nº 490
www.brasilamericaeconomia.com.br
No 490 DEZ/2018 R$ 20,00 ISSN 1414-2341
BRASIL
Gestão focada em excelência operacional, compliance e privatização das distribuidoras triplica valor da companhia em dois anos
WILSON FERREIRA JUNIOR Presidente da Eletrobras
COMPROMISSO COM A MUDANÇA MARKETING A DISRUPÇÃO PODE FAZER UMA MARCA CRESCER DE FORMA EXPONENCIAL
JORGE COELHO/ELETROBRAS
Nesta edição
ENTREVISTA
26
Wilson Ferreira Junior, presidente da Eletrobras
Executivo que assumiu o comando da empresa em 2016 diz que seu compromisso fundamental era com a mudança e a reestruturação da companhia – “e assim o fizemos”, afirma
ESPECIAL
52
Registros para a história AméricaEconomia seleciona dez edições com entrevistados de destaque e oferece conteúdo que pode ser acessado integralmente na internet por meio de QR Code
AMÉRICA LATINA
64
Hospitalidade uruguaia País sul-americano bate recorde de visitantes – é um dos poucos do mundo em que o número de turistas num ano supera o de habitantes. Ministra do Turismo fala dos investimentos no setor e aborda a situação política do país
MARKETING
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Mudança no ranking das empresas mais valiosas Felipe Ramirez, responsável pela área de soluções da Kantar TNS e da Kantar Millward Brown para a América Latina, explica como a disrupção pode fazer uma marca crescer de forma exponencial
4 | AméricaEconomia
SEÇÕES 15 Editorial 38 Movimentos 40 Moderador
O Brasil está virando uma página importante da sua história. Vire também as páginas a seguir e veja o quanto tudo o que foi feito nos últimos anos
VA
LEU por mudar
o Brasil!
“Agora, podemos focar os estudos no que a gente realmente acha mais importante para o nosso futuro!” Mikael das Chagas Santos Estudante
O BRASIL PROMOVEU REFORMAS IMPORTANTES PARA SE DESENVOLVER E CRIAR MAIS OPORTUNIDADES PARA TODOS. O Novo Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular são uma verdadeira revolução na educação, aguardada por educadores por mais de 20 anos. A Reforma Trabalhista ajudou a modernizar as relações entre patrões e empregados. E já está trazendo oportunidades de emprego para os brasileiros.
Cerca de 800 mil carteiras de trabalho já foram assinadas até agora. E mais 2 milhões de novos postos de trabalho foram criados.
VA
LEU por retomar
o crescimento!
“A gente agora pode produzir mais porque a inflação tá controlada, o povo voltou a comprar, os juros baixaram e a gente tem crédito pra produzir!” Guilherme Bezerra Permínio Produtor Rural
O BRASIL COLOCOU A CASA EM ORDEM, AJUSTOU A ECONOMIA E VOLTOU A CRESCER. A economia está estabilizada, a inflação caiu e o país está crescendo: cerca de 800 mil carteiras de trabalho foram assinadas até agora. Milhões de brasileiros puderam sacar suas contas inativas do FGTS e antecipar o PIS/Pasep.
As duas últimas safras foram as maiores da história do país, com produção de 237,7 milhões de toneladas em 2017 e 229 milhões de toneladas em 2018.
VA
LEU por produzir e preservar!
“Preservar biomas é muito importante. Isso é uma riqueza do Brasil e quanto mais área protegida, melhor.” Cicera Vanessa Feitosa Morais Bióloga
O BRASIL ESTÁ CUIDANDO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA, SEM DESCUIDAR DA PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE, GARANTINDO UM FUTURO MELHOR PARA TODOS. O governo ampliou a oferta de crédito para os produtores rurais. E o aumento na produção ajudou a puxar os preços dos alimentos para baixo. Nunca nossa agricultura produziu tanto. Nos dois últimos anos, foram duas safras com recordes na produção de grãos.
O Brasil ratificou o Acordo de Paris e, em dois anos, o total das áreas de preservação do país dobrou. O Ministério do Meio Ambiente passou a fazer parte do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos, para avaliação preliminar das questões ambientais de grandes obras de infraestrutura.
VA
LEU para todos! “Agora eu tenho a minha casa. Eu achava que não ia conseguir. Valeu demais o Governo ter entregado essa obra!” Yana Karla Cezar Lucena Franco Dona de Casa
O BRASIL MANTEVE O COMPROMISSO COM QUEM MAIS PRECISA E OS PROGRAMAS SOCIAIS FORAM PRESERVADOS E ATÉ AMPLIADOS. Mais de 1 milhão de moradias do Minha Casa Minha Vida foram entregues em todo o país, desde maio de 2016. Pela primeira vez na história, o Bolsa Família zerou a fila de espera pelo benefício, que teve correção maior que a inflação no período.
O Novo Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular são uma revolução na educação, esperada há 20 anos, e vão ajudar os estudantes a se prepararem melhor para as suas vidas.
Valeu pelos sonhos retomados. Valeu por resgatar a esperança. Valeu por colocar o Brasil no rumo do crescimento. Valeu por fazer o país fechar um ciclo e começar outro fortalecido, com a economia recuperada, a democracia preservada e ordem e progresso para seguir em frente. Valeu por todos os brasileiros, que JUNTOS fizeram e continuarão fazendo um Brasil mais forte e feliz nos próximos anos. Hoje, a gente pode dizer... Valeu, Brasil.
Para saber mais, acesse: brasil.gov.br/valeubrasil
Editorial PUBLISHER E EDITOR Agostinho Turbian - publisher@editorai.com.br CEO Tathiana H. S. Turbian - tathiana@editorai.com.br ASSISTENTE DA PRESIDÊNCIA Eduane Andrade - eduane@editorai.com.br CONSELHO EDITORIAL Jorge Pinheiro Machado, presidente Antonio Carlos Romanoski, Elmano Nigri, Mario Garnero, Romeu Chap Chap, Toni Sando e Wilson Levorato
MARCOS SANTOS
Paulo Hebmüller Editor-chefe
Transformação e desafios
O
ano de 2018 apresentou, como se previa, uma disputa eleitoral acirrada no Brasil, com características de uma nova realidade que cada vez mais se fará presente na vida de todos nós: o uso intenso da tecnologia e das mídias sociais na política e no municiamento das chamadas guerras culturais. Há alguns anos, a rede era vista como grande campo de experimentação e de possibilidades de fazer com que setores significativos da sociedade, privados das ferramentas necessárias para o exercício pleno de sua cidadania, alcançassem melhores condições de formação, informação e participação. Essa visão de certa forma utópica tem sido fortemente abalada pela constatação de que, como no mundo real, o virtual também acaba propiciando concentração de poder e utilização da tecnologia em benefício de práticas eticamente condenáveis. Há de fato novas formatações na realidade política e econômica global cujas complexas características precisam ser detidamente estudadas para que possamos compreendê-las e aplicá-las de modo a promover mais justiça e equidade. Não custa lembrar que o nosso país permanece sendo um dos mais desiguais do mundo. No campo da imprensa e da comunicação, os desafios apontados pelo jornalista espanhol Gumersindo Lafuente num artigo de 2012 seguem reverberando. Lafuente descreveu a crise do jornalismo como “uma transformação que supõe a perda de um dos elementos-chave que convertia em essencial a existência de nosso ofício: a administração exclusiva da intermediação”. Pela primeira vez na história, continua, “as audiências tomaram a palavra e o poder, ao menos uma parte dele, e se fazem ouvir com tanto ímpeto que não só estão colocando em questão a indústria dos meios, mas também a maneira de exercer o jornalismo”. É com o olhar nesse e em outros tantos desafios que AméricaEconomia espera continuar cumprindo sua missão em 2019. A todos e todas que nos acompanham, desejamos um ótimo ano novo.
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TV AméricaEconomia Brasil
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Dezembro 2018 | 15
JORGE COELHO/ELETROBRAS
Entrevista | Wilson Ferreira Junior, presidente da Eletrobras
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O caminho da excelência sustentável
Executivo que assumiu o comando da Eletrobras em 2016 diz que seu compromisso fundamental era com a mudança e a reestruturação da companhia – “e assim o fizemos”, afirma Por Agostinho Turbian, publisher de AméricaEconomia, de São Paulo
U
m plano de negócios incisivo, iniciativas bem definidas e um objetivo claro: tirar a Eletrobras da pior crise de sua história. Foi assim que, em pouco mais de dois anos, o engenheiro Wilson Ferreira Junior trouxe resultados expressivos à maior empresa de energia elétrica da América Latina, atrelados aos pilares governança e conformidade, disciplina financeira e excelência operacional. “Podemos afirmar que a Eletrobras está mais forte”, destaca. Vivendo o que considera o maior desafio da sua carreira, o executivo aponta, nesta entrevista, suas principais realizações à frente da Eletrobras e fala da relevância da companhia para o setor elétrico e para o país. AméricaEconomia – O senhor já acumulava décadas de atuação no setor elétrico quando foi convidado para assumir a presidência da Eletrobras. Como recebeu o convite e como a sua experiência contribuiu para enfrentar esse desafio?
Wilson Ferreira Junior – Costumo dizer que isso é como ser convocado para a seleção brasileira. Assim, foi com orgulho que aceitei a oportunidade de honrar essa camisa, em julho de 2016, ciente da grande responsabilidade e da necessidade de resultados imediatos e expressivos. O setor elétrico brasileiro tem características únicas no mundo, e há que se entender suas peculiaridades e potencialidades. Profissionalmente, comecei minha carreira na Companhia Energética de São Paulo (Cesp), onde passei por diversas posições, desde estagiário até me tornar diretor de Distribuição, entre 1995 e 1998. Fui então convidado a ser presidente da Rio Grande Energia (RGE), entre 1998 e 2000, e presidente da CPFL Paulista, entre 2000 e 2002. Depois de 2002, assumi a presidência da CPFL Energia, o que me deu a oportunidade de participar da construção da maior empresa privada de distribuição de energia do Brasil e uma das maiores no segmento de geração e transmis-
“Aproximadamente
95%
da capacidade instalada da companhia provém de fontes limpas e renováveis” Dezembro Julho 2018 | 27
Entrevista
“Encontramos a empresa, em 2016, na maior crise de sua história, com uma dívida bruta de ”
R$ 45,5 bi
são. Paralelamente, fui presidente do Conselho de Administração da Bandeirantes Energia, de 2000 a 2001, da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), entre 2009 e 2010, e da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), de 2014 a 2016. Essas experiências, aliadas à minha formação – além de Engenharia Elétrica, cursei Administração e fiz mestrado em Planejamento Energético –, formaram as bases para o cargo que hoje tenho a oportunidade de ocupar. AE – O que a Eletrobras representa para o setor elétrico e para o Brasil? WFJ – A trajetória da Eletrobras, criada em 1962, confunde-se com a história do setor elétrico no Brasil. É um setor que levou o país a uma potência instalada de 161.000 MW em 2018 e que está intrinsecamente ligado ao impulsionamento do país, à sua capacidade de gerar riquezas e empregos. Ser líder da Eletrobras, o maior player desse setor, significa estar à frente da maior empresa de energia elétrica da América Latina: nada menos do que a quinta maior geradora hidrelétrica do mundo, responsável por cerca de um terço de toda a geração de energia do país e de metade do sistema de transmissão que interliga todas as regiões do Brasil. Mais do que isso, investimos em fontes energéticas limpas e renováveis, e aproximadamente 95% da capacidade instalada da companhia provém de fontes limpas e renováveis. Esses dados dão a dimensão da relevância da empresa não apenas para o setor em que atua, mas para milhões de brasileiros que contam com a contribuição da Eletrobras, todos os dias, para garantir a energia de que precisam em sua casa, em seu trabalho, em sua vida. AE – Qual era a situação da Eletrobras quando o senhor assumiu a presidência? WFJ – Encontramos a Eletrobras, em 2016, permeada pela maior crise de sua história, com uma dívida bruta de R$ 45,5 bilhões, aprofundada pela participação em grandes projetos por
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decisão do então governo, quando a empresa já apresentava prejuízo. A Medida Provisória 579, de 2012, reduziu em 65% o valor das tarifas nas concessões de controladas da Eletrobras que venciam em 2015, o que agravou a situação econômico-financeira da companhia, levando-a a acumular em apenas quatro anos prejuízos de mais de R$ 30 bilhões e a perder 20% da sua receita operacional líquida. O patrimônio líquido da empresa teve redução aproximada de 45% de 2011 a 2015. Obras em atraso e fraquezas materiais – sinais de alerta nos controles de uma empresa – completavam o cenário da crise. AE – Diante desse cenário, o que era preciso fazer? WFJ – Vivemos outros tempos, outra realidade, outras exigências, num contexto em que a empresa não conseguia mais ser competitiva. A relevância do seu passado, por si só, não garantiria sua sobrevivência no futuro. Por isso, como presidente da Eletrobras, assumi um compromisso fundamental com a mudança. Era preciso reestruturar a companhia. E assim o fizemos. Com todo o suporte do governo federal e do Ministério de Minas e Energia, cercamo-nos de toda a experiência técnica do nosso corpo de profissionais e entramos em campo para fazer da maior empresa de energia da América Latina também a melhor e a mais eficiente de todas. A “excelência sustentável” foi o mote de um amplo programa de reestruturação da companhia, materializado no Plano Diretor de Negócios e Gestão das Empresas Eletrobras, com estratégias e iniciativas pautadas nos pilares governança e conformidade; disciplina financeira; e excelência operacional. Graças a essas iniciativas, conseguimos sair de um valor de mercado de R$ 9 bilhões, em 2015, para mais de R$ 36 bilhões, agora em 2018. AE – O que foi feito em termos de excelência operacional? WFJ – A modernização da estrutura organizacional da Eletrobras trouxe a possibilidade de
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redução de custos e de aumento da sinergia nos processos. Exemplos disso, a centralização das atividades administrativas no Centro de Serviços Compartilhados (CSC) e a implementação de um sistema unificado de informação (ProERP) proporcionaram padronização e otimização de processos, com consequente redução de gastos de pessoal, material, serviços e outras despesas. Juntos, os dois projetos geram economia anual estimada em R$ 723 milhões. A redução de 758 funções gratificadas levou a uma economia anual de R$ 74,36 milhões; enquanto desligamentos voluntários de empregados promoveram uma economia adicional de R$ 1,086 bilhão. AE – Como isso se reflete nos novos empreendimentos da empresa? WFJ – Concentramos esforços para colocar em dia o cronograma de nossos empreendimen-
tos, concluindo importantes obras, que agregaram capacidade instalada ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Como principais obras concluídas, podemos destacar Santo Antonio (3.568 MW), Jirau (3.750 MW), Mauá 3 (591 MW) e São Manoel (700 MW). Vamos encher o lago de Sinop, e a linha Belo Monte Transmissora, com 2.092 km de extensão, foi finalizada. A usina de Belo Monte – que já apresenta 5.733 MW de potência em operação e 7.500 MW já instalados – estará em pleno funcionamento em outubro de 2019, quando se tornará a terceira maior hidrelétrica do mundo. Já são 12 turbinas em funcionamento e, a partir de agora, ligaremos uma a cada 45 dias. A partir de março, Belo Monte já será a maior usina exclusivamente brasileira, ultrapassando Tucuruí. Não temos nenhum parque eólico ou solar que não tenha sido conectado ao sistema, e 90%
Modernização da estrutura organizacional da Eletrobras trouxe diminuição de custos e aumento da sinergia nos processos. Atividades administrativas foram centralizadas, enquanto funções gratificadas foram reduzidas e houve economia de mais de R$ 1 bilhão com desligamentos voluntários de funcionários
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Entrevista
dos atrasos em obras foram eliminados. Também ampliamos nossa eficiência em comercialização, a partir de uma atuação integrada, com ganhos acumulados em 2017 de R$ 329,8 milhões e de R$ 320 milhões em 2018, e aumentamos a eficiência regulatória, principalmente com o reconhecimento dos investimentos em melhorias, com valor superior a R$ 1 bilhão.
ALEXANDRE MARCHETTI
Itaipu é líder mundial em produção de energia limpa e renovável, e também participa das pesquisas para desenvolvimento de veículos elétricos
AE – Nesse contexto, qual a importância da disciplina financeira? WFJ – Desde o início da nossa gestão, demos especial atenção ao endividamento da companhia. A relação dívida líquida sobre Ebitda ajustado é o mais importante indicador da saúde financeira de uma empresa, pois mede quantos anos são necessários para pagar a dívida com a geração de caixa atual. Quanto menor esse número, maior a confiança que os investidores depositam na companhia, e a Eletrobras atingiu o elevado índice de 8,8, em junho de 2016. Com disciplina financeira e estratégia, alcançamos 3,3 vezes no ter-
ceiro trimestre de 2018, refletindo a estratégia de aumento de 170% na geração de caixa e a redução de 15% na dívida líquida. A meta é deixar esse número inferior a 3 vezes, recuperando a confiança do mercado financeiro nacional e internacional. Nesse contexto, foi de suma importância a decisão de venda de empresas de distribuição deficitárias – já privatizamos seis das sete distribuidoras de energia da Eletrobras e o último leilão ocorre ainda em dezembro, o que trará ao consumidor melhores serviços e menores tarifas. Também foi muito importante a venda de participações minoritárias em sociedades de propósito específico, o que destinou R$ 1,3 bilhão à companhia. Além disso, pela primeira vez em 56 anos de história, o escritório central da Eletrobras no Rio de Janeiro está agora concentrado num único prédio, reformado especialmente para refletir os valores corporativos da Eletrobras e proporcionando economia de mais de R$ 2 milhões mensais com custos de aluguel.
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Entrevista
“Nossas ações buscam preparar a companhia para o futuro, deixando-a em condições de competir no ”
mundo 32 | AméricaEconomia
AE – Cada vez mais a sociedade exige que as empresas pautem suas atuações na ética e na transparência. Como a Eletrobras se posiciona em relação a esse tema? WFJ – Com o inestimável alicerce da Lei das Estatais (13.303/2016), promovemos importantes mudanças em nossa governança, unificando estatutos e alçadas e promovendo a troca de cerca de 90% dos administradores, além da avaliação independente de 200 conselheiros e diretores de nossas empresas e de 190 conselheiros indicados em Sociedades de Propósito Específico (SPEs) e empresas coligadas. Por meio da Diretoria de Conformidade da Eletrobras, criada com o objetivo de reforçar nossos controles internos, nossos canais de denúncia e nossa cultura da ética, lançamos o Programa de Integridade Eletrobras 5 Dimensões, a fim de fortalecer o ambiente de controles, cumprir as normas legais e regulamentares, bem como evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade. Dentre diversas iniciativas, o 5 Dimensões atualizou, ainda em dezembro de 2016, o Código de Ética e de Conduta das Empresas Eletrobras e implementou um Canal de Denúncias externo. Com a adequação a boas práticas de gestão da integridade e governança corporativa, a Eletrobras eliminou 85% das suas fraquezas materiais, e estamos próximos da meta de zerar essas fraquezas ainda em 2018, reduzindo os riscos críticos e proporcionando maior confiabilidade aos resultados da companhia. Também vale destacar outro ponto alto da governança na nossa gestão. Temos um verdadeiro dream team no nosso Conselho de Administração, composto por renomados profissionais de mercado, que passaram a fazer parte da companhia nesse contexto de mudanças. É um privilégio, como gestor dessa companhia, ter como presidente do conselho José Guimarães Monforte, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC); é inestimável poder contar com Vicente Falconi e toda a sua expertise em excelência operacional; assim como ter um
profissional do porte de Mauro Cunha na análise de nossas demonstrações financeiras. Eu poderia enumerar aqui as contribuições de cada um dos membros desse time que foi montado para garantir a transformação pela qual a Eletrobras precisava passar. Só a composição desse conselho, que já contou também com nomes como os de Elena Landau e de José Luiz Alquéres, é uma prova do compromisso do acionista majoritário com a mudança da empresa. AE – Como o mercado nacional e internacional percebe essas ações? WFJ – O mercado já reconhece nossos esforços. Fomos certificados no Programa Destaque em Governança de Estatais da B3, atendendo a seis medidas obrigatórias, e voltamos ao Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), também da B3. Obtivemos, agora em novembro, pela segunda vez consecutiva, nota máxima no indicador de governança IG-Sest, do qual fazemos parte, com nível de excelência, desde a sua primeira edição, em 2017. Além disso, solucionamos nossas pendências com o DoJ, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e fechamos acordos para encerrar as class actions contra a Eletrobras no exterior. Talvez o maior desafio que enfrentamos, ainda em 2016, tenha sido relativo ao pilar governança e conformidade, quando protocolamos com sucesso, junto à agência norte-americana que regulamenta o mercado de ações, a Securities and Exchange Comission, os formulários financeiros (20-F) de 2014 e de 2015, sob pena de termos nossas ações deslistadas da Bolsa de Valores de Nova York. AE – Qual o balanço que faz da sua gestão até o momento? WFJ – Hoje, podemos afirmar que a Eletrobras está mais forte. Todas essas ações buscam preparar a companhia para o futuro, tornando-a capaz de competir em condições de igualdade com os grandes grupos do setor elétrico mundial.
Entrevista
“O Brasil deveria
investir
de 4,5% a 5% do PIB em infraestrutura”
Acreditamos que eficiência e transparência são valores fundamentais para elevar nossa credibilidade junto a investidores, parceiros, acionistas, colaboradores e à sociedade brasileira. O novo capítulo da história da Eletrobras, que nosso time tem produzido nos dois últimos anos, objetiva tornar a Eletrobras sinônimo de inovação, eficiência e solidez, para que assim continue a trilhar o caminho da excelência sustentável. Somos uma empresa global, comprometida com o futuro do planeta e com o crescimento sustentável do país. Comprometidos, especialmente, com o desenvolvimento do Brasil de hoje e de nossas próximas gerações. AE – O senhor é um otimista por natureza. Qual o seu pensamento sobre o Brasil nos próximos anos? WFJ – Continuo otimista. O Brasil tem uma oportunidade única pela frente, até pelo que deixou de ser feito em anos anteriores, especialmente no que se refere à infraestrutura. O investimento que tem sido feito pelo Brasil nesse segmento, correspondente a 2% do seu PIB, não é suficiente sequer para repor a infraestrutura. Na própria América Latina, países como Chile, Peru e Colômbia têm investido 4,5% do PIB. O Brasil deveria ter como meta um investimento de 4,5% a 5% do seu PIB. O setor de energia está mais avançado, mas, em setores como o rodoviário, o ferroviário ou o de saneamento, por exemplo, ainda há muito a ser feito, gerando emprego e renda. Para isso, é necessário o compromisso do governo com reformas, como nos campos da Previdência e tributário, para que o crescimento do país se dê de forma robusta e sustentável. AE – O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, tem dito que o país vai crescer em taxas superiores às conhecidas. O Brasil corresponde a essa expectativa no setor energético? WFJ – Sem dúvida. O caso da Eletrobras é emblemático: tivemos uma crise profunda, mas trabalhamos no sentido de concluir nossos empreendimentos de geração de energia, como no
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caso de Belo Monte, que será a maior usina exclusivamente brasileira, além de outros empreendimentos expressivos que já citamos. A energia para o Brasil crescer, portanto, já está garantida. AE – Como o Brasil se situa no mundo no que se refere a energias limpas e diante do pensamento planetário sobre a sustentabilidade? WFJ – O Brasil é um exemplo para o mundo, visto que sua matriz energética é considerada uma das três mais limpas do planeta. Somos abençoados com um potencial hidrelétrico, que é explorado com respeito ao meio ambiente. A fonte eólica, por sua vez, tem apresentado crescimento expressivo, especialmente nas regiões Nordeste e Sul do país, com potencial, somente onshore, que supera os 300 mil MW. Trata-se de uma fonte com capacidade de produção de 50%, o que é considerado muito bom, equivalente a uma hidrelétrica. Com a melhora da performance das placas solares, essa fonte de energia cresce também em velocidade espantosa, mas ainda representa pouco diante do nosso potencial, se considerarmos que países como Alemanha e Itália, grandes produtores de energia solar mundial, têm nível de insolação menor que a média brasileira. Portanto, ainda temos muito a crescer também na fonte solar. Nossa matriz já é um das mais limpas do mundo e, com o tempo, teremos uma matriz ainda mais limpa e renovável. AE – Como o senhor avalia o desempenho das fontes eólica e nuclear? WFJ – Além do que já comentei, o Brasil, por sua política mais recente no setor, tem um parque produtor de equipamentos para produção de energia eólica, reunindo grandes fabricantes, o que nos traz vantagem competitiva. A fonte eólica foi a que mais cresceu nos últimos dez anos – e vai continuar a crescer. Quanto à fonte nuclear, obtivemos do Conselho Nacional de Política Energética o aval para a conclusão de Angra 3, o que será de grande importância para o Sistema Interligado Nacional
Entrevista
Itaipu, a empresa de energia que mais investiu na solução e na avaliação de impactos nesse tema. O motor elétrico tem eficiência de conversão de 95%, enquanto o índice no motor a combustão (álcool/gasolina) é de 40%. O carro elétrico é mais simples, do ponto de vista da construção, e não gera poluição atmosférica ou sonora. As principais montadoras do mundo já se comprometeram com a produção de carros elétricos, então essa é uma realidade que a nossa sociedade vai ter.
AE – O mercado tem falado muito sobre carros elétricos. Como a Eletrobras vê e planeja esse setor? WFJ – A Eletrobras contribuiu muito para o desenvolvimento de carros elétricos, através de
AE – O senhor aceitaria um convite para dar sequência ao trabalho à frente da Eletrobras? WFJ – Sim, aceitaria ficar no cargo. O setor elétrico é um setor complexo, que tem sido estudado pelo grupo de transição entre governos, e o novo ministro, recentemente indicado, poderá avaliar nossa contribuição. Tenho um compromisso com a companhia e gostaria de dar continuidade ao trabalho.
JORGE COELHO/ELETROBRAS
Pela primeira vez em 56 anos de história, o escritório central da Eletrobras no Rio de Janeiro está agora concentrado num único prédio, proporcionando economia de mais de R$ 2 milhões mensais com custos de aluguel
(SIN). As usinas de Angra estão localizadas próximas aos grandes centros consumidores do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais e, hoje, já fornecem 2 mil MW ao SIN. Com Angra 3, serão agregados mais 1400 MW. As bases da nova usina estão prontas e, em 2019, temos a missão de realizar uma concorrência internacional para seleção de um parceiro para concluir as obras até 2025.
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AE – Como foi trabalhar com o presidente Michel Temer? Por estar na equipe, o que o senhor diria sobre o trabalho desse governo no setor energético? WFJ – O governo foi bem-sucedido na área energética, e o setor elétrico teve melhorias regulatórias significativas. O ministro Fernando Coelho, de Minas e Energia, deu grande incentivo e patrocínio a soluções para modernização do setor e para a reestruturação da Eletrobras, trabalho que foi complementado pelo ministro Moreira Franco, no cargo desde abril. Já comprometido com o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), o ministro Moreira Franco deu continuidade a esse trabalho, que culminou com a venda das distribuidoras da Eletrobras, o que proporcionará tarifas mais baixas aos consumidores. Foi um período fértil, em que vivenciamos a recuperação da Eletrobras, com a redução da alavancagem e a valorização das suas ações e, no setor, uma maior atratividade para a participação de investidores em leilões de geração e transmissão.
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Movimentos
Ásia em alta, Brasil em baixa
Seis cidades do continente estão entre as dez mais visitadas do mundo, enquanto o Rio de Janeiro, principal destino do país, perde oito posições
A
Ásia está em alta: seis das dez cidades mais visitadas do mundo se localizam na região. A pesquisa Top 100 City Destinations 2018, realizada pela Euromonitor International, indica que Hong Kong e Bangkok estão no topo do ranking. Singapura, Macau, Kuala Lumpur e Shenzhen completam a lista das cidades asiáticas entre as dez primeiras posições. “A Ásia continua em ascensão, representando 41 das 100 cidades mais visitadas globalmente em 2018. Cidades japonesas e indianas se destacam pelo forte aumento no número de chegadas internacionais”, destaca Wouter Geerts, consultor de turismo da Euromonitor International. Três cidades entraram no ranking pela primeira vez. Batam (Indonésia), que subiu 31 posições desde 2012; Santiago (Chile), na posição 93; e Porto (Portugal), que subiu 42 posições desde 2012. Já o Rio de Janeiro, capital brasileira do turismo, apresentou 38 | AméricaEconomia
uma queda de 2,5% no número de chegadas internacionais em 2017, perdendo oito posições e ficando como a 94ª cidade mais visitada do mundo. O Rio não deve estar no top 100 em 2018. O número de chegadas internacionais na América Latina deverá alcançar 112,4 milhões de viagens neste ano. Os Estados Unidos são o país que mais envia estrangeiros à região, representando 45% do número de chegadas internacionais. É uma quantidade maior do que todo o movimento turístico internacional realizado entre países latino-americanos. “O turismo internacional, em nível global, deverá apresentar um crescimento de 5%, chegando a 1,4 bilhão de viagens em 2018. Ao considerarmos esse crescimento somente entre os 100 principais destinos, a taxa sobe para 7,5%. Os centros urbanos estão ampliando sua importância para a indústria global de turismo” explica Geerts. AméricaEconomia Brasil
2018
2012
2014
Oferecimento:
Moderador ENGEVAL
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ENGENHARIA DE AVALIAÇÕES www.engeval.com.br
Indicadores de desenvolvimento
Otimismo sueco M
ais de 72% das companhias suecas presentes no Brasil estudam ampliar as suas atividades no país e preveem crescimento para a sua operação nos próximos três anos. Neste ano, 52% das organizações conseguiram aumentar seu market share e 34% projetam uma presença acima de 40% para os próximos três anos. Os dados são da pesquisa Swedish Business Climate in Brazil, que contou com a participação de 72 empresas
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sociativistas), Governança para o Desenvolvimento (participação e controle social, articulação e gestão pública), Organização Produtiva (aglomerações e diversificação produtiva) e Inserção Competitiva (especialmente informações do comércio internacional). Em relação aos estados, São Paulo (0,538), Rio de Janeiro (0,491), Distrito Federal (0,473), Santa Catarina (0,436) e Rio Grande do Sul (0,434) ocupam as cinco primeiras posições. Os resultados estão disponíveis para consulta no site www.isdel-sebrae.com. AméricaEconomia Brasil
e foi realizada pela Câmara do Comércio Sueco-Brasileira (Swedcham Brasil) em parceria com a Llorente y Cuenca, consultoria de comunicação corporativa, e o Team Sweden Brazil. Presentes em mais de 17 setores da economia, as empresas suecas são responsáveis por 130 mil empregos diretos e indiretos em todo o Brasil, sendo a maioria das vagas nos segmentos automotivo e de engenharia. AméricaEconomia Brasil
FOTOS: 123RF
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ão Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre e Belo Horizonte são as capitais que apresentaram as melhores colocações do Índice Sebrae de Desenvolvimento Econômico Local (Isdel). O indicador, criado pelo Sebrae Minas, faz uma análise de dados sobre as cinco dimensões responsáveis por promover o desenvolvimento econômico local. O índice analisa 30 indicadores, com base em fontes oficiais, divididos em cinco dimensões: Capital Empreendedor (educação, renda e densidade empresarial), Tecido Empresarial (relacionado à existência de elementos do tecido social, tecido empresarial, programas e ações as-
Entrevista | Felipe Ramirez Lakhovsky, Chief Solutions Officer da Kantar TNS e da Kantar Millward Brown para a América Latina
Saber o que precisa ser mudado, investir para fazer a diferença e aprender rápido para seguir com os ajustes são pontos fundamentais para uma empresa se manter relevante no mercado, diz economista que já acompanhou o crescimento de muitas companhias latino-americanas
“A disrupção pode fazer uma marca crescer de forma exponencial” 42 | AméricaEconomia
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Por Felix Ventura, de São Paulo
U
m estudo da Kantar Millward Brown – instituto de pesquisas com especialização em marcas, comunicação e mídia – constatou que, tendo por base o uso da disrupção, apenas 6% de 2.052 marcas avaliadas obtiveram um crescimento de 4% em nível global entre 2014 e 2017. O estudo é derivado de uma análise chamada BrandZ, considerada a maior base de
dados mundial de brand equity [valor intangível de uma marca]. O índice é realmente baixo, diz Felipe Ramirez Lakhovsky, responsável pela área de soluções da Kantar TNS e da Kantar Millward Brown para a América Latina. Ramirez afirma que a disrupção se apresenta de várias formas: “pode estar associada a produtos e serviços, mas também à maneira de se comunicar e de se relacionar com o cliente”. Nesta entrevista exclusiva à AméricaEconomia, o economista e especialista em Gestão de Marketing pela Universidade do Rosário, na Colômbia, fala sobre o cenário da disrupção na América Latina e no mundo, aponta algumas das dificuldades das empresas para promover mudanças e cita cases locais e globais de iniciativas bem-sucedidas. América Economia – Qual é sua avaliação sobre o ainda baixo índice de crescimento com base na disrupção constatado na pesquisa? Felipe Ramirez – Isso se deve a várias razões. Uma das principais está relacionada às marcas ou categorias de produtos já estabelecidas, como bebidas carbonatadas [refrigerantes e água com gás, por exemplo] e chocolates, entre vários outros gêneros. Essas marcas possuem três grandes barreiras na hora de serem disruptivas. A primeira está ligada ao foco que as companhias dão aos países que estão trazendo maior retorno, às variedades mais procuradas de produtos e às estratégias de comunicação que funcionaram anteriormente. Elas continuam, por assim dizer, sem sair de sua zona de conforto. O segundo fator diz respeito à “prisão da eficiência”, na qual muitas empresas, a fim de entregar bons resultados financeiros, se concentram num método de “portas para dentro”, com a prática de corte de custos, dinamização da cadeia de valor e preparação de pessoas com a finalidade de garantir melhores rendimentos. Essa introspecção não gera um ambiente propício para a disrupção, visto que não alcança o consumidor.
“Combinar diferentes fontes de informação permite encontrar novos cenários e
oportunidades” Dezembro 2018 | 43
Entrevista
Na última década houve uma mudança significativa no tipo das empresas que compõem o grupo das dez mais valiosas do
mundo
O terceiro motivo está associado ao modo como utilizamos os dados. Muitas vezes as empresas tendem a usar os dados coletados em pesquisas sem aproveitá-los de maneira projetiva. Isso está mudando rapidamente com o que chamamos de analytics. Utilizar diferentes fontes de informação permite, em combinação e de modo sistemático, identificar padrões e necessidades insatisfeitas e encontrar novas oportunidades e cenários para novos produtos. Então, quando se produz uma análise de dados muito embasada no presente e no passado, sem fazer projeções futuras, deixa-se de conseguir muitos elementos para a prática da disrupção. AE – É possível identificar em quais países as marcas têm um melhor desempenho ao aplicar os conceitos disruptivos e quais são as regiões de maior crescimento para as marcas? FR – O que se vê são diferentes tendências que estão em conformidade com as várias regiões geográficas. Quando fazemos um comparativo entre as marcas mais valiosas do mundo há dez anos e as dez marcas que aparecem no ranking deste ano, não vemos uma mudança drástica com relação às regiões geográficas de origem dessas empresas, mas sim uma mudança significativa no tipo de empresa nas dez primeiras posições. Em 2008, tínhamos entre as primeiras colocadas, em sua grande maioria, companhias da área de tecnologia, como Google, General Electric, Microsoft, China Mobile, IBM e Apple. Já em 2018, temos Google, Apple, Amazon, Microsoft, Visa, McDonald’s e Alibaba. Pelo menos 60% das dez primeiras têm origem nos Estados Unidos, são do setor tecnológico e têm como base a disrupção. Globalmente, os Estados Unidos desempenham um papel fundamental. Em contrapartida, há a entrada de empresas do ramo alimentício, de meios de pagamento e de comércio eletrônico para diversificar o cenário. Não podemos deixar de lado marcas que vêm de países emergentes como China e Índia. Na China observamos transformações muito grandes principalmente em empresas de telecomu-
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nicações e do segmento de varejo eletrônico, todas alavancadas pela tecnologia. Nos países emergentes, nos quais incluo o Brasil, justamente por estar entre os maiores desenvolvedores de aplicativos do mundo – e um aplicativo nada mais é do que um meio de facilitar a prestação de serviços –, vem ocorrendo uma revolução na maioria dessas empresas de tecnologia. Há polos muito importantes de desenvolvimento tecnológico e startups, para além da relevância fundamental do Vale do Silício – por exemplo, no sul da França e em Israel, com uma participação bastante expressiva em conjunto com diversas localidades árabes que começam a trilhar o caminho do progresso tecnológico. E não podemos deixar de lado os países asiáticos, como o Japão e a Coreia do Sul. Temos o verdadeiro gigante oriental que é a China e também a Índia, embora com algumas limitações. AE – Como uma empresa pode ser disruptiva? FR – A disrupção se apresenta de várias formas: pode estar associada a produtos e serviços, mas também à maneira de se comunicar e de se relacionar com o cliente. Do ponto de vista técnico, quando focalizamos um produto, qualquer país pode fazer uma disrupção, a depender da criatividade e da excelência dessa criatividade. Quando o nível de disrupção é maior e a criatividade é relativamente boa, as marcas analisadas em nossos estudos de 2006 a 2018 que foram disruptivamente criativas cresceram mais de 154%. Quando o parâmetro passa a ser a criatividade disruptiva com boa propaganda bem executada, amplificou-se o valor dessas mesmas marcas em 265%. Muitas marcas que entram na seara da disrupção não mensuram seus resultados e não monitoram seus investimentos de forma adequada. Com isso, gastam o dinheiro e, posteriormente, não há meio para reinvestir. Aprender rápido para alcançar grandes retornos é apenas uma das conclusões presentes em todos os estudos que realizamos. Portanto, é muito importante que se faça o monitoramento para evitar perdas nos va-
AE – E como se faz isso? FR – Temos três pontos que ajudam nossos clientes a trilhar os caminhos disruptivos. O primeiro é saber o que precisa ser mudado: é um trabalho de pesquisa e conhecimento do consumidor. É absolutamente crucial entender quais são as necessidades não satisfeitas. O segundo elemento é investir para fazer a diferença. Ao identificar lacunas em relação, por exemplo, a produtos que não estão trazendo retorno, é preciso fazer investimentos para preencher esse espaço. E o último é aprender rápido para que se possam fazer refinamentos e ajustes que vão permitir que a marca continue sendo relevante para a clientela. Veja o caso da Apple: Steve Jobs demorou muito enquanto projetava os computadores Mac, no início dos anos 1980, e teve que fazer muitos ajustes em seus equipamentos. Porém, após o lançamento do iPod [em 2001], ele identificou instantaneamente a relevância de seu produto, reinvestindo nesse projeto e abrindo caminho para chegar ao que é hoje o iPhone. Ele aprendeu rápido, seguiu melhorando e refazendo novamente em diferentes formatos, níveis e conceitos. AE – O conceito de disrupção ainda provoca receio em muitas pessoas justamente por alterar padrões e rotinas de trabalho. Como a inovação pode contribuir para a criação de empregos no cenário brasileiro, em que o desemprego vem crescendo? FR – Esse é um ponto bastante importante e tem a ver com as revoluções industriais. Se pensarmos no princípio do século passado, com as grandes mudanças na indústria nas décadas de 1920 e 30, o grande medo na Europa e nos Estados Unidos era de que os empregos com tarefas repetitivas pudessem ser afetados. Com o transcorrer do tempo, a história mostrou uma retomada do nível de emprego, pois alguns processos são mudados, mas outros são criados na
mesma medida. Isso sempre aconteceu nas revoluções industriais. O que vejo com a 4ª Revolução Industrial não é diferente: surgem novas posições e novos tipos de empregos. Num primeiro momento, as indústrias vão sofrer na implementação de algumas tecnologias e acumular baixas, mas isso vai configurar um período de ajustes de curto prazo. A composição de empregos de dez anos atrás era diferente da que temos hoje. O ofício de cientista de dados, há quinze anos, era visto como algo estranho ou apenas para nerds que tinham que recorrer a universidades estrangeiras para completar seus estudos. Atualmente, os cientistas de dados são uma categoria-chave para o contexto tecnológico e são profissionais muito demandados pelo mercado. Observamos então uma migração de tarefas, mais do que uma redução de empregos. Felipe Ramirez Lakhovsky, Chief Solutions Officer da Kantar TNS e da Kantar Millward Brown para a América Latina
DIVULGAÇÃO
lores investidos e também para conseguir poupar e melhorar o padrão de disrupção.
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Entrevista
“Quarta Revolução Industrial trará novas posições e novos tipos de empregos”
A redução das posições de trabalho pode estar ligada a fatores como o cenário macroeconômico, mas, em relação à tecnologia, pode haver uma queda imediata que vai ser recuperada rapidamente pela migração de tarefas. AE – Qual é realidade da América Latina para a incorporação das práticas disruptivas nas empresas? FR – A América Latina é uma região muito diversa. O que permeia todos os países é que são, sem exceção, economias muito voláteis, e isso faz com que as sociedades precisem se reordenar e se repensar constantemente. Nesse contexto, muitas empresas têm que focar o seu desenvolvimento em inovações que precisam responder às
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demandas dos consumidores. Um exemplo desse tipo de adaptação é a redução da quantidade de produto nas embalagens, com o propósito de baratear o custo. Podemos identificar esse tipo de ação como uma espécie de adequação às variações macroeconômicas. Por conta das instabilidades, somos bastante criativos. As empresas do bloco têm essa visão transversal de tomar elementos de diferentes partes e criar coisas extraordinárias. Para ilustrar o crescimento da disrupção, temos o case da empresa colombiana Rappi, que já está presente em São Paulo, Rio de Janeiro e algumas outras cidades brasileiras e que acaba de se constituir como a primeira startup unicórnio da Colômbia – ou seja, uma empresa que chega a US$ 1 bilhão em
Entrevista
“A disrupção não tem valor se não tiver um
sentido”
avaliação de preço de mercado nos primeiros cinco anos de operação. Essa companhia já está conquistando espaços gigantescos na América Latina, com presença na Argentina, Chile, México e Uruguai. Identificando uma demanda de clientes por comodidade, ela se especializou em distribuição de produtos e, através de um aplicativo com uma vasta base de estabelecimentos cadastrados entre supermercados, restaurantes, farmácias etc., oferece um serviço de entrega monitorado pelo cliente em tempo real através de mapas. A disrupção está na facilidade para obter o produto evitando deslocamentos e poupando tempo. Em países da Europa e nos Estados Unidos, existem fundos de investimentos para alavancar boas propostas, mas o que temos por aqui ainda não me parece tão substancial, o que de certo modo freia o desenvolvimento das startups. Há outras variáveis econômicas, como o maior protecionismo de alguns países, o que acarreta falta de eficiência e de tecnologia para fomentar setores importantes. Também temos a questão fundamental da educação. Enquanto o sistema educacional não melhorar nos nossos países, teremos limites de desenvolvimento. AE – Quais os países latino-americanos mais propícios para o mercado de inovação e nos quais a disrupção está mais desenvolvida? FR – Existem países em diferentes estágios de desenvolvimento. Quando avaliamos o eixo criativo em que eles se movem, quem vem à cabeça? Argentina, Brasil e México – mas a Colômbia também começou a fazer coisas muito interessantes. Quando falamos em tecnologia, destaco o Chile, que está criando muitas startups e novas soluções. O Brasil tem muito potencial e é um mercado enorme para a disrupção, e já se observa um grande desenvolvimento no eixo de varejo. O México vai muito bem no quesito criatividade. Numa premiação de eficiência publicitária latino-americana [Effies] em 2017, na qual fui jurado, uma marca de cerveja mexicana venceu
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a disputa pelo tipo bastante disruptivo de comunicação que adotaram. Como é um país em que existe um nível altíssimo de maus-tratos às mulheres, a campanha vencedora desafiou os padrões masculinos dizendo que somente aqueles que não agredissem as mulheres teriam direito a beber a cerveja. A campanha teve resultados sensacionais, uma vez que assumiu uma posição de responsabilidade social. No Brasil, uma campanha lançada pela L’Oréal para o Dia Internacional da Mulher estrelada por uma transexual surtiu efeitos muito positivos. Isso é comunicação disruptiva – mas ela precisa estar num contexto. A disrupção não tem valor se não tiver um sentido. AE – Qual é o cenário das marcas que mais utilizam os conceitos disruptivos para expandir os seus negócios no Brasil? FR – Temos no Brasil a rede de Postos Ipiranga, uma das marcas mais conhecidas, que conseguiu ser bastante disruptiva em seu padrão de comunicação. Essa marca praticamente dobrou de tamanho num período de oito a nove anos, dentro de um parâmetro que chamamos de power score, que mede o potencial de crescimento, com base na adoção de uma comunicação muito
“NOS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA, A ECONOMIA É MUITO VOLÁTIL E, POR CONTA DAS INSTABILIDADES, SOMOS BASTANTE CRIATIVOS. AS EMPRESAS DO BLOCO TÊM ESSA VISÃO TRANSVERSAL DE TOMAR ELEMENTOS DE DIFERENTES PARTES E CRIAR COISAS EXTRAORDINÁRIAS. O BRASIL TEM MUITO POTENCIAL E É UM MERCADO ENORME PARA A DISRUPÇÃO”
Entrevista
clara e simples, dirigida ao consumidor. Houve realmente uma diferenciação em relação à concorrência. Foi um crescimento de 30% na última avaliação que fizemos. Há várias outras marcas em crescimento, como as do setor bancário e as fintechs. Voltando ao panorama latino-americano, temos as cervejas Corona e a Skol como as mais valiosas, seguidas pelos gigantes Bradesco e Itaú. O potencial do varejo é representado pela companhia chilena Falabella. Uma marca global que vem avançando muito é o Google, que vai se adequando e criando customizações em cada país em que está presente.
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No varejo, as marcas disruptivas têm um crescimento muito maior
AE – Você mencionou o varejo. Como a disrupção vem se dando nesse setor? FR – Empresas como Amazon, Alibaba, Mercado Livre e Walmart se alimentaram de todo o desenvolvimento digital e continuam num ciclo de crescimento muito importante. Num dos
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nossos eventos recentes, mostramos alguns dados relativos à transformação do varejo nos últimos cinco anos e lançamos uma provocação: qual seria o maior varejista do mundo? Em 2013 era o Walmart. Em 2018, a plateia arriscou que seria a Amazon – na verdade, continua sendo o Walmart. A questão é justamente a mudança do ritmo de crescimento: as marcas disruptivas crescem muito mais. A Amazon, por exemplo, estava em 2013 no 9º lugar, e em 2018 aparece na 3ª colocação. O salto do Alibaba é ainda mais impressionante. Em cinco anos, passou de US$ 6 bilhões a US$ 246 bilhões e foi da 54ª posição, em 2013, para a 2ª em 2018, apresentando um crescimento de mais de 1.300% no período. Já marcas como o Carrefour crescem num ritmo mais moderado justamente por não terem nascido digitais. Com isso, visualizamos como a disrupção pode potencializar de forma exponencial o crescimento das marcas. AE – Quais são as principais variáveis que influem nesse processo? FR – Temos três elementos que fazem com que o brand equity – o conjunto de valores intangíveis dessas marcas – se traduza em valores tangíveis. O primeiro deles é o quão significativo pode ser aquele produto para os consumidores. Quando a Apple, por exemplo, começou suas operações, era apenas uma marca diferente e não representava alguma coisa. No momento em que os seus produtos e seus aparelhos passaram a resolver demandas da vida diária dos clientes, ganhou-se então um novo sentido. A significância é de extrema importância. O segundo fator é a diferenciação. É bom lembrar que nesse ponto existem vários níveis: quanto mais diferente, maior a chance de haver disrupção, que representa a saída dos cânones comuns. O último item diz respeito à saliência, ou seja, o quanto a marca está presente na sua mente. A saliência é toda e qualquer relação que temos em nosso entendimento que se liga a qualquer tipo de marca.
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2019: o ponto de inflexão para nossas empresas, governo e nação Tom positivo para o novo ano tem como contraponto a maior complexidade de decisões e projetos que precisam sair do papel
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á duas formas de medir como o mercado de tecnologia da informação deverá se comportar no novo ano - exercício que fazemos, inevitavelmente, a cada renovação de ciclo. A primeira delas é a busca por dados e perspectivas quantitativas, como pesquisas que tentam antecipar o provável cenário macroeconômico e os possíveis investimentos realizados no País. Outra maneira é perceber o clima que se instala nos corredores corporativos, o teor e o tom das conversas e os planos declarados de crescimento. Aqui na Lozinsky, percebemos a movimentação de várias empresas no sentido de desenvolver projetos claramente voltados à expansão. No planejamento estratégico para os próximos anos, constam fusões e aquisições, a fim de aumentar escala e permitir maior rentabilidade; ampliação do gasto com tecnologia, para tornar a organização mais competitiva; e a revisão dos planos, considerando um cenário provavelmente mais positivo em 2019. É nítido: quem tem o poder de decisão e de investir sabe que precisa acompanhar essa tendência favorável para não ficar para trás. Ainda que uns estejam mais otimistas, outros menos, existe uma visão predominante de que alcançamos um ponto de inflexão no País, mesmo com grandes dificuldades. Por outro lado, a demora em fazer deslanchar projetos tornará esses investimentos ainda mais complexos, em função do grau de sofisticação do negócio e das decisões de curto prazo. Esse momento exige o apoio de conhecimentos internos e externos, com experiência e se-
nioridade para trabalhar em ambiente de pressão. O Brasil sempre esteve no radar dos grandes investidores globais, ainda que não tenhamos vencido a instabilidade do cenário econômico e a perspectiva de que temos dificuldades para crescer. Só que agora, mais do que nunca, o desafio será provar que podemos assegurar condições políticas favoráveis, com instituições de credibilidade que proporcionem segurança àqueles que têm poder de decisão e enxergam o nosso mercado como alvo de investimento. O tom positivo do período pode ser notado também pela atuação do Movimento Brasil Digital, cuja missão é tornar a nossa nação mais inclusiva, inovadora e competitiva, promovendo crescimento para todos por meio da tecnologia. Grandes empresas dos principais setores da economia já ingressaram na iniciativa e mostram, assim, que o desenvolvimento de nosso País e de nossos mercados passam, necessariamente, pelo investimento de TI, seja nas empresas individualmente, no próprio governo ou na sociedade como um todo. Vamos conversar sobre como podemos, juntos, contribuir para fazer da tecnologia uma grande alavanca para o crescimento da sua organização?
É nítido: quem tem o poder de decisão e de investir sabe que precisa acompanhar essa tendência
favorável para não ficar para trás
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Especial
Registros para a história Nesta retrospectiva, AméricaEconomia oferece acesso ao conteúdo integral de dez edições que trazem a visão e o pensamento de lideranças do Brasil e do mundo
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etratar a realidade; fornecer ao público melhores meios para analisar e avaliar o que se passa ao seu redor, embasando assim decisões mais fundamentadas; apontar tendências; traçar cenários; valorizar o trabalho bem-feito; denunciar desvios e incorreções: essas são apenas algumas das tarefas e funções que a imprensa pode desempenhar. Nesta edição de final de ano, AméricaEconomia selecionou alguns exemplos de momentos de sua história recente em que – acreditamos – a revista conseguiu cumprir alguns desses objetivos. Escolhemos dez edições publicadas a partir de 2015 que trazem entrevistas significativas com personalidades destacadas do mundo da política, da economia, da indústria, da diplomacia e do cenário internacional. A série é aberta pelo príncipe Albert II de Mônaco – capa da edição 447, de maio de 2015 –, que destaca a importância da proteção da vida marinha. “Para avançar o desenvolvimento com a proteção ambiental, é importante pensar o que pode ser feito não só na terra, mas também nos oceanos. Tentar aprovar soluções envolvendo todos os tipos de energia, principalmente energia sustentável vinda do mar, como a das ondas e das marés. Todas elas têm se desenvolvido muito bem, mas precisam ser conduzidas de uma maneira sustentável”, diz na entrevista o monarca, criador de um fórum dedicado ao tema, a Monaco Blue Initiative. Também destacamos no especial grandes nomes da vida brasileira: incluímos, entre outros, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o jurista Ives Gandra Martins e o ex-ministro Rubens
Ricupero – que, por sinal, faz uma análise pouco lisonjeira do cenário político do país. FHC, por sua vez, aponta para a crise global da democracia representativa, afirmando que, principalmente por conta das mudanças tecnológicas, foi desfeita a ligação que existia entre os partidos e as classes que eles representavam: “a nova sociedade quebrou e fragmentou tudo isso”, diz. “As classes não têm a menor coesão, e hoje os partidos não conseguem expressar essa fragmentação da sociedade”. A avaliação dialoga com aquela feita por Klaus Schwab, o criador do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), que recebeu AméricaEconomia para uma entrevista exclusiva em sua passagem por São Paulo, em março de 2018, durante a realização da versão latino-americana do fórum – a revista, por sinal, foi um dos pouquíssimos veículos da imprensa brasileira a conversar com Schwab na ocasião. “Os grandes desafios do nosso mundo – meio ambiente, migração etc. – não podem ser resolvidos apenas por governos ou empresas: precisamos cooperar para encontrar soluções comuns por meio de processos de trabalho colaborativos. O WEF provê uma plataforma e a liderança para que que esses esforços consigam resolver problemas de uma forma muito pragmática”, afirma o líder global. Todo esse material tem uma relevância que independe da periodicidade mensal da revista. Por isso, oferecemos o acesso ao conteúdo integral das edições na internet, bastando utilizar o QR Code de cada página. Boa leitura.
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Entrevista | Cone Sul
Uruguai bate recorde de visitantes estrangeiros, movimento que representa impacto de 7 pontos no PIB. A ministra Liliam Kechichián defende a importância da renovação da coalizão de esquerda Frente Ampla e garante que não existe “turismo canábico” no país
Mais turistas do que habitantes
O 64 | AméricaEconomia
Por Cristian Aránguiz, de Montevidéu
Uruguai está entre os poucos países do mundo que recebem um número de visitantes maior do que a própria população: em 2017, foram 4,2 milhões de turistas – entre eles, 500 mil brasileiros – para um total de 3,45 milhões de habitantes. Liliam Kechichián, 66 anos, ministra do Turismo e do Esporte do Uruguai, comemora os números, que representam um impacto de 7 pontos no PIB, e afirma que o país tem condições de seguir absorvendo a demanda
– embora reconheça que “realmente não é fácil seguir crescendo nesse ritmo”. Nomeada em 2012 pelo ex-presidente José Mujica, a ministra foi mantida no cargo no governo de Tabaré Vázquez, iniciado em 2015, e é uma das personalidades públicas mais bem avaliadas em pesquisas de opinião, inclusive no meio empresarial. Nesta entrevista exclusiva, a militante da coalizão de esquerda Frente Ampla, que governa o país desde 2005, fala do
exemplo, estamos devolvendo o imposto sobre valor agregado de todas as compras turísticas e ampliando o tax free. Em resumo, estamos trabalhando para que esses visitantes históricos continuem vindo ao nosso país. Estamos fazendo um esforço porque sabemos que é uma classe média que sofre muito.
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AE – A Argentina parece sofrer esse tipo de crise de forma cíclica... LK – Sim, de tempos em tempos vivem uma. Um país rico, muito bem localizado geograficamente, que tem trigo, carne, neve, mar... É um país incrível. Lamentavelmente, a população sofre regularmente esse tipo de vicissitudes muito dramáticas.
crescimento do turismo no Uruguai e aborda os desafios para renovar as lideranças políticas do país, que terá eleições gerais no ano que vem. AméricaEconomia – Uma parcela importante dos turistas que visitam o Uruguai é de argentinos. A crise econômica dos vizinhos afeta o turismo no seu país? Liliam Kechichián – A desvalorização do peso na Argentina tem a ver com um pacote bem complicado: dívida, déficit e inflação, coisas que felizmente o Uruguai não tem. Na Argentina, a inflação é de 40%, e no nosso país está em apenas 8%. A crise dos vizinhos é importante, mas o Uruguai está se preparando, promovendo pacotes turísticos e oferecendo benefícios. Por
AE – Em 2017, o Uruguai recebeu mais turistas do que o seu número de habitantes. O país está preparado para receber ainda mais gente? LK – Em primeiro lugar, fazemos parte desse seleto grupo de países nos quais o número de visitantes é superior ao número de pessoas que ali vivem – isso é toda uma particularidade. Em termos de infraestrutura, estamos muito bem preparados. Temos um novo porto de última geração em Colônia, um de muito bom nível em Montevidéu e um dos aeroportos mais bonitos do mundo. Nos últimos anos, tivemos um aumento de 20 mil novos leitos na rede hoteleira e recebemos unidades de grandes cadeias do setor. Em resumo, temos a capacidade de seguir absorvendo essa demanda. Mas realmente não é fácil seguir crescendo nesse ritmo. AE – No ano passado, o turismo trouxe US$ 2,3 bilhões ao país, correto? LK – Sim, o que representou um impacto de 7 pontos no PIB. Agora, como eu disse, quando se chega a esses números é difícil seguir crescendo no mesmo ritmo. Com a crise na Argentina, estamos trabalhando para substituir essa possível baixa com um crescimento
“Com a crise na Argentina, estamos trabalhando para trazer mais visitantes brasileiros. No ano passado, foram
500 mil” Dezembro 2018 | 65
Entrevista
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Temos criado garantias nas negociações coletivas e salariais, e com investimento. O mundo privado tem que investir.
muito bom que temos tido no número de turistas brasileiros, que no ano passado chegou a 500 mil pessoas. AE – Os governos de esquerda sempre são criticados por sua relação com o mundo das empresas privadas. Como tem sido a sua experiência? LK – A Frente Ampla uruguaia é uma esquerda que tem tido uma enorme maturidade e tem conseguido ser muito sensata em sua política econômica, o que permite que possamos enfrentar bem as crises tanto da Argentina quanto do Brasil, que historicamente nos arrastavam. Hoje o Uruguai tem reservas, tem amparo, tem dinheiro no banco, investimentos e prestígio. Então, nosso diálogo com o setor privado é permanente. Cada um com suas posturas, mas trabalhando em conjunto, porque está claro que uma sociedade é policromática e nela estão os trabalhadores – a quem a Frente Ampla defende muito, sabendo que, para haver trabalhadores, é preciso que existam empresas. 66 | AméricaEconomia
AE – A senhora gosta da etiqueta de “turismo canábico”, que alguns setores têm colocado no Uruguai em relação à sua política para a venda da maconha? LK – Não, porque não há turismo canábico. A regulamentação da venda da maconha no Uruguai é exclusivamente para os residentes no país. É uma fórmula nova pensada pelo ex-presidente José Mujica para ver se podíamos transitar por um caminho diferente daquele da repressão – cujo único resultado no mundo, especialmente na América Latina, foi aumentar o tráfico. Por isso o Uruguai procurou regulamentar, e não liberar, criando um sistema de venda com registro nas farmácias, o que tem se revelado um
A REGULAMENTAÇÃO DA VENDA DA MACONHA É EXCLUSIVAMENTE PARA OS RESIDENTES NO PAÍS. É UMA FÓRMULA NOVA PENSADA PELO EX-PRESIDENTE JOSÉ MUJICA PARA VER SE PODÍAMOS TRANSITAR POR UM CAMINHO DIFERENTE DAQUELE DA REPRESSÃO – CUJO ÚNICO RESULTADO NO MUNDO, ESPECIALMENTE NA AMÉRICA LATINA, FOI AUMENTAR O TRÁFICO. POR ISSO O URUGUAI PROCUROU REGULAMENTAR, E NÃO LIBERAR
Entrevista
processo exitoso. Mas não vendemos maconha aos turistas, e nem vamos vender. AE – Os turistas, especialmente os europeus, veem notícias de que a maconha é vendida nas esquinas... LK – Sim, e estamos trabalhando em relação a esse tema. Quando começou o nosso processo, muitas vezes saíram notícias distorcidas, o que também aconteceu em países da Europa que tomaram medidas semelhantes. O Uruguai não se propõe a esse cenário de liberalizar o consumo da maconha. AE – Para a Frente Ampla, foi difícil compreender que o turismo era uma atividade econômica rentável e de primeiro nível? LK – Sim, demorou, não há dúvida.
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Liliam Kechichián: povo uruguaio está propenso a seguir com projeto atual
AE – O preconceito era de que o turismo seria uma coisa apenas da burguesia, uma mera diversão? LK – Mais do que isso. Eu diria que esse fantasma pesava em todo o sistema político
uruguaio. Somos historicamente um país muito agroexportador e muito industrial, e todos os partidos, incluindo os de centro e de direita, custaram muito a entender a importância dessa atividade. AE – E a esquerda a via como uma atividade para pessoas da direita? LK – Eu diria que havia na esquerda preconceitos de que seria uma atividade para poucos, um mundo apenas de glamour, ao estilo de Punta del Este. Felizmente, já em nossa primeira campanha eleitoral como Frente Ampla, incorporamos a ideia de um Uruguai produtivo – ou seja, tratar o turismo como uma atividade econômica de primeiro nível, que tem impacto e gera empregos. AE – O Chile também criou uma Frente Ampla. A senhora vê diferenças entre o grupo chileno e o uruguaio? LK – A particularidade de nossa Frente Ampla é que se trata de uma coalizão, portanto temos cristãos, marxistas, o Partido Socialista etc. e procuramos consensos para um programa comum. Cada um tem o seu projeto final, mas trabalhamos por aquilo que foi acordado entre todos. Quando a esquerda se divide, a direita ganha e o povo perde. AE – Para que a indústria do turismo siga tendo êxito no Uruguai, é necessário que a Frente Ampla permaneça no poder ou já se trata de uma política de Estado? LK – É vital que a Frente siga para que o país continue com crescimento econômico. Para mim, não há nenhuma dúvida quanto a isso. Hoje há dois projetos de país no Uruguai: um defendido pela centro-direita, de uma política mais neoliberal, e o da Frente Ampla. Não tenho nenhuma dúvida de que, com a erradicação quase total da indigência e com grandes avanços na educação e na saúde, o povo uruguaio está mais propenso a seguir com esse
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Entrevista
Centro de Montevidéu, capital do Uruguai
rumo do que trocá-lo por políticas que significam um retrocesso. AE – O êxito da Frente tem o desafio agora da falta de renovação não só de nomes, mas também geracional. LK – Sim, concordo. O problema é que, quando temos líderes tão potentes como o atual presidente [Tabaré Vásquez], o ex-presidente José Mujica ou o ministro Danilo Astori [da Economia], a renovação se torna um pouco diferente. Estou entre os que creem que o novo também se faz com o melhor da história – não quero dizer com o velho, mas sim com a história. Acredito nesse equilíbrio, mas antes de mais nada vejo a renovação pela participação das mulheres.
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AE – A senhora é feminista? LK – Sou uma militante do meu gênero e gostaria que a próxima candidata à presidência do Uruguai fosse mulher. AE – A Frente Ampla e a esquerda uruguaia têm sido machistas? LK – A esquerda uruguaia tem sido horrivelmente machista, mas isso se dá em todos os lados. A renovação tem que ser etária e adaptada aos novos desafios que a sociedade nos apresenta. Mujica tem 84 anos, Tabaré Vázquez tem 79, e assim por diante. Eles podem seguir sendo fontes de consulta e enormes referências para todos nós, mas sou totalmente a favor da renovação.