Revista Jurídica Ed. Especial

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EDIÇÃO ESPECIAL | MAIO DE 2019

70 a n o s d a D e c l a r a ç ã o U n i v e r s a l d o s D i r e i t o s H u m a n o s O PA P E L D O M I N I S T É R I O P Ú B L I C O N A D E F E S A D O S D I R E I T O S H U M A N O S


Edição Especial MAIO DE 2019

70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS


EXPEDIENTE – Diretoria Executiva Presidente Marcos Antônio Matos de Carvalho 1º Vice-Presidente Maria Ivana Botelho Vieira da Silva 2º Vice-Presidente Clóvis Ramos Sodré da Motta 1º Secretária Deluse Amaral Rolim Florentino 2º Secretário Oscar Ricardo de Andrade Nóbrega 1º Tesoureiro Sueldo de Vasconcelos Cavalcanti Melo 2º Tesoureira Allana Uchoa de Carvalho Assessoria Especial da Presidência Arabela Maria Matos Porto Gilson Roberto de Melo Barbosa José Tavares Maria Bernadete Martins de Azevedo Figueiroa

Suplência da Diretoria Executiva Camila Mendes Santana Coutinho Daniel de Ataíde Martins Fernando Della Latta Camargo Hodir Flávio Guerra Leitão de Melo Janaína do Sacramento Bezerra Maria Izamar Ciriaco Pontes

Conselho Fiscal e Consultivo

Fabiano Morais de Holanda Beltrão Francisca Carmina Soares Salomão Ismail Filho Sérgio Roberto da Silva Pereira Sílvia Amélia de Melo Oliveira

Departamentos

Aposentados Maria Bernadete Aragão Beneficência Israel Cabral Cavalcanti Letícia Guedes Coelho Comunicação Geraldo Margela Correia Janaína do Sacramento Bezerra Cultural Marcelo Greenhalgh Penalva Santos Frederico José Santos de Oliveira

Esportes Alen de Souza Pessoa Ivan Viegas Renaux de Andrade Jurídico Isabela Rodrigues Bandeira Carneiro Leão João Paulo Pedrosa Barbosa Patrimonial Emmanuel Cavalcanti Pacheco Sônia Cardoso da Silva Santos Social Allana Uchoa de Carvalho Helena Martins Gomes e Silva Apoio Institucional Bianca Stella Barroso Hilário Marinho Patriota Integração Regional Almir Oliveira de A. Júnior Domingos Sávio Pereira Agra Júlio César Soares Lira Sophia Wolfowitch Spinola

Comissão Editorial

Geraldo Margela Correia e Salomão Ismail Filho (Presidente e Vice-Presidente, respectivamente); Selma Magda Pereira Barbosa Barreto, Deluse Amaral Rolim Florentino e Eduardo Borba Lessa (Conselheiros).

Departamento de Comunicação Jornalistas: Marina Moura Maciel e Thaís Lima Revisão e Produção Marina Moura Maciel REVISTA JURÍDICA DA AMPPE Rua Benfica, 810, Madalena - Recife/PE CEP: 50720-001 - Brasil (81) 3228-7491 amppe@amppe.com.br | www.amppe.com.br Facebook: @associacaomppe | Instagram: @a.mppe

Ilustração de capa Ana Rita Moraes Diagramação e impressão Ed Batalha / Premius Editora Tiragem: 600 exemplares

ISSN 2447-9624


SUMÁRIO – Apresentação

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Presunção de inocência

GUILHERME GRACILIANO ARAÚJO LIMA

07

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Efetivação de direitos da população LGBT

29

GUSTAVO HENRIQUE HOLANDA DIAS KERSHAW

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A saída do louco infrator do HCTP

47

IRENE CARDOSO SOUSA

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O direito humano ao meio ambiente urbano

79

JULIENNE DINIZ ANTÃO SALOMÃO ISMAIL FILHO

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A saúde da pessoa privada de liberdade no sistema prisional

109

IRENE CARDOSO SOUSA JÚLIO CÉSAR SOARES LIRA

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A criação dos Conselhos da Comunidade JÚLIO CÉSAR SOARES LIRA

129


O Ministério Público e os direitos humanos

159

LUÍS SÁVIO LOUREIRO DA SILVEIRA MARIANA FARIAS SILVA RICHARDSON SILVA

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Os direitos fundamentais do consumidor no plano subnacional

193

RENATA GONÇALVES PERMAN MARIA IVANÚCIA MARIZ ERMINIO

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Os direitos humanos ao juiz imparcial, ao devido processo legal e ao contraditório

221

SALOMÃO ISMAIL FILHO

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O Sistema de Precedentes do CPC de 2015

253

SELMA MAGDA PEREIRA BARBOSA BARRETO

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A importância do Provita

FABIANO MORAIS DE HOLANDA BELTRÃO LUÍS OTÁVIO DE LIMA

271

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O direito humano ao meio ambiente equilibrado e protegido

301

GERALDO MARGELA CORREIA

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O Ministério Público e sua inserção na defesa dos direitos humanos OSWALDO GOUVEIA FILHO

321


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APRESENTAÇÃO –

Prezado leitor, Proclamada em 10 de dezembro de 1948, apenas três anos após o final da 2ª Guerra Mundial conflito que ficou marcado pela violência devastadora, exponencialmente aumentada pela utilização de novas tecnologia militares e pelo genocídio praticado em nome de uma delirante supremacia racial -, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um marco no processo civilizatório ao estabelecer, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos. Traduzida em mais de 500 idiomas, passou a inspirar as constituições de diversos Estados e democracias modernas. Desde então, somaram-se à DUDH diversos tratados internacionais de direitos humanos, dentre eles a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006). Todos com-


partilham um objetivo comum: atualizar e alcançar uma abrangência realmente global dos direitos humanos. Nestas sete décadas, nenhum outro conflito atingiu proporção mundial semelhante à 2ª Guerra, porém vários governos ainda adotam padrões ditatoriais, e conflitos armados continuam disseminado o terror e a violência desmedida em várias nações, ocasionando um dos maiores fluxos migratórios de todos os tempos. Este contexto reacende, de forma extremamente preocupante, discursos de ódio, xenófobos e supremacistas, aparentemente superados pela marcha civilizatória. A edição extraordinária da Revista Jurídica, que homenageia os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promove discussão de caráter científico, uma das finalidades estatutárias da AMPPE. Neste volume, destacamos a importância da DUDH como marco inaugural e como ideal ainda a ser atingido por todos os povos e todas as nações, sendo certo que a defesa e a garantia de tais direitos são desafiadores compromissos que diuturnamente se renovam pelos membros do Ministério Público brasileiro. Boa leitura! Marcos Carvalho Presidente da AMPPE


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ANÁLISE JURÍDICA DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA À LUZ DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS E O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO DEFENSOR DO DIREITO FUNDAMENTAL ÀS LIBERDADES

GUILHERME GRACILIANO ARAÚJO LIMA Doutorando em Direitos Humanos no Programa de PósGraduação em Direito (PPGD) da UFPE. Mestre em Direito pela mesma instituição. Promotor de Justiça em Pernambuco, atualmente em exercício pleno na 2ª Promotoria de Justiça da Carpina, aprovado em 1º lugar-geral no XXIV concurso público de provas e títulos para o cargo de promotor de Justiça e promotor de Justiça substituto do MPPE. Foi procurador do Estado de São Paulo e professor em cursos de graduação e pósgraduação em Direito. E-mail: guilhermegraciliano@gmail.com


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RESUMO Na jurisprudência moderna do Supremo Tribunal Federal (STF), é possível encontrar uma verdadeira oscilação decisória quanto à aplicação do princípio constitucional da presunção de inocência, também conhecido como presunção de não culpabilidade. Tal oscilação deixa de considerar a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) como instrumento jurídico internacional que favorece a primazia do referido princípio, mormente no caso brasileiro, que tem na Constituição Federal garantia inafastável da exigência do trânsito em julgado da sentença criminal para se dar início à execução penal. Nesse quadro, cabe ao Ministério Público o dever institucional de, atuando na defesa dos direitos humanos e nos interesses sociais e individuais indisponíveis, assegurar o respeito ao estado de inocência, atuando assim na preservação da DUDH em um contexto social e democrático.


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1 Notas introdutórias O Supremo Tribunal Federal (STF) tem se destacado pelo impacto social, político e econômico contido nas decisões judiciais emanadas pela corte nos últimos anos, bem como pelas declarações além dos autos proferidas por seus ministros junto à imprensa e às redes sociais. Holofotes iluminam os ministros da corte em suas mais importantes passagens, e nas menos importantes igualmente, em ambientes jurídicos ou sociais, mas, ultimamente, as luzes têm sido ofuscadas por doses gritantes de insegurança jurídica. É possível verificar um verdadeiro combate entre as decisões dos ministros do STF e incessantes e indignas lutas sobre que decisão judicial deve prevalecer eficazmente em detrimento de outra decisão judicial, seja do órgão colegiado, seja decisão monocrática. Sobre esse tema encontra-se a discussão, aparentemente interminável, sobre o princípio processual penal da presunção da inocência, também conhecido como princípio da não culpabilidade, e a execução provisória da pena aplicada por órgão jurisdicional competente em sede de segunda instância, em meio a direções e caminhos de idas e vindas, voltas e retornos, de vai e vem, no qual a principal prejudicada é sempre a sociedade como um todo dependente de afirmações e definições sólidas e coerentes quando provindas dos órgãos do sistema de Justiça do País, especial daquela que é considerada a Corte Suprema. Partindo das interlocuções geradas a partir da discussão acima colocada, o presente trabalho vai sondar os temas da presunção de inocência à luz da Declaração Universal de Direitos Humanos, ressaltando que, quando das considerações acerca dessa última, irar-se-á tentar colocar a posição do Ministério Público como defensor do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais do cidadão, vinculando-o à problemática da execução provisória de condenação penal sem trânsito em julgado.


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2 Apontamentos acerca da

presunção de inocência e da execução provisória da pena na jurisprudência do STF O princípio da presunção de inocência, também conhecido como princípio da não culpabilidade, tem no ordenamento brasileiro guarida constitucional no artigo 5º, inciso LVII, da Carta Cidadã quando afirma: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. No Código de Processo Penal também é possível encontrar insculpido o aludido princípio, exatamente no art. 283, ao aduzir que ninguém pode ser preso a não ser por flagrante delito ou por ordem escrita da autoridade judicial, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado, ou em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva, no curso da investigação ou do processo criminal. Logo, no ordenamento jurídico brasileiro, em diplomas distintos, quais sejam, a Constituição Federal de 1988 e o Código de Processo Penal, há de maneira categórica e expressa uma ressalva necessária ao trânsito em julgado da decisão criminal como requisito inarredável para se declarar alguém como culpado e fazer cumprir pena pela prática de determinado crime. Não obstante o tema ser demasiadamente claro nos dispositivos citados, na jurisprudência do STF a matéria causa pânico nos incautos e maus agouros nos arautos da segurança jurídica. Até fevereiro de 2009, era possível identificar facilmente no âmbito da jurisprudência do STF a tendência de permitir a execução de condenação penal antes mesmo do trânsito em julgado da decisão condenatória. Ainda na


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década de 1990, é possível encontrar julgados da Suprema Corte afirmando que a ordem de prisão decorrente de sentença condenatória confirmada pela segunda instância não colide com a garantia constitucional da presunção de inocência, como foi o caso do julgamento do HC 68.726. Contudo, em fevereiro de 2009, como dito, a jurisprudência do STF, cuja composição tinha se alterado significativamente desde o começo da década anterior, sofreu uma guinada forte para, no julgamento do HC 84.078, formar-se no sentido de impedir a execução de sentença condenatória criminal antes do seu respectivo trânsito em julgado, em obediência ao art. 5º, LVII, da Constituição Federal de 1988, no qual ficaram vencidos os votos proferidos pelos ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, sendo que o ministro Gilmar Mendes, então presidente do tribunal, votou de acordo com a maioria, isto é, contra a execução provisória da pena antes que se tenham esgotadas todas as possibilidades recursais.01 Sete anos depois, porém, o STF, com composição relativamente alterada, pois seis dos onze ministros que participaram do julgamento do HC 84.078 (Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Menezes Direito foram substituídos por Rosa Weber, Teori Zavascki, Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Dias Toffoli, respectivamente) não mais integravam o STF, quando do julgamento do HC 126.292, que mudou novamente o entendimento sobre a matéria, retornando ao posicionamento de antes de 2009. Assim, em fevereiro de 2016, durante o julgamento do HC 126.292, o STF praticou um segundo overruling, ou seja, uma espécie de overruling do

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ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício de. A oscilação decisória no STF acerca da garantia da presunção

de inocência: entre a autovinculação e a revogação de precedentes. Revista de Informação Legislativa: RIL, v. 55, n. 217, p. 135-156, jan./mar. 2018, p. 144. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/ril/ edicoes/55/217/ril_v55_n217_p135>. Acesso em: 21 dez. 2018.


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overruling.02 Restaram vencidos nesse novo julgamento os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, então presidente da Corte à época. Desse modo, a partir de fevereiro de 2016, o STF voltava sete anos no tempo para reafirmar uma tese que a própria corte já havia abandonado anteriormente, para dizer novamente que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência. Destaca-se que, mudando o entendimento que tinha na época do julgamento do HC 84.078, o ministro Gilmar Mendes continuou a formar a maioria vencedora do julgamento do HC 126.292, mas contrariando a posição que ele mesmo, ministro Gilmar, havia tomado anteriormente, em 2009, de forma que passou a entender em 2016 que o cumprimento provisório de sentença condenatória criminal não tinha aptidão a violar o princípio constitucional da presunção de inocência. Ainda de volta ao mesmo tema, em outubro de 2016, o plenário do STF julgou os pedidos de medida cautelar nos autos da ação declaratória de constitucionalidade (ADC) de nº 43 e 44, indeferindo os mesmos, para reafirmar a tese esposada no HC 126.292, asseverando que o art. 283 do Código de Processo Penal (CPP) não é incompatível com o cumprimento antecipado da pena, vencidos os ministros Marco Aurélio (Relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, e, em parte, o ministro Dias Toffoli. A nota relevante aqui é que esse julgamento foi proferido em sede de controle concentrado de constitucionalidade, processo objetivo e analisado em tese, isto é, não a partir de determinado caso concreto, e tem efeitos vinculantes para a Administração Pública e para os órgãos do Poder Judiciário,

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Idem, p. 145.


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cabendo contra as decisões ou atos administrativos que desrespeitem os seus ditames o ajuizamento de reclamação constitucional perante o STF. Ainda em 2016, desta feita no mês de novembro, o STF apreciou novamente o tema, agora em sede de julgamento de agravo em recurso extraordinário (ARE) nº 964.246 através do seu plenário virtual, com repercussão geral reconhecida, reafirmando que não viola a presunção de não culpabilidade o cumprimento provisório de pena após o julgamento do tribunal de apelação. Observação relevante é feita por Guilherme Assis ao analisar o referido julgamento, quando afirma o autor que o ministro Dias Toffoli mudou parcialmente seu entendimento para restringir a execução provisória da pena, exigindo o julgamento de eventual recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) antes de se admitir o cumprimento da reprimenda penal. Por sua vez, continua Assis, a ministra Rosa Weber – que havia votado pela manutenção do entendimento anterior assentado no HC 84.078 – não se manifestou no prazo adequado, razão pela qual o resultado do julgamento foi de 6 votos a 4, e não de 7 votos a 4, como ocorreu no HC 126.292, julgado pelo plenário meses antes.03 Em síntese, em 2016 o STF mudou de posição quanto à possibilidade de início de cumprimento de pena antes do trânsito em julgado da sentença criminal condenatória, e o fez ao menos em três oportunidades relevantes: no HC 126.292, julgado em fevereiro daquele ano; no indeferimento das medidas cautelares nas ADC 43 e 44, em outubro de 2016; e no julgamento do ARE 964.246, com repercussão geral reconhecida e julgado pelo plenário virtual da corte. Quando a questão parecia se resolver, eis que os ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski passaram a proferir diversas decisões mono-

03

Idem, p. 145.


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cráticas contrárias ao posicionamento mais recente da maioria dos ministros que compõem o STF fixado no HC 126.292 quanto ao epigrafado tema, podendo serem citados os casos do HC 138.337, HC 137.063, HC 145.856, HC 140.217, HC 144.908 entre outros, nos quais os ministros referidos insistem em afastar o cumprimento provisório da pena antes do trânsito em julgado da condenação. Essa constante revisão de julgados sobre a mesma matéria não parece posição mais consentânea ao postulado da segurança que se espera de uma corte constitucional. Embora seja salutar a idiossincrasia entre os juízes e seja factível não se desejar o engessamento das teses jurídicas fixadas nos tribunais, sobretudo em tempos de modernidade líquida e fluída, a revisitação de temas apenas pelo fato de ter havido mudança significativa na composição dos órgãos decisórios ou apenas em razão da mudança de entendimento pessoal de determinado ministro, parece atentar contra os primados da formação sólida do Direito.

3 A presunção de inocência à luz da

Declaração Universal de Direitos Humanos

O princípio da presunção de inocência, albergado pela Constituição Federal de 1988, também recebe amparo na Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH). Antes de adentrar na análise do aludido princípio, porém, mister tecer breves comentários sobre a contextualização da DUDH e os pontos básicos para entender o quadro de seu surgimento. Sobre o tema convém inicialmente destacar os ensinamentos de Antônio Augusto Cançado Trindade, juiz da Corte Internacional de Justiça (Haia), ex-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos e professor emérito de Direito Internacional da Universidade de Brasília.


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Segundo Cançado, atualmente não se pode negar que, embora a ocorrência de avanços no domínio de proteção dos direitos humanos ao longo das sete últimas décadas, surgem com frequência novos obstáculos, traduzidos sobretudo pela “marginalização e exclusão sociais de segmentos crescentes da população, na diversificação de fontes de violações de direitos humanos e na impunidade de seus perpetradores.”04 Segundo o professor, devido à evolução da doutrina contemporânea, hoje se reconhece que as derrogações e limitações permissíveis ao exercício dos direitos humanos previstos nos tratados internacionais de direitos humanos devem ser restritivamente interpretadas, impondo-se a intangibilidade das garantias judiciais em matéria de direitos humanos, que devem ser exercitadas consoante os princípios do devido processo legal, mesmo em estados de emergência.05 É inegável que não se pode deixar de atribuir à Declaração Universal o marco primordial de generalização da efetivação, universalização do estabelecimento de direitos individuais e proteção dos direitos humanos no mundo, mormente se considerarmos o momento em que se deu o seu surgimento, logo após o fim da segunda grande guerra mundial. Nesse sentido também é o pensamento de Sérgio Resende de Barros, afirmando que os direitos humanos tendem a ser direitos universais, vinculados aos direitos sociais, nestes se realizando, resultando com esse espírito de síntese do individual na confirmação de direitos sociais, permitindo-se, assim, se chegar à Declaração das Organizações das Nações Unidas (ONU) de 1948, que internacionalizou e universalizou os direitos humanos, univer-

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TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. As sete décadas de projeção da declaração universal dos

direitos humanos (1948-2018) e a necessária preservação do seu legado. Revista da Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 73, pp. 97-140, jul./dez. 2018, p. 100. 05

Idem, p. 136.


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salização essa que, ainda segundo o autor, teria seus primórdios nas declarações norte-americanas sobre direitos do homem e do cidadão.06 Segundo apregoa Fernando Almeida sobre o tema, a Declaração Universal dos Direitos Humanos forneceu um avanço para conferir maior liberdade ao homem, enquanto, simultaneamente, despertou uma consciência mais clara desses direitos e propiciou uma maior quantidade de instrumentos para sua defesa, sendo que, à medida que passou a ser incorporada às legislações internas das nações, a violação de tais direitos passou a ser tida como ato criminoso.07 A construção da DUDH teve importância sobremaneira a partir dos trabalhos desenvolvidos pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, entre maio de 1947 e junho de 1948, e o seu respectivo Grupo de Trabalho, cujas conclusões foram levadas à análise da comissão estabelecida pela Assembleia Geral da ONU para tratar da elaboração e formatação da declaração universal. Assim, em 10 de dezembro de 1948, dos 58 Estados membros da ONU, 48 votaram a favor do texto final e 8 Estados se abstiveram de votar, não havendo nenhum voto contrário, razão pela qual a Assembleia Geral proclamou a Declaração Universal de Direitos Humanos. Vale destacar à oportunidade que há, na doutrina humanista, quem veja na Carta das Nações Unidas, que pode ser vista como uma espécie sui generis de tratado internacional que deu origem formal às Organizações das Nações Unidas em 1945 logo após a ratificação do seu teor pelos países integrantes do Conselho de Segurança e da maioria dos demais Estados signatá-

06

BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey,

2003, p. 372. 07

ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria Geral dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Editor, 1996, p. 111.


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rios, a gênese da Declaração Universal de Direitos Humanos e a consequente internacionalização dessa espécie de direitos.08 Junto à declaração se somaram, 22 anos após, dois pactos jurídicos relevantes: o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, formalmente adotados pela Assembleia Geral da ONU em 1966. Assim, com os citados pactos e a DUDH, se forma a Carta Internacional dos Direitos Humanos. Sobre a importância atual da Declaração e dos seus pactos, vale destacar a posição de Gilberto Saboia: Passados 60 anos e a despeito das conquistas alcançadas através da confirmação nos Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos e na numerosa teia de instrumentos jurídicos de alcance universal, regional ou que estabelecem sistemas de proteção específica contra certas formas de violação ou para determinadas categorias de pessoas vulneráveis, a Declaração Universal permanece atual e relevante como impulso que inspirou este processo, apesar das contingências frequentemente desfavoráveis dos jogos de poder internacional, e como interpretação autêntica das obrigações contidas na Carta da ONU.09

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PEREIRA, Luciano Meneguetti. A Declaração Universal dos Direitos Humanos e sua importância

na gênese, desenvolvimento e consolidação do direito internacional dos diretos humanos. In: SGARBOSSA, Luís Fernando; IENSUE, Geziela. Direitos Humanos & Fundamentais: Reflexões aos 30 Anos da Constituição e 70 da Declaração Universal. Campo Grande: Instituto Brasileiro de Pesquisa Jurídica, 2018, p. 49. 09

SABOIA, Gilberto Vergne. Significado Histórico e Relevância Contemporânea da Declaração Universal

dos Direitos Humanos para o Brasil. In: GIOVANNETTI, Andrea (org). 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos: conquistas do Brasil. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, p. 57.


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Por esse pensamento fica evidente que a DUDH e os dois pactos que lhe seguiram em 1966 serviram como instrumentos jurídicos de garantia e eficácia da implementação de direitos humanos, sendo que, ainda hoje, após 70 anos da promulgação da Declaração, seu debate continua atual e presente. No tocante à presunção de inocência, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos o tratou de maneira específica, rezando, em seu artigo 14, parágrafo 2º, que “toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”. De seu turno, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também chamado de Pacto de São José da Costa Rica, recebida no ordenamento jurídico brasileiro através do decreto presidencial nº 678/92, e recepcionada com status de supralegalidade, conforme entendimento do STF, reafirma em seu artigo 8º, parágrafo 2º, a presunção de não culpabilidade, ao aduzir: “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma a sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”. Vale destacar que as análises sobre o supramencionado princípio também o fazem sob a luz do processo penal, de um ponto de vista mais intrínseco à natureza instrumental do processo, de modo que o princípio ora configura regra de tratamento, através da qual se presume o acusado inocente até o trânsito em julgado da decisão condenatória, ora se apresenta como regra de julgamento, segundo a qual no momento do proferimento da sentença em caso de dúvida razoável deve-se absolver o réu. Antes de adentrar mais a fundo na discussão acerca do princípio da presunção de não culpa, é primordial esclarecer que existe, na doutrina internacionalista, discussão sobre o caráter vinculativo da DUDH, isso porque, para alguns, a referida declaração teria caráter meramente recomendatório, tais como as resoluções da ONU, configurando o soft law. Contudo, prevalece o entendimento de que, assim como os tratados de direito internacional, que são vinculativos em sua essência, hard law, a DUDH tem caráter vinculante, ressaltando ser ela um instrumento normativo que cria obrigações jurídicas


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para os Estados-Membros da ONU, ressaltando apenas atualmente a discussão acerca do seu caráter normativo, não se referindo mais à existência ou não de sua força vinculante, mas se reduzindo a celeuma em saber se todos os direitos proclamados pela DUDH têm força obrigatória ou não, e em que circunstâncias exatamente ela ocorre.10 Voltando ao tema da presunção da inocência, em específico, vale tecer algumas considerações a partir de então. A principal referência ao primado da não culpabilidade na DUDH é encontrada no art. 11 da declaração, ao aduzir no seu artigo 11, parágrafo 1º: Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Também é possível falar na manutenção da presunção de inocência a partir de uma leitura sistemática do art. 8º da Declaração Universal, ao apregoar que “todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei”. Nesse sentido, pode-se perceber que foi a própria Constituição Federal de 1988 que assegurou os remédios efetivos contra possíveis decisões judiciais criminais condenatórias injustas, no caso, os recursos excepcionais, como o extraordinário e o especial, cuja interposição tem a capacidade de impedir o trânsito em julgado e evitar violações a direitos fundamentais do cidadão, como o direito à liberdade.

10

PEREIRA, Luciano Meneguetti. Ob. cit., p. 63.


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Logo, por esse ângulo de vista, também é possível afirmar que a defesa da presunção de inocência requer o trânsito em julgado da sentença condenatória, posto que é direito assegurado pela DUDH que os tribunais garantam mecanismos efetivos contra violações a direitos fundamentais do cidadão, esclarecendo que essa violação pode surgir de uma decisão criminal que venha a ser cassada ou reformada em sede de julgamento de recursos perante os tribunais superiores. A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), assinada em novembro de 1969, em São José, na Costa Rica, também asseverou a presunção de inocência no seu art. 8.2, conforme o qual “toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”. O Brasil apenas em 1992 veio a adotar a CADH em seu ordenamento jurídico, mas, segundo o STF, quando houve essa incorporação, o texto internacional passou a deter natureza supralegal e infraconstitucional. Com efeito, o grau de importância dado por tantos instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos ao estado de inocência do cidadão não deixa dúvidas de que o entendimento mais consentâneo com a Declaração Universal de Direitos Humanos, aprofundado e delineado pela Constituição Federal de 1988, é aquele que exige o trânsito em julgado para se dar início ao cumprimento de uma sentença penal condenatória, permitindo-se, todavia, antes desse marco, a prisão apenas de natureza cautelar ou temporária. É que a discussão sobre a culpabilidade do acusado, segundo as garantias impostas pela DUDH, somente pode ser superada após o final do julgamento criminal, realizado “na forma da lei”, como visto. No caso do direito brasileiro, a lei é o Código de Processo Penal, em seu art. 283, e, considerando o termo em seu sentido amplíssimo, para ser entendido como norma jurídica de direito positivo, também se fala da Constituição Federal de 1988, onde se


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pode encontrar a afirmação da garantia dos efeitos do princípio da presunção de inocência, exigindo para a sua superação o esgotamento de todas as vias recursais disponíveis. Além disso, quando se percebe que a DUDH exige que sejam asseguradas “todas as garantias necessárias” à defesa do acusado, nessa percepção se faz compreensível entender que a própria exigência do trânsito em julgado é uma garantia do acusado e que ignorar tal mecanismo configura violação ao texto expresso da Declaração. Desse modo, seguindo uma interpretação principiológica e sistemática, é possível afirmar que, pelo princípio da não culpabilidade, ninguém pode ser perseguido ou condenado antes dos trâmites processuais legais, pois sua culpa somente se forma no modelo jurídico previsto na lei. Por esse mesmo princípio diz-se que ninguém poderá ser julgado sem que tenha sido devidamente chamado ao processo, deduzindo-se que, enquanto o acusado não seja declarado culpado por uma decisão com força de caso julgado, será considerado inocente. Finalmente, por esse mesmo princípio, é possível definir que o processado tem o direito de apresentar a sua defesa de maneira ampla e livre, discutindo os elementos de prova contra si reunidos, cabendo à acusação a prova do crime, posto que, em último caso, a dúvida beneficia o réu do processo penal.11 Diante do exposto, percebe-se que, espancando qualquer dúvida, a exigência do trânsito em julgado para dar início ao cumprimento da pena configura regra jurídica objetiva e marco temporal preciso, estabelecido pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Penal, configurando-se,

11

BRASIL, Deilton Ribeiro. A garantia do princípio constitucional da presunção de inocência (ou de

não culpabilidade): um diálogo com os direitos e garantias fundamentais. Revista de Direito Brasileira, São Paulo, v. 15, n. 6, p. 376/398, set./dez., 2016, p. 379. Disponível em: <http://www.indexlaw.org/index. php/rdb/article/view/3038/2785>. Acesso em: 27 dez. 2018.


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desse modo, instrumento de garantia dos direitos humanos do acusado, com cuja defesa o Estado Brasileiro se comprometeu ao incorporar à sua ordem jurídica a Declaração Universal de Direitos Humanos.

4 A atuação do Ministério Público

à luz da DUDH em matéria de presunção de inocência

Nesse último ponto do trabalho, a discussão é voltada para a tentativa de direcionamento e compreensão da atuação ministerial frente à garantia constitucional da presunção de inocência. Quando da defesa do primado constitucional, o Ministério Público também tem o papel relevante de prezar pelos direitos humanos e fundamentais do cidadão, inclusive o direito à liberdade, não somente de pensamento, mas também à liberdade de locomoção. Na defesa desse direito, portanto, cabe ao órgão ministerial se utilizar dos instrumentos legais e constitucionais cabíveis na defesa da ordem constitucional e do Estado Democrático de Direito, bem como dos mecanismos cabíveis e providências adequadas, para garantir não somente o bem da sociedade e condução adequada do processo penal, mas também os direitos mais básicos do indivíduo, considerando-o na sua individualidade. Ademais, cabe ainda ao parquet a defesa e a promoção dos direitos humanos delineados na Declaração Universal de 1948, na medida em que foram proclamados no texto internacional do século passado, nos pactos, tratados e convenções internacionais que lhe sucederam, mas que ainda assim confirmaram o dever de obediência e respeito aos direitos mais básicos e elementares do homem.


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Também vale destacar que essa defesa não é limitada tão apenas aos termos literais da DUDH, até mesmo porque com o passar do tempo e o desenvolvimento das comunidades globais e regionais, com o surgimento de novos desafios, cuja amplitude dimensional parece sempre estar em processo de expansão, mormente em tempos de mídias sociais iterativas e globais e na era da informação rápida e difusa, o sentido e o alcance interpretativo das normas da DUDH podem sofrer variações em suas interpretações e aplicações. A defesa dos interesses individuais indisponíveis e dos direitos humanos pelo Ministério Público deve alcançar igualmente os limites e compreensões dadas posteriormente à DUDH, mas que surgem a complementando, que foi exatamente o caso da Constituição Federal de 1988 quando exigiu o trânsito em julgado como marco temporal, processual e objetivo para afastar a presunção de inocência que recai sobre o cidadão acusado do cometimento de determinados crimes. Logo, a estabilidade do pensamento ministerial concatenado à defesa dos direitos humanos é tarefa árdua que não merece vacilo por parte dos procuradores e promotores de Justiça quando se diz respeito a esse tipo de direito. É necessário prezar pelo estabelecimento de uma segurança jurídica mínima, que, no caso do princípio da presunção de inocência, sendo consentâneo com o Texto Constitucional de 1988, com a Declaração Universal de Direitos Humanos, com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e com a Convenção Americana de Direitos Humanos, entre outros instrumentos jurídicos de direito internacional, deve ser garantida no sentido de exigir o trânsito em julgado da sentença penal condenatória antes do cumprimento efetivo da pena. O STF, na forma como atuou sobre o tema, parece vacilar na manutenção da ordem e da segurança constitucional, contudo já aparecem indícios de que talvez a corte venha, mais uma vez, revisitar o tema.


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Conforme pontua Assis, caso venha, de fato, a ocorrer uma posição de revisão do entendimento do ministro Gilmar Mendes, como visto um dos principais responsáveis pela mudança de entendimento, é possível se chegar a mais um overruling acerca do mesmo tema: A revisão da posição do ministro Gilmar Mendes, caso venha a se concretizar quando do julgamento final das ações declaratórias de constitucionalidade 43 e 44, provavelmente conduzirá a mais uma guinada na jurisprudência do STF (o terceiro overruling), visto que se formará nova maioria de votos para restabelecer a tese da proibição da execução imediata da pena após a condenação em segunda instância.12

Diante do exposto, é papel inarredável do Ministério Público brasileiro defender os direitos humanos e fundamentais, especialmente quando detêm guarida constitucional e são observados nos mais diversos instrumentos jurídicos da ordem internacional, sendo necessária, desse modo, a atuação do membro do parquet para promover as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias para que a execução da pena somente tenha início após o devido trânsito em julgado da sentença criminal, estando assim em plena consonância com a garantia estabelecida no art. 5º, LVII, da Constituição Federal de 1988, bem como no art. 11, parágrafo 1º, da Declaração Universal de Direitos Humanos.

12

ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício de. Ob. cit., p. 147.


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5 Conclusões As discussões que permearam o presente ensaio voltaram-se sobre o princípio da presunção de inocência na jurisprudência do STF e sua aplicação nos moldes daquilo que pode se extrair da Declaração Universal de Direitos Humanos, para, ao final, tecer comentários sobre qual seria o papel de atuação do Ministério Público no contexto democrático de aplicação do referido princípio. Depreendeu-se que o STF não tem se preocupado tão eficazmente com o primado da segurança jurídica, posto que em menos de uma década alterou o seu entendimento sobre o princípio constitucional da não culpabilidade e a necessidade de se exigir o trânsito em julgado de sentença criminal condenatória para dar início à fase da execução penal. Nesse cenário, focou-se, outrossim, o trabalho em analisar o contexto da gênese da DUDH e os demais e principais instrumentos internacionais de garantia e proteção de direitos humanos, para que a eles se pudesse atrelar o princípio da não culpabilidade, principalmente na esfera criminal, para adotar como tese primordial do ensaio a necessidade de se exigir o trânsito em julgado da sentença condenatória antes de se iniciar o cumprimento da reprimenda penal, haja vista que esse é o melhor entendimento que pode ser extraído da DUDH, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana de Direitos Humanos, quando todos exigem a tramitação dos meandros legais antes de se formar a convicção jurídica de culpa contra o cidadão. Finalmente, tratando o Ministério Público de órgão independente, de cunho constitucional e no exercício de função essencial à Justiça, acredita-se que o parquet, que tem como dever legal e constitucional a proteção de interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos do art. 127, caput, da Constituição Federal, pode e deve atuar para fazer prevalecer o primado da


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presunção de inocência, posto que se trata de garantia derivada, ao menos indiretamente, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e de vários outros instrumentos internacionais de afirmação de direitos do cidadão, que merecem o respaldo devido e o respeito esperado na ordem jurídica atual do País.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria Geral dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996. ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício de. A oscilação decisória no STF acerca da garantia da presunção de inocência: entre a autovinculação e a revogação de precedentes. Revista de Informação Legislativa: RIL, v. 55, n. 217, p. 135-156, jan./mar. 2018. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/55/217/ ril_v55_n217_p135>. Acesso em: 21 dez. 2018. BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. BRASIL, Deilton Ribeiro. A garantia do princípio constitucional da presunção de inocência (ou de não culpabilidade): um diálogo com os direitos e garantias fundamentais. Revista de Direito Brasileira, São Paulo, v. 15, n. 6, p. 376/398, set./dez., 2016. Disponível em: <http://www.indexlaw.org/index.php/rdb/article/ view/3038/2785>. Acesso em: 27 dez. 2018. PEREIRA, Luciano Meneguetti. A Declaração Universal dos Direitos Humanos e sua importância na gênese, desenvolvimento e consolidação do direito internacional


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dos diretos humanos. In: SGARBOSSA, Luís Fernando; IENSUE, Geziela. Direitos Humanos & Fundamentais: Reflexões aos 30 Anos da Constituição e 70 da Declaração Universal. Campo Grande: Instituto Brasileiro de Pesquisa Jurídica, 2018. SABOIA, Gilberto Vergne. Significado Histórico e Relevância Contemporânea da Declaração Universal dos Direitos Humanos para o Brasil. In: GIOVANNETTI, Andrea (org). 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos: conquistas do Brasil. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. As sete décadas de projeção da declaração universal dos direitos humanos (1948-2018) e a necessária preservação do seu legado. Revista da Faculdade de Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 73, pp. 97-140, jul./dez. 2018.



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O MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO NA EFETIVAÇÃO DE DIREITOS DA POPULAÇÃO LGBTI: BREVE ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS NO STJ E STF

GUSTAVO HENRIQUE HOLANDA DIAS KERSHAW Promotor de Justiça do Ministério Público de Pernambuco


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RESUMO O presente artigo faz uma análise de decisões dos Tribunais Superiores brasileiros, ou seja, Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), na efetivação de direitos da população LGBTI, na perspectiva dos posicionamentos do Ministério Público, seja como autor das ações ou como fiscal da ordem jurídica. Constata-se que ora o Ministério Público defende a garantia de direitos de igualdade ora vai de encontro a esses anseios igualitários. Foram abordadas as decisões referentes a direitos previdenciários, união homoafetiva como entidade familiar, adoção por casais homoafetivos e, brevemente, análise do caso sob apreciação do STF quanto à criminalização da homofobia.


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1 Introdução No Brasil, decisões judiciais têm promovido o reconhecimento de direitos da população LGBTI, enquanto a legislação tem falhado no reconhecimento das demandas por igualdade. Assim, a via judicial tem se tornado uma válvula de escape na proteção dos direitos de diversos grupos vulneráveis na sociedade, dentre os quais a comunidade LGBTI – gays, lésbicas, travestis, transexuais, etc. Com efeito, é evidente a dificuldade de acesso de demandas desta população por meio dos Poderes Executivo e Legislativo, levando diversas pessoas no País a procurarem os mecanismos judiciais para a concretização de suas necessidades. Muitas dessas dificuldades se relacionam com a questão majoritária. Após a Constituição da República, de 1988, sobretudo nos últimos anos, percebe-se significativo avanço da jurisdição constitucional, assumindo o Poder Judiciário papel político de destaque em defesa das minorias. Nas palavras de Luís Roberto Barroso, “consistente em dar uma resposta às demandas sociais não satisfeitas pelas instâncias políticas tradicionais”.01 Enquanto se redige este pequeno artigo, sem pretensões de cientificidade, o Supremo Tribunal Federal aprecia a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26, a respeito da omissão legislativa do Congresso Nacional em criminalizar condutas discriminatório-homofóbicas no país.

01

BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a

construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 25.


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2 Análise de casos concretos Um dos princípios que rege a jurisdição, seja ela constitucional ou ordinária, é o da demanda, ou seja, a movimentação inicial da jurisdição é condicionada à provocação do interessado. Como leciona Daniel Assumpção, “significa dizer que o juiz – representante jurisdicional – não poderá iniciar um processo de ofício, sendo tal tarefa exclusiva do interessado”02. O Ministério Público brasileiro, nesse contexto, representa (ou deveria representar) papel importante na luta pela concretização, garantia e respeito de direitos da população LGBTI. Analisando as decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sob a perspectiva do papel institucional do Ministério Público nas ações judiciais, constata-se que ora a instituição defende os direitos da população LGBTI, ora parte dela está indo de encontro aos anseios de igualdade de direitos. Para ser justo, os posicionamentos do Ministério Público Federal, em especial, perante as Cortes Superiores, representam forte propulsor de avanços.

2.1 Benefícios previdenciários Inicialmente, o primeiro avanço na garantia de direitos LGBTI foi no Direito Previdenciário, reconhecendo-se benefícios previdenciários aos companheiros nas uniões homoafetivas, até então carentes do necessário reconhecimento estatal.

02

NEVES, Daniel Assumpção Amorim. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Editora

Juspodivm, 2018. p. 81.


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Em meados de 2005, o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso Especial (REsp) nº 395.904, decidiu pela possibilidade da concessão do benefício previdenciário de pensão por morte ao companheiro do de cujus. Inicialmente, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) havia negado o requerimento administrativo, razão pela qual apelou, assim como também apelou o Ministério Público Federal, ao entendimento de que a norma do §3º do art. 226 da Constituição da República não exclui a união estável entre pessoas do mesmo sexo, devendo ser observado, ao propósito, o princípio constitucional da igualdade. Atuando como fiscal da ordem jurídica, o Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República, Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos, manifestou-se nos seguintes termos: PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRO HOMOSSEXUAL. Recurso do INSS, objetivando afastar o direito de companheiro a receber pensão por morte, em razão de união homossexual. Não se verifica interesse recursal do INSS, ao sustentar a ilegitimidade da atuação do MPF, se o autor também apelou, devolvendo ao Tribunal a quo toda a discussão do tema. O fundamento utilizado pela autarquia recorrente, de violação ao art. 535 do CPC, com o intuito de ver os embargos e declaração novamente apreciados, por si só, não seria apto a modificar o acórdão recorrido. Deve ser reconhecido o direito à pensão por morte do companheiro homossexual, em atenção aos princípios constitucionais do respeito à dignidade da pessoa humana, da isonomia e da proibição da discriminação por motivos sexuais.


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Reconhecimento, pelo INSS, por meio da Instrução Normativa nº 25/2000, da possibilidade de concessão de benefícios previdenciários a companheiros homossexuais. Norma editada por força de liminar em ação civil pública, proposta pelo MPF gaúcho, com eficácia erga omnes. Parecer pelo não conhecimento do apelo especial, diante da ausência de interesse recursal. Caso conhecida a irresignação, opina-se pelo seu total desprovimento, de sorte a se manter na íntegra o acórdão recorrido.

2.2 União homoafetiva como entidade familiar Uma das mais importantes decisões, senão a mais relevante, do Supremo Tribunal Federal em relação a direitos da população LGBT foi o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 13203, que reconheceu as uniões homoafetivas como entidade familiar. A ação foi ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro. O pronunciamento04 da Procuradoria-Geral da República, firmado pela então Procuradora-Geral, Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, ressaltou a discriminação legislativa em desfavor das uniões homoafetivas e de seu valor como família, de cujo conteúdo se destaca:

03

ADI 4.277 e ADPF 132, rel. min. Ayres Britto, j. 5-5-2011, Pub. DJe de 14/10/2011.

04

Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/copy_of_pdfs/ADPF%20132%20parecer%20uniao%20

homossexuais.pdf/view>.


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a igualdade impede que se negue aos integrantes de um grupo a possibilidade de desfrutarem de algum direito, apenas em razão de preconceito em relação ao seu modo de vida Mas é exatamente isso que ocorre com a legislação infraconstitucional brasileira, que não reconhece as uniões entre pessoas do mesmo sexo, tratando de forma desigualitária os homossexuais e os heterossexuais […] Na verdade, sob a aparente neutralidade da legislação infraconstitucional brasileira, que apenas protegeu juridicamente as relações estáveis heterossexuais, esconde-se o mais insidioso preconceito contra os homossexuais. […] o reconhecimento jurídico da união entre pessoas do mesmo sexo não enfraquece a família, mas antes a fortalece, ao proporcionar às relações estáveis afetivas mantidas por homossexuais – que são autênticas famílias, do ponto de vista ontológico – a tutela legal de que são merecedoras.

O extenso acórdão da referida ADPF constitui verdadeira aula de democracia e direitos humanos. Dele, destaco os seguintes excertos: Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito à autoestima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.


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Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

2.3 Adoção Representando outro grande passo contra o preconceito e a discriminação, desta feita realizado pelo Superior Tribunal de Justiça, foi o julgamento do REsp nº 1.281.09305, assentando a possibilidade de que casais homoafetivos possam adotar. Neste recurso especial, contudo, a ideia encampada pelo Ministério Público de São Paulo foi a de ser “juridicamente impossível a adoção

05

REsp 1.281.093, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18-12-2012, Pub. DJe de 04/02/2013.


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de criança ou adolescente por duas pessoas do mesmo sexo”, afirmando-se, ainda, que “o instituto da adoção guarda perfeita simetria com a filiação natural, pressupondo que o adotando, tanto quanto o filho biológico, seja fruto da união de um homem e uma mulher”06. O parecer do Ministério Público Federal, de lavra do Subprocurador-Geral da República, Henrique Fagundes Filho, foi pelo não conhecimento do recurso especial interposto pelo parquet estadual. Pela sua relevância, destaca-se o seguinte excerto do Acórdão: A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas, afirmada pelo STF (ADI 4277/DF, Rel. Min. Ayres Britto), trouxe como corolário a extensão automática àquelas das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional, o que torna o pedido de adoção por casal homoafetivo legalmente viável. Se determinada situação é possível ao extrato heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza que são abraçados, em igualdade de condições, pelos mesmos direitos e se submetem, de igual forma, às restrições ou exigências da mesma lei, que deve, em homenagem ao princípio da igualdade, resguardar-se de quaisquer conteúdos discriminatórios.

Ainda nesta temática da adoção por casais homoafetivos, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo essa linha protetiva, rejeitou tese do Ministério

06

Trechos expressamente citados no inteiro teor do Acórdão.


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Público do Paraná de que “o interessado homoafetivo somente pode se inscrever para adoção de menor que tenha no mínimo 12 (doze) anos de idade, para que possa se manifestar a respeito da pretensa adoção”. Neste caso, o parecer do Ministério Público Federal foi pelo não provimento do recurso, assim resumido: Direito Civil. Família. Adoção de criança por homossexual. Alegação de que esse tipo de adoção fique condicionada à manifestação de vontade do adotando. Ausência de ilegalidade. Parecer pelo desprovimento do recurso.

A referida controvérsia também foi levada ao Supremo Tribunal Federal, pela via do Recurso Extraordinário07, tendo a relatora, Min. Carmen Lúcia, na mesma linha garantista do STJ, negado o seguimento ao recurso.

2.4 O conteúdo discriminatório e pejorativo do art. 235 do CPM A Procuradoria-Geral da República ajuizou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 291, de relatoria do Min. Roberto Barroso, em face do art. 235 do Código Penal Militar por tipificar a conduta de nomen iuris “pederastia ou outro ato de libidinagem”. O Código Penal Militar fora criado no contexto totalizante e discriminatório da ditadura militar. Dentre os diversos fundamentos invocados pelo Ministério Público Federal, pode-se destacar que o preceito do Código Penal Militar inseria-se num contexto internacional de leis antissodomia,

07

RE 846.102, rel. Min. Carmen Lúcia, decisão monocrática, DJe de 15/03/2015.


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utilizando-se de uma nomenclatura pejorativa (“pederastia”) e de uma expressão discriminatória (“homossexual ou não”), a partir das quais seria possível identificar claramente quem a norma pretende atingir, ou seja, os homossexuais militares. A ADPF foi julgada parcialmente procedente. Destaco do acórdão o seguinte trecho: não foram recepcionadas pela Constituição de 1988 as expressões “pederastia ou outro” e “homossexual ou não”, contidas, respectivamente, no nomen iuris e no caput do art. 235 do Código Penal Militar, mantido o restante do dispositivo. Não se pode permitir que a lei faça uso de expressões pejorativas e discriminatórias, ante o reconhecimento do direito à liberdade de orientação sexual como liberdade existencial do indivíduo. Manifestação inadmissível de intolerância que atinge grupos tradicionalmente marginalizados.

2.5 Direito ao nome e à identidade de gênero Questões importantes sobre o direito ao nome e à identidade de gênero foram enfrentadas tanto pelo Superior Tribunal de Justiça quanto pelo Supremo Tribunal Federal. Também aqui se podem observar teses ministeriais contrárias à proteção aos transexuais. No ano de 2009, em decisão ainda tímida, mas progressista, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp nº 737.99308, decidiu pela possibilidade de que transexual submetido a cirurgia de transgenitalização pudesse alterar seu prenome, substituindo-o por apelido público e notório. O relator

08

REsp 737.993, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 18/12/2009.


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da ação, Min. João Otávio de Noronha, assentou que não entender por esta possibilidade seria “postergar o exercício do direito à identidade pessoal e subtrair do indivíduo a prerrogativa de adequar o registro do sexo à sua nova condição física, impedindo, assim, a sua integração na sociedade”. A controvérsia decidida posteriormente pelo Superior Tribunal de Justiça se deu da seguinte forma: O juiz singular autorizou as modificações pleiteadas, asseverando que “não é crível que a questão envolvendo o transexualismo seja solucionada apenas na área medicinal e que o Direito cerre os olhos ao tema, numa atitude cômoda e ortodoxa, totalmente alheios à realidade das coisas”. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, reformando a sentença, deu provimento à apelação do Ministério Público estadual (MG), entendendo que inexistiria previsão legal para a obtenção da alteração onomástica requerida; asseverou também que “o sexo integra os direitos da personalidade e não existe previsão de sua alteração”. Importante destacar a aprovação, pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), da Nota Técnica nº 809 de 15/03/2016, sobre a atuação do Ministério Público na proteção do direito fundamental à não discriminação e não submissão a tratamentos desumanos e degradantes de pessoas travestis e transexuais, especialmente quanto ao direito ao uso do nome social no âmbito da Administração Direta e Indireta da União, dos Estados e dos Municípios. Em conclusão, afirma a referida Nota Técnica caber ao Ministério Público atuar para assegurar o direito fundamental de reconhecimento e à adoção de nome social (ou apelido público notório) em benefício da população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais), mediante solicitação do interessado.

09

Publicado no Diário Eletrônico do CNMP, Caderno Processual, págs.1/9, edição de 14/04/2016.


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Noutro momento, já no ano de 2017, o Tribunal da Cidadania (STJ), volta à apreciação da temática, enfrentando àquela altura a necessidade ou não de cirurgia de transgenitalização para que se processem alterações no registro civil. No julgamento do REsp nº 1.626.73910, de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, decidiu-se que o direito dos transexuais à retificação do prenome e do sexo/gênero no registro civil não é condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização. Neste caso, ressalte-se o brilhante posicionamento do Ministério Público do Rio Grande do Sul, que figurava como recorrente no REsp. É que o julgamento nas instâncias ordinárias havia decidido pela alteração do prenome mas manutenção do sexo biológico. Assim, o parquet gaúcho levou o caso ao Superior Tribunal de Justiça, sustentando que a requerente continuaria a padecer dos constrangimentos porquanto designada em seus documentos como do sexo masculino. Por fim, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4275, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República11, assim decidiu: O Tribunal, por maioria, vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio e, em menor extensão, os Ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, julgou procedente a ação para dar interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica ao art. 58 da Lei 6.015/73, de modo a reconhecer aos transgêneros que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormo-

10

REsp 1.626.739-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 09/5/2017.

11

Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pgr/copy_of_pdfs/ADI%204275.pdf/view>.


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nais ou patologizantes, o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil. Impedido o Ministro Dias Toffoli. Redator para o acórdão o Ministro Edson Fachin.

É importante destacar que esta ADI, também de autoria da Procuradora-Geral Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, foi ajuizada ainda no ano de 2009, antes mesmo das decisões do STJ acima mencionadas.

2.6 Criminalização da homofobia, transfobia, etc. Um dos compromissos fundamentais do Estado, em qualquer democracia, é proteger e defender as minorias. A própria democracia trabalha com base no princípio de que o poder supremo pertence ao povo e que o poder é exercido em nome dos “povos” por autoridades eleitas. O princípio mais comumente entendido da democracia é que quando uma questão, legislação ou eleição é realizada, o lado com o maior número de votos ganha: “regra da maioria”. Dito isto, para que uma democracia seja bem-sucedida, é importante compreender bem essa “regra”. Para que princípio majoritário não ultrapasse a linha tênue da tirania e da ditadura, é imperativo que as minorias sejam protegidas. Esse papel é do Estado. Cada setor da sociedade deve ter direitos iguais para que a democracia seja eficaz, um grupo minoritário deve ter oportunidades e direitos iguais para ter uma oportunidade igual. Para garantir que todos os setores da sociedade gozem de direitos e oportunidades iguais, a linguagem desempenha um papel fundamental; as palavras que dizemos e, talvez mais ainda, as palavras que não dizemos, podem ter um enorme impacto sobre como a sociedade evolui.


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É por essa razão que certas leis existem e devem existir. Voltemos 30 anos e foi legalmente proibido usar linguagem racista ao falar sobre certos grupos étnicos minoritários. A Lei Federal nº 7.716/1989 foi aprovada para criminalizar a linguagem racista e a sociedade avançou para melhor. Leis criminalizando uma ação impedem que aqueles que são racistas/ sexistas/homofóbicos sejam livres para agir e falar com preconceito (hate speech) e quanto menos preconceito vemos todos os dias, mais nossos próprios comportamentos mudam de acordo. É como a sociedade evolui. Não há diferença entre racismo e homofobia. Assim como um indivíduo não escolhe a cor de sua pele, não escolhe sua sexualidade. É com espanto que se observa o Congresso Nacional brasileiro omitir-se em sua responsabilidade, passando a responsabilidade de criminalizar a linguagem homofóbica à Suprema Corte. A Procuradora-Geral da República, Raquel Elias Ferreira Dodge, ofereceu denúncia em face de Deputado Federal como incurso nas penas do crime previsto no art. 20, caput, da lei 7.716/1989 por discurso preconceituoso, inclusive contra homossexuais. A denúncia deu origem ao Inquérito nº 4.694, de relatoria do Min. Marco Aurélio, sendo rejeitada em julgamento recente (11/09/2018) nos seguintes termos: A Turma, por maioria, rejeitou a denúncia, nos termos do voto do Relator, vencidos o Ministro Luís Roberto Barroso, que a recebia, parcialmente, em relação às ofensas aos quilombolas e aos homossexuais; e a Ministra Rosa Weber que, retificando seu voto, recebia a denúncia somente em relação aos quilombolas.

Encontra-se pendente de julgamento a ADO nº 26, ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS) para que se declare a mora do Congresso Nacional em criminalizar a homofobia e, até que cumprido este dever, seja utilizada a Lei Federal nº 7.716/1989 para repressão e punição das condutas.


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A manifestação do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, de cuja ementa destaco: Deve conferir-se interpretação conforme a Constituição ao conceito de raça previsto na Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, a fim de que se reconheçam como crimes tipificados nessa lei comportamentos discriminatórios e preconceituosos contra a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros). Não se trata de analogia in malam partem. O mandado de criminalização contido no art. 5º, XLII, da Constituição da República, abrange a criminalização de condutas homofóbicas e transfóbicas. A ausência de tutela judicial concernente à criminalização da homofobia e da transfobia mantém o estado atual de proteção insuficiente ao bem jurídico tutelado e de desrespeito ao sistema constitucional.

3 Conclusões A defesa da minoria LGBTI, sobretudo na atualidade brasileira de recrudescimento de discursos segregadores, precisa ser desempenhada pelo Ministério Público enquanto instituição constitucionalmente incumbida da promoção dos direitos fundamentais. A análise de decisões dos Tribunais Superiores leva-nos a concluir que nem sempre este “lado” é assumido pelo Ministério Público, uma vez que muitas das teses contra a minoria LGBTI tem sido agitadas pela instituição como, por exemplo, no caso judicial da adoção por casais homoafetivos, le-


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vado ao Superior Tribunal de Justiça pelo Ministério Público, que se manifestava contrariamente à possibilidade. De igual forma, consta-se que os posicionamentos do Ministério Público perante as referidas cortes de sobreposição, representado pela Procuradoria-Geral da República, tem sido progressistas e em conformidade com os anseios igualitários. Dentre as minorias discriminadas existentes (negros, mulheres, indígenas, pessoas com deficiência), sem dúvida, os LGBTI carecem de proteção, uma vez que os discursos discriminatórios não são combatidos pela legislação, o que os impulsiona, ainda mais, à margem de uma sociedade arcaica.

REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2012. BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. O Ministério Público e a Igualdade de Direitos para LGBTI: Conceitos e Legislação/ Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Ministério Público do Estado do Ceará. 2. ed., rev. e atual. Brasília: MPF, 2017. NEVES, Daniel Assumpção Amorim. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Editora Juspodivm, 2018. SARMENTO. Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014.



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MINISTÉRIO PÚBLICO ATUANDO EM CONJUNTO COM A RAPS NA SAÍDA DO LOUCO INFRATOR DO HCTP

IRENE CARDOSO SOUSA Titular da 48ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital, membro do GT Racismo do MPPE e do Grupo de Atuação em Execução Penal (GAEP), também do MPPE. Especialista em Direito Constitucional e especialista em Saúde Pública.


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RESUMO O objetivo deste artigo científico é verificar os mecanismos de atuação do Ministério Público na perspectiva do HCTP, seja no momento da internação, seja no da saída, considerando os ideais universais de direito à saúde mental. Essa atuação será analisada a partir da articulação com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para adequar o tratamento do louco infrator aos princípios constitucionais de direito à saúde e de cidadania garantidos pela Lei 10.216/2001 e Constituição Federal, explicitando também a orientação institucional interna entre as áreas criminais e de cidadania diante da situação de instauração de incidente de insanidade mental à luz da Lei Federal n°10.216/01 para garantia de proteção no território do louco infrator encarcerado.


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“A hora do encontro é também despedida.” Milton Nascimento e Fernando Brant Geralmente, o interno de uma instituição total (GOFFMAN, 2015, p. 11)01 não tem conhecimento das decisões quanto ao seu destino, mormente quando se trata de hospitais psiquiátricos. Nos casos dos manicômios judiciários, essa confusão não pertence apenas ao internado. Nesse espaço enleam-se um aparato de encarceramento e um serviço de saúde entontecidos da dimensão de seus papéis no cumprimento da medida de segurança, ora negando, ora transferindo poderes para não os assumir. Para a Justiça, o distanciamento do exercício da punição remonta à época em que o abominável teatro da execução-espetáculo deixava de ser exposto em praça pública e passava a ser confiado a uma burocracia: é pouco glorioso punir, como afirma Foucault (FOUCAULT, 1987, p. 13). Por outro lado, é significativo o aparato de médicos, psiquiatras ou psicólogos que “por sua simples presença ao lado do condenado, (...) cantam à justiça o louvor de que ela precisa: eles lhe garantem que o corpo e a dor não são objetos últimos de suas ações punitivas” (FOUCAULT, 1987, p. 14). Adotamos, para denominar manicômio judiciário, o termo Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, usualmente chamado de HCTP, como no Estado de Pernambuco, inobstante a denominação ineficaz em legislação local02 de 2016 como Centro de Saúde Penitenciário.

01

Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande

número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada. 02

Lei nº 15.755, de 04 de abril de 2016, que institui o Código Penitenciário do Estado de Pernambuco.


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Os profissionais da rede de saúde que estão nesse espaço do HCTP têm uma sensação de desorientação em relação à natureza dessa instituição, ao papel do judiciário, aos limites dos agentes penitenciários, à interferência da Secretaria de Ressocialização no que se refere às normas sanitárias como também em relação à Secretaria de Saúde no que se refere aos laudos que servirão a um processo penal. Para esse sistema judiciário e órgãos penitenciários, é estranho olhar o interno do HCTP – que tem um número de processo de execução e que muitas vezes se identifica com o número de seu prontuário de preso – como um paciente psiquiátrico, absolvido de uma pena, dentro de uma perspectiva de saúde e de políticas públicas em consonância com os princípios e diretrizes de uma reforma psiquiátrica que lhe soam bem distante do seu mister. Esse estranhamento recíproco – jurídico e saúde – resulta numa falta de consciência do que seja de fato o cumprimento de uma medida de segurança em um Hospital de Custódia, o que torna essencial pensar como seria o fim desse modelo HCTP. O norte há de ser sempre o fim do modelo manicomial mas, o existindo, como em Pernambuco, urge a necessidade atual de focar na saída do que hoje está privado de liberdade nessa instituição. Promotores de Justiça, juízes, defensores públicos, advogados, secretário de Justiça, secretário de ressocialização, agentes penitenciários, médicos clínicos, médicos psiquiatras, dentistas, enfermeiros, técnicos de enfermagem, farmacêuticos, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, professores, pedagogos, diretores, trabalhadores de coleta de lixo do município, fornecedores de insumos alimentícios da CEASA e, finalmente, carteiro, todos circulam no HCTP, que tem aspectos clínicos, sociais, pedagógicos, administrativos, de serviços públicos, cartoriais, repressivos e jurídicos. Para esse encontro, é imprescindível articulação. Homi Bhabha representa essa consciência das posições do sujeito em busca de articulação como entre-lugares:


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Esses entre lugares fornecem o terreno para a elaboração de estratégias de subjetividades - singular ou coletivo - que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria ideia de sociedade. (BHABHA, 1998, p. 20)

O livro 1984, de George Orwell, foi escrito em 1948 e na máxima ironia que o enredo trava começa com um trocadilho no título, que leva a uma aleatória data (1948-1984), da absurda distopia futurista em que o mais importante sempre será o passado: o que estava acontecendo em 1948. A humanidade queria respostas às atrocidades pelas quais tinha sido responsável, no dizer de Arendt, chamado de mal “absoluto”, porque já não podia ser atribuído a motivos humanamente compreensíveis. Nesse afã de como evitar a força destrutiva do próprio homem e a banalidade do mal era preciso novas garantias, mesmo que os Estados não expressassem diretamente sua adesão ao pacto. A preocupação pujante com novas práticas de genocídio levou o homem a querer compreender, ser crítico, exigir garantias ao próprio homem. Há muito do não dito no dito da Declaração Universal dos Direitos do Homem, um dizer sempre “a venir” e que é preciso um esforço de abertura ao totalmente outro para entendermos e compreender o texto normativo em um contexto eminentemente crítico. (VIEIRA, 2018, p. 385)

Entender a perspectiva da Declaração Universal dos Direitos da Humanidade significa dar um norte para superar a expectativa das leis infraconstitucionais que ainda possuem um caráter simbólico demasiado enfatizado frente a políticas públicas guiadas por princípios em que a saúde é um direito humano fundamental conforme declarado em 1948. A eficácia dessas nor-


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mas é um desafio, mas a relutância em aceitar a sua sincronização é o maior entrave a essas questões, principalmente quando se tem um peso de uma Lei de Execução Penal ou Código de Processo Penal como fontes primeiras. O eixo principal desse artigo são os entre-lugares de articulação nessas atuações de um Ministério Público que defende ideais universais de direito à saúde, no caso da saúde mental, que são forçosamente realizadas em conjunto com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para adequar o tratamento do louco infrator aos princípios constitucionais de direito à saúde e de cidadania garantidos pela Lei 10.216/2001 e Constituição Federal. Para tanto, imprescindível a atuação articulada do Ministério Público – através das áreas criminais e de cidadania – com a Rede de Atenção Psicossocial diante da situação de instauração de incidente de insanidade mental à luz da Lei Federal 10.216/01, que dá direito ao louco infrator de ter o mesmo tratamento e acesso a serviços da rede (preferencialmente municipal) de saúde mental oferecido ao portador de sofrimento mental não encarcerado. No caso de Pernambuco, sendo apenas um manicômio judiciário, localizado simbolicamente numa ilha, Itamaracá, ao receber pessoas da distante divisa com a Bahia, como Petrolina, ou da divisa com o Piauí, Araripina, distante a setecentos quilômetros, representa o oposto do que é a espinha dorsal do tratamento em saúde mental, que é o tratamento no território para a reinserção social almejada. Uma ilha também pode ser um mundo. A reforma psiquiátrica remonta aos anos 1950. Destacamos 1961, na Itália, quando o médico Franco Basaglia chega a Gorizia para dirigir o Hospital Psiquiátrico, e em 1970 a Trieste, cujo hospital foi, em 1973, considerado pela OMS como referência mundial em saúde mental. Pouco tempo depois, em 1978, todos os manicômios na Itália são fechados em decorrência da Lei 18003, ou Legge Basaglia. Menos os Hospitais Psiquiátricos Judiciários.

03

Lei 180/1978, da Itália.


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Em 2014, mais de 35 anos depois da última instituição manicomial ter sido fechada na Itália e diante da resistência do judiciário, é promulgada a Lei 18104 com medidas urgentes para fechar os Hospitais Psiquiátricos Judiciários que ainda resistiam no país à reforma psiquiátrica que serviu de modelo para muitos países e de campo de pesquisa para muitos estudiosos. Um dos aspectos importantes dessa lei foi a atribuição ao juiz de execução penal de adotar medidas que levassem em consideração a inserção do egresso do HPJ no território e algo que ainda não acontece no Brasil: o princípio de que o dinheiro segue o paciente. Explico, quando um leito de hospital psiquiátrico no Brasil é fechado, há uma destinação dessa verba que acompanha o paciente para os serviços de substituição do internamento, como residência terapêutica ou programas como o de Volta para Casa. No caso do interno que sai de um manicômio judiciário brasileiro, mesmo que permaneça longo período, não há inserção em programas dessa jaez, por que o HCTP não é considerado hospital e um leito não é fechado. A diferença permanece do lado de fora, pois o egresso do HCTP não tem o mesmo tratamento do que sai de um manicômio, a reforma psiquiátrica no Brasil também não olhou para o sistema prisional, tornado-o, mais uma vez, invisível mesmo às causas mais nobres. Nessa Lei italiana nº 181/2014 fica estabelecido que a duração máxima da medida de segurança não pode ser maior do que a pena para o crime (máximo padrão). Portanto, há um limite para extensões e uma suspensão das chamadas “penas de prisão perpétua brancas”. Esse traço inicial nos alerta para o quão é difícil falar em fim de espaços de custódia para tratamento psiquiátrico, em qualquer lugar do mundo. A reforma que iniciou processos de desinstitucionalização e desospitalização inicia no Brasil na década de 1980 na área da saúde, chegando ao judi-

04

Lei 181/2014, da Itália.


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ciário de forma contundente apenas recentemente, em 2016, quando o STF adotou o entendimento de limite máximo do tempo de cumprimento de medida de segurança no Brasil em 30 anos. Aspecto interessante dessa decisão é que a medida é tratada como pena, pois nesse caso, como em outros, o condenado que cumpre uma pena tem mais direitos que o absolvido por medida de segurança. Explico: ainda existia nos HCTPs casos de internos há mais de 30 anos, tempo de prisão máxima no País qualquer que seja o tempo de condenação – mesmo que ultrapasse 100 ou 200 anos de pena estabelecida em sentenças. Essa decisão do STF pôs em discussão o tão velado fim da medida de segurança condicionado à cessação de periculosidade. Para beneficiar uma pessoa em cumprimento de medida de segurança houve a necessidade de tratar essa medida como pena para lhe dar limite. Enquanto absolvição é mais dura que uma condenação. Urge desinstitucionalizar. Urge transpor o abismo da periculosidade. Para demonstrar essa atuação do Ministério Público, trazemos o recorte do momento do ingresso de um munícipio (sim, todo cidadão tem um território) no HCTP. Essa atenção está em conformidade com a posição da instituição – MPPE – de que o controle desse momento de ingresso ou institucionalização constrói dignamente a saída no território de origem sem a perda dos vínculos em que se estruturam os círculos sociais dos envolvidos na loucura e consequentemente reduzindo o tempo de institucionalização, muito maior quando não existe esse acompanhamento. Essas atuações são forçosamente realizadas em conjunto com a RAPS para adequar o tratamento do louco infrator aos princípios constitucionais de direito à saúde e de cidadania garantidos pela Lei 10.216/2001 e Constituição Federal. A imposição constitucional, tanto do fim dos manicômios judiciários, como a garantia de tratamento ambulatorial não podem mais ser negadas, ficando esse trabalho ora circunscrito ao tratamento, por nesse momento entendermos de ordem emergencial esse tema.


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No belo trabalho de defesa de políticas públicas em prol da inclusão laboral de pacientes psiquiátricos após a privação da liberdade, Correa e Oliveira esclarecem: Nesse sentido, a reforma psiquiátrica veio contribuir para o resgate da cidadania dos pacientes psiquiátricos, sendo ancorada em alguns princípios constitucionais, sobretudo a construção da autonomia, a emancipação e a inclusão social desses sujeitos. (...) Decorrente da reforma psiquiátrica e da proposta de desinstitucionalização, obteve-se uma flexibilização da lei com relação à medida de segurança, sendo possível pensar na substituição da internação pelo tratamento ambulatorial.

No contexto da Reforma Psiquiátrica, o Ministério Público passa à condição de atuante deste processo, saindo da inerte posição de apenas ser o órgão procurado pelas famílias para promover uma internação em momento de crise ou de atuar em denúncias, incidentes ou processos de execução. Em todos esses casos pode orientar o acesso aos serviços de saúde e cidadania. O Ministério Público torna-se, na atualidade, parceiro na busca de uma efetiva rede de atenção à saúde mental, capaz de dar uma resposta às demandas do usuário e da família, e, para tanto, necessita estar articulado com a Rede de Atenção Psicossocial do território do usuário ou interno ou egresso ou simplesmente do mais que estigmatizado louco infrator. Por sua vez, um fluxo institucional efetivo entre RAPS e Ministério Público pode garantir o incremento das ações territoriais e comunitárias de saúde mental, seja na capacitação dessa rede no que se refere a noções jurídicas de medida de segurança, incidente de insanidade mental, processo de execução e papel do HCTP no contexto do sistema prisional. Alertando que, na saída do interno do HCTP, essa rede há de articular o usuário para os


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Centros de Atenção Psicossocial, Serviços Residenciais Terapêuticos, Programa de Volta para Casa, ambulatórios, atenção básica e outros serviços de saúde mental do município. Apesar de o interno estar momentaneamente sob medida de segurança no HCTP, ele não deixa de ser paciente e vai voltar ao município de origem quando for extinta a medida. Analisa-se a atuação em conjunto do Ministério Público – áreas criminais e de cidadania – com a Rede de Atenção Psicossocial para adequar o tratamento do louco infrator aos princípios constitucionais de direito à saúde e de cidadania, cuidando, assim, da porta de entrada do HCTP até a decretação e extinção da medida de segurança, ou seja, a saída da instituição total e o retorno do munícipe ao serviço de saúde mental do território determinado pela Vara de Execuções Penais. Ao final, verifica-se que a falta desse serviço coloca em risco a permanência do louco infrator na instituição, longe do território, sem prazo determinado, mais do que uma prisão perpétua. Temos como intuito verificar se é possível aproximar institucionalmente esses órgãos de atuação a partir da definição do papel de cada um na política pública de saúde mental para que os encaminhamentos a serem feitos sejam voltados para uma ação integral de proteção ao usuário da saúde mental, de forma a aperfeiçoar o atendimento de cada um, diminuindo os casos de intervenções errôneas e encaminhamentos desnecessários ao HCTP a partir do conhecimento do sistema judiciário e da rede territorial de saúde mental, mormente nas audiências de apresentação de custódia recém-implantadas. Para entender melhor esse engessamento, cumpre entender o que seja medida de segurança e quais mecanismos jurídicos a mantém e por que kafkaniamente parece não ter fim. Na Itália foi amplamente divulgado que no dia 31 de março de 2015 todos os hospitais psiquiátricos judiciários foram fechados05. A Lei 181/2014 previa o dia 31 de maio de 2015. Ocorre que a im-

05

Conforme matéria do jornal italiano La Reppublica, publicada em 17 de maio de 2016. Acesse:

<http://www.repubblica.it/solidarieta/diritti-umani/2016/05/07/news/manicomi_criminali_a_che_punto_ siamo_-139295925/>.


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prensa recentemente denunciou que ainda restam 4 Ospedali psichiatrici giudiziari, detti pure manicomi criminali (Opg), quais sejam Piemonte, Veneto, Toscana e Abruzzo, para não falar na Lombardia, que transformou o manicômio judiciário em Residência Terapêutica para 200 ex-internos, correndo o risco de os submeterem a uma nova lógica manicomial sem grades. Uma residência terapêutica com 200 pessoas não é um lar, é uma instituição total. A configuração do HCTP não foge à tão denunciada situação do encarceramento em massa de presos provisórios. São 374 homens, sendo 164 em cumprimento de medidas de segurança e 209 que estão presos provisoriamente, sem sentença. É uma instituição mista, com 28 mulheres, sendo 10 provisórias. Em 2015, quando assumi a promotoria de execução penal, da lista dos que não tinham medida de segurança constava, entre mais de uma centena, JAS, que chegou ao HCTP no ano de 2009, e que aguardava decisão judicial de uma cidade distante apenas 150 km de Itamaracá. Mas contundente, era um interno desde 2001, LSA, também sem medida de segurança, que obteve Habeas Corpus em 2015. Todos os outros 122 estavam há mais de um ano sem medida de segurança, internos no HCTP sem poder fazer evolução no laudo. Em 15 de abril de 2015, faleceu o paciente José Fernandes Alexandre da Silva, um dos que estavam sem medida de segurança desde 2012 no HCTP, oriundo da Comarca de Pombos. Segundo relatório da defensora pública, Carolina Khouri, apresentado na audiência pública de maio de 2016: Um dos casos emblemáticos foi o vivenciado pelo Sr. Petrônio Juarez Lima de Araújo Filho, que cumpriu integralmente, dentro do HCTP, a pena que lhe foi aplicada em abril de 2006. A declaração de extinção da pena e consequente ordem de libertação somente veio a ser efetuada pelo Juízo competente em novembro de 2012. Nem mesmo assim o sr. Petrônio foi libertado e, em dezembro de 2015, veio a óbito dentro da unidade. Em inspeção no dia 13 de abril de 2015 constatamos in loco a presença de apenas três agentes penitenciários na unidade, dois na segurança e um no


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administrativo, pois a SERES tinha deslocado dois agentes para fazer custódia hospitalar da unidade prisional de Barreto de Campelo. A ausência constante de numerário suficiente implicava diretamente no tratamento dos pacientes, pois ficou constatado que, na ausência de agente para acompanhar os enfermeiros, havia medicamentos que eram aplicados com o paciente dentro da grade, com as calças abaixadas e a injeção dada pelo lado de fora das grades. Além do mais, com a falta de agentes havia todo um pavilhão com 17 internos sem banho de sol há três meses. A direção da unidade, através da recém-chegada dra. Reviane Bernardo, providenciou o banho de sol duas vezes por semana no Pavilhão São Francisco, e a ordem que os agentes pudessem acompanhar os técnicos de enfermagem na aplicação de medicação. A diretora fez uma belíssima atuação. O pavilhão São Francisco, local de triagem do HCTP, estava lotado porque nessa época havia laudos atrasados de até dois anos, sendo iniciado com a SERES a discussão sobre contratação de laudistas para colocá-los em dia, e de fato esse ser um local de triagem e trânsito. Foi realizada audiência com os médicos laudistas. A cobrança para serem realizadas em 45 dias resultou na contratação de cinco laudistas em julho de 2015, que zeraram laudos e relaudos dos internos. Hoje já estão fazendo réus soltos, cumprindo os 45 dias determinados por lei, muito longe do caos anterior. Outro problema gravíssimo, ainda constatado em inspeções, era a quantidade de refeições servidas no HCTP. Apenas três. Sendo que a última, o jantar, é em torno de 17 horas e a próxima, o café, só às 6 horas da manhã. Para uma população que toma remédios controlados e fortes, esse problema há de ser dimensionado até para entender a fome e a relação de surtos noturnos. Em razão da falta de agentes penitenciários não foi possível manter a implementação de uma ceia como quarta refeição, que foi servida por um tempo e hoje está suspensa. Então o que o profissional da rede psicossocial há de saber sobre medida de segurança?


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A primeira estranheza é quanto aos diversos termos dos processos: doente mental, portador de transtorno mental, usuário, paciente, cliente, interno, internado, custodiado, pessoa em cumprimento de medida de segurança, pessoa com transtorno mental, pessoa com transtorno mental em conflito com a lei, pessoa portadora de sofrimento mental que viola a lei ou simplesmente, como tem sido adotado no âmbito do Ministério Público, o termo louco infrator. Segundo o artigo 26, caput do Código Penal “é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. A distinção reside, portanto, unicamente, nas consequências: os imputáveis estão sujeitos à pena, os inimputáveis, à medida de segurança. Entendendo o caráter ilícito do fato, a pessoa que pratica algo ilícito pode ser condenada. As pessoas portadoras de algum tipo de sofrimento mental são submetidas a laudos para saber a possibilidade ou não desse entendimento, e, caso tenham algo impeditivo desse entendimento, não serão responsabilizadas, ocorrendo o que se chama de absolvição imprópria porque a elas são impostas medida de segurança ou tratamento ambulatorial, baseando-se na escolha a periculosidade do agente. É o que preconiza o art. 97, §1º do Código Penal: Art.97, §1º. A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

Em livros de psicologia jurídica, como o de Fiorelli e Mangini, a temática já é abordada à luz de princípios constitucionais de defesa à saúde:


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O tempo terapêutico não possui duração determinada, como nos casos das penas de reclusão, porém, ressalte-se que a atenção à saúde do portador de sofrimento mental, quer seja daquele que viola as disposições legais, quer seja da pessoa que não as viola, requer que a intervenção se dê no âmbito da rede pública de saúde. Assim, com o advento da lei nº 10.216/01, que trata da reforma psiquiátrica e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, estariam também as instituições penais destinadas a realizar tal intervenção, os denominados manicômios judiciários, obrigadas a desinternar seus pacientes, encaminhando-os para os serviços públicos, constituídos na rede extra-hospitalar preferencialmente, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Foi realizada, no dia 08 de agosto de 2017, a oficina Noções básicas de medidas de segurança no processo de desinstitucionalização do HCTP, transmitida por videoconferência a partir da sede da Procuradoria-Geral de Justiça, na Capital, para os 12 polos da Rede de Videocolaboração do Núcleo de Telessaúde da Secretaria Estadual de Saúde. A participação da RAPS foi pontuada em todos os polos, principalmente na capital. A oficina foi coordenada pela 21ª promotora de Justiça de Execuções Penais abordando noções básicas sobre as medidas de segurança no processo de desinstitucionalização do interno para promover um relacionamento mais efetivo entre Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e o Sistema Judiciário, visando ao incremento das ações territoriais e comunitárias de saúde mental. A defensora pública Ana Carolina Khouri trouxe na sua explanação a Recomendação nº 35/2011, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre as diretrizes a serem adotadas em atenção aos pacientes


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judiciários e a execução da medida de segurança, já bem alinhada à Lei nº 10.216/2011. Também falou sobre a necessidade de o município assumir a responsabilidade por esse cidadão, que “está momentaneamente no HCTP mas vai voltar para o município, e muitas vezes é internado lá por ausência de uma rede de saúde mental estruturada”. Ao final, foi aberto um espaço de perguntas para que os participantes dos 12 polos da Videoconferência compartilhassem as dúvidas ou ideias com a mesa, bem como soluções para os desafios da volta de um ex-interno do HCTP para a Rede da Saúde Mental do município de origem. O que o promotor de Justiça há de saber sobre rede territorial de atendimento psicossocial? Os autores Carolina Valença Ferraz e Glauber Salomão Leite, ao comentarem o Estatuto da Pessoa com Deficiência ressaltam a mudança de pensar a deficiência centrando apenas no indivíduo, desobrigando o Estado e a sociedade de assumirem qualquer dever a esse respeito: “Como reflexo, as respostas do Poder Público vinham na forma de medidas puramente assistencialistas e caritativas, longe de reconhecer a pessoa com deficiência como sujeito de direitos”. O primeiro norte do promotor de Justiça deve ser no sentido de entender que a ordem do cuidado do portador de transtorno mental não coloca mais a família como a primeira responsável. Quem tem família estruturada geralmente não recorre à malha judiciária para resolver seus problemas. O problema é a falta de condições de apoio da família que move as questões de intervenção necessárias do órgão ministerial. O Estatuto da Pessoa com Deficiência assim define: Art. 8o É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à pater-


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nidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.

A ordem é Estado, sociedade e, só depois, a família. Farol de Alexandria iluminando os caminhos e decisões a serem tomadas. Quem substitui nosso velho conceito de individualidade? A rede territorial de saúde mental ou RAPS. Nessa rede, o espaço dos hospitais psiquiátricos e, por conseguinte, dos HCTPs é residual e deve ser buscado em último caso, conforme art. 4º da Lei nº 10.216/2001. Segundo o professor Breno Fontes e a professora Eliane Fonte, ambos da UFPE, a rede é necessária porque o acesso a recursos de apoio social influi diretamente na capacidade de enfrentamento do sofrimento psíquico: A compreensão de como operam as sociabilidades das pessoas com transtorno mental deve ser processada a partir de uma primeira constatação: que o sofrimento psíquico provoca efeitos devastadores sobre as sociabilidades, seja por causa de questões ligadas diretamente à doença(estados de desânimo ou melancolia, surtos psicóticos, perdas cognitivas), seja por conta do estigma inscrito na condição de louco, aquele


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que é perigoso, inconveniente, que não consegue estabelecer padrões adequados de convivência porque o seu estado o impede de estabelecer padrões de conduta aceitáveis e normais. Destarte, talvez o efeito mais perverso do sofrimento psíquico seja o que Goffman (1996) chamou de “morte social”: o isolamento, a exclusão e o estigma agindo de modelo perverso, retroalimentado constantemente um sistema devastador que implica em um cotidiano pobre e cada vez mais desprovido de possibilidades de mudança.

A geografia social faz tecer laços dos mais diversos. No território. Passando por esses entre-lugares, e diante de uma emergência – todo emergir é um estado de vir à tona –, em 2015 o MPPE formulou uma estratégia simples de realinhar internamente a atuação do promotor de Justiça dentro do desafio normativo de superar o Código Penal e tratar o louco infrator à luz dos princípios de saúde mental, principalmente os de tratamento no território e de reconhecimento da loucura como questão de saúde pública e de assistência social. Uma recomendação. À época, à frente da 21ª PJ Criminal, estava o então coordenador do CAOP Cidadania, Marco Aurélio Farias da Silva, que traçou as linhas de uma recomendação a ser expedida pela instituição. A intenção talvez fosse a de refletir a situação que nos idos de 2013 ainda se repete, para daí produzir formas de intervenção na atuação do promotor de Justiça norteado, sempre, pelos princípios constitucionais. Foi expedida a Recomendação PGJ nº 03/2013 com o propósito organizacional de ir além da lei, para depois a ela retornar dentro dos princípios temporais da reforma psiquiátrica, e, fora do lugar do crime, encontrar com a RAPS. Ainda, segundo Bhabha, “o espaço intermédio do além torna-se um espaço de intervenção no aqui e no agora”. Os diplomas legais, ainda atuais, embora não plenamente atingidos, são


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de ordem jurídica e de saúde, desde a Constituição Federal, na garantia da saúde, em seus artigos 6º e 196, como a Lei de Execução Penal até a Lei Federal nº 10.216/2001, que redireciona o modelo assistencial em saúde mental, priorizando o modelo de tratamento comunitário, como a Lei Estadual nº 11.064/94, que estabelece a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos de Pernambuco pela rede de atenção integral à saúde mental. Não discutiremos a natureza do HCTP, se hospital ou prisão, posto que reconhecidamente a segunda opção se sobrepõe na prática, e é o que vem à tona. Entre vários considerandos, o último norteia o recomendado aos membros do Ministério Público de Pernambuco, no exercício das atribuições na Promotoria de Justiça Criminal quando da manifestação de pedido de instauração de incidente de insanidade mental ou de transferência de pessoa presa para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico: CONSIDERANDO que atualmente várias pessoas não conseguem sair do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico por não terem vínculos familiares e necessitarem do apoio da rede de saúde mental, porém os seus municípios de origem não contam, ainda, com a política de saúde mental em pleno funcionamento, especialmente pela ausência de centro de apoio psicossocial e residências terapêuticas;

A esses promotores criminais fica a incumbência de comunicar às Promotorias de Justiça de Cidadania todas as vezes que se manifestarem sobre instauração de incidente de insanidade mental ou transferência de pessoa presa para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou todas as vezes que tomarem ciência em guia de internação, o nome e a qualificação completa da pessoa acusada em processo criminal ou internada, anexando cópia dos documentos que fundamentaram o pedido e cópia da mencionada


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guia de internação. Também ao promotor criminal é incumbido o mister de, na atuação do processo de conhecimento e de execução, implementar, dentro de suas atribuições legais, as políticas antimanicomiais, conforme sistemática da Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001. Aos membros do Ministério Público de Pernambuco, no exercício das atribuições na Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania é recomendado que: oficiem ao Serviço Único de Saúde (SUS), especialmente o distrito sanitário do domicílio da pessoa acusada, para que remeta ao Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico todas as informações pertinentes à pessoa acusada, para fins de continuação de tratamento da saúde mental, bem como visando fornecer melhores elementos para a elaboração da perícia de existência, ou não, de periculosidade; oficiem ao Serviço Único de Assistência Social (SUAS), especialmente o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), para que elabore pareceres psicológico e social da pessoa acusada, remetendo o mencionado parecer ao serviço social do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, promovendo o levantamento dos principais laços familiares da pessoa acusada, visando a subsistência desses, como forma de garantir a reintegração social, de tudo dando ciência à Promotoria de Justiça oficiante; diligenciem, no âmbito do município onde exerçam as suas atribuições, para identificar o pleno funcionamento dos serviços de saúde mental, conforme a sistemática da Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, além das Leis Estaduais nº 11.064, de 16 de maio de 1994, que dispõe sobre a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por rede de atenção integral à saúde mental, regulamenta a internação psiquiátrica involuntária, e Lei Estadual nº 14.561, de 26 de dezembro de 2011, que institui, no âmbito do Poder Executivo, a Política Estadual sobre Drogas, especialmente para verificar a existência e funcionamento adequado dos Centros de Assistência Psicossocial (CAPS), em suas diversas modalidades, bem como sobre os mecanismos de assistência hospitalar (municipal ou regional) à disposição


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da população, nas modalidades adequadas ao município, inclusive para promoção da assistência à saúde das pessoas usuárias de álcool e outras drogas, hospitais de referência, dentre outros; solicitem, junto à Promotoria de Justiça Criminal, cópias das guias de internação expedidas, para a preparação e acompanhamento do retorno das pessoas internadas no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ao município de origem. Ambos crime e cidadania hão de andar lado a lado quando a temática for saúde mental a fim de superar essa divisão tradicional e até polarizada na prática ministerial. Como referencial prático e ilustrador de excelência na aplicação dessa Recomendação, podemos citar a 6ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania de Jaboatão dos Guararapes, cuja titular, Isabela Rodrigues Bandeira Carneiro Leão, montou um fluxo de atuação quando acionada pelo promotor de Justiça Criminal (seja da Central de Inquéritos ou da Vara Criminal), após a instauração do incidente de sanidade mental e ingresso no HCTP do munícipe jaboatonense. De início são feitas comunicações à rede SUAS (CRAS e CREAS), além de ofícios à rede de saúde mental. Em caso de necessidade de mais informações também é oficiado o promotor de Justiça Criminal do processo solicitando cópias da guia de internação. Todo o fluxo visa acompanhar o retorno das pessoas internadas ao município de origem. Muito embora o fluxograma possa parecer ter um caráter individual, o fim precípuo é investigar o pleno funcionamento da rede de saúde mental, buscando a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos, especialmente para verificar o adequado funcionamento dos CAPS. A rede SUAS fica responsabilizada de formular pareceres psicológico e social da pessoa internada com fins de localização de laços familiares como forma de garantir a reinserção social. Depois é enviado um relatório ao HCTP para auxiliar o tratamento e elaboração da perícia. Um dos casos acompanhados tinha como internado um rapaz surdo que agrediu a mãe


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e, em decorrência da Lei Maria da Penha, foi aplicada a medida protetiva. Ocorre que a mãe, além de fragilizada, foi impedida de ver o filho no HCTP, até que a medida fosse contestada pela Defensoria Pública, pois a lógica de proteção estava invertida. Com a intervenção da promotora de Justiça de Jaboatão, e, após acionamento do CREAS, CRAS e CAPS, foram tomadas medidas para dar suporte psicológico à mãe, escolhido um novo parente, no caso o pai, que teria melhores condições de recebê-lo, também foi orientado de como poderia solicitar benefícios. Assim, dez meses depois de internado, após laudo de inimputabilidade, o usuário tinha a família à sua espera na saída do HCTP, caso raro em casos de violência doméstica, mesmo com portadores de transtornos mentais. Essa é uma história. De Jaboatão dos Guararapes, poderia ser de qualquer lugar. No agreste, mais precisamente na cidade de Arcoverde tivemos outro caso. A 2ª Promotoria de Justiça de Arcoverde, através de sua atuante titular Ericka Garmes Pires Veras recebeu ofício oriundo da 21ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital para acompanhar o retorno de egresso do HCTP à Cidade de Arcoverde, em razão do que foi instaurado o procedimento nº 2705423/2017, para a adoção das providências necessárias. Em paralelo a isso, a irmã apresentou notícia de fato, dando conta de que o paciente, um jovem senhor nascido em 1982, portador de doença mental, egresso do HCTP, foi encaminhado à noticiante, pelo CAPS II Arcoverde. Aduziu que, além de não ter condições de assumir a responsabilidade do interditando, por ter uma filha de apenas dois anos e cuidar da genitora idosa e doente, foi vítima de abusos sexuais praticados pelo irmão, não tendo qualquer vínculo afetivo com ele. Asseverou também que registrou ocorrência na Delegacia de Polícia, para prevenir eventual responsabilidade. Ainda, disse que o irmão foi criado por uma tia já falecida e que não havia outros parentes que quisessem ou poderiam cuidar dele. Em seguida, o CREAS Arcoverde encaminhou relatório circunstanciado, informando que o usuário foi visto


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pelas ruas, bastante desorientado, sem qualquer documento, em estado de abandono, em razão do que a promotora de Justiça indicou a possibilidade de sua inserção em residência terapêutica, na Cidade de Ibimirim/PE, medida não providenciada pelo serviço à vista da notícia de falta de vagas. Não satisfeita com as respostas e para chegar a uma resolução a promotora realizou reunião com a rede de proteção do Município de Arcoverde, representada pela Secretaria Municipal de Assistência Social e CREAS Arcoverde quando foram solicitadas informações complementares, além da indicação de medidas que se afigurassem adequadas ao caso, para a adoção de providências a cargo do Ministério Público. Relatório complementar do CREAS Arcoverde informou que o egresso do HCTP, com histórico de várias internações psiquiátricas, foi trazido para a Cidade de Arcoverde, após desinternação, porque a irmã comprometeu-se a acolhê-lo sob sua responsabilidade. Porém, ao chegar na casa da irmã, ela recusou-se a recebê-lo. Desde então ele estava pelas ruas, sem qualquer documento, em estado de abandono, sujeito a uma série de violações de direitos. Encaminhado ao CAPS, foi submetido a exame por médico psiquiatra, que atestou que ele era portador de esquizofrenia paranoide, era inteiramente incapaz para os atos da vida civil, devendo, pois, ser encaminhado para residência terapêutica na Cidade de Ibimirim/PE. Consta dos autos que o encaminhamento não foi realizado à vista de anterior notícia de ausência de vagas. O único documento localizado foi a certidão de nascimento do interditando. Não havia notícia de bens, rendimentos ou direitos do requerido. Diante da necessidade de regularização da situação jurídica, a promotora de Justiça ingressou com ação para a decretação de interdição e nomeação de curador, além de atuar na abertura de vaga numa residência terapêutica. Dos autos consta um ofício oriundo da Secretaria de Assistência Social de Arcoverde informando que estava atuando em conjunto com a Secretaria de Saúde, o que demonstra o compromisso da rede no território mais abrangente.


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De Jaboatão, do Cabo, de Arcoverde, para além dos lugares passamos por relações e pessoas comprometidas. Milton Santos afirmava que cada lugar é, à sua maneira, o mundo. É necessário considerar as relações desse mundo ou desse lugar “através de um processo de incessante interação”. Um lugar carrega em si o mundo, ou, como se diz em relação aos manicômios (ou uma prisão ou qualquer instituição total), basta conhecer um que se conhece a todos. John Foot, docente de história contemporânea italiana, biografa Franco Basaglia e relata a psiquiatria radicada na Itália entre 1961 e 1978, descrevendo Gorizia, primeiro manicômio administrado por Basaglia, como um campo de concentração: Gorizia era, come tutti i manicomi italiani, un autentico lager. Il maicomio di Gorizia era un’istituzione buia e sinistra, una discarica per i poveri e i “devianti”, un luogo di esclusione. Come nella maggioranza dei manicomi italiani dell’epoca, col tempo si era sviluppata un’architettura della contenzione e dell controllo, com gabbie per i paziente più agitati e letti bucati per consentire a chi vi stava legato a defecare.

Nessa rotina faremos uma breve exposição do que o MPPE tinha de visão compartimentada do HCTP. Longe do espaço, em suas salas de reunião, ao MP não cabe o benefício da afetividade, mas pode ao receber uma gama de atores sociais tecer relações densas e infinitas de informações. Mais uma vez se quer o encontro. Para tanto, em 2015, foi instaurado do Inquérito Civil nº 001/05-2015, que tinha como objetivo investigar as condições de saúde dos internos do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Itamaracá, o único no Estado de Pernambuco, instaurado pela 21ª Promotoria de Justiça Criminal de Recife, com atuação perante as unidades prisionais da 1ª Vara Regional de Execução Penal. A portaria foi instaurada de ofício, em razão da


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recente assunção ao cargo (janeiro de 2015) e início de investigações quanto ao tratamento de saúde do HCTP. Após várias inspeções realizadas no HCTP e reuniões com os agentes públicos de saúde ligados à gestão pública sobre questões atinentes à aplicação da Lei 10.216 e suas implicações no tratamento terapêutico, verificou-se que não estava formatada uma agenda pública institucional sobre três problemas de ordem gravíssima: um que é a desinstitucionalização de pacientes que já estavam desinternados, mas permaneciam na unidade; o segundo que era a falta de equipe para implementação de terapias individuais/singulares; e o terceiro, a medicação, sua forma de uso e o tipo. Ao final do procedimento, quando do seu arquivamento, surgiu a necessidade de fazer a discussão dos motivos pelos quais a SERES ainda detém toda a estrutura de saúde do sistema prisional, avaliar as responsabilidades e autonomia da secretária de saúde estadual, assim como os processos de municipalização. Também foi verificada a possibilidade de abrir procedimento específico para acompanhar o retorno das unidades prisionais para o SUS, para isso foi encaminhado ofício às promotorias de saúde da capital indagando se essa competência é da promotoria de saúde, para não haver conflito de atribuição. Foi oficiado o CAOP Saúde solicitando que o HCTP e demais unidades do sistema prisional fossem incluídos no projeto ministerial de atenção básica à saúde. No que se refere à previsão orçamentária de uma equipe denominada EAP, nos mesmos moldes das equipes de apoio ao PSF, com verba de 66 mil reais ao mês, o que facilitaria a articulação da rede de saúde mental, e suas implicações ao serviço de saúde do HCTP no que se refere a pacientes que estão distantes do território, mas têm que vir ao HCTP, por exemplo Petrolina, inclusive serviria para fazer os laudos nesses lugares, evitando deslocamentos desnecessários e caros para o Estado. A criação dessas equipes não foi implementada, para tanto também urgia encaminhamento à promotoria


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de saúde da capital, pois trata-se de política de saúde pública a nível estadual. Também era preciso dimensionar a necessidade de uma alimentação diferenciada aos internos do HCTP a ser considerada em pareceres técnicos, como salientado, e abertura de um procedimento para acompanhar as necessidades nutricionais do interno. Foi solicitado, ainda, um pedido de sensibilização aos CAOP Cidadania e Saúde, para efetivação da Recomendação do PGJ n.º 005/2013, de atuação em conjunto das promotorias de saúde e cidadania quando o promotor de Justiça criminal instaurar incidente de insanidade mental, para que se controle a porta de entrada do HCTP, sugerindo que sejam observados os exemplos das promotorias do Cabo de Santo Agostinho, de Arcoverde e de Jaboatão dos Guararapes. Também foram oficiados os demais promotores de Justiça de Execução Penais, alertando quanto à necessidade de presença de psiquiatras nas unidades em consonância com a implantação da equipe mínima conforme preconizado na Portaria 482 de 1º de abril de 2014, que institui normas para a operacionalização da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), pois essa garantia diminuiria o encaminhamento de pessoas privadas de liberdade que sem tratamento psíquico muitas vezes eram encaminhadas ao HCTP fora do padrão do laudo de insanidade mental. Ainda segundo Milton Santos “No lugar cooperação e conflito são a base da vida em comum”. Prédio da Suassuna. Lugar de cooperação e conflito. Sempre. Assim foram realizadas várias audiências para num espaço entender outro espaço e, quem sabe, olhar para o futuro dentro de uma visão transdisciplinar seguindo os ensinamentos de Alvino Augusto de Sá, que defende práticas institucionais para além da comunidade científica, para aproveitar a “rica experiência oriunda das práticas penitenciárias dos demais profissionais”:


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A interdisciplinaridade, enquanto constitutiva da criminologia clínica, é condição essencial de sua existência e de seu desenvolvimento. A interdisciplinaridade é condição essencial da interlocução significativa dos técnicos entre si, no dia a dia de sua prática profissional. Já a transdisciplinaridade, além de ser condição obrigatória de interlocução significativa dos técnicos entre si, é condição essencial da interlocução significativa entre os técnicos e os demais profissionais do presídio e a população carcerária e, por fim, da interlocução significativa entre o cárcere e a sociedade.

Não existe mais lá dentro quando se fala em presídios. A inquietude que levou a este artigo pode ser refletida nesse pensamento de Bhaba (1998, p. 48), que defende a troca discursiva dialógica e a importância do espaço da escrita: “A pergunta ‘O que deve ser feito?’ tem de reconhecer a força da escrita, sua metaforidade e seu discurso retórico, como matriz produtiva que define o ‘social’ e o torna disponível como objetivo da e para a ação”. Falamos do cuidado na porta de entrada, para garantir a saída. Cumpre agora falar da porta de saída depois de anos de institucionalização, no exemplo que ora tocamos, uma pessoa que passou 33 anos no HCTP. Em 2017, no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, estavam, no processo de desinstitucionalização, 57 usuários, sendo que 37 têm indicação de residência terapêutica e 20 de retorno à família. São pessoas que não estão mais em cumprimento de medida de segurança. Transitam entre a responsabilidade da Justiça e da Saúde. Hoje, mais da Saúde do Estado do que da Justiça. A titular da 3ª Promotoria de Justiça de Cidadania do Cabo de Santo Agostinho, Janaína Bezerra Sacramento, ao tomar conhecimento, pela pro-


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motoria de execução penal, que o munícipe internado há mais de 30 anos no HCTP precisava da RAPS para ser desinstitucionalizado, abriu procedimento para verificar e acompanhar a atuação da rede, quando então foi garantida uma vaga na residência terapêutica que estava por abrir no município. O Cabo de Santo Agostinho assumiu sua responsabilidade, pois a família já tinha perdido o laço de sociabilidade afetiva com o egresso. Dois anos depois de aberto o procedimento, o usuário retornou para o seu município em um novo lar. 33 anos no HCTP. Em todos esses relatos, há o encontro do promotor criminal com o promotor da cidadania, além da solidariedade institucional, o verdadeiro encontro que se queria promover era o do entendimento de crime com a loucura, no sentido psicopatológico, enquanto necessidade de tratamento e de inserção na rede saúde mental do território do louco infrator, não era só caso de polícia a findar numa denúncia. Haveria de sair da casualidade do destino, que é decidido na rotina de quem possui transtorno mental e, em situações de crise e urgência, é encaminhado para o Hospital ou para o HCTP por quem chega primeiro, o SAMU ou o camburão. A diferença não é simplesmente casual, ela é o símbolo de como a questão dos motivos do sofrimento presente e do risco que traz é desviado da saúde e encaminhado ao judiciário, travestido de ocorrência policial. Por fim, urge sonhar com o fim do manicômio judiciário. Antes da conclusão deste artigo havia uma torcida para que o queniano Ngũgĩ Wa Thiong’o, autor de Grão de Trigo e Sonhos em Tempo de Guerra, primeiro volume de suas memórias, ganhasse o Nobel de Literatura. Como apresentado pela editora: “Sonhos em tempo de guerra é, sobretudo, uma defesa do direito humano de sonhar mesmo no pior dos tempos”. Desse livro, fica o registro de histórias contadas a um menino, nos idos de 1954, que de ouvinte maravilhado passou a narrador ainda na adolescência, e como essa descoberta modificou sua vida na distante Limuru, em África:


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Divergências entre os narradores dividiram a multidão em grupos menores de três, quatro ou cinco pessoas ao redor de um narrador com sua própria perspectiva acerca do que ocorrera naquela tarde. Vi-me deslocado de um a outro grupo, catando fragmentos aqui e ali. Gradualmente ajuntei os fios da história, e uma narrativa do que prendia a multidão surgiu, uma cativante história sobre um homem anônimo que fora detido próximo às lojas indianas. (...) Eu ouvira histórias similares sobre os guerrilheiros de Mau Mau, em particular de Dedan Kîmathi; mas no caso, até aquele momento, a mágica ocorrera muito longe, em Nyandarwa e nas montanhas do Monte Quênia, e os relatos nunca foram contados por alguém que fora testemunha ocular. Mesmo meu amigo Ngandi, o mais informado contador de histórias, nunca disse que havia de fato visto quaisquer das ações que descrevera tão graficamente. Adoro ouvir, mais do que contar, antes ou depois da refeição. Da próxima vez que encontrasse Ngandi, eu talvez pudesse apresentar uma história própria.

Quiçá ao celebrar 70 anos da Declaração dos Direitos dos Homens seja preciso ir além do próprio homem como enfatiza Ribas: Parece um caminho sem volta que deve influenciar também o Direito Internacional. Anuncia-se o fim do próprio do Homem e reconhece-se uma estreita ligação entre o Homem e o absolutamente outro, como todos os demais viventes. Essa influência marcará uma nova civilização em cujos laços de fraternidade e de alteridade serão ainda mais fortes, rompendo também


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a lógica neoliberal de apropriação e acumulo excessivo de bens materiais. Quiçá em tempos menos sombrios. Quiçá celebrando essas alianças ou amizades políticas como denomina Foucault.

REFERÊNCIAS AITH, Fernando. VIVAS, Marcelo Dayrell. Direito à saúde e à proteção a pessoas com transtorno mental: como os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos tutelam a saúde mental a partir da declaração universal dos direitos humanos. In: Direitos humanos e vulnerabilidade e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Santos: Editora Universitária Leopoldianum, 2018. ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. BRETAS, Marcos Luiz. COSTA, Marcos. SÁ, Flávio Neto. MAIA, Clarissa Nunes. História das Prisões no Brasil. Volumes I e II. Rio de Janeiro: Anfiteatro, 2017. COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas. A saúde mental de infratores presos numa unidade prisional da cidade de Salvador. In: COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas. CARVALHO, Milton Júlio Filho. Prisões numa abordagem interdisciplinar. Salvador: EDUFBA, 2012. FIORELLI, José Osmir. MANGINI, Rosana Ragazzoni. Psicologia Jurídica. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017.


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VIEIRA, José Ribas. SILVA, Diogo Bacha e. Direitos do Homem: A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e os Confins do Homem. In: 70º aniversario de la Declaración Universal de Derechos Humanos: La Protección Internacional de los Derechos Humanos en cuestión. Valencia: La editorial tirant lo blanch, 2018.



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O MINISTÉRIO PÚBLICO NA PROMOÇÃO DO DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE URBANO: A BATALHA DO CAIS ESTELITA

JULIENNE DINIZ ANTÃO

SALOMÃO ISMAIL FILHO

Estudante de graduação em Direito pela UFPE; ex-estagiária do MPPE; ex-monitora de Direito Constitucional; concluiu PIBIC em 2017 pela FACEPE, com a temática do Cais Estelita. Atualmente, estagiária do MPF.

O orientador deste artigo é promotor de Justiça do Ministério Público de Pernambuco. MBA em Gestão do Ministério Público (UPE). Especialista e Mestre em Direito (UFPE). Doutorando em Direito (UNICAP).


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RESUMO Seguindo o contexto mundial de reconhecimento contínuo de gerações de direitos humanos, considerados fundamentais ao desenvolvimento do ser humano em sua dignidade intrínseca, também o Brasil comemora os 70 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) em dezembro de 2018. Precursora de diversos outros tratados e convenções internacionais ampliadoras de bens jurídicos universais, a DUDH representa um marco civilizatório sem precedentes para a humanidade. O Ministério Público, cuja atribuição dada pela Constituição Federal de 1988 é de tutela de tais direitos humanos fundamentais, exerce essencial papel quando do polêmico e bem repercutido caso pernambucano do Cais José Estelita. PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos Fundamentais; Gestão Democrática do Meio Ambiente Urbano; Ministério Público; Cais José Estelita.


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1 Introdução Quando, em maio de 2014, cerca de 11 mil pessoas puseram-se em frente aos armazéns localizados no Cais da Avenida Engenheiro José Estelita, a fim de impedir sua demolição, ordenada pelo então contestado proprietário do terreno, o Consórcio Novo Recife,01 a cidade maurícia revivera os ânimos de uma sociedade que protagonizou nove revoluções libertárias no decorrer desses pouco mais de 518 anos de historiografia luso-brasileira. Cenário de maior importância durante o Ciclo Açucareiro, Pernambuco fora a capitania colonial que mais se desenvolvera economicamente, politicamente e urbanisticamente até meados do século XVIII. A paisagem da cidade recifense, cosmopolita e comercial no pós-governo holandês, com suas pontes, canais, e portos modernizados constituiu fator contribuinte à propagação de pessoas e ideias, formando um contexto favorável à eclosão de diversas revoltas contra o establishment, primeiro colonial, depois monárquico, e, por fim, reacionário da inclusão democrática do espaço urbano. O antagonismo entre forças e interesses na Veneza Brasileira sempre foi uma constante. O caso do Cais José Estelita, área valorizada e estratégica da cidade do Recife, não foge de todo à regra: é objeto de disputa judicial entre setores sociais difusos (representados pelos Ministérios Públicos do Estado de Pernambuco (MPPE) e Federal (MPF) e pela Defensoria Pública do Estado de Pernambuco, além do conjunto organizado da sociedade civil, o Grupo Direitos Urbanos) e o grupo econômico corporificado pelo Consórcio Novo Recife (formado por cinco grandes sociedades empresárias).

01

AMORIM, Fabiano. Entenda o problema do Cais José Estelita. Diário do Centro do Mundo.

Disponível em: <http://www.diariodocentrodomundo.com.br/entenda-o-problema-do-cais-jose-estelita/>. Acesso em: 29 jan 2019.


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Se em um polo encontramos a defesa da propriedade privada do solo urbano, da ampliação do mercado imobiliário, do crescimento econômico quantitativo do Estado; noutra senda, vislumbram-se interesses relacionados à ideia de acesso à cidade, uso público do espaço urbano e da proteção do patrimônio histórico-geográfico nacional. Sob a perspectiva do Consórcio das construtoras Moura Dubeux, Queiroz Galvão, Ara e GL Empreendimentos, a legalidade, no sentido de obediência ao devido processo legal administrativo, não teria sido manchada. Tampouco teria ocorrido qualquer vício procedimental capaz de justificar a perda ou mesmo a mitigação dos poderes inerentes à propriedade do terreno adquirido por meio de licitação pública.02 Entretanto, sob a ótica dos interesses sociais, ainda que se houvesse seguido o rito legal das previsões do Direito Administrativo, restaria inobservado o princípio constitucional da função social da propriedade privada (art. 5º, inciso XXIII, CR/88), o qual reflete, de modo multifacetário, diversos direitos humanos fundamentais subjacentes à expressão escolhida pelo legislador constituinte. Explícita no texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) encontra-se, e.g, a previsão do direito humano ao acesso à cultura, bem como, no mesmo dispositivo, prevê-se o direito humano universal de garantia aos direitos sociais e econômicos (artigo 22 da DUDH). Além disso, há que se mencionar que a Declaração Internacional de Direitos Humanos é formada, além da DUDH, pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), todos assinados e ratificados pelo Estado bra-

02

Contestação do Consórcio Novo Recife, apresentado à fl. 387 do Processo nº 0195410-

28.2012.8.17.0001, que tramita na 7ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Consulta in loco dos autos judiciais, por ocasião da pesquisa PIBIC em 2017.


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sileiro. Ambos com a função precípua de esmiuçar os direitos enunciados na DUDH, é no PIDESC que encontramos o direito humano universal à moradia e ao lazer, em seu artigo 7º, alínea “d”, e, artigo 11. Assim, a cada Estado-Membro da ONU, signatário da DUDH, cabe o elenco dos direitos sociais a serem garantidos por texto constitucional, cabendo a ressalva da proteção internacional. A exemplo disto, a Constituição da República de 1988, traz em seu art. 6º, caput, o direito social ao lazer, como fundamental aos indivíduos, pois que integrante da esfera dignificante do gênero humano. É inegável, portanto, que o meio ambiente equilibrado, o lazer, e a cultura são condições sine qua non para o desenvolvimento integral do ser humano, razão pela qual, em consonância com o princípio da prevalência dos direitos humanos, o Estado brasileiro optou por reservar um capítulo específico para o meio ambiente dentro da Constituição de 1988. Então, este Direito Ambiental, por seu turno, engloba não somente o meio ambiente natural, mas o construído, isto é, o meio ambiente urbano, o meio ambiente histórico de um povo, que precisa ser conservado, sob pena de mácula ao seu direito humano à memória coletiva. Objetivando prevenir e reprimir ações potencialmente degradantes ao Patrimônio Histórico-Cultural, a Constituição atribuiu ao Ministério Público a tutela do meio ambiente, de forma a defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 129, III, c/c art. 225, caput, CR/88). Por meio de instrumentos jurídicos próprios, como o inquérito civil e a ação civil pública, o MPPE pode exercer suas funções de forma a concretizar o princípio do desenvolvimento nacional sustentável e da função social da propriedade privada, promovendo a compatibilização das demandas mercantis com as necessidades de democratização e inclusão social, sempre que possível. Adiante, procuraremos demonstrar como a atuação do Ministério Público pautou-se judicial e extrajudicialmente, no sentido de construir um


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legado imagético da instituição que se tornou, por impositivo constitucional (art. 129, incisos II e III, CR/88), Ombudsman do povo, essencial à promoção do direito humano ao meio ambiente urbano.

2 Meio ambiente urbano como

direito humano fundamental

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em Paris, no ano de 1948, não faz referência direta ao direito universal ao meio ambiente equilibrado, bem como não menciona a plurissignificação do termo “meio ambiente”. Isso porque, no contexto de destruição humana dos pós-guerras, somado a um certo distanciamento das questões ambientais típico dos anos 1940, a preocupação com o Patrimônio Histórico-Cultural da Humanidade parecia estar em terceiro plano. Naquele momento, as nações uniam-se em prol de objetivos não menos sublimes: a pacificação mundial e a valorização do ser humano em sua dignidade intrínseca.03 O desmoronamento da ideia kantiana de que o homem é um fim em si mesmo,04 causado pela ascensão dos fascismos italiano e alemão, resultou num mundo ocidental plasmado pelo poder corrosivo da retórica política. E é somente nos idos dos anos de 1960 que a problemática do meio ambiente ganha espaço no cenário mundial,05 sobretudo pela atuação da Organização não Governamental Greenpeace e seus ativismos em defesa do meio ambiente natural.

03

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 14ª edição. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012. p. 117-118. 04

BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 10ª ed. São

Paulo: Atlas Editora, 2012. p. 331. 05

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 16ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2014. p. 97-101.


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Ora, o fato de a Declaração Universal dos Direitos Humanos não explicitar tal direito não significa que o direito ao meio ambiente histórico-cultural não se configure como um direito humano universal. Muito pelo contrário, a DUDH traz uma série de direitos, ao longo de seus 30 artigos, cuja efetivação só é possibilitada na fluência de um meio ambiente equilibrado, sob os auspícios de uma gestão democrática do espaço coletivo. Ademais, o já citado Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), um dos três documentos componentes da Declaração Internacional de Direitos Humanos, ratificado pelo Brasil em 1992, em seu artigo 12 traz claramente o direito ao meio ambiente como direito universal fundamental ao desenvolvimento humano: ARTIGO 12 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental. 2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;

Não bastassem as disposições de Direitos Humanos e Constitucional, nos anos 2000, o então secretário-executivo das Nações Unidas, Kofi Annan deu início ao chamado Pacto Global.06 Trata-se de uma iniciativa da ONU

06

KARBASSI, Lila. Social Sustainability. UN Global Compact. Disponível em: <https://www.

unglobalcompact.org/what-is-gc/our-work/social>. Acesso em: 29 jan. 2019.


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voltada para empresas que voluntariamente comprometem-se a alinhar suas atividades com os princípios de direitos humanos, trabalho decente, meio ambiente e combate à corrupção. Existem mais de dez mil empresas adeptas em todo o globo e mais de 500 delas estão no Brasil. A ideia de conferir “uma face humanizada ao mercado global”07 vem da necessidade de conscientizar os líderes dos setores privados sobre os impactos generalizados de suas ações e decisões. Toda a coletividade pode se beneficiar ou não das ações de natureza privada, e essa consciência revela-se premente face à primazia das sociedades empresárias no uso e exploração dos terrenos urbanos. De volta ao plano deontológico internacional sobre direitos humanos, à semelhança da tipologia constitucional, que subdivide os direitos e garantias fundamentais em direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), direitos sociais (art. 6º), direitos de nacionalidade (arts. 12 e 13) e direitos políticos (arts. 14 a 17), a doutrina internacionalista também agrupa os direitos humanos em: direitos civis e políticos e direitos sociais, econômicos e culturais, e, os chamados direito de solidariedade, ou fraternidade, dentre os quais encontra-se o direito ao meio ambiente.08 Essa terceira geração de direitos humanos recebem no ordenamento jurídico interno a nomenclatura de direitos difusos e coletivos, podendo estar topologicamente dispersos no texto constitucional. Essa família de direitos humanos encontra seu fundamento e razão de ser nas próprias relações humanas e seus desdobramentos.

07

ANNAN, KOFI. Kofi Annan announces the launch of oh the Global Compact. Livre

tradução. Global Compact Twitter. Vídeo disponível em: <https://twitter.com/globalcompact/ status/1030857319389831170>. Acesso em: 29 jan. 2019. 08

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 16ª edição. São

Paulo: Editora Saraiva, 2015. p. 203-205.


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Além disso, como é cediço, o rol de direitos enunciados pela Carta Maior não exaure os textos de convenções e tratados internacionais sobre direitos humanos (art. 5º, §§ 2º e 3º, da CF), de modo que estes serão sempre mais abrangentes que os direitos constitucionalmente positivados. Nesse sentido, lecionam Bruna Pinotti Garcia Oliveira e Rafael de Lazari: ...diferenciam direitos humanos e garantias constitucionais fundamentais (…) Os direitos humanos têm processo histórico longo a ser observado na evolução da humanidade e em seus conflitos, enquanto os direitos fundamentais são inspirados nos direitos humanos internacionalizados...09

De fato, as Constituições dos Estados Democráticos de Direito, embora tenham como centrais os fatores socio-históricos internos, levam em alta conta o contexto mundial, os documentos assinados internacionalmente, na elaboração de seus textos constituintes. Dessa forma, os textos internos, malgrado não exauram o catálogo de direitos humanos – mesmo porque tendem à expansão com o tempo – refletem muito dos consensos deliberativos dos órgãos internacionais. Anota Manoel Gonçalves Ferreira Filho que os direitos de solidariedade têm sua origem por ocasião da Revolução Industrial, e, por essa razão mesma, merece destaque a mudança de enfoque temático de direitos: do individual para o coletivo10. Os chamados direitos individuais encontram seu fundamento de validade, portanto, nos valores de solidariedade da vida em coletivo.

09

OLIVEIRA, Bruna Pinotti Garcia; LAZARI, Rafael de. Manual de Direitos Humanos. 3ªed. São

Paulo: Juspodivm Editora, 2017. p. 149-150. 10

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 14ª edição. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012. p. 89-112.


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São direitos de terceira dimensão também o direito à paz, ao desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade, além dos meios ambientes cultural e natural. Para o pensador italiano Norberto Bobbio, no entanto, é o direito ao meio ambiente o que contém maior elaboração subjetiva,11 porque é subjetivamente indeterminado a todo o gênero humano. Ligados ao valor da pessoa, sua dignidade e liberdade, os direitos humanos garantem a vida em sociedade harmônica, prevenindo os abusos de poder e evitando humilhações às pessoas. Com o direito ao meio ambiente construído, ao patrimônio histórico-cultural não é diferente, porque também a História e a Cultura de uma sociedade compõem sua identidade, sendo imprescindível a proteção da memória social de forma positivada nos ordenamentos jurídicos dos Estados. Na ausência de identidade histórica, nenhuma pessoa seria capaz de desenvolver-se humanamente e participar conscientemente da vida coletiva. Somente um meio ambiente sadio e digno é capaz de favorecer a efetivação das outras famílias de direitos humanos, sendo por isso que o direito ao patrimônio histórico-cultural tem sido reconhecido pelos tribunais, a exemplo do julgado do Superior Tribunal de Justiça a seguir: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FUNÇÃO MEMORATIVA DO DIREITO DE PROPRIEDADE. TOMBAMENTO GLOBAL. RESTAURAÇÃO DE IMÓVEIS PERTENCENTES AO PATRIMÔNIO HISTÓRICO DA HUMANIDADE. OMISSÃO NA PROTEÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA. ARTS. 17 E 19 DO DECRETO-LEI 25/1937. 1. Trata-se, originariamente, de Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público, que

11

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 7ª reimpressão. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio

de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2004. p. 55-61.


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resultou na condenação dos réus a procederem ao início da restauração completa de três imóveis tombados, integrantes do patrimônio histórico, arquitetônico e cultural de São Luís (MA), que lentamente se deterioraram e desabaram. 2. É inadmissível Recurso Especial quanto à questão (arts. 475-J e 461, § 4º, do Código de Processo Civil) que não foi apreciada pelo Tribunal de origem. Incidência das Súmulas 282 e 356/ STF. 3. Emanação da função memorativa do direito de propriedade, o tombamento, voluntário ou compulsório, produz três órbitas principais de efeitos. Primeiro, acarreta afetação ao patrimônio histórico, artístico e natural do bem em tela, com a consequente declaração sobre ele de conjunto de ônus de interesse público, sem que, como regra, implique desapropriação, de maneira a assegurar sua conservação para a posteridade. Segundo, institui obrigações concretas – de fazer, de não fazer e de suportar – incidentes sobre o proprietário, mas também sobre o próprio Estado. Terceiro, abre para a Administração Pública e para a coletividade, depositárias e guardiãs em nome das gerações futuras, a possibilidade de exigirem, em juízo, cumprimento desses deveres negativos e positivos, inclusive a restauração do bem ao status quo ante, sob regime de responsabilidade civil objetiva e solidária, sem prejuízo de indenização por danos causados, até mesmo morais coletivos. 4. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido. 12 (Grifos nossos)

12

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial nº 1.359.534/MA

(2016/0208175-5). Apelante: CONAN – Companhia de Navegação do Norte. Apelado: Ministério Público. Relator: Min. Herman Benjamin. Brasília, 18 de outubro de 2016. Diário de Justiça, Brasília, DF, 24 out. 2016. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea>. Acesso em: 29 jan. 2019.


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O direito ao meio ambiente, porque direito humano positivado em nossa Constituição, não sofre das características de imprescritibilidade ou revogabilidade, constituindo-se tema de cláusula pétrea do sistema constitucional brasileiro. Dessa forma, não só é perfeitamente reconhecido pelos tribunais, como qualquer alteração normativa tendente à sua abolição ou arrefecimento deverá ser prontamente expugnada do ordenamento jurídico, por força do que prevê o art. 60, §4º, inciso IV, CR/88. Além disso, por imposição dos §§2º e 3º, art. 5º da Lex Mater, os pactos, tratados e convenções relativas a meio ambiente, uma vez assinados pelo Brasil, desde que mais favoráveis, passam a integrar o bloco constitucional dos direitos humanos fundamentais. Tal abertura de cláusulas explica-se pelo princípio da prevalência da norma mais protetiva ao meio ambiente na aplicação e interpretação da legislação nacional e internacional. Consequentemente, o ato normativo preferencial será sempre aquele capaz de propiciar mais ampla proteção a esse bem jurídico de interesse de todos, constitucionalmente garantido, que é o meio ambiente ecologicamente equilibrado. O status de direito humano fundamental de que goza o direito ao meio ambiente confere-lhe uma proteção mais efetiva, tanto internamente quanto no plano internacional, promovendo a eventual responsabilização do País perante os organismos internacionais de defesa dos direitos humanos.

3 O Caso Estelita O Cais José Estelita, localizado na avenida Engenheiro José Estelita, é uma região da cidade do Recife (PE), banhada pela Bacia do Pina que também liga os bairros do Cabanga e São José, ambos centrais e estratégicos para os setores comercial e serviços, a nível local, regional e também nacional,


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devido à proximidade com o porto da cidade.13 A área de mais de 100 mil m² correspondente ao Cais abriga galpões da desativada Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), empresa pública até 2007 – quando foi extinta. Situado, portanto, numa zona de alto valor imobiliário, o terreno da antiga RFFSA foi, em 2008, vendido pela Prefeitura do Recife, através de leilão, a um complexo de empresas privadas do ramo da construção civil, o Consórcio Novo Recife, formado pela Ara Empreendimentos, GL Empreendimentos, Moura Dubeux Engenharia e Queiroz Galvão.14 No projeto inicial do Consórcio Novo Recife, constava a elevação de um complexo empresarial, residencial, comercial e hoteleiro abarcando os mais de 100 mil m² de área com mais de dez altas torres erguidas.15 Esse primeiro projeto também previa a demolição do viaduto do Forte das Cinco Pontas, que, além de permitir a vista do monumento para o público do Cais, daria melhor visibilidade à esplanada do Cais José Estelita. Em 2012, no entanto, por ocasião da primeira audiência pública sobre o que ficou conhecido como Projeto Novo Recife, parcela da população indicou deficiências no planejamento que poderiam resultar em danos ambientais para o Cais. Entre outros pontos, foram apontados o impacto ambiental

13

Folha de Pernambuco. Movimentação de carga cresce 72% este ano no Porto do Recife. Folha

PE. Disponívelem:<http://www3.folhape.com.br/economia/economia/economia/2017/05/11>./ NWS,27109,10,550,ECONOMIA,2373-MOVIMENTACAO-CARGA-CRESCE-ESTE-ANO-PORTORECIFE.aspx>. Acesso em: 29 jan. 2019. 14

Redação Globo Nordeste. PF investiga compra de terreno do Cais José Estelita no Recife. G1 PE.

Disponível em: <http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2015/09/pf-investiga-compra-de-terreno-docais-jose-estelita-no-recife.html.> Acesso em: 29 jan. 2019. 15

AMORIM, Fabiano. Entenda o Problema do Cais José Estelita. Diário do Centro do Mundo.

Disponível em: <https://www.diariodocentrodomundo.com.br/entenda-o-problema-do-cais-jose-estelita/>. Acesso em 29 jan. 2019.


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da altura dos prédios, que poderiam chegar a até 40 andares, dificultando a circulação de ar nos bairros circunvizinhos, além de gerar um fluxo de automóveis ainda maior para o centro do Recife, sem apresentar uma solução mitigatória para a mobilidade urbana; e, a desconfiguração visual do Recife histórico, marcado por sua imagem conservadamente colonial nos bairros próximos ao Porto. No último dia de mandato na Prefeitura, final de 2012, o Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) do Recife aprovou o projeto. Dentre os integrantes de tal Conselho, no entanto, dois, especialistas em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), continuaram a questionar o modelo de intervenção urbana do Consórcio, apontando defeitos reminiscentes na primeira remodelação do projeto.16 As empresas deram início a demolições dos armazéns do terreno em 2014, e foi então que se iniciou o movimento popular #ocupeestelita. Inspirado no movimento norteamericano #occupywallstreet, em que estadunidenses protestaram contra a ganância irrefreada do setor financeiro,17 a parte inconformada da população recifense colocou-se à frente dos tratores no Cais Estelita, impedindo a demolição dos armazéns e ocupando a área por dias a fio para que nenhuma ação demolitória pudesse ser cumprida. Artistas, juristas, políticos, estudantes, entre outros, uniram-se à causa Estelita e o movimento ganhou repercussão, inclusive internacional.18 A Prefeitura decidiu renegociar com os integrantes organizados do movimento, envolvendo igualmente outras entidades especializadas, como o Instituo de

16

CISNEIROS, Leonardo. Carta dos Direitos Urbanos à Câmara Municipal sobre o Plano Urbanístico

para o Estelita. Direitos Urbanos. Disponível em: <https://direitosurbanos.wordpress.com/2015/04/11/ carta-do-direitos-urbanos-a-camara-municipal-sobre-o-ple-no-082015/>. Acesso em: 29 jan. 2019. 17

Redação Abril. A Batalha do Cais José Estelita. Revista Superinteressante. Disponível em: <https://

super.abril.com.br/comportamento/a-batalha-do-estelita/>. Acesso em: 29 jan. 2019. 18

PERLATTO, Fernando. Autoimperialismo Nacional e as Cidades Brasileiras. Revista Escuta.

Disponível em: <https://revistaescuta.wordpress.com/2016/07/19/escuta-resenha-autoimperialismonacional-e-as-cidades-brasileiras/>.Acesso em: 29 jan. 2019.


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Arquitetos do Brasil, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo e os reitores das Universidades Federal e Católica de Pernambuco. E, malgrado tenha havido redesenho do projeto, ainda não se chegou a um consenso, tramitando, no Poder Judiciário, três ações populares, uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal e a Ação Civil Pública do Ministério Público de Pernambuco. O Grupo Direitos Urbanos, os Ministérios Públicos e os populares das ações judicializadas, enfim, convergem para um modelo de intervenção urbanística mais democrático, inclusivo, em que outras camadas sociais possam ser beneficiadas, com lazer, calçadas, píeres públicos, praças, etc., conservando o visual histórico colonial do Recife e realizando um satisfatório Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV). Longe de ser uma novidade em todo o mundo, a luta pela não privatização do espaço público denota o quanto ainda é preciso ser feito no sentido de garantir a eficácia dos princípios ambientais constitucionais, bem como as exigências legais acerca da temática. Sobre isso, em entrevista ao Jornal GGN, o arquiteto e urbanista Kazuo Nakano, pesquisador do Instituto Polis, afirma: Um grande projeto urbano em cidades como Londres, Paris, Nova York ou Barcelona é diferente de um empreendimento similar numa cidade brasileira. Nossa realidade é outra, a nossa agenda urbana também. Temos muita desigualdade social e territorial, aqui as oportunidades de emprego e a qualidade urbana estão concentradas num pequeno espaço. Precisamos, então, pensar nossos projetos segundo outra lógica. Não podemos priorizar unicamente a dinamização da economia, deixando em segundo plano a geração de novas urbanidades e de novas sociabilidades (...).19

19

COSTA, Marcos. A Privatização do Espaço Público. Jornal GGN. Disponível em: <https://jornalggn.

com.br/blog/luisnassif/a-privatizacao-do-espaco-publico>. Acesso em: 29 jan. 2019.


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Seguindo uma tendência mundial de preocupação com a questão do meio ambiente e dos seus reflexos no âmbito urbano, a Lei Maior brasileira inovou ao trazer um capítulo específico sobre o Meio Ambiente, abordando não somente o meio ambiente natural, mas também suas outras faces: o meio ambiente artificial, o cultural e do trabalho. Prevê o artigo 225 da Constituição brasileira: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Quando a Constituição fala em meio ambiente, portanto, não o faz de forma descritiva, mas, prescritiva. Em outras palavras, o meio ambiente a que todos têm direito não é, necessariamente, o que nos cerca, mas aquele detentor da característica de ser ecologicamente equilibrado, em todas as facetas que a expressão meio ambiente encerra.20 Ademais, a locução ecologicamente equilibrado faz remeter ao princípio da defesa ambiental, regente da atividade econômica, por força do art. 170, inciso VI, CR/88, devendo, assim, serem interpretados ambos os dispositivos de modo integrado, para o alcance da finalidade normativa. No que tange mais precisamente ao regimento jurídico da política de ocupação do solo urbano, para além dos dispositivos constitucionais de política de desenvolvimento urbano (arts. 182 e 183), e, de parcial delegação aos municípios da competência para regular tal política (art. 30, IX), en-

20

FARIAS, Talden; COUTINHO, Francisco Seráphico da Nóbrega; MELO, Geórgia Karênia R. M. M.

Direito Ambiental. 2ª ed. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2014. p. 30-36.


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contramos, no ordenamento jurídico, o Estatuto das Cidades, que pretende ordenar de forma mais participativa a gestão das cidades brasileiras, e a Lei Federal nº 6.766/1976, a Lei de Parcelamento do Solo Urbano. Previsto constitucionalmente e regido pelo Lei nº 6.766/1976, o instituto de Direito Urbanístico conhecido como parcelamento do solo urbano coloca-se como cerne da problemática do Cais Estelita, cidade do Recife. Em torno desse mesmo instituto, para além da Carta Magna e do diploma legal federal, no âmbito da cidade do Recife, o parcelamento do solo urbano também é alvo de legislação específica, a Lei Municipal nº 16. 286/97, além de encontrar diretrizes do próprio Plano Diretor da cidade. Ora, o parcelamento do solo urbano é o instituto jurídico que, nas palavras do urbanista e constitucionalista José Afonso da Silva, “objetiva a urbanização de uma gleba, mediante sua divisão ou redivisão em parcelas destinadas ao exercício das funções elementares urbanísticas”.21 Dito de outra forma, o parcelamento do solo urbano é o procedimento seguido para que uma determinada área, terreno ou gleba seja transformada em trecho da cidade. É através desse parcelamento que se vai definir todo o desenho urbano, ou seja, quais serão os coeficientes de área destinados a cada uso específico (vias de circulação, logradouros, áreas verdes, equipamentos comunitários e urbanos, dimensão e proporção dos lotes e quadras, etc.). Por ser relativamente recente no ordenamento jurídico brasileiro (a lei de parcelamento do solo urbano datando de 1979), acompanhante da expansão demográfica urbana nas metrópoles mundiais, com reflexos internos, ainda carece de maior observância a figura do parcelamento do solo urbano por parte da maioria dos gestores públicos. Em outras cidades brasileiras, por exemplo, encontramos o mesmo embaraço no tocante à temática da urbanização: São Paulo (SP), Porto Alegre (RS), Distrito Federal (DF) e

21

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p.

132-134.


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Fortaleza(CE).22 As adversidades levadas à tutela jurisdicional vão desde o déficit democrático nas decisões sobre intervenções urbanas, até aprovações de construções infringidoras de normas do Estatuto das Cidades e dos Planos Diretores das cidades envolvidas. Recife, portanto, não enfrenta sozinho o problema da decisão acerca da mais correta destinação a ser dada ao terreno de 101.700 m² correspondente ao Pátio Ferroviário das Cinco Pontas (localizado no Cais da Avenida Engenheiro José Estelita).

22

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Criminal nº 00017508120098260338.

Apelante: Carolos Luiz de Franca. Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo. Relator: desembargador Encinas Menfré. Sao Paulo, 15 de dezembro de 2014. Publicado no Diário de Justiça do Estado de Sao Paulo, Sao Paulo, SP, 17 dez. 2014. Disponível em: <https://tj-sp.jusbrasil.com.br/ jurisprudencia/6770539/apelacao-criminal-apr-993080499136-sp/inteiro-teor-102137206?ref=serp>. Acesso em: 29 jan. 2019. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Recurso Cível nº 71004382792/RS. Apelante: Carlos Alberto Álvaro Oliveira. Apelado: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Relator: desembargador Carlos Eduardo Richinitti. Porto Alegre, RS, 26 de setembro de 2013. Publicado no Diário de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 27 set. 2013. Disponível em: <https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21345325/ recurso-civel-71003041936-rs-tjrs/inteiro-teor-21345326?ref=juris-tabs>. Acesso em: 29 jan. 2019. DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível nº 20110111194435. Apelante: Companhia Imobiliária de Brasília. Apelado: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Relator: desembargador Sebastião Coelho. Brasília, DF, 11 de junho de 2015. Publicado no Diário de Justiça do Distrito Federal, DF, 11 jun. 2015. Disponível em: <https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/ IndexadorAcordaos-web/sistj?argumentoDePesquisa=compania+imobiliaria+de+brasilia&visaoId=tjdf. sistj.acordaoeletronico.buscaindexada.apresentacao. aAcordao&nomeDaPagina=buscaLivre&comando= pesquisar&internet=1&camposSelecionados=ESPELHO&COMMAND=ok&quantidadeDeRegistros= 20&tokenDePaginacao=1>. Acesso em: 29 jan. 2019. CEARA. Tribunal de Justiça do Ceará. Apelação Cível nº 0010166572011860101. Apelante: Banco ABN AMRO Real S.A. Apelado: Cláudia Regina Pereira da Silva. Relatora: desembargadora Mareia Vilauba Fausto Lopes. Fortaleza, CE, 15 de setembro de 2011. Publicado no Diário de Justiça do Estado do Ceara, 16 set. 2011. Disponível em: <http://www4.tjce.jus. br/sproc2/paginas/ResContextoAcordao.asp?TXT_NUMERO=10166572-21.2011.8.06.0001&TXT_ RECURSO=1&Palavra=>>. Acesso em: 29 jan. 2019.


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4 O Ministério Público de

Pernambuco na batalha recifense Nos idos de 1960 e 1970, um novo sistema de proteção aos direitos individuais entrou em voga no cenário mundial: o Ombudsman. Originário dos países nórdicos, trata-se de um órgão de fiscalização e recomendação da atuação do Poder Público. Não tendo se soerguido do texto final da Constituição da República de 1988 como um cargo próprio, tal como propunha a redação do Anteprojeto Afonso Arinos,23 é certo que a Constituição Cidadã atribuiu a função de fiscalização das atividades estatais ao Ministério Público, como se pode confirmar em seu art. 129, incisos II e III: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

Dessa forma, cabe ao Ministério Público brasileiro além da defesa do regime democrático e da ordem jurídica, e da tutela os direitos humanos fundamentais, a inequívoca fiscalização da atuação do poder estatal em suas atividades.

23

MAZZILLI, Hugo. Regime Jurídico do Ministério Público. 7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

p. 85-87.


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Nas Promotorias de Cidadania dos Estados-Membros, volta-se a atenção à garantia de efetivo respeito dos Poderes Públicos aos direitos fundamentais expressos nas Constituições Federal e Estadual, fiscalizam-se os serviços de relevância pública, e, ademais, zela-se pela probidade e legalidade administrativas, bem como tutela-se o patrimônio público e social.24 O Ministério Público, portanto, é detentor de legitimidade para tais atuações, por decorrência da letra constitucional, mas, também, amparado pelas Lei Federal nº 8.429/1992 (art. 17), Lei Federal nº 8.625/1993 (art. 25, IV, b) e Lei Complementar Federal nº 75/1993 (arts. 5º, III, a, b, c, d, e, 6º, VII, b). Concernente à atuação do parquet pela tutela ambiental, por sua vez, é cabível às Promotorias de Justiça a defesa dos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos relacionados não somente com o meio ambiente natural, como já outrora levantado, mas, de outros valores, artísticos, históricos, estéticos, turísticos e paisagísticos.25 Para a promoção dos valores humanos fundamentais detraídos do elenco desses direitos, o Ministério Público dispõe de meios próprios nessa atuação cível: pode utilizar-se do inquérito civil; da ação civil pública; e do termo de ajustamento de conduta, cada qual apto a uma finalidade específica e motivado por razões a serem desveladas no caso concreto. Regulado pela Lei nº 7.347/1985, o Inquérito Civil é um procedimento investigativo instaurado quando um membro do órgão ministerial tem convincentes indícios de violação ou risco a um direito coletivo, social ou individual indisponível, e no qual pode-se solicitar perícias, inspeções, oitiva de testemunhas, requisição de documentos, etc., no intuito de formar o

24

Conheça o MPPE. MPPE. Disponível em: <http://mppe.mp.br/mppe/cidadao/conheca-o-mppe e Lei

nº 8.625/1993 – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público>. Acesso em: 29 jan. 2019. 25

GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 5ª ed. São

Paulo: Saraiva Jur, 2015.


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convencimento do parquet.26 Já o chamado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), refere-se a um compromisso firmado, através do MP, com o violador de um determinado direito coletivo, a fim de impedir a continuidade da situação de ilegalidade, reparando o dano e evitando uma morosa ação judicial. Além disso, o MP pode ajuizar Ação Civil Pública em caso de descumprimento dos termos do TAC.27 A Ação civil Pública (ACP), considerada Ação Constitucional em sentido material,28 é regulada pela Lei nº 7.347/1985 e, integrativamente, tratada também no Código de Defesa do Consumidor entre os artigos. 81 e 104. Em princípio, a ACP se destina à tutela dos direitos coletivos, difusos e os individuais homogêneos, comportando uma variedade de matérias de que pode tratar. Sobre isso, explicam Daniel Mitidiero, Sérgio Cruz Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni: Em verdade, não se trata de uma única ação, mas sim de um conjunto aberto de ações, de que se pode lançar mão sempre que se apresentem adequadas para a tutela desses direitos. (…). A ação civil pública, pois, pode veicular quaisquer espécies de pretensões imagináveis, sejam elas inibitória-exe-

26 BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público Resolução do CNMP nº 23/2007. Conselho Nacional do Ministério Público. Disponível em: <http://www.cnmp.mp.br/portal/institucional/forumnacional-de-gestao/atos-e-normas/resolucoes>. Acesso em: 29 jan. 2019. 27

BRASIL. Lei nº 7.347/1985, de 24 de julho de 1985, art. 5º, § 6º. Presidência da República, Brasília,

27 de julho de 1985. Publicado no DOU de 25 jul. 1985.BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Recomendação do CNMP nº 16/2010, art. 14. Ambos disponíveis em: <http://www.cnmp.mp.br/ portal/institucional/forum-nacional-de-gestao/atos-e-normas/resolucoes>. Acesso em: 28 jan. 2019. 28

SARLET, Ingo W.; MARINONI, Luiz G.; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.

6ªed. São Paulo: Editora Saraiva Jur, 2017. p. 491-492.


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cutiva, reintegratória, do adimplemento na forma específica, ou ressarcitória...29

É a partir dessa versatilidade da Ação Civil Pública que podemos inferir ser o meio judicial adequado para o fiscal da ordem jurídica na tutela ambiental do patrimônio histórico-cultural, bem como para a proteção da legalidade e probidade em atos administrativos. Foi imbuído de todas essas atribuições constitucionais e infraconstitucionais que, em 2012, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP), com pedido de liminar em defesa da ordem urbanística, contra o Município do Recife e o Novo Recife Empreendimentos Ltda., para que o Município do Recife se omitisse em praticar atos administrativos tendo como tema a área contemplada pelo Projeto Novo Recife, no Cais José Estelita. Além disso, a Ação pedia a anulação das reuniões do Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) que aprovaram o projeto, por deficiência na participação popular exigida pela Constituição e pela legislação infraconstitucional.30 O MPPE requereu, assim, que fosse determinado ao município o efetivo cumprimento do Regimento Interno do CDU e da legislação sobre o tema, adotando as medidas necessárias a assegurar a participação popular em todas as reuniões realizadas pelo Conselho, em especial, naquelas que tenham por objeto a discussão e aprovação de projeto a ser implantado no Cais Estelita.

29

ARENHART, Sérgio C.; MITIDIERO, Daniel; MARINONI, Luiz G. Novo Curso de Processo Civil

– Vol.3 – Tutela dos Direitos Mediante Procedimentos Diferenciados. 3ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2017. p. 491-492. 30

Ação Civil Pública do MPPE no Processo nº 0195410-28.2012.8.17.0001, que tramitou na 7ª Vara da

Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Consulta in loco dos autos judiciais, por ocasião da pesquisa PIBIC em 2017.


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É válido lembrar que o escopo da ACP não abarca o mérito do projeto, questão técnica, que cabe aos órgãos especializados previstos em lei, mas, destinar corretamente aquela parcela do solo urbano e garantir uma gestão participativa do cidadão nas decisões municipais. Através das atuações ministeriais federal e estadual, em conjunto com as ações populares impetradas pela sociedade civil, o Cais José Estelita resiste ao tempo das ações judiciais, ambas em trâmite, tanto no plano estadual quanto no federal. Quanto à ação civil pública do MPF, houve anulação do leilão que alienou o terreno na sentença de primeiro grau (12ª Vara Cível da Seção Judiciária de Pernambuco). Após recurso do consórcio Novo Recife, no entanto, a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal – 5ª Região reformou o decisum e resolveu pela legalidade da venda do terreno. O MPF, por seu turno, após embargos de declaratórios à Quarta Turma do TRF – 5ª Região, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), porque, no seu entender, resta inobservada a obrigatoriedade de licença do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) antes de qualquer alienação dos bens públicos da extinta RFFSA. O Processo de numeração única nº 000129134.2013.4.05.8300 aguarda julgamento pelo STJ. No que concerne ao Processo nº 0195410-28.2012.8.17.0001, correspondente à ACP do MPPE, os autos, físicos, aguardam decisão em primeira instância. Após a concessão da primeira antecipação de tutela, em 2013, a qual sobrestou as reuniões do Conselho de Desenvolvimento Urbano da Cidade do Recife – que não atendiam às exigências de gestão democrática – representou uma grande vitória ao defensor do povo.


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5 Conclusões Com sua última movimentação em maio de 2016, o processo do Cais Estelita, em trâmite na 7ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de Pernambuco, ao mesmo tempo que denota a coerente atuação ministerial na tutela do direito humano fundamental ao patrimônio histórico-cultural da cidade do Recife, representa uma verdadeira resistência e organização populares em torno da destinação dada pelo Poder Público ao uso do solo urbano. O contínuo reconhecimento de direitos humanos no plano internacional, em suas gerações de direitos (civis e políticos; direitos sociais; e direitos de solidariedade), embora necessite ainda de maior reflexão por parte dos dirigentes políticos, encontra dentro da estrutura estatal brasileira um órgão especializado (o Ministério Público) em sua defesa e promoção, funcionando como fiscal da atuação governamental, ou seja, o dito Ombudsman do povo. É através da efetivação dos direitos humanos fundamentais que é possível o despertar para a consciência ambiental, para a justiça social e a conservação da memória histórica, posto serem, em última análise, requisitos para o exercício pleno da cidadania. O notório interesse demonstrado pela sociedade civil nessas intervenções urbanísticas foi mais um fator que legitimou a atuação ministerial na batalha da população recifense contra a privatização irrefreada do espaço público. A proteção dos direitos humanos, por fim, é fundamental, porque, do contrário, estaremos fadados à obscuridade dos piores instintos, com rompantes de egoísmo e desrespeito aos mais vulneráveis. A recorrência ao Judiciário por meio de um órgão atuante como o MP, fortalecido pela própria Constituição Federal, representa verdadeira concretização do direito humano de acesso ao valor justiça e um avanço civilizatório indescritível nesses pouco mais de 70 anos de Declaração Universal dos Direitos Humanos.


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REFERÊNCIAS AMORIM, Fabiano. Entenda o Problema do Cais José Estelita. Diário do Centro do Mundo. Disponível em: <http://www.diariodocentrodomundo.com.br/entenda-o-problema-do-cais-jose-estelita/>. Acesso em: 29 jan 2019. ANNAN, KOFI. Kofi Annan announces the launch of the UN Global Compact. Livre tradução. Global Compact Twitter. Vídeo disponível em: https://twitter.com/ globalcompact/status/1030857319389831170. Acesso em: 29 jan. 2019. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 16ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2014. ARENHART, Sérgio C.; MITIDIERO, Daniel; MARINONI, Luiz G. Novo Curso de Processo Civil – Vol.3 – Tutela dos Direitos Mediante Procedimentos Diferenciados. 3ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2017. BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 10ª ed. São Paulo: Atlas Editora, 2012 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 7ª reimpressão. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2004. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial nº 1.359.534/ MA (2016/0208175-5). Apelante: CONAN – Companhia de Navegação do Norte. Apelado: Ministério Público. Relator: Min. Herman Benjamin. Brasília, 18 de outubro de 2016. Diário de Justiça, Brasília, DF, 24 out. 2016. Disponível em: <https:// ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea>. Acesso em: 29 jan. 2019.


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________. Conselho Nacional do Ministério Público. Resolução do CNMP nº 23/2007. Conselho Nacional do Ministério Público. Disponível em: <http://www. cnmp.mp.br/portal/institucional/forum-nacional-de-gestao/atos-e-normas/resolucoes>. Acesso em: 29 jan. 2019. ________. Lei nº 7.347/1985, de 24 de julho de 1985, art. 5º, § 6º. Presidência da República, Brasília, 27 de julho de 1985. Publicado no DOU de 25.7.1985. Disponível em: <http://www.cnmp.mp.br/portal/institucional/forum-nacional-de-gestao/ atos-e-normas/resolucoes>. Acesso em: 29 jan. 2019. CEARA. Tribunal de Justiça do Ceará. Apelação Cível nº 0010166572011860101. Apelante: Banco ABN AMRO Real S.A.. Apelado: Cláudia Regina Pereira da Silva. Relatora: desembargadora Mareia Vilauba Fausto Lopes. Fortaleza, CE, 15 de setembro de 2011. Publicado no Diário de Justiça do Estado do Ceará, 16 set. 2011. Disponível em: <http://www4.tjce.jus.br/sproc2/paginas/ResContextoAcordao.aspXT_NUMERO=10166572-21.2011.8.06.0001&TXT_RECURSO=1&Palavra=>>. Acesso em: 29 jan. 2019. CISNEIROS, Leonardo. Carta dos Direitos Urbanos à Câmara Municipal sobre o Plano Urbanístico para o Estelita. Direitos Urbanos. Disponível em: <https://direitosurbanos.wordpress.com/2015/04/11/carta-do-direitos-urbanos-a-camara-municipal-sobre-o-ple-no-082015/>. Acesso em: 29 jan. 2019. MPPE. Conheça o MPPE. Disponível em: <http://mppe.mp.br/mppe/cidadao/conheca-o-mppe e Lei nº 8.625/1993 – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público>. Acesso em: 29 jan. 2019. COSTA, Marcos. A Privatização do Espaço Público. Jornal GGN. Disponível em: <https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-privatizacao-do-espaco-publico>. Acesso em: 29 jan. 2019.


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DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível nº 20110111194435. Apelante: Companhia Imobiliária de Brasília. Apelado: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Relator: desembargador Sebastião Coelho. Brasília, DF, 11 de junho de 2015. Publicado no Diário de Justiça do Distrito Federal, DF, 11 jun. 2015. Disponível em: <https://pesquisajuris.tjdft.jus. br/IndexadorAcordaos-web/sistj?argumentoDePesquisa=compania+imobiliaria+de+brasilia&visaoId=tjdf.sistj.acagina=buscaLivre&comando=pesquisar&internet=1&camposSelecionados=ESPELHO&COMMAND=ok&quantidadeDeRegistros=20&tokenDePaginacao=1>. Acesso em: 29 jan. 2019. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 14ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. FARIAS, Talden; COUTINHO, Francisco Seráphico da Nóbrega; MELO, Geórgia Karênia R. M. M. Direito Ambiental. 2ª ed. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2014. Redação Folha de Pernambuco. Movimentação de Carga Cresce 72% este ano no Porto do Recife. FolhaPE. Disponível em: <http://www3.folhape.com.br/economia/ economia/economia/2017/05/11>./NWS,27109,10,550,ECONOMIA,2373-MOVIMENTACAO-CARGA-CRESCE-ESTE-ANO-PORTO-RECIFE.aspx>. Acesso em: 29 jan. 2019. GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 5ª ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2015. Globo Nordeste. PF Investiga Compra de Terreno no Cais José Estelita no Recife. G1 PE. Disponível em: <http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2015/09/pf-investiga-compra-de-terreno-do-cais-jose-estelita-no-recife.html.> Acesso em: 29 jan. 2019.


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KARBASSI, Lila. Social Sustainability. UN Global Compact. Disponível em: <https://www.unglobalcompact.org/what-is-gc/our-work/social>. Acesso em: 29 jan. 2019. MAZZILLI, Hugo. Regime Jurídico do Ministério Público. 7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade – Anotações à Lei n. 10.257/2001. 3ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013. OLIVEIRA, Bruna Pinotti Garcia; LAZARI, Rafael de. Manual de Direitos Humanos. 3ªed. São Paulo: Juspodivm Editora, 2017. PERLATTO, Fernando. Autoimperialismo Nacional e as Cidades Brasileiras. Revista Escuta. Disponível em: <https://revistaescuta.wordpress.com/2016/07/19/ escuta-resenha-autoimperialismo-nacional-e-as-cidades-brasileiras/>. Acesso em: 29 jan. 2019. PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico – Plano Diretor e Direito de Propriedade. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 16ªedição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Recurso Cível nº 71004382792/RS. Apelante: Carlos Alberto Álvaro Oliveira. Apelado: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Relator: desembargador Carlos Eduardo Richinitti. Porto Alegre, RS, 26 de setembro de 2013. Publicado no Diário de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 27 set.


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2013. Disponível em: <https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21345325/recurso-civel-71003041936-rs-tjrs/inteiro-teor-21345326?ref=juris-tabs>. Acesso em: 29 jan. 2019. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Criminal nº 00017508120098260338. Apelante: Carolos Luiz de Franca. Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo. Relator: desembargador Encinas Menfré. São Paulo, 15 de dezembro de 2014. Publicado no Diário de Justiça do Estado de Sao Paulo, São Paulo, SP, 17 dez. 2014. Disponível em: <https://tj-sp.jusbrasil. com.br/jurisprudencia/6770539/apelacao-criminal-apr-993080499136-sp/inteiro-teor-102137206?ref=serp>. Acesso em: 29 jan. 2019. SARLET, Ingo W.; MARINONI, Luiz G.; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 6ªed. São Paulo: Editora Saraiva Jur, 2017. SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.



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O MINISTÉRIO PÚBLICO E O DIREITO HUMANO À SAÚDE DA PESSOA PRIVADA DE LIBERDADE NO SISTEMA PRISIONAL

IRENE CARDOSO SOUSA

JÚLIO CÉSAR SOARES LIRA

48ª Promotora de Justiça Criminal da Capital, especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Piauí. E-mail: irenes@mppe.mp.br.

5º Promotor de Justiça Criminal de Petrolina/PE. Especialista em Direito Público pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) – Campus Juazeiro/BA, Professor de Direito Penal e Criminologia da mesma instituição. E-mail: juliol@mppe.mp.br.


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RESUMO O artigo aborda a necessidade de interação entre os membros do Ministério Público pernambucano para uma atuação mais eficiente relativa à consecução do Direito Humano à Saúde das pessoas privadas de liberdade que estão inseridas no sistema prisional estatal. Visa também analisar os marcos constitucionais e infraconstitucionais que determinam o regramento da assistência à saúde dos reeducandos, enfatizando a imprescindibilidade de cumprimento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional, propondo, ao final, uma forma de atuação norteada na eficiência e eficácia. PALAVRAS-CHAVE: Ministério Público; Atuação do Ministério Público na Defesa dos Direitos Humanos; Direito à Saúde; Execução Penal.


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1 Introdução

Trazemos neste artigo o espírito do compromisso firmado há 70 anos na Assembleia Geral das Nações Unidas, que, reunida em Paris, em 10 de dezembro de 1948, proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos: como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efetivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.

Inobstante o texto traga apenas referências a direitos humanos e fundamentais, elencar o direito à saúde como égide de um tratado internacional é trazer à tona uma garantia que até então não tinha esse enfoque, além do que a conceituação de saúde fez refletir que a abordagem ultrapassa a falta de doença e passa pela garantia de direitos a serem exercidos com garantias globais. Assim, quando surgem diplomas legais como a Lei de Execuções Penais (LEP), é princípio norteador a garantia desses direitos básicos. Nesse diapasão o art. 14 da LEP é preciso quando assegura que o preso e o internado terão assistência à saúde, seja no próprio estabelecimento penal, quando estiver aparelhado para prover tal assistência, seja em outro estabelecimento, quando, por evidente, não existirem condições na unidade prisional. A LEP garante o acompanhamento médico à mulher, inclusive, no pré-natal e no pós-parto, como também ao recém-nascido.


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Porém, não obstante o mandamento legal, não é desconhecido de ninguém, mesmo para aqueles membros do MPPE que não trabalham diretamente com a execução da pena, notadamente a privativa de liberdade, que nossas cadeias públicas, presídios, penitenciárias não possuem espaços físicos condizentes com a dignidade da pessoa humana, nem recursos materiais e humanos suficientes para assistência à saúde, à educação, religiosa e social01, como também não possibilita a garantia de todos os direitos elencados no art. 41 da LEP. No dizer de Zaffaroni02: A prisão ou cadeia é uma instituição que se comporta como uma verdadeira máquina deteriorante: gera uma patologia cuja principal característica é a regressão, o que não é difícil de explicar. O preso ou o prisioneiro é levado a condições de vida que nada têm a ver com as de um adulto: é privada de tudo que o adulto faz ou deve fazer usualmente e com limitações que o adulto não conhece (fumar, beber, ver televisão, comunicar-se por telefone, receber ou enviar correspondência, manter relações sexuais etc.). É também ferido em sua autoestima de todas as formas imagináveis, pela perda da privacidade, de seu próprio espaço e submissões a revistas degradantes. A isso, juntam-se as condições deficientes de quase todas as prisões: superlotação, alimentação paupérrima, falta de higiene e assistência sanitária etc., sem contar as discriminações em relação à capacidade de pagar por alojamentos e comodidades. O efeito da prisão, que se denomina

01

Art. 11, da Lei 7.210/84.

02

Zaffaroni, Eugênio Raul. Em busca das penas perdidas. Ed. Revan. 5ª Edição. p. 135/136.


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prisionização, sem dúvida é deteriorante e submerge a pessoa numa “cultura de cadeia”, distinta da vida do adulto em liberdade.

Pois bem, diante dessa constatação, urge também que o Ministério Público pernambucano cumpra o seu mister, buscando promover a garantia aos direitos fundamentais do preso, que, por certo, não são alcançados pelos efeitos da sentença penal condenatória, notadamente quanto ao direito à saúde, conscientizando, primeiro, os próprios membros do parquet pernambucano da necessidade de se importar com a dignidade do recluso ou internado; e, logo em seguida, se dispondo a buscar a concretização da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP). O que se propõe, portanto, é apresentar um modelo que possibilite aos membros do Ministério Público que tenham ou não (cabe também aos promotores de Justiça Criminais em face dos presos provisórios) atribuições na execução penal de garantir, de forma efetiva e eficiente, o direito à saúde ao preso e ao internado que estejam sob a égide do sistema prisional, buscando, assim, cumprir a legislação pertinente. Demonstrar, ainda, que a amplitude legal do papel do Ministério Público no âmbito da execução da pena o permite tomar para si o protagonismo de garantir a assistência à saúde do recluso. Buscar-se-á, destarte, apresentar uma proposta para que os promotores de Justiça possam dar efetividade a um direito tão primário para a dignidade do preso, procurando acabar com o hiato existente entre a legislação e a realidade nua e crua observada em quase todos os Estados do nosso País, onde o próprio Estado, as instituições e a própria sociedade negligenciam, não se importam, com o que ocorre intramuros das masmorras, apelidadas de presídios ou penitenciárias.


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Almeja-se aqui que as propostas lançadas, adaptadas à realidade do nosso Estado de Pernambuco, possam servir para que a Procuradoria-Geral de Justiça, a Corregedoria-Geral do Ministério Público, com o apoio do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça Criminais (CAOPCrim) e do Grupo de Atuação Especial da Execução Penal (GAEP), promovam e fomentem o cumprimento da legislação pertinente, proporcionando aos promotores de Justiça que assumam o protagonismo da garantia da assistência à saúde do preso e do internado, o que, certamente, contribuirá para humanizar o cumprimento da pena privativa de liberdade e, em última análise, de maneira decisiva, na reintegração social do reeducando.

2 Do papel do Ministério Público na

Execução Penal

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis03. Para tal mister importa ressaltar que o Ministério Público possui uma atividade fiscalizadora em toda a sua atividade funcional, quer na esfera civil, quer na esfera penal. Sempre que estiver envolvido numa relação jurídica litigiosa, em um conflito de interesses, uma norma de ordem pública ou um direito indisponível, irrenunciável, impõe-se a função fiscalizadora do parquet. Porém, para fiscalizar, o Ministério Público poder requerer e então passa a ser, diretamente, parte processual, ou pode intervir. Renan Severo Teixeira da Cunha, apud Julio Fabbrini Mirabete04, afirma que “pouco im-

03

Art. 127, caput, da CF/88.

04

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. Editora Atlas. 11ª Edição. p. 227.


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porta que para essa fiscalização vista as roupagens de parte requerente ou de órgão interveniente; sempre será órgão fiscalizador, com todas as consequências dessa atividade”. Com relação à função fiscalizadora do Órgão Ministerial na Execução Penal, consoante a disposição do art. 67 da LEP, “o Ministério Público fiscalizará a execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes de execução”. Cabe inferir, então, que se lhe incumbe atuar em todo o processo executivo, isto é, desde o início do cumprimento da pena – art. 195 da LEP05 – até seu final, com a consequente extinção da punibilidade do sentenciado. Na lição de Mirabete06: ...Confere-se ao parquet a função de promover a observância do direito objetivo, atuando imparcialmente na verificação dos requisitos legais para o estrito cumprimento do título executivo penal. Como na execução penal entra em jogo um interesse público primário, que envolve um direito irrenunciável do condenado (status libertatis), é possível que se estabeleça uma situação em que se pretenda, como interesse público secundário, alterar ou mesmo extinguir os limites traçados no título executório. Nem sempre o interesse da Administração com os interesses genéricos e maiores de toda a coletividade, devendo o Ministério Público defender estes, orientando sua fiscalização para que se perfaça a exata aplicação da lei penal, processual e de execução penal.

05

Art. 195. O procedimento judicial iniciar-se-á de ofício, a requerimento do Ministério Público, do

interessado, de quem o represente, de seu cônjuge, parente ou descendente, mediante proposta do Conselho Penitenciário, ou, ainda, da autoridade administrativa. 06

MIRABETE. Julio Fabbrini. Ob. Cit. p. 227/228.


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E arremata o festejado autor: A função fiscalizadora do Ministério Público não poderia ser executada se não se lhe dessem os meios para essa atividade fundamental. Assim, como corolário do disposto no art. 67, deve o órgão ser intimado de todas as decisões exaradas no curso do processo executivo, quer sejam jurisdicionais, quer sejam administrativas. Na primeira hipótese, cabe-lhe ainda opinar previamente, requerer e recorrer das decisões do juiz. Na segunda, pode valer-se dos meios processuais previstos na lei de execução, principalmente o procedimento judicial para apurar excesso ou desvio, representar às autoridades administrativas superiores contra ato abusivo de qualquer funcionário e requisitar providências da Administração Pública quando necessário.

Podemos, assim, divisar duas possibilidades de intervenção ministerial na execução da pena, sendo a primeira relativa à possibilidade de requerer deliberações judiciais relacionadas à concessão ou revogação de benefícios, instauração de incidentes, conversões e quaisquer outras providências que digam respeito ao desenvolvimento do processo executivo; e a segunda no sentido de intervir, mediante manifestações, em relação a situações que se materializam no processo de execução criminal que decorrem de pretensões do próprio apenado ou do seu defensor, como também, a partir de intervenções do conselho da comunidade, do pronunciamento do Conselho Penitenciário, de provocações ex officio do juiz da execução, entre outras. Além da disposição genérica trazida no art. 67 da LEP em vários outros dispositivos da Lei de Execução Penal se reclama expressamente a necessidade de intervenção do Órgão do Ministério Público, previamente ao pronun-


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ciamento judicial. São casos de expressa determinação da LEP, por exemplo, a progressão de regime prisional (art. 112, § 1º, da LEP), da saída temporária (art. 123 da LEP), da remição (art. 126, § 8º, da LEP) e extinção da medida de segurança em face da cessação da periculosidade (art. 175, III, da LEP). A ausência de manifestação do Ministério Público em todas as fases relativas à execução da pena, conforme consolidada jurisprudência, é causa de nulidade absoluta. Temos ainda as disposições do art. 68 da LEP, que trazem uma série de atribuições do Ministério Público, em um rol que é meramente exemplificativo, abrangendo situações que, inclusive, já estariam previstas no próprio art. 67, em razão da sua amplitude genérica, considerando-se até desnecessário descrever as hipóteses daquele artigo da Lei de Execução Penal. É possível concluir-se, então, que as funções do membro do Ministério Público no campo das Execuções Penais são mais amplas que aquelas que os próprios dispositivos legais da LEP enumeram, posto que está autorizado, inclusive pela natureza intrínseca do seu mister de defensor dos interesses primários da sociedade, a atuar nas questões não judicializadas da execução da pena, como é o caso de induzir as políticas públicas de assistência à saúde das pessoas privadas de liberdade inseridas no sistema prisional.

3 Do papel do Ministério Público

na assistência à saúde das pessoas privadas de liberdade no Sistema Prisional A fiscalização do Ministério Público nas execuções penais dá-se, portanto, de duas formas distintas: uma é o velamento da execução da pena em si e


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das medidas de segurança (oficiando no processo executivo e nos incidentes de execução); o outro é o acompanhamento nas condições de cumprimento dessa pena, principalmente de aspectos verificados na visita mensal obrigatória. O enfoque nesse último caso é a tutela coletiva de saúde, na conformidade da Resolução RES-CPJ 001/2002, publicada no Diário Oficial do Estado de Pernambuco do dia 22 de fevereiro de 2002. Constituem direitos do preso: a alimentação suficiente, o vestuário, a assistência material à saúde, conforme art. 41, I e VII, da Lei n. 7.210/84, Lei de Execução Penal. A garantia ao direito à assistência material e à saúde das pessoas em privação de liberdade (PPL) consiste no fornecimento pelo Estado de alimentação, da manutenção das instalações higiênicas, além do atendimento médico, farmacêutico e odontológico preventivo e curativo, disposição dos artigos 12 a 14 da Lei n. 7.210/84. O artigo 196 da Constituição Federal assevera que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Tal preceito é complementado pela Lei n. 8.080/90, que estabelece princípios e diretrizes para a saúde em nosso País, em seu artigo 2º: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. Mediante a criação do SUS pela supracitada lei, estabeleceu-se uma divisão de tarefas no que tange ao fornecimento de ações de saúde, assistência e vigilância, de maneira que o sistema básico de saúde fica a cargo dos municípios (ações, vigilância e medicamentos básicos), o fornecimento de ações de média e alta complexidade e a garantia de qualidade compete aos Estados federados e ao Distrito Federal, e a regulamentação especial compete à União. A lei indica, indubitavelmente, a composição de um sistema único, que segue uma diretriz clara de descentralização, com direção única para cada esfera de governo.


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Nesse âmbito, foram definidos os papéis das esferas governamentais na busca da saúde, considerando-se o município como o responsável imediato pelo atendimento das necessidades básicas de assistência, vigilância e monitoramento, o Estado como responsável pela atenção às necessidades especiais, as de caráter hospitalar e o controle da qualidade destas ações. Com o intuito de garantir o direito constitucional à saúde e o acesso com equidade, integralidade e universalidade e organizar as ações e serviços de saúde dentro dos estabelecimentos penais, o Estado de Pernambuco aderiu à nova Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) mediante Portaria nº 2.274, de 17 de outubro de 2014. O SUS estadual deve colaborar com a Vigilância Sanitária local em todos os aspectos que seja requerido e é o titular de responsabilidades pela reforma e adequação das áreas de interesse para a saúde nas unidades prisionais pernambucanas.

4 Da assistência à saúde. Da atenção

básica à saúde. Da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional

Em 2003 foi criado o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP), pelo qual as ações e serviços de saúde ficaram sob a responsabilidade do Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça. À época, o sistema prisional adotava uma postura que caminhava em direção contrária aos princípios de saúde, que constam na inserção do paciente no SUS para trata-


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mento de saúde no território. Essa saída do SUS transferiu para as secretarias de ressocialização dos Estados a responsabilidade de contratar profissionais e até de fazer exames. Tal prática inviabiliza o verdadeiro sentido da saúde, que não é só tratar doença, mas inclusive preveni-las; ações fortemente realizadas no SUS, que possui por princípio esta forma de trabalho. Quando a saúde de uma prisão fica a cargo de uma secretaria de ressocialização, que não tem prática na área de saúde, as ações, geralmente, são apenas na cura da doença, que não é mais sinônimo de saúde. Hoje as práticas preventivas são realizadas apenas em campanhas nacionais, como a vacinação contra a gripe, ficando o presídio fora das ações preventivas do município no qual está localizado. As políticas públicas do Ministério da Saúde voltadas para a população privada de liberdade têm passado por inovações. Em 2014, foi publicada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), com o objetivo de garantir o acesso das pessoas privadas de liberdade no sistema prisional ao cuidado integral do Sistema Único de Saúde, ou seja, no território da atenção básica. Hoje, a principal missão do Ministério Público de Execução Penal é fazer a discussão do retorno do preso ao SUS. Em Pernambuco, há de se avaliar os motivos pelos quais a SERES ainda detém toda a estrutura de saúde do sistema prisional, avaliar as responsabilidades e autonomia da secretária de saúde estadual, assim como os processos de municipalização, e, em conjunto, abrir procedimento específico para acompanhar o retorno das unidades prisionais para o SUS. O Ministério da Saúde deposita a verba na conta da Secretaria Estadual de Saúde, que a transfere para a SERES e esta executa a saúde no sistema prisional, num jogo de transferência de responsabilidade em que o principal perdedor é o preso que é atendido na rede SUS como alguém fora do sistema.


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5 Da proposta para a atuação eficaz

e eficiente do Ministério Público na garantia do direito à assistência à saúde

Para entender melhor a complexidade da necessidade de atuação do Ministério Público na área de saúde numa unidade prisional, elencaremos algumas situações demandadas na promotoria de execução penal. A primeira refere-se à garantia do objetivo-geral da PNAISP, que é o acesso das pessoas privadas de liberdade no sistema prisional ao cuidado integral no SUS. O promotor de Execução Penal também pode atuar em questões específicas, como a fiscalização constante da equipe mínima, conforme preconizado na Portaria n. 482 de 1º de abril de 2014, que institui normas para a operacionalização da PNAISP, no âmbito do SUS. Quanto aos profissionais que atuam na área da saúde, dentro desse programa, não poderemos remeter para o patrimônio público exigindo concurso porque é peculiar e transitório a saúde como responsabilidade da SERES. Segue mais uma explicação indispensável. Conforme salientado acima, em 2004, foi transferida a responsabilidade da saúde no sistema prisional do Ministério da Saúde, através do SUS, para o Ministério da Justiça, no âmbito estadual para a SERES. Em 2014, depois de constatada a falta de estrutura de uma Secretaria de Justiça para atender a demandas de médico, enfermeiro, remédios, rotinas das mais diversas, houve a tentativa de retorno para o âmbito do SUS, o que já não era tão simples. Para que um município receba um novo encargo há de aceitar pactuar, e hoje é extremamente difícil um gestor aceitar administrar a saúde de uma unidade prisional, sequer aceita a prisão no seu território quanto mais prover a saúde. Então, apenas um município no Estado de Pernambuco pactuou, Canhotinho.


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E hoje a saúde está num limbo entre Estado e município, pois o Estado faz repasse fundo a fundo para a SERES. Os problemas maiores são de pagamento de pessoal, pois a SERES não tem competência para pagar a mais como compensação por algumas funções como, por exemplo, farmacêutico. Outra forma de remuneração teria como ser feita por uma Secretaria Estadual de Saúde, e isso trava o trabalho por conta da rotatividade de pessoal que hoje acontece nos presídios. Não se pode exigir concurso para a área de saúde porque não é vocação da SERES contratar médicos ou outros profissionais, além do que o plano é de retorno para o município da gestão da saúde, estando provisoriamente na SERES. A Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco em 2018 assumiu a compra e distribuição de remédios, eis que já possuía rede e formas de compras apropriadas e inseriu as unidades prisionais, depois de uma crise terrível de abastecimento de medicamentos nos presídios e cadeias, causando diversos prejuízos em PPL que faziam uso continuado de medicações controladas, mister os com transtornos mentais. A SSE mantém também alguns profissionais, que estão em cada enfermaria, para manter o diálogo entre âmbito estadual e municipal, além de interferir com algumas especialidades, como foi em 2017 a contratação, a pedido do MP, de um médico infectologista que assumiu várias unidades como forma de controle de doenças infectocontagiosas que estavam se alastrando. São algumas soluções pontuais que foram surgindo. Sobre esse fato foi encaminhado à promotoria de saúde da capital o pedido de intervenção junto à Secretaria de Saúde para que fizesse uma sensibilização aos municípios no sentido de pactuar a gestão da saúde nas unidades prisionais. Alguns ajudam informalmente, como é o caso de Abreu e Lima, município onde está localizado o COTEL, que contribui com alguns insumos e medicamentos. Hoje a equipe, na maioria das unidades, está completa, urge explicar que esse acompanhamento é constante porque por vezes um profissional desligado demora a ser reposto. Até porque os baixos salários não são atrativos para um profissional atuar em uma unidade de difícil acesso.


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Mais um exemplo é o acompanhamento da divisão das origens de contratação dos profissionais do setor psicossocial. Não é fácil visualizar numa unidade prisional qual assistente social é contratado com verba da saúde para trabalhar na saúde e qual é contratado para trabalhar na unidade fazendo serviço social exigido pela Lei de Execução Penal. Não havia diferença, causando uma preocupação principalmente para não haver desvio de função. Há que se entender essas equipes, suas necessidades, seu trabalho e sua missão dentro de uma unidade prisional, há necessidade de perquirir sobre um concurso público para área do psicossocial que não tenha demanda específica na saúde. Conforme preconiza a Lei de Execução Penal e o art. 45 do código Penitenciário do Estado de Pernambuco, que exige a equipe multiprofissional para fins de ressocialização e classificação do reeducando. Também há uma enorme a luta para assistente social e psicólogo não ficar fazendo carteirinha de visitação de preso, pois essa função é administrativa e caracterizaria desvio de função. Toda a fiscalização quanto a esse tema é foco do Ministério Público, que acredita na força desse profissional para ajudar na ressocialização e aproximação do PPL da família e da sociedade. Por trás de uma notícia de fato em que a companheira de um PPL informava que tinha supostamente sofrido maus tratos pelos agentes penitenciários no hospital quando em visita ao seu companheiro que estava em custódia hospitalar há vários desdobramentos. Como funcionava a custódia hospitalar? Quem as fazia? Essa custódia por agentes plantonistas era em prejuízo dos poucos destinados ao plantão do dia na unidade prisional? A regulação dessa custódia hospitalar estava a cargo de que setor na SERES? Quem da família teria acesso ao PPL dentro do hospital enquanto estivesse custodiado? Após a internação para cirurgia esse PPL voltava várias vezes para ser internado, porque essa pessoa era mais tendente a estar sempre internado, como prevenir esses eternos retornos? Tudo desdobrado através de uma notícia de fato que, se tratada individualmente, não teria utilidade para


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a execução penal. Essa perspectiva demonstra a importância do enfoque desse trabalho no âmbito do Ministério Público de Pernambuco. Outro problema bastante comum na rotina carcerária é a dificuldade no comparecimento a consultas por falta de escolta, em razão do reduzido número de agentes penitenciários. Entender a questão da custódia hospitalar revela um esforço hercúleo para atender o acesso à saúde de 32 mil presos no Estado, pois para cada PPL internado são destinados 4 agentes penitenciários por dia, além do motorista que faz o transporte dos agentes na troca de plantões, e todos eram, até 2016, destacados do plantão da unidade, restando hiperdefasada a segurança da unidade com menos agentes disponíveis. O MP cobrou a implementação de central de custódia hospitalar, em que o agente penitenciário não seria deslocado do plantão de nenhuma unidade quando houvesse necessidade de custódia. Foi verificada também a necessidade de padronização dos laudos médicos, que eram feitos à mão pelos médicos, muitas vezes ilegíveis, o que dificultava a análise de pedido de prisão domiciliar, além do que não eram diretos quanto à análise da gravidade da doença, único aspecto legal que era analisado pelo Ministério Público para dar parecer sobre o pedido da defesa. Além disso, os pedidos vinham sem o parecer do diretor da unidade, o que fazia demorar a análise do pedido acarretando mais escoltas e mais custódia hospitalar quando fosse o caso de uma prisão domiciliar. Além da necessidade de urgência na análise da demanda pelo judiciário nos casos que envolvessem problemas de saúde. Outra grande questão é o tratamento de tuberculose no sistema prisional, pois ocasionalmente ocorrem surto nas unidades. Para um promotor de Justiça Criminal entender o que é um GENEXPERT, o que é uma busca ativa, porquê a necessidade de tomada de medicamento assistido e do isolamento e porquê um local que tem mais de 3000 pessoas pode ser um enorme risco caso haja um surto de tuberculose, porquê essas pessoas recebem


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visitas que voltam para sociedade e participam do nosso cotidiano demonstrando que em tema de sistema carcerário não existe mais lá dentro, todos se comunicam. Ademais alguns PPL são presos provisórios e circulam nos fóruns nos dias de audiência, e por fim, são cidadãos com direito à saúde. A superlotação nos presídios, penitenciárias e cadeias prejudica o tratamento de doenças de pele, infectocontagiosas e marcação de consultas. Em relação aos presos provisórios que necessitem de Prisão Domiciliar, faz-se necessário um diálogo permanente com os diversos promotores de centrais de inquérito e criminais, para que nesse contato direto sejam percebidas as práticas e rotinas de saúde das unidades prisionais e principalmente suas deficiências, pois, por exemplo, um preso que necessite de três hemodiálises de quatro horas por semana, demandaria para o sistema pelo menos dois agentes penitenciários e um motorista para essa custódia hospitalar rotineira. Promover um diálogo efetivo em todo o Ministério Público faria o promotor de Justiça criminal ter no promotor de execução um referencial para a decisão dessa prisão domiciliar, pois na maioria dos casos os presídios localizam-se em área muito distante dos fóruns. Também é necessária a comunicação para entre os promotores criminais e a promotoria de saúde da comarca para fomentar a discussão do acompanhamento das unidades prisionais pelo SUS.

6 Conclusão O fim precípuo desse artigo, destarte, foi o de demonstrar que há necessidade de que o Ministério Público de Pernambuco concretize o direito à saúde da pessoa privada de liberdade no sistema prisional, fazendo cumprir a legislação pertinente. Demonstrou-se que a maneira de se lograr êxito no desiderato proposto é a interação de ações entre a Procuradoria-Geral de Justiça, a Corregedo-


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ria Geral do Ministério Público, a Escola Superior do Ministério Público (ESMP), o CAOPCrim, o CAOP Saúde, o GAEP, e, ainda, contando com o apoio e colaboração das Promotorias de Justiça Criminais, das Promotorias de Justiça de Execução Penal e das Promotorias de Justiça de Cidadania (Curadoria dos Direitos Humanos e Curadoria da Saúde). Cada órgão, evidentemente, dentro das suas respectivas esferas de atribuição, a quem cabe encetar ingentes esforços no sentido de assumir o protagonismo da garantia ao direito fundamental à saúde das pessoas privadas de liberdade no âmbito do sistema prisional. O Ministério Público pernambucano, com o propósito de priorizar essas ações, deverá inserir a efetivação do direito à saúde das pessoas privadas de liberdade no sistema prisional no seu planejamento estratégico, estabelecendo plano de ação e metas para a consecução do objetivo estratégico de fazer cumprir a legislação pertinente. O Ministério Público pernambucano implementará ações coordenadas e sistematizadas tendentes a garantir o direito à saúde da pessoa privada de liberdade no sistema prisional, por meio de realização de seminários, palestras, audiências públicas, etc., para sensibilizar os seus membros sobre a importância de garantir desse direito fundamental, visando o cumprimento das diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).


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REFERÊNCIAS AVENA, Norberto. Execução Penal. Editora Método. BUCH, João Marcos. Execução Penal e Dignidade da Pessoa Humana. Estádio Editora. Código Penal. Revista dos Tribunais. Edição 2015 CUNHA, Rogério Sanches. Execução Penal. Ed. Jus Podivm, 4ª edição. FARIA, Marcelo Uzeda de. Execução Penal. Ed. Jus Podivm, 4ª edição. FELBERG, Rodrigo. A Reintegração Social dos Cidadãos-Egressos. Ed. Atlas. ISHIDA, Válter Kenji. Prática Jurídica de Execução Penal. Editora Atlas. KUEHNE. Maurício. Lei de Execução Penal Anotada. Editora Juruá. 7ª edição. MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução Criminal. Teoria e Prática. Ed. Atlas, 7ª edição. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. Editora Atlas Jurídico. 11ª edição. PRADO, Luiz Regis. HAMMERSCHMIDT, Denise. MARANHÃO, Douglas Bonaldi. COIMBRA, Mário. Direito de Execução Penal. Ed. Revista dos Tribunais. 3ª edição.


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SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia Clínica e Execução Penal. Ed. Saraiva, 2ª edição. SILVA, Ricardo Augusto Dias da. Direito Fundamental à Saúde – O dilema entre o mínimo existencial e a reserva do possível. Belo Horizonte. Fórum. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Editora Revan, 5ª edição.


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O PROTAGONISMO DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA CRIAÇÃO DOS CONSELHOS DA COMUNIDADE: POR UMA EXECUÇÃO PENAL PARTICIPATIVA

JÚLIO CÉSAR SOARES LIRA 5º Promotor de Justiça Criminal em Petrolina/PE, especialista em Direito Público pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) – Campus Juazeiro/BA, Professor de Direito Penal e Criminologia da mesma instituição. E-mail: juliol@mppe.mp.br


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RESUMO O presente artigo visa demonstrar que, embora a Lei de Execução Penal traga como obrigação a criação do Conselho da Comunidade em cada comarca onde houver pessoas em situação de aprisionamento, tal não ocorre, não obstante a grande importância desse conselho nas diversas fases da execução da pena privativa de liberdade. Objetiva também conclamar os promotores de Justiça a deixarem a posição de meros coadjuvantes no processo de criação do Conselho da Comunidade para alcançarem o patamar de protagonistas desse processo, propondo-se, ao final, um modelo ideal para que essa mudança de paradigma possa ocorrer. PALAVRAS-CHAVE: Direito Público; Lei de Execução Penal; Conselho da Comunidade; Ministério Público.


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1 Introdução

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou em agosto de 2018, com base no Banco Nacional de Monitoramento de Presos (BNMP) 2.0, que a população carcerária do Brasil alcança a marca de 602.217 presos (eram 622.202 detentos em dezembro de 2014 e 726.712 em junho 2016). Em Pernambuco, o BNMP 2.0 aponta o total de 27.819 reclusos para 9.955 vagas nos estabelecimentos prisionais, o que proporcionava um déficit de 19.937 vagas. Ainda consoante os dados atualizados do CNJ, em nosso Estado, chegamos a uma taxa de 288,03 presos para cada 100.000 habitantes.01 Não é desconhecido de ninguém, mesmo para aqueles membros do MPPE que não trabalham diretamente com a execução da pena, notadamente a privativa de liberdade, que nossas cadeias públicas, presídios, penitenciárias não possuem espaços físicos condizentes com a dignidade da pessoa humana, nem recursos materiais e humanos suficientes para assistência à saúde, à educação, religiosa e social02, como também não possibilitam a garantia de todos os direitos elencados no art. 41 da LEP. No dizer de Zaffaroni03: A prisão ou cadeia é uma instituição que se comporta como uma verdadeira máquina deteriorante: gera uma patologia cuja principal característica é a regressão, o que não é difícil de explicar. O preso ou o prisioneiro é levado a condições de vida que nada têm a ver com as de um adulto: é privada de

01 http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/57412abdb54eba909b3e1819fc4c3ef4.pdf. Acesso em: 16 fevereiro 2019. 02

Art. 11, da Lei 7.210/84.

03

Zaffaroni, Eugênio Raul. Em busca das penas perdidas. Ed. Revan. 5ª Edição. 2001. p. 135/136.


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tudo que o adulto faz ou deve fazer usualmente e com limitações que o adulto não conhece (fumar, beber, ver televisão, comunicar-se por telefone, receber ou enviar correspondência, manter relações sexuais etc.). É também ferido em sua autoestima de todas as formas imagináveis, pela perda da privacidade, de seu próprio espaço e submissões a revistas degradantes. A isso, juntam-se as condições deficientes de quase todas as prisões: superlotação, alimentação paupérrima, falta de higiene e assistência sanitária etc., sem contar s discriminações em relação à capacidade de pagar por alojamentos e comodidades. O efeito da prisão, que se denomina prisionização, sem dúvida é deteriorante e submerge a pessoa numa “cultura de cadeia”, distinta da vida do adulto em liberdade.

A participação da sociedade no cumprimento da pena é fundamental para a mudança desse quadro, para que a pena de privativa de liberdade seja cumprida com o mínimo de danos possível. Para isso, a Lei de Execução Penal previu a existência de um órgão a ser constituído em cada comarca onde houver pessoas em situação de aprisionamento, que represente a comunidade nesse processo que vai desde o início do cumprimento da pena até o reingresso ao convívio social. Esse órgão é o Conselho da Comunidade.04 Realmente, dentre os denominados Órgãos da Execução Penal, trazidos no 61 da LEP05, destaca-se o Conselho da Comunidade, a quem incumbe,

04

Cartilha Conselhos da Comunidade/Comissão para Implementação e Acompanhamento dos

Conselhos da Comunidade. Brasília/DF: Ministério da Justiça, 2008, 2ª edição. 05

Art. 61, da Lei 7.210/84: Art. 61. São órgãos da execução penal: I - o Conselho Nacional de Política

Criminal e Penitenciária; II - o Juízo da Execução; III - o Ministério Público; IV - o Conselho Penitenciário; V - os Departamentos Penitenciários; VI - o Patronato; VII - o Conselho da Comunidade. VIII - a Defensoria Pública.


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através de representação de setores da sociedade, realizar mensalmente visitas aos estabelecimentos prisionais existentes na comarca, realizando entrevistas e relatórios para serem levados ao conhecimento dos demais Órgãos da Execução Penal, buscando, ainda, viabilizar recursos materiais e humanos para melhorar a assistência ao preso ou internado06. O art. 4º da LEP é preciso quando afirma que o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança. Destarte, faz-se urgente chamar a sociedade a participar mais efetivamente nas questões relacionadas ao cárcere, posto que sob os influxos da mídia se busca cada vez mais aprisionar e manter o preso o maior tempo possível na masmorra, todavia, esquecem-se da condição humana daqueles que, por motivos que não cabem aqui discutir, descumpriram norma de conduta estabelecidas no nosso Código Repressivo Penal, esquecem-se, principalmente, que a regra é de que esses reclusos um dia voltarão à sociedade, que os quer ver longe, e voltarão em que condições???... certamente, brutalizados, “perdendo a própria noção de si mesmos (ser), a própria identidade de criatura humana... e assim projetando no outro a sua face mais cruel”07. Pois bem, diante dessa constatação, urge também que o Ministério Público cumpra o seu mister, buscando promover o fomento, a criação e, se for o caso, a restruturação dos Conselhos da Comunidade em cada comarca onde houver estabelecimentos prisionais, conscientizando, primeiro, os pró-

06

Art. 81, da Lei 7.210/84: Art. 81. Incumbe ao Conselho da Comunidade: I - visitar, pelo menos

mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na comarca; II - entrevistar presos; III - apresentar relatórios mensais ao Juiz da execução e ao Conselho Penitenciário; IV - diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento. 07

Do Projeto à Realidade: Humanizar e Estruturar a Cadeia Pública de Itambé. Rosemary Souto

Maior de Almeida. Ed. Novo Horizonte. Recife 2012, p. 11.


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prios membros do parquet da necessidade de se importar com a dignidade do recluso ou internado, como também do egresso; e, depois, logo em seguida, se dispondo a conscientizar também a sociedade para que lance um novo olhar à população encarcerada, o que poderá proporcionar, nessa união de esforços, que quando egressos, estejam esses “homens delinquentes”08 em melhores condições de reintegração social. Conforme Alvino Augusto de Sá: Quando se fala aqui em delinquente, não se quer dizer uma pessoa com a qualidade intrínseca de delinquente, mas sim uma pessoa que foi envolvida e selecionada pela justiça e condenada. Para qualquer viés teórico da criminologia clínica, o delinquente é uma pessoa que foi envolvida e selecionada pela justiça. No entanto, para o viés mais estritamente médico-psicológico, ela foi envolvida e selecionada por conta de seus traços de personalidade e demais fatores individuais que a tornaram criminosa. Já para o viés crítico, ela foi envolvida e selecionada por conta de suas condições históricas, sociais econômicas, que a teriam tornado candidata ideal e frágil perante o sistema seletivo punitivo.

O que se propõe, portanto, é que se cumpra a legislação acerca da criação, em cada comarca onde exista uma unidade prisional ativa, um Conselho da Comunidade, e que o Ministério Público possa tomar para si a responsabilidade de invocar a sua condição de agente transformador da realidade social e, buscando o apoio e a coparticipação da sociedade local, possa, realmente,

08

SÁ, Augusto Alvino de. Criminologia Clínica e Execução Penal. Proposta de um Modelo de

Terceira Geração. Ed. Saraiva. 2ª edição. 2015. pág. 65.


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promover o fomento, a criação e/ou reorganização desses Conselhos comunitários, como Órgão da Execução Penal com papel fundamental e preponderante para a melhoria das condições assistenciais do preso e do internado, com reflexos também importantes na condição do egresso, que se mostra como certa no sistema progressivo de cumprimento da pena privativa de liberdade, principalmente. Demonstrar a vocação do Ministério Público para modificar a sua condição de mero expectador para a condição de protagonista no processo de criação e/ou fomento dos Conselhos da Comunidade, quebrando o paradigma de que caberá, única e exclusivamente, ao Juiz da Execução Penal tal papel e que ao parquet só caberia fiscalizar a atuação dos conselhos, é o objetivo principal desse ensaio. Mostrar-se-á que a amplitude legal do papel do Ministério Público no âmbito da execução da pena o permite tomar para si esse protagonismo sugerido, com instrumentos legais para conclamar e conscientizar a sociedade para o seu papel de também fiscalizar o cumprimento da medida aflitiva materializada na pena. Buscar-se-á tomar como modelo o Ministério Público do Paraná, que logrou estruturar, em conjunto com o Poder Judiciário paranaense, todos os passos para que promotores de Justiça e Juízes pudessem criar e fomentar os Conselhos da Comunidade nas comarcas daquele Estado da Federação, procurando acabar com o hiato existente entre a legislação e a realidade nua e crua observada em quase todos os demais Estados do nosso País, onde o próprio Estado, as instituições e a sociedade negligenciam, não se importam, com o que ocorre intramuros das masmorras, apelidadas de presídios ou penitenciárias. Almeja-se aqui que as propostas lançadas possam servir para que o Ministério Público promova o cumprimento da legislação pertinente, atribuindo, inclusive, como meta do planejamento estratégico, a criação dos


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Conselhos da Comunidade em todas as comarcas onde existam unidades prisionais ou de aplicação de medida de segurança, chamando os promotores de Justiça a assumirem o protagonismo da conscientização e incentivo da sociedade para participar de maneira decisiva na reintegração social do reeducando.

2 O Conselho da Comunidade como

órgão da execução penal

Já de início, a LEP define a missão dessa tarefa conferida ao Estado, prevendo expressamente que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.09 O art. 61 da LEP traz disciplinamento quanto aos órgãos encarregados da execução penal, elencando-os, sem qualquer hierarquia, em oito incisos, com delimitação expressa da área de competência de cada um deles nos artigos que se seguem. Assim, atribui-se competência ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (art. 64), ao Juízo da Execução (art. 66), ao Ministério Público (art. 67 e 68), ao Conselho Penitenciário (art. 70), ao Patronato (art. 79), ao Conselho da Comunidade (art. 81) e à Defensoria Pública (art. 81-B). A exposição de motivos da Lei de Execução Penal afirma que “as atribuições pertinentes a cada um de tais órgãos foram estabelecidas de forma a evitar conflitos, realçando-se, ao contrário, a possibilidade de atuação conjunta, destinada a superar os inconvenientes graves resultantes do antigo e

09

Art. 1º da Lei 7.210/1984.


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generalizado conceito de que a execução das penas e medidas de segurança é assunto de natureza meramente administrativa”.10 Para corrigir distorção da não inclusão da Defesa como órgão da execução penal, pois se imaginava que, como parte no processo executivo, não poderia figurar no rol do art. 61 da LEP, ao menos no que diz respeito à Defensoria Pública, a Lei 12.313/2010 tratou de incluí-la, atribuindo-lhe a incumbência de atuar em prol dos necessitados em todas as fases do processo executório, consagrando a garantia de pleno acesso à Justiça aos presos, egressos e seus familiares. Por certo, como dispõem os dispositivos da LEP que tratam do Juízo da Execução (art. 66, inciso IX), caberá a este a competência para compor e instalar o Conselho da Comunidade, mas, em nenhum momento se exclui a possibilidade da participação efetiva dos demais órgãos, notadamente, do Ministério Público na condução de tal desiderato. O Conselho da Comunidade, como já se viu alhures, através de representação de setores da sociedade, está incumbido de realizar mensalmente visitas aos estabelecimentos prisionais existentes na comarca, realizando entrevistas e relatórios para serem levados ao conhecimento dos demais Órgãos da Execução Penal, buscando, ainda, viabilizar recursos materiais e humanos para melhorar a assistência ao preso ou internado. A composição do Conselho da Comunidade está descrita no art. 80 da LEP, ou seja, será composto, no mínimo, por um representante de associação comercial ou industrial, um advogado indicado pela Seção da Ordem dos Advogados do Brasil, um defensor público indicado pelo Defensor Público-Geral e um assistente social escolhido pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais.11

10

Item 88 da Exposição de motivos da Lei de Execução Penal.

11

Redação dada pela Lei nº 12.313, de 2010.


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Não obstante o comando legal determinar que em cada comarca deverá haver um Conselho da Comunidade com tais incumbências, em face do nosso País possuir cerca de 2.643 comarcas, deveríamos ter pelo menos 2.643 Conselhos da Comunidade, contudo a realidade é extremamente diversa. Foi nesse contexto que, no ano de 2004, o Ministério da Justiça deu um importante passo para a efetivação da democracia e da participação social nas questões relacionadas à execução penal, com a criação da Comissão Nacional para Implantação e Acompanhamento dos Conselhos da Comunidade. Foi realizado, em 2008, um levantamento pelo Ministério da Justiça sobre existência dos Conselhos da Comunidade nos Estados, perfazendo um total de 639 conselhos, sendo que destes, 252 estavam localizados na Região Sul (40%). Na Região Nordeste, somente 31 Conselhos da Comunidade enviaram respostas aos questionários enviados pela Comissão Nacional para Implantação e Acompanhamento dos Conselhos da Comunidade. O Departamento Penitenciário Nacional tem se esforçado para implementar os Conselhos da Comunidade, tarefa que, embora afete o Poder Judiciário, o Ministério Público, principalmente, não pode assistir passivamente a falta de iniciativa por quem de direito. É urgente a necessidade de que saíamos da zona de conforto, de que tomemos para nós do aguerrido Ministério Público brasileiro a responsabilidade de assumir o protagonismo da criação e/ou fomento dos Conselhos da Comunidade em nosso Estado, sensibilizando toda a sociedade da importância de sua participação no processo de reintegração social do reeducando. Os Conselhos da Comunidade são parte da execução penal, se constituem na instituição que tem a possibilidade de aproximar a sociedade da prisão e a prisão da sociedade, promovendo uma reparação do fenômeno da invisibilidade do cumprimento da pena, possibilitando o controle social dessa política pública e viabilizando a reflexão sobre os efeitos do cárcere na sociedade e sobre as relações que produzem a criminalidade. Considerando


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a relevância de sua função é evidente a necessidade de investir no processo de criação e/ou fomento e/ou reorganização dos Conselhos da Comunidade, visando um ganho expressivo nas questões relativas às políticas penais e penitenciárias. O envolvimento da sociedade nas atividades de execução da pena é providência que se justifica no principal objetivo do processo executivo: a harmônica inclusão social do condenado. Cabe então recorrer à comunidade para a cooperação nas atividades de execução penal. A participação da comunidade nessa matéria constitui exercício da cidadania, devendo ser estimulada de modo a amenizar o preconceito em relação ao preso, e no sentido de que seja viabilizada, ao final da execução, a pretendida inclusão do condenado na comunidade.12 Desde a Constituição de 1988, verificam-se avanços na participação cidadã nas políticas sociais, na forma de conselhos gestores ou conselhos de direitos em áreas como saúde; assistência social; criança e adolescente; ou no trabalho com temáticas específicas, como mulheres, negros, drogas. O mesmo avanço, no entanto, não é observado nas políticas ligadas à segurança pública, especialmente ao sistema prisional.13 A participação social nas questões ligadas à prisão está prevista na legislação nacional e em diferentes tratados internacionais de defesa dos direitos dos presos. Na legislação nacional, o conselho de comunidade é disposto na LEP como um órgão da execução penal e representa a instância de participação da comunidade local junto aos presídios. Mesmo que sua formatação le-

12

SILVA, Haroldo Caetano da. A participação comunitária nas prisões. Fundamentos e Análises

sobre os Conselhos da Comunidade. DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional. 2011. 13

WOLF. Maria Palma. Participação social e sistema penitenciário: uma parceria viável?

Fundamentos e Análises sobre os Conselhos da Comunidade. DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional. 2011.


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gal e seu grau de institucionalização não estejam suficientemente definidos, conselhos têm sido implantados no Brasil. No entanto, a prática que é observada nos diferentes estados brasileiros remete, em muitos casos, a ações pontuais destinadas apenas a suprir necessidades materiais dos presídios ou àquelas de cunho meramente assistencialista. Deixa-se, assim, de imprimir um caráter mais estrito de representação da sociedade local na problemática que envolve os presos e os egressos do sistema penitenciário.14 De se ressaltar, ainda, que esta forma de participação social na execução penal veio a ser reforçada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em 14 de dezembro de 1990, quando enunciou os Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos, visando à humanização da Justiça penal e à proteção dos direitos do homem. No Princípio 10 está dito, textualmente, que “Com a participação e ajuda da comunidade e das instituições sociais, e com o devido respeito pelos interesses das vítimas, devem ser criadas condições favoráveis à reinserção do antigo recluso na sociedade, nas melhores condições possíveis”.15

3 A natureza jurídica do Conselho

da Comunidade

Cumpre, por importante, para a viabilidade do que ora se propõe, indicar qual a natureza jurídica dos Conselhos da Comunidade, advertindo, desde logo, ao leitor de que, como ditos órgãos da execução penal, não obstante vetustos, ainda são incipientes no nosso País, não se tem pacificado o tema, encontrando-se conselhos constituídos por diversas formas jurídico-legais.

14 Idem. 15 http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/fpena/pbasic.htm


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Como se sabe, a Lei de Execução Penal não definiu a natureza jurídica do Conselho da Comunidade. Determina ser um órgão da execução penal, mas seria uma pessoa jurídica de direito público? E em sendo assim, o recebimento de recursos estaria sujeito também ao controle do Tribunal de Contas do Estado? Ou, ao contrário, pode-se constituir, após ato inicial do juiz, um Conselho sob a forma de pessoa jurídica de direito privado (de fins não econômicos)? Nessa última hipótese, tem-se como compatível com uma pessoa jurídica de direito privado o fato de a composição e instalação se dar por meio de ato constitutivo judicial, ou seja, de um terceiro estranho aos quadros associativos? Ou seria o Conselho da Comunidade um simples órgão auxiliar do juízo? Neste caso, na hipótese de omissão do juiz em compor e instalar o Conselho, qual o procedimento a ser adotado pela comunidade que deseja ter o seu conselho? No intuito de responder a tais indagações, o Eminente Luciano Losekann, à época Membro da Comissão Nacional de Implementação e Acompanhamento dos Conselhos da Comunidade16, faz uma reflexão bastante pertinente sobre a questão: Hoje em todo o Brasil, vê-se que há Conselhos que possuem a feição de “pessoas jurídicas de direito público”, sem estatutos ou mecanismos internos de regramento e que atuam, simplesmente, após constituição pela autoridade judiciária, como se fossem auxiliares do juízo, prestando-lhe contas. Outros há que, mesmo como “pessoas jurídicas de direito público” adquirem e buscam maior autonomia em relação à figura do juiz, seja para que o trabalho a ser desenvolvido

16

LOSEKANN, Luciano. O juiz, o poder judiciário e os conselhos de comunidade: algumas reflexões

sobre a participação social na execução penal.


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não seja pessoalizado, centrado na figura do juiz “x” ou “y” (o que, geralmente, resulta no desaparecimento das atividades do Conselho quando este magistrado é promovido/removido da comarca e a assunção de um novo juiz que não tenha nenhuma vocação ou pendor para a área da execução penal acaba desestimulando a participação comunitária). Há, ainda, outros membros de Conselhos que, após serem convocados pelo magistrado a assumirem seus cargos, tratam de organizar e constituir uma pessoa jurídica de direito privado, com personalidade jurídica e estatutos próprios, com diretoria periodicamente eleita, não só para ter independência em relação ao juízo, como, também, para mais facilmente conseguir obter recursos públicos e privados, apresentando projetos a entidades públicas e privadas dispostas a financiar iniciativas na seara penal.

Segundo a Comissão Nacional de Apoio e Incentivo aos Conselhos da Comunidade as especificidades locais é que devem orientar a ação dos conselheiros, pois as diversidades são tão grandes que orientação única poderia vir a frustrar o objetivo maior da própria Comissão, que é o de disseminar a existência do maior número de Conselhos possível, por todo o País. Conforme Losekann17, “constatou-se que tanto Conselhos que se organizam sob a forma ‘pública’(...), como aqueles que se organizam sob a forma ‘privada’(...), têm conseguido atingir seus objetivos fundamentais. Nada obstante, a própria Comissão Nacional de Apoio e Incentivo aos Conselhos da Comunidade, ante a pouca clareza da LEP, tem deixado claro em suas manifestações públicas que o órgão mais parece se aproximar da figura de

17 Idem.


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uma pessoa jurídica de direito público, estando, nesse caso, inclusive sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas do Estado quanto a eventuais verbas de natureza pública que receba”. No exemplo do Estado do Paraná, o Ministério Público, por intermédio do Procurador-Geral de Justiça e do Corregedor-Geral do Ministério Público, e sua excelência o Corregedor-Geral da Justiça, editaram, em conjunto, a Instrução Normativa nº 01/2014– CGJ/PR e MP/PR – CGJ/PR e MP/PR, com a finalidade de instituir normas para constituição, regularização e funcionamento dos Conselhos da Comunidade no Estado do Paraná, onde se determinou que os conselhos fossem criados com natureza de pessoa jurídica de direito privado, na modalidade Associação Civil.18 Editaram, também, a Instrução Normativa nº 02/2014 – CGJ/PR e MP/PR19, dessa vez com o fim de determinar normas para o recolhimento, a destinação, a liberação, a aplicação e a prestação de contas de recursos oriundos de prestações pecuniárias, na esteira da Resolução nº 154/2012, do CNJ.20 Já o Conselho da Comunidade da capital paulista foi constituído por meio da Portaria nº 04, de 09 de março de 2005, da lavra do então Juiz Corregedor dos Presídios e da Vara das Execuções Criminais, dr. Miguel Marques e Silva, tendo aprovado seu Regimento Interno em outubro do ano de 2006, constituindo-se, pois, como pessoa jurídica de direito público. A seu turno, a Cartilha Conselho da Comunidade, da Comissão para Implementação e Acompanhamento dos Conselhos da Comunidade, orienta

18

Art. 6º O Conselho da Comunidade constituir-se-á como pessoa jurídica de direito privado, sob a

forma de Associação Civil, mediante cumprimento das seguintes etapas sequenciais: 19

Instrução Normativa nº 02/2014 – CGJ/PR e MP/PR, institui normas para o recolhimento, a

destinação, a liberação, a aplicação e a prestação de contas de recursos oriundos de prestações pecuniárias no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Paraná. 20

Resolução nº 154/2012 do Conselho Nacional de Justiça, que define a política institucional do Poder

Judiciário na utilização dos recursos oriundos da aplicação da pena de prestação pecuniária.


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que, para facilitar a obtenção e a aplicação de recursos, muitos conselhos têm se constituído como pessoa jurídica, em geral como uma associação. Dessa forma possuem o aparato necessário para criar uma conta bancária, estabelecer convênios, executar despesas, etc. As formas mais comuns de captação de recursos pelos conselhos, segundo a cartilha, são por meio de: a) Penas pecuniárias; b) Projetos financiados por órgãos governamentais; c) Projetos financiados por organizações não governamentais; d) Convênio ou subvenção com o município onde o conselho está localizado ou com os municípios vizinhos que não possuem estabelecimento penal; e) Convênio ou subvenção com o Estado; f) Doações. Vale ressaltar que o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento nº 21, de 30 de agosto de 2002, onde, ao que parece, cria uma natureza jurídica sui generis para os Conselhos da Comunidade, posto que determina que as prestações pecuniárias e as prestações sociais alternativas, objeto de transação penal e de sentença condenatória que não forem revertidas às vítimas ou aos seus sucessores deverão ser destinadas pelo juiz às entidades públicas, privadas com destinação social e aos conselhos da comunidade.21 O referido Provimento nº 21, em seu § 1º define que “consideram-se entidades públicas as definidas nos termos art. 1º, § 2º, II, da Lei nº 9.784/1999, entidades privadas com destinação social as que atendam aos requisitos do art. 2º da Lei nº 9.637/1998, e conselhos da comunidade aqueles definidos nos termos da Lei de Execução Penal”.22 O que se propõe, com o objetivo de facilitar a criação dos Conselhos da Comunidade, é, inicialmente, dar aos mesmos uma roupagem eminentemente pública, com ato constitutivo emanado de Portaria do Juiz da Exe-

21

Provimento nº 21/2002 do Conselho Nacional de Justiça, que define regras para a destinação e

fiscalização de medidas e penas alternativas. 22 Idem.


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cução Penal da respectiva Vara Regional, após atuação do Ministério Público para conscientização e mobilização da sociedade onde exista unidade prisional, propondo-se para a organização do órgão um regimento interno, onde se tenha, minimamente, a linha de atuação, os objetivos e metas desses conselhos. A partir do desenvolvimento natural dos Conselhos da Comunidade e com o engajamento dos diversos setores da sociedade organizada e com a necessidade de expansão dos seus objetivos, poder-se-á transformar ou constituir, os conselhos, em sociedades civis, creditando-os, assim, a receberem subvenções públicas que facilitem o alcance de suas metas. Tudo isso, evidentemente, até que reforma legislativa possa desvendar, de uma vez por todas, qual deverá ser a natureza jurídica dos Conselhos da Comunidade.

4 Do papel do Ministério Público na

execução penal na perspectiva da defesa dos direitos humanos

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis23. Para tal mister importa ressaltar que o Ministério Público possui uma atividade fiscalizadora em toda a sua atividade funcional, quer na esfera civil, quer na esfera penal. Sempre que estiver envolvido numa relação jurídica litigiosa, em um conflito de interesses, uma norma de ordem pública ou

23

Art. 127, caput, da CF/88.


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um direito indisponível, irrenunciável, impõe-se a função fiscalizadora do parquet. Porém, para fiscalizar, o Ministério Público pode requerer e então passa a ser, diretamente, parte processual, ou pode intervir. Renan Severo Teixeira da Cunha, apud Julio Fabbrini Mirabete24, afirma que “pouco importa que para essa fiscalização vista as roupagens de parte requerente ou de órgão interveniente; sempre será órgão fiscalizador, com todas as consequências dessa atividade”. Com relação à função fiscalizadora do Órgão Ministerial na Execução Penal, consoante a disposição do art. 67 da LEP, “o Ministério Público fiscalizará a execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes de execução”. Cabe inferir, então, que se lhe incumbe atuar em todo o processo executivo, isto é, desde o início do cumprimento da pena – art. 195 da LEP25 – até seu final, com a consequente extinção da punibilidade do sentenciado. Na lição de Mirabete26: ... Confere-se ao parquet a função de promover a observância do direito objetivo, atuando imparcialmente na verificação dos requisitos legais para o estrito cumprimento do título executivo penal. Como na execução penal entra em jogo um interesse público primário, que envolve um direito irrenunciável do condenado (status libertatis), é possível que se estabeleça uma situação em que se pretenda, como inte-

24

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. Editora Atlas. 11ª Edição. p. 227.

25

Art. 195. O procedimento judicial iniciar-se-á de ofício, a requerimento do Ministério Público, do

interessado, de quem o represente, de seu cônjuge, parente ou descendente, mediante proposta do Conselho Penitenciário, ou, ainda, da autoridade administrativa. 26

MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. Cit. p. 227/228.


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resse público secundário, alterar ou mesmo extinguir os limites traçados no título executório. Nem sempre o interesse da Administração com os interesses genéricos e maiores de toda a coletividade, devendo o Ministério Público defender estes, orientando sua fiscalização para que se perfaça a exata aplicação da lei penal, processual e de execução penal.

E arremata o festejado autor: A função fiscalizadora do Ministério Público não poderia ser executada se não se lhe dessem os meios para essa atividade fundamental. Assim, como corolário do disposto no art. 67, deve o órgão ser intimado de todas as decisões exaradas no curso o processo executivo, quer sejam jurisdicionais, quer sejam administrativas. Na primeira hipótese, cabe-lhe ainda opinar previamente, requerer e recorrer das decisões do juiz. Na segunda, pode valer-se dos meios processuais previstos na lei de execução, principalmente o procedimento judicial para apurar excesso ou desvio, representar às autoridades administrativas superiores contra ato abusivo de qualquer funcionário e requisitar providências da Administração Pública quando necessário.

Podemos, assim, divisar duas possibilidades de intervenção ministerial na execução da pena, sendo a primeira relativa à possibilidade de requerer deliberações judiciais relacionadas à concessão ou revogação de benefícios, instauração de incidentes, conversões e quaisquer outras providências que digam respeito ao desenvolvimento do processo executivo; e a segunda no sentido de intervir, mediante manifestações, em relação a situações que se


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materializam no processo de execução criminal que decorrem de pretensões do próprio apenado ou do seu defensor, como também, a partir de intervenções do conselho da comunidade, do pronunciamento do Conselho Penitenciário, de provocações ex officio do juiz da execução, entre outras. Além da disposição genérica trazida no art. 67 da LEP, em vários outros dispositivos da Lei de Execução Penal se reclama expressamente a necessidade de intervenção do Órgão do Ministério Público, previamente ao pronunciamento judicial. São casos de expressa determinação da LEP, por exemplo, a progressão de regime prisional (art. 112, § 1º, da LEP), a saída temporária (art. 123 da LEP), a remição (art. 126, § 8º, da LEP) e a extinção da medida de segurança em face da cessação da periculosidade (art. 175, III, da LEP). A ausência de manifestação do Ministério Público em todas as fases relativas à execução da pena, conforme consolidada jurisprudência, é causa de nulidade absoluta. Temos ainda as disposições do art. 68 da LEP, que trazem uma série de atribuições do Ministério Público, em um rol que é meramente exemplificativo, abrangendo situações que, inclusive, já estariam previstas no próprio art. 67, em razão da sua amplitude genérica, considerando-se até desnecessário descrever as hipóteses daquele artigo da Lei de Execução Penal. É possível concluir-se, então, que as funções do membro do Ministério Público no campo das Execuções Penais são mais amplas que aquelas que os próprios dispositivos legais da LEP enumeram, posto que está autorizado, inclusive pela natureza intrínseca do seu mister de defensor dos interesses primários da sociedade e de defensor dos Direitos Humanos, a atuar nas questões não judicializadas da execução da pena, isto é, nas questões meramente administrativas, como é o caso de assumir o protagonismo da criação dos Conselhos da Comunidade, notadamente, quando restar inerte o Poder Judiciário.


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5 O papel do Ministério Público

na regulamentação, instalação e organização do Conselho da Comunidade. A mudança de paradigma: de coadjuvante à protagonista.

É necessário compreender que a prisão e as pessoas lá detidas integram a mesma sociedade em que vivemos, e não um mundo à parte sobre o qual nada temos a ver. Os Conselhos da Comunidade operam como um mecanismo para esse reconhecimento e para que a sociedade civil possa efetivamente atuar nas questões do cárcere, quer para humanizá-lo, quer para que as pessoas que lá estão possam retornar ao convívio social a partir de uma perspectiva mais reintegradora.27 É preciso lançar os olhos críticos ao dispositivo da LEP que atribui ao Juízo da Execução compor e instalar o Conselho da Comunidade, posto que quis o legislador adotar tão-somente critério de competência para o ato legal de criação e nomeação dos componentes do Conselho. Não afasta a lei, em momento algum, a possibilidade de que o Ministério Público, como Órgão da Execução Penal, como fiscalizador da execução da pena e da medida de segurança, oficiante necessário no processo executivo, em todas as suas fases, e nos incidentes de execução; possa assumir para si o protagonismo de trazer a sociedade a participar da execução da pena, se fazendo representar (a sociedade) no Conselho da Comunidade.

27

Cartilha Conselhos da Comunidade/Comissão para Implementação e Acompanhamento dos

Conselhos da Comunidade. Brasília/DF: Ministério da Justiça, 2008, 2ª edição.


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Não se pode prescindir da atuação dos membros do Ministério Público para arregaçar as mangas, sair da zona de conforto, assumir a responsabilidade de fazer valer a vontade do legislador em criar um órgão que busca a participação da sociedade organizada nas políticas públicas de reintegração social do recluso e do egresso. Como a LEP atribui ao Juízo da Execução Penal a composição e criação dos Conselhos da Comunidade, as Procuradorias-Gerais de Justiça poderão, junto com as Doutas Corregedorias-Gerais do Ministério Público, entabular conversações junto às Corregedorias-Gerais da Justiça, órgão competente do Poder Judiciário, a fim de que, tal qual houve no Estado do Paraná, em ato conjunto, possam instar os juízes e os promotores de Justiça a, juntos, envidarem ingentes esforços no sentido de criarem os Conselhos da Comunidade nas suas respectivas comarcas de atuação, onde hajam unidades prisionais. Malgrado essa tratativa, e também na perspectiva de que a atuação do parquet nessa seara não está, absolutamente, atrelada ao Poder Judiciário, consoante a Lei Orgânica do Ministério Público, as Procuradorias-Gerais de Justiça poderão expedir recomendações aos Órgãos do Ministério Público, notadamente aos promotores de Justiça, para que fomentem a criação e/ou a organização dos Conselhos da Comunidade enquanto órgão de Execução Penal. Assim, mesmo sem caráter normativo, após articulação com as Corregedorias-Gerais do Ministério Público, poderão, as Procuradorias-Gerais de Justiça, expedir recomendação aos promotores de Justiça Criminais (com atuação na execução da pena); ou ainda aos promotores de Justiça de Cidadania, com atuação na Curadoria dos Direitos Humanos, conforme seja a especificidade, com tal finalidade, isto é, recomendar que os membros com atribuição legal possam informar à sociedade sobre a importância da criação do Conselho da Comunidade, sobre as funções do mesmo, sobre a necessi-


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dade de participação social para o fim de fiscalização da pena e da medida de segurança, inclusive, com o viés de que o cuidado com o recluso e com o egresso são fatores decisivos para abrandar os índices de reincidência etc., incentivando que eles (os promotores de Justiça) se envolvam na causa, se engajem do espírito de transformadores da ordem social, cooptando pessoas igualmente comprometidas e que queiram dar uma parcela de contribuição em uma área ao mesmo tempo tão importante e tão esquecida para a pacificação social e para a obtenção do bem comum. A seu turno, as Corregedorias-Gerais do Ministério Público, do mesmo modo, terão atribuições por demais importante nesse processo criativo/ organizador, já que os promotores de Justiça já estarão devidamente imbuídos da missão de fomentar a criação e/ou organização dos Conselhos da Comunidade, na condição de órgão orientador e fiscalizador das atividades funcionais dos membros do parquet envolvidos, lhes caberá também realizar sugestões e recomendações no sentido de orientar na realização da função e na cobrança dos resultados. Os Centros de Apoio Operacionais específicos (Criminais ou de Execução Penal, onde houver), como órgão auxiliar da atividade funcional dos promotores de Justiça, poderão estimular a integração entre os membros ministeriais e destes com o Poder Judiciário, subsidiando a todos com informações técnico-jurídicas acerca dos Conselhos da Comunidade, atuando, ainda, como interlocutores entre os órgãos de execução e as CGMPs e as PGJs, visitando, in loco, as Promotorias de Justiça e os Conselhos da Comunidade, participando das audiências públicas para criação dos conselhos, enfim, dando todo o suporte para que se materialize o comando normativo. O Ministério Público poderá ainda criar um Grupo de Atuação Especial com atribuições específicas na área da Execução Penal, a quem incumbirá elaborar cartilhas e kits autoexplicativos (contendo modelos de Portarias, Recomendações, Regimento Interno do Conselho da Comunidade, Ofícios


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etc.) para distribuição aos promotores de Justiça envolvidos; além de encetar esforços no sentido de providenciar junto ao Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF), da Escola Superior do Ministério Público, cursos de atualização e capacitação relativos à atividade de execução da pena e à formação e instauração dos Conselhos da Comunidade; incentivar a instalação desses Conselhos da Comunidade e acompanhar o seu funcionamento, orientando, no que couber e no que lhe for possível, na correção de rumos porventura inadequados; acompanhar os membros do Ministério Público na organização e realização das audiências públicas para informação, orientação, sensibilização e convencimento da sociedade sobre a necessidade de sua participação nas importantes questões relativas à execução da pena, ao preso e ao egresso, sempre demonstrando que a segurança pública, em um sentido macro, também é responsabilidade dessa mesma sociedade; atuará ainda no sentido de buscar, junto ao Ministério da Justiça, no Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e na Comissão para Implementação e Acompanhamento dos Conselhos da Comunidade cursos de formação, capacitação e aprimoramento para os membros dos Conselhos da Comunidade, capacitando-os a gerir e conduzir bem as atividades dos conselhos. Por fim, como elemento primordial dessa engrenagem, atuará o promotor de Justiça, que, com o apoio dos demais órgãos do Ministério Público, poderá, como condição que lhe é peculiar e natural, aproximar-se da sociedade, chamando-a a participar, conscientizando e sensibilizando as diversas parcelas do corpo social de que garantindo a dignidade da pessoa humana na execução da pena estarão contribuindo para a diminuição dos índices de reincidência e, por conseguinte, para o resguardo do direito fundamental à segurança pública. O promotor de Justiça, como já se disse, deverá encetar conversações e diálogos com a sociedade. Buscará, em primeiro lugar, convencer o Poder Judiciário local da importância da criação do Conselho da Comunidade e


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conscientizar o magistrado de que é dele a competência para criação do órgão. Estabelecerá, ainda, contato com as prefeituras e suas secretarias pertinentes; com as câmaras de vereadores, notadamente, com a Comissão de Direitos Humanos; com a OAB; com os núcleos locais da Defensoria Pública; com as escolas (da rede pública ou privada); com as instituições de ensino superior (públicas ou privadas); com as associações comerciais e industriais; com os clubes de serviço; com as associações, sindicatos, com os órgãos da mídia local, que terão papel importante da divulgação das ações do Ministério Público nessa seara..., enfim, com todas as instituições que possam, ou através da indicação de nomes para compor os Conselhos da Comunidade, ou através do apoio direto ou indireto, auxiliar na criação de tais Órgãos da Execução Penal. Feitos os contatos, estabelecidos os canais de diálogo, mas ainda não obtidos os nomes para compor o Conselho da Comunidade, poderá o promotor de Justiça partir para a realização de audiências públicas para informar, sensibilizar e convencer acerca da grande importância da criação de mais esse órgão de apoio e controle da execução da pena, convocando autoridades locais e todos os possíveis atores na composição e, acima de tudo, a população em geral, para proporcionar, assim, que o reclamo para a criação do conselho passe a ser uma demanda vinda da própria sociedade, nascendo daí o espírito de solidariedade e do cumprimento de dever de cidadão, no exercício mais elevado da cidadania. Pode-se, inclusive, em último caso, expedir ofícios às instituições referidas na LEP28, para que as mesmas indiquem nomes para a composição do Conselho da Comunidade. Contudo, a adesão espontânea proporcionará espírito de pertencimento e, via de consequência, melhores condições de desenvolvimento de suas atividades.

28

Art. 80 da Lei 7.210/1984.


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Composto o Conselho da Comunidade, caberá ao promotor de Justiça requerer ao juiz competente que realize a formação e criação do mesmo, passando-se a ser regido pela normatização da Lei de Execução Penal e pelo seu Regimento Interno, sob a orientação, coordenação e fiscalização do Poder Judiciário e do Ministério Público, com a possibilidade de, com sua evolução, vir a se capacitar a receber subvenções públicas que auxiliarão na expansão dos seus objetivos e metas. Acredita-se ser inconveniente a participação tanto do Ministério Público, quanto do Poder Judiciário, como membros efetivos dos Conselhos da Comunidade, posto que deverão atuar de forma a colaborar, coordenar, orientar e fiscalizar os conselhos, não sendo prudente estarem inseridos em suas composições, não se podendo olvidar, no entanto, que eles (os conselhos) não deverão manter uma relação de subserviência aos promotores de Justiça ou aos magistrados, devendo agir autonomamente, com independência e altivez, na consecução dos seus objetivos. Destarte, sem a vã expectativa de esgotar a questão, propugna-se que o Ministério Público assuma o protagonismo do fomento e da criação dos Conselhos da Comunidade, posto que não mais podemos somente observar a inatividade do Poder Judiciário para se desincumbir de seu mister. Faz-se mister lembrar que a Defensoria Pública, desde a Lei 12.313/2010, já é Órgão da Execução Penal e órgão integrante do Conselho da Comunidade e, com isso, nada impede que nós do Ministério Público possamos perder, também pela nossa inércia, a oportunidade de exercitarmos a nossa vocação de defensores dos interesses mais lídimos (mesmo que as vezes não percebidos e não sentidos) da sociedade.


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6 Conclusão O desiderato do presente artigo foi o de demonstrar que há fundamento jurídico-legal para que o Ministério Público saia de uma situação de mero observador para se tornar protagonista na criação dos Conselhos da Comunidade, Órgão da Execução Penal estabelecido no art. 80 da LEP. O Conselho da Comunidade se mostra imprescindível para a realização das próprias funções do Ministério Público no tocante à execução da pena e a proteção dos Direitos Humanos relativos à pessoa privada de sua liberdade, posto que cabe àquele órgão atuar em atividades consultiva, para os demais órgãos da Execução Penal; assistencial, aos presos e egressos; e fiscalizadora, com relação às unidades prisionais. Não obstante a Lei de Execução Penal atribuir a competência ao Poder Judiciário para compor e instalar o Conselho da Comunidade29, as funções atribuídas ao Ministério Público pela própria LEP, notadamente, de forma ampla e genérica no art. 67, não excluem a possibilidade de que o parquet possa tomar para si a responsabilidade de fomentar a criação e a organização dos Conselhos da Comunidade, notadamente, diante da inércia do Poder Judiciário, saindo, assim, de uma posição de mero coadjuvante para a de protagonista desse processo constitutivo-organizacional. Ao Ministério Público, por meio dos órgãos da administração superior, dos órgãos de execução e dos seus órgãos auxiliares, principalmente, por intermédio das Promotorias de Justiça Criminais (com atuação na Execução Penal) e/ou de Cidadania (Curadoria dos Direitos Humanos), cada órgão, evidentemente, dentro das suas respectivas esferas de atribuição, caberá encetar ingentes esforços no sentido de assumir o protagonismo da criação e organização dos Conselhos da Comunidade onde quer que exista unidade prisional ativa.

29

Art. 66, IX, da Lei 7.210/1984.


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Para alcançar tal finalidade, realizará ações coordenadas e sistematizadas tendentes a: a. buscar parceria com o Poder Judiciário para cumprimento da LEP; b. a informar e conscientizar a sociedade sobre a importância da criação dos Conselhos da Comunidade; c. realizar cursos de capacitação acerca da teoria e prática da Execução Penal, para membros, servidores e estagiários; d. realizar convênio com o DEPEN para realização de cursos de formação e capacitação de Conselheiros componentes do Conselho da Comunidade; e. estabelecer contato com as instituições elencadas no art. 80 da LEP para obtenção de integrantes para o Conselho da Comunidade, preferencialmente, com perfil para a atividade a ser desempenhada; f.

promover, junto ao Poder Judiciário, requerimento para a nomeação dos integrantes indicados e para a criação dos Conselhos da Comunidade, pugnando para que os componentes se comprometam perante o Regimento Interno através da assinatura de termo próprio;

g. promover o acompanhamento e a fiscalização dos Conselhos da Comunidade, visando o seu bom desenvolvimento e o alcance de suas metas. Destarte, já é tardia a necessidade de o Ministério Público sair do estado contemplativo que lhe foi imposto pela inércia do Poder Judiciário, no que concerne à criação e implantação dos Conselhos da Comunidade. Cabe somente a nós, membros do parquet nacional, sair do berço esplêndido para assumirmos o protagonismo de mais essa função engrandecedora e fortalecedora da sociedade, em busca da paz, da Justiça e do Ministério Público social.


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PRADO, Luiz Regis. HAMMERSCHMIDT, Denise. MARANHÃO, Douglas Bonaldi. COIMBRA, Mário. Direito de Execução Penal. Ed. Revista dos Tribunais. 3ª edição. 2013. SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia Clínica e Execução Penal. Ed. Saraiva, 2ª edição, 2015. SIEBRA, Maria Aparecida de Alcântara. Efetividade da Lei de Execução Penal Face ao Cumprimento de Pena Privativa de Liberdade em Cadeias Públicas. Editora Bagaço, 2006. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Ed. Revan. 5ª Edição. 2001.


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O MINISTÉRIO PÚBLICO E OS DIREITOS HUMANOS: UM AGENTE NA BUSCA DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

LUÍS SÁVIO LOUREIRO DA SILVEIRA Promotor de Justiça em Pernambuco e Coordenador do CAOP Criminal

MARIANA FARIAS SILVA

RICHARDSON SILVA

Acadêmica em Direito pela UFPE, ex-estagiária do MPPE, estagiária do TCE-PE.

Delegado Especial de Polícia em Pernambuco, professor e pesquisador.


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RESUMO O presente artigo discorre sobre a relevância da atuação específica e significativa do Ministério Público na prevenção, proteção e efetivação dos Direitos Humanos, destacando o seu caráter de agente de transformação social sobrelevado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no cumprimento de sua missão institucional, incumbido que está, dentre inúmeras outras funções, da defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais, individuais indisponíveis, difusos, coletivos, respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública. PALAVRAS-CHAVE: Ministério Público; Direitos Humanos; Atuação; Transformação social.


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1 Introdução O Ministério Público tem na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 um marco na sua história, passando a ter autonomia e independência para agir da forma mais eficiente e dinâmica possível na garantia dos direitos fundamentais e, mais especificamente, na prevenção, proteção e efetivação dos direitos inerentes aos seres humanos, dentre eles o direito à vida, à igualdade, à dignidade, à segurança, à honra, à liberdade, à propriedade, à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à convivência familiar e comunitária, à previdência social e à proteção aos desamparados. Coincide com a consolidação do regime democrático. Este marco histórico promovido pela Constituição possui um valor notável e crucial na medida em que o Ministério Público detém, dentre várias funções, a de prevenção, proteção e efetivação dos direitos humanos. É de boa lógica afirmar que, para a construção de um Estado Democrático de Direito, esta atribuição é considerada essencial, indispensável, elementar. Consolidado o regime democrático, a luta pelos direitos humanos passou a ser uma batalha pela efetiva implementação dos direitos adquiridos através da nova Carta. A partir dessas considerações, surge um novo perfil do Ministério Público. Hoje, o Ministério Público atua na defesa e efetivação dos Direitos Humanos tanto através das Promotorias de Justiça comuns como através das chamadas Promotorias de Justiça Extrajudiciais Especializadas, que trabalham com procedimentos preliminares, inquéritos civis e procedimentos de investigação criminal, visando a resolução do conflito sem a instauração de um processo judicial. Esse formato mais voltado à conciliação e à modificação de valores sem a imposição de uma sanção por um juiz representa um evidente processo de transformação social que o Ministério Público se propõe a realizar. Essa transformação é desenvolvida pelo órgão em conjunto


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com a sociedade civil, por meio da elaboração de mecanismos e estratégias para a efetivação das promessas de cidadania da Constituição de 1988. Neste artigo, por meio de uma análise histórica do Ministério Público e dos Direitos Humanos, com dados obtidos através de pesquisa bibliográfica e documental, buscamos entender qual a contribuição efetiva deste órgão para a transformação social, levando em consideração suas atribuições e sua forma de atuação.

2 Primórdios do Ministério Público Existe certo mistério quanto à verdadeira origem do Ministério Público, o que causa grande controvérsia entre os pesquisadores. Um olhar na História não possibilita determinar com precisão onde, quando e como se deu o seu surgimento. Pesquisadores asseveram que a origem da expressão “Ministério Público” foi encontrada em textos romanos clássicos, com certa constância. Ensina Moreira (2009, p. 9-10) que “O termo ‘ministério’ deriva do latim ministerium, minister, que revela o significado de oficio do servo, função de servir, mister ou trabalho. Já o adjetivo ‘público’ indica a ideia de instituição estatal (aspecto subjetivo) ou de interesse geral ou social (aspecto objetivo)”. Há pesquisadores que datam sua origem há mais de quatro mil anos, no Egito, onde havia um funcionário real, considerado a língua e os olhos do rei. Dentre outras funções, competia-lhe castigar os rebeldes, reprimir os violentos, proteger os cidadãos pacíficos, acolher os pedidos do homem justo e verdadeiro, perseguindo o malvado e o mentiroso. Fazia ouvir as palavras da acusação, indicando as disposições legais que se aplicavam ao caso, além de lhe competir tomar parte das instruções para descobrimento da verdade.


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Outros buscam as raízes do Ministério Público na Antiguidade Clássica, na Idade Média e até no vindex religionis do direito canônico. Na doutrina italiana, vê-se que os pesquisadores tentam demonstrar que a origem seria peninsular. Após muitos estudos e discussões, muitos historiadores tentam fixar a origem do Ministério Público no reinado de Felipe IV – rei da França – especificamente na Ordenança de 25 de março de 1302, na qual foram regulamentadas as principais funções e determinado que os procuradores fizessem o mesmo juramento dos magistrados, não podendo exercer outras funções que não determinadas expressamente pelo rei. Há divergência quanto à data, pois alguns mencionam 23 de março de 1303. A função já existia, só não estava devidamente regulamentada. Registra Machado (apud Marum, 2005, p. 39) que: a diferença é que, antes desse edito, os procuradores exerciam a defesa dos interesses privados do soberano e, depois dele, passaram a tutelar os interesses do Estado, separados da pessoa e dos bens do rei, sempre, entretanto, em nome dele e como uma projeção exclusiva de sua autoridade.

Com a Revolução Francesa, baseada no lema égalité, liberté, fraternité, houve uma estruturação mais eficaz do Ministério Público, conferindo garantia aos seus integrantes. A França deu grande contribuição para a história do Ministério Público. Inclusive a expressão parquet (assoalho) é constantemente usada no Brasil para referir-se à instituição. Leciona Mazzilli (1995, p. 5) que: a Revolução Francesa estruturou mais adequadamente o Ministério Público, enquanto instituição, ao conferir garantia a seus integrantes. Foram, porém, os textos napoleônicos que


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instituíram o Ministério Público que a França veio a conhecer na atualidade, daí vindo a ser difundida a instituição para diversos Estados.

E continua o eminente professor: A menção a parquet (assoalho), muito usada com referência ao Ministério Público, provém dessa tradição francesa, assim como as expressões magistrature débout (magistratura de pé) e les gens du roi (as pessoas do rei). Os procuradores do rei (daí les gens du roi), antes de adquirirem a condição de magistrados e de terem assento ao lado dos juízes, tiveram inicialmente assento sobre o assoalho (parquet) da sala das audiências, em vez de terem assento sobre o estrado, lado a lado à magistrature assise (magistratura sentada). Conservaram, entretanto, a denominação de parquet ou de magistrature débout.

Para Tornaghi (1987, p.480) “a França foi o primeiro país a registrar o surgimento de um órgão com características semelhantes às do atual Ministério Público, bem como, que, após a Revolução Francesa, tal modelo foi adotado por toda a Europa e pelas Américas, tornando-se, em seguida, uma instituição mundial”. Esclarece Rassat (apud Marum, 2005, p. 43) que: a conformação definitiva da instituição na França somente se deu com o movimento de codificação ocorrido no período napoleônico, especialmente com a edição do Código de Instrução Criminal, de 1810, que subordinou definitivamen-


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te o Ministério Público ao Poder Executivo, como seu representante junto à autoridade judiciária.

No que concerne a instituição Ministério Público a partir do ano de 1700, Hugo Mazzilli (1995, p. 8), a partir de interessante pesquisa feita por Mario Vellani, destaca que “a expressão ‘ministère public’ foi usada com muita frequência nos provimentos legislativos do século XVIII, ora designando as funções próprias daquele ofício público, ora referindo-se a um magistrado específico, incumbindo-o do poder-dever de exercitá-lo, ora, enfim, dizendo respeito ao ofício”. Rassat, Mazzilli, Marum e outros chegaram à conclusão de que a expressão “Ministério Público” teria nascido “na prática, quase inadvertidamente”, quando os procuradores do rei falavam de seu próprio mister ou ministério, e a este vocábulo se uniu, “quase por força natural”, o adjetivo “público”, para designar os interesses públicos que os procuradores e advogados do rei deveriam defender. Finalizando este tópico, para logo em seguida discorrer sobre a origem do órgão no Brasil, destacamos uma fala do jurista Bonavides (2008. p. 384), que também fortalece a nossa tese de que o Ministério Público é agente de transformação social, in verbis: “o Ministério Público nem é governo, nem oposição. O Ministério Público é constitucional; é a Constituição em ação, em nome da Sociedade, do interesse público, da defesa do regime, da eficácia e salvaguarda das instituições”.

2.1 Origens do Ministério Público no Brasil Sua origem está diretamente ligada ao direito lusitano, fruto da relação que se deu pela legislação de Portugal e o Brasil. Otacílio Silva (1991, p. 6) a partir de um importante estudo histórico entre os dois países, assim registrou:


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No Brasil, o primeiro texto levantado por Addon de Mello e ratificado por José Henrique Pierangelli, no qual se identifica o uso da expressão “Ministério Público”, baseia-se no art. 18 do Regimento das Relações do Império, baixado em 02 de maio de 1847. O desenvolvimento do Ministério Público no Brasil esteve sempre ligado ao direito português. Seus primeiros traços descendem do direito lusitano, vigente no País no período colonial. As Ordenações Manuelinas, de 1521, já mencionavam o promotor de Justiça e suas obrigações perante as Casas de Suplicação e nos juízos das terras. “O promotor de Justiça atuava basicamente como um fiscal da lei e de sua execução. Nas Ordenações Filipinas, de 1603, são definidas as atribuições do promotor de Justiça junto às Casas de Suplicação, que fica incumbido, além das atribuições de fiscal da lei, do direito de promover a acusação criminal”. (DIAS; AZEVEDO. 2008, p. 223). Discorrendo sobre o assunto, Octacílio Silva (1991, p. 6), ao fazer uma ligeira síntese sobre a ligação histórica dos dois países, assim declara: O Brasil foi descoberto por Portugal sob o império legal das Ordenações Afonsinas, que vigoravam desde 1446. Estas foram substituídas pelas Ordenações Manuelinas, a partir de 1521, as quais vigoraram em Portugal e nas suas colônias até 1868, quando entraram em vigor as Ordenações Filipinas. Assim, grande parte do Brasil - colônia e parte do Império foram regidas pelas Ordenações Manuelinas, em cujos Títulos XI e XII do Livro I se compeliram as obrigações do procurador dos feitos, do promotor de justiça da Casa da Suplicação e dos promotores de justiça da Casa Civil.

Em um excelente levantamento histórico acerca do Ministério Público, os pesquisadores Dias e Azevedo (2018. p. 223), registraram que:


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na época colonial até 1609 apenas funcionava no Brasil a justiça de primeira instância, e nela ainda não existia órgão especializado do Ministério Público. Os processos criminais eram iniciados pela parte ofendida ou pelo próprio juiz, e o recurso era interposto para a Relação de Lisboa. A figura do Promotor de Justiça só surgiu em 1609, quando foi regulamentado o Tribunal de Relação da Bahia sob as Ordenações Filipinas.

Ressaltam ainda que: em 1751 foi criada a Relação da cidade do Rio de Janeiro, que viria a se transformar em Casa de Suplicação do Brasil em 1808, cabendo-lhe julgar os recursos da Relação da Bahia. Neste novo tribunal, os cargos de Promotor de Justiça e de procurador dos feitos da coroa e da fazenda separaram-se e passaram a ser ocupados por dois titulares, dando o primeiro passo para a separação total das funções da Advocacia-Geral da União (que irá defender o Estado e o fisco) e do Ministério Público.

Não havia nenhuma referência constitucional no Período Imperial, a instituição era apenas tratada no Código de Processo Criminal. Apenas na Constituição de 1824 foram criados o Supremo Tribunal de Justiça e os Tribunais de Relação, tendo sido nomeados os respectivos Desembargadores, Procuradores da Coroa, reconhecidos como chefes do parquet. Registra Vasconcelos (2009, p. 1) que:


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Com o advento da Constituição do Império, de 1824, embora ainda não institucionalizado o Ministério Público, mencionava-se o procurador da coroa, a quem pertencia a incumbência de acusação no juízo dos crimes. Em 1932, o Código de Processo Criminal do Império referiu-se ao “promotor da ação penal”.

A Primeira Constituição da República (1891) fez referência expressa ao Ministério Público no Texto Fundamental, apenas no que diz respeito à escolha do Procurador-Geral e à sua iniciativa na revisão criminal pro reo. Assevera Vasconcelos (2009, p. 2) que a referida Constituição “limitou-se a dispor que a escolha do Procurador-Geral da República, pelo Presidente da República, deveria recair dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal”. Não reconheceu sua condição de órgão autônomo. O Ministério Público só surgiria como instituição com a Proclamação da República. Segundo Camargo (1970, p. 6), a nível de legislação o Ministério Público foi previsto: [...] primeiro pelo Decreto nº 848/1890 que reformou a justiça no Brasil; depois pelo Decreto nº. 1.030/1980, de 14 de novembro, que organizou a Justiça do Distrito Federal. No primeiro dos dois diplomas legais, na sua Exposição de Motivos, afirma-se que “o Ministério Público é instituição necessária, à qual compete: velar pela execução das leis, decretos e regulamentos que devam ser aplicados pela Justiça Federal e promover a ação pública onde ela convier”.

O Código Civil de 1916 concedeu ao Ministério Público várias atribuições, dentre estas, a curadoria de fundações, a legitimidade para propor ação de nulidade de casamento, a defesa de crianças e adolescentes, de interdição.


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Em seguida, veio a Constituição de 1934, que delineou, de forma genérica, suas competências funcionais e trouxe várias conquistas: proporcionou estabilidade aos seus membros; regulou o ingresso na carreira através de concurso; o Procurador-Geral da República passou a ser de livre nomeação e demissão pelo Presidente da República, mediante aprovação pelo Senado Federal, e garantia de vencimentos iguais aos dos ministros da Corte Suprema; tratou da organização do Ministério Público nas justiças militar e eleitoral e determinou a competência privativa dos Estados para legislar sobre as garantias do Poder Judiciário e do Ministério Público locais. A Carta outorgada na ditadura de Vargas (1937), deu início ao período conhecido como Estado Novo e foi um retrocesso para a instituição ministerial. Praticamente extirpou o parquet do ordenamento constitucional e do próprio cenário político. A Constituição de 1946 tratou da independência do Ministério Público como instituição, destacando-lhe título próprio. Várias conquistas, tais como: sistematização em dois ramos: federal e estadual; estabilidade na função, só podendo haver demissão ante sentença judicial ou processo administrativo: concurso de provas e títulos, assegurando garantias de estabilidade e inamovibilidade; promoção na carreira de entrância a entrância; remoção só por meio de representação motivada pelo Procurador-Geral; assegurada a participação do Ministério Público na composição dos tribunais. Segundo Almir Pereira (2009. p. 208) “nasceu deste modo o que se pode chamar de Independência da Instituição, que foi mantida até esta data, pelas Constituições seguintes, patenteando um Ministério Público soberano no cumprimento legal para a sociedade e a justiça”. Em 1966, o governo militar decidiu elaborar uma nova Constituição, incorporando as emendas e os atos institucionais antes editados. O Congresso Nacional foi transformado por ato institucional em Assembleia Constituinte limitada. Em 24 de janeiro de 1967, foi promulgada a nova Constituição. O Ministério Público passou a integrar o Poder Judiciário. Segundo Marum


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(2005, p. 51), “Foi como era de se esperar, econômica, dedicando à Instituição apenas três artigos, determinando a sua organização em carreira na União, no Distrito Federal, nos Territórios e nos Estados. Posteriormente, após a ocorrência de novo golpe, uma junta militar, sob a forma de Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, decretou a Carta de 1969, passando o Ministério Público a integrar o Poder Executivo”. O Código de Processo Civil de 1973 deu tratamento sistemático ao Ministério Público, conferindo-lhe papel de órgão interveniente (custus legis) nas causas de interesse público ou que envolvessem interesses de incapazes. A Carta de 1969 foi emendada em 1977 passando o seu art. 96 a ter nova redação e passou-se a admitir a edição de Lei Complementar, de iniciativa do Presidente da República, para estabelecer normas gerais a serem adotadas na organização do Ministério Público dos Estados. Consequentemente, foi editada a Lei Complementar nº 40, de 1981, primeira Lei Orgânica do Ministério Público, que definiu seu estatuto jurídico, com suas principais atribuições, garantias e vedações. Segundo Dias e Azevedo (2008, p. 228): Esta lei já definia o Ministério Público como uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado e responsável, perante o Poder Judiciário, pela defesa da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade, pela fiel observância da Constituição e das leis, definição que viria a ser praticamente repetida pela Constituição de 1988.

Finalmente é publicada a Constituição de 1988, a qual reconheceu de forma ampla e democrática a real importância da instituição, tendo, a partir de então o Ministério Público passado a ocupar posição autônoma frente aos três Poderes Estatais e, no exercício pleno de suas atribuições, pôde passar a exercer com independência funcional e administrativa todas as atribuições


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que lhe são afetas, destinadas, no contexto nacional, a defesa sem reservas dos interesses sociais e individuais indisponíveis, a tutela dos interesses difusos. Tornou-se uma instituição permanente, competindo-lhe a defesa do regime democrático, da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Com efeito, afirma Uadi Lâmmego Bulos (2003, p. 1084): A Carta de 1988 pode ser apelidada de a Constituição do Ministério Público. Do ângulo constitucional positivo, nunca se viu tanta atenção ao parquet como agora. Pela primeira vez um texto constitucional brasileiro disciplinou, enfaticamente, a estrutura orgânica-funcional da instituição, as principais regras relativas ao seu funcionamento e atribuições. Acresça-se a isso o alargamento de seu campo funcional, que ocupou lugar destacado no Estado brasileiro.

Como forma de especificar a atuação, o Ministério Público foi dividido em: 1) Ministério Público Federal, que se subdivide em Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; e 2) Ministério Público Estadual. Após a edição da Lei Orgânica do Ministério Público, a instituição foi alçada à condição de ator proativo e comprometido com a proteção dos direitos mais importantes para a conservação do bem-estar da sociedade, dentro de várias perspectivas, principalmente os direitos humanos. Nestes termos, demonstra-se a importância do Ministério Público como regulador do bem-estar social, ao garantir a sua atuação junto ao judiciário, ora como fiscal de lei, ora como parte do processo, atribuindo-se-lhe, em especial, a defesa dos interesses coletivos e individuais que proporcionam à sociedade a garantia de um mínimo existencial. A doutrina diferencia o Ministério Público como órgão agente, ao promover diretamente ação na


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tutela de direitos coletivos, ou como, órgão fiscalizador, ou seja, custos legis (artigo 83, inciso II, da Lei Complementar 75/93). Todavia, essa nomenclatura tem maior caráter pedagógico, visto que, mesmo quando o Ministério Público atua como fiscal da lei, possui poderes próprios da parte legitimada no processo, e mesmo atuando como órgão agente, tem o dever de zelar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Como vimos, assiste razão a Hélio Tornaghi (1987, p. 480) quando declarou, verbis: “O Ministério Público não surgiu de repente, num só lugar, por força de algum ato legislativo. Formou-se lenta e progressivamente, em resposta às exigências históricas”.

3 Antecedentes históricos dos

direitos humanos

A filosofia grega e as mais diversas religiões do mundo são as origens mais próximas dos chamados direitos humanos. No século XVIII, quando da efervescência do Iluminismo, a expressão direitos humanos passa à condição de uma categoria explícita. O Iluminismo foi decisivo no desenvolvimento dos conceitos de direitos humanos. As ideias de Hugo Grotius (1583-1645), um dos pais do direito internacional moderno, de Samuel von Pufendorf (16321694), e de John Locke (1632-1704) atraíram muito interesse pela Europa no século XVIII. Locke, por exemplo, desenvolveu um conceito abrangente de direitos naturais; sua lista de direitos que consiste em vida, liberdade e propriedade. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) elaborou o conceito sob o qual o soberano derivava seus poderes e os cidadãos de seus direitos de um contrato social. O ser humano em determinado momento, passa a ser visto como um indivíduo autônomo, provido pela natureza de determinados direitos funda-


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mentais inalienáveis, que podem ser invocados contra todos, particulares ou Estado, e que deveriam ser protegidos e garantidos por ele. Nesse passo, os direitos humanos passam a ser pré-condições essenciais para uma existência digna, passando-se a falar em dignidade da pessoa humana. Na definição de Castilho (2011, p. 137), a dignidade humana: Está fundada no conjunto de direitos inerentes à personalidade da pessoa (liberdade e igualdade) e também no conjunto de direitos estabelecidos para a coletividade (sociais, econômicos e culturais). Por isso mesmo, a dignidade da pessoa não admite discriminação, seja de nascimento, sexo, idade, opiniões ou crenças, classe social e outras.

A história dos direitos humanos está repleta de cartas de direitos e liberdades elaboradas em vários períodos, constituindo passos importantíssimos para se atingir uma certa maturidade. Entretanto, a primeira geração de documentos restringia o conceito de liberdade apenas conferidos a indivíduos ou grupos tendo em vista suas posições ou status. São exemplos importantes deste período: a) Ciro, o Grande (576 ou 590 a.C - 530 a.C) lançou o Cilindro de Ciro, que declarou que os cidadãos do império poderiam praticar suas crenças religiosas livremente e também abolir a escravidão; b) a Magna Charta Libertatum de 1215; c) a Bula de Ouro da Hungria (1222), do dinamarquês Erik Klipping Håndfaestning de 1282; d) o Joyeuse Entrée de 1356 em Brabant (Bruxelas); e) a União de Utrecht de 1579 (Países Baixos) e f) a Carta de Direitos inglesa de 1689. Após a Idade Média, o conceito de liberdade tornou-se gradualmente separado do status e passou a ser visto não como um privilégio, mas como um direito de todos os seres humanos. Os estudiosos em Teologia e vários juristas espanhóis tiveram um papel sobreeminente nesse contexto. Desta-


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caram-se os trabalhos de Francisco de Vitoria (1486-1546) e Bartolomé de las Casas (1474-1566). Seus estudos estabeleceram o fundamento (doutrinário) para o reconhecimento da liberdade e da dignidade de todos os seres humanos, defendendo os direitos pessoais dos povos indígenas que habitavam os territórios colonizados pela Coroa Espanhola. A história moderna é marcada por eventos conturbados de mudanças sociais e políticas. A Declaration des Droits de l’Homme et du Citoyen de 1789, assim como a Constituição francesa de 1793, refletiam a emergente teoria internacional dos direitos universais. O termo “direitos humanos” apareceu pela primeira vez na França, em sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). A Declaração de Independência Americana de 4 de julho de 1776 foi baseada na suposição de que todos os seres humanos são iguais. Referia-se também a certos direitos inalienáveis, como o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade. Tanto as declarações americanas quanto as francesas foram planejadas como enumerações sistemáticas desses direitos. Com base no princípio da igualdade contido na Declaração Francesa de 1789, várias constituições elaboradas na Europa por volta de 1800 continham direitos clássicos, como também traziam artigos que atribuíam responsabilidades ao governo nas áreas da relação de trabalho e emprego, assistência social, saúde pública e educação. Após isso, os direitos sociais foram expressamente incluídos na Constituição mexicana de 1917, na Constituição da União Soviética de 1918 e na Constituição alemã de 1919. De acordo com Leandro Karnal (2007, p. 94), este momento representa uma séria guinada na política ao redor do mundo ocidental: Com todas as suas limitações, o movimento de independência significava um fato histórico novo e fundamental: a promulgação da soberania “popular” como elemento suficientemente forte para mudar e derrubar formas de governo


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estabelecidas de governo, e de cada capacidade, tão inspirada em Locke, de romper o elo entre os governantes e governados quando os primeiros não garantissem aos cidadãos seus direitos fundamentais. Existia uma firme defesa da liberdade, a princípio limitada, mas que se foi estendendo em diversas áreas.

Os direitos clássicos dos séculos XVIII e XIX estavam diretamente relacionados à liberdade do indivíduo. Juristas, teólogos, filósofos e outros desta época, defendiam que os cidadãos tinham o direito de exigir que o governo se esforçasse para melhorar suas condições de vida. Já no século XIX, houve frequentes disputas interestatais relacionadas à proteção dos direitos das minorias na Europa. A partir dessas proteções levaram a várias intervenções humanitárias e exigiram acordos de proteção internacional. Um dos primeiros, o Tratado de Berlim de 1878, que concedeu status legal especial a alguns grupos religiosos; depois estabeleceu-se o Sistema de Minorias dentro da Liga das Nações. A necessidade de padrões internacionais de direitos humanos foi sentida pela primeira vez no final do século XIX, quando os países industrializados começaram a introduzir a legislação trabalhista. A primeira convenção multilateral destinada a salvaguardar os direitos sociais foi a Convenção de Berna de 1906, que proíbe o trabalho noturno por mulheres. Posteriormente a Organização Internacional do Trabalho (OIT), fundada em 1919, elaborou muitas outras convenções trabalhistas. Segundo Hayek (1985, p. 124-127), “Entre revoluções políticas, mudanças econômicas, fins de poderosos impérios, dissolução e surgimento de novas nações, além de enormes conflitos armados entre os séculos XIX e XX, o mundo passou por sérias transformações políticas, econômicas e sociais”.


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No magistério de Magnoli (2006, p. 319-390), “os dois principais eventos marcantes do início do século XX foram as duas grandes guerras mundiais, que juntas provocaram a morte de milhões de pessoas e mudaram intensamente a geografia política da Europa e do restante do planeta”. Lafer (1988, p. 178-180) destaca que “uma das grandes questões levantadas pela última grande guerra foi o genocídio praticado contra determinados povos, promovidos diretamente pelos Estados totalitários, entre eles a Alemanha nazista”. Quanto ao nascimento de uma das mais importantes organizações, Oliveira (2012, p. 64-65) registra que: Foi nesse contexto histórico que foi fundada, em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU), órgão internacional criado pelos países vencedores da 2ª Guerra Mundial, cujas finalidades principais eram de intermediar as relações entre nações antes e durante conflitos, fosse estes armados ou não, e buscar garantir os direitos dos indivíduos independentes de sua nacionalidade, classe social, cor ou gênero.

Uma maneira encontrada pelos membros da ONU para manifestar publicamente todo o repúdio aos crimes contra a humanidade cometidos pelas nações derrotadas durante a guerra, foi a aprovação em 1948 do documento intitulado Declaração Universal dos Direitos Humanos, o qual contempla e promove um amplo espectro de direitos considerados fundamentais, incluindo aqueles presentes em famosas declarações históricas de direito anteriores. Preleciona, nesse sentido, Oliveira (2012, p. 64-65): No texto da Declaração relacionam-se os direitos civis e políticos (conhecidos por direitos de primeira geração: liberdade) e os direitos sociais, econômicos e culturais (cha-


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mados direitos de segunda geração: trabalho), e há, ainda, a fraternidade como valor universal (denominados direitos de terceira geração: espírito de fraternidade, paz, justiça, entre outros – nos considerandos e arts. I, VIII, entre outros).

Após a Segunda Grande Guerra Mundial, resta superada a visão tradicional de que os Estados têm plena liberdade para decidir o tratamento de seus próprios cidadãos, apesar de haver ainda hoje resquícios dessa visão. A assinatura da Carta das Nações Unidas (ONU) eleva os direitos humanos à esfera do direito internacional. Digno de aplausos é o fato de que todos os membros da ONU concordaram em tomar medidas para proteger os direitos humanos. Em 1946, foi estabelecida a Comissão de Direitos Humanos da ONU, a qual apresentou um projeto de Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) à Assembleia-Geral da ONU (AGNU). Este projeto foi adotado em Paris em 10 de dezembro de 1948. Esse dia foi mais tarde designado Dia dos Direitos Humanos. Vários países subscreveram os princípios e ideais estabelecidos na Declaração Universal dos Diretos Humanos. Na primeira Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, todos os compromissos foram ratificados na Proclamação de Teerã (1968), e repetidos na Declaração e Programa de Ação de Viena, adotada durante a segunda Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (1993). A Carta Internacional dos Direitos Humanos é formada pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A partir de então foram criados inúmeros mecanismos de supervisão, incluindo responsáveis pelo monitoramento da conformidade com os documentos oficiais.


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4 Direitos humanos versus direitos

fundamentais

Hodiernamente, não há consenso quanto à diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais. Entretanto, sabe-se que a positivação desses direitos ocorre em planos distintos. Os direitos humanos, no plano internacional, estão consagrados em tratados e convenções internacionais, enquanto os direitos fundamentais são os direitos humanos positivados na Constituição de cada país, internamente, com o objetivo de proteção, segurança e dignidade aos seus membros. Mas, enumerar esses direitos é tarefa bastante difícil, pois, além dos direitos explicitamente reconhecidos pela Carta Magna, existem outros que decorrem do regime e dos princípios por ela adotados. Por outro lado, há doutrinadores, a exemplo de Fábio Konder Comparato, que defendem que as expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais são sinônimas”. A denominação “direitos humanos” surgiu da doutrina norte-americana, como ficou conhecida na Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU, de 1948. A expressão “direitos fundamentais” é mais ligada à doutrina alemã, que significa os direitos das pessoas frente ao Estado que são objeto da Constituição. Leciona Pérez Luño (apud NOVELINO, 2011, p. 383) que “A expressão ‘direitos fundamentais’ surgiu na França, em 1770, no movimento político e cultural que deu origem à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789”. Cria-se, a partir do Princípio do Devido Processo Legal, um espaço discursivo, com amplo espectro de intervenção do Ministério Público, que, a partir da Constituição Federal de 1988, ganha status de garantia fundamental, visando a manutenção do Estado Democrático de Direito. Tavares (2012) salienta que:


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Os direitos fundamentais, inclusive, da forma como criados pelo devido processo, entendido este como o espaço discursivo instituído pelos princípios do contraditório, da ampla defesa e da isonomia, já são dotados de liquidez (auto-executoriedade) e certeza (infungibilidade), e uma vez constantes da Constituição, compõem esta que é um título executivo cartularizado constitucionalmente e oponível face a gestão governativa como forma de implemento dos direitos à vida, liberdade e dignidade.

O Ministério Público tem importante papel na defesa contra o arbítrio do poder estatal desse conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano (direitos fundamentais), o respeito à dignidade, o estabelecimento de condições mínimas de vida e o desenvolvimento da personalidade humana. Para tentar entender a função dos direitos fundamentais, colacionamos os ensinamentos do professor Dimitri (2008, p. 64): Para compreender a função dos direitos fundamentais, deve-se imaginar a relação entre o Estado e cada indivíduo como relação entre duas esferas de intervenção. Os direitos fundamentais garantem a autonomia da esfera individual e, ao mesmo tempo, descrevem situações nas quais um determinado tipo de contrato é obrigatório.

Os direitos humanos compreendem os direitos fundamentais de todos os seres humanos. Não importa seu sexo, sua orientação sexual, sua cor, se indígena, deficiente físico, idoso, criança ou adolescente, seu local de nascimento, se portador de alguma doença etc. Todos devem ser protegidos e respei-


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tados, pelo fato de serem humanos. Devem ser preservados os princípios da dignidade, da liberdade, da igualdade, da solidariedade, da responsabilidade, da autoridade e da universalidade. Defende Fernandes (2004, p. 111) que: Para que os direitos e as liberdades fundamentais do homem possam ser consagrados, protegidos e respeitados é preciso que os regimes políticos em vigor respeitem tais princípios. Caso contrário, os direitos humanos serão desrespeitados, cerceados ou negados. Segundo ele, o que aconteceu ao longo da história da humanidade mostra-nos claramente que a vigência de regimes aristocráticos, ditatoriais e totalitários não foi favorável à consagração e salvaguarda dos direitos humanos, e que estes apenas foram proclamados e salvaguardados em países onde vigoraram regimes democráticos.

A Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 consagrou uma série de direitos fundamentais, dentre eles, destacamos: o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Dedicou um capítulo para definir os direitos sociais, que se encontram catalogados no art. 6º, como: os direitos a educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, proteção à maternidade e à infância. O princípio da dignidade da pessoa humana constitui, segundo o art. 1º da Constituição Federal Brasileira de 1988, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito; é essencial a uma sociedade livre, justa e igualitária. Cabe ao Ministério Público velar para que o texto da Constituição e a realidade se encontrem, simbolizando maximamente o dever-ser normativo e o ser da realidade social. Segundo Soares (2010, p. 20), “a dignidade da pessoa humana, antes mesmo de seu reconhecimento jurídico nas Declarações Internacionais de


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Direito e nas Constituições de diversos países, figura como um valor, que brota da própria experiência axiológica de cada cultura humana, submetida aos influxos do tempo e do espaço”. Estudando o fundamento dos Direito Fundamentais, afirmou Bobbio: o problema do fundamento dos direitos fundamentais teve sua solução atual na Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948; que representa a manifestação da única prova através da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e, portanto, reconhecidos; e essa prova é o consenso geral acerca da sua validade. Pela importância e necessidade no Estado democrático de direito, sem dúvida, os direitos humanos fundamentais são essenciais ao ordenamento jurídico de qualquer país, uma vez que, tem como finalidades precípuas assegurar a promoção de condições dignas de vida humana e de seu desenvolvimento, bem como garantir a defesa dos seres humanos contra abusos de poder econômico praticados pelos órgãos do Estado.

Importante observação faz Comparato (2001, p. 227), ao dizer “que a vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente porque se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não”. Resumindo os ensinos de Penteado Filho (2006, p. 15), diversas teorias procuraram justificar e delimitar o fundamento dos direitos humanos, merecendo destaque a jusnaturalista e a positivista. A primeira teoria, jusna-


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turalista, inscreve os direitos humanos em uma ordem suprema, universal, imutável, não se tratando de criação humana; e a segunda, denominada teoria positivista, assevera que os direitos humanos são criação normativa, na medida em que são legítima manifestação da soberania do povo. Assim, só seriam direitos humanos aqueles reconhecidos pela legislação positiva. Para o jurista espanhol Antônio Perez Luño (apud SANTOS, 2003), para quem a dignidade da pessoa humana, a liberdade e a igualdade são fundamentos dos direitos fundamentais, os direitos humanos seriam: um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional.

Modernamente, o que se tem visto é uma preocupação de buscar uma sólida teoria acerca dos direitos humanos, redefinindo situações para adequá-las aos anseios dos indivíduos, em confronto com as suas necessidades mais urgentes, buscando, também, torná-lo compreensíveis pelas várias camadas sociais. O Ministério Público entende que a dignidade da pessoa humana figura um valor, que surge intrinsecamente nas experiências culturais da humanidade, sujeitas às inconstâncias do tempo e do espaço. Ciente de que a sociedade é dinâmica e se encontra em constante mutação, numa relação contínua com o progresso técnico-científico, a informatização, a globalização e outros fenômenos mundiais, é que o Ministério Público, no seu mister, tem se preparado a fim de enfrentar um direito vivo, que precisa se transformar em realidade e não permanecer como um simples programa, se adequando à evolução, e aos novos desafios postos através do tempo. Já afirmava Norberto Bobbio que os direitos humanos são um


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construído jurídico historicamente voltado para o aprimoramento político da convivência coletiva. É possível perceber com certa facilidade que a evolução de tais direitos se ampliou e se amplia constantemente. Na atualidade, por exemplo, a doutrina dominante fala em direito à autodeterminação, direito ao patrimônio comum da humanidade, direito a um meio ambiente saudável e sustentável, direito à democracia, direito à informação, direito ao pluralismo, direito à paz e ao desenvolvimento. Os direitos humanos e fundamentais têm sido temas bastante discutidos e sem sombra de dúvida, de suma relevância no presente espaço e tempo. Nesta linha de pensamento, Bonavides (2008, p. 61) é enfático, ao asseverar: Uma democracia não se constrói com fome, miséria, ignorância, analfabetismo e exclusão. A democracia só é um processo ou procedimento justo de participação política se existir uma justiça distributiva no plano dos bens sociais. A juridicidade, a sociabilidade e a democracia pressupõem, assim, uma base jusfundamental incontornável, que começa nos direitos fundamentais da pessoa e acaba nos direitos sociais.

Rotineiramente, o Ministério Público tem ingressado com ações na Justiça e realizado termos de compromissos extrajudiciais, de forma individual ou coletiva, cobrando do Estado a implementação dos direitos sociais e econômicos, o cumprimento, a efetivação, o reconhecimento dos direitos sociais, alguns deles relacionados à saúde, à educação, à moradia, dentre outros. Grande parte da população não tem plano de saúde, não tem condições de custear suas educações em escolas e universidades particulares, direitos esses, contemplados nas convenções, constituições e demais leis que regem as matérias nas nações. Há ainda os que não sabem nem mesmo como requerer, como lutar pela conquista de tais direitos.


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5 O Ministério Público como agente

de transformação social

A atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988 e denominada Constituição Cidadã pelo deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, traz em seu texto que o Ministério Público é um órgão de soberania popular e um instrumento da sociedade para a realização dos fins a que ela se propõe. A Constituição Cidadã manteve e ampliou as hipóteses de atuação do Ministério Público na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, ao mesmo tempo em que o desvinculou e lhe conferiu independência quase total dos órgãos do governo. Essa independência só não pode ser considerada total porque se manteve a nomeação dos Procuradores-Gerais pelos chefes do Executivo. Essa Constituição conferiu à instituição um sentido finalístico, ou seja, um critério constitucional capaz de definir os fins para os quais a instituição se volta, deixando claro ser o Ministério Público um órgão da soberania popular, um instrumento da sociedade para a realização dos fins a que ela se propõe. Os membros do Ministério Público, como agentes políticos, devem atuar com ampla liberdade funcional, ficando condicionados apenas aos parâmetros das legislações pertinentes aos casos submetidos às suas apreciações. Segundo Menna (2012, p. 33): Ao exercer o direito, submete-se aos mesmos princípios, deveres e obrigações concernentes às partes; no entanto, não está sujeito às custas, despesas processuais e sucumbência, sendo que, por força do art. 188 do Código de Processo Cível, terá prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar.


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Uma das maiores novidades introduzidas por esta Constituição foi a valorização do Ministério Público como órgão de defesa da sociedade e patrocinador dos interesses coletivos contra os detentores do poder político e econômico e inclusive contra o próprio Estado e seus agentes. Como acentua, oportunamente, Rodrigo César Rebello Pinho (2002, p. 131-132): para a consolidação do Estado Democrático de Direito previsto na Constituição brasileira não basta à imparcialidade do Poder Judiciário; é indispensável à existência de um órgão independente que o movimente na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sendo essa a razão pela qual o Ministério Público é considerado essencial à função jurisdicional do Estado.

A essência do Ministério Público está na busca diuturna da Justiça, consubstanciada, também, na defesa dos direitos sociais, estejam eles explícitos ou implícitos, porquanto é nesta instituição que a sociedade brasileira espera se revelarem os princípios constitucionais. (D´ANGELO. 2010, p. 391) Quanto aos Direitos Humanos em específico, o Ministério Público se propõe a atuar promovendo a igualdade étnico-racial, defendendo os direitos da comunidade LGBTT, reconhecendo a existência de comunidades tradicionais e oferecendo atendimento às pessoas em situação de rua. Busca ainda intervir na resolução de conflitos agrários e promover a igualdade de gênero, dentre outros temas relacionados à defesa dos direitos fundamentais das parcelas mais vulneráveis da população01. Essa atuação do órgão se dá através de suas Promotorias de Justiça, que são, segundo o artigo 6º, inciso II da Lei Orgânica Nacional do Ministério

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Disponível em: <http://www.direito.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=208>.


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Público (Lei Federal 8625/93), órgãos de Administração do Ministério Público. Elas são compostas por pelo menos um cargo de promotor de Justiça e seus serviços auxiliares. Conforme disposto no site institucional do Ministério Público de Pernambuco02: As promotorias de Justiça podem ser judiciais (quando os promotores atuam em processos judiciais) ou extrajudiciais (quando os promotores são responsáveis pela instauração de procedimentos extrajudiciais, como por exemplo, procedimentos preliminares, inquéritos civis, procedimentos de investigação criminal). Elas ainda podem ser especializadas (quando atuam numa determinada matéria, como por exemplo, Direito da Criança e do Adolescente, Defesa do Patrimônio Público) ou gerais (quando atua em diversas matérias).

Através das Promotorias de Justiça comum o Ministério Público participa das ações já propostas no judiciário defendendo os direitos humanos e fundamentais. Essa é a forma de atuação mais conhecida do órgão. Porém, ele também faz um trabalho extrajudicial, através de Audiências Públicas, Reuniões, Procedimentos Administrativos Preliminares, Inquéritos Civis, Procedimentos Investigatórios Criminais, Recomendações e Termos de Ajustamento de Conduta (art. 25 e 26 da Lei 8.625/93). Com esse trabalho, o Ministério Público visa a conciliação e a mudança de valores da sociedade, trazendo um resultado de maneira mais rápida e efetiva. Isso é uma demonstração evidente de como esse órgão pode ser um agente de transformação social.

02

Disponível em: <https://www.mppe.mp.br/mppe/institucional/promotorias-justica>.


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Não há como pensar em transformação social e mudança de valores sem a participação efetiva das pessoas por meio dos movimentos sociais. Por isso, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por meio da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais (CDDF), organizou até 2017 o Encontro Nacional do Ministério Público e Movimentos Sociais. Como podemos entender a partir do site do CNMP03, “o objetivo é fomentar o debate aberto, transparente e colaborativo sobre a missão constitucional do Ministério Público na efetivação dos direitos fundamentais”. Após a quarta edição do evento, em 2017, foi aprovada, pelo Plenário do CNMP, Recomendação para que as unidades e os ramos do Ministério Público realizem encontros com movimentos sociais a fim de atender as especificidades de cada estado ou localidade de forma aprofundada, garantindo com isso o acesso da população ao conhecimento de seus direitos e possibilitando o processo de transformação social.

6 Conclusão O Ministério Público é uma instituição de suma importância em uma sociedade, haja vista as atribuições que lhe são conferidas por lei. É responsável pela preservação, manutenção e defesa dos direitos fundamentais. Tem como meta a edificação de um Estado social de direito, capaz de garantir vida digna, justa e humana para todos, preservando os princípios e valores constitucionais, primando pela efetivação das leis, zelando pela condução da coisa pública e cada vez mais, procurando se firmar como um instrumento de transformação social.

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Disponível em: <http://www.cnmp.mp.br/portal/publicacoes/10697-relatorio-iv-encontro-nacional-

do-ministerio-publico-e-movimentos-sociais>.


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Este Órgão deve agir com autonomia em nome da sociedade, da lei e da Justiça, ser atuante, primar pela efetivação das leis, zelar pela condução da coisa pública e, cada vez mais, procurar se firmar como um instrumento de transformação social. Modernamente, é considerado o defensor dos valores fundamentais da sociedade e ouvidor do povo. Tem como meta a edificação de um Estado social e democrático de direito, capaz de garantir vida digna, justa e humana para todos, preservando os princípios e valores constitucionais. É um órgão de transformação social, que luta pela efetivação e consagração dos direitos dos cidadãos, sendo de extrema importância para o engrandecimento de uma nação. No exercício de suas atribuições, o MP dispõe dos meios para promover alterações substanciais na realidade, como foi demonstrado ao longo do texto. Diante da urgência e da necessidade de se efetivar os direitos fundamentais e os direitos humanos, o Ministério Público deve continuar trabalhando na ampliação de sua atuação extrajudicial e no incentivo à participação popular, se colocando, dessa maneira, como um verdadeiro agente de transformação social.

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O MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CONSUMIDOR NO PLANO SUBNACIONAL

RENATA GONÇALVES PERMAN

MARIA IVANÚCIA MARIZ ERMINIO

Graduada em Direito, pela Universidade Católica de Pernambuco. Mestranda em Direito, pela mesma instituição. Advogada. E-mail: renata. perman@hotmail.com

Mestra e Doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Ciências Políticas pela mesma instituição. Professora de Direito Constitucional e Administrativo na UNINABUCO/Recife. E-mail: ivamariz@hotmail.com


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RESUMO O presente artigo busca discutir a possibilidade de os Estados do Mato Grosso do Sul e do Distrito Federal protegerem os direitos e garantias fundamentais do consumidor por leis infraconstitucionais (ordinárias e complementares) e Constituições estaduais. O problema apresentado é como está distribuída a proteção dos direitos e garantias fundamentais do consumidor nas legislações subnacionais desses respectivos Estados. A finalidade é estabelecer uma grande planilha na qual se possa verificar quantitativamente e qualitativamente toda a produção subnacional em matéria de direito do consumidor nesses Estados membros. PALAVRAS-CHAVE: Direitos e garantias Fundamentais do Consumidor; Repartição de competências legislativas; Constituição estadual; Lei Orgânica do Distrito Federal.


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1 Introdução A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º XXXII, tutela o direito do consumidor como garantia fundamental. O artigo 24, V e VIII da CRFB afirma que cabe à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre produção e consumo, assim como responsabilidade por dano ao consumidor. Dessa forma, é adequado pesquisar como se efetiva o desdobramento dessa proteção consumerista no plano subnacional, através da Constituição estadual do Mato Grosso do Sul e da Lei Orgânica do Distrito Federal, assim como, de todas as leis ordinárias e complementares que de alguma forma tratam do direito do consumidor do período de 2008 até 2018, esta última, foi realizada nas Assembleias legislativas. O objetivo geral é o estudo de direitos e garantias fundamentais no plano estadual, com especial atenção ao direito do consumidor, para que se possa verificar sua pertinência no âmbito subnacional. Dessa maneira, pretende-se pesquisar a repartição de competências legislativas concorrentes entre União e Estados membros, já que o direito consumerista tem fundamento no artigo 24 da CRFB (que trata da competência concorrente). Por conseguinte, objetiva-se mapear o direito do consumidor e a sua previsão na Constituição estadual do Mato Grosso do Sul e na Lei Orgânica do Distrito Federal, para identificar se o legislador estadual se ateve a sua competência de legislar sobre produção e consumo. Depois, será realizada uma pesquisa nas Assembleias legislativas contendo todas as leis ordinárias e complementares que tratam de alguma forma o direito fundamental do consumidor dos anos de 2008 até 2018. Dentro desta perspectiva, este estudo se propõe também a observar o papel do Ministério Público na garantia deste direito, tendo em vista sua atuação nos centros de Apoio Operacional de Defesa do Consumidor, “que tem atribuições voltadas à divulgação de matérias de interesse das Procu-


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radorias e Promotorias de Justiça do Estado”, que atua, dentre outras atribuições “fomentando a realização de operações conjuntas e integradas, bem como disponibilizando informações necessárias para facilitar a atuação na defesa coletiva dos consumidores”. Também será feito um cruzamento dos dados levantados para que se verifique quais dos Estados membros citados observam uma tutela mais efetiva sobre o aspecto de suas legislações. Como resultado esperado, pretende-se, por exemplo, diagnosticar, se os cidadãos do Mato Grosso do Sul possuem uma maior proteção de direitos fundamentais do consumidor do que quem mora no Distrito Federal.

2 A Federação Brasileira e

repartição de competências legislativas concorrentes A União e os Estados membros devem desempenhar suas competências legislativas de maneira coerente e harmônica, sem que um ente federativo invada a esfera de competência privativa do outro sob pena, da norma ser considerada inconstitucional. As competências concorrentes são uma maneira de alcançar um federalismo equilibrado, no qual a União e os Estados exerçam suas competências legislativas previstas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. As competências legislativas concorrentes têm amparo legal no artigo 24 da CRFB, e Horta (2003) usa a expressão “condomínio legislativo”, para demonstrar o local de encontro que existe quando União e Estados membros exercem competências legislativas concorrentes. As competências concorrentes procuram um federalismo de equilíbrio entre União e Estados. No direito constitucional, federalismo é a forma de Estado dada pela Constituição. Na visão de Labanca (2011, p.19), hoje em dia a ideia mais


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importante do federalismo é uma forma de manter a diversidade entre os membros do pacto federativo. O federalismo pode ser uma maneira de possibilitar a repartição de poderes e não necessariamente é um modo de manter as distinções entre as comunidades políticas. A análise do federalismo pressupõe que, na medida em que o poder local (estadual) for sendo fortalecido, isso consequentemente representará um abrandamento do poder central (federal). Os Estados membros têm direito de atuar na produção de leis constitucionais e infraconstitucionais, pois um dos atributos da federação é justamente a atuação da vontade dos Estados no que a União quer, devendo existir uma interação entre as unidades federadas, pois ambos têm interesses em comum, e, assim, com essa interação de interesses, o federalismo é fortalecido. Labanca (2011, p. 39) afirma que “o conjunto de interesses comuns entre a União e as entidades estaduais forma o objetivo comum, ou seja, o objetivo do Estado Federal como um todo”. No federalismo, os Estados membros têm autonomia. Isso quer dizer que eles têm a faculdade de criar as suas próprias normas. A repartição de competências é vital para o federalismo, de maneira que ele só existe se houver uma repartição de competências entre União e Estados. A relevância da repartição de competências legislativas está no fato de que ela é o postulado basilar de toda a edificação Constitucional do Estado federal, ou seja, ela é o ponto central do federalismo, sendo, assim, uma das maneiras deste sistema de balancear as competências das entidades parciais e a central da União. Assim, a organização Federal emana da repartição de competências, pois ela vai suscitar as regras de configuração da União e dos Estados, determinando a atividade constitucional de cada um (HORTA, 2003, p. 310). A competência concorrente estabelece os limites que cada núcleo de poder político desempenha em sua competência de maneira única sem classes


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não sendo cumulativa. “Na competência concorrente, a legislação estadual é específica, move-se em um campo próprio, não preenchendo lacunas” (LOBO, 1989, p. 97). Quando se utiliza a expressão “centralização e descentralização na repartição de competências”, é porque “centralização” é quando há uma concentração de competências privativas na União ou na esfera federal. Já a descentralização, ocorre quando as competências privativas da União são diminuídas e as competências estaduais são ampliadas. O ideal é que a Constituição reparta as competências entre União e Estados de forma igualitária (LABANCA, 2011, p. 52). “Quando se fala em centro, quer-se referir à atuação da esfera federal, que pode ser chamada de União, governo federal, entidade central.” O federalismo dual foi assim chamado, porque em uma federação há duas esferas de governo: o Federal e o Estadual, e cada um tem seu campo de ação. Nele, houve um favorecimento dos Estados membros, isso porque as competências estaduais eram reservadas e as da União listadas em um número mais restrito. O outro fator foi a tensão e o rigor na divisão da repartição de competências entre esses entes. Esses fatores são responsáveis para que os interesses dos Estados fossem maiores que os da União. Nessa fase, havia uma interpretação do federalismo que dava prioridade e privilégio à autonomia do Estado membro (LABANCA, 2011, p. 55). Com o fim do federalismo dual, houve uma tendência a centralizar a repartição de competências legislativas na esfera federal, ampliando o rol de atuação da União em face dos Estados membros (BARACHO, 1995). A repartição de competências, entre União e Estados, aparece com o objetivo de oportunizar os Estados membros a dividir a legislação relativa a assuntos de princípios ou normas gerais da União gerando um lugar mais favorável a cooperação.


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2.1 Direitos e garantias fundamentais do consumidor no plano estadual Os direitos e garantias fundamentais são muito discutidos na esfera federal com previsão na Constituição República Federativa do Brasil em artigo 5º, na qual a garantia do consumidor tem arrimo no inciso XXXII, que podem legislar concorrentemente a União, os Estados e o Distrito Federal sobre produção e consumo, e também esses entes se responsabilizam por dano causado ao consumidor. A proteção do consumidor precisa ser desdobrada e discutida também no plano estadual, pois o Brasil é um país federalista, e isso pressupõe a atuação do legislador na produção de direito. Logo, a proteção dessas normas tem previsão em Constituições estaduais e leis infraconstitucionais, não sendo um tema exclusivo a ser tratado pelo Congresso Nacional. É oportuno diferenciar direitos e garantias, os primeiros são os benefícios, proveitos e ganhos descritos na norma da Constituição, mas as garantias são os recursos e os instrumentos pelos quais se garantem os direitos positivados e protegidos na Carta Magna, servindo como meios para reparar direitos que foram violados. Paulo Gustavo Branco afirma que os direitos estudam e têm como objetivo um bem específico da pessoa humana, como por exemplo, o direito à vida e à integridade física. Enquanto isso, as garantias fundamentai são leis que tutelam direitos, limitando, por exemplo a forma como o poder é exercido (BRANCO, 2014, p. 165). As garantias fundamentais dão às pessoas a faculdade de cobrar dos Poderes Públicos a obediência ao direito que instrumentalizam. Entretanto, de acordo com o referido autor, a Constituição garante tratamento igualitário aos direitos e garantias fundamentais, “não apresentando maior importância prática a distinção entre ambos conceitos” (BRANCO, 2014, p. 169).


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Paulo Bonavides discorda de Paulo Gustavo Branco. Em seu livro, Bonavides afirma que garantia é sempre em razão de um interesse que busca tutelar para protegê-lo de uma situação de risco. A garantia é uma forma ou maneira de defesa, e Bonavides diz que “é um erro confundir direitos de garantias, de fazer um sinônimo da outra, já que isso tem sido reprovado pela boa doutrina, que separa com nitidez os dois institutos” (BONAVIDES, 2000, p. 526). Já para Carlos Sánchez Viamonte, garantia é a “proteção prática da liberdade levada ao máximo de sua eficácia, é a instituição criada em favor de um indivíduo, para que, armado com ela, possa ter ao seu alcance imediato o meio de fazer efetivo qualquer dos direitos individuais” (VIAMONTE, 1958, p. 123). Dessa forma, garantias são leis que estão positivadas na Carta Magna que asseguram a efetividade de um direito. Rui Barbosa diz que “Direito é a faculdade reconhecida, natural, ou legal, de praticar ou não praticar certos atos. Garantia ou segurança de um direito, é o requisito de legalidade, que o defende contra a ameaça de certas classes” (BARBOSA, 1987, p. 193). O catálogo de direitos fundamentais positivados nas Constituições, principalmente aqueles que estão no artigo 5, título II da CRFB, não devem ser taxativos, pois não deve existir um esvaziamento desses direitos. É necessário, inserir uma “cláusula de abertura”, que é justamente dar atenção e reconhecer direitos fundamentais que não estão expressos na Carta Maior, mas que merecem ser considerados e protegidos (SANTOS, 2017). Embora a proteção do consumidor tenha fundamento no artigo 5, inciso XXXII da CRFB, aduzindo que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, é insuficiente e superficial a proteção dada pela Carta Maior a esse direito fundamental. Dessa forma, é importante que essa proteção também seja complementada pelo plano subnacional, através de Constituições estaduais e leis infraconstitucionais. O Brasil deveria se espelhar no sistema de proteção multinível da União Europeia, uma vez que, neste último, é possível falar em proteção multinível de direitos fundamentais.


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A tutela multinível possibilita uma maior e mais completa proteção de direitos humanos, pois se as garantias nacionais falharem, com base no princípio da subsidiariedade, o sistema internacional pode suprir tal falha. Além disso, na União Europeia, a proteção é complementada pela ordem jurídica comunitária que influencia os sistemas jurídicos dos Estados membros. O governo ou proteção multinível é assim chamado porque os direitos fundamentais são regulamentados em diferentes níveis: âmbito subnacional, nacional e supranacional. Na América Latina existe proteção nacional através das Constituições estaduais, existe também proteção internacional pelo Pacto de San José e pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos, mas não existe proteção no âmbito supranacional na América Latina (GALINDO, 2014). Na América Latina, a proteção multinível sempre será uma cooperação entre Estados, sendo incapaz de ter uma proteção multinível supra-estatal, pois o Brasil não chegou no nível de proteção de direitos fundamentais da União Europeia, uma vez que o Brasil tem problemas sociais muito particularizados. No ordenamento jurídico brasileiro, prepondera a tese de que a proteção multinível de direitos fundamentais é um constitucionalismo interamericano, pois prevalece o direito interno e depois vem o externo. O foco desse artigo é a proteção subnacional de direitos fundamentais, ou seja, quando os Estados protegem direitos humanos e eles têm uma relação e interação com a ordem constitucional nacional, de forma que as Constituições de cada Estado membro incluem em seus artigos os direitos que o Estado quer reconhecer aos seus cidadãos. Dworkin, afirma que entregar a decisão final ao judiciário é uma tarefa que coloca em risco a democracia, pois existe um núcleo duro de direitos que nem o judiciário é capaz de perpassar. A teoria de Dworkin pode ser aplicada no Brasil, porque mesmo cooperando entre Estados existem núcleos de direitos fundamentais que estão consagrados nas Constituições, como por exemplo, direitos e garantias fundamentais (DWORKIN, 2006).


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DWORKIN (2006, p. 117) afirma: O sistema de direitos individuais estadunidense é um sistema de princípios abrangente, cujas bases estão na igualdade, na liberdade e na garantia do due process of law, de modo que é estranho que uma pessoa que acredita que cidadãos livres e iguais deveriam ter a garantia de um determinado direito individual não pense também que a própria Constituição já contém esse direito, a menos que a história constitucional já tenha rejeitado de forma decisiva.

Na parte da Constituição Federal relativa aos direitos individuais e coletivos é presumível ter normas impositivas, que são aquelas que impõem uma tarefa e um programa, como por exemplo as normas relativas à tutela do consumidor, que está presente no artigo 5, XXXII da CRFB (SARLET, 2015, p. 166). Nesse sentido, aduz Sarlet (2015, p. 265): O complexo das normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais, podemos observar, se tomarmos o exemplo do artigo 5 inc. XXXII da CF, que apesar de tratar-se de norma insculpida no título “dos direitos fundamentais” (sendo uma norma definidora de direito), cuida-se mais propriamente, de norma a ser implementada pelo Estado (a proteção do consumidor), podendo falar-se também de norma-objetivo.

A inserção da proteção do consumidor no campo de direitos fundamentais previstos no artigo 5º da CRFB, torna-o um direito fundamental referen-


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te ao direito da personalidade. Dessa forma, o enquadramento da proteção do consumidor nos princípios da ordem econômica quer dizer um dever de certificar assistência às necessidades vitais do consumidor, referente, por exemplo, a sua segurança e saúde. As Constituições estaduais e leis infraconstitucionais (ordinárias e complementares) desempenham uma função didática na proteção desses direitos, devendo produzir efeitos práticos plenos. (SARLET, 2015)

2.2 Direitos fundamentais do consumidor na Constituição do Estado do Mato Grosso do Sul e na Lei Orgânica do Distrito Federal e a atuação do MP em seus centros de apoio A Constituição do Estado do Mato Grosso do Sul protege os direitos fundamentais do consumidor em vários artigos, dentre eles: O artigo 133 afirma que incluem-se nas funções do Ministério Público do Estado deliberar sobre a participação em organismos estatais de defesa do consumidor. Já o artigo 142-B aduz que é função da Defensoria Pública patrocinar os direitos e interesses do consumidor lesado. No mesmo diploma normativo, em seu artigo 167 VIII, afirma que o Estado estabelecerá e executará plano estadual de desenvolvimento integrado que terá como objetivos a defesa do consumidor. O Capítulo XI da Carta do Estado do Mato Grosso do Sul em seus artigos 246 e 247 tutelam e protegem o direito consumerista: O Estado promoverá ação sistemática de proteção ao consumidor de modo a garantir-lhe a segurança, a saúde e a defesa de seus interesses. A política econômica do consumo será planejada e executada pelo Poder Público, com participação


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de empresários e de trabalhadores de setores da produção, da industrialização e da comercialização, do armazenamento e do transporte e também dos consumidores para, especialmente: incluir o sistema estadual de defesa do consumidor, visando à fiscalização, ao controle e à aplicação de sanções, quanto à qualidade dos produtos e serviços, à manipulação dos preços no mercado, e o impacto de mercadorias supérfluas ou nocivas e à normalização do abastecimento. Estimular as cooperativas e outras formas de associativismo de consumo. Elaborar estudos econômicos e sociais de mercados consumidores, a fim de estabelecer sistemas de planejamento, de acompanhamento e de orientação ao consumo capazes de corrigir distorções e promover seu crescimento. Propiciar meios que possibilitem o consumidor o exercício do direito à informação, a escolha e à defesa de seus interesses econômicos, bem como a sua segurança e saúde. Estimular a formação de uma consciência política voltada para a defesa dos interesses do consumidor, assim como, prestar atendimento e orientação ao consumidor, através do programa de Defesa do Consumidor, cujas atribuições e funcionamento são definidos por lei.

O artigo 56, II da Constituição do Estado do Mato Grosso do Sul, afirma que ficam estabelecidos em cada exercício, para as despesas primárias, limites individualizados para o Poder Executivo Estadual, Assembleia Legislativa, Tribunal de Contas, Poder Judiciário Estadual, Ministério Público Estadual, e para a Defensoria Pública do Estado: para os exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício financeiro imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor


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Amplo (IPCA), publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou por outro que vier a substituí-lo, acumulando no período de doze meses encerrado em abril do exercício anterior ao que se refere a lei orçamentária. O artigo 1, II do ADCT da Constituição do Estado do Mato Grosso do Sul, afirma que para os exercícios posteriores, o valor do limite referente ao exercício imediatamente posterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ou outro que vier a substituí-lo, acumulado no período de doze meses encerrado em abril do exercício anterior ao que se refere a Lei Orçamentária. O artigo 17 VIII da Lei Orgânica do Distrito Federal afirma que compete ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre responsabilidades por danos ao consumidor. O artigo 135 III afirma que o Distrito Federal fixará as alíquotas do imposto que trata para as operações internas observando as operações e prestações que destinem bens e serviços ao consumidor final localizado em outro Estado. No artigo 141 do mesmo diploma normativo, o Distrito Federal orientará os contribuintes com vistas ao cumprimento da legislação tributária, que conterá, entre outros princípios, o da justiça fiscal, bem como determinará mediante lei medidas para esclarecer os consumidores acerca de impostos que incidam sobre mercadorias e serviços, fazendo ainda publicar, anualmente legislação tributária consolidada. A ordem econômica do Distrito Federal tem por fim assegurar a todos existência digna, promover o desenvolvimento econômico com justiça social e melhoria da qualidade de vida, observando o princípio da defesa do consumidor. O artigo 189 afirma que o poder público criará estímulos a agricultura, abastecimento alimentar e defesa dos consumidores, por meio de fomento e política de crédito favorecida a micro e médios produtores.


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O artigo 191 VIII afirma que é atribuição do poder público promover a defesa e a proteção do consumidor e fiscalizar os produtos em sua fase de comercialização auxiliando os consumidores organizados e orientando a população quanto a preços, qualidade dos alimentos e ações específicas de educação alimentar. O capítulo VI da Lei Orgânica do Distrito Federal em seu artigo 263 afirma que cabe ao poder público, com a participação da comunidade e na forma da lei, promover a defesa do consumidor, mediante: pesquisa, informação e divulgação de dados de consumo, junto a fabricantes, fornecedores e consumidores. Atendimento, orientação, conciliação e encaminhamento do consumidor por meio de órgãos competentes, incluída a assistência jurídica, técnica e administrativa. Conscientização do consumidor, habilitando-o para o exercício de suas funções no processo econômico. Esclarecimento ao consumidor acerca do preço máximo de venda de bens e serviços, quando tabelados ou sujeitos a controle. O artigo 264 e 265 da Lei Orgânica do Distrito Federal aduz que o poder público adotará medidas necessárias à defesa, promoção e divulgação dos direitos do consumidor, em ação coordenada com órgãos e entidades que tenham estas atribuições, na forma da lei. Assim como, o poder público, na forma da lei, adotará medidas para: esclarecer o consumidor acerca dos impostos que incidam sobre bens e serviços, como também, assegurar que estabelecimentos comerciais apresentem seus produtos e serviços com preços e dados indispensáveis à decisão consciente do consumidor. O Poder Público deve garantir os direitos assegurados nos contratos que regulam as relações de consumo, vedado qualquer tipo de constrangimento ou ameaça ao consumidor. Deve também garantir o acesso do consumidor a informações sobre ele existentes em bancos de dados, cadastros, fichas, registros de dados pessoais e de consumo, vedada a utilização de quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito, quando consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos.


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No artigo 266 da Lei Orgânica do Distrito Federal, diz que o sistema de defesa do consumidor, integrado por órgãos públicos, áreas de saúde, alimentação, abastecimento, assistência judiciária, crédito, habitação, segurança, educação e por entidades privadas de defesa do consumidor, terá atribuições e composição definidas em lei. O poder público adotará medidas de descentralização dos órgãos que tenham atribuições de defesa do consumidor. O artigo 20 da Lei Orgânica do Distrito Federal afirma também que a lei disporá sobre a criação e regulamentação do Conselho de Defesa do consumidor no Distrito Federal.

2.3 Leis ordinárias e complementares do consumidor previstas no Mato Grosso do Sul e no Distrito Federal Esta parte da pesquisa foi realizada nas Assembleias Legislativas dos Estados do Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. Foi enviado e-mail para elas, solicitando todas as normas relativas ao Direito do consumidor que há no plano infraconstitucional estadual do período de 2008 até 2018 (todas as leis ordinárias e complementares que de alguma forma tratam da defesa do consumidor no período de tempo acima transcrito). Dessa maneira, foi feito um cruzamento dos dados levantados através da análise das Constituições estaduais e de leis infraconstitucionais (ordinárias e complementares) relativas ao direito do consumidor, para que se verifique quais dos Estados membros (Mato Grosso do Sul ou Distrito Federal) observam uma tutela mais efetiva sobre o aspecto de suas legislações. Como resultado esperado, pretende-se, por exemplo, diagnosticar se os cidadãos do Mato Grosso do Sul possuem uma maior proteção de direitos fundamentais do consumidor do que quem mora do Distrito Federal. A finalidade é


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estabelecer uma grande planilha na qual se possa verificar quantitativamente e qualitativamente toda a produção subnacional em matéria de direito do consumidor nesses respectivos Estados membros. Planilha 1 – Leis Ordinárias e Complementares do Mato Grosso do Sul LEI

FUNDAMENTO

DATA

ESTADO

4.977

Dispõe sobre o prazo mínimo para o armazenamento de arquivos por empresas que atuam no segmento de eventos do tipo formatura, no âmbito do Estado do Mato Grosso do Sul.

06/01/2017

Mato Grosso do Sul

4.825

Dispõe sobre a obrigatoriedade de o consumidor ser informado antecipadamente pelos fornecedores de serviços, situados no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, sobre a interrupção, cancelamento ou qualquer alteração relativa à cobrança de débito programado em conta.

10/03/2016

Mato Grosso do Sul

4.824

Obriga as empresas prestadoras de serviço de internet móvel e de banda larga, na modalidade pós-paga, a apresentar ao consumidor, na fatura mensal, gráficos que informem a velocidade diária média de envio de recebimento de dados entregues no mês.

10/03/2016

Mato Grosso do Sul

4.823

Obriga as concessionárias de serviço público de energia elétrica a disponibilizar em seus sites o valor mensal repassado às Prefeituras Municipais a título de iluminação pública (CIP), no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul

10/03/2016

Mato Groso do Sul


Especial - maio de 2019 | 209

4.820

Dispõe sobre as normas que regulam a obrigatoriedade de prévia inspeção e fiscalização dos produtos de origem animal, produzidos no Estado de Mato Grosso do Sul, destinados ao consumo, e sobre matérias correlatas.

10/03/2016

Mato Grosso do Sul

4.701

A lei estadual que fixa prazos máximos segundo a faixa etária dos usuários para a autorização de exames pelas operadoras de planos de saúde. Por mais ampla que seja a competência legislativa concorrente em matéria de defesa do consumidor (art. 24, V e VIII da CF/88) não autoriza os Estados Membros a editarem normas acerca de relações contratuais, uma vez que essa atribuição está inserida na competência da União para legislar sobre o direito civil (art. 21, I, CF/88).

13/08/2014

Mato Grosso do Sul

4.817

Dispõe sobre a obrigatoriedade de as instituições financeiras informarem ao consumidor as fraudes mais frequentes relacionadas aos seus serviços, na forma que menciona.

08/03/2016

Mato Grosso do Sul

4.814

Dispõe sobre a obrigatoriedade de o fornecedor disponibilizar ao consumidor o acesso a informações sobre empreendimentos imobiliários.

25/02/2016

Mato Grosso do Sul

4.779

Dispõe sobre a normatização de programas de concessão de pontos e benefícios em cartão fidelidade ou cadastros de clientes, no âmbito do Estado do Mato Grosso do Sul.

07/12/2015

Mato Grosso do Sul


210 | REVISTA JURÍDICA DA AMPPE

4.769

Acrescenta dispositivos ao art. 3º da Lei Estadual nº 1.352, de 22 de dezembro de 1992, que assegura a estudantes o direito ao pagamento de meia entrada em espetáculos culturais, esportivos e de lazer.

20/04/2016

Mato Grosso do Sul

4.750

Dispõe sobre a obrigatoriedade dos postos de combustíveis de informar ao consumidor se a gasolina comercializada é formulada ou refinada.

04/11/2015

Mato Grosso do Sul

05/11/2015

Mato Grosso do Sul

4.724

Dispõe sobre a proibição da comercialização do cachimbo de água egípcio, conhecido como narguilé, aos menores de dezoito anos de idade

23/09/2015

Mato Grosso do Sul

4.718

Dispõe sobre a comercialização de protetor solar no Estado de Mato Grosso do Sul.

17/09/2015

Mato Grosso do Sul

4.712

Dispõe sobre a afixação de cartaz em revendedoras e concessionárias de veículos informando sobre isenções tributárias específicas, concedidas às pessoas com deficiência.

02/09/2015

Mato Grosso do Sul

4.687

Dispõe sobre a informação ao consumidor, referente à utilização de água potável proveniente da captação de poços artesianos ou semiartesianos nos estabelecimentos comerciais de Mato Grosso do Sul.

24/06/2015

Mato Grosso do Sul

4.754

Dispõe sobre a obrigatoriedade de implantação pelas empresas de aquirencia de máquinas de cartão de crédito e débito, adaptadas para pessoas com deficiência visual, no Estado de Mato Grosso do Sul.


Especial - maio de 2019 | 211

4.683

Dispõe sobre a obrigatoriedade de os restaurantes, lanchonetes e similares, no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, disponibilizarem cadeira infantil nas especificações da ABNT.

15/07/2015

Mato Grosso do Sul

4.320

Proíbe a comercialização, confecção e distribuição de produtos que colaborem para acarretar riscos à saúde ou à segurança alimentar, dos consumidores, em cantinas e similares instalados em escolas públicas situadas no Estado de Mato Grosso do Sul.

26/02/2013

Mato Grosso do Sul

Fonte: Adaptado do site <www.ms.gov.br\legislação>.

Planilha 2 – Leis Ordinárias e Complementares do Distrito Federal LEI

FUNDAMENTO

DATA

ESTADO

4.081

Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais no âmbito do Distrito Federal.

04/01/2008

DF

4.140

Dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de equipamento para a identificação dos frequentadores de casas noturnas no Distrito Federal.

05/05/2018

DF

4.154

Dispõe sobre o descarte e a destinação final de lâmpadas fluorescentes, baterias e telefones celular, pilhas que contenham mercúrio e metálicos e demais artefatos que contenham metais pesados no Distrito Federal

11/06/2008

DF


212 | REVISTA JURÍDICA DA AMPPE

4.312

Dispõe sobre a obrigatoriedade de fornecimento de extrato consolidado anual relativo aos pagamentos efetuados pelos usuários de empresas e serviços públicos atuantes no Distrito Federal.

02/03/2009

DF

4.369

Dispõe sobre a obrigatoriedade de fornecimento de informações atualizadas dos serviços prestados pelas empresas que atuam no setor de turismo e similares no Distrito Federal.

22/07/2009

DF

4.390

Torna obrigatória a transcrição de informações, nas faturas mensais de energia elétrica, sobre prazos, procedimentos e documentações necessárias a solicitação de indenização por parte dos consumidores em caso de prejuízos ocasionados por falha na prestação dos serviços de distribuição de energia elétrica no âmbito do Distrito Federal.

20/03/2009

DF

4.512

Obriga as entidades financeiras e os estabelecimentos comerciais a fornecerem, quando solicitados, e por escrito, informações cadastrais que porventura cadastrarem a negativa de crédito por parte destes estabelecimentos.

18/10/2010

DF

4.554

Altera o artigo 1º da lei nº 3437 de 9 de setembro de 2004 que dispõe sobre o cadastro dos usuários das empresas ou instituições que locam ou cedem gratuitamente computadores e máquinas para acesso à internet no âmbito do Distrito Federal, conhecidas também como cyber café.

16/03/2011

DF


Especial - maio de 2019 | 213

4.604

Dispõe sobre a organização, a composição e as atribuições do Conselho de Saúde do Distrito Federal em conformidade com o artigo 198, III da CRFB, e do artigo 7º VIII da Lei 8080 de 19 de setembro de 1990, da Lei Federal nº 8142 de 28 de dezembro de 1990, do artigo 215 da Lei Orgânica do Distrito Federal, e as diretrizes da Resolução nº 333 do Conselho Federal da Saúde de 4 de novembro de 2003.

15/07/2011

DF

4.621

Dispõe sobre a obrigatoriedade da divulgação da data de validade dos produtos destinados a consumo humano e animal colocados em promoção.

23/11/2011

DF

4.633

Dispõe sobre a divulgação da advertência “se beber não dirija” em cardápios e panfletos de programas de bares, restaurantes, boates, lanchonetes, e similares no âmbito do Distrito Federal.

23/08/2011

DF

4.660

Obriga os fornecedores situados no Distrito Federal que ofertam e comercializam produtos ou serviços pela internet a informar o seu endereço para fins de citação, bem como o número de telefone, e correio eletrônico destinados ao atendimento de reclamações dos consumidores.

18/10/2011

DF

4.729

Proíbe o consumo de cigarros, charutos e demais produtos fumígenos, derivados ou não do tabaco, nos locais, nas condições e nas formas específicas.

28/12/2011

DF


214 | REVISTA JURÍDICA DA AMPPE

4.774

Dispõe sobre a obrigatoriedade de estabelecimentos que comercializam pilhas, baterias e lâmpadas fluorescentes colocarem à disposição dos consumidores recipientes para a coleta do referido material quando descartados ou inutilizados.

24/02/2012

DF

4.844

Estabelece regras para as relações de consumo nos serviços de colocação profissional no mercado de trabalho, como assessoria e consultoria em recursos humanos e similares para coibir oferta enganosa e prática abusiva no âmbito do Distrito Federal.

25/05/2012

DF

5.031

Obriga salões de beleza e congêneres estabelecidos no Distrito Federal a afixarem placa de advertência sobre a utilização de produtos químicos em procedimentos capilares.

25/02/2013

DF

5.066

Dispõe sobre a obrigatoriedade de reserva de vagas para idosos, gestantes, e portadores de deficiências nas praças de alimentação de shoppings, restaurantes, galerias, lanchonetes e outros estabelecimentos do setor gastronômico.

08/03/2013

DF

6.103

Altera a Lei nº 5.128, de 4 de julho de 2013, que dispõe sobre o índice de desenvolvimento da educação básica-IDEB, nos estabelecimentos para estabelecimentos públicos e particulares de ensino no Distrito Federal, estabelecendo que sejam divulgados os resultados obtidos e as metas projetadas desse índice.

02/02/2012

DF

Fonte: Adaptado do site <www.df.gov.br\legislação>.


Especial - maio de 2019 | 215

Como observa-se no gráfico abaixo, no Distrito Federal, foram encontradas 161 leis infraconstitucionais (ordinárias e complementares) e 22 artigos na Constituição estadual. Já no Estado do Mato Grosso do Sul foram descobertas 65 leis infraconstitucionais (ordinárias e complementares) e 13 artigos na Constituição estadual. Esses dados foram colhidos de um período de tempo de 10 anos, especificamente dos anos 2008 até 2018. Dentro desta discussão, há de se destacar o papel do Centro de Apoio aos Consumidores, no Estado: O Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor (CAOPJCon) é o órgão auxiliar do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, responsável por estimular a integração das Promotorias de Justiça, mobilizar atuações institucionais convergentes e subsidiar a atuação dos membros. Também compete ao Centro de Apoio, manter o intercâmbio com a sociedade com o escopo de promover a educação para o consumo e a mobilização social em prol da defesa dos consumidores.

Esse referido Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor é um importante órgão responsável pela defesa e proteção ao consumidor, tendo o Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul auxiliando as Promotorias de Justiça, com o objetivo de estimular a celeridade, razoabilidade e segurança nas funções concernentes à postulação judicial e extrajudicial na defesa difusa e coletiva dos interesses dos consumidores. Entender o federalismo e a repartição de competências legislativas medindo o grau de proteção ao consumidor desses respectivos Estados da Federação brasileira é salutar para comparar o grau de proteção a esses direitos nesses Estados membros.


216 | REVISTA JURÍDICA DA AMPPE

3 Considerações finais Foi realizado um mapeamento nas Constituições estaduais e leis infraconstitucionais ordinárias e complementares, nas Assembleias Legislativas, do Estado do Mato Grosso do Sul e do Distrito Federal, relativo aos direitos e garantias fundamentais do consumidor, com a finalidade de responder ao problema de pesquisa: como está distribuída a proteção de direitos e garantias fundamentais do consumidor no plano subnacional nesses respectivos Estados membros. Foram construídas duas planilhas no item 2.3, na qual foram dados alguns exemplos de leis infraconstitucionais ordinárias e complementares relativas a proteção do consumidor no Brasil. Na Constituição do Estado do Mato Grosso do Sul foram encontrados treze artigos que protegem o direito do consumidor (que foi elencado no tópico 2.2). Relativo às leis infraconstitucionais ordinárias e complementares relacionadas ao direito consumerista no mesmo Estado, no período de 2008 até 2018, dispõe de 65 leis. De um universo de 65 leis infraconstitucionais encontradas no Estado do Mato Grosso do Sul, somente foi possível explicitar 18 delas na planilha 1 do item 2.3 deste artigo, pois para elencar todas essas leis, seriam necessárias mais páginas. Neste sentido é possível também destacar o Centro de apoio operacional das promotorias de Justiça de defesa do consumidor no Mato Grosso do Sul, que se trata de um importante órgão responsável pela defesa e proteção ao consumidor, tendo o Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul auxiliado as Promotorias de Justiça, com o objetivo de estimular a celeridade, razoabilidade e segurança nas funções concernentes à postulação judicial e extrajudicial na defesa difusa e coletiva dos interesses dos consumidores. Na Lei Orgânica do Distrito Federal foram descobertos 22 artigos que tutelam o direito consumerista (que foram elencados no tópico 2.2). No pla-


Especial - maio de 2019 | 217

no infraconstitucional desse mesmo Estado, foram achadas 171 ocorrências de leis ordinárias e complementares relativas ao direito do consumidor no período de 2008-2018. De um universo de 171 leis infraconstitucionais relativas à proteção do consumidor, só foi possível explicitar 18 delas no tópico 2.3, planilha 2 desse artigo, pois seria preciso mais páginas para que fosse possível abordar toda a produção subnacional em matéria de direito do consumidor nesses Estados durante o período de tempo acima transcrito. Comparando o grau de proteção de direitos e garantias fundamentais do consumidor no Estado do Mato Grosso do Sul e do Distrito Federal por meio de leis Constitucionais e infraconstitucionais (ordinárias e complementares), durante o período de 2008-2018. Levando em conta alguns critérios que foram observados com a catalogação dessas legislações, como, por exemplo, quantidade de leis constitucionais e infraconstitucionais produzidas, pode-se chegar à conclusão de que o Distrito Federal, nesse período de tempo, desempenhou uma proteção maior e mais efetiva ao direito do consumidor, se comparado com o Estado do Mato Grosso do Sul.


218 | REVISTA JURÍDICA DA AMPPE

REFERÊNCIAS ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa. Teoria da Repartição de competências Legislativas Concorrentes. Recife: Fasa, 2011. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A Federação e a revisão constitucional: as novas técnicas dos equilíbrios constitucionais, as relações financeiras, a cláusula federativa e a proteção da forma de Estado na Constituição de 1988. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, out\dez 1995. BARBOSA, Rui. A Constituição e os atos Inconstitucionais. 2ºed. Rio de Janeiro, Flores, 1987. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10º ed. São Paulo: Malheiros 2000. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 9º ed. São Paulo: Saraiva, 2014. VIAMONTE, Carlos Sánchez. Manual de Derecho Constitucional. 4ºed. São Paulo, Saraiva, 1958. DIMOULIS, Dimitri. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2012. DISTRITO FEDERAL. Lei Orgânica do Distrito Federal. 1993. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/70442/LO_DistritoFederal. pdf?sequence=1>. Acesso em: 19 Julho. 2018. DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte americana. São Paulo: Martins fontes, 2006.


Especial - maio de 2019 | 219

GALINDO, George Rodrigo Bandeira. Uruenã, René. Proteção multinível dos Direitos humanos na América Latina: oportunidades, desafios e riscos. Manual de Direitos humanos e educação superior, 2014. HORTA, Raul Machado. Repartição de Competências na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. LOBO, Paulo Luiz Neto. Competência legislativa concorrente dos Estados membros na Constituição de 1988,. In Revista de informação Legislativa. Brasília, ano 26, nº101, jan.\mar. 1989. MATO GROSSO DO SUL. Constituição (1989). Constituição do Mato Grosso do Sul. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/70445/ CE_MatoGrossodoSul.pdf?sequence=1>. Acesso em: 19 julho. 2018. RENOUX, Thierry. O federalismo e a União Européia. A natureza da comunidade: uma evolução na direção de um Estado federal. In: Direito Constitucional: Estudos em Homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Sérgio Resende de Barros e Fernando Aurélio Zilveti (coord.). São Paulo: Dialética, 1999. ROMBOLI, Roberto. ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa de. Justiça Constitucional e Tutela Jurisdicional dos Direitos Fundamentais. 1ºed. Belo Horizonte, Arraes Editores Ltda, 2015. SANTOS, Eduardo Rodrigues dos. Direitos Fundamentais Atípicos: análise da cláusula de abertura art.5 S 2º da CRFB\88. 1º ed. Juspodivm, 2017. SARLET, Ingo. Direitos, Deveres e Garantias Fundamentais. Bahia: Ed Juspodivm, 2011.



Especial - maio de 2019 | 221

OS DIREITOS HUMANOS AO JUIZ IMPARCIAL, AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E AO CONTRADITÓRIO DIANTE DA PRÁXIS DAS AUDIÊNCIAS CRIMINAIS SEM O MINISTÉRIO PÚBLICO: UM CHAMADO À REFLEXÃO

SALOMÃO ISMAIL FILHO Promotor de Justiça do Ministério Público de Pernambuco. MBA em Gestão do Ministério Público (UPE). Especialista e Mestre em Direito (UFPE). Doutorando em Direito (UNICAP).


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RESUMO A DUDH consagrou os direitos humanos ao juiz imparcial, ao devido processo legal e a contraditório, os quais foram referendados pela Carta Magna de 1988. Isso implica na adoção de um processo penal democrático e regido pelo sistema acusatório, com nítida distinção entre as funções de acusar, defender e julgar. A realização de audiência judicial de instrução criminal sem a presença do MP viola tais direitos humanos, constituindo-se em uma nulidade absoluta e não apenas relativa, cujo prejuízo é manifesto e presumido. A jurisprudência brasileira, com algumas exceções, tem se posicionado pela demonstração do prejuízo (nulidade relativa), estimulando a figura do juiz parcial e inquisidor. Os membros do MP não podem ficar indiferentes a tal práxis, arguindo a absoluta nulidade em qualquer foro e instância e adotando outras medidas processuais e administrativas cabíveis. PALAVRAS-CHAVE: Direitos humanos; Juiz imparcial; Devido processo legal; Contraditório; Processo penal; Audiências criminais; Ausência do Ministério Público; Nulidade absoluta.


Especial - maio de 2019 | 223

1 Introdução Em alguns Estados da Federação brasileira, máxime em Pernambuco, tem se instituído, quase como um costume ou prática rotineira, a realização de audiências de instrução, em processos penais, sem a presença do membro ou representante do Ministério Público. Além disso, em algumas situações, a autoridade judiciária, além de realizar a audiência sem o promotor de Justiça, ocupa o seu espaço, perguntando primeiramente e, depois, passando a palavra à Defesa Técnica. Como doravante será relatado, no âmbito da Justiça Estadual de Pernambuco, por exemplo, existe uma recomendação do Conselho da Magistratura, para que os juízes de Direito realizem audiências criminais sem o promotor de Justiça, desde que o MP tenha sido previamente intimado. A jurisprudência do STJ, por outro lado, embora com algumas oscilações, nos últimos tempos, tem se inclinado que, nesses casos, haveria apenas uma “nulidade relativa”, que dependeria da demonstração de prejuízo. O que a realização de audiências criminais sem a presença do MP tem a ver com os direitos humanos? Seria papel da autoridade judiciária falar em nome da sociedade, em uma audiência judicial? Estaria respeitada a trilogia processual (juiz-parte acusatória-parte requerida) em um ato judicial sem o MP estar presente? Este artigo jurídico pretende responder a tais questionamentos, demonstrando os riscos, para os direitos humanos, de tal práxis, em razão da manifesta violação aos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório, manifestados direitos da sociedade e daquele que vem a ser acusado, pelo Estado, através de um processo penal.


224 | REVISTA JURÍDICA DA AMPPE

2 Sobre os direitos humanos a um

julgamento por um juiz imparcial, ao devido processo legal e ao contraditório Segundo o art. 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), de 10/12/1948, todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. Já o art. 11 da histórica Declaração consagra os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, ao preceituar que o acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.01 Deveras, a partir desses dois artigos jurídicos consagrados na DUDH, é forçoso concluir que, no processo penal, aplicado nos países integrantes das Nações Unidas, como o Brasil, existe, deveras, um direito humano a um julgamento por juiz imparcial e não comprometido previamente com a prova ou com a acusação que pesa em desfavor da parte acusada.

01

Relevante destacar, a cláusula do Due Process of Law foi consagrada no Direito anglo-saxônico a

partir da Magna Carta inglesa de 1215. No Direito norte-americano, o Princípio do Devido Processo Legal apresenta duas fases, a primeira limitando-se ao caráter processual (Procedural Due Process) e a segunda fase, voltando-se também para o direito substantivo (Substantive Due Process). A partir do Substantive Due Process, passou-se a admitir um controle, pelo judiciário, dos atos do Poder Público, examinando-se sua razoabilidade (reasonableness) e sua racionalidade (rationality), tendo em vista a proteção dos direitos e liberdades individuais (TÁCIO, 1996, p. 01-03).


Especial - maio de 2019 | 225

De outro lado, a parte acusada tem o direito a um julgamento “de acordo com a lei” (ou seja, o devido processo legal) e, por corolário, utilizar todos os meios inerentes (desde que conforme a legalidade, evidentemente) para a sua defesa (ampla defesa). E dentro da lógica da ampla defesa, há que se falar no direito de contraditar a prova a ser produzida em juízo (contraditório). Destarte, os direitos humanos a um julgamento por juiz imparcial, ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório também foram referendados na Magna Carta brasileira de 1988, por meio do seu art. 5º, incisos LIII (“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”); LIV (“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”) e LV (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”). É forçoso concluir, o inciso LIII do art. 5º precisa ser interpretado em conjunto com o art. 10 da DUDH, pois a norma constitucional brasileira fala apenas em “autoridade competente”.02 Ora, por competente, há de se entender não somente aquele que detém a atribuição/competência processual para processar determinada pessoa, mas também uma autoridade que deve atuar de forma justa e imparcial, como exige a Declaração de Direitos Humanos da ONU.

02

Afinal, os direitos humanos, enquanto fenômeno histórico-social-jurídico-econômico não se

realizam e concretizam de forma imediata; transformam-se continuamente com o tempo e dependem – e muito – de decisões políticas e da postura proativa dos operadores jurídicos, máxime aqueles compromissados com a transformação social e a defesa da Constituição. Sobre o tema, relevantes as reflexões de Morais (2011, p. 84-89).


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3 O processo penal acusatório

brasileiro e a consagração do juiz imparcial e do equilíbrio democrático da trilogia processual O processo penal brasileiro, na linha daquilo fora consagrado pela ONU, através da Declaração de 1948, e pela Carta Cidadã de 1988, tem sido insculpido, ao longo dos últimos anos, em uma feição democrática e acusatória. Mas o que isso significa? Significa, exatamente, o equilíbrio entre as funções de julgar, acusar e defender, dentro de um processo penal acusatório, onde cada operador jurídico, para a completa formação da relação tríade processual, deve atuar dentro da sua esfera de atribuições. De fato, como lembra Avena (2017, p. 09), o sistema processual-penal acusatório é caracterizado pela absoluta distinção entre as funções de acusar, defender e julgar, as quais deverão ficar a cargo de operadores jurídicos/instituições distintas. A instrução probatória, em regra, há de ser de iniciativa das partes e não da autoridade judicial. Assim, como corolário de um sistema processual penal acusatório (e não inquisitório),03 cabe ao Ministério Público a titularidade privativa da ação penal pública (art. 129, inciso I, da CF/1988); durante a instrução judicial, não pode o juiz ter a iniciativa probatória de ofício, atuando apenas para suplementar a prova colhida pelas partes (por isso, nos termo do atual art. 212 do CPP, o juiz deve perguntar após as partes, suplementando pontos

03

Nesse aspecto, concorda-se com Oliveira (2006, p. 11), quando afirma que o sistema brasileiro

processual penal brasileiro é marcantemente acusatório e não misto, pois o inquérito policial (presidido inquisitorialmente pela autoridade policial) não é processo judicial, sendo fase prévia e não imprescindível para o oferecimento da exordial penal.


Especial - maio de 2019 | 227

não esclarecidos) e, ainda, há que se respeitar o contraditório, realizando-se a instrução judicial com a presença de todos os polos da relação processual: Juiz; Ministério Público (que representa a sociedade/Povo, através da titularidade da ação penal pública) e Defesa (cujo Advogado ou Defensor Público exercerá a ampla defesa). Em um processo penal democrático e que segue o sistema acusatório, ao juiz cabe garantir o contraditório entre as partes do processo penal e não se colocar como contraditor, inquisidor, substituindo a iniciativa das partes na produção da prova (LOPES JÚNIOR, 2017, p. 244-245). O protagonismo neste processo penal não é do juiz, mas das partes, ou seja, da acusação (MP, em regra) e da Defesa. É relevante destacar, o Código de Processo Penal brasileiro (Decreto-lei 3.689, de 03/10/1941) é uma norma jurídica, originalmente, de caráter fascista e inquisitório, onde o juiz assumia o protagonismo da prova, prevalecendo o princípio da culpabilidade do réu e não da sua inocência. Ou seja, uma norma anterior ao término da 2ª Guerra Mundial e à própria DUDH, forjada em um período de cerceamento democrático no Brasil, onde o parlamento, praticamente, era uma figura decorativa.04 Gradativamente, tal estatuto legal foi se adaptando ao sistema de direitos humanos pós-2ª Guerra, máxime a partir dos anos 70 do século XX. Como consequência disso, lembra Oliveira (2006, p. 05-10) a abolição da decretação da prisão preventiva automática da parte acusada, quando do recebimento da denúncia, a depender do crime imputado (antiga redação do art.

04

Era o chamado Estado Novo, instalado a partir de setembro de 1937, o qual consagrava um regime

autoritário, capitaneado pelo presidente Getúlio Vargas. Além de uma Constituição outorgada, ou seja, imposta sem a participação popular, os partidos políticos foram extintos; interventores foram nomeados como governadores dos Estados; passou a haver censura prévia ao jornais; o presidente poderia dissolver o Congresso e expedir diretamente decretos-lei, como foi o caso do Código de Processo Penal (conforme, ARRUDA e PILETTI, 2010, p. 500-504 e LIRA NETO, 2013, p. 306-311).


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312) e a própria regra inquisitorial do interrogatório do réu: primeiro ato do processo (antes da produção da prova) e sem a intervenção das partes. Marco de referência jurídico, em tal contexto, foi a Constituição Federal de 1988, a qual, peremptoriamente, insculpiu as bases de um sistema processual penal acusatório, à luz daquilo que já havia sido delineado pela DUDH, de 1948. Sobre o contraditório, relevante destacar, o art. 5º-LV da CF/1988 prevê uma bilateralidade (via de mão dupla) de tal princípio, pois a norma constitucional assegura o contraditório e a ampla defesa a todos os litigantes, em processo judicial e administrativo, e não apenas aos acusados em geral Tão importante o contraditório, no direito processual, que Câmara (2003, p. 49-50) chega a afirmar que tal princípio é a mais importante vertente do devido processo legal. Ainda mais: pode-se, à luz da moderna doutrina processualista, dizer que, sem contraditório, não há processo justo. Sem contraditório, a própria legitimidade do Poder Judiciário, de presidir, através do juiz, a relação processual, fica comprometida, dada a ausência de equilíbrio e de igualdade entre as partes, transformando a autoridade judicial em uma autoridade inquisitória e autoritária. Assim, o mesmo direito humano ao contraditório que veda, por exemplo, a produção de uma prova judicial sem a presença da Defesa da parte acusada também deve ser invocado quando a outra parte litigante do processo penal (a sociedade, na ação penal pública representada pelo MP) não estiver presente. Nesse sentido, parecem caminhar Grinover, Fernandes e Gomes Filho (2006, p. 139-140), quando expressamente afirmam que é inválida a prova produzida, no processo penal, sem a presença das partes. Há de se vedar, assim, a prova produzida de ofício pela autoridade judicial, evitando a sua prematura vinculação a um determinado polo ou vertente da relação jurídico-processual.


Especial - maio de 2019 | 229

4 A questão da nulidade e da

demonstração do prejuízo. Porque, na realização de audiência judicial sem o MP, o prejuízo é presumido No processo penal brasileiro, vigora a regra de que não será declarada a nulidade se dela não resultar prejuízo para nenhuma das partes (acusação e defesa). É o que dispõe o art. 563 do CPP, o qual consagrou um cânone universal do direito processual, o tradicional brocardo pas de nullité sans grief. Em verdade, trata-se da observância do sistema de nulidade da instrumentalidade das formas, onde o ato processual praticado será considerado válido, ainda que contrarie determinadas formalidades legais, mas desde que tenha atingido os seus objetivos (MIRABETE, 2003, p. 1379-1380). De fato, processo é, antes de tudo, instrumento, caminho a ser trilhado para determinado objetivo; não é o fim em si mesmo; o fim é o direito material que se busca aplicar, através do processo. Por isso, há que se falar em nulidades relativas (quando, diante de vícios não essenciais, não obstante a ilegalidade, possa o ato processual ser convalidado ou aproveitado) e nulidade absolutas (quando a ilegalidade praticada acarreta um prejuízo tão grave e manifesto que será impossível convalidar ou aproveitar o ato processual praticado). Exemplos clássicos de nulidade absolutas, no processo penal, são aquelas que violam princípios constitucionais ou direitos fundamentais das partes. Porém, a teoria das nulidades, relativa e absoluta, extraída da teoria geral do processo, precisa ser aplicada com muita cautela, no processo penal, cuja natureza é eminentemente garantista e cuja lide trata do indisponível direito à liberdade (nesse sentido, LOPES JÚNIOR, p. 84-85).


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Dentro de tal contexto, o que se pode dizer a respeito da audiência realizada sem a presença do Ministério Público? Seria ela uma nulidade absoluta ou relativa? Normalmente, duas situações podem acontecer: 1) o MP sequer é intimado da audiência; 2) o MP é intimado, mas não comparece. Em ambos os casos, há prejuízo manifesto para o direito humano ao juiz imparcial, ao devido processo legal e ao contraditório, ensejando nulidade absoluta e não relativa. Porque, como já se explicou, desde a DUDH de 1948, há um compromisso internacional em afastar o juiz da produção de ofício da prova, a fim de evitar a sua parcialidade. Demais, sem a presença de uma das partes na ação penal pública (sociedade/povo, representada pelo MP), o princípio do contraditório resta manifestamente maculado, pois nem o juiz e nem o advogado/defensor público podem assumir o lugar do Ministério Público fazendo perguntas que seriam do seu interesse ou da sua estratégia processual. Imagine-se a situação diametralmente oposta: o advogado de Defesa falta à audiência de instrução, mas, ainda assim, o juiz decide realizar o ato, estando presente somente o promotor de Justiça. No caso concreto, tanto o juiz, quanto o promotor se esforçam para imaginar e fazer todas as perguntas às testemunhas que poderiam beneficiar o réu. Seria possível aproveitar tal ato? Caberia falar em uma nulidade somente “relativa”? É evidente que não! Primeiro, por um simples motivo: as regras processuais não podem depender de subjetividades (boa vontade do juiz ou do MP) e, justamente por isso, o devido processo legal exige que cada operador jurídico ocupe o seu espaço na relação processual e não invada o espaço do outro. Ainda mais. No processo penal, máxime durante a instrução probatória, o contraditório há de ser real e não fictício. Ou seja, as partes da relação processual precisam, necessariamente, exercê-lo. O papel de cada uma não pode ser ocupado pela outra e vice-versa.


Especial - maio de 2019 | 231

Esse o verdadeiro sentido do princípio do contraditório, dentro de um processo penal democrático, que não se satisfaz com a mera oportunidade dada à parte de exercer o contraditório: é preciso que ela, efetivamente, faça-o. Por isso, não pode haver audiência de instrução criminal sem a presença da Defesa Técnica; mas a conclusão vale para o MP, porque o princípio do contraditório é sinalagmático, bilateral e não se aplica somente a uma das partes da relação processual. Aliás, como lembra Dinamarco (2003, p. 135-136), o exercício da ação e da defesa, ao longo do procedimento, ao lado dos atos da jurisdição, é condição essencial para o correto exercício desta; significa isso participação no processo decisório e não pode ser negada às partes da relação processual. Portanto, o argumento de que basta oportunizar a participação do Ministério Público na audiência judicial criminal (através da sua intimação) não é suficiente para afastar a absoluta nulidade da audiência realizada sem a presença de uma das partes. Esse argumento pode até ser aplicado em determinados processos de natureza civil, mas nunca em um processo penal, o qual, por se tratar da discussão de direitos indisponíveis, como a liberdade de outrem ou a imposição de pena em razão de dívida contraída com a sociedade, em razão da prática de crimes, exige um contraditório efetivo e não apenas fictício. O contraditório real é necessário, inclusive, para justificar a legitimidade da atuação do Estado, através da jurisdição, que, em essência, é democrática e não inquisitória (CÂMARA, 2003, p. 52-54). Nessa linha de pensamento, a lição de Fernandes (2000, p. 53-56), lembrando que a Constituição Federal assegura o contraditório não apenas aos acusados, mas também ao Ministério Público. Avança, ainda, o mencionado autor, forte no ensinamento de processualistas como Calmon de Passos e Arruda Alvim, para lembrar a diferença entre o princípio da bilateralidade da audiência (onde é suficiente oportunizar o direito de participar) e o prin-


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cípio do contraditório (o qual exige uma efetiva participação, discussão e igualdade de oportunidade para todas as partes da relação processual). No mesmo sentido, Barros (2014) vem a defender que a realização de audiência criminais sem a presença do MP viola não apenas o princípio do contraditório, mas também o princípio acusatório do processo penal. Dentro de tal contexto, Nery Junior (1999, p. 130-132) chega a afirmar que, no processo civil, em razão de não ser necessário o contraditório efetivo e substancial do processo penal, seria mais apropriado falar-se no princípio da bilateralidade da audiência. Por isso, em ambos os casos, seja pela não intimação, seja pela intimação, mas realizado o ato sem o MP, a audiência é nula, por manifesta violação aos princípios do contraditório e do devido processo legal e, ainda, ao sistema acusatório como um todo, em razão do comprometimento causado ao direito humano ao juiz imparcial. Afinal, juiz de Direito, por mais que mereça consideração pela relevância do cargo, conhecimento jurídico e conduta ilibada, não pode fazer as vezes de promotor de Justiça, sob pena de também violar ao princípio constitucional do Promotor Natural (art. 5º-LIII da CF/1988). Ora, dispõe, a propósito, o art. 564-III, d, do CPP,05 que haverá nulidade por falta da intervenção do MP em todos os termos da ação penal por ele intentada ou mesmo quando atuar na qualidade de fiscal da ordem jurídica.06

05

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

(...) III-por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: (...) d) a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada e nos dá intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública; 06

Nomenclatura mais atualizada, nos termos do art. 127, caput, da CF/1988 (defesa da ordem jurídica,

do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis), adotada pelo CPC de 2015 (arts. 82, § 1º, e 178, v. g.).


Especial - maio de 2019 | 233

Resta evidente, pois, que a não intervenção do Ministério Público, em qualquer ato do processo penal, é causa de nulidade. E à luz da teleologia do art. 129, inciso I, da Magna Carta de 1988, o MP é o titular exclusivo da ação penal pública, sendo causa de nulidade absoluta (e não somente relativa) a instrução realizada sem o promotor de Justiça. Por isso, o art. 572 do CPP,07 Decreto-lei 3.689, de 03/10/1941, norma vetusta e anterior à própria DUDH, no que se refere à presença do MP nas audiências criminais, não foi recepcionado pela Constituição de 1988, não podendo ser aceita, ex vi dos princípios do juiz imparcial; do devido processo legal e do contraditório (art. 5º, incisos LIII, LIV e LV), prova colhida em audiência sem a presença do titular da ação penal pública. Reitera-se, ainda que o parquet tenha sido previamente intimado de uma audiência judicial, a sua presença física é obrigatória, constituindo-se em uma garantia não apenas do processo, mas da vítima e do réu, pois o representante ministerial também é o fiscal da ordem jurídica e defensor da sociedade (art. 127, caput, da CF/88, c/c art. 257-II do CPP). Nesse sentido, doutrina Tourinho Filho (2004, p. 258) que a presença do órgão acusador e da parte defensora, no processo penal, é indispensável, por exigência do princípio do contraditório. Realizado o ato sem a presença de um ou de outro, a causa é de nulidade insanável. No caso de ausência do MP, recomenda o referido doutrinador que o juiz adie o ato e oficie ao Procurador-Geral da instituição, buscando um substituto.

07

Art. 572. As nulidades previstas no art. 564, Ill, d e e, segunda parte, g e h, e IV, considerar-se-ão

sanadas: I-se não forem argüidas, em tempo oportuno, de acordo com o disposto no artigo anterior; II-se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim; III-se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceito os seus efeitos.


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Outrossim, destacando que, em tal situação, a ausência do MP ofende os postulados da Justiça pública e o princípio do contraditório, pronunciam-se Demercian e Maluly (2009, p. 684). Afinal, é causa de nulidade absoluta, no processo penal, quando se impede ou não se permite a participação de uma das partes na instrução probatória (OLIVEIRA, 2006, p. 660-661). Há, porém, vozes dissonantes na doutrina processualista penal brasileira, defendendo que a ausência do MP na audiência de instrução seria nulidade relativa, pois dependeria da demonstração de prejuízo (AVENA, 2017, p. 1083). Chega-se a argumentar que até mesmo a ausência de intimação do Ministério Público para o ato não ensejaria a sua nulificação imediata, dependendo também da demonstração posterior de prejuízo (PACELLI; FISCHER, 2016, p. 1140). Tratam-se, porém, de análises não aprofundadas do tema, que não fazem sequer menção à DUDH e, também, deixam de apresentar a devida distinção entre os princípios da bilateralidade da audiência e do contraditório; também não consideraram os riscos de violação do direito humano ao juiz imparcial. Perceba-se, aliás, que o argumento da “demonstração do prejuízo”, ao final, será apreciado pela própria instituição que presidiu o ato sem o Ministério Público, ou seja, o próprio Poder Judiciário. Ou seja, o titular da ação penal pública e responsável pelo exercício da função acusatória é ignorado na instrução probatória e a palavra final sobre a existência de prejuízo é do Poder que promoveu a sua exclusão (Judiciário) e não dele (Ministério Público). Reforce-se, ainda, a expressa adoção, no processo penal brasileiro, através da Lei 11.690, de 09/06/2008 (alterou o art. 212 do CPP) do sistema norte-americano do cross-examination, onde, a fim de que se garanta a imparcialidade do julgador, as partes devem perguntar diretamente às testemunhas, atuando o juiz de forma fiscalizatória e suplementar. Destarte, na situação de ausência do MP no ato instrutório, não poderá a autoridade


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judicial, em hipótese alguma, assumir o seu lugar e fazer as perguntas que competiriam ao parquet, sob pena de absoluta nulidade. Como lembra Carvalho (2018, p. 343-344), a participação do MP na produção da prova testemunhal é ato essencial, ensejando nulidade absoluta a sua ausência, pois a tal prova deve ocorrer com a presença das partes, promovendo-se o contraditório. Trata-se, em verdade, de mais um corolário de um processo penal acusatório e democrático, onde não cabe ao juiz a iniciativa probatória, mas sim às partes da relação processual. Forte em tais conclusões, Lopes Júnior (2014, p. 100-102) chega a afirmar que a divisão de funções estatais, no processo penal, de acusar (MP) e julgar (Poder Judiciário) vincularia, inclusive, a autoridade judicial ao pedido de absolvição formulado pelo Ministério Público, pois o poder punitivo estatal estaria vinculado ao exercício da pretensão acusatória; em caso do seu não exercício ou da conclusão de que ela é inviável pelo órgão acusador (pedido de absolvição), deveria o juiz acatar as conclusões do titular da ação penal pública.

5 O poder judiciário brasileiro

diante da práxis da audiência judicial sem a presença do Ministério Público

Na mesma linha dos entendimentos doutrinários que primam pela nulidade parcial, tem sido a posição, em regra, da jurisprudência brasileira, vindo a exigir a demonstração de prejuízo, para declarar a nulidade de uma audiência de instrução criminal realizada sem a presença do Ministério Público.


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Como se disse alhures, na lógica adotada por tal entendimento, será o Judiciário (e não o MP) quem decidirá sobre a existência ou não de prejuízo. Somente o fato de dispor sobre a existência ou não de prejuízo configura, per si, uma violação ao direito humano ao juiz imparcial, pois a autoridade judicial, assim o fazendo, adentra na competência acusatória do Estado, ocupando uma esfera de atribuições próprias do Ministério Público.

5.1 No Supremo Tribunal Federal No âmbito do Supremo Tribunal Federal, historicamente, tem sido essa sua posição, embora, após a Constituição de 1988 e, ao menos considerando a sua atual composição, não existe uma posição expressa do Plenário da Corte a respeito. A 1ª Turma do STF, nos autos do HC 120.528/RS, em decisão de 14/03/2017, deixou de anular audiência de interrogatório do réu onde o MP estava ausente. Segundo o relator, Ministro Marco Aurélio, a ausência do Estado-acusador sinaliza não um prejuízo para a Defesa, mas uma vantagem para esta. Importante destacar, a forma superficial com que o tema foi tratado; primeiro, sem qualquer menção aos princípios do devido processo legal e do contraditório, os quais, como demonstrado, exigem a presença de outra parte, quando da produção da prova judicial. Depois, porque o MP é tratado somente como “Estado-acusador”, olvidando-se completamente da sua função de fiscal da ordem jurídica, que também deve velar pela legalidade da audiência judicial, inclusive a favor do réu, quando for o caso. Já a 2ª Turma da Suprema Corte, em julgado de 30/04/1996, nos autos do HC 73650-5/RS, não veio a anular audiência judicial onde houve a inquirição de testemunhas de acusação sem a presença do MP, arguindo a inexis-


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tência de prejuízo e, ainda, que tal nulidade não fora arguida no momento oportuno. Outrossim, no referido julgado, à luz do voto do relator, Min. Néri da Silveira, não se encontra uma única linha argumentativa a respeito do exercício do princípio do contraditório, no processo penal, e da necessidade da sua realização de forma concreta e não fictícia. O julgado não faz, ainda, menção ao direito humano ao juiz imparcial e aos riscos de o juiz produzir, ele mesmo, uma prova e depois utilizá-la para justificar uma condenação penal.08 Há, porém, esperanças de que a Suprema Corte brasileira venha a consagrar a defesa do sistema acusatório e dos princípios do contraditório e do juiz imparcial no processo penal. Em julgado de 14/11/2017, a 1ª Turma do STF, nos autos do HC 111.815, anulou audiência de instrução criminal por descumprimento à ordem prevista no art. 212 do CPP, o qual consagra a atuação supletiva do Judiciário na colheita de provas, ou seja, a autoridade judicial suplementa as perguntas das partes e não o contrário. Tal julgado tem bastante relevância para a tese defendida neste artigo jurídico porque, em muitas audiências judiciais realizadas sem a presença do membro do MP, a autoridade judicial, literalmente, ocupa o espaço do Ministério Público, fazendo as perguntas em seu lugar e, posteriormente, passando para a palavra para a Defesa se pronunciar. Ou seja, nos termos do art. 212 do CPP, o juiz não pode substituir o Ministério Público na instrução criminal, pode suplementar, complementar os seus questionamentos; jamais ocupar o espaço ou produzir uma prova que caberia à acusação fazer (PACELLI; FISCHER, 2016, p. 479).

08

Foi justamente o que ocorrera no mencionado caso concreto, pois um dos argumentos do decisum foi

a “ausência de prejuízo”, já que a prova colhida sem o MP “confirmou” a autoria delitiva.


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5.2 No Superior Tribunal de Justiça A jurisprudência do STJ, através da suas 5ª e 6ª turmas, que lidam com a matéria penal, também tem se inclinado em favor da demonstração do efetivo prejuízo, sobretudo nos julgados recentes (anos de 2017 e 2018). A 5ª Turma do STJ, em julgado de 05/05/2018, nos autos do AGRG no Recurso Especial nº 1.712.039/RO, considerou que a simples ausência do órgão acusatório na audiência de oitiva de testemunhas não ensejaria a nulidade do ato, quando não restar devidamente demonstrada a ocorrência de prejuízos. Para causar ainda mais perplexidade: conforme leitura do voto do relator, Min. Jorge Mussi, verifica-se que, previamente, a Corregedoria-Geral de Justiça solicitara a redesignação do ato, em razão de realização do III Seminário Estadual de Execução Penal e Encontro dos Promotores de Justiça. Não obstante, o Juízo a quo realizou o ato por sua conta e risco, tendo sua decisão obtido referendo do Tribunal Estadual e do STJ. De forma igualmente grave, em 27/02/2018, a 6ª Turma do STJ não anulou audiência judicial para oitiva de testemunhas, realizada sem o MP, onde o juiz formulou perguntas no lugar do MP. Segundo o voto do relator, Min. Rogério Schietti Cruz, sequer o MP teria sido intimado pessoalmente da audiência judicial, com vistas dos autos. Porém, entendendo que nulidade que beneficia o Ministério Público somente por ele poderia ser arguida (mas não pela Defesa da parte acusada), como também aduzindo que não houve prejuízo no caso concreto, o recurso defensivo foi julgado improvido e a nulidade não reconhecida. Em ambos os julgados, verifica-se que, em momento algum, os direitos humanos ao juiz imparcial e ao contraditório foram sequer mencionados. Ignora-se por completo o art. 5º-LV da CF/1988, que assegura o contraditório não somente à Defesa, mas a todas as partes da relação processual penal, onde, obviamente, está incluído o MP.


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A fundamentação resumida e meramente instrumental de ambos os acórdãos fere de morte o próprio sistema acusatório do processo penal brasileiro, aproximando-se de uma feição inquisitória, que abona a figura de juízes-inquisidores que agem de ofício e produzem diretamente a prova, ora ignorando ofícios da sua própria Corregedoria, ora passando por cima da necessidade de prévia intimação pessoal do MP para participar da audiência, conforme o art. 370, § 4º, do CPP, c/c o art. 41 da Lei 8.625/1993. Interessante destacar que, entre 2012 e 2016, existiram precedentes, na 5ª e 6ª turmas, reconhecendo a nulidade absoluta da audiência judicial realizada sem a presença do MP. Por exemplo, a 6ª Turma do STJ, em julgado de 17/05/2012, no HC 21.078/MG, decidiu pela nulidade de determinada audiência penal, em razão da ausência das representantes do parquet, as quais, dias antes, haviam requerido o adiamento do ato, alegando impossibilidade de comparecimento. De outra banda, a 5ª Turma do mesmo Superior Tribunal de Justiça, julgando o HC 316719/RJ, em 06/10/2015, não verificou qualquer ilegalidade e decidiu não anular acórdão de Tribunal Estadual que, em razão da ausência do Ministério Público em audiência de instrução, reconhecera a existência de nulidade insanável por violação ao sistema acusatório, determinando a renovação da instrução processual. Nas informações adicionais do acórdão supramencionado, extraídas do voto do relator, Min. Félix Fischer, consta a relevante conclusão: Ocorre nulidade insanável do processo penal na hipótese em que o Ministério Público não participou da audiência de instrução e o magistrado incorporou as funções do órgão acusador, formulando, ele próprio, as perguntas às testemunhas da acusação. Isso porque houve violação ao sistema acusatório e prejuízo para o contraditório e justiça da decisão. Além


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disso, o vício atinge o interesse público e a correta aplicação do direito (BRASIL, 2015).

Mencione-se, por fim, precedente, de 20/10/2016, prolatado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, pugnando que a falta de intervenção do Ministério Público constitui causa de nulidade absoluta, sendo dispensável qualquer demonstração de prejuízo, o qual seria presumido, nos termos do artigo 564, inciso III, “d”, do CPP. No caso concreto, o agente ministerial não compareceu à audiência onde foi colhida toda a instrução judicial penal. Como se disse alhures, chama a atenção o refluxo do entendimento da 5ª e da 6ª Turmas do STJ, as quais chegaram a defender, expressamente a nulidade presumida, inclusive fazendo menção à violação ao sistema acusatório, mas, agora, parecem defender uma nulidade apenas relativa com relação à ausência do membro do MP nas audiências, embora, frise-se, sem fazer o devido contraponto com os direitos humanos ao juiz imparcial, ao devido processo legal e ao contraditório bem como sem considerar a manifesta violação ao sistema acusatório penal.

5.3 O Tribunal de Justiça de Pernambuco, a Recomendação 01/2014 e o CNJ No Estado de Pernambuco, o Tribunal de Justiça, através do seu Conselho da Magistratura, referendou e oficializou a prática das audiências criminais sem a presença do promotor de Justiça, representante do MP, através da Recomendação nº 01, de 13/11/2014, do Conselho da Magistratura do TJPE, a qual exorta os juízes com competência criminal que realizem audiência criminal sem a participação do representante do Ministério Público, desde que tenha havido a sua prévia intimação para participar do referido ato pro-


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cessual, independentemente de qualquer justificativa apresentada para não comparecer ao ato. A referida recomendação, até hoje, serve de suposto lastro institucional e legal para que juízes de 1º grau realizem audiência criminais sem a presença do MP. Salvo algumas exceções, isso tem-se repetido em todo o Estado, mesmo diante de inúmeros requerimentos dos promotores de Justiça, justificando a ausência em razão de, no dia da audiência, estarem acumulando outras Promotorias ou até mesmo diante de atestados de saúde, que impossibilitariam o comparecimento. Sim, porque a recomendação, ignorando por completo a necessidade do contraditório no processo penal, sequer admite o adiamento do ato em razão de qualquer justificativa apresentada, inclusive quando se tratar de motivo de saúde, bastando a prévia intimação do membro do MP para o ato. Na jurisprudência do TJPE, portanto, predomina o entendimento de que basta a prévia intimação do membro do MP para participar da audiência de instrução, podendo o juiz realizar o ato em caso de ausência física do promotor de Justiça. Mas as violações ao sistema acusatório penal não terminam por aí. Há precedente da 3ª Câmara do Pretório Estadual, nos autos da Apelação 0497419-2, rel. para o acórdão Des. Alexandre Assumpção, em 27/07/2018, onde se deixou de anular audiência de instrução na qual o juiz de 1º grau não apenas realizou o ato sem o MP como também proferiu, ao final do ato, sentença condenatória, em desfavor da parte acusada. Por maioria, entendeu a Câmara que o juiz poderia sentenciar, mesmo sem um pronunciamento final do MP, em homenagem ao princípio da duração razoável do processo. Afinal, a pretensão inicial do parquet, indicada na exordial penal, teria sido atendida com a condenação da parte acusada. Relevante que se destaque a gravidade do precedente. Não apenas o Ministério Público foi completamente ignorado, durante a instrução criminal,


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como também foi reduzido a uma instituição sem autonomia funcional, que prima somente pela condenação da parte acusada, nos termos daquilo que fora deduzido na denúncia. Sob o pálio de uma genérica arguição do princípio da duração razoável do processo, estaria autorizado o juiz de Direito a passar por cima do sistema acusatório e a dispensar, inclusive, as alegações finais do parquet. Desconsiderou-se, outrossim, que o MP, enquanto fiscal da ordem jurídica, também pode pleitear a absolvição da parte acusada e não somente se limitar a repetir a pretensão acusatória da exordial penal.09 Nesse passo, à luz do lamentável precedente judicial, importante mencionar a advertência de Lima e Carneiro (2017), relatando que, no Estado de Pernambuco, já são muitos os precedentes de processos penais com sentença condenatória ao final, onde a participação do MP se restringiu à elaboração da exordial penal, sem qualquer outra atuação relevante na ação penal. Ou seja, verdadeira consagração de um sistema inquisitório, onde a função do acusador confunde-se com a do julgador. Há, porém, precedente em favor da nulidade absoluta, da 1ª Câmara Regional do TJPE, em Caruaru. Em um deles (2ª Turma, apelação criminal 486624-6, decisão de 10/05/2018), anulou-se a instrução criminal onde o juiz realizou a audiência sem o MP, mesmo estando o membro de férias; dispensou testemunha de acusação, sem ouvir o MP e sentenciou o feito, sem alegações finais. Perceba-se, foi preciso que o magistrado de 1º grau dispensasse de ofício para uma testemunha indicada pelo MP, sem ouvir o órgão e com base no seu entendimento, sentenciasse, inquisitorialmente, o feito, para que fosse, enfim, reconhecida a nulidade absoluta.

09

Como bem adverte Dworkin (1986, p. 379-381), interpretar a Constituição não é algo fácil, exigindo

uma interpretação mais complexa do que aquela utilizada para a legislação ordinária; ou seja, menos mecânica e menos superficial.


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Em 04/10/2016, o Conselho Nacional de Justiça julgou improcedente o procedimento de controle administrativo movido pela Associação do Ministério Público de Pernambuco (AMPPE) contra a Recomendação 01/2014, não obstante a manifesta inconstitucionalidade e ilegalidade do ato administrativo questionado.10 Porém, tratou-se de uma decisão por maioria. Não houve unanimidade. Pelo contrário, votaram contra a recomendação cinco conselheiros do CNJ: Norberto Campelo (Relator), Luiz Cláudio Allemand, Lelio Bentes, Rogério Nascimento e Arnaldo Hossepian. A propósito, mencione-se o entendimento do relator do PCA 000007107.2015.2.00.0000, Conselheiro Norberto Campelo, em 23/02/2016, quando concedeu medida liminar, suspendendo os efeitos da Recomendação 01/2014 do TJPE: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO. DECISÃO FINAL PELO NÃO CONHECIMENTO DA MATÉRIA, POR CONSIDERAR DE NATUREZA JURISDICIONAL. ART. 25, X, RICNJ. NECESSIDADE DE REVISÃO DA MONOCRÁTICA. RECOMENDAÇÃO N.º 01/2014 – CONSELHO DE MAGISTRATURA. REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA CRIMINAL INDEPENDENTE DA PARTICIPAÇÃO DE REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ATO COM APTIDÃO PARA GERAR

10

Meses depois, apoiando a iniciativa da AMPPE, a Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério

Público de Pernambuco solicitou à Procuradoria-Geral da República que ingressasse com uma arguição de descumprimento de preceito fundamental contra a Recomendação 01/2014 (MPPE EM FOCO, 2018, p. 34). Até o momento da elaboração deste artigo jurídico, a PGR ainda não havia se pronunciado a respeito.


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NULIDADE PROCESSUAL. ART. 129, I, CF/88, ART. 564, III, “d”, CPP. CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR PARA SUSPENDER OS EFEITOS DO ATO ADMINISTRATIVO. 1. Os precedentes são no sentido de que se for a matéria jurisdicional, impossível seria a atuação deste CNJ. Porém, o ato impugnado não é de natureza jurisdicional e sim administrativa, tendo em conta que pretendia tornar sem efeito ato administrativo de Órgão do Poder Judiciário (TJ/PE). 2. O Conselho da Magistratura do Estado de Pernambuco equivocara-se na elaboração da Recomendação nº 01/2014, confrontando o princípio da legalidade, ao desconsiderar os termos do art. 129, inc. I, da CF/88, além do art. 564, inc. III, “d”, do CPP, tornando regra algo que deveria ser exceção, ao recomendar “aos magistrados com jurisdição criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco que realizem as audiências de instrução, sem a participação do representante do Ministério Público, desde que tenha havido sua prévia intimação pessoal para comparecer aos referidos atos processuais”, não fazendo alusão, sequer, à possibilidade de justificativa. 3. Requisitos para concessão de medida acautelatória preenchidos nos termos do art. 25, XI, do Regimento Interno do CNJ (BRASIL, 2016).


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6 O múnus de evitar e combater a

realização de audiências criminais sem a presença do Ministério Público Os membros não podem e não devem ficar indiferentes à contínua realização de audiências de instrução e julgamento sem a presença do Ministério Público. Não se desconsidera aqui a difícil realidade orçamentária e a atual quantidade de cargos vagos da instituição. Trata-se de argumentos não jurídicos, porém muitas vezes invocados pelo Poder Judiciário para realizar a audiência sem o MP. Não obstante, a instituição do Ministério Público e os seus membros precisam assumir como tarefa primordial o protagonismo no processo penal. Não se trata de opção ou escolha, mas de um dever constitucional, imposto pelo art. 129, inciso I, da Magna Carta de 1988, que forjou o MP como titular exclusivo da ação penal pública. Em verdade, há, na norma constitucional um verdadeiro múnus público, onde o Ministério Público deve capitanear o sistema acusatório, zelando por um processo penal justo e democrático. Nesse sentido, diante da temerária tese da “nulidade relativa” e das reiteradas audiências penais realizadas sem a presença do MP, os membros devem defender o protagonismo da instituição diante de cada caso concreto. Em banda paralela, a chefia do MP, através do seu Procurador-Geral de Justiça, deve adequar, gradativa e permanentemente, o orçamento do órgão para tal realidade, evitando a vacância de cargos com atuação em Varas de natureza penal, principalmente. Assim, se houver impossibilidade de acompanhar determinada audiência de instrução, deve o membro do MP, de imediato, oficiar ao juiz criminal


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e requerer o adiamento do ato, comunicando o motivo da ausência, como, aliás, já recomendou o Conselho Superior do MPPE, no ano de 2014. Também é relevante que o membro, ao assumir determinada Promotoria de Justiça, em regime de acumulação, oficie ao Poder Judiciário, comunicando os dias em que poderá comparecer e pugnando que somente sejam realizadas audiências criminais com a presença do Ministério Público. Igualmente importante é que a Procuradoria-Geral de Justiça, em comunhão com a Presidência do Tribunal de Justiça, recomende a promotores e juízes, com atribuição criminal, a prévia discussão da pauta de audiências e sessões do Tribunal do Júri, prevendo-se os períodos de férias de cada operador jurídico e onde exista um espaço anual, sem a marcação de audiências, para a participação em congressos e cursos de aperfeiçoamento de ambas as carreiras. Por fim, não se pode olvidar que os membros do MP, ao receberem processos penais onde a instrução foi realizada sem a presença do Ministério Público, devem arguir, desde logo, a nulidade absoluta no feito, pugnando pela realização de nova instrução, seja nos próprios autos, mediante manifestação; seja através de recurso (correição parcial ou apelação criminal, conforme o caso); mediante contrarrazões recursais ou ação de impugnação própria (mandado de segurança). Até porque trata-se de matéria de ordem pública, porque consiste na arguição de uma nulidade absoluta resultante da não observância de princípios constitucionais, cujo argumento não se submete à preclusão e pode ser reconhecida, inclusive de ofício, em qualquer foro ou instância (BONFIM, 2015, p. 827). Outrossim, relevante lembrar que os promotores de Justiça devem zelar pelo respeito ao devido procedimento legal da intimação pessoal do Representante do MP, nos termos do art. 370, § 4º do CPP, c/c o art. 41-IV da Lei 8.625/1993.


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Tais normas determinam que a intimação pessoal do MP será feita com a remessa dos autos do processo penal com vista, ou seja, a intimação pessoal é realizada em cada processo e não em uma folha, a chamada “pauta de audiências”, impressa pelas Secretarias das Varas Judiciais e onde, de forma genérica, pede-se para o membro dar ciência. Tal forma de intimação é nula e não pode ser aceita pelos membros do MP, os quais devem receber os autos processuais com vista para tomar ciência em cada audiência de instrução designada; analisarem o processo penal; e, se for o caso, requererem as providências necessárias para a realização do ato com a presença do membro do parquet. Os procuradores de Justiça têm, outrossim, um papel relevante em tal contexto, devendo arguir a nulidade absoluta perante o Tribunal de Justiça, prequestionando a matéria e levando, em caso de não acolhimento da tese, o tema para discussão no âmbito dos Tribunais Superiores. Não é suficiente somente a interposição de recurso especial, para o STJ. A discussão jurídica é, essencialmente, constitucional. Por isso, há que se interpor também recurso extraordinário, para o STF, arguindo-se violação ao art. 5º, incisos LIII (juiz natural e imparcial), LIV (devido processo legal) e contraditório (LV), além do próprio sistema acusatório penal, por negativa de vigência ao art. 129, inciso I, da Magna Carta.

7 Conclusões 1. O processo penal brasileiro, em razão da DUDH e da CF/1988, deve primar por um sistema acusatório e democrático, onde as funções de acusar, defender e julgar são exercidas por atores processuais e instituições diversas. 2. Nos termos dos arts. 10 e 11 da DUDH, ocorre nulidade absoluta da


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prova colhida em audiência de instrução judicial, no processo penal, sem a presença física do membro do MP, conforme o art. 546-III, d, do CPP, c/c os arts. 5º-LIII, LIV e LV e 129-I da Magna Carta de 1988, por manifesto dano aos direitos humanos ao juiz imparcial, ao devido processo legal e ao contraditório. 3. A recomendação nº 01/2014, do Conselho da Magistratura de Pernambuco, é um ato jurídico manifestamente inconstitucional e verdadeiro estímulo à figura do juiz parcial e inquisidor. 4. É dever de todos os membros do Ministério Público lutar pelo protagonismo da instituição no processo penal, arguindo a nulidade absoluta da audiência sem promotor em qualquer foro ou instância judicial como também adotando, com o necessário apoio da Procuradoria-Geral de Justiça, todas as medidas administrativas cabíveis para evitar a nefasta práxis, inclusive com prévia discussão da pauta anual das audiências de instrução e julgamento com a Chefia do Poder Judiciário.

REFERÊNCIAS ARTIGOS JURÍDICOS BARROS, Francisco Dirceu. A indispensabilidade da presença do representante do Ministério Público na audiência criminal porque no sistema acusatório o juiz não pode fazer tudo. Jusbrasil. Disponível em: <https://franciscodirceubarros.jusbrasil. com.br/artigos/200601615/a-indispensabilidade-da-presenca-do-representante-do-ministerio-publico-na-audiencia-criminal-porque-no-sistema-acusatorio-o-juiz-nao-pode-fazer-tudo>. Acesso em: 31.12.2018.


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CARVALHO, Francisco Ortêncio de. A nulidade absoluta pela não intervenção do representante do Ministério Público em atos essenciais da ação penal pública. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 1, p. 337-368, jan./abr. 2018. Disponível: <https://doi.org/10.22197/rbdpp.v4i1.107>. Acesso em: 28.12.2018. LIMA, Charles Hamilton Santos; CARNEIRO, André Silvani da Silva. A função do Ministério Público é essencial, não apenas eventual. CONJUR: Consultor Jurídico. Coluna MP no debate. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-jul-17/ mp-debate-funcao-ministerio-publico-essencial-nao-apenas-eventual>. Acesso em: 31.12.2018. TÁCITO, Caio. A Razoabilidade das Leis. Revista de Direito Administrativo, nº 204, Rio de Janeiro, Renovar, abril/junho, p. 01-03, 1996. JURISPRUDÊNCIA BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Acórdão nos autos do PCA 000007107.2015.2.00.0000, rel. Cons. Norberto Campelo, rel. voto divergente Carlos Levenhagen. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/pjecnj/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=a43245ffe67f1ddbf40dbe9204b3fd8639b484d172d84d8e>. Acesso em: 03.01.2018. _______. Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, rel. Min. Sebastião Reis Júnior. Acórdão nos autos do HC 210878/MG. Brasília, 17.05.2012. DJe de 04.06.2012. _______. Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, rel. Min. Rogério Shciett Cruz. Acórdão nos autos do AgRg nos EDcl no AREsp 528020/RS. Brasília, 15.09.2015. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201401378024&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea>. Acesso em: 06.05.2017.


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LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal, 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. _______. Fundamentos do Processo Penal: introdução crítica, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal interpretado, 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. MORAIS, Jose Luis Bolzan de. As crises do Estado e da Constituição e a transformação espaço-temporal dos direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 6a ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentário ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2016. TORINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal comentado, 8a ed. São Paulo: Saraiva, 2004. LIVROS NÃO JURÍDICOS ARRUDA, José Jobson de A; PILETTI, Nelson. Toda história: história geral e história do Brasil. São Paulo: Ática, 2010. LIRA NETO. Getúlio: do governo provisório à ditadura do Estado Novo (19301945). São Paulo: Companhia das Letras, 2013. REVISTAS MPPE EM FOCO. Recife: Ministério Público de Pernambuco, ano VIII, nº 37, 59 p.


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O SISTEMA DE PRECEDENTES DO CPC DE 2015 E O MINISTÉRIO PÚBLICO – NOVOS PARADIGMAS RECURSAIS

SELMA MAGDA PEREIRA BARBOSA BARRETO Promotora de Justiça no Estado de Pernambuco. Coordenadora da Central de Recursos Cíveis.


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RESUMO O Código de Processo Civil de 2015, seguindo o viés do neoconstitucionalismo, realinhou culturalmente o processo, transformando-o em instrumento de realização dos princípios constitucionais. Nessa ordem de ideias, conferiu-se ao Juiz a função de criador do Direito na medida em que, no caso concreto, cria normas que, dentro do Sistema de Precedentes, adquirem força vinculante e obrigatória para os casos idênticos. Assim, os novos paradigmas reclamam a mudança na atuação dos atores processuais, em especial quanto à matéria recursal e, no caso do Ministério Público, estabelecem o confronto entre os princípios da independência funcional com os da unidade e indivisibilidade da instituição e reclamam a sua adaptação às novas formas de atuação eficaz. PALAVRAS-CHAVE: Novo Código de Processo Civil; Ministério Público; segunda instância; atuação recursal; Recomendação CNMP/CN nº 57/2017; novos paradigmas; independência funcional; unidade do Ministério Público; reformulação.


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1 O Ministério Público e o Novo CPC

– Valores e normas

A Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova era nas relações políticas, institucionais, econômicas e sociais. Produto do processo de redemocratização do Brasil a partir do final da década de 1970, a Constituição Cidadã consolidou o Regime Democrático e o Estado de Direito como pilares da Nação brasileira. Garantias constitucionais, fundamentos democráticos e objetivos voltados para o cidadão, dentro de uma ordem social justa e solidária, em que a dignidade humana se torna o centro de todo o ordenamento jurídico, político e social, tornam-se paradigmas de validade de atos administrativos, normas jurídicas e decisões judiciais. Nesse cenário, em 2015, entrou em vigor a Lei nº 13.105, de 16/03/2015 (Novo Código de Processo Civil), que, nas suas primeiras linhas, estabeleceu como alicerce para sua ordenação, disciplina e interpretação, os valores e as normas fundamentais da Constituição de 1988, realinhando culturalmente o processo para transformá-lo em instrumento de realização de valores e propósitos constitucionais. O neoprocessualismo ou processualismo valorativo, que tem como ideia a instrumentalidade constitucional, trouxe inúmeras mudanças para o processo civil brasileiro, incluindo três espécies processuais que têm como alvo a fixação de precedentes, trazendo o Judiciário para o centro da criação normativa, ao lado do Legislativo e, em casos específicos, do Executivo: Incidente de Assunção de Competência; Incidente de Demandas Repetitivas e a Reclamação. Não é objeto do presente estudo as três espécies de criação/formação de precedentes, mas as consequências por elas geradas no mundo jurídico, em especial para o Ministério Público. Isso, porque, no mundo globalizado, os


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atos judiciais modelam e inspiram outras decisões, beneficiando ou comprometendo a atuação ministerial em favor da sociedade. Desse modo, os princípios da independência funcional, unidade e indivisibilidade do Ministério Público necessitam de uma reavaliação urgente, sob pena de se impulsionar a instituição a abismos irremediáveis. Fredie Didier Junior, sobre o novo perfil do CPC, afirma que: ... Após a Constituição de 1988, a doutrina passou a defender a tese de que a Constituição, como fonte de normas jurídicas, deveria ser aplicada pelo órgão jurisdicional... 01

Continua: Passa-se, então, de um modelo de Estado fundado na lei (Estado Legislativo) para um modelo de Estado fundado na Constituição (Estado Constitucional). ... o princípio deixa de ser técnica de integração do Direito e passa a ser encarada como uma espécie de norma jurídica. ... a função jurisdicional passa a ser encarada como uma função essencial ao desenvolvimento do Direito, seja pela estipulação da norma jurídica do caso concreto, seja pela interpretação dos textos normativos, definindo-se a norma geral que deles deve ser extraída e que deve ser aplicada a casos semelhantes. Consagram-se as máximas (postulados, princípios ou regras, conforme a teoria que se adote) da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação das normas.

01

JUNIOR, Fredie Didier. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil,

parte geral e processo de conhecimento. Salvador:Ed. Jus Podivm, 17ª edição, p. 40.


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Identifica-se o método da concretização dos textos normativos, que passa a conviver com o método da subsunção. Expande-se, ainda, a técnica legislativa das cláusulas gerais, que exigem do órgão jurisdicional um papel ainda mais ativo na criação do Direito.02

Portanto, o Judiciário passa a ser “criador do Direito”, através da valoração dos fatos e das normas jurídicas, tendo como pilares os direitos fundamentais: os direitos sociais; a cidadania; e a dignidade da pessoa humana; e, como princípios, além daqueles constitucionalmente consagrados, normas hermenêuticas, como a proporcionalidade e razoabilidade, gerando, dessa forma, jurisprudência normativa concorrente com a norma geral legislativa. O ponto nodal da nova estrutura processual civil é a criação de normas através das técnicas interpretativas do Judiciário, dentro da formatação constitucional, atingindo diretamente as demandas que podem nelas se conformar, nos chamados precedentes, os quais detêm força vinculante e obrigatória aos casos idênticos aos paradigmáticos que ensejaram a decisão judicial dos tribunais. Edilson Vitorelli, procurador da República, defende a reformulação das ações dos agentes ministeriais na busca da efetividade do múnus constitucionalmente atribuído, na nova perspectiva jurídica do que denomina de “Globalização do Direito”03 (reflexo do processo de globalização que teve seu ápice na metade do século XX, conceituado como neoconstitucionalismo, positivismo jurídico reconstruído, neopositivismo ou neoprocessualismo, como descrito por Fredie Didier Junior, citando Eduardo Cambi)04.

02

Idem, pp. 41-42.

03

VITORELLI, Edilson. Palestra ministrada no dia 19/11/2018, no Ministério Público de Rondônia,

durante o Seminário Atuação Extrajudicial e Vanguardista da Instituição. 04

Op. Cit., p 42.


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Segundo Vitorelli05, o Ministério Público enfrenta grandes desafios que demandam medidas urgentes, dentre eles “a falta de banco de dados replicáveis; a independência funcional; o baixo nível de controle e de doutrina; o baixo grau de motivação para agir (como, por exemplo, os agentes da Receita Federal, que recebem bônus na medida em que aumenta a arrecadação); falta estímulo à ação coordenada por várias comarcas, que aumentaria o grau de controle, e a dificuldade para aproveitar os melhores quadros da instituição quando das promoções e remoções, ante o critério hoje estabelecido quase que totalmente por antiguidade e não por mérito e especialização na área”. Na área recursal, aponta como pontos sensíveis “a ausência de um sistema recursal adequado para controle das decisões; o baixo grau de motivação para atuação e a dificuldade para atuação concentrada e aproveitamento dos profissionais mais qualificados”. Essas são questões que exigem a urgente reforma na operacionalização do desempenho das atividades ministeriais em todas as suas unidades, visando à efetividade do seu mister como agente promotor dos direitos e garantias constitucionalmente consagrados e que representam corolários do Estado Democrático de Direito. Tudo isso, diante da nova formatação processual civil, que tem como uma de suas inovações o Sistema de Precedentes Obrigatórios, assim como o nivelamento das partes no processo que passam a atuar como cooperadores processuais juntamente com o juiz da causa, para a promoção da Justiça e concretização do Direito, dentro da modelagem constitucional.

05

Samuel Alvarenga, Promotor de Justiça do Estado de Rondônia e Coordenador da Coordenadoria

de Inovação, Evolução Humana e Estágio Probatório do CNMP, em Palestra ministrada no dia 19/11/2018 no Ministério Público de Rondônia, durante o Seminário Atuação Extrajudicial e Vanguardista da Instituição, antecedendo Edilson Vitorelli, trouxe dados estatísticos que corroboram as conclusões apresentadas por este último no referido evento.


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Nas palavras de Vitorelli, precedentes são “caso decidido que embasa a determinação de casos posteriores envolvendo fatos ou questões similares, obrigatório ou persuasivo”. Nesse sistema, as decisões estão encadeadas e têm como premissa maior o caso paradigmático, que cria a norma jurídica aplicável (jurisprudência), posteriormente ao surgimento do fato/ato jurídico posto para análise jurisdicional. Os casos similares amoldam-se ao precedente, dando luz à “autoridade dos precedentes”, que impõe às instâncias inferiores a obediência às decisões das cortes superiores. Cabe aqui ressaltar que os precedentes podem conter maior ou menor força, a depender da ratio decidendi: Se amplas, geram maior previsibilidade futura. Se restritas, permitem maior elasticidade à análise pelos juízes de casos futuros. O Código de Processo Civil disciplina o regime de precedentes nos arts. 926 (uniformização horizontal) e 927 (uniformização vertical)06. É dentro do sistema de precedentes do CPC em vigor que se concentra a maior dificuldade de atuação recursal do parquet, tendo em vista a resistência oferecida para modificação do precedente firmado pelos tribunais pátrios, em especial os Tribunais Superiores. Desse modo, a modernização da atividade ministerial, desde a propositura da ação até a fase recursal, é indispensável para o fortalecimento das ações institucionais, pois dependendo da forma e da matéria, pode-se criar precedentes que venham engessar o desempenho da função ministerial, em evidente prejuízo para toda a sociedade. Ressalte-se que a formulação de teses pelo Ministério Público, nesse contexto, deve ser realizada de forma criteriosa e com a interação/integração

06

Controle concentrado de constitucionalidade; súmulas vinculantes; incidentes de assunção de

competência ou de resolução de demandas repetitivas em julgamento de REsp e RExt; enunciado de súmulas em matéria constitucional do STF e infraconstitucional do STJ; orientações do plenário ou do órgão especial a que os juízes estejam vinculados.


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dos órgãos ministeriais, criando-se, ainda, uma base de dados e de controle eficiente, destinada a impedir a repetição de demandas ou, em sendo necessária, visando a consolidação das jurisprudências favoráveis ao Ministério Público já firmadas em precedentes. Nesse cenário, a fundamentação das decisões judiciais, hoje obrigatória como forma de controle da atividade jurisdicional e consolidação das garantias constitucionais do processo democrático, devem ser provocadas de forma plena, cristalina e de acordo com a formatação conferida pela Constituição Federal, sejam elas positivas sejam principiológicas. Dentro dessa conjuntura, não mais se admite a utilização indiscriminada de recursos, sendo necessária, como afirmado por Ludmila Reis e Maria Clara Mendonça07 e de acordo com as linhas traçadas pela Carta de Brasília, a racionalização da atividade recursal, avaliando-se o binômio custo-benefício da interposição de recursos, principalmente quando se percebe que está a se criar precedentes que refletirão em todas as unidades e esferas do Ministério Público brasileiro. Frise-se, ainda, que a criação do julgamento em bloco pelos tribunais é reflexo da hiperjudicialização ou judicialização desconcertante, como sugerido por Edilson Vitorelli, e reclama urgente reanálise do ativismo processual, em especial pelo Ministério Público, adaptando-se às novas formas de solução consensual dos conflitos (art. 3º, §§ 2º e 3º do CPC). A quantidade de feitos a serem analisados pelas Cortes pátrias repercurte na atuação jurisdicional, e o sistema de precedentes cria uma barreira de contenção de demandas desnecessárias por serem repetitivas, ou por utilização indevida do exercício do direito de ação e de recorrer, nascendo, então, a possibilidade de aumento da aplicação de sanções processuais, inclusive contra o Ministério Público.

07

Op.cit.


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Daí a necessidade da atuação integrada, racional, econômica, efetiva e eficiente do Ministério Público perante o Judiciário, em especial na segunda instância, como exposto na Recomendação CNMP-CN nº 57/2017.

2 A atuação recursal de segunda

instância no Ministério Público do Estado De Pernambuco No Estado de Pernambuco, a atribuição recursal de segunda instância é conferida às Centrais de Recurso, disciplinadas no art. 17-A, da LC nº 12/94. A Central de Recursos Cíveis do Estado de Pernambuco é composta por um coordenador, sendo auxiliado por um analista e três técnicos judiciários, dois estagiários de nível médio e um de Direito. Entre janeiro e outubro de 2018, movimentou 7110 processos, entre ciências, recursos de Agravo Interno, Agravos em RExt e REsp, Embargos de Declaração, REsp e RExt, além de pareceres e Sessões da Turma de Uniformização de Jurisprudência (TUJ), diligências, alimentação de dados e acompanhamento processual e suporte técnico aos órgãos de primeira instância, demonstrando a necessidade de se repensar o modelo recursal cível do MPPE. A atuação ministerial nos tribunais tem sido objeto de estudos, antes mesmo da entrada em vigor do CPC de 2015, ensejando debates e sugestões sobre a temática na busca da revalorização do trabalho dos agentes ministeriais da mais alta instância. Nas palavras de Gregório Assagra: ...pode-se dizer que existe um certo consenso quanto à necessidade de se modernizar o exercício das funções institucionais dos ocupantes dos mais altos graus da carreira, para


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um modelo mais adequado ao novo papel constitucional do Ministério Público, valorizando-se o conhecimento e a experiência adquirida por anos de exercício funcional, para além do desempenho de atividades como meros pareceristas.08

3 A Recomendação nº 57, do CNMP Em 28/04/2010, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), editou a Recomendação nº 16, dispondo sobre a atuação ministerial no Processo Civil, tendo como premissas a efetividade das funções atribuídas pelos arts. 127 e 129 da CF. Elencou como prioridades o planejamento das questões institucionais, a valorização dos cargos exercidos e a relevância das funções perante os tribunais, apontando medidas necessárias para o alcance dos objetivos traçados. Em 18/05/2011, a Recomendação nº 19 debruçou-se sobre a atuação da segunda instância do órgão ministerial, sob os mesmos fundamentos da Recomendação nº 16/2010, alterando-a para facultar “a atuação de mais de um órgão do Ministério Público em ações individuais ou coletivas, propostas ou não por membro da instituição, podendo oferecer parecer, sem prejuízo do acompanhamento, sustentação oral e interposição de medidas cabíveis em fase recursal pelo órgão de segundo grau” (art. 3º), assim como em ação civil pública proposta pelo próprio órgão ministerial (art. 5º - XX). Em 05/04/2016, a Recomendação nº 34 revogou expressamente a Recomendação nº 16/2010, adequando a atuação ministerial ao novo Código de

08

CAMBI, Eduardo; ALMEIDA, Gregório Assagra de; MOREIRA, Jairo Cruz. Orgs. 30 anos da

constituição e o Ministério Público: avanços, retrocessos e os novos desafios. Belo Horizonte:Editora D’Plácido, 2018, p. 73.


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Processo Civil (Lei 13.105/2015), à Jurisprudência dos Tribunais e às súmulas do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, dispondo não mais sobre as matérias em que a intervenção se torna desnecessária, mas sobre aquelas em que a atuação é fundamental para a consolidação do múnus que lhe foi atribuído pela Constituição Federal. Para tanto, elencou como percursos indispensáveis o planejamento institucional; a avaliação da relevância social dos temas e processos em que atue; a busca da efetividade em suas ações e manifestações, e a limitação da atuação ministerial em socialmente relevantes, para direcioná-las na defesa dos interesses da sociedade (incs. I a IV, do art. 1º), estabelecendo, dessa forma, o planejamento estratégico como peça fundamental para a execução da tarefa constitucional do Ministério Público brasileiro. Surgem, assim, no âmbito das recomendações, dois elementos imprescindíveis para as ações da instituição ministerial: gestão estratégica e releitura da atuação de seus membros, visando à efetividade constitucional no exercício das funções do Ministério Público no cenário sócio-político brasileiro09. Torna-se visível, por outro lado, a preocupação com o ajuste do exercício da função ministerial à jurisprudência firmada nos tribunais, em especial do STJ e STF, apontando para a atual realidade cada vez mais efetiva dos precedentes judiciais.

09

A Carta de Brasília, aprovada pelos Corregedores Nacionais e Corregedoria do CNMP, no 7º

Congresso de Gestão em setembro de 2016, traçou o Planejamento Estratégico como uma das ferramentas imprescindíveis para a reestruturação do desenvolvimento das atividades ministeriais, visando à efetividade da atuação institucional em consonância com as funções constitucionalmente que lhe foram delegadas. Para aprofundamento sobre a matéria, leitura importante é o artigo Ludmila Reis Dias Lopes e Maria Clara Mendonça Perim: http://www.ceaf.mppr.mp.br/arquivos/File/Cursos_Realizados/2017/MP_Resolutivo/ Artigo_Ludmila_Reis_Carta_de_Brasilia_Novos_horizontes_para_atuacao_resolutiva_para_MP.pdf


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Em 05/07/2017, a Recomendação nº 5710 revogou as disposições da Recomendação nº 19/2011, dispondo sobre a atuação do Ministério Público nos tribunais. Representa um grande avanço nos debates institucionais acerca da efetividade da atuação dos promotores e procuradores de Justiça segundo o perfil de guardião da ordem jurídica, dos direitos sociais e individuais indisponíveis, conferido pela Constituição Federal: “agente de transformação social e de artífice dos objetivos da ordem democrática instaurada em 1988, para a formação/consolidação de uma sociedade justa, livre e solidária, livre da pobreza e marginalização, das desigualdades sociais e regionais indiscriminadamente, a fim de garantir a dignidade e a cidadania, fundamentos da ordem constitucional posta”. A referida recomendação repousa sobre quatro pilares: a) Valorização, estruturação e fortalecimento da atuação do Ministério Público nos tribu-

10

A Recomendação nº 57/2017 (PEP nº 2/2017 - Realizar pesquisas, estudos, análises e a apresentação

de propostas e orientações sobre a atuação do Ministério Público em 2º Grau de Jurisdição. Procedimento Administrativo nº 0.00.002.000248/2017-15. Edital nº 1 de 19 de abril de 2017. Proposição nº 1.004952017-96. Recomendação nº 57 de 05 de julho de 2017) foi elaborada a partir da Proposta de Estudos e Pesquisas nº 02/2017 do CNMP, constituindo-se comissão composta pelo procurador de Justiça do MPMG Afonso Henrique de Miranda Teixeira - Presidente da Comissão -, e pelos seguintes membros: procurador de Justiça do MPDFT José Eduardo Sabo Paes; procurador Regional da República Elton Venturini; promotora de Justiça do MPDFT Lenna Luciana Nunes Daher; e promotor de Justiça do MPMG Gregório Assagra de Almeida. A metodologia utilizada consistiu em estudos sobre a Legislação Orgânica do Ministério Público, do Código de Processo Civil, da Jurisprudência do STJ e STF e da doutrina, com a realização de Consulta Pública ao Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais, ao Conselho Nacional de Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União, à juristas, às associações do Ministério Público e a interessados, através de divulgação na página eletrônica do CNMP e abertura de prazo para sugestões eletronicamente. Em 24/05/2017 foi realizada audiência pública no CNMP, pela Corregedoria Nacional, encerrando os trabalhos de pesquisa, culminando na proposta de Recomendação elaborada pela comissão, acatada e expedida na forma de Recomendação pelo Corregedor Nacional, Claudio Henrique Portela do Rego, em 05/07/2017. (PEP é Ferramenta de gestão normatizada pela Portaria CNMP-CN nº 87/2016, que tem como finalidade o aprofundamento da análise sobre o tema proposto, a fim de criar norma - no caso, orientadora -, visando à efetividade da atuação institucional.)


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nais (arts. 1º ao 9º); b) interação e integração entre os membros com atuação em instâncias jurisdicionais diversas ou em distintas unidades do Ministério Público (arts. 10 a 16); c) atuação do Ministério Público como parte e como custos legis nos tribunais (arts. 17 e 18) e, finalmente, d) manifestações e comparecimento às sessões nos tribunais (arts. 19 a 22), concluindo com as disposições finais e transitórias em 04 (quatro arts.). Quanto à atuação em segunda instância, a Central de Recursos Cíveis do Estado de Pernambuco foi criada através da Lei Complementar nº 128/2008, que alterou a LC nº 12/94, disciplinando a matéria. Desde então, não houve reformulação ou adequação da referida Central às novas demandas surgidas, o que se faz premente após a entrada em vigor do CPC de 2015, dadas as peculiaridades anteriormente apontadas. Há de se destacar que, no Ministério Público do Estado de Pernambuco, a Coordenação da Central de Recursos Cíveis pode ser exercida por promotor ou procurador de Justiça, podendo os procuradores indicar membro para o exercício do cargo ao Procurador-Geral, sem caráter vinculativo. Não há uma uniformidade nas diversas unidades ministeriais quanto à coordenação ou chefia dos núcleos recursais, havendo Estados em que a função é própria de procuradores; outros em que recaem sobre promotores de Justiça; e, ainda, a chefia é atribuída a procuradores, com assessoria de promotores de Justiça, ressaltando, apenas, que estes sempre são da última entrância. O repensar da atuação ministerial é indispensável nos tempos atuais, desde a propositura da ação pelos órgãos de execução até a interposição de recursos pela Central de Recursos Cíveis (no caso do Estado de Pernambuco), adaptando-a à realidade processual e demandista dos tribunais que, além da nova Legislação Processual, vivem a nova realidade virtual como ferramenta para o exercício da função jurisdicional, modificando desde o protocolo das ações e a sua tramitação (processo eletrônico) até o julgamento das demandas (informatização de audiências, sessões de julgamento e


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realização de audiências públicas, seja através da teleconferência, dos julgamentos virtuais, da utilização da inteligência artificial e teletrabalho). Assim, é de fundamental importância e urgência a divulgação, adoção e efetivação da Recomendação CNMP-CN nº 57/2017, acompanhada de ações como elaboração de estatística dos processos em tramitação em todos os tribunais, mapeando cada um dos recursos em trâmite para acompanhamento em tempo real, através da utilização de ferramentas tecnológicas para acompanhamento dos recursos diretamente nos tribunais; armazenamento das informações, com elaboração de filtros de pesquisa e de registro dos recursos por tema e partes; e utilização da inteligência artificial, a fim de uniformizar os recursos, evitando teses contrapostas. Por outro lado, deve-se, ainda, fomentar a realização de cursos e reuniões com os membros, a fim de incentivar a atuação conjunta entre promotores e procuradores, e o compartilhamento de ações e dados, buscando a efetivação dos princípios da unidade e indivisibilidade ministerial, tendo como objetivo o equilíbrio entre estes e o princípio da independência funcional. A instauração de fórum permanente de debates na Procuradoria Cível e nas Promotorias de Justiça, sempre que possível em conjunto com os Centros de Apoio Operacional (CAOPs), é mecanismo importantíssimo para se firmar teses e mecanismos de unificação da atuação institucional, respeitada a independência funcional, fortalecendo-se as ações propostas pelo Ministério Público e a efetividade de sua atuação.

4 Conclusão Os avanços tecnológicos e a estrutura sócio-política democrática representam o futuro (ou, como afirma a futurista dinamarquesa Anne-Marie Dahl ao falar sobre o assunto, “o próximo nível”, que gera o que se chama


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“disrupção”, que significa “tudo vai mudar”). Assim, a sobrevivência das instituições e do próprio indivíduo dependem da sua capacidade de readaptação aos novos modelos que se apresentam nessa realidade neoconstitucionalista. A aplicação das medidas contidas na Recomendação CNMP-CN nº 57/2017 é necessária para o fortalecimento e engrandecimento da atuação ministerial, como, por exemplo, a participação efetiva da Corregedoria como órgão de orientação na reconstrução da atuação ministerial e o desempenho das ações de forma conjunta por promotores e procuradores, seja em primeira seja em segunda instância. Por outro lado, o fortalecimento do perfil constitucional de defensor da ordem jurídica e guardião dos direitos sociais e das liberdades constitucionais do Ministério Público depende de sua capacidade de modernização e adaptação aos novos paradigmas impostos pela ordem democrática, sobre a qual repousa o ordenamento jurídico brasileiro. Não se pode negar que os tempos atuais exigem uma pronta ação/atuação e abertura para mudanças e transformações no agir e no pensar humano. Hoje, o grande desafio da instituição ministerial é redefinir seus caminhos e passar para “a próxima fase”, em que a tecnologia concorre com a capacidade humana de pensar e criar uma sociedade efetivamente humanizada. Portanto, o tempo é de profundas mudanças e a capacidade de aceitá-las e utilizá-las como ferramentas de apoio e fortalecimento da atuação ministerial definirá a importância do Ministério Público para a sociedade brasileira.


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REFERÊNCIAS ALVARENGA, Samuel. VITORELLI, Edilson. Seminário Atuação Extrajudicial e Vanguardista da Instituição. Rondônia, 19/11/2018. CAMBI, Eduardo; ALMEIDA, Gregório Assagra de; MOREIRA, Jairo Cruz. Orgs. 30 anos da constituição e o Ministério Público: avanços, retrocessos e os novos desafios. Belo Horizonte:Editora D’Plácido, 2018. JUNIOR, Fredie Didier. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. Salvador:Ed. Jus Podivm, 17ª edição. _________. A Carta de Brasília: novos horizontes para a atuação resolutiva do​​ Ministério​ ​Público. Ludmila​ ​Reis​ ​Brito​ ​Lopes​ ​e​ ​Maria​ ​Clara​ ​Mendonça​ ​Perim. Disponível em: <http://www.ceaf.mppr.mp.br/arquivos/File/Cursos_Realizados/2017/ MP_Resolutivo/Artigo_Ludmila_Reis_Carta_de_Brasilia_Novos_horizontes_para_ atuacao_resolutiva_para_MP.pdf>. BRASIL. Portaria CNMP-CN nº 87/2016. Conselho Nacional do Ministério Público-CNMP . Atos e Normas. Disponível em: <http://www.cnmp.mp.br/portal/ atos-e-normas-resultados>. Acesso em 14/02/2019. BRASIL. PEP nº 2/2017. Conselho Superior do Ministério Público. Disponível em <ww.cnmp.mp.br/portal/images/Corregedoria/Procedimentos_de_estudos_e_pesquisas/Despacho_PEP_2.pdf>. Acesso em 14/02/2019.


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DA IMPORTÂNCIA DO SISTEMA DE PROTEÇÃO À TESTEMUNHA, À VÍTIMA E AO RÉU COLABORADOR AMEAÇADOS DE MORTE (PROVITA)

FABIANO MORAIS DE HOLANDA BELTRÃO Promotor de Justiça do Estado de Pernambuco

LUÍS OTÁVIO DE LIMA Bacharelando em Direito pela FACAL e servidor à disposição do Ministério Público de Pernambuco


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RESUMO O presente artigo é o resultado de uma análise do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Provita), com ênfase no Estado de Pernambuco, ressaltando a importância da utilização dos depoimentos dos protegidos para a elucidação dos fatos criminosos. O Programa se transformou em uma referência quando o assunto é a proteção às vítimas e testemunhas atendidas. O tema é de relevante importância, uma vez que, habitualmente, a mídia divulga situações em que a solução de determinado fato delituoso deu-se em razão das provas testemunhais, demonstrando assim a importância que os depoimentos exercem nos autos. Aborda-se o Provita como um todo, os aspectos históricos, os conceitos, as suas características e a sua natureza. A importância de se contemplar os colaboradores premiados com a proteção do programa estatal, dando-os sustentação e segurança necessária para esclarecer todos os detalhes do iter criminis. Neste cenário, cumpre analisar a importância do Ministério Público como garantidor à vítima, à testemunha e ao colaborador premiado dos meios necessários de proteção a sua vida, utilizando-se do Provita para estimular a colheita de provas que serão utilizadas na persecução penal. PALAVRAS-CHAVE: Auxílio; Proteção; Provita; Testemunha; Vítima; Papel do Ministério Público.


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1 Introdução Com a evolução da sociedade, as maneiras pelas quais os delitos são praticados também evoluem e se chegar as suas autorias se torna uma atividade cada vez mais complexa, sendo imperiosa uma busca por mecanismos que tragam uma forma de estímulo ao esclarecimento e à punição de crimes. Neste sentido, o depoimento de pessoas envolvidas nos delitos, seja como testemunhas, vítimas, ou mesmo réus que decidem colaborar com os esclarecimentos dos fatos, são imprescindíveis para fornecer às autoridades responsáveis pela persecução penal um maior conhecimento do fato apresentado como criminoso. Qualquer pessoa se sentirá muito mais estimulada a reportar atos delituosos se souber que tem o apoio do Estado, na garantia da sua segurança, assegurando-se assim sua proteção pessoal e de sua família para declinar o máximo de informações que tiver para os órgãos investigadores (Polícia Judiciária e Ministério Público), bem como confirmar as informações na fase judicial, levando ao esclarecimento dos crimes e, por consequência, resultando numa punição justa e na repressão mais eficaz das ações criminosas. Dentro dessa importância na proteção à pessoa que auxilia o Estado na persecução penal, o presente artigo trata da proteção à vítima, à testemunha e ao réu colaborador sob seus mais diversificados aspectos, como uma efetiva e segura alternativa no amparo às vítimas e às testemunhas que sofrem por terem presenciados crimes das mais variadas condutas. Neste sentido, as testemunhas são os olhos e os ouvidos da Justiça. Um dos maiores auxiliadores nesse tema, o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Provita) atua como uma ação de Estado para a garantia da necessária segurança dos que se fizerem necessitados, posto que ameaçados, dada a condição especial de colaboradores com a elucidação dos fatos criminosos, até como forma de assegurar-lhes o mais básico dos direitos humanos, à vida.


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Assim sendo, o objetivo deste artigo é expor e enaltecer a importância do sistema de proteção às vítimas, testemunhas e réus colaboradores ameaçados, analisando os aspectos legais, apresentando os subsídios que poderão garantir sua efetividade, sob a ótica de uma política pública de proteção à vida e de combate ao crime organizado. Também será constatado o necessário papel do Ministério Público para a aplicação, ampliação e manutenção do programa no Brasil.

2 Objetivo O presente trabalho tem por objetivo fazer uma análise dos aspectos históricos, evolutivos e da efetividade dos sistemas de proteção à testemunha, vítima e réu colaborador ameaçados de morte no Brasil, com ênfase no Estado de Pernambuco, enaltecendo a importância da garantia de proteção do Estado aos que colaboram na elucidação dos crimes, em todas as suas complexidades.

3 Justificativa Considerando que em nosso País existem muitos casos em que pessoas que colaboram com alguma investigação criminal são mortas ou têm parentes próximos assassinados por vingança, até por medo de represálias, as pessoas não falam o que sabem, prevalecendo a “lei do silêncio”. Essa ausência de provas nos leva a um quadro de fortalecimento do crime, uma vez que o temor traz o silêncio como um meio de sobrevivência, em virtude da inexistência de uma segurança legítima ou de um sistema de proteção do Estado àqueles que em depoimento possam esclarecer o iter criminis.


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A proteção dos direitos fundamentais das vítimas, testemunhas, colaboradores premiados e seus familiares são fatores essenciais para a construção de uma sociedade mais justa e democrática, pois à vida e à liberdade das vítimas, testemunhas e réus colaboradores são direitos primeiros do ser humano e, em assim sendo, devem ser amplamente garantidos pelo Estado, ao passo que se deve despender todos os meios que estejam ao alcance para a proteção dessas pessoas colaboradoras dos órgãos de persecução penal e da Justiça, uma vez que essa proteção é consequência do respeito ao seu direito mais fundamental, à vida.

4 Os programas pioneiros de

proteção à testemunha, à vítima e ao réu colaborador ameaçados de morte 4.1 A proteção à testemunha nos Estados Unidos da América O serviço federal de proteção à testemunha dos Estados Unidos da América é o primeiro programa de proteção às testemunhas implementado no mundo. Desde a sua criação, em 1971, mais de 7.500 testemunhas e mais de 9.500 familiares de testemunhas foram protegidos. Este mecanismo de proteção é reconhecido como uma forte ferramenta de repressão ao crime organizado nos Estados Unidos. A legislação dos Estados Unidos prevê detalhadamente as formas e as etapas de proteção à testemunha, assim como as sanções em casos de litigância de má-fé durante o período ou na condição de testemunha protegida. A primeira iniciativa, após a aprovação para a inclusão e a garantia da segurança da testemunha, é providenciar a mudança de identidade. O ser-


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viço impõe determinadas restrições à liberdade do protegido, mas garante a sua segurança durante 24 horas e em situações de alto risco, incluindo as escoltas para audiências. Quanto às regras de disciplina do programa, o programa americano de segurança à testemunha não deixa dúvidas. Primeiro compromisso que a testemunha precisa assumir é de não cometer crimes. Não retornar à cidade onde vivia anteriormente, sem o acompanhamento de agentes do programa, é outra proibição radical e inflexível imposta ao protegido. De um modo geral, podemos compreender o programa estadunidense como pioneiro na proteção às testemunhas no mundo e, também, como exemplo a ser seguido em diversos fatores por outros países, incluindo o Brasil. O mais relevante a ser apontado nesse sistema, no entanto, é a ampla divulgação do programa na sociedade e a considerável destinação de verbas públicas para a sua manutenção.

4.2 A proteção à testemunha na Itália Não podemos falar em proteção às testemunhas sem mencionar a Itália, um país onde o programa de proteção às testemunhas está bem estabelecido e serve, principalmente, como ferramenta no combate à máfia Cosa Nostra. Segundo o portal do Ministério da Justiça da Itália, a proteção à testemunha é de responsabilidade da Procuradoria Nacional Antimáfia (Direzione Nazionale Antimafia), subordinada ao Ministério da Justiça (Ministero della Giustizia), o qual é responsável pela repressão à máfia existente no país. Os primeiros colaboradores da Justiça italiana no combate à Cosa Nostra (considerada o maior grupo criminoso da Itália) foram Tomaso Buscetta e Contorno Salvatore. O primeiro teve passagem pelo Brasil, onde se refugiou e depois foi reconduzido à Itália, dando início a uma série de delações que, em muito, ajudaram o Poder Judiciário na apuração de responsabilidade.


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O programa especial de proteção italiano, assim como o estadunidense, possui um aspecto multidisciplinar, no sentido de não apenas fornecer a proteção à testemunha, mas, igualmente, assegurar que ela se reintegre paulatinamente à sociedade e que não se envolva com a prática de crimes. O programa italiano consiste em um elenco de medidas tutelares de assistência e de recuperação social do protegido. A meta principal do programa é dar condições ao colaborador de reconstruir um novo “projeto de vida”, longe do crime e sintonizado com a dignidade e a decência.

4.3 Programa de proteção à vítima, a testemunha e ao réu colaborador no Brasil Vivemos em um país em que há um alto índice de violência e, em virtude disso, existem muitas pessoas vítimas de crimes. Acontece que muitas dessas vítimas não denunciam essas ações por terem medo de represálias. O mesmo ocorre com pessoas que possuem informações privilegiadas a respeito de determinados atos delinquentes ou de organizações criminosas. É perceptível que muitos delitos não são devidamente averiguados, em virtude desse medo sofrido pelas testemunhas, ou pelas próprias vítimas sobreviventes. E, em função disso, se recusam a falar sobre as circunstâncias da ocorrência. Esse temor ocorre pela falta de segurança e pelo medo nutrido pela testemunha, vítima, ou colaborador de ser a próxima vítima da criminalidade, a pagar com a própria vida o auxílio que prestará no esclarecimento dos fatos. Portanto, o maior responsável por essa ausência de depoimentos é o receio das intimidações e atentados praticados pelos interessados na impunidade, de forma que, infelizmente, o poder público ainda é precário na responsabilidade de proteger as pessoas que se disponham em contribuírem com a Justiça.


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Essas vítimas, as testemunhas e os colabores premiados possuem conhecimentos expressivos a respeito de determinadas pessoas que infringem a lei penal e a sua cooperação é fundamental para a solução de crimes e, consequentemente, a prisão daqueles que agem de forma ilegal. É fato irrefutável que a apontada “lei do silêncio” é motivo de intimidação e é fator de impunidade, em particular no chamado crime organizado. Por isso mesmo é indispensável que haja um amparo a essas pessoas, que, muitas vezes, sofrem ameaças a sua vida e a de seus familiares, por terem fornecido dados importantes em investigação policial. Com o passar do tempo, o legislador percebeu que a mera possibilidade de decretação da prisão preventiva, estabelecida na conveniência da instrução criminal, ou ainda a prisão temporária, não são instrumentos legais suficientes para garantir a aplicação da lei penal, sendo assim indispensável um apoio a vítimas, testemunhas e eventuais colaboradores dos órgãos investigativos, fazendo com que essas pessoas tenham coragem de denunciar ou dar seus depoimentos, tudo com o objetivo de que processos e inquéritos deixem de ser arquivados por falta de provas. Na Constituição de Federal de 1988, foi previsto no artigo 245 que o Estado Brasileiro deveria dedicar uma atenção especial às vítimas de crimes e a seus sucessores. A partir desse mandamento constitucional se criou a necessidade de implementação de programas estatais que preservassem a integridade física e promovessem a segurança das vítimas, das testemunhas e dos eventuais colabores premiados, entendidos esses últimos como réus, envolvidos na realidade criminosa, os quais revelam o que sabem para a elucidação do fenômeno delituoso, tudo em razão de seus depoimentos, fato que os expõem a situação de risco constante, inclusive no que pertine as suas próprias vidas. Diversos projetos de lei foram elaborados com o objetivo de proteger testemunhas e vítimas. No ano de 1994, no governo Itamar Franco, foi elabo-


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rado um projeto de lei que impunha ao Governo Federal a centralização dos programas de proteção, excluindo os Estados. Tal projeto não prosperou, devido ao alto custo financeiro e material gerado aos cofres públicos federais. Outro projeto foi apresentado de forma sucinta em 1995, este objetivava a proteção apenas de testemunhas. Em setembro de 1997, o Ministro da Justiça, Iris Resende à época, elaborou projeto que foi encaminhado ao Congresso Nacional pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Importante salientar que esse projeto estabelecia programas especiais de proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas e instituía o Programa Federal de Assistência às Vítimas e às Testemunhas Ameaçadas. Entretanto, tal projeto restringia seu âmbito de aplicação aos seguintes crimes: 1. Homicídio doloso, latrocínio, sequestro, tortura, estupro, extorsão, roubo, terrorismo, extorsão mediante sequestro, especialmente quando houver suspeita de participação de grupos de extermínio, agentes públicos, inclusive policiais; 2. Quadrilha ou bando; 3. Tráfico de entorpecentes ou de armas; e 4. Sonegação fiscal ou corrupção passiva e ativa. Tal projeto também previa a possibilidade de concessão de medidas cautelares direta ou indiretamente relacionadas com a eficácia da proteção, tais como: segredo de Justiça, produção antecipada de provas, oitiva do protegido sem a presença do acusado ou indiciado, preservação em autos apartados e sigilo dos dados relativos à qualificação do protegido, restrição à publicidade de audiência, sessão ou auto processual envolvendo a testemunha ou a vítima protegida, prisão temporária do agente. Outra característica do projeto supramencionado era sua comissão voluntária com relação às medidas relacionadas ao réu colaborador. Isto porque, no processo penal, réus, testemunhas e vítimas ocupam posições diferentes: o primeiro pratica a ação criminosa, violando um preceito legal; a vítima sofre a ação criminosa; e a testemunha presencia os fatos. Assim, não


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se pretendia tratar, em um mesmo diploma legal, de situações tão distintas ou se estabelecer o mesmo enfoque jurídico a essas três figuras. Prevaleceu a intenção do legislador de garantir a produção da prova testemunhal, a mais importante das provas admitidas no direito processual brasileiro, e também permitir que as vítimas possam denunciar e fornecer as informações possíveis à apuração das ações criminosas que sofreram, combatendo a criminalidade e a impunidade. A proposição foi apreciada e aprovada pela Câmara dos Deputados. No Senado Federal foi aprovada por unanimidade. Exigida há muito tempo pela sociedade brasileira, em 13 de julho de 1999 foi promulgada a Lei nº 9.807/99, que estabelece normas para a organização e manutenção de programas especiais de proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas, considerada marco oficial da institucionalização do processo.

4.4 Quem pode ser protegido pelo Provita Aquele que se encontra coagido, sendo a coação o emprego de força física ou de grave ameaça contra alguém, no sentido de que faça alguma coisa ou não. A coação pode ser física (via absoluta) ou moral (via compulsiva). Portanto, no sentido do texto legal, a expressão abrange a coação física e também moral. A existência de um programa federal de assistência às vítimas e às testemunhas e os Provitas estaduais impulsionaram a necessidade de criação do Sistema Nacional de Assistência às Vítimas e Testemunhas, vinculado à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, visando estabelecer a ligação entre as equipes responsáveis por essas estruturas. Pode-se, a partir daí, estabelecer novas regras de cooperação entre os integrantes do sistema, assegurando a troca de experiências e permitindo inclusive a proteção de beneficiários de um Estado em outro, restringindo substancialmente os riscos para a pessoa protegida.


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O Provita, quando da sua criação, além de ser um programa de proteção, buscava garantir possibilidades de reinserção social de vítimas e testemunhas em novas comunidades, de forma sigilosa e contando com a participação de diversas entidades da sociedade civil (instituições religiosas, organizações não governamentais, associações comunitárias) na formação de uma rede solidária de proteção. Em virtude desse cuidado dado às vítimas e testemunhas foi que o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), organização não governamental, pensando numa proteção a essas pessoas que se sentem intimidadas e com o intuito de suprir essa falta segurança, constituíram o Programa de Apoio e Proteção a Testemunhas, Vítimas e Familiares de Vítimas da Violência (Provita). Esse programa foi criado em conjunto com o Governo do Estado de Pernambuco e hoje não está mais sob a gestão do GAJOP, encontrando-se sob a responsabilidade de um conselho, Condel Provita/TJPE, integrado por representantes do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Ministério Público de Pernambuco, Justiça Federal, Defensoria Pública do Estado, Defensoria Pública da União, Polícia Federal, Secretaria de Defesa Social, Conselho de Psicologia, Conselho de Serviço Social e Governo do Estado de Pernambuco. A iniciativa pernambucana foi inédita no Brasil, criada em 1998, com o intuito de colaborar com a reinserção social de pessoas em estado de risco em lugares comunitários, de forma confidencial e contando com a participação da sociedade civil na construção de uma rede solidária de proteção. Depois de Pernambuco, outros estados passaram a apoiar a iniciativa. Em 1999, o Ministério da Justiça resolveu promover nos Estados a criação de núcleos de assistência e apoio às vítimas de crimes. Em decorrência disso, diversos estados da nossa federação passaram a aderi-lo. O Ceará passou a integrar esse programa em 2002. O Provita, como a própria denominação indica, ampara e protege testemunhas, vítimas e seus familiares de ocorrências de homicídio, tentados


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ou consumados, decorrentes da agressão institucional, da ação de grupos de extermínio ou do crime organizado. O Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, criou, em 1996, o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Esse programa iniciou suas atividades voltadas para os direitos civis, assim sendo, os que ferem a integridade física e a cidadania de cada um. Atualmente, depois de modernizado o Programa Nacional de Direitos Humanos, passou-se a ter o compromisso de que houvesse a implantação e o funcionamento de centros de apoios às vítimas de crime nas áreas com maiores índices de violência, disponibilizando assistência psicológica, social e jurídica para as vítimas de violência e para seus familiares. Como apoio ao Programa Nacional de Direitos Humanos, foi elaborada a Lei nº 9.807, em julho de 1999, que instituiu um Sistema de Proteção a Vítimas e Testemunhas. Esse sistema foi decretado em 20 de junho de 2000. O programa tem uma estrutura esboçada para tal fim, em que compõe um conselho deliberativo, um órgão executor, uma equipe técnica e uma rede solidária de proteção. O legislador procurou dar assistência às pessoas que prestam informações dos fatos investigados, de modo que façam de forma segura, sem estarem tão suscetíveis a possíveis intimidações que venham a sofrer. A previsão legal tem como objetivo que as pessoas chamadas a se apresentarem ao processo, ou mesmo aquelas que o façam livremente, possam divulgar a informação, sobretudo no que diz respeito à autoria e à materialidade do delito investigado. A Lei nº 9.807 tem como meta resguardar a integridade, promovendo a segurança das vítimas, testemunhas, réus colaboradores e a satisfação do “princípio da verdade real”, orientador do processo penal. É um programa integrado com o Governo Federal, pelo qual o governo se responsabiliza pelos recursos, sendo gerenciado por institutos da sociedade civil em cada Estado em que atua.


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Conforme essa lei, os favorecidos pelo programa de proteção às testemunhas têm direito à mudança de residência, subsídio financeiro de um salário mínimo mensal por pessoa, manutenção de alimentação e vestuário, segurança nos deslocamentos, colocação no mercado de trabalho, amparo psicológico, social e médico, preservação de sigilo de identidade e de dados pessoais e, em casos excepcionais, mudança de identidade. É importante enfatizar que nenhuma das pessoas que participaram deste programa foi assassinada, havendo apenas dois casos de mortes de protegidos, as quais não se relacionam a eventuais homicídios dessas pessoas, fato que, por si, demonstra a eficiência da iniciativa na proteção à vida das vítimas, testemunhas e réus colaboradores que se encontram sob o manto protetivo do Provita. A Lei nº 9.807/99 estabelece regras a serem tratadas pelo poder executivo para organizar o programa de proteção, destinando verbas que sustentem a iniciativa protetiva do Estado, a fim de reduzir o índice de crimes em nosso País. A inclusão e a isenção dos programas de proteção aqui no Brasil devem ser antecedidas de consulta do representante do Ministério Público, consistindo em programas administrados por um conselho deliberativo, integrado por membros do parquet, Poder Judiciário e por representantes de outros órgãos vinculados à segurança pública e à defesa dos direitos humanos.

4.5 O Provita na ótica do Ministério dos Direitos Humanos O Programa Federal de Assistência e Proteção a Vítimas e Testemunhas foi instituído no Brasil por meio da Lei nº 9.807/99, diploma regulamentador da forma de acesso à proteção do Estado pelas pessoas ameaçadas e da competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal na implementação de programas de proteção.


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Importante frisar que, conforme os ditames legais, o Provita é um programa específico para “testemunhas”. Ou seja, seu público-alvo refere-se especificamente às pessoas encaminhadas para a proteção por meio das “portas de entrada” previstas por lei. Ainda, segundo o Ministério dos Direitos Humanos, promotores e procuradores de Justiça, delegados e juízes identificam e qualificam pessoas na condição de testemunhas e formalmente as encaminham para que seja feita uma triagem da situação de risco e principalmente, da condição psicossocial. Todos os elementos colhidos nas triagens são considerados na elaboração de um parecer que será indicativo de proteção ou não ao interessado, para que, logo após, seja apreciado por um conselho deliberativo composto de representantes de órgãos públicos relacionados à proteção. Nessa toada, cabe pontuar que a anuência da pessoa encaminhada à triagem é condição sine qua non para seu ingresso, tendo em vista que não será possível a proteção de quem frontalmente se colocar de forma contrária à medida. Grosso modo, as razões pelas quais as pessoas declinam seu ingresso no Provita estão relacionadas principalmente com a diminuição do risco ou incompatibilidade com as normas dos programas, as quais são rígidas, até em função de sua natureza e seus objetivos. Em situação de acolhimento imediato, para aquelas situações em que a pessoa ameaçada não poderá retornar para sua casa, são acionadas as instituições de segurança pública, responsáveis constitucionais para a proteção da sociedade como um todo, visto que o Provita tem seu foco na testemunha, após o caso ter sido aprovado pelo Conselho Deliberativo. O Provita não tem o condão de substituir as forças policiais em nenhuma situação de ameaça. Por se tratar de um programa que não faz busca ativa para levantar a demanda sobre quem precisa de proteção, o Provita atua de forma pontual, com casos endereçados a si e corroborados por pareceres ministeriais,


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nos quais se “atesta” um importante depoimento a ser oferecido pela pessoa ameaçada. Assim, demais casos de ameaças e violência deverão ser tratados junto às outras políticas públicas, visto que o Provita não é o único a tratar da mitigação de ameaças. O ingresso é voluntário e a permanência também. A pessoa protegida não está obrigada a permanecer após ser acolhida na rede Provita. Mesmo que vinculadas aos processos criminais, as pessoas protegidas são informadas da anuência para se manterem no programa. Caso peçam seu desligamento da política de proteção, serão apoiadas, inclusive com recursos humanos, para pensarem na sua saída e para deslocamento ao local desejado.

4.6 Provita no Estado de Pernambuco Segundo o dr. Bartolomeu Bueno de Freitas Morais, conselheiro estadual do Provita/TJPE, desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco e presidente da Associação Nacional de Desembargadores: Há exatos 10 anos, o nosso Estado vivia um momento ímpar, com crescimento econômico acima da média nacional, melhoria expressiva dos índices de desenvolvimento social, otimismo e realizações que se refletiam em todas as esferas, públicas e privadas. Foi nesse contexto de desenvolvimento que foi consolidada a legislação estadual do programa de proteção à testemunha PROVITA. Criado no ano de 1996 pelo GAJOP (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares), e posteriormente exportado para o Brasil e para a América Latina, o programa tinha como escopo, além da questão propriamente humanitária, garantir a efetividade da Justiça e do Processo Judicial, possibilitando que


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a TESTEMUNHA JUDICIAL e o RÉU COLABORADOR pudessem depor livremente de forma segura, sem sofrer intimidação, perseguição ou atentados contra sua vida. Por efeito, a sensação de que os crimes ligados ao tráfico de drogas, à pistolagem e à corrupção ficariam impunes diminuiu significativamente. O medo de depor não mais prevaleceu sobre a busca por Justiça, permitindo que relevantes operações estaduais e federais de combate à criminalidade fossem realizadas com êxito. Com o advento da Lei 13.371/07, foi implementada em Pernambuco a Política Estadual de Assistência e Proteção a Vítimas e Colaboradores da Justiça, tendo como princípios norteadores a prevalência da ordem jurídica (a), a aplicação da justiça (b) e a proteção aos direitos humanos (c). Destarte, foi formalizado e institucionalizado o Sistema Estadual de Assistência 13 e Proteção a Vítimas e Colaboradores da Justiça, que consiste na ação coordenada dos diversos programas de proteção executados no território do Estado, por intermédio dos vários órgãos e instituições públicas, no âmbito das respectivas competências. Para que tudo funcione a contento, é imprescindível a CELERIDADE DOS PROCESSOS JUDICIAIS e o sigilo dos procedimentos administrativos e técnicos que tenham pessoas incluídas em programas de proteção. O art. 11 da Lei Federal 9.807/99 estabelece que a proteção oferecida pelo programa tem a duração máxima de 02 (dois) anos. Logo, esse seria o tempo médio que o Judiciário teria para, sem colocar em risco a testemunha e o réu colaborador, colher o depoimento e, havendo provas suficientes, apartar da sociedade seus algozes, quer se trate de traficantes, grupos de extermínio ou autori-


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dades públicas envolvidas em corrupção. Em caráter excepcional, perdurando os motivos que autorizaram a admissão, a permanência da testemunha poderá ser prorrogada, mas isso implicará em um recurso financeiro que o programa não dispõe. Assim sendo, podemos concluir que a existência do programa está associada a atuação efetiva dos Magistrados e a forma como lidam com o processo e com o encaminhamento das testemunhas, evitando a permanência extemporânea e a quebra do sigilo (Cartilha do TJPE, 2017).

Já nas palavras de dr. Luís Sávio Loureiro da Silveira, promotor de Justiça, coordenador do CAOP Criminal e conselheiro estadual do Provita/MPPE: De 2001 a 2017, o programa já contemplou cerca de 353 vítimas/testemunhas ameaçadas de morte, de diversas regiões do Estado (e até de outras unidades da federação), enfrentando sérias situações de fato que permaneceriam - muito provavelmente - sem o adequado combate, em face dos comprovados riscos que comprometeriam a eficaz prestação jurisdicional, acaso não existisse um complexo suporte logístico de proteção (Cartilha do TJPE, 2017).

Em Pernambuco, para que seja pleiteado o ingresso, alguns pré-requisitos devem ser atendidos: 1. Tratar-se de vítimas/testemunhas colaboradoras da Justiça, e de seus familiares, que sofram ações violentas ou grave ameaça - art. 1º da Lei 13.371/2007; 2. Existência de investigação, inquérito ou ação penal, para apurar a autoria delitiva de um ou mais fatos criminosos;


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3. Estar coagido ou exposto a grave ameaça ou coação à integridade física ou psicológica para impedir ou dificultar o seu testemunho, ou ainda com o objetivo de falsear a verdade acerca de fato criminoso de que tenha conhecimento, em razão de sua colaboração com a investigação ou processo judicial; 4. Colaborar para a elucidação de crime em procedimento investigativo ou em processo judicial; 5. Insuficiência dos meios para resguardar sua integridade física e psicológica e de prevenir ou reprimir os riscos pelos mecanismos convencionais de segurança pública; 6. Encontrar-se em gozo de sua liberdade; 7. Ser capaz de exprimir sua vontade de ingressar no programa, de forma livre e autônoma nos termos do Código Civil, ou por seu representante legal; 8. Anuir e aderir expressamente às normas de segurança do Programa de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas; 9. A emissão de parecer favorável por parte do Ministério Público, explicitando a gravidade da coação ou da ameaça à integridade física ou psicológica, em decorrência de seu testemunho, a dificuldade de preveni-las ou reprimi-las pelos meios convencionais e a importância do usuário para a produção da prova; e 10. Estar o pedido devidamente instrumentalizado com documentos ou informações comprobatórias da identidade e da situação penal do interessado, cópia das declarações prestadas pelo interessado sobre os fatos, em procedimento investigatório ou processual instaurado pelo Ministério Público ou cópia da portaria inaugural de inquérito policial, auto de prisão em flagrante e/ou cópia da denúncia.


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Deve-se observar a importância do testemunho/depoimento para produção da prova e a ausência de restrição legal à liberdade ambulatória do solicitante (o que exclui pessoas contra as quais pesem quaisquer espécies de prisões processuais). Estão excluídos da proteção os indivíduos cuja personalidade ou conduta seja incompatível com as restrições de comportamento exigidas pelo programa, os condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades - art. 2º da Lei Federal 9.807/1999. A proteção poderá ser dirigida ou estendida ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha, conforme o especificamente necessário em cada caso - art. 2º da Lei Federal 9.807/1999. Para os fins previstos na Lei 13.371/2007, entende-se por vítima a pessoa física que suporta diretamente os efeitos de ação violenta consumada ou tentada, vindo a sofrer danos físicos, psicológicos ou morais, bem como o familiar, dependente e convivente que tenha sofrido dano decorrente da ação contra a vítima direta - art. 4º da Lei 13.371/2007. Entende-se por colaborador da Justiça a pessoa física que contribua efetivamente para a investigação policial ou processo criminal, bem como para a defesa dos direitos humanos, que esteja coagida ou exposta a grave ameaça em função dessa contribuição, inserida em programa integrante do Sistema Estadual. A testemunha, a vítima ou o réu colaborador poderá ingressar no programa mediante solicitação encaminhada à equipe técnica, que, munida dos documentos necessários, elaborará parecer opinativo para então submeter o caso ao Conselho Deliberativo (Condel Provita/PE). O art. 8º da Lei 13.371/2007 dispõe que a solicitação, objetivando o ingresso no Programa, poderá ser encaminhada ao órgão executor: I.

Pelo interessado;

II.

Por representantes do Ministério Público;

III. Pelo juiz competente para a instrução do processo criminal;


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IV. Pela autoridade policial que conduz a investigação criminal; V.

Por órgãos públicos e entidades não governamentais relacionados

com a defesa dos direitos humanos; VI. Pela Comissão de Defesa da Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco; e VII. Por um dos membros do Conselho Deliberativo. A solicitação será instruída com a qualificação da pessoa a ser protegida e com informações sobre a sua vida pregressa, o fato delituoso e a coação ou ameaça que a motiva.

4.7 Outros encaminhamentos Caso não seja deliberado o ingresso no Provita, aos solicitantes são oferecidas outras soluções, ou formas de proteção, sendo elas o encaminhamento à Rede Estadual de Apoio à Proteção de Pessoas (Reap), serviço da Secretaria Executiva de Direitos Humanos do Estado de Pernambuco, estruturado para atendimentos dos casos considerados “não perfis” para os programas de proteção, a exemplo do Provita. Ainda, havendo urgência na necessidade de acolhimento institucional, os usuários podem ser encaminhados para o Núcleo de Acolhimento Provisório (NAP), o qual tem o papel de garantir a proteção provisória pelo período de 15 dias, podendo ser prorrogado por mais cinco dias, até que se decida acerca da inclusão do pretenso protegido no Provita.

5 A atuação do Ministério Público de

acordo com a Lei nº 9.807/99

A Lei nº 9.807/99 traz quatro formas de atuação do Ministério Público. A primeira atuação é a da instituição: sendo uma atividade político-institucio-


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nal, atua como membro do Conselho Deliberativo do programa de proteção às testemunhas, conforme disposto no artigo 4º, caput, segundo o qual o órgão terá, obrigatoriamente, em sua composição, as representações do Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos públicos/privados com atuação na área de segurança pública e defesa dos direitos humanos. Ao Ministério Público cabe ainda a função de órgão executor do programa, pois esta atividade pode ser exercida por qualquer dos órgãos representados no conselho deliberativo, desde que os seus agentes sejam formados e capacitados para tanto (artigo 4º, § 1). Processualmente, o Ministério Público atua alternadamente, como parte e como fiscal da lei. A atuação como parte se refere à atuação em matéria processual-penal. Mazzilli o vê como parte formal, porém “parte imparcial”, compreendida sua imparcialidade no sentido moral, não excluindo o seu papel de fiscal da lei. Atua como fiscal da lei, sendo que a função de custos legis está relacionada à atuação do promotor na área civil, especificamente na alteração do nome completo da pessoa protegida, outra importante inovação introduzida pela Lei nº 9.807/99, em seu artigo 9º.

6 Aplicação do Provita aos casos de

contribuição premiada

A Lei nº 9.807/99 contribuiu para o avanço da delação/contribuição premiada, mas deixou lacunas a serem preenchidas, às quais surgiram opiniões divergentes e não houve consenso jurídico para a resolução dos problemas advindos com a assinatura da delação/colaboração. Não há dúvida de que a prova testemunhal é de vital importância para o processo penal, e provar significa alcançar a verdade que se busca, vislumbrando certeza e convencimento do magistrado.


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Assim sendo, faz-se necessária a colaboração através da vítima, da testemunha ou do delator, em face da difícil elucidação dos fatos criminosos, por falta de provas, em especial da prova testemunhal, por consequente medo das pessoas que presenciaram ou participaram dos fatos em testemunhar ou colaborar. Tendo em vista a caracterização da delação premiada, a inclusão do colaborador no programa depende do preenchimento de requisitos específicos para o acolhimento do beneficiado, ficando esse sujeito à apreciação das circunstancias do caso pelo Conselho Deliberativo. Contudo, a utilização do conhecimento do colaborador como alguém que participava da vida criminosa tem se mostrado imprescindível no combate à impunidade na punição criminal, sendo esse um dos maiores fatores de banalização da violência, representando a não punição dos crimes verdadeira a negação da Justiça e do direito frente ao conhecimento da verdade. Apesar dos diversos empecilhos que impedem qualquer um de colaborar com a Justiça, em particular com a Justiça Penal, por medo, pavor, constrangimento, falta de segurança, entre outros, o programa de proteção à vítima e testemunhas tem sido um eficaz instrumento na consecução da Justiça, na busca da legalidade e agilidade dos processos, num esforço em contribuir para a punição dos criminosos, por meio de um depoimento seguro e consciente da vítima, da testemunha e do colaborador, respeitando sempre os direitos humanos.

6.1 Utilização da proteção ao colaborador em um caso prático Na atuação como representantes do Ministério Público, tivemos a oportunidade de perceber, na prática, a importância de se oferecer a um colaborador a possibilidade de sua inserção no Provita. Ao informá-lo que, diante da


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sua concordância em revelar o que sabia acerca dos detalhes na conduta de uma organização criminosa que se voltava ao tráfico de entorpecentes, poderíamos inseri-lo no programa de proteção, garantindo tanto a ele, como a seus familiares mais próximos, meios eficazes de se assegurar a sua vida e liberdade. O caso teve particular importância, uma vez que se trata de colaboradora mulher, a qual estava, inclusive, sentimentalmente envolvida com os demais componentes da teia delituosa. Ocorre que após ser presa por eficiente investigação policial e revelar um pouco do que sabia, até em razão do fato de ter sido flagrada com expressiva quantidade de drogas, foi ela ameaçada pelos demais integrantes da associação para o tráfico. Premida pela ameaça à sua vida, que se estendia à vida de sua mãe e filhas menores, percebendo que o crime não mais a perdoaria por ter esclarecido, quando do seu interrogatório policial, um pouco do que sabia, sentimos que aquela pessoa não tinha saída, não porque se encontrava presa (o fato de estar encarcerada inclusive lhe resguardava a vida), mas sim pelo fato de que o tráfico já a enxergava como um arquivo que precisava ser queimado. Neste momento e procurado inclusive pela mãe da colaboradora, a qual nos relatava ser ela e suas netas menores ameaçadas de morte, pelo que havia sido revelado à polícia, expusemos a colaboradora que a sua única saída era se tornar uma delatora premiada, esclarecer aos órgãos de persecução tudo o que sabia sobre o complexo organizacional criminoso e, desta forma, salvar sua vida e de seus parentes mais próximos. Ocorre que vários dilemas surgem neste momento, sendo o primeiro a pergunta que nos fez a colaboradora: como o senhor pode garantir que, dizendo o que sei, não serei eu, minha mãe e minhas filhas mortas pelo tráfico? A resposta só pode ser eficazmente dada a ela, convencendo-a a se tornar uma colaboradora quando expusemos que seria possível sua inserção no Provita e, por consequência, a possibilidade que se abria de alteração de


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toda sua nefasta realidade de negação da vida, não só dela, mais de sua mãe e das filhas menores. Ciente das consequências de adesão ao programa de proteção, resolveu a colaboradora revelar tudo o que sabia, até por participar intestinalmente do tráfico, sendo suas informações decisivas para que os órgãos de persecução (Polícia Civil e Ministério Público) desbaratassem a organização criminosa voltada ao tráfico e denunciasse todos os seus integrantes, possuindo o depoimento da colaboradora não só uma essencial natureza de fonte reveladora do complexo criminal, como uma indispensável fonte de prova do cometimento do crime e suas autorias. Convencê-la apenas sob o argumento de que confessando teria uma diminuição de sua pena soava ridículo. Seu destino, assim como os de sua mãe e filhas, era a morte, portanto, de nada adiantava confessar para ter diminuída a pena, se na prisão saberia que seus parentes mais próximos teriam a vida ceifada e, ao sair da cadeia, esse seria seu fim. Simplesmente requerer ao Judiciário que substituísse sua prisão preventiva (seu flagrante foi convertido em constrição cautelar na audiência de custódia) sob os auspícios da Lei nº 13.257, de março de 2016, que alterou artigos do Código de Processo Penal, garantindo às gestantes ou mulheres com filhos de até 12 anos de idade (suas filhas eram todas menores de 11 anos de idade) e que ainda não foram condenadas pela Justiça (ela não tinha passado de anteriores condenações criminais) seria igualmente sentenciá-la a morte, vez que retornando àquele ambiente em que vivia, inserida no tráfico e refém de suas ordens, seria morta, junto a sua mãe e filhas. Neste sentido, a inclusão da colaboradora no Provita significou para ela, mãe e filhas menores a salvaguarda de suas vidas e, muito mais do que a proteção do Estado, a garantia, durante um certo tempo, de que lhe seriam oferecidas condições mínimas de vida, liberdade e dignidade para recomeçar a vida, junto com seus familiares, em um ambiente social fora do mundo


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do crime. Possibilitando-a, dessa forma, trabalho lícito e digno e inclusão escolar às filhas menores, sendo o programa de proteção um verdadeiro “abrir de portas” para uma realidade que ela não conseguia acessar em sua localidade natal, desprovida de assistência mínima das garantias para uma vida digna e, talvez por esse motivo, ensejadora de sua inserção na organização criminosa.

6.2 A necessidade de se conhecer o Provita e de sua utilização pelos membros do Ministério Público Surpreende-me a ausência de conhecimento e da pouca utilização desse importante instrumento de proteção às vítimas, testemunhas e colaboradores premiados por parte dos membros do Ministério Público em Pernambuco. Não por culpa dos promotores de Justiça, ou falta de casos em que se pode manejar o Provita, mas simplesmente pelo desconhecimento do programa, percebo que os colegas têm se utilizado pouco da proteção estatal àqueles que necessitam (o programa hoje ocupa metade das vagas possíveis de serem preenchidas com protegidos). Com isso se perde excelente oportunidade de oferecer a vítima, testemunha, ou colaborador premiado um importante estímulo para que fale tudo aquilo que sabe acerca do crime e seus detalhes aos órgãos de persecução penal. O Tribunal de Justiça vem divulgando o “par e passo” da necessária burocracia para ingresso no Provita, tanto por meio da divulgação de cartilha, como pela realização de cursos, contudo a iniciativa ainda fica limitada a poucos interessados dentro do Ministério Público e da magistratura. A ideia de divulgação do presente tema na revista da AMPPE que comemora os 70 anos de Declaração dos Direitos Humanos, inclusive, tem esse objetivo, de suscitar o debate dentro do parquet pernambucano. Não adianta


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discussões teóricas acaloradas e teses, sempre muito bem escritas pelos colegas, acerca da importância dos direitos humanos, se não pudermos, na rotina de nossa atividade como titular e dominus litis da ação penal, garantir à vítima, à testemunha e ao colaborador premiado, antes de mais nada, meios necessários de proteção a sua vida. Assim sendo, parece-me inócuo sermos o curador da ordem democrática e garantidor do sistema de Justiça, acaso não tenhamos ciência e não soubermos utilizar essa essencial ferramenta de combate ao crime que se constitui o Provita, mormente o crime organizado, cujos tentáculos se estendem a tantos e tão variados crimes em nosso Estado, seja na região metropolitana, ou no interior de Pernambuco, cujos índices de criminalidade continuam crescentes e assustadores, com complexa teia de envolvidos e inserção crescente nos meios sociais.

7 Considerações finais Podemos, portanto, compreender o programa especial de proteção a testemunhas como uma ferramenta de suma importância à repressão ao crime, principalmente a criminalidade organizada, demonstrando na prática uma eficácia considerável ao assegurar a proteção das testemunhas e reinseri-las na sociedade. O programa italiano tem muito a ser seguido pelos demais mecanismos do mundo, especialmente pela integração com o Poder Judiciário e pela alta verba que lhe é destinada pelo Poder Público. Analisando os programas pinçados neste artigo, podemos perceber que o Brasil ainda tem muito a evoluir na proteção à testemunha, sendo uma ferramenta essencial ao Judiciário e aos órgãos que integram o sistema de segurança pública, dentre eles o Ministério Público, como forma de comba-


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ter e punir de forma eficaz os crimes, incluindo nestes os mais complexos e organizados, havendo comprovada eficácia da atuação do Estado na punição inclusive da criminalidade organizada de “colarinho branco”. Alguns importantes passos já foram dados, como a criação do Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita) e do Programa Estadual de Proteção, Auxílio e Assistência a Testemunhas Ameaçadas (Protege), mas o fundamental é que o Estado invista cada vez mais nos órgãos de segurança pública e nas políticas de proteção, para que sejam devidamente aparelhadas, com profissionais qualificados e dignamente remunerados. A exemplo do baixo investimento em tão importante programa, no Estado de Pernambuco, no ano de 2017, o orçamento destinado ao Provita é suficiente para apenas 65 protegidos, sendo que até setembro de 2018, já haviam 35 pessoas incorporadas no programa. Assim, é necessário que a sociedade organizada cobre dos governantes medidas concretas para fortalecimento do Provita e consequente credibilidade da população no Poder Judiciário, resultando num maior número de crimes elucidados, vez que, confiando no sistema de Justiça, estimular-se-á a contribuição com informações valiosas para se chegar à autoria delitiva em crimes como tráfico e associação ao tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, crimes dolosos contra a vida, entre outros de igual complexidade de elucidação da autoria.


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A ONU E O DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO E PROTEGIDO

GERALDO MARGELA CORREIA Procurador de Justiรงa aposentado


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RESUMO O tema que escolhi trata da presença ou ausência na Declaração de Direitos Humanos do assunto relacionado ao Meio Ambiente desenvolvido conforme o texto apresentado, nada obstante a ausência geral de autores que tratem dessa matéria em suas obras, não havendo, portanto, extensa bibliografia a ser consultada, que não sejam a própria Declaração e a legislação brasileira encontrada, publicação de cunho legislativo. Assim, mãos à obra! O artigo deseja mostrar a preocupação da Organização das Nações Unidas (ONU) com a questão ambiental, independentemente de não constar no texto aprovado em 10 de dezembro de 1948, tal preocupação veio a ter efeitos em 1972 com a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Isto nos conduzirá à reflexão sobre os efeitos de tal Declaração na legislação dos Estados integrantes da ONU, em especial o Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Organização das Nações Unidas; Meio Ambiente; Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano; Qualidade Ambiental; Aquecimento Global; Poluição (terrestre, marítima, do ar); Legislação Ambiental; Responsabilidade Ambiental (Prática ambiental do Estado e dos órgãos responsáveis); Povo e Meio Ambiente; Ministério Público e Direitos Humanos.


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1 Introdução Completaram-se 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) neste ano de 2018, em data de 10 de dezembro, publicado que foi o documento em 10 dezembro de 1948. Observa-se que em tal documento não se menciona entre os direitos humanos o direito humano ao meio ambiente sadio, equilibrado e protegido. Tal proteção ocorre em 1972, quando da Convenção de Estocolmo, onde ocorreu a emissão de uma Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano com a afirmativa no Princípio 1º com redação que segue: “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas a um meio cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras”.01 Em nossa Legislação, a preocupação com as questões ambientais antecede aos documentos internacionais quanto à referida matéria, pois já em 1934, em 10 de julho, fora aprovado o Decreto nº 24.643, denominado Código de Águas.02 É certo que tal Código trata da água como simples matéria de Direito Civil, circunscrevendo direitos e deveres dos proprietários das águas e dos territórios de suas propriedades (da União, dos Estados e dos Municípios, como ainda dos particulares), constituindo-se, nada obstante, em marco le-

01

MARCHESAN, Ana Maria; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; CAPPELLI, Sílvia. Direito

Ambiental. 7ª Edição, 2013. 02 Ver: Legislação do Ministério Público. IV Direito Ambiental – Ministério Público de Pernambuco, Procuradoria-Geral de Justiça, Escola Superior do Ministério Público, Recife 1998, p. 21 a 53.


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gal necessário para a proteção deste elemento essencial à vida humana e para uma convivência harmoniosa para a sociedade. Outra legislação produzida anteriormente ao marco da Conferência das Nações Unidas de 1972 foram a Lei nº 4.771 de 15 de setembro de 1965 (Novo Código Florestal) e a Lei nº 5.197 de 03 de janeiro de 1967 (Proteção à Fauna e outras providências), dentre outros Decretos e Códigos03. Importa, pois, afirmar o pioneirismo da legislação ambiental brasileira em relação à preocupação posterior da ONU quanto aos temas relacionados. Tal fato se deve, a meu sentir, à ausência de planos e programas de âmbito internacional quanto aos problemas que já se apresentavam como graves ao conhecimento de cientistas e ambientalistas. Quando da aprovação da Carta da ONU, em 1948 a maior preocupação era com os problemas trazidos com as guerras, a última encerrada em 1945, o que chamava à construção de documento internacional para fazer frente às problemáticas daquele momento. A Carta se constitui de 30 artigos e um preâmbulo que copiamos por se constituir em uma espécie de resumo da mesma: DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. PREÂMBULO Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

03

Idem quanto à nota anterior, com paginação diversa.


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Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum, Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades, Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso.04

04 Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, cópia extraída da Internet em 23/11/2018.


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Os artigos, em número de 30, mencionam quais são os direitos humanos e tratam de cada um com foco no âmbito universal, valendo para todo e qualquer ser humano em qualquer país, cada um desses devendo encontrar e aplicar meios de sua aplicação na sociedade. A Declaração é documento riquíssimo de avaliação da sociedade humana e de imputação de direitos e deveres fundamentais para evitar as guerras e conflitos de natureza violenta que têm sido utilizados constantemente em momentos que somente criam tensões no mundo e não resolvem, ao contrário, agravam os problemas advindos de tal comportamento agressivo. Tais direitos e deveres têm a finalidade expressa da conquista dos direitos e liberdades fundamentais e comportamentais desde que seja assegurada a igualdade para todos, independentemente de sexo, raça, religião e preferências pessoais. Recomenda-se que tal documento seja devidamente estudado e analisado para que sejam cobrados, pelas instituições internacionais e estatais, seu conhecimento e devida aplicação dos mandamentos elencados em seus artigos. Também para que os cidadãos possam verificar sua real aplicação pelo Estado e pelos organismos internacionais para o bem dos povos e nações.

2 Ausência da questão ambiental na

Declaração Universal de Direitos Humanos

Nos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que se celebra no dia 10 de dezembro de 2018, observa-se a ausência do tema ambiental na referida Declaração, tanta era a preocupação com a violência das guerras e revoluções que aconteciam até aquela época (a última Guerra Mundial concluiu-se em 1945) e todas as demandas diziam respeito às violências e desrespeito aos direitos humanos fundamentais, nela declarados.


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O Documento é primoroso no que diz respeito aos direitos humanos fundamentais, inspirado nos mais relevantes princípios de humanismo e amor ao próximo. A título de exemplo citaremos aqui alguns dos princípios elencados na referida Declaração: Artigo 1. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Artigo 2. 1.Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Artigo 2. 2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania. Artigo 17. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros, Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade”05.

05

Idem ao referido na nota 4.


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A Declaração inteira mereceria ser posta aqui à leitura de todos, mas, como se trata de documento perfeitamente acessível, solicito que procurem acessá-lo para uma leitura a fim de que descubram, os que já não o fizeram, a beleza que é este documento. Poderão notar por si mesmos a ausência, como afirmamos, de referência à questão ambiental.

3 As discussões e leis antecedentes no

Brasil

Como também já adiantamos, as questões ambientais e decretos protetivos de ecossistemas foram discutidos, tendo sido criados no Brasil antes que o assunto fosse posto em discussão na ONU. Decreto sobre ecossistema ainda não se refere a ele como assunto de natureza ambiental, mas apenas do ponto de vista patrimonial, com defesa apropriada para este ponto de vista. É o caso do Código de Águas (Decreto nº 24.643 de 10/07/1934), composto por 205 artigos prevendo os mais diversos temas relacionados com a proteção, a propriedade e os usos relativos ao sistema hídrico nacional06. Após este Decreto, nova legislação veio a lume em 1937, o Decreto Lei n° 25, de 30 de novembro de 1937 que “organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico” com 30 artigos, divididos em 5 capítulos07. O Decreto-lei trata de questões como Tombamento, Efeitos do Tombamento, Direito de Preferência e Disposições Gerais08.

06

Decreto nº 24.643 de 10.07.1934, Código de Águas, in Legislação do Ministério Público IV -

DIREITO AMBIENTAL , págs. 21 a 53. 07

Decreto Lei nº 25 de 30.11.1937, Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, in Direito Ambiental

Brasileiro, Machado, Paulo Afonso Leme, Editora RT, 3ª Edição, 1991. 08

Idem ao referido na nota 7 anterior.


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4 Documentos internacionais e

legislação ambiental brasileira referentes ao meio ambiente propriamente considerado

Inicio este tema com a citação de mensagem atribuída a Maria, Mãe de Jesus, em um livro de Anne Kirkwood intitulado Mensagens de Maria para o Mundo, que, ao que consta, teriam sido recebidas e transcritas pela autora (9ª Edição da Record, publicada no Rio de Janeiro em 1991). As mensagens se referem às transformações que ocorrerão no final de milênio, então vejamos: “O seu lar é o planeta Terra. Por que vocês o bombardeiam e destroem seus oceanos lançando dejetos nele? Por que vocês destroem suas florestas e suas praias? Esta é a sua casa. Cuide dela. É a única morada que vocês têm para legar a seus filhos”. 09 Podemos perceber a transformação do planeta em face dos ataques que nós seres humanos desferimos contra nosso ambiente, por toda a parte, sem respeito a qualquer dos ecossistemas, seja nos rios, nos mares, nas ruas de nossas cidades, nas praias, lançamos plásticos, pneus, vidros, papeis e toda sorte de ataques ao ambiente, até mesmo lançamento de esgoto sem qualquer tratamento seja privado e muito menos público. A degradação é constante, em verdade, permanente. A partir de 1972 a ONU tem realizado conferências de cunho ambiental e publicado suas conclusões para que sejam aprendidas e aplicadas em todas as nações, a fim de que possamos todos viver em harmonia com a natureza sem degradá-la e favorecendo nossa vida sem causar problemas à nossa saúde e à dos nossos descendentes. O futuro da Terra depende do que fazemos hoje com os seus ambientes.

09

Obra citada no texto, página 134.


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Assim é que em 1992 realizou-se no Rio de Janeiro a Conferência intitulada de Rio +20, com a produção de documento com as conclusões que discutiremos brevemente. São 27 princípios proclamados sob o reconhecimento declarado da “natureza interdependente e integral da Terra, nosso lar”10. Todos os princípios referenciam ações a serem realizadas por todas as nações para proteção dos ambientes terrestres, os países mais desenvolvidos auxiliando nessas tarefas os menos desenvolvidos, dentro dos princípios da solidariedade, sem qualquer conotação de domínio de uns sobre outros. Resulta que o Direito Humano ao Meio Ambiente é um direito fundamental, pois, sem o ambiente protegido, a vida humana perde em todos os sentidos, eis que sem ambiente não se pode pretender o desenvolvimento que vem do cultivo de alimentos e outros produtos que sirvam para a continuidade da vida em todas as suas formas. Há mais documentos produzidos em outras Conferências da ONU, aos quais faremos referências em complemento pois, em vários casos, temos repetições dos princípios elencados na Conferência Rio +20. Após a Conferência de Estocolmo de 1972, estabeleceram-se as Rodadas de Negociação, sendo a primeira delas realizada em 1979 (a Rodada de Tóquio), tudo para estabelecer a reafirmação, ou melhor, o esclarecimento de princípios estabelecidos, bem como os meios de conseguir as aplicações pelos diversos países na realidade dos ecossistemas ambientais, inclusive para satisfazer aos desideratos de instituições de atuação financeira preexistentes aos assuntos de natureza ambiental, como por exemplo o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), em 194711.

10 Declaração do Rio de Janeiro sobre desenvolvimento sustentável e meio ambiente. Encontrada na internet em 10/01/2019. 11

A Frágil Gênese da Tutela Jurídica do Meio Ambiente, texto de autores como Arno Dal Ri Jr.

Encontrado na internet em 15/01/2019.


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Até o funcionamento da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995, houve discussões quanto ao que fora estabelecido nas Rodadas ocorridas, sendo a partir de então integradas em documento único, denominado Package (“pacote”, em inglês).12 Os documentos produzidos nas rodadas e nas conferências tencionam a defesa do meio ambiente por todos os países, inclusive com o princípio da ajuda das nações desenvolvidas àquelas subdesenvolvidas, visando estabelecer a igual proteção aos habitantes menos favorecidos para que desapareçam as injustiças. Percebe-se que o problema se apresenta na prática de tais princípios, como, aliás, o mesmo se dá quanto às demais questões que envolvem os temas ambientais. É que os Estados e outras entidades responsáveis pela gestão dos princípios aprovados muitas vezes alegam falta de recursos, ocorrendo também o despreparo dos gestores responsáveis pelas ações sempre com prazos dilatados ou, até mesmo, simplesmente deixados de lado. Nossa Constituição aprovada em 1988 inicia o tratamento do assunto ambiental no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu Capítulo I, intitulado como Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, traz normativa sobre a possibilidade de defesa desses direitos com isenção de custas e do ônus da sucumbência, no Título VIII – Da Ordem Social, em seu Capítulo VI - Do Meio Ambiente, no Art. 225, em seus seis parágrafos e incisos os temas ambientais relevantes para nosso meio ambiente13. A nossa legislação ambiental contempla os diversos ecossistemas, sendo que boa parte das leis antecede a Constituição de 1988 (promulgada em 05 de outubro de 1988) e o restante vem aprovada após a mesma.

12

Idem ao referido na nota 11.

13

Ver: Legislação do Ministério Público, IV Direito Ambiental – Ministério Público de Pernambuco,

Procuradoria-Geral de Justiça, Escola Superior do Ministério Público, Recife 1998, págs. 11 a 16.


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Vejamos: 1. Antes da Constituição – Leis Federais: Lei nº 4.771 de 15 de setembro de 1975, denominada Código Florestal; Lei nº 5.197 de 03 de janeiro de 1967 de Proteção à Fauna; Lei nº 6.766 de 19 de dezembro de 1979 sobre Parcelamento do Solo Urbano; Lei nº 6.803 de 02 de julho de 1980 sobre Zoneamento Industrial nas áreas Críticas de Poluição; Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981 da Política Nacional do Meio Ambiente; Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985, intitulada Lei da Ação Civil Pública. 2. Após a Constituição – Leis Federais: Lei nº 6.679 de 23 de novembro de 1988 de Proibição de Pesca em Períodos de Reprodução; Lei nº 7.802 de 11 de julho de 1989, regulando o uso de Agrotóxicos; Lei nº 8.171 de 17 de janeiro de 1991, sobre Política Agrícola; Lei nº 8.429 de 02 de junho de 1992 sobre Improbidade Administrativa; Lei nº 8.974 de 05 de janeiro de 1995 sobre Engenharia Genética e Biossegurança; Lei nº 9.393 de 19 de dezembro de 1996 sobre Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR); Lei nº 9.433 de 08 de janeiro de 1997, da Política Nacional de Recursos Hídricos; Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 sobre Crimes e Infrações Administrativas Contra o Meio Ambiente. Cada Estado da Federação tem também a prerrogativa de instituir legislação relativa ao meio ambiente, desde que não contradiga o que está estabelecido na Constituição ou na Legislação Federal, nem trate de matéria de exclusividade da União, como a matéria criminal, por exemplo. Já os municípios não têm a prerrogativa de legislar em matéria ambiental, uma vez que não se trata de “matéria local”, aduzida na Constituição que elenca diversas competências municipais previstas em seu art. 3014. O Estado de Pernambuco, em sua Constituição promulgada em 05 de outubro de 1989, trata do meio ambiente em seu Capítulo IV – Do Meio Am-

14

LÚCIO, Vicente Carlos. Constituição Federal Comentada. 1ª Edição. Editora Jalovi Ltda. São

Paulo/SP, 2010.


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biente nas Seções de I a IV: I – Da Proteção do Meio Ambiente; II – Da Proteção do Solo; III – Dos Recursos Minerais; IV – Dos Recursos Hídricos15. Como se pode claramente perceber, o nosso País, ao menos do ponto de vista constitucional e legal, tem tratado o meio ambiente como algo de importância fundamental, buscando uma defesa das mais adequadas dos vários ecossistemas e que poderiam vir a ser efetivamente protegidos desde que houvesse expertise e vontade política de realizar na prática os mandamentos constitucionais e legais, seja do ponto de vista federal, seja do ponto de vista dos estados. Infelizmente não é o que ocorre com efetividade. Aproveitemos, como exemplo da negligência geral, o caso ainda em andamento, do rompimento de três barragens sequenciais da empresa Vale, uma mineradora em Brumadinho/MG, com grande saldo negativo de mortes de grande parte dos funcionários, além de pessoas moradoras da localidade. Terríveis efeitos também nas áreas de ecossistemas locais, e em outras regiões, eis que tais descartes chegarão ao leito do rio Paraopeba, afluente do rio São Francisco, com probabilidade alta de ser também afetado. O caso ocorre apenas três anos após o rompimento de barragem em Mariana/MG, ocorrido em 2015, de responsabilidade da empresa Samarco, que foi uma ação danosa também aos moradores da área de influência do Rio Doce, que chegou a levar efluentes descartados da mineração à região do Rio Doce em Minas e no Espírito Santo, contaminando até o oceano Atlântico, onde chegaram descartes causadores de danos ambientais, comprovados na região, além, claro, das margens do rio Doce, seja em Minas Gerais, seja no Espírito Santo. Em ambos os casos podem ser apontadas questões decisivamente negligenciadas, seja pelas empresas responsáveis pelas obras, seja do Poder Pú-

15 Constituição do Estado de Pernambuco, 7ª Edição – Editora Litoral, atualizada até 22 de janeiro de 2003.


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blico, com funções de licenciamento e fiscalização. Veja-se, por exemplo, no Caso da Vale haver sido realizada uma investigação anterior que atestou a regularidade da barragem. Como entender também que equipamentos importantes da empresa estivessem situados em local abaixo das barragens, como seu escritório, um restaurante para trabalhadores, além de vilas com moradias diversas de população, abaixo e nas margens do leito do córrego efluente das mesmas? Isto configura um exemplo de negligência geral. E o rompimento das barragens após vistoria de técnicos que asseveraram que nada havia de irregular que pusesse a barragem em perigo de rompimento, sem que tenha havido fiscalização dos órgãos públicos competentes sobre o laudo emitido, configura, em verdade, a prática de crime que deve ser tratado com o rigor legal. Após o grave acontecimento, descobre-se uma imensidão de barragens, não apenas em Minas Gerais, mas em todo o Brasil, a necessitar de vistorias e emissão de laudos verdadeiros que conduzam a ações de regularização das mesmas. Em nosso Estado, Pernambuco, descobre-se com preocupação que uma barragem, a de Jucazinho, no município de Surubim se encontra com rachaduras e que, havendo chuvas como previstas para este inverno há grande risco de rompimento com grande invasão de águas na cidade do Recife, causando problemas graves na cidade inteira. Esperamos que providências urgentes sejam realizadas para solucionar, ou ao menos, minorar a ação danosa que se prevê. Dessas situações, percebemos que há necessidade de muito trabalho consciente de empresários e de integrantes dos órgãos de controle, que devem ter vagas de trabalho preenchidas e até mesmo aumentadas, para dar conta da realização dos trabalhos necessários ao funcionamento adequado e suficiente para impedir que tais desastres sejam previstos com antecedência e corrigidas as situações de suas ocorrências.


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5 Questões globais controversas na

área ambiental

Que nós habitantes da Terra produzimos, infelizmente, diversos tipos de poluição ambiental, ninguém põe em dúvida a veracidade desta assertiva. Como ainda, que causamos poluição em quase todos os ecossistemas terrestres e das mais diversas formas, seja descartando lixo, queimando plásticos e pneus, cortando árvores em florestas para uso da madeira resultante, lançando material de esgoto sem tratamento algum nas ruas e efluentes (córregos, riachos e rios). Todos sabem que poluímos os oceanos e que disso resultam consequências desastrosas para nossas vidas. Há questões, porém, sobre as quais pairam dúvidas, seja por desconhecimento de seu significado, seja por controvérsias entre os próprios cientistas sobre tais assuntos. Sobre o assim chamado buraco da camada de ozônio, já se discorre sobre o assunto afirmando sua inexistência, entretanto, sabendo-se que existe a camada de ozônio (O3 - três átomos de oxigênio), formada por moléculas de ozônio, que pode ser afetada pelo CFC, que é a molécula de cloro-flúor-carbono, capaz de captar um átomo do ozônio e, desta forma, diminuir a referida camada, sem entretanto, criar o tal “buraco”. É necessário, de qualquer forma, não propiciar a produção do CFC, gás que tem maior produção pelas emissões causadas pelas erupções vulcânicas, sobre as quais não há possiblidade de controle. A National Aeronautics and Space Administration (NASA), ou Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, é uma agência do Governo Federal dos Estados Unidos responsável pela alarmante informação do crescimento do buraco da camada de ozônio e, após pesquisas mais atualizadas, informou sua inexistência, mas


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que o CFC pode diminuir a referida camada, sem, entretanto, estabelecer um buraco16. Outra questão controversa é o chamado aquecimento global. Parte dos que pensam sobre o assunto, sendo tema recorrente na mídia, avaliam que o mundo, consoante esta visão, está na iminência de uma catástrofe global, sendo este o fim da humanidade. Até misturam a visão do final do mundo que se encontra nas mensagens evangélicas em que Jesus Cristo fala sobre o fim da existência terrestre (fim do mundo). Outros, entretanto, afirmam que aquecimento global não existe e que o orbe terrestre apresenta, periodicamente, baixas importantes de temperatura e, um período após de vários anos, demorada elevação de temperatura. Pesquisas atuais indicam que a temperatura da Terra vem diminuindo nos últimos anos, encerrando o período do aumento da mesma. Estas mudanças seriam, em verdade, periódicas17. Isto não significa, entretanto, que não devamos ter cuidado com nossos ecossistemas, cuidando deles a fim de que permaneçam sendo utilizados saudavelmente e não deixem de ser úteis para nossa sobrevida na Terra, produzindo nossos alimentos e limpando nossa atmosfera para uma vida cada vez melhor. A ONU tem significativamente realizado conferências em que as nações discutem as questões de natureza ambiental, seja melhorando os princípios aprovados em conferências anteriores, seja advertindo-se mutuamente as nações da necessidade de por tais princípios e conclusões em prática, impedindo a destruição das florestas, impondo legislação mais protetora e aplicando-as sistematicamente em defesa de seus ecossistemas, que devem per-

16 A verdade sobre a Camada de Ozônio. Artigo de Rex Trulove, pesquisa na internet no dia 30/01/2019. 17

Ler, por exemplo, Aquecimento Global, Verdade ou Mentira, artigo de Pedro Coelho, pesquisa na

internet em 05/01/2019.


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manecer saudáveis para cumprir suas funções, inclusive protetoras da vida (lembro a necessidade de proteger as margens dos rios, por exemplo, tendo em vista que a falta de vegetação nas chamadas áreas de proteção permanente e o estabelecimento de moradias em tais locais, resulta em tragédias, inclusive com a perda de vidas humanas).

6 O Ministério Público e o tema

ambiental

É necessário que os discursos que indicam desculpas esfarrapadas para a não atuação em benefício do meio ambiente sejam combatidos pelos órgãos fiscalizadores e pelo Ministério Público, o fiscal da lei, que devem agir em conformidade com a lei e com presteza suficiente para inibir qualquer conduta que venha a prejudicar a natureza, ainda mais grave sendo a conduta acolhida por meio de propinas sobre as quais a mídia noticia com certa frequência. Há que tratar, ao menos ligeiramente, do Ministério Público como fiscal da Lei e, assim também, da legislação ambiental. É necessário que promotores de Justiça com atribuições nesta área procurem agir como lideranças no cumprimento de suas funções, advertindo, abrindo procedimentos administrativos e determinando a abertura de inquéritos policiais quanto à prática de crimes ambientais e liderando os funcionários estatais e municipais encarregados da matéria a diligenciar no sentido de aplicar inteligência e recursos em políticas ambientais capazes de proteger efetivamente a população com antecipação aos fatos que possam trazer invasão de áreas ribeirinhas por águas contaminadas ou, simplesmente, por águas em excesso que invadam residências, ruas e cidades causando tragédias e prejuízos incalculáveis.


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Enfim, não devemos contribuir com a chegada do fim do mundo, que ocorrerá, conforme a profecia de Jesus, mas a ninguém é dado saber o dia nem a hora e será precedida de sinais impossíveis de ignorar. Esse fim do mundo será em verdade uma mudança de forma de vida em outra dimensão e ninguém que não tenha obedecido aos critérios divinos estabelecidos nas escrituras terá alcançado a vida eterna.

REFERÊNCIAS MARCHESAN, Ana Maria; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; CAPPELLI, Sílvia. Direito Ambiental. 7ª Edição, 2013. Ministério Público de Pernambuco, Procuradoria-Geral de Justiça, Escola Superior do Ministério Público. Legislação do Ministério Público. IV Direito Ambiental, Recife 1998, págs. 21 a 53. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, cópia extraída da Internet em 23/11/2018. MACHADO, Paulo Afonso Leme. Decreto Lei nº 25 de 30.11.1937: Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. In: Direito Ambiental Brasileiro, Editora RT, 3ª Edição, 1991. Organização das Nações Unidas. Declaração do Rio de Janeiro sobre desenvolvimento sustentável e meio ambiente. Acesso em: 10/01/2019.


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DAL RI, Arno Jr. et al. A Frágil Gênese da Tutela Jurídica do Meio Ambiente. Acesso em: 15/01/2019. LÚCIO, Vicente Carlos. Constituição Federal Comentada. Editora Jalovi Ltda. São Paulo/SP. 1ª Edição, 1.990. TRULOVE, Rex. A verdade sobre a Camada de Ozônio. Acesso em: 30/01/2019. COELHO, Pedro. Aquecimento Global, Verdade ou Mentira. Acesso em: 05/01/2019



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O MINISTÉRIO PÚBLICO E SUA INSERÇÃO NA DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS

OSWALDO GOUVEIA FILHO Procurador de Justiça do Ministério Público de Pernambuco


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RESUMO A Declaração Universal dos Direitos Humanos é a proclamação dos valores intrínsecos à condição humana, que fundamentam a compulsoriedade imposta ao Ministério Público de fomentar, de exercitar a defesa e a aplicação de suas normas diretivas. A sua abrangência inclui a comunhão com todos os valores sociais que informam a condição de dignidade humana que não pode ser postergada, por ser a própria destinação de uma efetiva Justiça Social. PALAVRAS-CHAVE: Integração; Ministério Público; Defesa dos valores democráticos; Pluralidade; Universalidade.


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1 Introdução São decorridos Setenta Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A efeméride é significativa e remete à obrigatoriedade compulsiva imposta ao Ministério Público para, em decorrência de pressupostos legais ínsitos no artigo 129 da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, agir de forma plena e célere no asseguramento dos Direitos Humanos e, principalmente, para conter a degradação absoluta que eventualmente possa se abater sobre estamentos sociais menos protegidos. Se é certo que o Ministério Público ganhou protagonismo antes não vivenciado em razão da conspurcação plena dos valores éticos e morais, que tem repercussão transcendente pela intensidade que atinge as políticas públicas e sociais que beneficiam, de modo geral, toda a sociedade, por outro lado urge que o Estado, na sequência dos atos saneadores, estabeleça de forma dialética, diga o que pretende, para humanizar e emancipar o País e, por consequência, o povo. Os que têm uma concepção emancipatória pretendem resposta cabal. Quais as providências que serão adotadas para que o Estado, como Nação politicamente organizada, dotado de conceito político-administrativo, consciente da sua soberania e independência venha ser respeitada no concerto internacional das Nações? A resposta abrange um espectro amplo. Sabe-se que o conceito de Estado trás, em si mesmo, a ideia imanente de que não deve a sua validade a nenhuma ordem superior e, portanto, as suas políticas públicas devem ser estritamente voltadas para referências que informam e justificam a nacionalidade. A nacionalidade nos termos que não se confundem com a xenofobia, isto é, aversão a tudo que é estrangeiro, mas que se confunde com os valores autóctones do País. A interação, a conjugação de valores ditados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, se ajustam expressamente com o Ministério Público,


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que vem atendendo aos reclamos sociais, com o denodo que se lhe exige, com o aprimoramento que lhe é necessário na busca incessante de ser provedor do coletivo social em toda abrangência. O Ministério Público evidentemente, como instituição permanente e imprescindível do organismo social democrático, tem conceituações que lhes são próprias tais como: responsabilidade na defesa das garantias legais, do Estado de Direito, e de todos os interesses, inclusive os indisponíveis. Diga-se ainda, que a sociedade organizada, de uma forma geral, é eventualmente parceira do Ministério Público no atendimento social quando age em defesa de terceiros, na preservação de garantias constitucionais. Em tempos ásperos, ressalte-se a insurgência da Igreja Católica na Defesa dos Direitos Humanos com destaque para o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Helder Câmara, cumprindo missão histórica contra a Ditadura Militar, em condições de risco à integridade física. Ambos emergiram dos escombros maiores do que eram, exuberantes de sensibilidade e espiritualidade. Quando se constata o compartilhamento com as angústias dos oprimidos e desassistidos, a fé em todos os valores se recompõe e a esperança se renova. Vê-se ainda que a carta da Organização das Nações Unidas, aprovada em 26 de junho de 1945 em São Francisco já era o prenúncio da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O Ministério Público teve seus percalços, suas idas e vindas. A Constituição de 1946 desvinculou a instituição dos poderes do Estado. A Constituição de 1967, outorgada pelo poder discricionário da ditadura, manteve a situação anterior que viria a ser alterada pela emenda de 1969, que remeteu o Ministério Público ao Poder Executivo. No regime de exceção, o Ministério Público ficou destituído de garantias institucionais. Poucos foram os membros que resistiram. Para os acólitos do arbítrio, todas as benesses. Ao se abordar os Direitos Humanos a alguns ocorre de imediato tratar-se de garantias pessoais pontuais, descontextualizadas da amplitude dos seus


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significados. O conceito de Direitos Humanos é universal, não está adstrito a qualquer direito posto que é correspondente com a dignidade da pessoa humana frente ao Estado, que o provê, que o garante, não é concessão, pouco importando se o Estado os reconhece ou não. São direitos transacionais, irreversíveis e que se sobrepõem até às soberanias dos Estados. Aceite-se ou não, o Ministério Público tem cada vez mais potencializada as dificuldades do pleno exercício de suas atribuições. Vivemos em uma sociedade extremante desigual e que traz em seu âmago, herdado do Brasil Colônia, um contexto conservador arraigado, impregnado de racismo e misoginia. No caso específico de defesa dos Direitos Humanos a todo o momento surgem tentativas no sentido de descaracterização e não preservação do pleno exercício das culturas indígenas e afro-brasileiras sob os esdrúxulos pretextos de aculturação. Na realidade, as tentativas obedecem a critérios socioeconômicos sem qualquer preocupação com as tradições culturais. Nesse aspecto cabe ao Ministério Público a preservação desses valores ancestrais inclusive dando a proteção legal, difusão e incrementação a todas manifestações de raízes.

2 Legislação Pertinente como fonte

de Direito

Aliás já dispomos de ampla legislação que estabelece diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira: Lei nº10.639 de 09 de janeiro de 2003, alterada pela Lei 11.645 de 10 de março de 2008, para incluir a população indígena. Além da Lei 12.288 de 20 de julho de 2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial.


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A defesa dos Direitos Humanos e a exercitação de suas prerrogativas tem sido alvo nos últimos tempos de insidiosa campanha que desinforma no que concerne aos seus fins. Embora se configure para alguns como proteção inadequada a pessoas que cometeram crimes graves, tal assertiva não procede, pois seria negar ao Estado os deveres que remetem a entendimento já esposado no Código de Hamurabi, escrito pelo Rei Hamurabi, que adotava leis “para que o forte não prejudique o mais fraco, afim de proteger as viúvas e os órfãos”. E esse entendimento vem desde 1772 a.C., portanto multimilenário.

3 Efetividade e protagonismo do

Ministério Público

Por isso entendemos que a luta pelos Direitos Humanos é meio de emancipação e integração social. Quando se cogita de controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, alguns procuram não entender. Porém é necessário para que as repressões não sejam desproporcionais, não infrinjam os direitos fundamentais expressos na Declaração Universal tais como: “dignidade, igualdade de direitos entre homens e mulheres, sem qualquer distinção de raça, cor, de língua, religião ou opinião política”. E se incluam aí outras liberdades. Portanto deve ser exercitado com denodo o controle externo até como garantia da ordem pública e segurança do Estado de Direito e até para que não se confunda o que seja reinvindicação com perturbação do ordenamento estatal. Exemplo histórico da defesa dos Direitos Humanos foi dado pelo General Della Chiesa quando um membro do serviço de segurança lhe propôs torturar um preso que se presumia ter muitas informações a respeito do sequestro do Primeiro Ministro italiano Aldo Moro, ao qual respondeu: “A Itália pode permitir-se perder Aldo Moro, não em troca de implantar a tortura”.


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Os que militam no Ministério Público na sua generalidade têm dado demonstrações de pendor cívico engrandecedor. Vive-se uma fase histórica difícil, a exigir de seus membros firmeza e equilíbrio na persecução de uma idealidade que se pretende inspiradora do sentimento maior de nacionalidade e engrandecimento institucional. A Constituição de 1988 colocou o Ministério Público no seu devido lugar, conferindo-lhe a independência que se impunha, destacou a essencialidade de sua destinação. Em seguida a legislação infraconstitucional norteou os princípios, entre outros, de autonomia financeira, administrativa e funcional. Não podia ser diferente. A consequência foi a valorização da instituição e de seus profissionais que precisam casa vez mais se conscientizarem das obrigações que se lhes impõem na defesa intransigente da democracia inclusiva e não meramente formal. É com essa compreensão que o sociólogo português Boaventura de Souza Santos se direciona quando diz que para ele “a democracia representativa está refém das forças do mercado”. E aduz que “o resgate da democracia sequestrada pelas forças do mercado, será feita com a retomada das ruas pela sociedade, único espaço ainda não colonizado”. Pelo que constatamos nos dias de hoje, o entendimento é procedente. Veja-se os movimentos pelas ruas de Paris dos coletes amarelos contra a política social de Emmanuel Macron. Não há divergência quanto à ação fiscalizadora do Ministério Público. No seu desiderato, a instituição incomoda na medida em que interfere no cumprimento das obrigações dos direitos sociais previstos nos artigos 6° e 7° da Constituição Federal, que albergam a proteção à saúde, à educação, à maternidade, à infância e aos desamparados e protege o emprego. E muitas vezes confronta-se com o Estado quando este negligencia e se omite. Porém, é bom que se diga “que o próprio Ministério Público está começando a usar tais normas mais recentemente”, como entende Wagner Gonçalves, Procurador Federal dos Direitos dos Cidadãos.


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A Lei Orgânica do Ministério Público tem seus objetivos voltados para defesa dos Direitos Humanos. Por sua vez, a Lei Complementar nº 12, de 27 de dezembro de 1994, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o Estatuto do Ministério Público de Pernambuco no seu art. 1° incumbe, entre outros deveres da instituição, a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

4 A liberdade como corolário Como ensina Roberto Saturnino Braga em sua obra Itinerância, “ser obrigação do Estado de Direito corrigir essas diferenças estruturais...”, “...corrigi-las através de políticas públicas em atendimento à vontade das maiorias; materializando direitos universais e fundamentais a uma vida digna; e é possível, sim, fazê-lo sem restringir as liberdades próprias da democracia”. Para isso, é importante a presença de um Ministério Público atuante e fiel aos princípios defendidos pelo grande mestre e símbolo Roberto Lira, ligado ao humanismo, à filosofia, e à sociologia jurídica de forte conteúdo social. Com o fim da Ditadura Militar, muitos acreditaram que havia se fechado o ciclo da tortura. Puro engano, ela extrapolou o ciclo e se estabeleceu nos descaminhos do Estado. Por isso que é importante termos Roberto Lira ressurreto, ganhando vida para espelhar a moldura social e, sobretudo, nos inspirar, voltados para o compromisso institucional de libertação, integração e engajamento na busca da conscientização generalizada que conduzirá à Justiça Social. Não basta o protecionismo que venha conduzir à inércia, à desesperança e ao arrefecimento para a luta. É missão do Ministério Público cobrar do Estado suas obrigações constitucionais de educar, zelar pela saúde pública, garantir condições dignas de habitação. É sua destinação a promoção da Justiça Social, fazer valer o que é racionalmente necessário para a efetivação dos deveres sociais. Este é o Brasil que


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queremos, com a democracia, com a abolição da pobreza, com a garantia preservada da liberdade com um Ministério Público forte e presente.

5 Conclusão O tema transcende o provincianismo e só pode ser concebido e entendido no contexto do seu dimensionamento universal. A sua universalidade é que determina a sua importância, pois está voltada para o homem e, por consequência, objetiva a preservação material e espiritual do seu próprio objeto. A Declaração Universal dos Direitos Humanos contém 30 artigos. O 1° diz: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espirito de fraternidade”. O artigo 30 dispõe: “Nenhuma disposição da presente declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma atividade ou de praticar algum ato destinado a destruir as liberdades aqui enunciadas”. Como se constata, são impostergáveis os pressupostos explícitos na Declaração Universal, e tem valores dogmáticos de forma a exigir do Ministério Público o protagonismo que o faz responsável maior pela eficiente aplicação das garantias.


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REFERÊNCIAS SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Crítica de Estudos Sociais, nº48. BRAGA, Roberto Saturnino. Ética e política. In: Desafios éticos. 1993. p. 59-72. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. BRASIL, Lei 12.288/10. Estatuto da Igualdade Racial. Brasília, DF: Presidência da República, 2010. GONÇALVES, Wagner. Natureza Jurídica das comunidades indígenas: Direito público e Direito Privado. Novo Estatuto do Índio. Implicações. Os direitos indígenas e a Constituição, p. 241-250, 1993. MÁS, Nunca. Informe de la Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas. Eudeba, 1986.







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