MP-AM investiga desvio de uso da guarda de Coari para atividades da Polícia Militar

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE COARI

Portaria n. 9/2019 – 1ª PJC Inquérito Civil n. 8/2019 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS, por meio do Promotor de Justiça WESLEI MACHADO, no desempenho de suas atribuições constitucionais e legais previstas no artigo 129, inciso III da Constituição Federal, no artigo 26, inciso I da Lei nº 8.625/93, que instituiu a Lei Orgânica do Ministério Público: CONSIDERANDO que incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos do artigo 127 da Constituição Federal; CONSIDERANDO que é função institucional e dever do Ministério Público instaurar inquérito civil e propor ação civil pública, na forma da lei, para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos; para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público, à ordem jurídica ou ao regime democrático ou à moralidade administrativa do Estado ou do Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem, na


MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE COARI forma do Art. 25, IV, da Lei nº 8.625/93 e Art. 3º, inciso IV, alíneas “a” e “b”, da Lei Complementar Estadual nº 11/93; CONSIDERANDO que o inquérito civil poderá ser instaurado de ofício pelo membro do Ministério Público, desde que tenha notícia, por meio legalmente permitido, de informações sobre o fato e seu provável autor, bem como a qualificação mínima que permita sua identificação e localização (art. 28, inciso II da Resolução n. 6/2015-CSMP); CONSIDERANDO que a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência (art. 37 da Constituição Federal); CONSIDERANDO que, nos termos do art. 11 da Lei n. 8.429/92, constitui ato de improbidade administrativa, atentatório a princípios da Administração Pública, qualquer ação ou omissão que viole o princípio da legalidade, em especial: praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso aquele previsto na regra de competência; CONSIDERANDO que, de acordo com o art. 2º da Lei n. 4.717/65, são nulos aos atos lesivos ao patrimônio das entidades da Administração Pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos casos de ilegalidade do objeto e desvio de finalidade;


MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE COARI CONSIDERANDO que, conforme o parágrafo único do art. 2º da Lei n. 4.717/65, para a verificação dessas nulidades considerar-se-á: a) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado importa em violação da lei, regulamento ou ato normativo; e b) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência; CONSIDERANDO que, segundo o art. 144, § 8º da Constituição Federal, os Municípios poderão constituir guardas municipais para a proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei; CONSIDERANDO que às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (art. 144, § 5º da Constituição Federal); CONSIDERANDO que, ao regulamentar o art. 144, § 8º da Constituição Federal, a Lei n. 13.022/2014, permite às guardas municipais a atuação para a prevenção de infrações penais ou atos infracionais atentatórios aos bens, serviços e instalações municipais; CONSIDERANDO que, de acordo com o art. 125, § 5º da Constituição do Estado do Amazonas, os Municípios poderão constituir guardas municipais destina das à proteção de seus bens, serviços e instalações, sendo-lhes vedado o uso de armas de fogo de qualquer tipo, conforme dispuser a lei;


MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE COARI CONSIDERANDO que, segundo o art. 9º da Lei Orgânica do Município de Coari, compete ao Município a instituição da guarda municipal para a proteção de seus bens , serviços e instalações, conforme dispuser a lei; CONSIDERANDO o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 658.570, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 6 de agosto de 2015, “a regulamentação legal alusiva às funções dos guardas municipais apenas se mostra válida se mantiver alguma relação com a proteção dos bens, serviços e instalações do Município”; CONSIDERANDO que, desde o ano de 2007, conforme se verifica nos autos do Processo-PROJUDI n. 1604-06.2013, há a notícia de utilização indevida dos serviços da Guarda Municipal de Coari, no exercício da atividade de segurança pública de policiamento ostensivo; CONSIDERANDO que essa ação de improbidade administrativa foi proposta contra o Sr. Manoel Adail Amaral Pinheiro, à época prefeito municipal, e pai do atual prefeito, o Sr. Adail José Figueiredo Pinheiro, em razão dos seguintes fatos, conforme se vê na petição inicial do Processo-PROJUDI n. 1604-06.2013: A partir de meados de 2017, grupo de guardas do Município de Coari passou a exercer atividades próprias de instituições encarregadas de segurança pública, o que viria a se


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contextualizar em uma das páginas mais tristes da história deste ente federativo. Tal grupo recebeu a denominação de “Delta” e representativa “equipe de elite” da guarda municipal de Coari. [...] Neste contexto, uma das vítimas, Eliney Mendes Ferreira, neste lamentável histórico de violações aos direitos fundamentais da pessoa humana, em 6.11.2007, foi assassinado com requintes de crueldade, sob a acusação de suspeito da prática de homicídio contra um dos integrantes do grupo Delta da Guarda Municipal de Coari. Este triste e horrendo fato, que ainda hoje repercute negativamente e que extrapolou as fronteiras do Município de Coari, tem como réu os guardas municipais Rildo, Geraldo, Abdiel, Adriano e Cícero, não sendo possível excluir a participação de outros. Somente após a morte de Eliney, as notícias de exercício ilegal de atividade de segurança pública pela guarda municipal de Coari cessaram.

CONSIDERANDO que, mais uma vez na história coariense, de acordo com as notícias recebidas por este membro do Ministério Público, sob ordem do prefeito municipal de Coari e do Secretário Segurança Pública e de Defesa Social, a Guarda Municipal de Coari recebeu determinação para o exercício de atividades de segurança pública de policiamento ostensivo; CONSIDERANDO que, por meio de mensagens enviados com o uso de aplicativo WhatsApp, menciona-se que a Guarda Municipal, órgão


MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE COARI vinculado à Secretaria Municipal de Segurança Pública e de Defesa Social da Prefeitura Municipal de Coari, tem desempenhado atividades de policiamento ostensivo e de prevenção e repressão de crimes; CONSIDERANDO que, nessas mensagens, a título exemplificativo, há a menção de que, por determinação do Sr. Adail José Figueiredo Pinheiro, prefeito municipal, a Secretaria de Segurança Pública realizou/realizará, no mês de dezembro de 2019: “hoje (06.12) a Secretaria de Segurança definiu os últimos ajustes para as MEGA (sic) ações de segurança neste mês de dezembro, serão 3 ações: a) disque denúncia; b) operação CHASSI; c) Operação Dezembro Seguro”;

RESOLVE, por tais razões, instaurar o presente INQUÉRITO CIVIL para apurar a ilegalidade e o desvio de finalidade do uso dos serviços da Guarda Municipal de Coari para o desempenho de atividades de policiamento ostensivo, em descompasso com a sua missão constitucional de defesa dos bens, dos serviços e das instalações públicas municipais e determino a adoção das seguintes providências: 1. REQUISITAR do Secretário Municipal de Segurança Pública e de Defesa Social, do Prefeito Municipal de Coari/AM e do Comandante do 5º Batalhão de Polícia Militar informações sobre a existência de convênio entre o ente municipal e Polícia Militar do Estado do Amazonas para que a Guarda Municipal de Coari exerça atividades de policiamento ostensivo


MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE COARI e/ou atividades conjuntas com a instituição militar; 2. REQUISITAR do Secretário Municipal de Segurança Pública e de Defesa Social e do Prefeito Municipal informações detalhadas sobre as ações desempenhadas pelos guardas municipais, bem como a cópia do(s) livro(s) de ocorrências da Guarda Municipal de Coari do ano de 2019; 3. Recomendar: a) ao Secretário Municipal de Segurança Pública e de Defesa Social e ao Prefeito Municipal a cessação imediata da realização de atividades de segurança pública pela Guarda Municipal, inclusive sob a forma de rondas ostensivas, restringindo a atuação desse órgão público apenas à defesa dos bens, serviços, e instalações do Município de Coari, como a proteção de praças, edificações e logradouros públicos mediante a atuação preventiva dos guardas municipais, bem como desative imediatamente o número utilizado no “disque denúncia”; b) ao Comandante do 5º Batalhão de Polícia Militar do Estado do Amazonas a não inclusão de guardas municipais em ocorrências e/ou diligências executadas/realizadas pela Polícia Militar do Estado do Amazonas no Município de Coari, nem a permissão para que integrantes da Guarda Municipal de Coari tenham acesso a rádio frequência ou disque notícias criminosas utilizados pela instituição militar, bem como prenda em flagrante delito qualquer agente público municipal que desempenhe, em usurpação de função pública, as atividades de policiamento ostensivo e o


MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE COARI conduza à presença da Autoridade Policial; c) à Autoridade Policial, titular da Delegacia Interativa de Polícia em Coari que, em caso de verificação de desempenho ilegal de atividades de policiamento ostensivo por guardas municipais, adote as providências cabíveis em razão da prática do delito de usurpação de função pública, nos termos do art. 328 do Código Penal; 4. ENVIAR cópia dos presentes autos ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado do Amazonas; 5. NOMEAR, sob compromisso, para secretariar os trabalhos atuando neste Inquérito Civil, a Sra. Onilvania Assunção, servidora à disposição desta 1ª Promotoria de Justiça de Coari/AM; 6. AFIXE-SE, na portaria desta 1ª Promotoria de Justiça de Coari/AM, cópia desta portaria; 6. PUBLIQUE-SE esta portaria no Diário Oficial de Ministério Público do Estado do Amazonas. Coari/AM, 17 de dezembro de 2019.


MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE COARI WESLEI MACHADO Promotor de Justiça Substituto


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