão da tutela de urgência cautelar e da tutela de urgência satisfativa (antecipação de tutela) exigem-se os mesmos e idênticos requisitos: fumus boni iuris e periculum in mora. (...) O que queremos dizer, com "regra da gangorra", é que quanto maior o "periculum" demonstrado, menos "fumus" se exige para a concessão da tutela pretendida, pois a menos que se anteveja a completa inconsistência do direito alegado, o que importa para a sua concessão é a própria urgência, ou seja, a necessidade considerada em confronto com o perigo da demora da prestação jurisdicional. O juízo da plausibilidade ou de probabilidade que envolve significativa dose de subjetividade ficam, a nosso ver, num segundo plano, dependendo do periculum evidenciado. Mesmo em situações que o magistrado não vislumbre uma maior probabilidade do direito invocado, dependendo do bem em jogo e da urgência demonstrada (princípio da proporcionalidade), deverá ser deferida a tutela de urgência, mesmo que satisfativa." O caso concreto é mais um que traz ao judiciário supostos fatos que permitem a intervenção estatal jurisdicional para adequar o comportamento de atores do mercado que se desviam de práticas legais e éticas na busca desenfreada de lucros predatórios. Nessa linha, alguns julgados permitem a intervenção estatal. “RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PRELIMINAR DE IMOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – INOCORRÊNCIA – AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO – PREFACIAL AFASTADA. MÉRITO: EXORBITÂNCIA DA MARGEM DE LUCRO DA EMPRESA DE COMERCIALIZAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS DEVIDAMENTE COMPROVADO – PRÁTICA VEDADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO – LIMITAÇÃO NA MARGEM DE LUCRO DE 20% MANTIDO – RECURSO DESPROVIDO. (...) Devidamente comprovado nos autos a presença da prática de preços abusivos na empresa comercializadora de combustíveis que culmina no lucro excessivo e não justificados pela empresa, a imposição do limite da margem de lucro é medida que se impõe.” (00236012220068110041, Tribunal de Justiça do Mato Grosso) "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. ABUSIVIDADE NA VENDA DE COMBUSTÍVEIS. RECONHECIDOS FORTES INDÍCIOS ACERCA DE CARTELIZAÇÃO E DA PRÁTICA ABUSIVA DE PREÇOS, SEM QUE O

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REQUERIDO TENHA APRESENTADO PROVA CONTUNDENTE A JUSTIFICÁLAS, MESMO DIANTE DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME” (70024458572, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) "EMENTA - COMBUSTÍVEIS - AUMENTO ARBITRÁRIO - NÃODEMONSTRAÇÃO DE JUSTA CAUSA - DECISÃO QUE LIMITA LUCROS RECURSO IMPROVIDO. Havendo demonstração de que houve conduta que implique na abusiva elevação do lucro no preço do produto destinado ao consumidor, sem justa causa, a lei permite que se obste por caracterizar infração (Lei nº 8.884/94 e 8.078/90)". (20470, Tribunal de Justiça do Mato Grosso) Anote-se que todos esses casos acima chegaram ao Supremo Tribunal Federal, sem sucesso por parte das respectivas empresas, o que permite concluir, sem sombra de dúvidas que, uma vez detectados indícios de prática comercial abusiva, é possível ao judiciário intervir, sem que se configure ato atentatório à liberdade econômica. Nessa linha, entendo que o Judiciário deve pautar suas ações com base nos mesmos critérios de forma isonômica. Assim como nos precedentes citados a presente demanda se fundamenta tanto na abusiva elevação dos lucros, como na prática de atos ilícitos. Quanto à abusiva elevação dos lucros, não há elementos nos autos que permitam se inferir, de plano, a prática prevista no inciso X, do art. 39, do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, para se concluir pela prática da abusividade dos lucros há de se imergir nos diversos elementos que compõe os preços, inclusive, se preciso, através de prova pericial nos livros contábeis. Nessa linha, a tabela abaixo, extraída do sítio eletrônico da Agência Nacional do Petróleo, informa diversos insumos que devem ser considerados na fixação do preço do combustível. Abril/2019 Brasil

Sudeste

Sul

Centro-Oeste

Norte

Nordeste

Valor (R$/litro)

Participação

Valor (R$/litro)

Participação

Valor (R$/litro)

Participação

Valor (R$/litro)

Participação

Valor (R$/litro)

Participação

Valor (R$/litro)

Participação

1,42

31,5%

1,46

32,4%

1,41

31,6%

1,51

33,8%

1,33

29,7%

1,36

29,7%

Preço do Etanol Anidro 2

0,56

12,4%

0,57

12,6%

0,57

12,7%

0,57

12,7%

0,54

12,0%

0,54

11,7%

Tributos Federais 3

0,69

15,3%

0,69

15,3%

0,69

15,4%

0,69

15,4%

0,69

15,3%

0,69

15,0%

Tributos Estaduais 4

1,24

27,6%

1,24

27,7%

1,22

27,5%

1,22

27,4%

1,18

26,3%

1,29

28,1%

Margem Bruta de Distribuição 5 + Custos Transporte

0,16

3,4%

0,13

2,9%

0,16

3,5%

0,07

1,6%

0,30

6,6%

0,17

3,6%

Margem Bruta de Revenda 5

0,44

9,8%

0,41

9,1%

0,41

9,2%

0,41

9,1%

0,46

10,2%

0,55

11,9%

-

4,46

-

4,47

-

4,49

-

4,58

-

Ref.: 21/04/2019 a 27/04/2019 Preço Produtor de Gasolina A Comum

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4,50 4,50 Preço ao Consumidor de Gasolina C Comum Fonte: Relatório do Mercado de Derivados de Petróleo/MME (1) Correspondente à parcela de gasolina A (73%) na gasolina C. (2) Correspondente à parcela de etanol anidro (27%) na gasolina C. (3) Pis/Pasep, Cofins e Cide (etanol anidro e gasolina A). (4) ICMS. (5) Margens brutas incluem demais custos não identificados nesta tabela e margem líquida de lucro. Obs.: valores calculados a partir de dados ANP.

Assim, o só fato de não haver o repasse ao consumidor da redução do preço na refinaria não permite, a priori, inferir que o empresário se locupletou da

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por LEONEY FIGLIUOLO HARRAQUIAN, liberado nos autos em 15/07/2019 às 10:08 . Para conferir o original, acesse o site https://consultasaj.tjam.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 0634947-79.2019.8.04.0001 e código 5B054D1.

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diferença, exigindo-se, neste quesito, que os empresários justifiquem sua ação e a manutenção dos preços. A título obiter dictum, a Medida Provisória da Liberdade Econômica aduz: Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição: (...) V - gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia de sua vontade, exceto se houver expressa disposição legal em contrário; Já o segundo fundamento da inicial, qual seja, a possível prática de combinação de preços, os dados juntados às fls. 129/132, dos quais se infere uma uniformidade de preços, é possível concluir pela presença de indícios suficientes da probabilidade do direito, revelando-se o fumus boni iuris. Não obstante os elementos constantes nos autos, entendo que o deferimento da liminar encontra óbice no perigo de dano inverso, consubstanciado na irreversibilidade da medida, conforme §3º, do artigo 300, do Cód. de processo civil. § 3º. A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Na inteligência da previsão legal, uma vez concedida a tutela, da forma requerida, acaso não se confirmem as afirmações dos requerentes, os empresários suportarão prejuízos substanciais. Ao contrário, caso se confirmem as práticas abusivas, eventual locupletamento ilícito se resolverá na devolução dos valores excessivos, ainda que na forma da execução fluida (fluid recovery), conforme previsto no artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor, além de uma eventual reparação por danos morais coletivos. Outro argumento que afasta a liminar, da forma requerida na inicial, é a ausência de elementos que embasem uma redução percentual no preço ao consumidor. O fato de se constatar uma redução do preço na refinaria não conduz, necessariamente, à uma redução no mesmo percentual ao consumidor final, pelos mesmos fundamentos acima expostos, ou seja, o preço é formado por diversos elementos, inclusive mercadológicos, configurando-se imprudência deste juízo fixar um percentual aleatório de redução forçada dos preços quando, desde o ano de 2002 vigora a liberdade no mercado de combustíveis, conforme Lei nº 9478/97. Art. 69. Durante o período de transição, que se estenderá, no máximo, até o dia 31 de dezembro de 2001, os reajustes e revisões de preços dos derivados básicos de petróleo e gás natural, praticados pelas unidades produtoras ou de processamento, serão efetuados segundo diretrizes e parâmetros específicos estabelecidos, em ato conjunto, pelos Ministros de

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Estado da Fazenda e de Minas e Energia." (Redação dada pela Lei nº 9.990, 2000) (Vide Lei 10.453, de .13.52002) Art. 70. Durante o período de transição de que trata o artigo anterior, a ANP estabelecerá critérios para as importações de petróleo, de seus derivados básicos e de gás natural, os quais serão compatíveis com os critérios de desregulamentação de preços, previstos no mesmo dispositivo. Nestes parâmetros, não há, neste momento processual, elementos suficientes para se deferir a liminar da forma requerida. Forte nesses argumentos, INDEFIRO a TUTELA DE URGÊNCIA, sem prejuízo de futura apreciação se configurados elementos suficientes no decorrer da instrução. Oficie-se a Superintendência Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, para, considerando haver indícios suficientes de ilícitos, proceda como entender de direito. Oficie-se a Agência Nacional do Petróleo para, em colaboração com este juízo, analisar possível infração à Ordem Econômica conforme abordado no presente feito. Citem-se os requeridos na forma do artigo 334 do Código de Processo Civil. Intime-se o ESTADO DO AMAZONAS e o MUNICÍPIO DE MANAUS para, querendo, manifestar interesse no feito. Intimem-se. Cumpra-se. Manaus, 15 de julho de 2019. Assinatura digital LEONEY FIGLIUOLO HARRAQUIAN Juiz de Direito

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