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CARTA AO LEITOR Caro leitor, Rolimã chega à sua segunda edição sem se esquivar de discutir temas polêmicos. Afinal, acreditamos que nós, atores do Sistema de Garantia dos Direitos (SGD), temos a obrigação ética de não nos furtarmos de sustentar discussões públicas que busquem assegurar a garantia dos direitos de meninos e meninas, tanto em nível local quanto nacional. É dever do SGD construir e apresentar argumentos convincentes contra propostas que prejudiquem o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. Acreditamos que discussões como a proposta de redução da maioridade penal (p. XX) e as cíticas levianas ao Bolsa Família (p. XX), tratadas nesta edição da revista, devem ser encaradas de frente por todos nós. Em nenhum momento abriremos mão da responsabilização e ressocialização dos adolescentes autores de atos infracionais. No entanto, além de um ato de profunda aversão aos direitos humanos, a proposta de redução da idade penal significa renegar todo o esforço pela estruturação do atendimento socioeducativo que vem sendo gestada com dificuldades em nosso país nos últimos 24 anos. A proposta de redução da maioridade penal é um caso clássico de se jogar fora a água do banho com o bebê junto. Não é possível abrirmos mão do atual modelo de responsabilização de adolescentes autores de ato infracional sem que ele tenha sido sequer implementado em sua totalidade pelo Estado. Não é possível testar a qualidade de uma obra que não foi finalizada. Vale lembrar que apesar de as medidas socioeducativas estarem previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente desde 1990, a aprovação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo só aconteceu em 2012. Vale lembrar que o investimento dos estados em centros de internação ainda é marginal – vide as denúncias recentes de adolescentes presos em cadeias e presídios em Minas. Vale lembrar que a aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto, por parte dos municípios, ainda é extremamente frágil. Qualquer proposta que se levante como contrária ao modelo de atendimento socioeducativo atual é irresponsável, pois renega todo um planejamento que vem sendo gestado a duras penas nos últimos anos e que não foi implementado de fato, por ainda não ser visto como prioridade pelos poderes executivos municipais, estaduais e federal. Qualquer proposta de redução da idade penal que emerja a partir de casos isolados de atos infracionais, como ensaiam alguns parlamentares e alguns candidatos às próximas eleições, é oportunismo político. Outro alvo de questionamentos de setores conservadores que merece nossa atenção são os programas de transferência de renda à população de baixa renda, como o Bolsa Família. O programa, sozinho, é incapaz de resolver o problema da miséria, mas deve ser pensado como um instrumento importante para a construção da cidadania e de mobilidade social da parcela da população por ele beneficiada. Implicações como a redução da desnutrição infantil e controle dos índices de trabalho infantil não devem ser negligenciados – ou substituídos por um discurso reducionista de que “é preciso ensinar a pescar, não dar o peixe”. Boa leitura e bom debate!
EDITORIAL Quatro conquistas nos 24 anos do ECA Ao nos aproximarmos do 24º aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), comemorados neste 13 de julho, fechamos o primeiro semestre com a aprovação de quatro instrumentos legais que dialogam imensamente com o modo como lidamos com os direitos de crianças e adolescentes no Brasil e que reforçam os ideais do ECA. Num curto período de tempo, o país passou a contar com a nova edição do Plano Nacional da Educação (PNE), com a Lei Menino Bernardo – que trata da violência física contra meninos e meninas –, com a Emenda Constitucional do Trabalho Escravo e com o Decreto Nacional de Participação Social. Pena que tenha sido necessário o acontecimento de uma tragédia de repercussão nacional para a que a Lei Menino Bernardo fosse aprovada. Caso esse projeto de lei não tivesse enfrentado, nos últimos cinco anos, tamanha resistência por uma parcela conservadora da opinião pública e por parte dos congressistas, talvez a morte de Bernardos e de outras centenas de crianças poderiam ter sido evitadas – sem falar nos traumas físicos e psicológicos permanentes que a violência implica na vida de milhões de crianças e adolescentes em nosso país. Acreditamos que o Estado tem, sim, o dever de interferir em questões domésticas a partir do momento em que essas questões dizem respeito aos direitos humanos de quem está envolvido. Palmada não educa, violenta, traumatiza. Os castigos físico e psicológico são questões privadas de interesse público. Precisam ser debatidos, expostos, questionados. Pena, também, que o Brasil tenha passado quase quatro anos sem um documento de planejamento básico para a gestão da educação. A última edição do PNE expirou
em 2010. Se no momento certo, a nova versão do Plano teria vigência até 2020 – agora vai até 2024. O país adiou em quatro anos a conquista de metas importantes no setor, como a ampliação da educação em tempo integral e as melhorias na carreira e na formação dos professores. O investimento de 10% do PIB brasileiro para a educação é uma vitória. Mas é fundamental que estejamos atentos para que as demais metas do PNE sejam alcançadas – elas são indicadores de que os 10% estão sendo aplicados corretamente. Outra normativa que merece atenção é o Decreto Nacional da Participação Social. Ao valorizar o papel dos conselhos e conferências de políticas públicas, e ao propor novos espaços de diálogo entre essas arenas o documento reforça os canais de diálogo entre a sociedade civil e o poder público. São sempre louváveis as tentativas de se ampliar a comunicação entre o poder executivo e a sociedade civil. O decreto aprofunda a democracia brasileira ao reforçar direitos já estabelecidos na Constituição de 1988. Mais que um mérito do Congresso ou do governo federal, as aprovações dessas legislações só foram possíveis devido à pressão e à atuação estratégica de atores da sociedade civil, com destaque para a Rede “Não Bata, Eduque”, no caso da Lei Menino Bernardo, e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, na nova edição do PNE. Temos que comemorar os presentes que o ECA ganhou neste último semestre. Mas eles não nos foram dados, foram conquistados. Alguns demoraram para a chegar, mas tomara que esses processos de luta sirvam de inspiração para a garantia de direitos de crianças e adolescentes em cada um dos municípios brasileiros.
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Em defesa dos direitos da criança e do adolescente Uma produção da Central de Notícias Oficina de Imagens REDAÇÃO: Anna Cláudia Gomes, Bárbara Pansardi, Eliziane Lara, Filipe Motta, Gabriella Hauber e Thais Marinho SUPERVISÃO EDITORIAL: Adriano Guerra EDIÇÃO: Filipe Motta ASSISTENTE DE EDIÇÃO: Bárbara Pansardi COLABORADORES: Andrea Souza, Carolina Abreu, Felipe Borges, Jessica Soares, Larissa Veloso e Sâmia Bechelane CAPA: Foto de Andrea Souza COORDENAÇÃO: Guabiroba Ensino e Comunicações Ltda. PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: AMI Comunicação & Design PARCERIA: Vale IMPRESSÃO: Rona Editora | TIRAGEM: 5.000 exemplares
rolima@oficinadeimagens.org.br Rua Salinas, 1101, Santa Tereza, Belo Horizonte - MG Tel: (31) 3465-6801/6803
Projeto Centro de Informação em Direitos da Criança e do Adolescente, convênio de Cooperação Financeira no 117/2013, celebrado entre a Oficina de Imagens – Comunicação e Educação e a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese) com interveniência do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca)
Oficina de Imagens – Comunicação e Educação PRESIDENTA: Alcione Rezende VICE-PRESIDENTE: André Hallak COORDENAÇÃO INSTITUCIONAL: Adriano Guerra e Bernardo Brant NÚCLEO DE APOIO TÉCNICO: Vander Maciel e Simone Guabiroba
SUMÁRIO
um breve ensaio POR SILVANA DO MONTE MOREIRA Advogada, Presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família e Diretora Jurídica da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção
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O que é adotar? Adotar é o ato jurídico solene pelo qual alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco fundado na consanguinidade ou na afinidade, vínculo de parentalidade, trazendo para sua família, na condição de filho, o ser gerado por outrem, dando origem a uma relação jurídica de parentesco civil entre adotante e adotado. Por família entende-se o grupo de pessoas unidas pelos laços sócio -afetivos independentemente de eventuais laços consanguíneos. Adoção e família estão intrinsecamente ligadas em razão do afeto e do CUIDADO como linha constitutiva da parentalidade e da filiação. A adoção é regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90 -, em seus artigos 39 a 52D, dentre outros e depende de prévia habilitação – arts. 50, 197A/197E – com exceção dos casos em que o pedido seja unilateral, ou formulado por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade, ou formulado por quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 do ECA. A regra é, portanto, a necessária habilitação prévia onde os candidatos à adoção comprovem perante a justiça a aptidão ao exercício da parentalidade responsável. A adoção objetiva atender ao melhor interesse da criança, invertendo o paradigma tradicional de busca de crianças para pessoas impossibilitadas de gerá-las pelas vias naturais, privilegiando a busca de famílias para crianças alijadas da convivência familiar pelos motivos a seguir expostos. Crianças e adolescentes em acolhimento institucional, anteriormente denominadas “abrigadas”, estão em tais condições por um, ou várias das seguintes práticas pelos detentores do poder familiar, na forma prevista no Código Civil em seus arts. 1637/1638: abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filho; castigar imoderadamente o filho; deixar o filho em abandono; praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; incidir, reiteradamente, nas faltas anteriores. A medida judicial de destituição do poder familiar apenas será proposta em sendo constatada a impossibilidade de reintegração da criança ou do adolescente à família de origem, após o encaminhamento de tal família a programas oficiais ou comunitários de orientação, apoio e promoção social, será enviado relatório fundamentado ao Ministério Público, no qual conste a descrição pormenorizada das
CHEGADA
providências tomadas e a expressa recomendação, subscrita pelos técnicos da entidade ou responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. A falta de condições socioeconômicas da família de origem, por si só, não é razão para a propositura da ação de destituição do poder familiar. A prevalência será sempre da manutenção da criança ou do adolescente em seu núcleo familiar de origem, sendo sua colocação em família substituta realizada mediante comprovação da impossibilidade de reinserção na família natural ou na família extensa, assim reconhecida àqueles parentes com os quais a criança ou adolescente mantenha laços de afetividade ou afinidade. Muitas vezes, apesar de remotíssima a chance de reintegração familiar, porque, por exemplo, a criança está em abandono por longo período, ou nunca foi visitada em seu período de acolhimento institucional, as equipes técnicas insistem em buscar um vínculo jurídico despido de afeto. Procura-se uma avó que já declarou não reunir condições de ficar com o neto, ou uma tia materna, que também não procura a criança ou se limita a visitá-la de três em três meses ou mesmo um avô que mora a quilômetros de distância e sequer sabia da existência do neto, mendigando-se caridade, amor, afeto. Enquanto perdura esta via crucis, a criança vai se tornando “filha do Estado”, privada do direito fundamental à convivência familiar, ainda que não seja sua família consanguínea. Famílias não são formadas pelos meros laços de sangue, famílias são formadas pelos laços do CUIDADO, do amor, do carinho, do afeto, da vontade de se constituírem e ocuparem os lugares de pais e de filhos. Famílias não são meros acidentes de percurso, famílias – as que se fundam nos laços de afeto – existem pela vontade de seus membros de se constituírem família.
Nem todas as crianças “acolhidas” em instituições de acolhimento institucional estão disponibilizadas à adoção ou estão acolhidas em função do descumprimento das obrigações inerentes ao exercício do poder familiar por seus genitores. O acolhimento, eventualmente, pode ser decorrente do desabrigamento, desemprego, doença familiar ou outra razão de tal relevância que tenha culminado com a institucionalização da prole. O judiciário não “retira” os filhos das famílias sem que haja razão para tal devidamente consubstanciada, conforme já informado, ademais o período máximo de acolhimento institucional, na forma disciplina no § 2º do art. 19 do ECA, é de dois anos, com avaliações semestrais na forma do § 2º do art. 92 do mesmo diploma legal. O que é necessário que se entenda, independentemente de convicções institucionais dissociadas da realidade e nutrida por paixões exacerbadas, é que o SUJEITO DE DIREITO que goza prioridade absoluta é a criança, que essa criança tem uma infância rápida, tênue, passageira e que os danos causados pela falta de CUIDADO podem se instalar de forma perene. O tempo da criança é diferente do tempo do adulto e deve, mais uma vez, ser respeitado com prioridade absoluta em cumprimento ao princípio da dignidade da pessoa humana em especial estágio de desenvolvimento. Pobreza não é sinônimo de descuido ou negligência. Em um país com proporções continentais como o Brasil é comum observamos famílias pobres, até abaixo da linha de pobreza, com enorme CUIDADO por sua prole, tratando seus filhos com amor, carinho. Não é a falta de recursos que determina o caráter do ser humano. Não se confunda a luta pelo direito da criança com a guerra contra as famílias de origem. Família, a única a ser protegida, é a que CUIDA e AMA seus membros, o DNA que os une é o do CUIDADA não detectável em um mero exame de sangue.
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IN VISI A ausência de políticas públicas estruturadas para adolescentes e jovens do campo é tema da conversa com o sociólogo e professor Nilson Weisheimer
Banco de imagens
POR GABRIELLA HAUBER E FILIPE MOTTA
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ENTREVISTA
A
pesar de somarem cerca de 8 milhões de brasileiros, de acordo com dados do IBGE, os jovens rurais são muitas vezes esquecidos pelo poder público. Para o sociólogo Nilson Weisheimer é possível falar de uma invisibilidade das juventudes rurais, que não são vistas como sujeitos de direitos, sendo precárias e insuficientes as políticas públicas voltadas para elas – o que acaba favorecendo o êxodo rural. Confira nossa conversa com o pesquisador gaúcho, que coordena o Observatório Social da Juventude e o Núcleo de Estudos em Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (NEAF/UFRB).
QUAL A SITUAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A JUVENTUDE RURAL NO BRASIL? As políticas públicas para essa parcela da população são ainda muito tímidas do ponto de vista da escala e ainda têm problemas de foco porque são voltadas para juventude rural como um todo. Com isso elas têm pouco poder de serem efetivas. Um exemplo são as que combatem a vulnerabilidade dos jovens rurais, como o Pró-Jovem no Campo – que enfrenta o atraso escolar. A gente sabe que o programa não atinge hoje 1% do seu público prioritário. E tem o problema de foco. Se eu fizer políticas públicas específicas para os jovens agricultores familiares, por exemplo, eu vou trabalhar com um público muito mais preciso. As políticas devem ser mais direcionadas para capacitar esse jovem para ter autonomia produtiva, qualifica-lo para produzir valor agregado. E são necessárias estratégias, que, por exemplo, tirem o jovem da situação de trabalho escravo. NÃO É CONTRADITÓRIO UM PAÍS DEPENDER TANTO DO CAMPO NA ECONOMIA DAR TÃO POUCO RETORNO A QUEM MORA LÁ? A gente tem que pensar que se há um setor que sempre foi beneficiado pelo governo é o agronegócio. Por outro lado, a grande maioria da população do campo sempre foi desprotegida pelo Estado, desassistida de políticas
públicas, sem incentivo a sua produção. O Estado brasileiro sempre foi muito conivente com a expulsão da população do campo. MAS VOCÊ PERCEBE ALGUM SINAL DE MUDANÇA? Me parece que avançamos bastante dos anos 2000 para cá. Em 2004, com a criação do Conselho Nacional da Juventude, a gente passa a dar mais visibilidade aos jovens do campo, a enxerga-los. Hoje há um conjunto importante de políticas públicas para o meio rural, com destaque para a inclusão de jovens no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Isso é muito importante porque permite que os jovem possam acessar o crédito produtivo, que tenham suas primeiras experiências de autonomia produtiva, o que facilita e incentiva a permanência desse jovem na agricultura familiar. As organizações da sociedade civil também têm produzido iniciativas importantes. Uma que merece destaque é o Programa Jovem Saber, que é desenvolvido pelo Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Conatg), que promove a capacitação dos jovens para que ele conheça processos produtivos. Ele passa a conhecer como pode acessar políticas públicas, financiamento público e, com isso, criar dinâmicas produtivas novas nas suas comunidades. É uma ação que muda a vida dos jovens. Nesse caso, a mudança é feita por dentro do sindicalismo rural.
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QUAL A IMPORTÂNCIA DOS JOVENS PARA A AGRICULTURA? Não tem futuro no campo se não passar por um olhar estratégico da juventude. E hoje a juventude do campo está abandonada, em grande escala invisível para os atores públicos. Não tem desenvolvimento rural sem desenvolvimento da agricultura familiar. E não vai ter fortalecimento da agricultura familiar sem um investimento pesado nos jovens. A juventude rural só sai da invisibilidade quando algo enorme acontece. Então, a gente precisa muito do protagonismo do jovem, dos movimentos sociais no campo. Se eles não forem à luta, o governo, as políticas vão tratar daquilo que é mais urgente, daquilo que está incomodando mais. E COMO ESSES JOVENS RURAIS LIDAM COM A QUESTÃO DA INVISIBILIDADE? Os jovens lutam para romper com essa invisibilidade, a partir do momento que passar a se inserir nos sindicatos e nos movimentos sociais. Então, me aparece que a responsabilidade pela invisibilidade social é muita mais de quem hoje detém espaço de poder, sejam políticos ou acadêmicos. A gente só vai conseguir superar o atual estado de coisas se agente primeiro, dedicar mais atenção para desenvolver mais estudos sobre os jovens rurais. E eu acho que a sociedade política pouco divide o poder com a sociedade civil, principalmente com os jovens. É preciso ouvir mais os jovens. QUAIS SERIAM AS ALTERNATIVAS PARA DAR CONTA DA DIMENSÃO DO BRASIL? O Brasil precisa de múltiplos modelos porque o nosso campo convive e vai conviver com o agronegócio – uma grande empresa capitalista altamente inserida no mercado internacional – e com a agricultura familiar – que tem uma relevância social enorme, ocupa 85% de toda a força de trabalho no campo e produz 75% de todo alimento que se consome na cidade. Temos que produzir uma nova geração de trabalhadores para a agricultura familiar para fortalecê-la, qualificá-la e agregar valor da mesma forma como o agronegócio consegue agregar valor a seus produtos. Precisamos conciliar esses dois tipos de agricultura. Mas a agricultura familiar precisa ser até mais protegida porque, pela lógica de mercado, a tendência é de concentração do capital, de terra, de conhecimento e de tecnologia. E quando concentra é porque alguém está perdendo. O Estado precisa intervir para proteger a agricultura familiar – ela tem uma importância social muito grande: ocupa muita gente e produz alimento de qualidade.
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E ALÉM DISSO? Precisamos avançar na reforma agrária – a terra ainda é muito concentrada no Brasil. Se a gente concorda que tem que fazer a reforma agrária, o próximo passo é incluir políticas de cotas para jovens nessa reforma. Por
QUEM É NILSON WEISHEIMER XX ANOS SOCIÓLOGO Coordenador do Observatório Social da Juventude (UFRB ) Mestre e Doutor em Sociologia (UFRGS) Prêmio Capes de Melhor Tese de Doutorado do Brasil em 2010: A situação juvenil na agricultura familiar
Bruno Vilela
que não fazemos uma cota de no mínimo 30%, para jovens casais, por exemplo? Isso seria muito importante porque daria uma nova dinâmica ao assentamento, asseguraria um fôlego geracional. VOCÊ ACHA QUE EXISTE UM SENTIMENTO DE INFERIORIDADE DA JUVENTUDE RURAL QUE CONTRIBUI PARA A SAÍDA DO JOVEM DO CAMPO? O jovem sai do meio rural em busca de melhor oportunidade no meio urbano. Se o meio rural ofertar oportunidades de autonomia produtiva, inserção no trabalho, formação escolar formal, espaços de lazer, ele não precisaria sair. O que eu tenho observado é que muitas vezes os jovens querem permanecer no meio rural porque têm ali um conjunto de qualidades: é mais tranquilo, menos poluído, está perto da família, permite contato com a natureza. É uma busca de qualidade de vida, de autonomia, de projeto de vida. Agora, eu acho que escola tem cumprido o papel de desvalorizar os jovens e estigmatizar essa juventude. COMO O PROCESSO EDUCACIONAL SE RELACIONA COM A QUESTÃO? O que a gente assiste no Brasil nos últimos anos tem sido um processo de fechamento de escolas públicas no meio rural por parte dos governos estaduais. Isso é você impedir que esses jovens possam ter um padrão mínimo de escolarização. Além disso, que tipo de escola a gente
oferta no meio rural? É a escola mais precária. O professor que vai para o meio rural, geralmente, vai como castigo e o conteúdo lecionado desvaloriza as práticas da agricultura e valoriza a inserção no mercado assalariado urbano. Nós precisamos rever muito profundamente a educação no campo e o tipo de escola rural. COMO É A ESCOLA NO CAMPO HOJE? Hoje a escola é uma fábrica de destruir a agricultura. Ela estigmatiza os estudantes do meio rural e acaba com a autoestima do agricultor, sobretudo aquele mais pobre, de perfil camponês. Ela vende uma ilusão de que o urbano é superior e desvaloriza o conhecimento tradicional. Com isso, a escola acaba destruindo os agricultores familiares. Enquanto os pais estão tentando incentivar o filho a ser agricultor, a escola não incentiva. Os jovens adolescentes, comparados com os jovens adultos, não querem permanecer na agricultura. Quanto maior a escolarização do jovem, menor a disposição dele em permanecer na agricultura. Fica na agricultura aquele com menor escolaridade, com menor condição de introduzir a inovação, de negociar melhores preços, de ter uma inserção produtiva mais adequada. A gente precisa inverter isso. Precisamos de uma política pública de elevação da escolaridade no meio rural, sendo complementada com a pulverização no interior do Brasil de escolas técnicas voltadas para a agricultura familiar.
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COMO DEVERIA SER A ESCOLA DO CAMPO? O Ensino Fundamental tem que ter um padrão que contemple, ao mesmo tempo, o conhecimento universal e a valorização da cultura e dos saberes locais, trazendo esse conhecimento tradicional para dentro da escola, promovendo sempre a integração da família na escola e da escola na comunidade. É preciso que haja escolas nas comunidades rurais. Hoje um grande gargalo é o Ensino Fundamental com as escolas nas comunidades. A gente tem que inverter o processo de fechamento das escolas comunitárias. É preciso colocar a escola na comunidade e a comunidade na escola. E O ENSINO MÉDIO? O Ensino Médio precisa ser ao mesmo tempo científico e tecnológico. Temos que voltar o Ensino Médio para o trabalho, não só para a perspectiva de o jovem fazer o Enem ou um vestibular. O ensino no meio rural tem que capacitar o jovem para a atividade produtiva e para a inovação tecnológica – é preciso ampliar a carga tecnológica da escola. O jovem é um mediador geracional de introdução de inovações tecnológicas na agricultura e no meio rural como um todo. Essa tecnologia tem que ter sintonia com uma estratégia de desenvolvimento territorial do Brasil. O suporte desse desenvolvimento territorial deveria ser um Ensino Médio qualificado, que fosse a porta de entrada da tecnologia, do conhecimento, da informação dentro desses territórios.
Bruno Vilela
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AS ESCOLAS AGRÍCOLAS, CRIADAS POR ASSOCIAÇÕES DE PRODUTORES RURAIS, SERIAM UMA ALTERNATIVA? Elas são importantes pois permitem que o jovem possa ter uma formação continuada sem se afastar da atividade familiar – na medida em que temos um calendário que alterna a atividade de ensino com o calendário agrícola. Esse padrão de alternância é uma alternativa interessante. Também por valorizar o saber tradicional é importante para a agricultura familiar – ela permite a fusão entre o saber tradicional e as inovações técnicas. É uma experiência importante, mas de baixa escala, ainda muito focalizada para um país continental como o Brasil, onde 30% de todos os que trabalham na agricultura familiar tem de 15 a 29 anos. Não dá para usar só esse modelo. COMO VOCÊ VÊ O LIMITE ENTRE O TRABALHO INFANTIL E O APRENDIZADO DA CRIANÇA SOBRE AS ATIVIDADES DO CAMPO? Essa é uma questão muito séria porque há sim um abuso do trabalho infantil no campo. Qual é a diferença? Tem que entender o contexto em que essa criança está indo para roça. Um jovem casal, por exemplo, às vezes não tem com quem deixar os filhos e tem que leva -los para a roça enquanto trabalham. Para mim, a linha de corte está na exploração, quando isso compromete a saúde da criança, compromete que ela vá para a escola... O que eu digo é o seguinte: o processo de trabalho familiar agrícola tem várias dimensões. Há uma participação
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do trabalho na infância que é lúdica. Há outra dimensão que é a da educação, você ensina o filho a fazer fazendo. Uma dimensão é a socializadora: os pais ensinam os filhos, muitas vezes, dando o exemplo. É um saber fazer que se adquire fazendo. É DIFÍCIL SEPARAR... É claro que a linha é tênue. Muitas vezes um promotor público, numa perspectiva urbana vai proibir qualquer participação no trabalho agrícola de um adolescente ou criança menor de 18 anos. Mas se ele não começar a trabalhar aos 14, 15 anos, aos 18 ele não vai. Você tem que saber ler o que um pássaro está cantando, entender as fases da lua, a movimentação das nuvens e conhecer o calendário para saber quando plantar e quando colher. Você só vai ter esse saber imerso naquela cultura. Por outro lado, a imersão naquela cultura não pode privar aquele sujeito de ser criança, de ser jovem.
QUAIS ASPECTOS CULTURAIS E GERACIONAIS APROXIMAM OS JOVENS URBANOS E RURAIS? Hoje as tecnologias de comunicação, como o celular e mesmo da internet, estão chegando no interior. O que aproxima os jovens urbanos e rurais são valores, padrões estéticos e a necessidades de consumo. Falo de valores culturais, como a aparência, o estar conectado nas redes sociais, que é um elemento de fazer parte no mundo. Isso vai formando uma identidade de geração. Quando fazia minha pesquisa para meu doutorado, por exemplo, eu não podia marcar entrevistas às 5h da tarde, porque os meninos tinham que ver Malhação na TV, assim como os jovens da cidade.
Se há um setor que sempre foi beneficiado pelo governo é o agronegócio. Por outro lado, a grande maioria da população do campo sempre foi desprotegida pelo Estado
HÁ UMA DIFICULDADE MAIOR NO TRABALHO DE TEMAS SENSÍVEIS À ADOLESCÊNCIA, COMO SEXUALIDADE, DROGAS NO CAMPO? É muito importante que essas discussões sejam feitas. E os jovens gostam delas. Mas poucas pessoas vão lá e perguntam o que esses jovens pensam, o diálogo não é tão aprimorado como numa família onde os pais têm uma escolaridade maior, onde há mais acesso à informação e o convívio com outros jovens é mais intenso. São jovens que tem vergonha de falar sobre determinados temas que são considerados tabus. Mas quando você usa a linguagem adequada, quando os mediadores são da própria geração, causando menor estranhamento, o debate funciona. Se temos mediadores adequados fazendo um debate sobre drogas, sobre sexualidade, sobre violência doméstica certamente vai ter resultado. E há uma violência muito grande contra a mulher no meio rural, e é preciso um trabalho com a juventude para o enfretamento disso. A droga também entrou no meio rural de forma muito intensa, com uso do crack em áreas de colheita de laranja e da cana, por exemplo.
E O QUE DIFERE OS JOVENS RURAIS DOS URBANOS? A principal coisa que difere o jovem rural do jovem urbano são os processos de socialização, principalmente porque a socialização do adolescente e jovem rural é muito mais voltada para o trabalho e para a relação com a natureza do que o jovem no meio urbano. Difere em relação às experiências. Enquanto os jovens do meio urbano têm facilidade para se encontrar, têm o lazer como um espaço que ocupa um tempo significativo, os jovens do meio rural têm muito menos tempo para o lazer e muito mais tempo dedicado ao trabalho. Mas não é assim tão diferente. Apesar de ele não contar com equipamentos como shopping e cinema, os jovens rurais também saem de casa, gostam de se reunir com os amigos, de tomar sorvete, comer cheeseburger. O fim de tarde da moçada é na lancheria.
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OS JOVENS RURAIS SE DEFERENCIAM MUITO DOS JOVENS URBANOS? Se olharmos para a juventude no campo teremos que superar um pouco essa visão um tanto urbanocêntrica que vê esse jovem como um ser pitoresco, tão distinto do jovem urbano. Primeiro é preciso chamar a atenção para as semelhanças e aproximações entre os jovens do campo e os das cidades – sobretudo valores culturais e geracionais.
MAS HÁ DIFERENÇA ENTRE OS SEXOS? O jovem rural homem acaba usufruindo mais dos espaços de lazer, tem mais liberdade pra se locomover para longe de casa para sair do que a mulher. Ainda há um controle muito grande sobre a mulher no meio rural. A RELIGIÃO INTERFERE NISSO? Interfere, até porque uma da poucas formas de lazer é a própria religião. A igreja acaba sendo um espaço social importante nas comunidades rurais, não só para o jovem. Há uma presença maior da igreja na organização do tempo dessas famílias que acaba refletindo sobre os jovens. Nós temos comunidades em que todo mundo se conhece e a igreja acaba sendo um núcleo que organiza um pouco a dinâmica daqueles lugares. Então, se você não comparecer na igreja pode dar o que falar... Revista Rolimã • Março de 2014 | 13
ESPECIAL
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A falsa promessa da segurança Nos últimos anos, casos de violência praticados por adolescentes tiveram grande repercussão midiática. Ao tomarem as capas de jornais e se tornarem assunto em programas televisivos de temática policial, tais fatos contribuíram para que se crie a impressão de que os adolescentes estão ficando cada vez mais perigosos. Contudo, se observamos com mais cuidado o fenômeno da violência, percebemos que a grande repercussão desses casos pode gerar uma apreensão distorcida do problema. Se tomarmos Belo Horizonte e Região Metropolinana como um exemplo, vemos que, de 2009 a 2013, o número de registros de entradas de adolescentes no Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA-BH), se manteve estável na faixa de 9 mil entradas por ano (ver quadro comparativo). Considerando apenas os casos de apreensões relativas a homicídios, é possível notar, inclusive, uma tendência de queda. Em 2009, houve 43 casos (0,5% do total de registros) e, em 2013, o número chegou de 13 (0,1%) (ver quadro). “O problema é real, é importante e não deve ser desconsiderado. Mas os adolescentes, em geral, não estão tão envolvidos nos atos mais violentos. Os meios e a sociedade, com sua cultura punitiva, dão uma dimensão maior do que realmente tem. Acontece um caso de jovem que matou e já afirmam ‘os jovens estão matando muito’”, avalia o sociólogo Gustavo de Melo Silva, coordenador do setor de pesquisa da Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo Horizonte. O pesquisador Robson Sávio Reis Souza, membro do fórum brasileiro de segurança pública e coordenador do Núcleo (?) de Estudos Sociopolíticos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) também discorda da promessa de segurança feita por defensores da redução. “Primeiro, porque o contingente de envolvidos em crimes violentos é muito menor sob o ponto de vista dos números reais. Segundo, porque as medidas socioeducativas, mesmo aquelas de meio fechado são muito mais eficazes do que o sistema carcerário”, analisa.
PERFIL
De fato, o atual estado de superlotação do sistema prisional brasileiro por si só já deveria justificar uma negação a tais propostas. Segundo dados do Ministério da Justiça, em 2012, a população carcerária do país já chegava a um total de 550 mil pessoas, ultrapassando em 70% as 320 mil vagas oferecidas. “Temos a quarta maior população carcerária do mundo. E hoje esse sistema é mais controlado por organizações criminosas do que pelo Estado. Quem é mandado para as prisões acaba tendo que se envolver com essas organizações para poder sobreviver lá dentro. Então por que vamos colocar um adolescente nessas condições? É simplesmente postergar o problema, pois ele vai cumprir uma pena e sair pior do que entrou”, argumenta Robson. Embora não exista uma estatística precisa para as taxas de reincidência nas penitenciárias brasileiras, juristas têm trabalhado com uma estimativa de 70%. Um índice muito mais elevado do que aquele apresentado pelas medidas socioeducativas. De acordo com uma pesquisa de 2012 realizada pelo Programa de Justiça Jovem do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o índice de reincidência para as medidas de meio fechado seria de 43% no Brasil. Já, no caso do meio aberto, diferentes instituições (será que a gente cita algumas?) sugerem uma estimativa em torno de 20% ou 30%. Em Minas Gerais, o índice de reincidência dos adolescentes sentenciados a medidas de privação de liberdade fica em torno de 10%, segundo dados fornecidos pela Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase), vinculada à Secretaria de Estado de Defesa Social. Ainda de acordo com a Suase, não há um banco de dados unificado para as medidas de meio aberto, uma vez que elas são responsabilidade dos municípios. A falta desses dados, assim como a falta de informações sobre a vida adulta dos adolescentes egressos dos centros de internação dificultariam a produção de estatísticas mais precisas. Mesmo que os números do Sistema Socioeducativo não revelem o melhor dos mundos, o fato de que pessoas envolvidas diretamente nesse atendimento e de que especialistas da segurança apontem resultados melhores do que as penitenciárias é um elemento fundamental para o debate.
NACIONAL DOS ADOLESCENTES EM MEDIDAS DE INTERNAÇÃO
17 mil
Mais de adolescentes cumprem medidas de internação no Brasil. A maioria dos adolescentes em regime de internação (67%) tem entre
15 e 17 anos.
A média de idade em que esses adolescentes interromperam os estudos é de .
14 anos
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75% desses adolescentes afirmam fazer uso de drogas. 5%
dos casos há informações sobre a Em apenas aplicação de Plano Individual de Atendimento, conforme se prevê no Sinase.
36% desses adolescentes são criados por pai e 40% são criados apenas pela mãe; 16% pelos 4% somente pelo pai e 4% por outros familiares.
Apenas mãe. avós;
ECA e Sinase: leis em implantação A partir de seu conhecimento da legislação brasileira e do convívio diário com casos de adolescentes em conflito com a lei, o Promotor de Justiça Márcio Rogério de Oliveira é enfático ao dizer que o Estatuto da Criança e do Adolescente não promove a impunidade de meninos e meninas. “Pelo contrário, o Brasil é um dos países que começa a responsabilizar mais cedo, aos 12 anos. E essas medidas são semelhantes às penas previstas aos adultos, mas devem ter uma proposta educativa direcionada aos adolescentes”, explica Márcio, que atua na Promotoria da Justiça da Infância e da Juventude da capital e integra o Fórum Permanente do Sistema de Atendimento Socioeducativo de Belo Horizonte (ver quadro sobre medidas socioeducativas). Embora o promotor avalie que alguns ajustes possam ser feitos no ECA (sem a necessidade da redução da maioridade penal), ele defende que a prioridade ainda consiste na aplicação efetiva do que está na lei e não em mudanças legislativas. “Temos que estruturar esse sistema. Um sistema que ofereça medidas de meio aberto e medidas de meio fechado, com infraestrutura, com recursos humanos bem dimensionados, preparados e valorizados. E essas medidas tem que ter uma proposta pedagógica consistente. Não adianta deixar o menino preso ou colocar ele na liberdade assistida, sem saber aonde queremos chegar. Temos que acompanhá-lo na escola, inseri-lo em atividades profissionalizantes, de esporte, cultura e lazer”. A presidente do Comitê Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Míriam Santos, também aposta na implantação do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (Sinase): “um dos motivos de sermos contra a maioridade penal é porque o ECA e o Sinase não foram implementados completamente. O Conanda tem feito inspeção nas unidades socioeducativas e o que temos encontrado são condições muito precárias. Dentro das unidades, os meninos não têm acesso à escolarização, não têm biblioteca, não têm refeitório, atividades esportivas”. Uma avaliação negativa das condições dos centros de internação se torna ainda mais preocupante se considerarmos a quantidade de jovens que se encontram nesses locais. Segundo levantamento do CNJ, em 2012, já tínhamos mais de 17 mil adolescentes nos centros de internação brasileiros. No caso de Minas, de acordo com dados Suase, atualmente temos uma população de mais 2.500 meninos e meninas cumprindo medidas de internação e semiliberdade. Além da necessidade de promover melhorias dos centros de internação, esse cenário aponta para importância de se investir em medidas de meio aberto, para que a privação de liberdade seja sempre a último recurso. “No momento em que um adolescente comete um ato infracional, seja o mais simples que for, ele tem que receber uma medida correspondente. Se a medida for bem aplicada e se, em torno do adolescente, tiver um conjunto de políticas públicas para ele e sua família, é possível diminuir em grande escala a ocorrência de atos mais graves e a ida para a internação”, observa a coordenadora Nacional da Pastoral do Menor, Marilene Cruz.
Medidas socioeducativas O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), 1990, responsabiliza os maiores de 12 anos que cometerem atos infracionais por meio das medidas socioeducativas. O foco das medidas é orientar o adolescente em relação à lei e reintegrá-lo à vida familiar e comunitária. São previstas seis formas de responsabilização:
meio aberto
meio fechado
1. Advertência 2. Obrigação de reparar o dano 3. Prestação de serviços à Comunidade 4. Liberdade assistida
5. Semiliberdade 6. Internação
lei nº 12.594 Frente à necessidade de planejar e regulamentar de forma mais clara a execução dessas medidas, foi promulgada em 2012, Lei Federal 12.594, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Revista Rolimã • Março de 2014 | 17
Entre o Estado Penal e o Estado de Direitos A partir da experiência da Pastoral com a execução de medidas de meio aberto, Marilene também destaca a necessidade de priorizar ações voltadas mais diretamente para os adolescentes em situação de vulnerabilidade social, mais propensos ao cometimento de atos infracionais. “Há relatórios com informações sobre o autor de ato infracional. A partir disso, temos o perfil desses adolescentes, sabemos a idade deles, a escolaridade, os bairros onde eles cometem os atos, onde eles residem. Se, de posse desses dados, investirmos efetivamente em políticas públicas, teremos transformação” avalia. E o perfil do adolescente que chega ao sistema socioeducativo de fato condiz com os estratos mais vulneráveis da nossa sociedade, seja em âmbito nacional (ver-box), seja em nível local. Dos entrevistados para a realização do relatório de 2013 do CIA-BH, 76% se declararam pardos e pretos e, embora a maior parte dos adolescentes que chegam ao centro tenha entre 15 e 17 anos (71,6%), apenas 17,8% frequentam o ensino médio.
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Responsável pela produção dessas estatísticas para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), Gustavo Melo relaciona a existência desses padrões com uma tendência de avanço do Estado Penal. “Como o Estado não dá conta de resolver os problemas sociais, é mais fácil tirar de circulação as pessoas que se tornam ‘problemas’”, analisa o sociólogo. A forma como diferentes oportunidades oferecidas podem aproximar ou afastar um adolescente da prática do ato infracional pode ser exemplificada a partir da experiência vivida pela psicanalista Cristiane Barreto na coordenação do Programa de Liberdade Assistida em Belo Horizonte. “Na época em que se falava muito de vestibular, isso era um drama para uma parcela da população, mas, enquanto isso, você ouvia essa palavra duas ou três vezes por ano num universo de 2.600 adolescentes atendidos [na liberdade assistida]. Isso é muito segregador”, relata Cristiane, que esteve à frente do programa no período de 1998 a 2006.
A psicanalista avalia que todo o destaque dado para as propostas de redução da maioridade penal faz parte de um contexto de acirramento de um embate classista. “Isso nos desvia do que deveria ser o foco das discussões sobre a juventude. E, para mim, o principal problema é: como é possível dormir com o barulho de tantas mortes na periferia?”, questiona. Jovens de 15 a 24 anos constituem o principal grupo alvo de violência no Brasil – segundo dados do Mapa da Violência, do Cebela, em 2011 a taxa de homicídios juvenis do país foi de 53,4 por 100 mil jovens. Para a professora da área de direito penal e criminologia da Universidade Federal? de Santa Catarina, Vera Regina Pereira de Andrade, a mobilização em torno da redução da maioridade penal revela a adoção de um modelo punitivo por parte da sociedade e do Estado. “Decidir entre tratar a juventude (pobre e negra) com penalização ou com escola, mercado de trabalho, lazer, cultura, é uma escolha política. O Estado brasileiro está escolhendo a primeira opção, e, por dentro, dela, produzindo um continuado desperdício da potência juvenil no nosso país, desperdício que inclui o extermínio”, analisa a pesquisadora que também tem atuado como consultora para o Ministério de da Justiça e a Casa Civil da Presidência da República.
E os adolescentes de hoje? Defensores da redução da maioridade penal evocam comumente a imagem de uma suposta inocência dos jovens no passado. Para muitos, os adolescentes de hoje, com acesso a mais informações do que as gerações passadas, estariam tão preparados quanto os adultos para responder por seus atos Tal visão, no entanto, não tem fundamentos científicos (?) confiáveis. De acordo com a pediatra Solange de Melo Miranda, coordenadora do Núcleo de Saúde do Adolescente do Hospital das Clínicas da UFMG, é preciso ter cuidado para não confundir o conhecimento das normas de convívio social, que meninos e meninas de fato teriam, com um complexo processo de assimilação dessas regras que ocorreria ao longo da adolescência. “Em um nível mais cognitivo, intelectual, o adolescente consegue fazer essas operações. Ele sabe da existência de normas, mas ainda falta elaborar esse conhecimento para que oriente a prática. Como o adulto normalmente deveria agir? Ele pensa, elabora e age. Mas, na adolescência, essa fase de elaboração ainda é muito frágil. O sujeito vai da situação para a ação. Aí vem briga na escola, a briga com a família, atos que não serão tão problemáticos, mas também vem o ato infracional”, explica. Com base nisso, a pediatra afirma que as medidas para responsabilização devem respeitar as peculiaridades dessa etapa de vida: “o mais importante é oferecer espaços para que o adolescente se expresse e possa elaborar de fato essas informações. Nessa fase, ele também vive um processo de desligamento da família e
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casos extremos são minoria
Não às soluções fáceis
Um questionamento muito frequente diz respeito a atos de extrema crueldade, que sugeririam a existência de casos de psicopatia ou sociopatia entre adolescentes. Contudo, o próprio Sinase já prevê o que deve ser feito nessas circunstâncias, orientando que, no caso de um adolescente apresentar indícios de sofrimento mental, ele deverá receber tratamento de acordo com as disposições da Lei 10.216, que não descarta a possibilidade de internação compulsória a pedido judicial. Felizmente a experiência de quem trabalha com adolescentes mostra que essas situações não são comuns. “Quando há um homicídio, em pouquíssimos casos o adolescente age de forma autônoma, por motivação e deliberação própria”, explica o promotor Márcio Rogério de Oliveira, lembrando que, na maioria das vezes, o adolescente que atenta contra a vida age em associação com um adulto. Frente a esse cenário, a coordenadora de Campanhas da Sociedade Brasileira de Pediatria adverte para o perigo de transformar casos isolados em uma regra: “não podemos fazer uma lei para todos os adolescentes com base na exceção; sem contar que um diagnóstico dessa natureza é muito complexo e demorado”. Com uma visão semelhante, a diretora do Sindicato de Psicólogos do Estado de São Paulo chama atenção para a necessidade de mais investimentos na saúde psicológica de meninos e meninas. “A sociedade tem que ser mais igualitária na base. Se tivermos o CAPs Infantil (Centro de Atenção Psicossocial) para cuidar de algum adolescente que eventualmente tiver um surto ou uma vinculação muito precoce com uso de drogas, se fizermos uma intervenção casada com a escola e a família, teremos avanços”.
passa por um grupo que lhe dá certa identidade. Se ele for mandado para uma prisão, que grupo será esse? Colocar um adolescente na prisão é abortar um processo de desenvolvimento”. Solange defende a manutenção da atual maioridade penal de 18 anos para fins de formulação de políticas públicas. Ela ressalta que o processo de amadurecimento tem uma duração diferente em cada indivíduo e lembra que, para a Organização Mundial de Saúde, a adolescência é uma etapa ainda mais longa do que se assume nas leis brasileiras, indo dos 10 os 20 anos.
Frente a questionamentos sobre a capacidade de os adolescentes executarem avaliações morais e preverem as consequências dos seus atos, o biólogo André Frazão Helene, coordenador do laboratório de Ciências da Cognição do Instituo de Biociências da USP, também evita respostas simplificadoras. “As decisões envolvendo riscos e consequências estão associadas a áreas pré-frontais do córtex [cerebral], que têm a formação final durante a adolescência. Mas esse processo envolve muito mais do que a capacidade biológica, envolve também a vivência que a pessoa tem. Envolve a necessidade de presumir as consequências de situações que ela nunca vivenciou e, que em alguns casos, não admitem erros”. A partir dessa lógica, o pesquisador prefere não dar uma resposta científica definitiva em relação à idade mais adequada para que os indivíduos sejam considerados criminalmente adultos. “Ao inserir um argumento das neurociências no debate da maioridade penal, corremos o risco de tirar o foco do ponto central, que é o efeito real que uma medida como essa pode ter na redução da criminalidade e na melhoria da vida das pessoas. O desenvolvimento neurológico é um aspecto importante da discussão, mas a solução para esse problema é muito mais sofisticada”. Ressaltando a complexidade do desenvolvimento cognitivo e moral dos indivíduos, o biólogo chama a atenção para os riscos das soluções fáceis. “Essa maioridade de 18 anos é algo que nós estabelecemos, mas ideia de que existe um momento de ruptura aos 16, 18, 20 ou 21 anos é irreal, pois se trata de um processo contínuo. A gente deve definir essa idade considerando muitas perspectivas e pensando nas consequências que essa decisão pode ter. A solução para a segurança não é fácil, porque, em última instância, se prender resolvesse, já estaria resolvido. Se soltar todo mundo resolvesse, também já estaria resolvido”.
BELO HORIZONTE E REGIÃO METROPOLITANA
9226
Em 2013, o número de entradas no CIA/BH foi de , mantendo-se próximo da média dos quatro anos anteriores. Em 2013, os atos infracionais mais atribuídos aos adolescentes encaminhados ao CIA/BH foram: tráfico de drogas (17,8%), roubo (12,7%) e furto (10,7%). A soma de alguns atos especialmente violentos como estupro, sequestro, homicídio tentado ou consumado não chegou a do total.
1%
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De acordo com as entrevistas realizadas pelo CIA/BH, 45,7% dos adolescentes se declararam pardos, 30,4% pretos e 14,8% brancos. Embora a maioria dos garotos que chegam ao CIA/BH tenham entre 15 e 17 anos (71,6%), apenas 17,8% frequentam o ensino médio.
@dolescentes
conec tad@s Acesso de adolescentes à internet faz sociedade repensar aprendizado e relações familiares; mas exclusão digital ainda é grande
POR ANNA CLÁUDIA GOMES E BÁRBARA PANSARDI
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Bruno Vilela
Desde janeiro deste ano, os banquinhos azuis e amarelos da Praça do Varandal, no centro de Pedra Azul (município do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais), andam mais disputados. Todo mundo quer um cantinho para aproveitar a novidade: o sinal de internet gratuito. O costume antigo de encontrar os amigos na praça para conversar vem sendo substituído. “Antes, o pessoal chegava na praça para bater papo; agora, a maioria já chega pegando o celular, cabecinha baixa”, conta Tales Bandeira, cidadão pedra azulense de 15 anos, referindo-se aos frequentadores que, ao invés de sair às ruas para conferir o movimento da cidade, mantêm os olhos focados nas telas de seus smartphones – como são conhecidos os celulares com tecnologia de acesso à internet.
Geração cibernética Entre os jovens que acessam a rede, a frequência de uso impressiona. Segundo a pesquisa TIC Kids Online 2012, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), 85% das crianças e adolescentes usuários de internet mantêm um acesso regular de pelo menos uma vez por semana e 47% afirmam acessá-la todos os dias (veja infográfico).
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A realização de trabalhos escolares, que se apresenta no primeiro lugar do ranking do uso da internet, é frequentemente a porta de entrada das crianças no mundo virtual, mas se trata de uma atividade de perfil esporádico. No uso cotidiano, destacam-se com igual importância (53%) a navegação em softwares de intercâmbio de mensagens instantâneas e em redes sociais. Aliás, 70% das crianças e adolescentes brasileiros usuários de
internet entre 9 e 16 anos afirmam possuir um perfil em redes sociais — número superior à média dos países da Europa (57%). É interessante notar também que 24% de nossas crianças e adolescentes declaram acessar a rede por mais de um tipo de dispositivo (laptops, celulares, computadores de mesa, tablets...), mesmo sendo o Brasil um país com profundas desigualdades na posse desses equipamentos. O responsável por este cenário é principalmente o celular, que desponta como segundo dispositivo mais utilizado para aceder à internet (21%), atrás apenas do uso do computador compartilhado pela família (38%). Tales Bandeira, o garoto de Pedra Azul, que também é monitor do Cecedica-Vale (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Vale do Jequitinhonha), explica a preferência infanto-juvenil. “O celular é mais atrativo porque dá pra carregar para onde você quiser, é menor. Quando precisar, é só pegar porque está contigo sempre. E tem a privacidade: o celular é uma coisa sua. Eu não deixo que ninguém pegue no meu celular”, conta. O adolescente diz que guarda o aparelho se os pais se aproximam quando ele está trocando mensagens com os colegas. As crianças e adolescentes estão bastante familiarizados com o mundo virtual. Se analisarmos os usuários de internet por idade, a proporção juvenil é alta (aproximadamente 70% dos usuários têm entre 13 e 16 anos). Já entre os adultos, o domínio é bem diferente. Do total de meninos e meninas entrevistados, 55% vivem em famílias nas quais nenhum dos responsáveis usa a internet. Os especialistas apontam, com isso, uma diferença nas habilidades técnicas entre a geração atual — dos chamados “nativos digitais” — e a de seus pais. Essa diferença entre as gerações conduz a uma incompreensão do comportamento de crianças e adolescentes em relação às TICs (tecnologias da informação e comunicação). Seja em casa ou na escola, a receptividade nem sempre é positiva. Nas salas de aula, por exemplo, para onde os jovens levam seus celulares, eles são causadores de situações conflituosas, consideradas como indisciplina. Os saberes adquiridos com as tecnologias virtuais são frequentemente desvalorizados na escola, notando-se um descompasso entre o que os alunos têm nas mãos e a capacidade de explorar as TICs com propósitos educativos. Tales, que fez sua campanha de representante dos alunos na escola através do Facebook, exemplifica como esse ambiente pode ser avesso à presença da internet e aos polêmicos debates que ela propicia. Na página criada por ele para o evento do dia da eleição, um post gerou discussões sobre ex-diretorias de grêmio, entre outros assuntos concernentes à vida do colégio. “Alguns alunos aproveitaram a oportunidade e falaram coisas da escola. Então a diretora mandou eu retirar a campanha pela internet porque houve críticas para a escola. Quando a gente postou, não imaginava que teria
A pesquisa TIC Domicílios 2011 revelou que o celular é a segunda tecnologia mais presente nos domicílios brasileiros (faz parte do cotidiano de 87% deles), atrás apenas da televisão (que alcança uma abrangência de 98% dos lares). uma repercussão tão grande. Quando a gente coloca alguma coisa na internet, não pode nem medir as consequências. Mas eu gostei, porque eles tiveram a coragem de falar isso. Não falaram pessoalmente, mas acharam um espaço onde eles poderiam falar. Aí eu fui proibido de fazer a campanha na internet faltando cinco dias para a eleição”, relata o jovem, que acredita que a diretoria não soube lidar com a situação. “A escola poderia usar desse meio também [a internet] para debater com os estudantes, para mostrar o lado da escola nisso”, avalia.
Novos modos de aprender A quantidade de horas em frente ao computador ou dispositivos móveis, o contato precoce e a familiaridade com a linguagem digital, a disponibilidade de um volume de informações sem precedentes e a configuração de redes sociais de amizade online vêm acarretando algumas mudanças em nossas crianças — perceptivas, cognitivas, linguísticas e de socialização. Cada vez mais, meninos e meninas assimilam conteúdos de modo diferente daquele com o qual a escola está habituada a trabalhar. “A relação de crianças e adolescentes com imagens em movimento, efeitos sonoros, música e linguagem visual através das mídias digitais traz um impacto definitivo do ponto de vista perceptivo, cognitivo e linguístico, porque agora as crianças e adolescentes são impactados por muito mais elementos em relação à possibilidade de constituir suas opiniões e valores do que quando ouvem apenas a palavra do mestre/professor, ou quando estão apenas lendo um livro ou trabalho escrito”, esclarece Regina de Assis, especialista em educação e mídia. Segundo a consultora, as novas linguagens audiovisuais e digitais estimulam, na inteligência da criança, a capacidade de produzir memória de longa duração a respeito do que estão aprendendo, que se torna maior do que se estivessem apenas ouvindo a fala abstrata do educador. A antiga lógica de transmissão de conhecimentos por meio da linguagem escrita parece não ser suficiente aos jovens de hoje. Tales se queixa. “Acho que as aulas poderiam ser bem mais dinâmicas, saindo desse mundo de quatro paredes da sala de aula para fazer atividades ao ar livre, com vídeos, ou uma aula que os próprios alunos pudessem montar... Aí produziria bem mais, porque
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ATIVIDADES DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA INTERNET
Abertura do infográfico. Neste espaço é importante que o jornalista coloque uma breve descrição sobre que tipo de dados vão ser apresentados a seguir, contextualizando o leitor para que ele entenda perfeitamente os dados. Esta informação precisa ser mais ou menos deste tamanho.
Pesquisas para trabalho escolar 82% Visita a perfis ou páginas de redes sociais 68% Visualização de vídeo 66% Jogos online 54% Troca de mensagens instantâneas 54%
Fonte: Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), 2012
os estudantes gostariam mais. Estariam educando de forma jovem, atual, usando a comunicação para educar com essas questões de internet, televisão, etc. Acho que isso deixaria a escola mais atraente”. A pesquisadora Maria Luiza Belloni, que estuda as relações entre mídia e processos educacionais, identifica “transformações muito significativas, inéditas na história da educação, nos modos de aprender que as crianças desenvolvem fora da escola e à sua revelia”. De acordo com ela, crianças que têm acesso desde cedo às TIC e as usam regularmente para brincar desenvolvem novas formas de aprendizagem que colaboram com o desempenho escolar. A especialista, então, avalia positivamente o manejo precoce e lúdico dos dispositivos tecnológicos. “O uso pedagógico de computadores favorece modos mais ativos e participativos de aprendizagem, inclusive a colaboração interpares. Outro aspecto importante é o aparecimento de uma certa autodidaxia – a aptidão para aprenderem sozinhos, sem a orientação de um adulto”, explica. Com a presença da internet, espaços importante na vida de meninos e meninas, como a escola e a família, têm visto mudanças em seus papéis. Uma publicação da
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Birmingham Science City, da Inglaterra, que investigou a quem crianças e adolescentes perguntam quando têm uma dúvida revelou que mais da metade (54%) consulta o Google. A prioridade da busca online sobre o questionamento aos pais ou educadores, entretanto, não deve ser mal encarada. A família e a escola continuam tão importantes como outrora. “As crianças estão à frente dos adultos na apropriação das técnicas digitais e informáticas. Elas são competentes na cultura digital, mas precisam de metodologia científica, de orientação ética, de incentivo à reflexão, à apropriação crítica e criativa”, sustenta Maria Luiza Belloni. Juliana Cunha, da SaferNet Brasil, aponta uma palavra-chave no que diz respeito à atuação dos pais e educadores: mediação. Mais que transmissores de conhecimento, eles devem cumprir o papel de mediadores da aprendizagem. “Nem sempre o que a gente acessa na internet vem de forma qualificada e promove aprendizagem. As crianças não nascem sabendo; não é porque têm o domínio técnico da ferramenta que sabem usar esses ambientes. Então, o primeiro passo para um uso saudável é a participação dos adultos – da escola e da família – para desenvolver essas habilidades”, expõe.
Falta acesso O cenário da Pedra Azul de Tales, com acesso à internet na praça central, não é uma realidade em todo o país. Segundo relatório produzido em 2013 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), cerca de 30% dos adolescentes brasileiros não têm acesso à internet. O percentual representa um contingente de mais de 6 milhões de pessoas e equivale, por exemplo, a toda a população do Paraguai. As variáveis renda, local de moradia, cor e raça são as que mais influenciam na acessibilidade. Meninos e meninas que vivem na zona rural, nas regiões Norte e Nordeste do país, e cuja família tem baixo poder aquisitivo — com renda até um salário mínimo — são os mais excluídos. Ou seja, aqueles que têm mais necessidade de ter acesso à internet para estender seus contatos, buscar opções de trabalho e oportunidades de estudo são os que têm maior dificuldade de acesso. A internet, enquanto ferramenta de busca de informação e de construção de relações, pode contribuir de forma positiva para o posicionamento das pessoas na sociedade, fornecendo mais oportunidades aos seus usuários. Por isso, Mário Volpi, coordenador do programa Cidadania dos Adolescentes, do Unicef no Brasil, aposta na democratização de acesso como forma de equalizar a igualdade de oportunidades. “A internet não é, de fato, um espaço democrático de acesso. Ela reproduz, no mundo virtual, as desigualdades presentes no mundo real. Os excluídos da internet são os excluídos da sociedade e eles continuam excluídos porque não conseguem se conectar às coisas mais atualizadas, que são importantes para constituir suas redes sociais e que vão dar condições para a sua inclusão social, sua empregabilidade ou desempenho escolar. O acesso à internet se constitui como um importante direito universal na medida em que ajuda a reduzir essas desigualdades”, defende. Juliana Cunha, psicóloga, chama atenção para outro aspecto: a apropriação das novas tecnologias como meio de participação e intervenção na vida pública. Para ela, que atua como coordenadora do canal de orientação da
ONG SaferNet Brasil – dedicada à internet segura para crianças e adolescentes -, a participação política é indissociável da comunicação. “A comunicação é um modo privilegiado de participação nas esferas públicas, seja na comunidade ou em contextos maiores. É através da comunicação que os jovens dão sua opinião e contribuem, e a gente não pode pensar em políticas para jovens ou políticas de proteção às crianças se a gente não os ouve. Eles têm voz, mas a gente não tem muitos espaços para efetivamente ouvi-los. Quais são os espaços públicos em que as crianças podem expressar sua opinião? A escola oferece esses espaços? A família? O Sistema de Garantia dos Direitos? Esses espaços não são necessariamente feitos para as crianças, apesar de serem para o interesse e proteção delas. Eu diria que a tecnologia pode ser esse recurso para que elas opinem, participem e produzam conteúdo”, argumenta. Para alcançar a democratização e assegurar os direitos de meninos e meninas, contudo, é preciso avançar no campo das políticas públicas de acesso gratuito. Embora os programas atualmente existentes alcancem um percentual significativo da população e o uso da internet tenha se expandido muito nos últimos anos, as escolas e centros públicos ainda não se apresentam, nas pesquisas, como locais relevantes de acesso e as lanhouses persistem entre os principais canais de conexão à rede para as crianças e adolescentes das famílias de baixa renda — mais da metade (53%) dos entrevistados com renda até um salário mínimo mencionou acessar a internet a partir destes estabelecimentos, o que significa que os economicamente mais desfavorecidos acabam pagando um valor mais alto pelo acesso. Na opinião de Mário Volpi, a existência de uma política mais eficiente depende, por um lado, de processos legislativos de regulamentação das concessões de uso dessas redes e, por outro, de financiamento do Estado (que poderia ser feito diretamente às comunidades, por exemplo), além do controle social e organização de movimentos sociais que fiscalizem a garantia desse direito. Bruno Vilela
ApaesLegenda contamlegenda com salaslegenda especiais legenda adaptadas legenda às diferentes legenda deficiências legendadas legenda crianças
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ISSO E COISA DE MENINA. E de menino também. Separar as brincadeiras e os brinquedos por gênero limita o universo lúdico das crianças e reforça estereótipos. Deixar que elas brinquem sem essa preocupação pode melhorar seu entendimento de mundo e combater preconceitos POR FELIPE BORGES
Br un oV il e la
Do que você brincava na sua infância? Se você é mulher, provavelmente de casinha e bonecas. Se for homem, de carrinho e futebol. Certo? Essa divisão de brincadeiras e brinquedos por gênero, de tão antiga e marcante, acabou naturalizada. No entanto, a ideia de que meninas devem brincar de certos jogos e com determinados brinquedos, e os meninos, com outros, é apenas reflexo da sociedade em que vivemos, e proveniente de uma divisão criada pelo mundo dos adultos. Perpetuar essa diferença é limitar o processo de aprendizado das crianças nas atividades lúdicas - e incentivar preconceitos futuros.
Um problema de adultos “Os brinquedos e as brincadeiras estão ligados a um contexto cultural. Nos jogos lúdicos, a criança promove uma imitação do adulto, daquilo que ela observa. Assim, é uma questão de desempenho de papeis na sociedade”, explica a pedagoga Maria Angela Barbato Carneiro, coordenadora do Núcleo de Cultura, Estudos e Pesquisas do Brincar da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Segundo ela, isso é mais claro quando sabemos que, “nos países em que não vemos uma divisão tão bem marcada entre papeis masculinos e femininos, não observamos essa divisão tão forte nas brincadeiras”. As maneiras de se brincar não teriam, assim, nenhuma ligação natural com os gêneros, sendo apenas uma construção social. Para a professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Paulo, a pedagoga Daniela Finco, “a normalização da dicotomia ‘homens versus mulheres’ acabou fundando uma forma de pensamento na qual há um jeito de ser feminino e outro de ser masculino. Desse modo, há comportamentos, falas, gestos, posturas físicas, além de atividades e funções, que são entendidas como adequadas para cada um”. Essas características físicas e comportamentais seriam transmitidas para as crianças pela forma como são criadas e educadas, e o que é esperado para meninas e meninos é reforçado, às vezes de forma inconsciente, nos pequenos gestos e práticas do dia-a-dia. Para Daniela, a própria forma como uma professora elogia a meiguice de uma menina ou justifica a atividade sem capricho do menino mostra como as expectativas são diferenciadas para cada sexo. Ela lembra ainda como essa dicotomia se reflete nos brinquedos: enquanto, para as meninas, existe uma variedade de objetos que imita os utensílios caseiros de cozinha e serviços domésticos, para os meninos, o que se propõe são brincadeiras com carrinhos, caminhões, armas, bolas e skates. “Os jogos e os brinquedos são frutos de uma determinada cultura em que se podem fazer escolhas aparentemente amplas, mas, na realidade, bastante limitadas”, constata a pedagoga. O ato de brincar é fundamental na infância, uma importante forma de aprendizagem e de compreensão do mundo, além de fonte de prazer e maneira de expressão
dos pequenos. “As brincadeiras das crianças, o seu faz de conta e suas fantasias, mostram o papel ativo que elas têm na construção de suas relações e identidades de gênero. O brincar é uma forma de vivenciar o mundo e, por isso, traz um sentido que será diferente para cada um, independentemente se é uma menina ou se é um menino”, explica Daniela. As amarras de gênero podem ser muito prejudiciais nesse sentido, pois limitam o universo lúdico da criança. O período da infância é de exploração e de descoberta de possibilidades – e as imposições dos adultos, baseadas em tabus culturais, impedem que isso se efetive de forma plena. Afinal de contas, as crianças são curiosas, e o interesse de um menino em brincar com bonecas ou de uma menina em andar de skate nada tem de estranho. Se uma criança vê o coleguinha brincando de algo, logo fica interessada em participar, independente do que seja. Para a pesquisadora Maria Angela, “quando a criança brinca, tudo que está em seu entorno interessa, desperta curiosidade: elas querem experimentar. Quanto mais ela estiver livre para explorar, descobrir, mais rica será essa experiência, e maior a sua aprendizagem”. Se estiverem livres para “transgredir”, aponta Daniela Finco, as crianças podem dar novos significados à cultura na qual estão inseridas: “Ao contrariarem as expectativas dos adultos, meninas e meninos problematizam suas vidas e criam novas formas de relações. Assim, resistem aos padrões preestabelecidos, expressando seus desejos e inventando maneiras de brincar”. Para a pesquisadora, reconhecer essa complexidade e essa criatividade é, na verdade, reconhecer o direito das crianças à própria infância e à brincadeira livre e espontânea. Além do mais, o impedimento em relação ao uso de certos brinquedos ou à prática de determinadas brincadeiras pode reforçar estereótipos e perpetuar preconceitos. Alguém que passou a infância aprendendo que só menina brinca de boneca ou de casinha pode se tornar um adulto que acredita que a responsabilidade de criar uma criança ou de varrer a casa e cozinhar são tarefas estritamente femininas. E quem sempre ouviu que “futebol é coisa de homem” pode considerar “masculinizada” uma menina que joga bola. Esse preconceito tem se tornado, por sinal, cada vez mais atemporal. Nas brincadeiras, as crianças imitam o que observam no mundo dos adultos. Com a presença cada vez maior das mulheres no mercado de trabalho, por exemplo, é ainda mais esperado que as meninas criem brincadeiras que reflitam isso. “Os papeis estão se misturando. Hoje, as meninas querem brincar de carrinho, porque elas veem que as mulheres também dirigem. Assim como homens cuidam de bebês e cozinham, sejam solteiros ou casados”, analisa Maria Angela. É comum encontrar, por exemplo, meninos desempenhando o papel de pai nas
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brincadeiras de casinha, imitando a vida adulta, como num exercício de paternidade. Essa atividade pode ser importante para as práticas cotidianas futuras, consciente de suas funções no âmbito familiar, além de respeitoso em relação ao sexo oposto. Para Daniela, “o modo como meninos e meninas estão sendo educados pode contribuir para se tornarem mais completos ou para limitar suas iniciativas e aspirações”. Há quem tema que o incentivo às brincadeiras variadas possa, de alguma forma, exercer influência sobre a sexualidade da criança. Para o sexólogo Marcos Ribeiro, trata-se de um grande equívoco: “Ninguém sabe o que faz de uma pessoa heterossexual ou homossexual. Não há pesquisas conclusivas a respeito, e, logo, não faz sentido nenhum associar a brincadeira à sexualidade futura da criança. O desejo sexual é algo muito mais complexo”, explica. Autor do livro Menino brinca de boneca? (Editora Salamandra), de 1990, Marcos chama a atenção para o fato de o debate não ser recente, mas ainda assim continuar a ser evitado em muitas escolas de educação infantil, que ainda adotam o modelo de separação. Contudo, há outras que desenvolvem projetos com seus alunos, visando à discussão e à conscientização sobre o assunto.
Na hora do recreio O Ministério da Educação não apresenta uma cartilha ou programa que incentive a quebra dos preconceitos de gênero nas brincadeiras da educação infantil. Apesar disso, divulga diretrizes, que podem servir de base para a execução de projetos e propostas pedagógicas das redes de ensino. Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, publicadas em 2009, o artigo 7 trata da importância de se educar construindo novas formas de socialização e de subjetividade que sejam comprometidas com os aspectos lúdicos, ao mesmo tempo em que promovam o rompimento das relações de dominação de gênero. Já o artigo 9, postula sobre a importância de as escolas promoverem o respeito pelos desejos e expressões de individualidade das crianças. Em Belo Horizonte, na Escola Municipal Henfil, de educação infantil, os alunos vão, pelo menos uma vez por semana, na brinquedoteca, uma sala cheia de brinquedos e fantasias. No espaço, elas são incentivadas a brincar de tudo o que quiserem. Pode-se encontrar, por exemplo, meninos dando mamadeiras para bonecas e brincando de passar roupa e meninas se divertindo com carrinhos. Segundo a diretora, Cristina Peron Gui, o incentivo está na própria proposta pedagógica da escola, e por isso os pais já sabem o tipo de trabalho feito com seus filhos. Assim, apoiam o projeto. “Brincar é inerente à educação infantil. Com a orientação dos professores, os alunos podem desempenhar vários papéis no jogo simbólico, e a espontaneidade dos alunos mostra como não há preconceito entre eles”, afirma Cristina. O papel dos adultos, nesse contexto, é muito importante. Respeitar as escolhas das crianças é fundamental para que se construa uma relação horizontal dos pais
Vulnerabilidade social e racismo estão entre as causas da violência contra a juventude
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e professores com seus filhos e alunos. Segundo a pedagoga Maria Angela, a atuação do adulto “deve ser de supervisão, mas não de interferência. Cabe a ele o papel de mediar, de sugerir possibilidades. Já colocar um ‘não’ pode ser problemático, pois, na brincadeira, a criança diz coisas que não diria de outra maneira”. Marcos Ribeiro faz um alerta: “Com a proibição, a criança não vai desistir. A curiosidade dela será atiçada, e ela vai brincar escondida. O problema está aí: o brincar sem a supervisão dos pais ou de um professor”. Já na Escola Municipal Júlio de Castilhos, no Rio de Janeiro, um projeto é desenvolvido, há alguns anos, com as crianças pequenas para mostrar que as brincadeiras e os brinquedos são iguais para todos. A diretora Esméria Freitas conta que uma dinâmica interessante é pedir para os alunos dividirem os brinquedos em duas caixas: uma para os que seriam voltados para os meninos e outra para os considerados femininos. Segundo ela, é comum acontecer de os meninos colocarem, por exemplo, a bola em sua caixa. Mas logo as meninas protestam, alegando que também brincam com ela. E se eles colocam algum boneco, o processo se repete. A conclusão que as educadoras discutem com os alunos é de como a divisão não faz o menor sentido. Não deixa de ser uma luta contra o que se observa no dia-a-dia, onde as gôndolas de brinquedos para meninas e para meninos são explicitamente separadas nas lojas infantis. A ideia da escola é não dividir as crianças por gênero. Os professores sempre incentivam todos a brincarem juntos, sem se preocupar se a dinâmica é considerada masculina ou feminina. O objetivo é promover a interação, até mesmo na hora de se formar a fila. Não há uma de meninas e outra de meninos: todas as crianças ficam juntas na mesma. “Procuramos criar pessoas sem preconceito, sem discriminação. Colocamos com naturalidade, por exemplo, que os meninos ajudem a varrer a sala de aula. Assim, eles serão adultos conscientes, que não vão falar ‘isso é coisa de mulher’”, explica Esméria. Segundo ela, os alunos da educação infantil não apresentam nenhum tipo de problema com a proposta. A principal resistência é encontrada nas crianças com mais de nove anos. É aí que a diretora, que trabalha com o livro Menino brinca de boneca? nas salas de aula, promove um projeto mais intenso com os estudantes, debatendo a questão por algumas semanas. Segundo ela, “o mais importante é saber que o trabalho com gêneros não é algo que tem começo, meio e fim. É uma postura diária, constante”.
Nas prateleiras Apesar de a literatura não ser extensa, encontramos alguns títulos interessantes que podem ser o ponto de partida para que crianças e adultos discutam, juntos, a questão dos gêneros: CHEGA DE ROSA! de Nathalie Hense 36 pgs., Editora Edições SM O livro conta a história de uma menina que não gosta de várias referências clássicas ao universo feminino, como as princesas e o rosa, o que serve de ponto de debate para a divisão entre brincadeiras e gostos de meninas e meninos. MENINO BRINCA DE BONECA? de Marcos Ribeiro 48 pgs., Editora Moderna Com uma linguagem leve, o autor trabalha os estereótipos de gênero nas brincadeiras infantis, mostrando como eles não fazem o menor sentido. O MENINO QUE GANHOU UMA BONECA de Majô Baptistoni Editora Massoni Paulinho ganha uma boneca e fica constrangido. Mas, com o passar do tempo, começa a fazer questionamentos e a perceber que as brincadeiras podem ser um treinamento para a vida adulta. FACA SEM PONTA, GALINHA SEM PÉ de Ruth Rocha 32 pgs., Editora Salamandra Os irmãos Joana e Pedro viviam brigando sobre o que meninas e meninos podem ou não fazer. Até que, um dia, algo estranho acontece e eles viram Joano e Pêdra, trocando de papeis. WILLIAM’S DOLL de Charlotte Zolotow 32 pgs., Editora Harper & Row William sempre quis ter uma boneca. Mas seus pais nunca quiseram lhe dar uma, e ele ainda sofria com as zombarias dos outros. Até que, um dia, sua vó resolve lhe presentar com o brinquedo.
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Saúde mental na infância Em meio ao desafio da falta de equipamentos públicos, correção e exclusão é deixada de lado e tratamento de crianças e adolescentes passa a valorizar a convivência familiar e comunitária POR BÁRBARA PANSARDI E GABRIELLA HAUBER A ocorrência de doenças mentais em meninos e meninas não é algo incomum. Estimativas de 2008 da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) apontava que aproximadamente 5 milhões de crianças e adolescentes apresentavam sintomas de transtorno mental importante com a necessidade de tratamento ou auxílio especializado. Entretanto, 28,9% delas não conseguiam ou não tinham acesso a atendimento público, evidenciando que a oferta de serviços na saúde mental ainda é insuficiente. O tratamento mental específico para crianças e adolescentes tem peculiaridades e deve preferencialmente
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ser realizado no Centros de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi). Se para os municípios quem possuem CAPSi, equipamento de saúde pública criado para esse objetivo, já é difícil, o desafio diário se torna ainda maior para aqueles que não o têm. E essa é uma forte realidade no Brasil e em Minas. De acordo com o Ministério da Saúde, Minas Gerais, um estado de 853 municípios, possui apenas 233 Caps em 2014, sendo somente 16 CAPSi. Vale lembrar que a primeira portaria federal (MS/SAS nº 224) que institui as normas para implementação dos centros é 1992, sendo complementada por outro portaria de 2002.
No mundo ideal Localizado no bairro Padre Eustáquio, região noroeste de Belo Horizonte, o Centro de Referência em Saúde Mental Infantil (Cersami) é uma unidade de tratamento municipal onde quadra de esportes, salão de beleza, totó, laboratório de informática, sala de vídeo, brinquedoteca e oficina de artes plásticas convivem com consultórios e leitos de enfermaria. Ali, diariamente crianças e adolescentes portadores de sofrimento mental são assistidos pela equipe de enfermeiros, psicólogos, psiquiatras, redutores de danos, artistas plásticos e terapeutas ocupacionais. A unidade foi estruturada para fugir da lógica hospitalocêntrica. Os sedativos raramente são utilizados e as consultas psicológicas podem acontecer em espaços alternativos, como em quadras e outros ambientes de convivência, a fim de que as crianças e adolescentes se sintam mais à vontade para se expressarem. Lá, o paciente é pensado do ponto de vista integral, sem segregação, em busca de seu processo de inserção social. O Cersami e seu modelo de assistência são conquistas da Reforma Psiquiátrica, movimento que começou a ganhar força no Brasil nos anos 1970 e surgiu de uma luta que buscava construir um novo estatuto social para o doente mental. O primeiro passo foi eliminar progressivamente a internação, que era uma forma de exclusão social. Aos poucos, o atendimento passou a ser feito por meio de uma rede de serviços de atenção psicossocial descentralizada, com o objetivo de (re)integrar a pessoa que sofre de transtornos mentais à comunidade.
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são equipamentos estratégicos desse movimento. Eles surgem em substituição aos hospitais psiquiátricos e se configuram como instituições destinadas a acolher pacientes com transtornos mentais graves. Os CAPS oferecem tanto o atendimento clínico quanto atividades para estimular a integração social e familiar do usuário, dando apoio a sua autonomia. “A ideia não é fornecer uma cura, mas entender como o sujeito lida com o sofrimento; é pensar numa estabilização dos quadros”, explica Fábio Dias, psicólogo especialista em saúde mental. Os CAPS – que pode receber outros nomes de acordo com o município – são o local de atendimento de urgências, quando o paciente está em crise ou quando o sofrimento psíquico é tanto que o impede de seguir a vida. Mas a rede de saúde mental pode possuir outros equipamentos de apoio: centros de convivência, espaços onde são promovidos passeios e festas, além da oferta de oficinas de cultura, arte e esporte, entre outras; residências terapêuticas, que surgiram da necessidade de oferecer moradia aos pacientes egressos de hospitais psiquiátricos que ficaram longos períodos internados e perderam todos os vínculos sociais e afetivos com a família; profissionais de saúde mental nos Programas de Saúde da Família (PSF), cuja equipe está próxima da comunidade e pode oferecer suporte no que se refere aos cuidados psíquicos; e hospitais que disponibilizam leitos temporários aos pacientes em crise.
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Uma clínica necessariamente ampliada
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Lidar com meninos e meninas traz a necessidade da presença do cuidador — pais, avós, responsáveis, professores – que precisam estar inseridos e comprometidos no tratamento. Afinal, é o cuidador quem frequentemente leva a criança às consultas. “Não se trata crianças e adolescentes sem uma inclusão da família no processo. A família é que guarda o poder de tutela. Os cuidados com a infância põem em jogo a família porque é quem tem o exercício legal de cuidados com a criança”, afirma a professora de psicologia social da PUC-SP e consultora de políticas públicas infanto-juvenis, Maria Cristina Vicentin. Além disso, o modo de a criança expressar o sofrimento mental não é igual ao do adulto. É preciso recorrer a estratégias lúdicas para que, através de um brinquedo, um jogo ou uma história, ela relate o sofrimento. “Ao contrário do adulto, a criança não tem essa percepção de que vai ao psicólogo para conversar. Ela tende a fugir do que traz o incômodo. Então, são utilizadas técnicas como o brincar para atingir essa fala. Quando você oferece recursos lúdicos, vai conversando enquanto brinca”, expõe Fábio. Na clínica infanto-juvenil, mais que na adulta, a interdisciplinaridade é importante para fornecer instrumentos de compreensão alternativos, que não passam necessariamente pela palavra. Profissionais da fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia, pedagogia e até mesmo artistas e artesãos podem ajudar a criança a se expressar por um viés não verbal, como num desenho da família, por exemplo. Outro aspecto importante tem a ver com a articulação da rede de atendimento. As crianças e os adolescentes circulam por vários espaços de convivência, como escolas, clubes de esportes e serviços como o Centro de Referência à Assistência Social (Cras). É preciso que a saúde mental se articule com esses espaços para um atendimento integral. “Na saúde mental, a gente tem que identificar esse território psicossocial onde a criança está inserida, que é o lugar onde mora, mas também outros lugares por onde circula, que atravessam o endereço dela, como a escola, a igreja ou a cena do uso das drogas. Não tem como falar no atendimento da infância e adolescência sem pensar no cuidado intersetorial”, explica a referência técnica em saúde mental da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, Lourdes Machado. Maria Cristina Vicentin, consultora de políticas públicas da área da infância, aponta dois caminhos interdependentes de produção da rede. Por um lado, ela deve ser tecida no cotidiano, no encontro dos profissionais, de modo que o contato entre os atores e o esclarecimento das atribuições de cada um sejam continuamente reatualizados; por outro lado, há um plano político
interinstitucional, entre secretarias, que legitima e constrói modos de as relações acontecerem. Para que a articulação se efetive nas duas esferas, Lourdes Machado sugere que os municípios estabeleçam fóruns intersetoriais de discussão com reuniões periódicas entre representantes do Ministério Público, do Conselho Tutelar, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Educação e da Saúde, a fim de produzir uma corresponsabilização para os casos e não permanecer uma atenção muito especializada.
Ainda no caminho O modelo ideal de atenção à saúde mental, com toda uma rede estruturada e bem articulada, ainda está em construção. E o desafio se torna maior quando se tratam de crianças e adolescentes. Mesmo os municípios que possuem CAPSi enfrentam dificuldades. Essa articulação entre diversos setores e serviços, que é importante para o atendimento, ainda é escassa. Muitas vezes, outros atores da rede não compreendem muito bem o papel do CAPSi e encaminham casos que não lhes competem; ou, ao contrário, encaminham para outros órgãos casos que deveriam passar pela saúde mental. A articulação da rede também fica prejudicada com a rotatividade dos profissionais, tanto do CAPSi quanto dos outros serviços. Pelo fato de a saúde mental de crianças e adolescentes ser um campo relativamente novo, também é um desafio constituir uma equipe que tenha uma formação sólida na área e que esteja afinada com a política pública relacionada à saúde mental. Por isso, é importante que sejam oferecidas aos profissionais capacitações e atualizações constantes. Municípios onde não há CAPS nem CAPSi têm que se virar para fazer atendimentos com a estrutura da atenção básica, como Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Estratégia Saúde na Família (ESF). Porém, como não são serviços especializados em saúde mental de crianças e adolescentes, o atendimento fica prejudicado. Mesmo onde há CAPS, o serviço não é o mais adequado para
ARTE, ATENÇÃO E CUIDADO Com um grande volume de casos de dificuldade de aprendizagem chegando, em Belo Horizonte foi pensada uma alternativa para dar conta desse problema: o programa Arte da Saúde - Ateliê de Cidadania, que oferece tratamento terapêutico por meio de oficinas de arte e artesanato. Para conhecê-lo, leia mais em nosso site:
bit.ly/tfreo32
crianças e adolescentes, como é o caso do município de Alcântara, com 21,6 mil habitantes, no Maranhão. Em todo o estado não existe nenhum CAPSi. A enfermeira Érika Nunes, técnica do CAPS de Alcântara, conta que os atendimentos à saúde mental de crianças e adolescentes acontecem no CAPS 1, único equipamento de saúde mental disponível na região. Porém, o órgão não tem estrutura para atender emergências e casos de crises mais graves, que acabam sendo transferidos para São Luís. Além disso, muitas crianças atendidas pelo CAPS 1 são de zonas rurais e, por não terem como se deslocar, não conseguem dar continuidade ao tratamento e participar, por exemplo, dos espaços de psicoterapia. “A gente perde a continuidade do tratamento por não ter uma equipe grande, com possibilidade de ir até onde o usuário está”, conta. Além dessas dificuldades, o CAPS de Alcântara enfrenta outras, também comuns a outros municípios. Érika relata que eles trabalham com a equipe mínima prevista na legislação, mas que em alguns momentos faltam profissionais porque a rotatividade é grande. Além disso, não há recursos para a alimentação de pacientes que necessitam ficar no CAPS o dia inteiro, nem para a medicação, sendo que a maioria dos usuários não tem condições de comprá-los.
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Este é um exemplo de legenda, favor preencher com conteúdo apropriado, relacionado a cada uma das imagens. Isso é muito importante para a finalização.
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ARTICULAÇÃO
Algumas saídas
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há uma cidade de maior porte que é referência para os municípios no entorno e que atende as demandas. Outra alternativa é o consórcio entre municípios pequenos, os quais podem se unir, obedecendo uma lógica de proximidade territorial e de demandas de atendimento à saúde mental para, juntos, somarem a abrangência populacional exigida para a construção de Caps. No modelo de consórcio, um dos municípios sedia o equipamento, tornando-se a referência responsável por atender as demandas dos municípios mais próximos. Se não houver a possibilidade de consórcio, a solução é buscar a atenção básica mesmo. Geralmente, os municípios têm pelo menos um Programa de Saúde da Família, e esse serviço possibilita um acompanhamento primário dos casos. Havendo necessidade de acompanhamento mais especializado, a própria Equipe de Saúde da Família pode fazer o encaminhamento para o município mais próximo que oferecer o serviço.
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Em 2013, o governo federal criou a Portaria 615/13, que dispõe sobre o incentivo financeiro de investimento para construção de CAPS e Unidades de Acolhimento. Os valores previstos para financiamento são: CAPS I, II, i e AD: R$ 800 mil; CAPS III e AD III: R$ 1 milhão; Unidades de Acolhimento Adulto e Infanto-Juvenil: R$ 500 mil (veja diferença entre os CAPS no box). Para solicitar o financiamento, o município deve cadastrar sua proposta perante o Ministério da Saúde por meio do site do Fundo Nacional de Saúde, onde também é possível encontrar os documentos necessários para a solicitação – como o endereço de onde será construído o equipamento, fotografia do terreno e certidão de registro de imóveis. No caso dos municípios que não possuem número de habitantes suficiente para implementar os CAPS (ver tabela), há outras possibilidades para que o serviço de atenção à saúde mental seja ofertado. Uma delas é recorrer a municípios vizinhos que possuem o serviço. Geralmente,
tabela O desafio da “loucura velada” A saúde mental na infância caminhou a passos lentos. A construção de quadros e diagnósticos esteve restrita à clínica adulta por um longo período, ignorando a possibilidade de uma criança ou adolescente sofrerem de algo. “Quando essa questão começa a ser colocada, os apontamentos são superficiais e voltados para a idiotia ou desenvolvimento. Então, não era pensado um tratamento de especificidade médica. A ideia era que as intervenções deveriam ser pedagógicas”, argumenta o psicólogo especialista em saúde mental, Fábio Dias. Essa forma de pensar impediu, por muito tempo, um tratamento mais específico na saúde mental para crianças e adolescentes. O sofrimento mental foi recorrentemente tratado como um transtorno de comportamento que deveria ser corrigido. Seja em hospitais psiquiátricos, instituições psicopedagógicas, escolas especiais ou na Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (Febem), o tratamento era igualmente pedagogizante, visando alinhar os comportamentos infanto-juvenis a um ideal de ‘normalidade’. “As crianças e adolescentes começam a ser institucionalizadas não só em instituições de saúde, mas em lugares que serviam muito mais para um controle social. Isso, de certo, modo pode ter mascarado a proporção do problema que a gente tinha em relação à criança no campo de saúde mental”, expõe Fábio. Durante muito tempo houve, na atenção a crianças e adolescentes do país, uma confusão conceitual entre distúrbios psiquiátricos, deficiência cognitiva e problemas comportamentais. Um exemplo dessa confusão é o que
acontecia no antigo Centro Psicopedagógico de Belo Horizonte (CPP), hoje Centro Psíquico da Adolescência e Infância (Cepai) – hospital referência em Minas Gerais para os casos de transtorno psíquico de maior complexidade. Francisco José Viana, ex-diretor da instituição, conta que, no período de sua gestão (anos 1980), testemunhou o encaminhamento desenfreado que a profissionais da educação faziam para as unidades de saúde mental sob a justificativa de dificuldade de aprendizado, bem como a utilização de unidades de assistência à saúde para reprimir crianças e adolescentes autores de ato infracional. “A gente tinha uma pressão das escolas e uma pressão do sistema jurídico para incorporar essas crianças lá dentro e psiquiatrizá-las. Como não existia cadeia para crianças, a Justiça as enviava para os hospitais psiquiátricos para se tratarem. Também atendíamos muitas crianças de escola, e foi exatamente o fato de as atendermos que nos fez refletir sobre o que estávamos fazendo — era maluquice a gente querer dar conta de responder a uma demanda que era escolar e entupi-los [crianças e adolescentes] de remédio, ou oferecer tratamentos que poderiam até não fazer mal, mas também não eram justificados”, relata. Ainda hoje, a incompreensão do assunto da saúde mental na infância persiste. Lourdes Machado, psicóloga e referência técnica em saúde mental da Secretaria de Estado de Saúde, acredita que sustentamos o estigma de não creditar o problema da criança e do adolescente à saúde mental. “Temos a tendência de achar que é algo da área da
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As crianças do Bolsa Família O maior programa de transferência de renda do Brasil começa a transformar uma geração de crianças e adolescentes formados pela transferência de renda. Conheça os impactos na vida dos filhos de quem recebe o benefício POR LARISSA VELOSO
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Parece um contingente quase invisível, mas um quarto da população brasileira é beneficiária do Bolsa Família. São cerca de 14 milhões de famílias, totalizando mais de 50 milhões de pessoas, entre crianças, jovens e adultos. Desse total, 23,5 milhões (quase 50%) têm até 17 anos, sendo 2 milhões deles em Minas Gerais. Considerando que o programa completa 11 anos em 2014, podemos dizer que há uma geração de crianças que vem se formando sob o teto do Bolsa Família. Mas quem são elas? Qual é o impacto do benefício na vida destes meninos e meninas? Para começar, é preciso conhecer como funciona o Bolsa Família. Para além das críticas de que o programa apenas alimenta a pobreza ou que “forma vagabundos”, existe uma fórmula que tem ganhado força na América Latina, a chamada “transferência de renda condicionada”, que hoje é adotada em pelo menos 17 países do continente. No caso do Brasil, para uma família receber o benefício, as crianças e adolescentes têm que cumprir uma frequência mínima na escola, que é de 85% para os
filhos entre 6 e 15 anos e de 75% para adolescentes de 16 e 17 anos. Também é necessário cumprir o calendário de vacinação e monitorar o peso das crianças a cada seis meses. Para entrar no programa, é preciso ter renda de até R$ 154 por membro da família. Os valores do programa foram reajustados em maio. O benefício varia de acordo com o número de filhos e a idade deles, sendo que em média o valor é de R$ 152 por residência. Apesar de o cadastro ser feito pelo município, o sistema não permite que sejam inscritas famílias que estejam fora do perfil do programa, uma vez que os dados são retirados do Cadastro Único – banco de dados federal sobre as famílias mais pobres. “Há também uma estimativa de pobres por município. É virtualmente impossível conceder o Bolsa Família para quem é de fora do perfil. Assim você evita essa relação clientelista, por exemplo, entre prefeito e eleitores”, explica Flávio Cireno, Coordenador–Geral de Apoio à Integração de Ações do Ministério do Desenvolvimento Social.
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O papel das mães O repasse do benefício também é feito de forma impessoal, através de um cartão, e com preferência da titularidade para as mulheres. Esse é um dos diferenciais do programa, que garante uma proteção a mais para as crianças. “Na elaboração do programa, eles tiveram muito claro que são as mulheres que se preocupam em primeiro lugar com a saúde e a alimentação das crianças”, diz Walquíria Leão Rego, socióloga e autora do livro “Vozes do Bolsa Família”, escrito em conjunto com o filósofo italiano Alessandro Pinzani, e que tem se tornado referência no assunto. De fato, até entre as próprias famílias há o consenso de que é a mulher quem pode administrar melhor o recurso. E mais: há o entendimento que o dinheiro recebido no programa é para beneficiar os filhos. “Um coisa que notei de comum em todos os lugares foi que o dinheiro era sempre visto como sendo do filho, é algo que é gasto com a criança ou o adolescente, para comprar material escolar, comida, roupa infantil e etc. Tanto as mulheres com os maridos entendem que esse dinheiro é da criança”, revela a doutora em Ciências Sociais Milene Peixoto Ávila, da Unicamp, que pesquisou sobre o programa entre famílias na Zona Sul de São Paulo e em São Carlos, no interior paulista. Apesar de R$ 150 reais não transformarem a vida de uma criança, podem fazer muita diferença para famílias que são miseráveis e passam por grandes dificuldades. Para algumas mães, pode inclusive significar a diferença entre passar algum tempo com os filhos ou emendar um trabalho no outro. Este é o caso de Cíntia Barbosa Procópio, de 26 anos (idade e cidade?). Auxiliar de serviços gerais em Belo Horizonte, ela costumava sair do trabalho e emendar a jornada com bicos para complementar a renda, antes de ir para casa cuidar dos dois filhos pequenos. Quando a terceira criança nasceu, há quatro anos, e apresentou problemas de saúde, a jornada tripla se tornou impossível. Com problemas no intestino, o pequeno Pablo
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Os números do BOLSA FAMÍLIA 14 milhões
Número de famílias atendidas (2014)
50 milhões
Número de pessoas no programa (2014)
23,5 milhões Número de crianças e adolescentes no programa (2014)
R$ 154,00 per capita Renda máxima para entrar
R$ 35
Valor do benefício por criança ou adolescente até 15 anos, gestante ou nutriz
R$ 42
Valor do benefício por adolescente de 16 a 17 anos
R$ 77
Valor do benefício concedido para famílias em extrema pobreza (até R$ 77 per capita)
!
Condicionantes
!
Número de famílias atendidas:
Pré-natal para as gestantes 85% de frequência na escola para crianças e adolescentes de 6 a15 anos 75% de frequência na escola para adolescentes de 16 e 17 anos Cumprir o calendário de vacinação infantil Pesagem das crianças a cada seis meses
2004 - 6,5 milhões 2005 - 8,7 milhões 2006 - 10,9 milhões 2007 - 11 milhões 2008 - 10,5 milhões
2009 - 12,3 milhões 2010 - 12,7 milhões 2011 - 13,3 milhões 2012 - 13,9 milhões 2013 - 13,8 milhões
passou por tratamentos complicados e uma cirurgia, pelo SUS, de reconstrução do aparelho digestivo. “Antes eu dava um jeito, era um salário mínimo para tudo. Mas quando nasceu o terceiro, ficou difícil continuar no trabalho. Aí eu fui na [secretaria] regional e pedi para entrar no programa”, conta Cíntia. Há oito meses, ela perdeu o marido, morto na porta de um bar por uma bala perdida. Hoje, ela é responsável pelo sustento dos três filhos e da mãe. Com o dinheiro do Bolsa Família compra material escolar, roupas e chinelos para as crianças. E não se vê sem receber o benefício do governo. “Quando vou falar sobre o Bolsa Família, primeiro eu pergunto: você sabe o que é miséria? Sem esse entendimento antes, é difícil romper com o preconceito. É muita pobreza mesmo. Viver menos miseravelmente já é uma mudança”, diz a pesquisadora Theresa Reis Timo, da PUC Minas, que pesquisou a relação das mulheres beneficiárias com o programa em Sete Lagoas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Mesmo para as mães que ficam em casa para cuidar dos filhos, a relação com as crianças e adolescentes mudou a partir do momento em que elas passaram a receber o benefício. “Na pesquisa eu tinha esse enfoque, de como o Bolsa Família mudou a vida das mulheres enquanto cuidadoras de seus filhos, nessa função social que elas exercem. E o que eu descobri foi que cuidar ficou mais fácil a partir do momento em que elas passaram a receber o benefício. Todas concordam que a relação com os filhos melhorou. Elas puderam inclusive atender mais às demandas das crianças. É comprar material escolar, um chinelo, uma comida que a criança goste. Antes a resposta era quase sempre não. Agora tem essa margem”, explica Theresa Timo.
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Crianças na escola Se o dinheiro traz uma nova relação com o consumo, as condicionantes também alteram a relação com a escola, uma vez que as crianças agora têm que frequentar as aulas ou a família pode perder o benefício. Se muitas vezes ir às aulas era visto como algo flexível dentro da rotina da família, agora a frequência é vista como obrigatória. “O que eu vi foi que antes era uma coisa negociável, dentro da conivência da própria mãe. Era aquela desculpa de ‘hoje dormi muito, amanhã eu vou...’ E hoje é um compromisso mesmo, que elas assumiram. As mães são as principais interessadas em manter o recurso. Quando a criança perde o escolar, elas pegam dinheiro emprestado para pegar o ônibus, ligam pra saber se pode entrar atrasado, há um esforço maior”, diz Theresa Timo. Algumas taxas relativas à educação das famílias que recebem o benefício chegam a ser inclusive melhores que as dos demais estudantes da rede pública, ainda por cima considerando que se trata da parcela mais pobre. “A taxa de abandono escolar dos estudantes do Bolsa Família é menor. No Ensino Fundamental, temos 2,8% de abandono de crianças do programa, enquanto que na parcela restante o índice é de 3,22%. No Ensino Médio, esses valores passam para 7,4% e 11,3%, respectivamente”, revela a gerente de Coordenação Municipal de Programas de Transferência de Renda da Prefeitura de Belo Horizonte, Nívia Soares da Silva, citando dados nacionais do Censo Escolar da Educação Básica de 2012. Mas isso não quer dizer necessariamente que as famílias passam a ver a educação como um direito ou um fator fundamental no futuro da criança. “A contrapartida às vezes é vista mais como uma obrigação, uma coerção, ao invés de acontecer uma conscientização e uma garantia de direitos. Observei isso principalmente quando tem o acompanhamento de alguma assistente social, porque os beneficiários se sentem cobrados”, diz a pesquisadora Milene Ávila. Além disso, não basta ir à escola se a educação oferecida no município não é de qualidade. “A criança frequenta a escola, mas você tem que entender que a
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escola de Belo Horizonte é diferente daquela do Vale do Jequitinhonha, que mal ensina a ler, por exemplo. A estrutura das cidades e do estado para a educação também é precária”, diz Walquíria. A pesquisadora destaca também que é previsível que o acesso à educação e o próprio benefício do Bolsa Família ainda não sejam vistos como um direito. “Nos meus cinco anos de pesquisas com os beneficiários, acho que encontrei no máximo sete pessoas que me disseram ‘é meu direito receber’. Essa cultura chegou muito tarde aqui no Brasil e ainda não se transformou numa mentalidade pública. Não sabemos que temos direitos. E aí muitos associam o benefício a uma ajuda dada por esse ou aquele governante”, diz a pesquisadora. A política e a associação do programa com o Governo Federal têm, inclusive, atrapalhado o crescimento do Bolsa Família em algumas localidades, acredita Walquíria. “O programa pode ser melhorado, e muito, pelos prefeitos e governadores locais. Mas é a tal questão. Eles pensam: ‘se eu complementar, o Governo Federal é que vai lucrar por cima disso’. E aí não fazem melhorias”, ressalta. Além da questão da educação, as outras condicionantes relacionadas ao calendário de vacinação e pesagem periódica das crianças, além da obrigatoriedade do pré-natal para as gestantes, têm também ajudado a melhorar os índices de mortalidade e desnutrição infantil. Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, com o apoio de universidades britânicas e do governo brasileiro, revelou uma queda de 17% na mortalidade infantil entre crianças até 5 anos nas cidades atendidas pelo Bolsa Família. A pesquisa mediu dados referentes ao período compreendido entre os anos de 2004 e 2009. Os pesquisadores usaram modelos matemáticos para tentar quantificar apenas os benefícios gerados do programa e afirmam que esta parcela da melhora se deve à adoção do Bolsa Família. Quando se fala em mortes por desnutrição, o índice de redução chega a 65%.
ESCOLAR
Realidade local Mas apesar de todas vantagens, o programa Bolsa Família não está isento de críticas no que diz respeito ao benefício trazido para crianças e adolescentes. Uma das ressalvas é a da integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) ao Bolsa Família. Especialistas da área dizem que o foco se perdeu, passando a se trabalhar apenas na questão da renda e da escolaridade e deixando de lado a questão de a criança trabalhar ou não. Tecnicamente, é possível que uma criança de uma família que é beneficiária do programa esteja trabalhando, mesmo que frequente a escola, especialmente se a família não recebe um acompanhamento cuidadoso da assistência social e da prefeitura. Porém aqui esbarramos em outra questão, que é ao mesmo tempo qualidade e defeito do Bolsa Família. As prefeituras e governos locais são livres para gerenciarem o programa como melhor entenderem, alocando-o no órgão que achar mais apropriado e organizando os programas de apoio à sua própria maneira. Se por um lado esse modelo permitiu que o Bolsa Família se espalhasse pelo País, por outro, permitiu que problemas ligados à pobreza e à má administração persistam. Desta forma, municípios que não têm tradição de atenção social aos seus cidadãos, continuam com um atendimento social precário. Vilas em que há falta de emprego continuam sem oferta de trabalho, e cidades com escolas ruins continuam com
educação deficiente. “O que o Bolsa Família não faz é mudar a estrutura econômica do município. Municípios pobres e com pouca oportunidade de emprego não vão mudar por causa do programa. A pessoa precisa da oferta de trabalho do outro lado, para ela deixar de depender do benefício e mudar de vida”, diz Flávio Cireno, do MDS, quando indagado sobre a existência de “portas de saída” para o programa. Ele afirma que o objetivo do programa não é solucionar a falta de acesso aos serviços, mas servir como garantia de uma renda mínima. “A mudança da pobreza para a prosperidade deve ser feita por meio de outros programas e políticas, como o Pronatec [Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego]”, cita. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Social, no segundo semestre de 2013, mais de 45 mil famílias deixaram o programa por terem mudado de faixa de renda e saído da pobreza. Outras 514 mil famílias deixaram o programa no mesmo período por outros motivos, como chegada dos filhos à idade adulta, morte ou mesmo mudança entre municípios. Apesar de significativo, o valor é pequeno, considerando que o número de beneficiários do programa vem crescendo quase que constantemente desde 2003. Pela própria natureza do benefício, é provável que uma mudança palpável só possa ser vista em algumas décadas. Apesar disso, é inegável que, pela primeira vez um contingente de 23 milhões de brasileiros chegará à idade adulta tendo tido o mínimo necessário em termos de alimentação e educação durante a infância.
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VÁRIAS INFÂNCIAS
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Andrea Souza
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SAÍDA
Por uma escola mais humana e democrática
Diálogo com as diversidades culturais e com o cotidiano dos estudantes ainda é um desafio POR BRAIAN ROBERT 21 anos, é estudante de Pedagogia
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O acesso ao ensino fundamental foi democratizado, mas ainda faltam tentativas para democratizar o espaço escolar e as suas linguagens. Falta à escola dialogar com a diversidade cultural e de saberes que circundam. Ela está longe de ser um espaço agradável para quem a frequenta e de respeito à pluralidade de quem dela participa. É triste! Professores dizem que ao entrar na escola o aluno deveria esquecer a vida fora dela. São questões assim que me intrigam. A cultura escolar não dialoga com a diversidade, a linguagem utilizada nas atividades não é a dos alunos e, o principal, a escola ignora todas as vivências e o cotidiano dos alunos para fabricar uma quantidade de robôs que aprenderam ou vão aprender gramática e resolver alguns problemas de matemática, não sendo convidados a refletir sobre problemas evidentes e frequentes no espaço escolar e da sociedade, como manifestações machistas, homofóbicas, racistas e o problema do bullying. A escola peca em ações pedagógicas e educativas. Opta, erroneamente, pela violência verbal em nome de um ambiente coeso. A todo o momento, o aluno e a aluna recebem ameaças de castigos diversos. Na prática, a violência escolar só reproduz outras violências e desestimula a participação do estudante. A escola é mal vista pelos alunos, o que pode acarretar abandonos e dificuldades de aprendizado. Profissionais costumam atacar os problemas dos alunos em sua superficialidade, negando-se a olhar a fundo para diagnosticar o problema que eles trazem. Não questionamos o que está acontecendo com o estudante, como está sua relação com a família. A Escola Integrada, por exemplo, política do município de Belo Horizonte que estende para nove horas a permanência do aluno na escola, poderia ser uma alternativa forte para levar um pouco da cultura popular – hoje em dia,
um saber com pouca legitimidade – para dentro desse espaço. Na oficina de educomunicação, da qual eu participo como monitor em uma escola da cidade , todos os dias letivos nos organizamos em uma miniassembleia com os estudantes para que sejam discutidos casos de dentro e de fora da escola e para que possamos, juntos, planejar as aulas. Mas podemos problematizar muitas questões a partir da experiência da Escola Integrada. A principal delas é a não integração entre o próprio programa e o restante da escola. A prefeitura leva em consideração fatores quantitativos e pouco se pensa na qualidade das oficinas e na situação dos educadores – com carga horária extensa, pouco tempo para planejamento, mal remunerados e ainda sujeitos a várias retaliações e desqualificações. Generalizando, acredito que a Escola Integrada ainda é levada na brincadeira. Também não podemos ignorar no ambiente escolar as relações afetivas, o companheirismo, a amizade, a empatia e a solidariedade. Temos que romper com as hierarquias e com o autoritarismo. Temos que entender que alunos não são passivos e que o professor também aprende: é dialógico. A educação com princípios libertários, aprendizado voluntário e consciente, é muito mais prazerosa. As crianças têm um enorme potencial e, caso elas percebam a relação entre o conteúdo e a vida delas, se dedicarão prazerosamente às atividades. É, pessoal, escola não é quartel e professor não é general!
Para um professor com turma lotada, oprimida pelo sistema escolar, pressionado para apresentar bons resultados “custe o que custar”, espaços para experimentações e para novas metodologias acabam suprimidos. Não há espaço para ele pensar na atratividade das aulas e em melhorias na qualidade do ensino, dificultando também relações mais humanizadas. Não tendo tempo, o professor não vê opção se não atacar o problema em sua manifestação. Ou seja, “castigo neles”! Os verdadeiros culpados não são professores e nem alunos. O fracasso escolar geralmente é credenciado aos atores da base, mas sabemos que a escola é um dos grandes mediadores do sistema capitalista. Sua concepção é a de formar “para competir e para o trabalho”. Do modo como está estruturada, ela não pretende alterar o status quo, é excelência na reprodução das desigualdades sociais, tem uma concepção arcaica e tende a continuar um espaço de frequentes conflitos. Temos que lutar para mudar essa concepção escolar. Que deixe de ser tudo engessado e disciplinado. Que a escola passe a ser flexível. Que os alunos também sejam reconhecidos como sujeitos de grandes potencialidades. Temos que retomar os princípios igualitários, emancipatórios e democráticos instituídos em 1988, quando a educação passou a ser um direito social. Desejamos uma escola popular e democrática, que não dissocie as vivências do cotidiano da escola!
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EM PAUTA Conferências Nacionais DCA Em 2015 será realizada a 10ª Conferencia Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Até lá, várias etapas precisam ser cumpridas pelos conselhos dos direitos estaduais e municipais. O tema da décima edição, que deve acontecer entre os dias 14 e 18 de dezembro de 2015, será “Plano Decenal: fortalecendo a rede de conselhos dos direitos”. Segundo Miriam Santos, presidenta do Conanda, o objetivo da série de conferências é fortalecer os conselhos municipais e estaduais de direitos para a implementação do Plano. As Conferências Livres devem ser feitas entre maio a outubro de 2014. Já a realização das Conferências Municipais está prevista para novembro de 2014 a maio de 2015. As Conferências Estaduais e do Distrito Federal devem acontecer entre junho e agosto de 2015 e as Conferências Regionais, entre a segunda quinzena de setembro e outubro de 2015. Será garantida a participação de crianças, como delegadas, na Conferência Nacional.
Convivência com pais privados de liberdade A Lei nº 12.962 modifica o Estatuto da Criança e do Adolescente para assegurar a convivência de meninas e meninos com os pais privados de liberdade. Sancionada em abril, a lei garante visitas periódicas da criança e do adolescente promovidas pelo responsável ou, nos casos de acolhimento institucional, pela entidade responsável, sem necessidade de autorização judicial. Também assegura que a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a menos que haja algum motivo contrário, e que a família deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio. A legislação aponta ainda que a condenação criminal do pai ou da mãe não implicará na destituição do poder familiar, exceto se a condenação for por crime doloso contra o próprio filho ou filha. Em casos em que seja possível a perda do poder familiar, a nova legislação coloca como regra a citação pessoal do pai ou mãe, salvo se esgotado todos os meios para sua realização. Em seu texto original, o ECA previa no seu parágrafo único, que deveriam ser esgotados todos os meios para a citação pessoal, ou seja, não admitia outra forma de citação. No caso de pais privados de sua liberdade, a citação deverá ser feita pessoalmente.
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VIOLÊNCIA SEXUAL: crianças como vítimas Levantamento divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), traça perfil dos casos de abuso sexual no Brasil. As informações são de 2011 e foram levantadas a partir do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan). Os dados estimam que no mínimo 527 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil e que, destes casos, apenas 10% chegam ao conhecimento da polícia. Do total de ocorrências, em 70% as vítimas são crianças e adolescentes. Nesses casos, há um histórico de estupros anteriores. Ainda de acordo com a Nota Técnica, 24,1% dos agressores das crianças são os próprios pais ou padrastos, e 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima. Os registros demonstram ainda que 89% das vítimas são do sexo feminino e possuem, em geral, baixa escolaridade.
Conanda publica resolução que proíbe publicidade infantil A Resolução 163 do Conanda, de 13 de março de 2014, considera abusiva toda publicidade direcionada às crianças. O texto, disponível na íntegra no Diário Oficial da União (, diz que “a prática do direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica à criança com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço” é abusiva e, portanto, ilegal segundo o Código de Defesa do Consumidor. Com a resolução, ficaria proibido o direcionamento à criança de anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádio, banners e sites, embalagens, promoções, merchadisings, ações em shows e apresentações e nos pontos de venda. Existe uma discussão, entretanto, se a resolução teria ou não força legal. Algumas interpretações afirmam que a resolução é vinculante, com poder de impor obrigações e deveres, outras apontam que essa proibição teria que ser feita no Congresso Nacional. O esforço do Conanda para frente será o de fazer prevalecer a visão de que o conselho possui competência para tratar da proteção à criança, a ponto de poder proibir ações de comunicação.
NOVO PROTOCOLO HIV/AIDS Desde abril, mais de 20 mil meninas e meninos brasileiros podem se beneficiar com o novo protocolo de tratamento e acompanhamento de HIV e Aids divulgado em abril pelo Ministério da Saúde. A principal novidade é a modificação da prevenção com antirretroviral para recémnascidos que, a partir de agora, será com AZT (Zidovudina) por quatro semanas. Essa indicação é aplicada aos filhos de mães soropositivas que foram acompanhadas desde o pré-natal e que tenham carga viral do HIV abaixo 1.000 cópias (quantidade de HIV que circula no sangue) no último trimestre de gravidez. Hoje, estão em tratamento com antirretrovirais, aproximadamente 10 mil crianças e adolescentes.
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