Pastoreio nas serras da Madeira

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PASTOREIO NAS SERRAS DA MADEIRA A POSIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DO PARQUE ECOLÓGICO DO FUNCHAL

Área do Poço da Neve (entre os 1600 e os 1700 metros de altitude) em setembro de 1995, quando começou o processo de retirada do gado do Parque Ecológico do Funchal. Aproveitando a existência dum novo governo regional e a proximidade das eleições legislativas nacionais voltaram os convívios de “pastores” com políticos à míngua de votos, com o objetivo de propagandear as “virtudes” do pastoreio nas serras da Madeira. Donos de ovelhas e cabras (conceito diferente de pastores) responsáveis pelo processo de desertificação que alastrou pelas serras de Santo António, São Roque e 1


Pico do Areeiro, defendem o “regresso do pastoreio controlado às serras, como forma de prevenção, entre outros, de fogos florestais…”. Porque o retorno das formações vegetais indígenas às terras altas da cordilheira central é crucial para o desenvolvimento sustentável da Madeira, entendemos ser oportuno demonstrar, com o apoio de números e factos históricos, que é completamente falso que o pastoreio contribua para evitar ou minimizar fogos florestais. Com o objetivo de evitar que a mentira do pastoreio amigo da flora indígena volte a mascarar-se de verdade, a Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal - com base em documentos históricos, trabalho de recuperação da biodiversidade que pode ser comprovada no terreno e investigação científica – assume publicamente a seguinte posição: - É falso que o pastoreio contribua para evitar ou minimizar fogos. Os maiores incêndios na ilha da Madeira, desde o início do século XIX, ocorreram quando as serras estavam infestadas de ovelhas, cabras e porcos. - Em 1919 o lume correu a ilha de lés a lés, entre 18 de agosto e 3 de setembro. As múltiplas notícias publicadas nos jornais permitem ter consciência da dimensão da catástrofe. - Desde o início da atividade da Circunscrição Florestal do Funchal, a 26 de abril de 1952, foi em agosto de 1976 que o lume destruiu a maior área florestal. Segundo dados da Direção Regional de Florestas, arderam 15.000 ha de florestas e morreram 4.000 cabeças de gado. A reportagem do Diário de Notícias (Madeira), de 13 de Agosto, informava que, pela primeira vez na Madeira, um Aviocar tinha feito um reconhecimento aéreo, tendo detetado incêndios isolados nos seguintes locais: Curral dos Romeiros; Caminho dos Pretos; Terreiro da Luta; Pico Alto; Montado dos Lojas (rebatizado Montado do Chão da Lagoa); Montado do Bom Sucesso (todo queimado); Ribeira das Cales; Avista Navios (Montado do Barreiro); Sítio das Furnas; Lamaceiros. - Os períodos em que o recuo do coberto florestal foi travado e superado por novas plantações, resultaram sempre de medidas fortes e consistentes dos agentes políticos, merecendo especial destaque o Conselheiro José Silvestre Ribeiro, governador civil entre 1846 e 1852, que realizou uma obra extraordinária em prol da floresta e do sistema ecológico global da Ilha da Madeira.

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- O processo de retirada do gado das serras do concelho do Funchal teve início em 1994, quando a Câmara Municipal criou o Parque Ecológico do Funchal na zona montanhosa sobranceira à cidade. A vasta propriedade concelhia, com uma área de 10 km2, tinha estado sujeita a um intenso pastoreio, na parte mais alta, e à expansão descontrolada de eucaliptos e acácias nas terras mais baixas. - Em 1995 foram retiradas 1300 ovelhas e cabras e em 1996 teve início o programa de reflorestação, com os seguintes objetivos: recuperar as formações vegetais primitivas; minimizar as condições de propagação de fogos; reduzir a erosão e diminuir os efeitos catastróficos das cheias; aumentar a infiltração das águas e reforçar as nascentes. - Foi então celebrado um protocolo com a Cooperativa dos Criadores de Gado do Monte, estabelecendo-se que apascentariam 250 ovelhas de forma ordenada numa área próxima da Ribeira das Cales, onde existia um ovil. Quem cuidava dos animais era um homem contratado pela referida cooperativa, porque os criadores não eram pastores. O Parque Ecológico disponibilizou um espaço onde podiam pôr à venda produtos resultantes da criação do gado, como queijo e artesanato de lã, mas nunca o fizeram. Passados cerca de sete anos, abandonaram a atividade e devolveram o terreno à Câmara do Funchal. - O processo de retirada do gado das serras altas de Santo António, São Roque e Areeiro terminou em julho de 2003. - A Secretaria Regional dos Recursos Naturais acordou com três cooperativas de criadores que no perímetro florestal do Poiso poderiam apascentar 600 cabeças de gado ovino, com apoio nos ovis do Chão das Feiteiras, do Chão das Aboboreiras e da Ribeira dos Boieiros. Quem diariamente acompanha os animais não são os donos, mas trabalhadores pagos pela Direção Regional de Florestas, que custam ao erário público cerca de 120 mil euros por ano. - Porque falta erva (o Chão das Feiteiras está escalvado) as ovelhas sobem à procura de alimento e por várias vezes foram encontradas a saciar a fome com as pequenas plantas indígenas plantadas pelos voluntários nos terrenos do Parque Ecológico e no Campo de Educação Ambiental do Cabeço da Lenha, acima dos 1500 metros de altitude. A Associação tem provas fotográficas e participou os incidentes à Direção Regional de Florestas.

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- Em suma, rebanhos mal vigiados por funcionários públicos são o modelo do pastoreio ordenado que existe no perímetro florestal do Poiso e que, sem qualquer sustentabilidade científica, pretendem estender para as terras altas do concelho do Funchal. E, posteriormente, por toda a cordilheira central.

Serras de São Roque e Santo António, em 1994. A Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal é frontalmente contra a presença de gado ovino, caprino, bovino ou suíno nas terras altas do Maciço Montanhoso Central e no Paul da Serra / Fanal. A AAPEF defende, que o pastoreio ordenado é possível nas áreas onde habitualmente começam os fogos, ou seja na zona de transição entre as habitações e as matas de pinheiros bravos, acácias e eucaliptos. 4


A AAPEF entende que a redução dos incêndios (número de focos e área ardida) só acontecerá quando as matas de árvores exóticas infestantes e os matagais forem limpos periodicamente ou substituídos por prados. A biomassa deverá ser utilizada na produção de eletricidade e os prados poderão ser valorizados com a apascentação sustentável de gado ovino. Nesses prados vedados será aconselhável desenvolver núcleos de castanheiros e nogueiras, árvores vocacionadas para a produção de frutos secos. A gestão dessas explorações mistas deve ser da responsabilidade de associações de vizinhos, o que implica uma mudança de mentalidades. A Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal é uma ONGA (Organização Não Governamental para o Ambiente) e Instituição de Utilidade Pública, com quase duas dezenas de anos de trabalho voluntário em prol da recuperação da biodiversidade no deserto de montanha em que foi transformada a cordilheira central da Ilha da Madeira. Em nome dos voluntários, residentes e visitantes, que têm participado no projeto, e de muitos outros cidadãos que estão irmanados na nossa linha de ação, alertamos o Governo Regional e todos os partidos representados na Assembleia Legislativa Regional, que a Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal estará na primeira linha da luta contra o retorno do gado aos píncaros da Ilha da Madeira, mesmo que eufemisticamente sob a designação de “pastoreio ordenado”. A água, o solo e a biodiversidade são recursos vitais, que não podem ser delapidados pelo vício do gado nas serras da Madeira!

Funchal, 2 de julho de 2015 O Presidente da Direção Raimundo Quintal 5


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