PARTE INTEGRANTE DAS REVISTAS AUTOESPORTE 541, GALILEU 227, ÉPOCA NEGÓCIOS 40 E ÉPOCA 627 E 628. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.
EDIÇÃOESPECIAL
AVITÓRIA DAÁFRICA
Qualquer que seja o resultado, organizar a Copa do Mundo pela primeira vez é um triunfo para o mais pobre dos continentes África do Sul x Brasil: quem fará um Mundial melhor Quem é e como vive Nelson Mandela O ranking das seleções mais caras
GRÁTIS
Tabela destacável da Copa
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APRESENTAÇÃO
aÁfricano centro do mundo
Todas as Copas se parecem, mas a primeira edição do torneio no mais pobre dos continentes promete ser diferente das outras André Fontenelle
a
s últimas Copas do Mundo foram marcadas pela padronização. De tal forma a Fifa – a Federação Internacional de Futebol – profissionalizou a organização do evento que lhe pertence que, seja nos Estados Unidos, seja na Coreia do Sul ou na Alemanha, todos os torneios se parecem: o mesmo ritual saúda a entrada dos times, as mesmas placas de propaganda podem ser vistas em volta do campo e o máximo que se vê de “cor local” é o vídeo de promoção turística que antecede a transmissão. Nem sempre foi assim. Os mais velhos certamente se lembrarão da chuva de papel picado que cobria os (péssimos) gramados da Copa da Argentina, em 1978, ou da ola que a torcida
mexicana importou dos Estados Unidos – e exportou para o mundo inteiro na Copa de 1986. Desta vez, na África do Sul, nem a padronização imposta pela Fifa impedirá um continente inteiro de ser uma das estrelas da festa. Soa como um chavão dizer que esta não será uma Copa como as outras, mas no caso deste mundial não poderia ser mais verdade. Uma amostra do que veremos foi dada no ano passado, na Copa das Confederações, quando a torcida majoritariamente negra ensurdeceu jogadores, jornalistas e turistas com suas vuvuzelas – nome tão sonoro quanto as cornetas que designam e que entrou imediatamente para o
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Joia
vocabulário mundial. Nos 31 dias de Copa, a festa promete ser ainda maior que no ano passado, não só pela óbvia diferença de escala – 32 times, contra oito; 64 jogos, ante 16 –, como pela presença de seis seleções africanas, algumas delas muito fortes, na primeira Copa disputada no continente. Certo, já se sabe que o número de torcedores da própria África nas arquibancadas dos dez estádios da Copa será pequeno – houve mais pedidos de ingressos do Canadá, país que nem vai disputar o torneio, que da Nigéria ou da Argélia, estes sim classificados. Mas isso se deve mais aos preços dos bilhetes, que foi sendo reduzido à medida que ficava evidente quão proibitivos eram, do que ao desinteresse do torcedor. Nunca uma seleção africana foi além das quartas de final de uma Copa do Mundo. As maiores glórias do continente no futebol, até hoje, foram os títulos olímpicos da Nigéria, em 1996, e de Camarões, em 2000.
Mesmo assim, em paixão pelo futebol dificilmente outro continente rivaliza com a África. Esta edição especial de ÉPOCA procura contar a história da paixão africana pelo futebol. Ela não poderia ser mais bem ilustrada que pelo ensaio fotográfico das próximas páginas, de autoria de Jessica Hilltout, fotógrafa belga. Ela percorreu de carro seis países africanos e, em vez de voltar com os clichês de animais selvagens e paisagens exóticas que apenas reforçam os estereótipos sobre o continente, documentou as raízes da popularidade do futebol na África – nos campinhos de terra, com bolas de meia e traves improvisadas, que fazem lembrar o Brasil. Outra reportagem compara a África do Sul com o país sede da próxima Copa do Mundo, em 2014 – o Brasil. É apenas o começo da jornada pelo continente que será o centro do mundo durante um mês. Boa viagem a todos. u
Foto: FIFA Committee/Getty Images
A forma do estádio de Soccer City, em Johannesburgo, sede da final da Copa, lembra uma típica panela de barro africana
pAtroCínio
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SUMÁRIO
DIRETOR GERAL Frederic Zoghaib Kachar
DIRETOR DE MERCADO ANUNCIANTE Gilberto Corazza DIRETOR DE ASSINATURAS Renato Barbosa
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ENSAIO
A fotógrafa belga Jessica Hilltout percorreu seis países da África em busca das raízes do futebol no continente
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O MANDELA REAL
Quem é o “santo vivo” que, aos 91 anos, ainda ajuda a manter a África do Sul unida
ÁFRICA DO SUL X BRASIL Qual dos dois países está mais bem preparado para organizar uma Copa do Mundo? ........................................ 24 HISTÓRIA Como décadas de racismo impediram que a África do Sul se tornasse uma potência do futebol .............................................................28 TWITTER A CBF liberou os microposts durante o mundial. Pode não ter sido uma boa ideia ................................................................... 32 QUANTO VALEM OS CRAQUES Uma comparação entre as seleções mostra que, hoje, a Espanha vale mais que o Brasil ..................................... 34
EDITOR: André Fontenelle. REPÓRTERES E EDITORES: Leopoldo Mateus, Letícia Sorg. Colaboradores: Tales Torraga, Valmir Storti. SECRETARIA EDITORIAL: Marco Antonio Rangel. REVISÃO: Araci dos Reis Rodrigues (coordenadora), Alice Rejaili Augusto, Dario da Silva, Elizabeth Tasiro, Gilberto Nunes, Silvana Fernandes, Verginia Rodrigues. ARTE: Fernando Pires. INFOGRAFIA: Alberto Cairo (diretor) e Marco Vergotti. FOTOGRAFIA: André Sarmento (editor), Sidinei Lopes (assistente) e Mario Alves Marinho.
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DIRETOR DE REDAÇÃO: Helio Gurovitz epocadir@edglobo.com.br REDATOR-CHEFE: David Cohen DIRETOR DE CRIAÇÃO: Saulo Ribas EDITORES-EXECUTIVOS: André Fontenelle, Guilherme Evelin, Ivan Martins DIRETOR DE ARTE: Marcos Marques EDITORES: Alberto Bombig, Alexandre Mansur, Celso Masson, Luís Antônio Giron, Marcos Coronato, Ricardo Mendonça REPÓRTERES ESPECIAIS: Camila Guimarães, Cristiane Segatto, José Fucs, Kátia Mello, Peter Moon EDITORES-ASSISTENTES: Fernanda Colavitti, Juliano Machado, Luciana Vicária, COLUNISTAS: Christopher Hitchens, Fareed Zakaria, Fernando Abrucio, Mauro Halfeld, Marcio Atalla, Max Gehringer, Paulo Guedes, Paulo Moreira Leite, Paulo Rabello de Castro REPÓRTERES: Aline Ribeiro, Ana Aranha, Bruno Ferrari, Francine Lima, Livia Deodato, Marcela Buscato, Mariana Sanches, Mariana Shirai, Rodrigo Turrer, Thiago Cid, Wálter Nunes Estagiários: Carlos Giffoni, Daniella Cornachione, Danilo Venticinque, Eliseu Barreira Junior, Julio Lamas SUCURSAIS l RIO DE JANEIRO: epocasuc_rj@edglobo.com.br Praça Floriano, 19 – 8o andar – Centro – CEP 20031-050 Diretora: Ruth de Aquino; Editora-assistente: Martha Mendonça Repórteres: Nelito Fernandes, Rafael Pereira; Estagiários: Leopoldo Mateus, Maurício Meireles l BRASÍLIA: epocasuc_bsb@edglobo.com.br SRTVS 701 – Centro Empresarial Assis Chateaubriand – Bloco 2 – Salas 701/716 – Asa Sul Chefe: Eumano Silva; Editor: Leandro Loyola; Repórter Especial: Andrei Meireles; Editora-assistente: Isabel Clemente; Repórteres: Juliana Arini, Leonel Rocha, Marcelo Rocha, Murilo Ramos; Estagiária: Naiara Lemos FOTOGRAFIA l Editor: André Sarmento; Assistente: Sidinei Lopes DIAGRAMAÇÃO E INFOGRAFIA l Editor de Arte: Alexandre Lucas Chefe de Arte: José Eduardo Cometti; Diagramadores: Daniel Pastori Pereira, David Michelsohn, Fernando Pires, Sérgio dos Santos; Estagiária: Nathalia Lippo Infografistas: Gerson Mora, Luiz C. D. Salomão, Marco Vergotti, Nilson Cardoso SECRETARIA EDITORIAL l Coordenador: Marco Antonio Rangel REVISÃO l Coordenadora: Araci dos Reis Rodrigues; Revisores: Alice Rejaili Augusto, Dario da Silva, Elizabeth Tasiro, Gilberto Nunes, Silvana Fernandes, Verginia Rodrigues ÉPOCA ONLINE l epocaonline@edglobo.com.br Editor: Sérgio Lüdtke; Editora-assistente: Liuca Yonaha; Repórteres: Danilo Casaletti, José Antonio Lima, Laura Lopes, Renan Dissenha Fagundes; Estagiário: André Sollitto Tecnologia da Informação: Carlos Eduardo Garcia Desenvolvedores: Leandro Paixão, Márcio Espósito, Marcos Sixel Web Designers: Andréia Passos, Daniel Mack, Renato Tanigawa, Valter Bicudo CARTAS À REDAÇÃO: Anna Carolina Lementy epoca@edglobo.com.br Assistente-executiva: Jaqueline Damasceno; Assistentes: Ana Cláudia Ribeiro dos Santos, Gisele Felix, Fernando Medrado F. da Silva; Pesquisa: CEDOC/Globopress DIR. DE PUBLICIDADE CENTRALIZADA: Alexandre Barsotti, Eduardo Leite, Tida Cunha; Executivos de Negócios: Alexandre Betti, Andreia Santamaria, Arlete Sannomiya, Flávio de Almeida Pires, Luiz Sergio Siqueira, Roberta Fairbanks, Sandra Regina Pepe, Simone Orlandi, Thais Eboli Haddad DIR. DE PUBLICIDADE SP: Demetrio Amono Netto; Gerentes de Publicidade SP: Lúcio Del Ciello e Rosangela Vicente Fernandes Executivos de Negócios SP: Bruno Teixeira, Cláudio Castellari, Eduardo Racy, Marisa de Souza, Neusi Brigano, Valquíria Blasioli Leite, Wagner dos Santos; Executivos de Negócios On Line: Fernando Monis,Patrícia Leal, Samuel Sabbag Ferreira Braga, OPEC Online: Rodrigo Oliveira e Everton Parra; DIR. DE ESCRITÓRIOS REGIONAIS: Marcelo Barbieri; Rio de Janeiro: Fernanda Santa Roza (gerente), Andrea Muniz, Débora da Rocha, Fernando Lapa, Gabriel Corrêa, Márcia Torres (executivos de negócios); Brasília: Sérgio Bairrada das Neves (gerente); DIR. DE PROJETOS ESPECIAIS E EVENTOS: Reginaldo Andrade COODENADORA DE EVENTOS: Paola Massari e Mariana Ottaiano COORD. DE PUBLICIDADE: José Soares COORD. DE PESQUISA DE MERCADO: Dina de Oliveira GER. GERAL DE CAPTAÇÃO - PRESTADORES DE SERVIÇO: Rosemery Brito; COORD. GERAL DO TELE INTERNO ATIVO: Rodrigo Roque; GER. DE VENDAS CORPORATIVAS: Reginaldo Moreira da Silva; GERENTE DE ATENDIMENTO AO CLIENTE: Arlete Grespan; COORD. DE VENDAS ONLINE: Ana Carolina Soler; COORD. DE MARKETING DIRETO E DATABASE MARKETING: Luciana Martinez DIR. DE VENDAS AVULSAS E MARKETING LEITOR: Regina Bucco; COORD. DE VENDAS AVULSAS: Eliza de Campos; COORD. DE MARKETING LEITOR: Maristela Foggi, Lígia Azenha, Elisangela de Souza
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Fotos: Patrick Swirc/Corbis Outline e Jessica Hilltout
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ENSAIO FOTOGRÁFICO
Um continente, Uma
BoLa A Copa na África do Sul premia a paixão dos africanos pelo futebol
Jessica Hilltout (fotos)
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Bola de papel
O menino Nelito e sua bola, em Nhambonda, Moçambique. Jessica Hilltout percorreu a África para registrar o futebol “de raiz”
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ENSAIO FOTOGRテ:ICO
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Ă?dolos
Messis de Burkina Faso, Ronaldos sul-africanos, Drogbas de Gana. O amor pelos craques ĂŠ expresso nas costas das camisas
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ENSAIO FOTOGRテ:ICO
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Campo aberto
Um jogo infantil em Golomotti, no Malauí. “Sempre há um pedaço de terra plana por perto para jogar”, diz Jessica
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ENSAIO FOTOGRテ:ICO
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improviso
Bolas, chuteiras e traves de futebol de rua de Burkina Faso, Gana e Moçambique. “Futebol não custa nada”, afirma Jessica
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ENSAIO FOTOGRテ:ICO
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orgulho
Orlando, de Moçambique (foto maior), e crianças de Gana, Burkina Faso e Malauí. As fotos compõem o livro Amen – Grassroots football
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SOCIEDADE
CENA COMUM
Uma favela (township) de Johannesburgo. Dezesseis anos depois do fim do apartheid, as desigualdades persistem
A DIFERENÇA EM NÚMEROS Os rankings destas páginas comparam o desempenho da sede da última Copa (Alemanha) com o das próximas duas (África do Sul e Brasil) em vários indicadores. Para facilitar a comparação, foram incluídos o melhor e o pior país em cada índice. Como se vê, nem sempre estamos à frente dos sul-africanos
DESIGUALDADE Índice de Gini*
IDH 24,7
DINAMARCA
Índice de Desenvolvimento Humano
NORUEGA
28,3
0,947
55,0
0,813
57,8
0,683
74,3
0,340
ALEMANHA
ALEMANHA
BRASIL
BRASIL
ÁFRICA DO SUL
Fonte: ONU (2009) *Escala de 0 a 100, em que zero representa a igualdade absoluta
0,971
ÁFRICA DO SUL
NAMÍBIA
NÍGER
Fonte: ONU (2009)
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PIORESQUENÓS?
Uma comparação entre o Brasil e a África do Sul mostra que a Copa de 2014 não será necessariamente melhor que a deste ano
O
rganizar uma Copa do Mundo depois da perfeita edição realizada pelos alemães em 2006 seria um desafio para qualquer país. É uma tarefa ainda mais dura para nações em desenvolvimento, como a África do Sul e o Brasil. O mundial do próximo mês e o de 2014 mostrarão até que ponto nações como essas são capazes de dar conta da tarefa. O último mundial em um país do Terceiro Mundo ocorrera no México, em 1986, quando uma Copa ainda não custava os US$ 6 bilhões estimados hoje. O mais provável é que, tanto no caso da África do Sul quanto no do Brasil, ocorram problemas de organização, mas que o torneio transcorra sem maiores dificuldades. Realizar 64 partidas de futebol e receber
PIB
Renda per capita anual – em US$
500 mil turistas no período de um mês, afinal, não chega a ser tarefa impossível para dois países desse porte. A Fifa chegou a ameaçar mudar a Copa de país, três anos atrás, quando as obras nos estádios sul-africanos pareciam quase irremediavelmente atrasadas. Havia nisso um pouco de jogo de cena para fazer a África do Sul se mexer. No fim, dos dez estádios, nove ficaram prontos vários meses antes da partida inaugural. Apenas um, o Mbombela, de Nelspruit, foi terminado poucas semanas atrás. Ricardo Teixeira afirmou faz três anos que o sucesso de organização da Alemanha não o preocupava tanto, pois a comparação da Copa do Brasil, em 2014, será feita com a de 2010, na África do Sul, e não com a de 2006. Seria bom, porém, que o presidente da Confederação s
IMPOSTOS
Países que menos taxam a população
GLOBALIZAÇÃO
Nota geral para a abertura do país ao mundo
104.511 | LUXEMBURGO
12,0 | CATAR
92,95 | BÉLGICA
40.874 | ALEMANHA
84,0 | ÁFRICA DO SUL
84,16 | ALEMANHA
8.220 | BRASIL
106,3 | ALEMANHA
65,60 | ÁFRICA DO SUL
5.823 | ÁFRICA DO SUL
126,3 | BRASIL
60,38 | BRASIL
163 | BURUNDI
167,9 | FRANÇA
20,69 | MIANMAR
Fonte: FMI (2010)
LIBERDADE ECONÔMICA
Condições para fazer negócios
Fonte: revista Forbes (2009)
PEDIDOS DE PATENTE
Soma de requisições entre 1995 e 2008
Fonte: Instituto Federal Suíço de Tecnologia (2010)
INOVAÇÃO
Índice global
89,7 | HONG KONG
6.648.298 | JAPÃO
4,86 | ISLÂNDIA
71,1 | ALEMANHA
1.545.971 | ALEMANHA
4,32 | ALEMANHA
62,8 | ÁFRICA DO SUL
47.337 | BRASIL
3,24 | ÁFRICA DO SUL
55,6 | BRASIL
15.338 | ÁFRICA DO SUL
2,97 | BRASIL
1,00 | COREIA DO NORTE Fonte: The Wall Street Journal Heritage Foundation (2010)
Foto: Siphiwe Sibeko/Reuters
André Fontenelle e Letícia Sorg
2,13 | SÍRIA Fonte: Wipo
Fonte: Insead (2009-2010)
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SOCIEDADE
Brasileira de Futebol se preocupasse um pouco mais, pois ao que tudo indica o torneio deste ano será mais bem organizado do que se imaginava. E, ao contrário do que muitos pensam, a África do Sul leva vantagem sobre o Brasil em vários indicadores sociais e econômicos. Certo, o Brasil tem um Índice de Desenvolvimento Humano mais elevado que o da África do Sul. O Índice de Gini – que mede a desigualdade interna de um país – daqui é melhor que o de lá. A renda média do brasileiro é superior à do sul-africano. Mas na África do Sul há menos interferência do governo nos negócios particulares; o país é mais aberto à globalização e tem um índice de inovação superior ao nosso; a corrupção é um pouco menor, a liberdade de imprensa é maior e investe-se mais na educação pública no ensino fundamental (leia quadros nestas páginas). Isso pode não significar necessariamente maior competência para organizar uma Copa do Mundo. Mas, quando se vê que, à espera das eleições de outubro, as obras para 2014 estão praticamente paralisadas, há motivos para acreditar que a África do Sul poderá vir a realizar um mundial melhor que o Brasil.
CORRUPÇÃO
Nota atribuída à honestidade nos negócios
ONDE FICA?
Entre os barracos da Favela da Maré, no Rio de Janeiro, e os townships de Johannesburgo, às vezes é difícil notar a diferença
LIBERDADE DE IMPRENSA
Grau de ameaça à independência jornalística
ENSINO FUNDAMENTAL
Gastos com educação pública por aluno – em US$
9,4 | NOVA ZELÂNDIA
0 | DINAMARCA
9.953 | LUXEMBURGO
8,0 | ALEMANHA
3,5 | ALEMANHA
4.837 | ALEMANHA
4,7 | ÁFRICA DO SUL
8,5 | ÁFRICA DO SUL
1.383 | ÁFRICA DO SUL
3,7 | BRASIL
15,88 | BRASIL
1.005 | BRASIL
1,1 | SOMÁLIA
115,5 | ERITREIA
39 | MIANMAR
Fonte: Transparência Internacional (2009)
IGUALDADE DE GÊNEROS
Oportunidades para homens e mulheres
Fonte: Repórteres sem Fronteiras (2009)
MORTE NO TRÂNSITO
Por 100 mil habitantes
Fonte: ONU (2009)
TECNOLOGIA
Condições e uso de internet
0,8276 | ISLÂNDIA
1,7 | ILHAS MARSHALL
5,65 | SUÉCIA
0,7709 | ÁFRICA DO SUL
6,0 | ALEMANHA
4,16 | ALEMANHA
0,7449 | ALEMANHA
18,3 | BRASIL
3,8 | BRASIL
0,6695 | BRASIL
33,2 | ÁFRICA DO SUL
3,78 | ÁFRICA DO SUL
0,4609 | IÊMEN
48,4 | ERITREIA
2,57 | CHADE
Fonte: Fórum Econômico Mundial (2009)
Relatório sobre Segurança nas Estradas (OMS) (2009)
Fonte: Fórum Econômico Mundial (2009-2010)
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SAÚDE
de Nelson Mandela, o país pôs um fim no sistema de segregação e deu início a esforços como o BEE (Black Economic Empowerment), um programa de incentivo econômico à população não branca, marginalizada nos anos de apartheid. Embora no Brasil nunca tenha havido uma política discriminatória semelhante, morrem assassinados proporcionalmente duas vezes mais negros que brancos, mostram dados do Mapa da Violência 2010. Some-se a isso mais de uma década de descaso em relação à aids e torna-se fácil explicar por que a expectativa de vida na África do Sul é de apenas 51 anos, contra um pouco mais de 72 no Brasil. O país sede da Copa deste ano é o que tem o maior número absoluto de casos de aids no mundo. Enquanto o Brasil é considerado um país modelo no combate à doença e em seu tratamento, a África do Sul ainda luta para conscientizar a população sobre a prevenção e para oferecer tratamento adequado. O presidente Jacob Zuma, que antes dizia se proteger da doença com duchas íntimas, tem recebido elogios por seus esforços para mudar de comportamento. Levará anos para que isso se traduza numa melhoria do indicador social mais negativo da África do Sul. ◆
HOMICÍDIOS
Gastos com saúde pública por habitante – em US$ Por 100 mil habitantes
EXPECTATIVA DE VIDA
Em anos
5.233 | LUXEMBURGO
0,5 | JAPÃO
82,7 | JAPÃO
2.533 | ALEMANHA
1,0 | ALEMANHA
79,8 | ALEMANHA
367 | BRASIL
30,8 | BRASIL
72,2 | BRASIL
364 | ÁFRICA DO SUL
69,0 | ÁFRICA DO SUL
51,5 | ÁFRICA DO SUL
4 | BURUNDI Fonte: ONU (2009)
DESEMPREGO
Em % da população ativa
43,4 | ZIMBÁBUE Fonte: ONU (2009)
DESEMPENHO AMBIENTAL
Nota para as políticas de proteção
Fonte: ONU (2009)
TURISMO
Nota para a competência em receber viajantes
0 | MÔNACO
93,5 | ISLÂNDIA
5,68 | SUÍÇA
7,4 | BRASIL
73,2 | ALEMANHA
5,41 | ALEMANHA
8,2 | ALEMANHA
63,4 | BRASIL
4,35 | BRASIL
24 | ÁFRICA DO SUL
50,8 | ÁFRICA DO SUL
4,1 | ÁFRICA DO SUL
95 | ZIMBÁBUE
32,1 | SERRA LEOA
2,52 | CHADE
Fonte: CIA World Factbook (2010)
Foto: Hipólito Pereira/Ag. O Globo
Em alguns itens, a infraestrutura da África do Sul é superior à brasileira. Todas as cidades sedes da Copa são interligadas por excelentes estradas. Os aeroportos foram ampliados e a maior companhia aérea do país, a South African, tem um excelente histórico de segurança. Os maiores temores em relação à Copa dizem respeito às sedes menores do mundial, como Bloemfontein e Polokwane, cidades de aeroportos acanhados e modestíssima rede de hotéis. Se em vários outros indicadores a África do Sul perde para o Brasil, isso se deve ao legado de décadas de segregação racial. Isso se reflete, sobretudo, na altíssima taxa anual de homicídios, a mais elevada do mundo, segundo a OMS, que faz até o Brasil parecer um país seguro na comparação. Como era de esperar, a taxa entre a população negra, sobretudo masculina, é maior. De acordo com o equivalente sul-africano do IBGE, os negros correspondem a 76,7% da população, mas são 81% das vítimas de morte violenta entre os homens. Os brancos são 9,7% da população, mas 4% das vítimas. A situação é mais grave dentro do contexto de ódio racial motivado pela política do apartheid, que negou direitos iguais aos negros até 1994. Sob a liderança
Fonte: Universidade Yale (2010)
Fonte: Fórum Econômico Mundial (2009)
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HISTÓRIA
Umadversário difícildederrotar
O racismo foi – e ainda é – o maior obstáculo ao desenvolvimento do futebol na África do Sul André Fontenelle
Q
uando se sabe que no início deste ano o técnico Carlos Alberto Parreira teve de trazer a seleção da África do Sul ao Brasil para um estágio de aprendizagem, é curioso pensar que um dia os times brasileiros já foram surrados pelos sulafricanos. Foi assim em 1906, quando um combinado de lá atravessou o Atlântico para golear por 4 a 0 uma espécie de precursor da Seleção Brasileira. É que o futebol começou a ser praticado na África do Sul muito antes de Charles Miller desembarcar
– ou seja, pode-se dizer que já se jogava futebol na África do Sul antes mesmo de o futebol existir. Era um futebol muito diferente do de hoje – nas fotos posadas, registro histórico raríssimo, vê-se que cada time tinha 18 jogadores – mas a essência do jogo já era a mesma. Em muitas coisas o futebol sul-africano precedeu o brasileiro. Em 1892, foi fundada a primeira federação sul-africana de futebol. Em 1897, um forte time da Inglaterra excursionou à região – curiosamente, tratava-se dos Corinthians, a mesma equipe cuja excursão ao Brasil, 13 anos mais tarde, motivaria a fundação do homônimo clube paulista. A Guerra dos Bôeres, entre 1899 e 1902 – o conflito que é uma espécie de “evento fundador” da atual África do Sul –, contribuiu indiretamente para a popularização do futebol: os soldados britânicos jogavam bola nas horas vagas, diante de entusiasmadas plateias de negros e de imigrantes indianos. Em 1899, um time de negros viajou para o Reino Unido para disputar uma série de partidas.“Foram tratados como atração circense e humilhados em campo”, afirma Lloyd Hill, professor da Universidade de Johannesburgo e pesquisador do tema. Compare-se com o Brasil, onde os jogadores negros apareceram por volta de 1906, mas só foram aceitos plenamente na década de 1920.
O futebOl é mais antigO na África dO sul que nO brasil: O primeirO jOgO registradO data de 1862 aqui com duas bolas, em 1894. O primeiro jogo de que se tem registro na África do Sul data de 1862, em Port Elizabeth, por coincidência uma das nove sedes da Copa deste ano. Enfrentaram-se dois combinados de brancos, um de nascidos na colônia (Colonial Born) e outro de nascidos na metrópole (Home Born). Note-se que só no ano seguinte as regras do “football association” seriam unificadas na Inglaterra
“brasileiros” No time campeão da liga negra na Província Ocidental, em 1964, os jogadores tinham apelidos como Zito, Pepe e Feola
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las sul-africanas para brancos baniram o futebol de suas atividades físicas para se dedicar exclusivamente ao rúgbi; o sucesso de equipes sul-africanas (exclusivamente brancas) em partidas contra os colonizadores ingleses fomentou a associação entre rúgbi e nacionalismo africânder. Enquanto isso, desde a primeira década do século XX o futebol espalhou-se rapidamente na população negra, de início entre os kholwas (negros cristãos) da região de Durban – por iniciativa de missionários americanos que acreditavam no papel “civilizatório” do esporte – e depois entre os mineiros de Johannesburgo, cidade que cresceu graças à corrida do ouro. s
Foto: reprodução
Estaria armado aí o cenário para a África do Sul se tornar uma potência do futebol do século XX, não fossem dois fatores que impediram seu desenvolvimento: a concorrência do rúgbi e o racismo. O primeiro é explicado, em parte, pelo segundo. O rúgbi e o futebol são duas variantes do mesmo conjunto original de regras. Nas escolas inglesas do século XIX, os dois esportes eram rivais. Em algumas triunfou o jogo com as mãos; em outras, aquele jogado com os pés. Na Inglaterra, o rúgbi se tornou um esporte de elite; o futebol, o favorito das classes populares. Na África do Sul racista, o rúgbi virou o esporte dos brancos; o futebol, o dos negros. Aos poucos as esco-
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HISTÓRIA
Sem poder político na União Sul-Africana (formada em 1910), os negros desenvolveram seu futebol afastados dos brancos. Durante décadas o país teve federações separadas para brancos, negros e mestiços. Quando a Fifa aceitou a filiação da África do Sul, em 1958, foi a “federação branca” que ela reconheceu. O país já vivia, desde 1948, sob o regime do apartheid.
do Cabo, durante uma excursão ao exterior. Seus dirigentes acertaram um amistoso contra uma equipe local, formada exclusivamente por brancos. Uma das exigências do contrato era que o time brasileiro alinhasse apenas seus jogadores de pele clara – o que teria ocorrido, não fosse a intervenção de um grupo de militantes negros que apelou à diplomacia brasileira. Um telegrama do presidente Juscelino Kubitschek cancelou o amistoso e evitou que o futebol brasileiro caucionasse, tacitamente, o apartheid. O vexame seria ainda maior considerando-se que, um ano antes, o Brasil fora campeão mundial com uma equipe inter-racial. A pluralidade étnica dos times do Brasil, em contraste tão evidente com a segregação absoluta na África do Sul, contribuiu para a imensa popularidade da Seleção Brasileira na África. “Saber que negros, mestiços e brancos podiam jogar juntos e vencer era um tapa na cara da ideologia do apartheid”, diz o sul-africano Peter Alegi, professor da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e autor de um livro sobre a história do futebol em seu país. Mesmo afastados do intercâmbio internacional, os
pioneiros
Os dois times que, em 1862, disputaram a primeira partida de futebol na África do Sul – um da metrópole e o outro da colônia
em 1959, pOr pOucO um time brasileirO nãO aceitOu jOgar apenas cOm brancOs numa excursãO aO cabO Foi somente a pressão dos demais países africanos que levou a Fifa, com alguma relutância, a suspender a África do Sul em 1961, por recusar-se a aceitar a formação de equipes inter-raciais. Por causa da segregação, poucos times de futebol estrangeiros punham os pés na África do Sul. Em 1959, a Portuguesa Santista fez uma escala na Cidade 30 > época , 24 de maio de 2010
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integrar-se rapidamente, deu lugar ao desencanto dos dois lados. O pacto que mantém a África do Sul unida pode ser resumido assim, grosso modo: a elite branca abriu mão do poder político em troca de uma relativa manutenção do statu quo. Hoje, porém, a maioria negra se impacienta com a lentidão na redução das desigualdades; e a minoria branca se esconde atrás de muros altos e arame farpado, vista como estrangeira na terra onde nasceu (na África do Sul, o termo africano é usado em geral para designar os negros, embora os brancos nascidos ali sejam igualmente africanos). No futebol, essa crise de identidade se exprime de forma não declarada. A polêmica em torno das vuvuzelas é um exemplo. As barulhentas cornetas são onipresentes nas partidas de futebol – e inexistentes nas de rúgbi. Quando a Fifa cogitou proibi-las na Copa, essa hipótese foi vista como uma ofensa à população negra. Em meio a previsões negativas, porém, a Copa do Mundo pode ter um papel unificador na África do Sul. Isso depende em boa parte de bons resultados da seleção local dentro de campo. “Uma Copa memorável vai gerar algum sentimento de patriotismo e desmentir estereótipos negativos sobre os africanos”, diz Peter Alegi. “Mas qualquer nova identidade sulafricana será efêmera se não for acompanhada de mudanças estruturais mais profundas.” u
Fotos: reprodução
times negros da África do Sul se inspiravam em nosso futebol. No pequeno museu do futebol do estádio de Green Point, na Cidade do Cabo, uma foto chama a atenção: é o Bafana Football Club, campeão provincial em 1964. Vários jogadores têm apelidos que remetem à Seleção Brasileira então bicampeã mundial: Pepe (reserva daquele time), Vavá, Zito, Dejalma (sic) e até Feola (o treinador em 1958) e Zezé (o técnico de 1954). Não é o único indício da influência inspiradora do Brasil no futebol sul-africano: um dos principais times sul-africanos, o Mamelodi Sundowns, criado na década de 60 em Marabastad, um bairro racialmente misto de Pretória, adotou a camisa amarela e o calção azul em homenagem à Seleção Brasileira. Por isso e pelo estilo de jogo vistoso, os Sundowns são conhecidos na África do Sul como Os Brasileiros. Só em 1992, quando o apartheid já agonizava, a África do Sul foi readmitida no seio da Fifa. O futebol cresceu rapidamente, a África do Sul se classificou para duas Copas do Mundo (1998 e 2002), formou uma liga profissional multirracial e chegou a estar entre as 20 primeiras colocadas do ranking da Fifa. De lá para cá, porém, o futebol sul-africano regrediu. Isso parece ser, em parte, reflexo de problemas mais profundos que os futebolísticos. A euforia dos primeiros anos pós-apartheid, quando Nelson Mandela foi eleito presidente, e brancos e negros pareciam
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TECNOLOGIA
craquesTuiTeiros
A menos que o “professor” Dunga controle os posts de seus craques, os microtextos podem se tornar a maior fonte de fofocas do mundial Leopoldo Mateus
N
o Twitter é assim: pensou, escreveu. A instantaneidade não permite muita reflexão. No futebol, isso significa desde presidentes de clubes anunciando contratações e “cornetando” os rivais até mulheres de jogadores reclamando da substituição do marido. Entre os convocados para a Copa da África, os usuários são Luis Fabiano, Kaká, Júlio César, Gilberto Silva e Grafite. A CBF
liberou o Twitter durante a Copa, desde que não se fale de “assuntos internos”. Mas todos os jogadores vão entender essa instrução da mesma forma? Se não for censurado por Dunga, o Twitter de Luis Fabiano promete dar que falar. Ele é o mais espontâneo de todos na Seleção. Conta de suas viagens, da vida em Sevilha e, claro, de futebol. “Amigos, tranquilos que não estou machucado, tratamen-
Quem segue quem na rede da Seleção
Kaká é o mais seguido. Luis Fabiano, o mais divertido
O tamanho do semicírculo representa o número de seguidores de cada um
A linha representa as as conexões entre cada um. A cor representa quem a pessoa segue
CBF FUTEBOL
52 mil seguidores
Veja o perfil dos jogadores da seleção brasileira que disputará a Copa do Mundo da África do Sul 8:02 PM May 13th via web
CArOLinE CELiCO
grAFiTE
KAKÁ
23 mil seguidores
4 mil seguidores
549 mil seguidores
Mas nem com o ar ta adiantando... Que calor.. Nao posso escrever no banco de traz do carro fco enjoada.. 10:04 AM May 2nd via Tweetie
Estou muito feliz com a convocação! Agradeço a força que todos estão me dando e prometo muito trabalho... 7:05 PM May 11th via web
Mais uma vitoria / another victory Xerez 0x 3 Real Madrid .. Gloria a Deus .. Thanks Lord !! 1:52 PM Feb 13th via UberTwitter
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to preventivo”, postou em 10 de maio. Seu reserva imediato, Grafite, é um de seus seguidores na rede. Assim como o Fabuloso, é um usuário frequente. Comenta o Campeonato Alemão, agradece convocações e até declara torcida por um de seus ex-clubes, o São Paulo. “E feliz pelo Tricolor mais uma vez estar chegando próximo ao topo da America!! Força SP!!!!”. O goleiro Júlio César é um dos seguidos por Grafite, mas seu perfil é recente e não se sabe ainda o que esperar dele. Gilberto Silva e Kaká, a dupla evangélica do Twitter, não devem render declarações inconvenientes a Dunga durante o torneio. Gilberto posta mensagens de incentivo ao Atlético Mineiro, seu ex-clube, conta fatos do cotidiano e não se cansa de louvar a Deus. “Fica com Deus galera que estou indo com Ele, abs a todos”, postou em 4 de maio. Kaká, seguidor de Gilberto, é o brasileiro
de maior sucesso na rede. São mais de 500 mil seguidores. Devido ao elevado alcance do perfil, todos os posts são feitos em inglês e português.As declarações são bastante parecidas com a de Gilberto. “Gloria a Deus!! Que alegria e privilegio uma convocação para a Copa do Mundo”, declarou após a convocação. Quem pode dar mesmo que falar não está entre os 23 de Dunga. Caroline Celico, mulher de Kaká, posta o tempo todo, não dá tempo de muita autocensura. E não costuma poupar os técnicos do marido. Em 11 de março, quando Kaká foi substituído no Real Madrid pelo técnico Manuel Pellegrini, ela retuitou: “Técnico covarde sempre tira um jogador cobrado para tentar desviar o foco de sua própria incompetência”. Esta será a primeira Copa do Twitter e pode ser que, virtualmente, ele quebre muitas das barreiras físicas impostas por Dunga. u
júLiO CÉSAr
rOnALdinhO gAúChO
giLBErTO SiLVA
LUiS FABiAnO
2 mil seguidores
49 mil seguidores
19 mil seguidores
43 mil seguidores
Curtindo a família e carregando as baterias pra final de domingo. Vamo q vamo! 5:36 PM May 13th via web
Arte: Fernando Pires e Marco Vergotti
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Quero disputar a Copa de 2014. Ainda sou um jogador válido. Nesta temporada consegui fazer o meu papel 9:00 AM May 17th via web
gente minha net ta uma bencao hoje, ate uma tartaruga ta mais rapida, desculpe se nao conseguir responde los 3:45 PM Apr 25th via web
na hora do hino no primeiro jogo, vai passar pela cabeca o quanto eu lutei ate chegar ali... 11:18 AM May 10th via Twitter in reply to profpablorap 24 de abril de 2010, época > 33
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MERCADO
QUANTO VALEM OS TIMES
Cruzando a idade dos jogadores com seu valor de mercado, chega-se a conclusões interessantes sobre os favoritos da Copa Valmir Storti
G
ráficos costumam assustar quem não gosta de matemática, mas quando bem empregados eles ajudam a analisar, num só golpe de vista, dados que numa tabela seriam impossíveis de compreender em seu conjunto. Os gráficos desta página cruzam dois tipos de informação: o valor de mercado dos jogadores (avaliados pelo site alemão Transfermarkt) convocados para a Copa e suas idades. O resultado permite tirar algumas conclusões. A primeira é que, ao contrário de outros mundiais, desta vez o Brasil não é a equipe mais valorizada. Na soma
dos 23 jogadores, a Espanha e a Inglaterra superam o Brasil. Exagero ou não, essas duas seleções dividem com a brasileira o favoritismo nos sites de apostas. Outra conclusão é que o time do Brasil, com média de idade de 29 anos, é mais experiente (ou mais velho, conforme o ponto de vista) que seus principais rivais. A seleção alemã, com média de 25 anos, é uma das mais jovens do mundial. Os gráficos mostram também que os craques argentinos tendem a valer mais no início da carreira, enquanto os brasileiros atingem o auge do valor por volta dos 28 anos, como Kaká. ◆
BRASIL 80
A linha vermelha vertical indica a média de idade dos jogadores de cada seleção. No caso do Brasil,
70
Cada pontinho representa um jogador. Nos gráficos ao lado, apenas os principais jogadores foram identificados
29,2 anos
VALOR DE MERCADO – EM EUROS 60
Kaká
50
50 milhões 40
Maicon
Daniel Alves
30
A linha vermelha horizontal indica o valor de mercado médio dos jogadores de cada seleção. No caso do Brasil,
Luis Fabiano Júlio César
20
Felipe Melo ThiagoSilva Michel Bastos Nilmar
10
Robinho
Elano
Ramires Júlio Baptista
Gomes
0 20
22
24
26
28
Lúcio
Juan Luisão
IDADE
Doni 30
15,35 milhões
Grafite
Gilberto Silva
Josué Kléberson 32
Gilberto 34
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ARGENTINA 80
Messi
ITÁLIA Média 27,3 anos
VALOR
80
Lionel Messi
80 milhões
60
Agüero
40
Média 28,3 anos
VALOR
De Rossi
40
Buffon
Tevez Média 12,8 milhões
20
IDADE
22
26
30
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Rossi
20
IDADE
ALEMANHA 80
Média 12,9 milhões
22
26
30
34
38
ESPANHA 80
Média 25,2 anos
VALOR
De Rossi
38 milhões
60
VALOR
Mario Gomez
27,5 milhões
60
60
Média 26,6 anos
Iniesta
Xavi
Xavi
65 milhões
Fàbregas 40
40 Média 24,3 milhões
Gomez Özil
20
IDADE
Média 12,1 milhões
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20
IDADE
PORTUGAL 80
VALOR
Cristiano Ronaldo
22
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INGLATERRA 80
Média 28,1 anos
Cristiano Ronaldo
75 milhões
60
Média 28,2 anos
VALOR 60
Wayne Rooney
53 milhões
Rooney Gerrard
40
40 Média 12 milhões
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Lampard Média 18 milhões
20
Deco Liédson
IDADE
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Arte: Marco Vergotti e Alberto Cairo
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Fontes: Transfermarkt.de (valores), Fifa (idades)
IDADE
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BIOGRAFIA
Lenda
Mandela em foto de 2001. Hoje suas aparições públicas são raras
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o verdadeiro
Mandela Frágil, recluso, aos 91 anos, ele ainda é um símbolo que mantém seu país unido. Seu biógrafo mostra o homem real Richard Stengel
d
lo saber quando deve recebê-los. Cumprimenta todos na cozinha, mas não sabe o nome de todos os seus seguranças. Sua persona é uma mistura de realeza africana e aristocracia britânica. É um gentleman vitoriano em um dashiki de seda. Seus modos são refinados – afinal, ele os aprendeu em escolas coloniais britânicas, com diretores que leram Dickens quando Dickens ainda estava escrevendo. Ele é formal: vai inclinar-se levemente e estender o braço para ceder-lhe a passagem. Mas não é nem um pouco afetado ou certinho – fala com detalhes quase cirúrgicos sobre a rotina dos banheiros na prisão da Ilha Robben ou como se sentiu quando seu prepúcio foi cortado durante o ritual de circuncisão tribal, quando tinha 16 anos. Usa talheres de prata quando está em Londres ou Johannesburgo, mas quando está na sua região natal, Transkei, prefere comer com as mãos, como é o costume local. Nelson Mandela é meticuloso. Retira lenços de papel de uma caixa e dobra cada um novamente antes de colocá-los no bolso. Eu o vi retirar um dos sapatos durante uma entrevista para desvirar uma meia, quando reparou que ela estava ao contrário. Na prisão, fez uma cópia de cada carta que escreveu durante duas décadas e manteve uma lista detalhada de todas as cartas que recebeu, com as datas de recebimento e de resposta. Dorme em um dos lados de uma cama king-size, s
URANTE QUASE TRÊS ANOS, A PARTIR DE 1992, o jornalista Richard Stengel – hoje diretor da revista Time – conviveu com Nelson Mandela para ajudar a preparar sua autobiografia. Tornou-se, a partir dessa época e desde então, um dos maiores conhecedores do ex-presidente sul-africano. No livro Os caminhos de Mandela – Lições de vida, amor e coragem (Editora Globo, tradução de Douglas Kim), Stengel fala do homem por trás do mito – um homem com defeitos e virtudes, mas cuja grandeza fica clara neste trecho do livro.
“
Nelson Mandela talvez seja o último herói puro do planeta. É o símbolo sorridente do sacrifício e da integridade, reverenciado por milhões como um santo vivo. Mas essa imagem é unidimensional. Ele seria o primeiro a lhe dizer que está longe de ser um santo – e isso não é falsa modéstia. Nelson Mandela é um homem de muitas contradições. Tem a casca grossa, mas se fere facilmente. É sensível ao modo como os outros se sentem, mas com frequência ignora aqueles que estão mais próximos. É generoso com relação a dinheiro, mas conta os centavos quando dá uma gorjeta. Não pisa um grilo ou uma aranha, mas foi o primeiro comandante do braço armado do Congresso Nacional Africano (CNA). É um homem do povo, mas se deleita na companhia de celebridades. É ávido por agradar, mas não teme dizer não. Não gosta de colher louros, mas vai deixáFoto: Patrick Swirc/Corbis Outline
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BIOGRAFIA
enquanto o outro lado permanece intacto e intocado. Levanta-se antes do alvorecer e faz a cama, meticulosamente, toda manhã, esteja em casa ou em um hotel. Vi a expressão de espanto de camareiras quando o encontraram fazendo a cama. Odeia atrasos e considera a falta de pontualidade uma falha de caráter. Nunca conheci um ser humano que consiga ficar parado como Nelson Mandela. Quando está sentado ou ouvindo, não mexe os dedos das mãos, ou os pés, não se move. Não tem tiques nervosos. Quando eu ajustava
grandes sedutores, ele próprio é facilmente seduzido – pode-se conseguir isso ao deixá-lo perceber que o persuadiu. O encanto é tanto político como pessoal. A política é, em última análise, convencer, e ele considera a si mesmo não tanto um Grande Comunicador, mas um Grande Convencedor. Ele irá convencê-lo por meio da lógica e do argumento ou por meio do charme – geralmente uma combinação de ambos. Ele sempre irá convencê-lo a fazer algo, em lugar de ordená-lo. Mas, se for necessário, dará ordens para que você faça algo. Ele necessita que gostem dele. Gosta de ser admirado. Odeia desapontar. Quer que, depois de encontrá-lo, você vá embora pensando que ele é tudo o que sempre imaginou. Isso exige uma tremenda energia, e ele se entrega a quase todo mundo que encontra. Quase todos veem o Mandela Completo. Exceto quando está cansado. Então seus olhos caem a meio mastro e ele parece estar dormindo em pé. Mas nunca conheci um homem que se reanimasse tanto com uma noite de sono. Ele pode dar a impressão de estar à porta da morte às dez da noite, e então, oito horas depois, às seis da manhã, vai estar lépido e vinte anos mais novo. Seu charme está em proporção inversa ao quanto ele o conhece. É afetuoso com estranhos e frio com os íntimos. O sorriso caloroso e afável é concedido a cada nova pessoa que entra em sua órbita. Mas o sorriso é reservado para os de fora. Eu o vi muitas vezes com seu filho, suas filhas, suas irmãs – o Nelson Mandela que eles conhecem muitas vezes parece ser um homem severo e sisudo, que não é indulgente com os pro-
MANDELA CONSIDERA A SI MESMO NÃO UM GRANDE COMUNICADOR, MAS UM GRANDE CONVENCEDOR. ELE NECESSITA QUE GOSTEM DELE. ODEIA DESAPONTAR sua gravata, alisava seu terno ou fixava o microfone em sua lapela, era como mexesse em uma estátua. Quando ele o está ouvindo, é como se você estivesse olhando para uma fotografia dele – mal se repara se está respirando. É um espírito encantador e confiante de que irá seduzi-lo, por quaisquer meios possíveis. É atencioso, cortês, cativante e, para usar uma palavra que ele odiaria, sedutor. E trabalha nisso. Aprenderá o máximo que puder sobre você antes de encontrá-lo. Quando foi solto, lia os artigos dos jornalistas e os elogiava individualmente, com detalhes específicos. E, como a maioria dos
UM deSTino eXcepcional
Filho da elite de uma etnia negra da África do Sul, Mandela sofreu como poucos a repressão do apartheid, mas seria o homem que poria fim ao regime de supremacia branca
1918
Nasce Rolihlahla Mandela, em Mvezo, vilarejo da província do Cabo. O pai e o bisavô paterno foram chefes do povo thembu. Seu nome de batismo significa “criador de caso” no idioma local
1925
Uma professora na escola lhe dá o nome inglês de Nelson. Mandela nunca soube o motivo da escolha
1927
Morre o pai de Mandela. Um chefe local torna-se seu tutor
1936
Começa a praticar boxe, uma de suas paixões
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SÍMBOLO
Mandela, no início de maio, com a Copa do Mundo nas mãos. Ele anunciou que não irá à cerimônia de abertura
1937
Entra para a faculdade de Direito na cidade de Alice, de onde seria expulso em 1940
1942
Começa a frequentar as reuniões do Congresso Nacional Africano (CNA)
1944
É um dos fundadores da Liga da Juventude do CNA. Casa-se com Evelyn, com quem teria quatro filhos
Fotos: Nelson Mandela Foundation/AP, Apic/Getty Images e Peter Magubane/AP
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1952
Preso e condenado a nove meses de prisão com trabalhos forçados, com sursis. Abre o primeiro escritório de advocacia negro da África do Sul, com o amigo Oliver R. Tambo
blemas deles. É um pai vitoriano/africano, não um pai moderno. Quando você lhe pergunta sobre algo de que não quer falar, mantém o rosto com o cenho franzido de desagrado. Sua boca se transforma em uma caricatura invertida do seu sorriso. Não tente forçar a questão – ele simplesmente vai ficar impassível e desviar a atenção para outro lugar. Quando isso ocorre, é como um dia ensolarado que de súbito fica nublado. Mandela é indiferente a quase todos os bens materiais – não conhece ou não se importa com marcas de carros, sofás ou relógios –, mas o vi enviar um segurança, que teve de dirigir por uma hora, para buscar sua caneta favorita. Ele é generoso com seus filhos quando se trata de dinheiro, mas não conte com sua generosidade se você é garçom. Uma vez, almoçamos em um restaurante elegante de um hotel em Johannesburgo, onde ele foi magnificamente servido. A conta chegou a mais de mil rands e vi Mandela examinar algumas moedas em sua mão e deixar uns poucos trocados. Depois que ele foi embora, passei uma nota de cem rands ao garçom. Não foi a única vez que fiz isso. Ele vai sempre defender o que acredita ser correto com uma teimosia virtualmente inflexível. Diversas vezes o ouvi dizer: ‘Isso não é certo’. Fosse algo mundano ou de importância mundial, seu tom de voz era invariável. Eu o ouvi dizer tal frase quando a chave de um segurança não abriu seu escritório e o ouvi dizer a mesma frase diretamente ao presidente sulafricano F.W. de Klerk, referindo-se às negociações constitucionais. Usou-a durante anos na Ilha Robben, quando falava com um guarda ou com o diretor da prisão. Isso não é certo. De forma bem básica, essa intolerância à injustiça era o que o instigava. Era o motor da sua insatisfação, seu simples veredicto sobre a básica imoralidade do apartheid. Ele via algo errado e tentava corrigi-lo. s Via injustiça e tentava repará-la.
1958
Divorcia-se de Evelyn e casa-se com Winnie, com quem teria duas filhas
1960
O CNA cai na ilegalidade e Mandela é detido
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BIOGRAFIA
Nelson Mandela teve muitos professores em sua vida, mas o maior de todos foi a prisão. A prisão moldou o homem que vemos e conhecemos hoje. Ele aprendeu sobre a vida e a liderança a partir de muitas fontes: o pai distante; o rei de Thembu, que o criou como filho; seus amigos e companheiros leais, Walter Sisulu e Oliver Tambo; figuras históricas e chefes de Estado, como Winston Churchill e Hailé Selassié; as palavras de Maquiavel e Tolstói. Mas os 27 anos que passou na prisão tornaram-se o teste que o fortaleceu e consumiu tudo o que era insignificante. A prisão ensinou-lhe autocontrole, disciplina e foco – as qualidades que considera essenciais à liderança – e ensinoulhe como se transformar num ser humano completo. O Nelson Mandela que saiu da prisão aos 71 anos era um homem diferente do que entrou nela aos 44. Vejam essa descrição do jovem Mandela feita pelo seu amigo mais próximo e ex-sócio, Oliver Tambo, que se tornou líder do CNA enquanto Mandela estava na prisão. ‘Como homem, Mandela é entusiasmado, emotivo, sensível, facilmente melindrado ao rancor e à retaliação pelo insulto e pela condescendência.’ Emotivo? Entusiasmado? Sensível? Facilmente melindrado? O Nelson Mandela que saiu da prisão não é nenhuma dessas coisas, ao menos aparentemente. Hoje, ele consideraria todos esses adjetivos censuráveis. Realmente, uma das maiores críticas que ele dirige a alguém é que é ‘emotivo’ ou ‘muito entusiasmado’ ou ‘sensível’. Repetidamente, as palavras que o ouvi usando para elogiar os outros foram ‘equilibrado’, ‘ponderado’, ‘controlado’. O elogio que fazemos aos outros é um reflexo de como nos vemos – e aquelas são precisamente as palavras que ele usaria para descrever a si mesmo. Como esse entusiasmado revolucionário tornou-se um homem de Estado ponderado? Na prisão, tinha de moderar suas respostas para tudo. Havia pouco que um prisioneiro pudesse controlar. A única coisa que você podia controlar – que você tinha de controlar
1962
Libertado, deixa o país ilegalmente para treinar para a luta armada; preso ao voltar, é condenado a cinco anos
1963
1982
1964
1985
É enviado à prisão de Robben Island
Condenado à prisão perpétua por “sabotagem”
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– era você mesmo. Não havia lugar para o impulso, a autoindulgência ou a falta de disciplina. Ele não tinha zona de privacidade. Quando entrei pela primeira vez na antiga cela de Mandela na Ilha Robben, assustei-me. Não havia espaço para um ser humano, era muito menor que o tamanho de Mandela. Ele não podia se esticar quando estava deitado. Era óbvio que a prisão o tinha moldado, literal e figurativamente: não havia espaço para movimento insignificante ou emoção, tudo tinha de ser aparado, tudo tinha de ser ordenado. Toda manhã e toda noite ele arrumava cuidadosamente os poucos bens que fora autorizado a ter naquela cela minúscula. Ao mesmo tempo, tinha de continuar a ser forte, todos os dias, diante das autoridades. Era o líder dos
É transferido para a cadeia de Pollsmoor
Rejeita oferta de libertação em troca da renúncia à luta armada
1988
Contrai tuberculose. É hospitalizado por seis semanas e transferido para outra prisão
Fotos: David Rogers/All Sport, Brian Bahr/ Getty Images e Greg English/AP
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UNIÃO
Mandela entrega a taça pelo título mundial de rúgbi a François Pienaar, em 1995. O gesto simbolizou a reconciliação
prisioneiros e não podia se degradar; todo mundo via ou percebia instantaneamente quem recuava ou fazia concessões. Ele se tornou ainda mais consciente do modo como era visto por seus companheiros. Embora tivesse sido isolado do mundo, a prisão era seu próprio universo e ele tinha de liderar lá tanto quanto, ou mais, do que quando saiu. E em meio a tudo isso tinha tempo – muito tempo – para pensar, planejar e aperfeiçoar, e então aperfeiçoar ainda mais. Durante 27 anos ponderou não somente sobre política, mas sobre como se comportar, como ser um líder, como ser um homem. Mandela não é introspectivo – ao menos, não no sentido de que irá falar sobre seus sentimentos ou pensamentos íntimos. Muitas vezes ficou frustrado – e, às vezes, irritado – quando tentei que analisasse seus sentimentos. Ele não é fluente nas línguas modernas da psicologia ou da autoajuda. O mundo no qual foi criado não foi afetado por Sigmund Freud. Ele medita muito sobre o passado, mas raramente fala sobre ele. Houve apenas um momento de autocomiseração que presenciei. Estávamos falando da sua infância e ele ficou olhando para longe e disse: ‘Sou um velho que só pode viver no passado’. E isso foi na época em que estava se preparando para ser presidente da nova África do Sul e criar uma nova nação – o momento do seu maior triunfo. Contudo, mais e mais eu lhe perguntava sobre como a prisão o tinha transformado. Quanto o homem que tinha saído em 1990 era diferente do que tinha entrado em 1962? Essa pergunta o irritava. Ou ele a ignorava, indo direto a uma resposta política, ou recusava a premissa. Finalmente, um dia, disse-me, exasperado: ‘Saí maduro’.
Com maturidade ele queria dizer que aprendeu a controlar aqueles impulsos mais juvenis, não que não fosse mais melindrado, ou magoado, ou que não ficasse bravo. Não significa que você sempre sabe o que ou como fazer; significa que você consegue comprimir as emoções e as ansiedades que interferem no modo de ver o mundo como é. Você consegue ver por intermédio delas e ver a si completamente. Ao mesmo tempo, ele compreendeu que nem todo mundo pode ser Nelson Mandela. A prisão o endureceu, mas destruiu muitos outros. Entender isso o tornou mais empático, não menos. Nunca foi senhor
SÓ PRESENCIEI UM MOMENTO DE AUTOCOMISERAÇÃO. FALANDO DE SUA INFÂNCIA, ELE OLHOU PARA LONGE E DISSE: “SOU UM VELHO QUE SÓ PODE VIVER NO PASSADO” absoluto sobre os que não conseguiram. Nunca culpou ninguém por ceder. Não, nem todo mundo pode ser Nelson Mandela. Ele lhe diria para ser grato por isso. Felizmente, poucos de nós precisam suportar em nossas próprias vidas o que ele teve de suportar na dele. Mas isso não significa que essas lições não são aplicáveis ao nosso dia a dia. Elas são. Sei disso porque a minha vida foi intensificada por causa delas. Para Mandela, a prisão refinou as lições de vida e liderança. Você pode aprendê-las por uma fração do que ele teve de ◆ pagar.
”
1990
1994
1993
1996
Libertado em 11 de fevereiro, é eleito vice-presidente do CNA
Recebe o Prêmio Nobel da Paz junto com Frederik W. de Klerk
É eleito presidente da África do Sul
Divorcia-se de Winnie
1998
No dia de seus 80 anos, casa-se com Graça, viúva do ex-presidente de Moçambique Samora Machel
1999
Deixa a Presidência sem tentar a reeleição
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