kenneth_goldsmith

Page 1

DA LINHA (DE COMANDO) À CONSTELAÇÃO (ICÔNICA) Kenneth Goldsmith1 (Tradução de Regina Faria e Tânia Dias) Uma coisa que se deveria saber sobre Bruce Andrews2 é o quanto ele é devotado

ao papel.

Até recentemente,

Bruce ainda

batia

seus

poemas numa IBM Seletric dos idos de 1978 (Charles Bernstein3 referius e a ele como o melhor datilógrafo que conhece). Finalmente, Bruce foi forçado a escrever num computador quando os editores começaram a dar a entender que não queriam lidar com sua obra porque era datilografada em papel, em vez de ser entregue em disquete. Além do mais, o q u e ocorreu na rede nos últimos cinco anos, de um modo geral, passou b e m ao largo de Bruce. Assim, não fiquei surpreso quando recentemente e l e levantou a questão de o tempo da poesia visual e concreta na página ter passado. Bruce afirmou que, como um movimento baseado no papel, a poesia visual e concreta teve seu momento na década de 1960 e depois se retraiu, deixando um legado

fraco e poucos herdeiros visíveis para

aquilo que foi certa vez uma prática vigorosa. Ainda que a tradição d a poesia visual e concreta tenha se perpetuado em muitas direções férteis, e numerosas

publicações

estejam

ainda

hoje

sendo

produzidas,

ele

quebrava a cabeça tentando pensar num legado baseado em papel q u e lhe desse

a sensação

de que

essa

prática

estivesse

avançando

de

maneira significativa. Mas tudo o que pôde conceber, lamentou, parecia simplesmente

anacrônico;

uma

imitação

e

uma

reedição

pálida

das

partes mais brilhantes de um movimento que o inspirara a começar a escrever no final da década de 1960 e início da década de 1970. Sugeri que, talvez, tal como a música dodecafônica ou o serialismo, a poesia concreta simplesmente se esgotara na página e não havia mais nada a 1

Kenneth Goldsmith: Poeta, performer, artista plástico, crítico de música e DJ na WFMU em Nova York. Autor de mais de 30 livros de poesia, e fundador e editor da UbuWeb Visual, Concrete and Sonud Poetry Poesia ( www.ubu.com). 2

Bruce Andrews: Artista e poeta performático. No final da década de 1970 e no início da de 1980, foi, junto com Charles Bernstein, co-editor da legendária revista e do livro L=A=N=G=U=A=G=E. 3

Charles Bernstein: Poeta, ensaísta e professor da Universidade da Pensilvânia. Entre seus livros de poesia, pode ser citado Republics of Reality: Poems 1975-1995 (Sun and Moon Press, 1997). Editou também livros de poesia norte-americana contemporânea, como Live at the Ear (Elemenope Productions, 1994), uma antologia de audiopoesia. Foi traduzido para o português por Régis Bonvicino, que também publicou, no nº3 da revista Sibila, uma entrevista e alguns de seus poemas.

1


fazer nesse meio. Bruce respondeu que, se esse fosse o caso, achava surpreendente que, finalmente, numa época em que todos tinham a s ferramentas

– Photoshop4 e

Ilustrator5

–para

fazer

concreta na página, a prática em seu estado

fantástica

atual tivesse

poesia

perdido

o

vigor. Peguei-me

pensando por que Bruce teria feito comentários como

esse, quando, historicamente, a poesia

concreta na página continuava

sendo inspiradora. Meus livros mais queridos são as diversas antologias que apareceram na década de 1960. Na verdade, foi uma viagem no final dos anos 1980 ao Arquivo de Poesia

Concreta e Visual (“The Sackner

Archive of Concrete and Visual Poetry”6) de Ruth e Marvin Sackner q u e lançou a semente daquilo que se tornaria a UbuWeb, meia década m a i s tarde.

Na época de minha visita, eu estava imerso no mainstream

do

mundo da arte, e os Sackner tinham comprado uma obra minha. Eles m e convidaram para instalar a peça e ver sua coleção. Apesar de tão vasta e impressionante,

havia

um toque

de tristeza

pareciam relíquias de um período passado.

naquilo

tudo.

Os destaques

As coisas da coleção

eram numerosas e magníficas obras da vanguarda do século XX, indo d o construtivismo Hamilton

russo 7

Finlay

e

até figuras John

históricas

Cage.

bem

Entretanto,

conhecidas

como

no

as

geral,

Ian

obras

contemporâneas me surpreenderam por sua ineficácia. Em retrospecto, percebo que foi tanto a época de minha

visita

quanto a qualidade das obras que me fizeram sentir assim. Em grande parte, a coleção

de Sackner

apresentava

uma

tendência

modernista

inabalável, que a tornava terrivelmente datada depois de duas décadas de pós-modernismo.

A utopia

otimista

da

maioria

daquelas

obras

parecia ingênua no clima do final dos anos 1980, quando não fazíamos

4

: Phot os hop: program a da Adobe us ado no t rat am ent o de i m agem Illustrator: programa de ilustração da Adobe 6 T he Sackner Ar chi ve of C oncr et e of Vi s ual Poet r y: fundado em 1979, em M i am i B each, na F l óri da, por R ut h e M arvi n S ackner, o Arqui vo reúne um a col eção de l i vros , t ext os crí t i cos , des enhos , col agens , es cul t uras , obj et os , m anus cri t os , corres pondênci a não s ó de art i s t as e poet as cont em porâneos de vári as part es do m undo (Am éri cas , Europa, Ás i a, Áfri ca) rel aci onados com o m ovi m ent o da poes i a vi s ual e concret a, com o t am bém de out ros que podem s er i dent i fi cados com o precurs ores do m ovi m ent o. 7 Ian Ham i l t on F i nl ay: Nas ci do, em 1925, em Nas s au, nas B aham as , s uas pri m ei ras cont ri bui ções para o m ovi m ent o de poes i a concret a ocorreram na década de 1960 com as obras R apel (1963), C anal S hi p 3 e 4 (1964). Do fi nal da década de 60 at é hoj e, t em t rabal hado com i ns t al ações arqui t et ôni cas , pi nt uras , poem as -pos t ers e peças t al hadas em pedra. F i nl ay fi cou bas t ant e conheci do pel a t rans form ação que engendrou em s ua fazenda pert o de Edi m burgo, convert i da num a “repúbl i ca” m i ni at ura, que el e cham ari a de “Li t t l e S part a”, com es cul t uras , t em pl os e peças de art e concei t ual . 5

2


mais

escultura,

mas

inventávamos

objetos;

quando

não

escrevíamos

mais poemas, mas construíamos textos. Saí dos Sackner instigado, m a s perplexo; alguma coisa não fazia sentido. Avanço rápido para o início de 2001 na mostra “Poetry Plastique” da

galeria

Marianne

novaiorquino.

Boesky,

bem

no

centro

Participo de uma mesa-redonda

do

mundo

das

numa sala

artes

cercada por

trabalhos artísticos que poderiam, em muitos aspectos, ser chamados d e poesia visual e concreta. A discussão é coordenada por Marjorie Perloff8, que inicia sua fala observando

que atualmente

poesia

assunto

se

por

quente:

ocupam-se

dela

acadêmicos e

exposições,

interessam como

essa

de

concreta é u m

ela,

que

conferências

participávamos,

estavam se tornando cada vez mais comuns. O rumo dos acontecimentos me encorajou, mas eu ainda não podia entender como e por que

a

poesia concreta retornara à ordem do discurso. Parte da resposta Society of Americas,

ocorreu-me

na Park

poucas

Avenue,

semanas

onde

mais

eu estava

comunicação sobre a UbuWeb num evento dedicado

tarde

fazendo

na

uma

a Décio Pignatari,

membro fundador do grupo Noigandres. Depois de uma longa noite d e muitos trabalhos acadêmicos, apresentações e leituras, Décio galgou o palco e começou a lembrar a história da poesia concreta, no que dizia respeito ao grupo Noigandres em São Paulo no começo da década d e 1950.

Fiquei

diversos

estupefato.

aspectos

distribuition,

os

interface,

Tudo

que

mecanismos multimídia,

ele

dizia

da

Internet:

apenas

parecia

para

prenunciar

entrega, nomear

em

conteúdo, alguns.

De

repente, tudo fez sentido, como a famosa declaração de De Kooning9: “A História não me influencia. Eu a influencio”. Foi preciso a rede para n o s fazer ver como a poesia

concreta foi presciente ao prever sua própria

recepção viva meio século mais tarde. Imediatamente entendi que o q u e estava faltando à poesia concreta era um ambiente apropriado onde e l a pudesse florescer. Por muitos anos, a poesia concreta esteve no limbo: foi um gênero deslocado em busca de um novo meio. E agora encontrara um. 8

M arj ori e P erl off: Um a das m ai s i m port ant es crí t i cas nort e-am eri canas cont em porâneas , profes s ora da Uni vers i dade de S t anford des de 1986. Ent re s eus l i vros , podem s er ci t ados : Poet i c L i cens e: St udi es i n Moder ni s t and Pos t moder ni s t L yr i c (1989), Pos t moder n Genr es (1990), Radi cal Ar t i f i ce: Wr i t i ng Poet r y i n T he Age of Medi a (1991), Wi t t gens t ei n's L adder : Poet i c L anguage and t he St r angenes s of t he Or di nar y (1996), Poet r y On and Of f t he Page: Es s ays f or Emer gent Occas i ons (1998). 9 Wi l l em De Kooni ng (1904–1997): pi nt or, um dos part i ci pant es da expos i ção col et i va do grupo de art i s t as que cons t i t ui ri a, s egui ndo denom i nação de C l em ent Greenberg, a New York S chool .

3


Um gênero em busca de um meio O movimento da poesia concreta, do verso à constelação, anuncia o

movimento

paralelo,

na

computação,

da

interface

de

linhas

de

comando a interfaces gráficas para o usuário. A primeira vez que vi u m a interface gráfica, em janeiro de 1995, fiquei particularmente surpreendido por um elemento: o gif10 entrelaçado. À medida que as linhas alternadas eram

preenchidas,

diante

de

meus

olhos,

um

meio

inteiro

estava

passando da linha à constelação. Isso me lembrou a definição de poesia concreta do grupo Noigandres: “[A] tensão de palavras-coisa no espaçotempo”.

Quando

concreta, somos

olhamos

para

obrigados

os

primeiros

a reconhecer

manifestos

esse

da

ambiente

de

poesia rede.

É

surpreendente como o rol de atributos físicos, de 1958, para o qual o grupo Noigandres buscou inspiração em diversos precursores

poéticos,

está relacionado com o espaço da tela: espaço substantivo

(“blancs”)

e

recursos

da composição…método

interpenetração

tipográficos

como

elemento

ideogramático…palavra-ideograma;

orgânica de tempo e espaço…atomização

de palavras,

tipografia fisiognômica; valorização expressionista do espaço… [a] visão, mais do que como realização…linguagem

direta, economia e arquitetura

funcional do verso (1987, p. 158). Focalizando

mais

especificamente

as

tendências

icônicas

do

concretismo, o poeta suíço, Eugen Gomringer11, em seu manifesto

de

1954, “Do verso à constelação”, afirma: Nossas línguas estão a caminho da simplificação

formal; formas

restritas, abreviadas de linguagem estão surgindo. O conteúdo de u m a sentença é freqüentemente transmitido numa simples palavra. Além d o mais, há uma tendência entre as línguas para que as muitas formas sejam substituídas por umas poucas, geralmente válidas. Logo, o p o e m a novo é simples e pode ser percebido visualmente como um todo a s s i m como em suas partes… sua preocupação é com brevidade e concisão. 10

gi f (gr aphi c i nt er change f or mat ) é um a form a de arqui vo de i m agem em com put ador. 11 Eugen Gom ri nger: poet a s uí ço-bol i vi ano, aut or de Kos t el l at i onen (1953). Em 1956, durant e o perí odo em que foi s ecret ári o de M ax B i l l na Es col a S uperi or de Es t ét i ca Indus t ri al , em Ul m , Gom ri nger encont rou-s e com Déci o P i gnat ari , um dos m em bros do grupo Noi gandres (cri ado j unt am ent e com Harol do e Augus t o de C am pos , em S ão P aul o, em 1952), ent ão em vi agem pel a Europa, es t abel ecendo-s e, as s i m , um a confl uênci a ent re a corrent e bras i l ei ra e a s uí ça, at uant es des de 1952 e 1953, res pect i vam ent e, as s i m com o a defi ni ção dos pri ncí pi os gerai s des s e m ovi m ent o i nt ernaci onal de poes i a e do nom e “poes i a concret a” com o expres s ão

4


Mary

Ellen

Solt12

atualiza

as

preocupações

de

Gomringer

especificamente em relação aos meios eletrônicos em sua introdução d e 1968 a Concrete Poetry: a World View: Os usos de linguagem na poesia tradicional não acompanham processos

vivos da língua e os métodos

atuam em nosso exibem

as

mundo

seguintes

“simplificação

rápidos de comunicação q u e

contemporâneo.

tendências…:

os

um

As línguas

contemporâneas

movimento

formal”, à declaração abreviada

em

em

todos

direção

à

os níveis d e

comunicação, desde a manchete, o slogan publicitário, à fórmula científica – a mensagem visual concentrada e rápida. Com seu dinamismo e hiperespaço implícitos, os poetas concretos pareciam estar implorando pela entrada da multimídia em sua prática. Uma vez que a tecnologia não estava presos

à

página.

multimídia, baseadas

Dessa

forma,

usaram metáforas na página:

ainda

para

disponível,

descrever

análogas

uma

amplamente

a “Klangfarbenmelodie”

eles

ficaram

experiência

conhecidas,

mas

(“melodiadetimbres”)

de

Webern e o conceito de Joyce do “verbivocovisual”, que poucos anos m a i s tarde também

foi empregado

em

relação

aos

meios

eletrônicos

por

Marshall McLuhan. Antecipando instabilidade De acordo com Johanna Drucker13, “A característica mais notável d a poesia concreta é a sua atenção ao aspecto visual do texto na página” (DRUCKER, p. 110). Eu diria que, da perspectiva privilegiada de hoje, s u a característica mais notável é a atenção ao aspecto visual do texto fora d a página. variáveis

O ambiente nas

operacionais

de visão

condições

de

aos monitores),

da rede é instável. visualização

(tudo,

nos acostumamos

Devido

desde

às muitas

os

sistemas

a ver nossas

páginas

parecerem diferentes em cada máquina. Enquanto poemas convencionais tendem

a

manter

suas

propriedades

formais

e

semânticas

numa

capaz de engl obá-l o. É de Gom ri nger, t am bém , o m ani fes t o “Do vers o à cons t el ação”, publ i cado em 1954, e evocado por Gol ds m i t h no t í t ul o des t e ens ai o. 12 M ary El l en S ol t : poet a e profes s ora da Uni vers i dade de Indi ana, aut ora de C oncr et e Poet r y: a Wor l d Vi ew (C o-edi t or: Wi l l i s B arns t one. B l oom i ngt on, Indi ana Uni vers i t y P res s , 1968), de Fl ow er s i n C oncr et e (Indi ana Uni vers i t y P res s , 1966) e de T he Peopl emover 1968. A Demons t r at i on Poem (Wes t C oas t P oet ry R evi ew, 1978). 13 J ohanna R ut h Drucker: P rofes s ora do Depart am ent o de Ingl ês e di ret ora do M edi a S t udi es da Uni vers i dade de Vi rgi ni a, aut ora de T heor i z i ng Moder ni s m: Vi s ual Ar t and t he C r i t i cal T r adi t i on (C ol um bi a Uni vers i t y P res s , 1994), T he Vi s i bl e Wor d: Exper i ment al T ypogr aphy and Moder n Ar t (The Uni vers i t y of C hi cago P res s , 1994), T he Al phabet i c L abyr i nt h: T he L et t er s i n Hi s t or y and Imagi nat i on (Tham es and Huds on, S pri ng 1995).

5


variedade

de meios,

a poesia

visual sempre

operou

num

ambiente

instável mesmo quando apresentada numa página. Tome-se,

por exemplo,

o cine-poema

“LIFE”

(1958)

de

Décio

Pignatari. No formato grande de Concrete Poetry: a World View, de Mary Ellen Solt, o poema inteiro aparece em uma página (SOLT, 109, fig. 1). Há seis blocos, em duas fileiras, com as letras “I, L, F, E”, um número 8 [que é, na verdade, as letras de LIFE uma sobre a outra] e a palavra LIFE; é como estivéssemos vendo um prédio erguido sobre letras. Isso é muito diferente do mesmo poema reproduzido e m Anthology of Concrete Poetry, de Emmett Williams14, onde o está espalhado em seis páginas, cada uma com uma única letra ou palavra (WILLIAMS, s/p, fig. 2). Além disso, cada página vem anotada (traduzir:

ferramenta

de

em baixo pelo comentário do editor

navegação),

que

diz

“Décio

Pignatari

(continuação da página precedente)” como para indicar uma continuidade cinemática. Os

dois

livros

características visuais

são

de

diferentes

do poema

são

formatos

readaptadas

e

tamanhos

e

as

para cada um d o s

diversos formatos. Em ambos os livros, a página pretende ser branca, mas,

examinando-a

pronunciadas:

mais

a antologia

de

perto,

as

diferenças

de Williams é impressa

tornam-se

num

papel

mais creme,

enquanto a de Solt num papel liso e acinzentado. Desmontando

o poema

ainda

mais,

as próprias

letras surgem

diferentemente em cada edição: devido ao seu tamanho, na edição d e Solt as letras parecem ser lisas e mecânicas,

enquanto

na edição d e

Williams o contorno das letras é recortado e aparentemente desenhado à mão. (Traduzir: anti-aliased15, bitmapped16). Obviamente tais diferenças no desenho das letras e no contexto permitem diferentes leituras – e conseqüentemente significados – para o mesmo poema.

14

Em m et Wi l l i am s : poet a e t eóri co nas ci do em 1925 em Greenvi l l e (nos EUA). Vi veri a de 1949 a 1966 na Europa, em Darm s t adt , ent re out ros l ugares , onde part i ci pari a da vert ent e européi a do m ovi m ent o F l uxus . É de Wi l l i am s a i m port ant e Ant hol ogy of C oncr et e Poet r y, publ i cada em Nova Iorque em 1967, i ncl ui ndo poet as do B ras i l , da Al em anha, da Áus t ri a, da F rança, da Ingl at erra, do J apão, dos Es t ados Uni dos , da It ál i a, da Tchecos l ováqui a e da S uí ça, que funci onari a com o referênci a fundam ent al para o es t udo da expans ão e da i nt ernaci onal i zação do m ovi m ent o concret i s t a. 15

ant i -al i as ed: ant i -al i as é o nom e da ferram ent a que s uavi za a i m agem no com put ador; ant i -al i as ed s i gni fi ca s uavi zado. 16 bi t map: ext ens ão de arqui vo de i m agem ; t odas as fot ografi as e pi nt uras di gi t ai s , por exem pl o, s ão bi t mapped e qual quer out ro t i po de i m agem pode s er guardada ou export ada em um form at o de bi t map.

6


Muito diferentes, portanto, são as condições do verso tradicional. Tome-se, por exemplo, o poema “Sun”, de Michael Palmer17, tal como foi reproduzido em Poems for the Millenium, Volume Two (ROTHENBERG AND JORIS, p. 720-22), da Universidade da Califórnia, e e m From the Other Side of the Century” (MESSERILI, p. 670-73), da Sun and Moon. Ambos usam uma fonte com serifa de tamanho semelhante

num papel de cor

semelhante. Porém, o mais importante é que as quebras de verso d e Palmer são coerentes nas duas edições, respeitando

as intenções

do

autor. Quando transportado para a rede, o poema de Palmer permanece intacto. Reproduzido no site Dia Center, os versos de “Sun” quebram-se identicamente como nas duas edições impressas. A única diferença d a rede é que o poema é colocado numa fonte sem serifa que, de m o d o algum, altera seu significado ou as intenções de Palmer. Em qualquer meio,

apenas

permanecem prescrito

um

modo

petrificadas,

pelas

decisões

para

exibir

seu

conseqüentemente formais

do

autor

o –

poema;

as

palavras

significado permanece

como

inalterado

independente do meio. Na rede, as variáveis crescem quando é introduzido movimento. Usando o modelo bastante primitivo do “vira-página”, a antologia de Williams move o leitor de “página a página” (metaforicamente “de quadro a quadro”). Quando Décio mostrou “LIFE” durante sua palestra na Society of Americas, ele o “animou”, passando rapidamente para frente e para trás uma série de slides. Na mesma noite, durante minha apresentação, mostrei uma versão animada de seu cine-poema “Organismo” de 1960, formalmente similar a “LIFE”, que está na UbuWeb. Como um gif animado18, ele emprega mecanicamente o mesmo dispositivo do “vira-página”, movendo-se quadro a quadro num circuito que se repete incessantemente. Mas, observando aquela versão (feita em 1997), surpreende como a animação gif parece primitiva hoje em comparação com as tecnologias Shockwave19 e Flash20 prevalecentes. Uma das qualidades notáveis do Flash é a capacidade do arquivo de expandir-

17

M i chael P al m er: Nas ci do em Nova Iorque, em 1943, é aut or de vári os l i vros de poes i a, com o C odes Appear i ng: P oem s 1979-1988 (New Di rect i ons , 2001), T he Pr omi s es of Gl as s (2002), T he L i on Br i dge: S el ect P oem s 1972-1995 (1998), At Pas s ages (1996). F oi t raduzi do para o port uguês por R égi s B onvi ci no. 18 gi f ani m ado: s eqüênci a de quadros de i m agens com ani m ação. 19 Shockw ave: program a que gera ani m ações para i nt ernet no form at o Fl as h. 20 Fl as h _ form at o de i m agem e m ovi m ent o ut i l i zado na Web; t am bém é ut i l i zado em program as de i nt eração. Obs : Fl as h e Shockw ave s ão program as di ferent es da m es m a em pres a (M acrom edi a). O program a Shockw ave é m ai s com pl exo e m ai s com pl et o do que o Fl as h, porém , m ai s pes ado.

7


se e adaptar-se automaticamente à largura de qualquer janela do navegador: se a sua tela é pequena, o arquivo se encolhe visualmente para preencher a janela de forma perfeita, sem perder nada. O mesmo ocorre com a tela grande. Na verdade, Shockwave, Flash, Java21, d o Sistema Sun22, e o formato PDF, do Adobe23, têm como objetivo prover uma estabilidade internavegador, interplataforma, para a rede – tanto textual como visual –, inerente ao poema de Palmer. Essas tecnologias se encaixam com a declaração utópica de M a x Bense

em

1965:

“… a poesia

concreta não

separa

línguas;

une-as;

combina-as. Isso faz parte de sua intenção lingüística, que transforma a poesia concreta no primeiro movimento poético internacional” (SOLT, p . 73). A insistência de Bense numa língua combinatória

universalmente

legível anuncia os tipos de sistemas de distribuição que a rede permite. Insiste-se numa poética de pan-internacionalidade ou não-nacionalidade, que

hoje

encontra

sua

expressão

em

redes

globais

descentradas,

orientadas para a constelação, onde nenhuma entidade geográfica t e m posse única do conteúdo. Plano e frio A declaração de Bense reflete os sentimentos modernistas do Estilo Internacional. modernismo exemplo,

De

fato,

tem seu

durante

a

fidelidade

paralelo

anos

inflexível

na paisagem

houve

um

esforço

de

Noigandres

cibernética implacável

ao

de hoje. Por (geralmente

terminando em fracasso) para tentar incorporar a dimensionalidade

aos

meios que são, em essência, planos: a interface e a tela. Noigandres aderiu rigorosamente como

espaço

Observando nenhuma

aos princípios modernistas

não-ilusionista os

exemplos

é ilusionista;

em

e

das

total

autonomia

primeiras

vez disso,

uma

obras

greenbergianos24, tais da

obra

concretas,

linguagem

de

arte.

de

fato

simples,

sem

serifa, habita o plano da página branca e, como Greenberg diz, “[as] formas aplainam-se e se estendem na densa atmosfera bidimensional”. 21

Java: l i nguagem de program ação de com put ador ut i l i zado no des envol vi m ent o de m i ni -apl i cat i vos para i nt ernet . 22 S un: em pres a de des envol vi m ent o de program as de com put adores t ai s com o Java. 23 PDF: (Portable Document Format) é uma extensão de imagem e texto gerado pelo programa Acrobat da Adobe. 24 C l em ent Greenberg (1909-1994): um dos m ai ores crí t i cos de art e am eri canos da s egunda m et ade do s écul o XX, col aborador da Par t i s an Revi ew , de T he N at i on e C omment ar y, foi o pri m ei ro a di s t i ngui r os art i s t as m odernos novai orqui nos do al t o m oderni s m o europeu, e a reconhecer a i m port ânci a art í s t i ca de J acks on P ol l ock e de out ros da m es m a geração, com o De Kooni ng Davi d S m i t h. É aut or da

8


Fazendo

assim,

a

temperatura

emocional

é

mantida

intencionalmente fria, controlada e racional, o que repercute na definição de poesia concreta do “Plano Piloto”, de Noigandres: poesia

concreta:

linguagem.

uma

realismo

responsabilidade

total

contra

uma

integral poesia

subjetiva e hedonista. criar problemas

exatos

termos

arte

de linguagem

sensível.

uma

perante

de

e

expressão,

resolvê-los

geral

da

a em

palavra.

o

poema-produto: objeto útil. (SOLT, p. 71) A definição de Noigandres pode ser lida como algo retirado de u m manual de programação. E é esse tipo de equilíbrio matemático que f a z a sua poesia tão adaptável ao ambiente de computação de hoje. “LIFE”, de Pignatari, é um exemplo de uma obra que recorre à mecânica

do estilo

internacional.

Ao usar

uma

tipografia

similar

ao

logotipo da revista Life (disponível, em 1958, em muitas línguas ao redor do mundo), Pignatari sugere que o próprio poema

será entendido

por

todos, devido não apenas ao seu uso da linguagem ideogramática, m a s , de modo

igualmente

importante,

ao reconhecimento

da marca.

Uma

crítica feita à poesia concreta é que ela não é nada mais do que desenho gráfico. De fato, a poesia concreta abarcou os paralelos [linguagem

ideogramática

e desenho

gráfico], usando

entre os dois

freqüentemente

desenhos e linguagem comerciais para criticar os produtos que apareciam em seus textos. (Cf. o poema

antipropaganda

“Beba

Coca-Cola”,

de

Pignatari). E em nenhum lugar isso é mais evidente do que na rede. C o m todo

mundo

trabalhando

com

o mesmo

conjunto

de

ferramentas

Photoshop, Illustrator, Director25 – no mesmo meio e na mesma resolução de 72 dpi26, é freqüentemente difícil, na rede, separar artes plásticas d e propaganda

(muitos

sites tais

como

rtmark.com

empenham-se

em

misturar os dois). UbuWeb quer ser livre Se, como

comentei

no início deste

artigo, o tempo

da poesia

concreta na página já passou e o futuro do gênero está na rede, o n d e seu mecanismo de distribuição se localizaria? Assumi essa tarefa e criei a UbuWeb em 1996, um ano depois

da introdução

em

larga escala

do

col et ânea Ar t e e cul t ur a, de 1961, de Henr i Mat i s s e, Mi r ò, Hof mann e Es t ét i ca domés t i ca, ent re out ros ens ai os . 25 Di r ect or : s oft ware da M acrom edi a que perm i t e cri ar ani m ações e program as s i m pl es para Web. 26 72 dpi : dot s per i nch (pont os por pol egada) _ defi ni ção de i m agem us ada em qual quer padrão de defi ni ção de t el as de com put adores .

9


Netscape 1.0. Embora ainda primitiva, a rede era, mesmo

então,

um

espaço “verbivocovisual” noigandreano. No princípio, a UbuWeb era pouco mais do que uma réplica d o padrão de um livro. Estávamos interessados numa prática estritamente de distribuição, usando a onipresença

da rede como uma maneira

de

voltar a imprimir, por assim dizer, antologias de poesia concreta que, h á muito,

estavam

esgotadas.

Obras

históricas

e

contemporâneas

escaneadas compunham a maior parte da página. Tudo poderia ter sido facilmente impresso em papel e encadernado em livro. Entretanto, com as tecnologias avançadas prevalecendo, a UbuWeb começou a ampliar seu escopo. Chegou um tempo em que ficou evidente para mim que a poesia visual e concreta queria mover-se para além d a página e fora da tela estática. Quando

a UbuWeb começou

trabalhos sofisticados para nossa seção contemporânea

a receber

em Flash, Java,

JavaScript27, Shockwave, dHMTL28 etc., nossa política mudou, passamos a aceitar apenas

poesia

feita especificamente

para a rede.

Se ela n ã o

pudesse ser reproduzida numa página, ficávamos interessados

nela ( a

seção histórica necessariamente permaneceu estática). Uma vez que uma massa de obras começou a afluir, compostas por avançadas tecnologias específicas para a rede, que as profecias de Noigandres se realizavam.

comecei a perceber

Isso, talvez, seja m a i s

bem exemplificado na UbuWeb pelo projeto épico, em Flash, de Brian Kim Stefans29,

“The

Dreamlife

of

Letters”.

“Dreamlife”

apareceu

como

resposta a um denso texto da poeta e teórica literária feminista, Rachel Blau

DuPlessis30. 31

through) , Stefans

Num

gesto

cageano

de

criou um novo poema

“escrever-através” estático,

orientado

(writepara

a

página, a partir do texto de DuPlessis. Ele afirma:

27

JavaScr i pt : l i nguagem de s cri pt s , i s t o é, m i cro-apl i cat i vos ut i l i zados para fazer coi s as m ui t o s i m pl es , com o veri fi car s e um us uári o preencheu t odos cam pos de um form ul ári o em um det erm i nado s i t e. 28 dHTM L: (dynam i c hypert ext m arkup l anguage): ext ens ão de HTM L (l i nguagem us ada para s e es crever para i nt ernet ) que t rabal ha t ant o com a i nt erat i vi dade quant o com el em ent os m ai s com pl exos e di nâm i cos . 29 B ri an Ki m S t efans : é o aut or de Fr ee Space C omi x (1998), Gul f (1998 / 2000) e Angr y Pengui ns (2000), é t am bém o edi t or de arras . net – s i t e dedi cado à nova poét i ca el et rôni ca – e cri ador de obras com o o poem a (em form at o F l as h) "Dream l i fe of Let t ers ", di s poní vel na ubuweb. com . É t am bém um crí t i co cul t ural bas t ant e at uant e nos EUA, publ i cando em i m port ant es revi s t as com o a B os t on R evi ew e J acket . 30 R achel DuP l es s i s : P oet a e P rofes s ora de Ingl ês da Uni vers i dade de Tem pl e, aut ora de Gender s , Races and Rel i gi ous C ul t ur es i n Moder n Amer i can Poet r y, 1908-1934 (C am bri dge, 2001) e Dr af t 1-38, Tol l (Wes l eyan Uni vers i t y P res s , 2001). 31 Wri t e-t hrough (WT): l ei t uras e es cri t as na m em óri a de s i s t em a.

10


Como

as palavras quase

invariavelmente

assumem

quase obscenos quando são deixadas a perambular

significados

por si próprias, e

como o texto de DuPlessis era, antes de tudo, muito pesado, não gostei muito do meu poema [resposta]. Mais importante, como estava num tipo de forma concreta clássica, ele se assemelhava mais

velha,

aquela

já bem

explorada

por

a uma estética muito

Gomringer,

pelos

irmãos

Campos e vários outros nos últimos 50 anos e, por isso, não era muito interessante para mim. (STEFANS, UbuWeb) Assim, Stefans

transformou

sua

resposta

estática

insatisfatória

num arquivo Flash de 11 minutos, a que se refere como

um “curta-

metragem”. Em minha opinião, na declaração de Stefans, a expressão “forma concreta clássica” é usada para se referir à poesia visual que t e m como base a página. O que ele faz, entretanto, em “Dreamlife” é pegar os elementos

concretos clássicos e, usando

tecnologias

específicas d e

rede, trazê-los para lugares com os quais os “concretistas tradicionais” podiam apenas sonhar. Como vemos no trabalho de Stefans, elementos do estilo concreto clássico são exibidos na tela: a preocupação com uma área visual plana, o uso de letras sem serifa, o desdobramento sucessivos (lembrando o cine-poema

cinemático de capítulos

“LIFE”, de Pignatari), a interação

entre linguagem fragmentada e sentido semiótico, o uso minimalista d a língua e a fusão de palavras e símbolos semióticos baseados em ícones. Até a escolha da cor – laranja – transmite uma sensação retrô dos a n o s 1960,

referência

ao

frontispício

do

“Poetamenos”,

de

Augusto

de

Campos, na antologia da poesia concreta de Solt, de 1968. Examinei o trabalho de Stefans no Netscape Explorer, no Windows e no Mac, em pequenos monitores e em grandes telas de projeção, e o poema

permanece

mesmo

a se

inalterado

adaptar

em

todas

à dimensão

de

as

plataformas,

qualquer

tela

chegando

em

que

seja

apresentado. Acessei e mostrei a obra de Stefans para platéias o n d e quer

que

uma

conexão

com

a

rede

estivesse

disponível.

Avancei

rapidamente o poema e o executei de trás para adiante. Pulei seções e o mostrei aleatoriamente. Vi a obra em sua inteireza; a repeti como u m a proteção de tela e a deixei

rodando

máquina. Na UbuWeb, enquanto o site

durante

o dia todo

em

minha

estiver ativo, a obra de Stefans

jamais estará fora de catálogo. Como tal, a UbuWeb é um novo m o d e l o para a poesia sonora, visual e concreta, e prospera mundo

afora n u m

novo sistema de distribuição.

11


Para concluir, lembrei-me de uma história: em 1996, minha mulher e eu fomos ver Pietro Sparta, um marchand muito bem sucedido que vivia na minúscula

cidade

francesa

de Chagny.

Ele tinha um belo

espaço

industrial repleto de obras conceituais reconhecidas internacionalmente. Depois de ver a sua coleção, fomos a um café para tomarmos drinques e ele nos contou como chegara a essa simpatizante política.

do comunismo,

Ele se

mudou

situação

fora expulso

com

sua

singular.

Seu pai, u m

da Sicília por sua atividade

família

para

a

França

assim

que

encontrou trabalho numa fábrica em Chagny. Residindo lá, um de s e u s filhos

morreu

siciliana,

e foi sepultado

uma

enterrado;

família

jamais

conseqüentemente,

na cidade. pode

sair

Chagny

De acordo do

lugar

tornou-se

com

onde a

a tradição um

nova

filho

casa

é

dos

Sparta. Preso numa cidade pequena, Pietro começou a se interessar por arte contemporânea banca

de

jornal

em

lendo as revistas ilustradas Chagny.

Ele

ficou

de arte vendidas

obcecado

e

começou

a

na se

corresponder com os artistas. Em pouco tempo, quando iam à França o s artistas passaram a visitar Sparta. Este logo conquistou sua confiança e começou

a

montar

pequenas

exposições.

Os

artistas

ficaram

tão

impressionados com sua sinceridade e dedicação à arte que começaram a mostrar seus melhores trabalhos com ele. Aos poucos, sua reputação foi crescendo até permitir que ele comprasse

a fábrica onde

seu

pai

trabalhara logo que chegou à cidade e a convertesse numa fascinante e espaçosa

galeria. Hoje, ele ainda vive em Chagny.

aposentado,

cuida de numerosas

plantas

E seu

exuberantes

pai, agora

no terreno d a

antiga fábrica. Textos citados: DIA CENTER FOR THE ARTS Website, http://www.diacenter.org DRUCKER, Johanna. Figuring the Word. New York City: Granary Books, 1998. MESSERILI, Douglas, ed. From the Other Side of the Century: A New American Poetry 1960-1990. Los Angeles: Sun & Moon, 1994. ROTHENBERG, Jerome and JORIS, Pierre, eds. Poems for the Millennium. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1998. RTMARK Website, http://www.rtmark.com SOLT, Mary Ellen. Concrete Poetry. A World View. Bloomington: Indiana University Press, 1968. UBUWEB Visual, Concrete and Sound Poetry, http://www.ubu.com.

12


WILLIAMS, Emmett, ed. An Anthology of Concrete Poetry. New York: Something Else Press, 1967.

13


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.