Revista DFato nº13

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Revista da Associação do Ministério Público de Pernambuco – AMPPE Nº 13 – Julho de 2019

IVANA FARINA Confira a entrevista com a Secretária Nacional de Direitos Humanos do CNMP

DUDH 70 ANOS Uma reflexão sobre a história dos Direitos Humanos

Congresso Estadual

O PAPEL DO DIÁLOGO NA CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA E MAIS ARTIGOS DE OPINIÃO | TURISMO | XADREZ | CANOAGEM NO VELHO CHICO | NOVIDADES DA AMPPE




EDITORIAL Dfato – Revista da Associação do Ministério Público de Pernambuco – AMPPE Nº 13 – Julho de 2019 Endereço: Rua Benfica, 810, Madalena – Recife/PE CEP: 50720-001 – Brasil Fone/fax: (81) 3228.7491 E-mail: amppe@amppe.com.br Site: www.amppe.com.br Facebook: @associacaomppe Instagram: @a.mppe

EXPEDIENTE EDIÇÃO, TEXTOS, REVISÃO E FOTOS: Marina Moura Maciel e Thaís Lima DIAGRAMAÇÃO: Paula K. Santos IMPRESSÃO: CCS Gráfica TIRAGEM: 600 exemplares Distribuição gratuita

O País vive um momento bastante turbulento. O serviço público foi eleito como alvo prioritário e apontado injustamente como o responsável por todos os males e desordens do Estado brasileiro. Uma considerável parcela da sociedade, com o apoio de grande parte da mídia e dos conglomerados econômicos, notadamente das instituições financeiras, foi deliberadamente levada a confundir prerrogativas e direitos com privilégios. Neste contexto, a nova edição da Dfato traz como destaque de capa o diálogo como essência do Ministério Público, especialmente em tempos de radicalismo e de intolerância com a divergência de ideias. A publicação foca não apenas na cobertura do nosso congresso estadual realizado em maio, como também noticia o trabalho associativo. E, cumprindo o papel de integração regional que também cabe à associação, nesta 13ª edição, trazemos conteúdo fruto de entrevistas com colegas que atuam e residem no interior do Estado, além de matérias descontraídas sobre como alguns associados aproveitam os momentos de folga para restabelecer os ânimos e enfrentar a rotina árdua, bem como para desenvolver ações que ajudam a promover inclusão social. A caminhada do Ministério Público Brasileiro nunca foi fácil, porém aprendemos a resistir em nome da instituição e da fundamental importância que ela representa à sociedade, sobretudo na vida dos menos favorecidos. Com o empenho e a luta de todos associados continuaremos resistindo e avançando, pois assim fomos forjados: esta é a nossa vocação. Boa leitura a todos!

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da diretoria da AMPPE.

DIRETORIA EXECUTIVA PRESIDENTE Marcos Antônio Matos de Carvalho 1ª VICE-PRESIDENTE Maria Ivana Botelho Vieira da Silva 2ª VICE-PRESIDENTE Clóvis Ramos Sodré da Motta 1ª SECRETÁRIA Deluse Amaral Rolim Florentino 2º SECRETÁRIO Oscar Ricardo de Andrade Nóbrega 1º TESOUREIRO Sueldo de Vasconcelos Cavalcanti Melo 2º TESOUREIRO Allana Uchoa de Carvalho ASSESSORIA ESPECIAL DA PRESIDÊNCIA Arabela Maria Matos Porto, Gilson

Marcos Antônio Matos de Carvalho Presidente da AMPPE

Roberto de Melo Barbosa, José Tavares, Maria Bernadete Martins de Azevedo Figueiroa SUPLÊNCIA DA DIRETORIA EXECUTIVA Camila Mendes Santana Coutinho, Daniel de Ataíde Martins, Fernando Della Latta Camargo, Hodir Flávio Guerra Leitão de Melo, Janaína do Sacramento Bezerra, Maria Izamar Ciríaco Pontes

DEPARTAMENTOS APOSENTADOS Maria Bernadete Aragão BENEFICÊNCIA Israel Cabral Cavalcanti, Letícia Guedes Coelho

COMUNICAÇÃO Geraldo Margela Correia, Janaína do Sacramento Bezerra CULTURAL Marcelo Greenhalgh Penalva Santos, Frederico José Santos de Oliveira ESPORTES Alen de Souza Pessoa, Ivan Viegas Renaux de Andrade JURÍDICO Isabela Rodrigues Bezerra Carneiro Leão, João Paulo Pedrosa Barbosa PATRIMONIAL Emmanuel Cavalcanti Pacheco, Sônia Cardoso da Silva Santos SOCIAL Allana Uchoa de Carvalho, Helena

Martins Gomes e Silva APOIO INSTITUCIONAL Bianca Stella Barroso, Hilário Marinho Patriota INTEGRAÇÃO REGIONAL Almir Oliveira de A. Júnior, Domingos Sávio Pereira Agra, Júlio César Soares Lira, Sophia Wolfowitch Spinola

CONSELHO FISCAL E CONSULTIVO Fabiano Morais de Holanda Beltrão, Francisca Carmina Soares, Salomão Abdo Aziz Ismail Filho, Sérgio Roberto da Silva Pereira, Sílvia Amélia de Melo Oliveira.


SUMÁRIO

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O DIÁLOGO NA ESSÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO Confira a cobertura completa da 13º edição do Congresso do Ministério Público de Pernambuco, realizada em Gravatá

ENTREVISTA 06 « A Dfato entrevistou Ivana

DUDH 70 ANOS 32 « Direitos Humanos acima de

Farina, procuradora de Justiça do MPGO e secretária nacional de Direitos Humanos do CNMP

tudo, Democracia acima de todos

CURTAS 12 « Confira os últimos destaques

do Velho Chico

da AMPPE

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52

CAIAQUE 42 « Por entre as águas

XADREZ 52 « Petrolina é terra de rei,

OPINIÃO 28 « Quais os Direitos não seriam

rainha, torres, cavalos, peões e bispos

Humanos? – Maxwell Vignoli

TURISMO 56 « Pelo Mundo com Oscar

38 « O dever estatal de garantia do pluralismo social – Domingos Sávio Pereira Agra 50 « O Controle do Poder e a efetivação dos Direitos Humanos – Fabiano Pessoa


ENTREVISTA

A BUSCA PELA RETOMADA DA GARANTIA DE DIREITOS S

ecretária de Direitos Humanos e Defesa Coletiva do Conselho Nacional do Ministério Público, procuradora de Justiça do Estado de Goiás, ex-procuradora-geral de Justiça do mesmo Estado por dois mandatos, primeira mulher a presidir o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais. Em 30 anos de Ministério Público, Ivana Farina Navarrete Pena construiu um currículo vasto, marcado pela luta por uma sociedade mais justa e pela atuação incisiva na promoção dos Direitos Humanos. Durante o XIII Congresso do Ministério Público de Pernambuco, foi convidada especial da AMPPE: garantiu auditório cheio ao ministrar a palestra de abertura do evento, sobre o MP e a mediação social. À DFato, ela concedeu entrevista sobre a simbologia dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e as perspectivas de defesa dos direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988. DFATO Como podemos avaliar a importância dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e 30 da Constituição Federal de 1988 na luta pelos Direitos Humanos no Brasil, especialmente no que se refere ao Ministério Público? IVANA FARINA A importância da Declaração Universal dos Direitos Humanos pode ser bem realçada se

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caminharmos a 70 atrás, quando, no Pós-Guerra, as nações se uniram em torno de uma organização, a ONU, e aprovaram esse texto como marco histórico. A Declaração então nasce no contexto de países que vinham de destroços, de mortes, de muito guerrear e de pouco construir pelo humano; e estavam prontos para se manifestar pela dignidade da pessoa humana. O tempo histórico posterior veio já com este contorno de ideias que a Declaração sustenta, sobretudo aquelas que vieram fincadas na igualdade, na liberdade, na fraternidade. Isso tudo gerou a possibilidade de que as nações se reconstruíssem em torno de princípios democráticos. Quando, num paralelo, falamos da Declaração e da Constituição Federal do Brasil, vemos que, enquanto a Declaração era de 1948, a Constituição Democrática Brasileira, chamada também de Constituição Cidadã, foi de 1988. Então isso já significou outro marco aqui no Estado brasileiro, porque a Declaração veio a ser internalizada 40 anos depois. E o Brasil, nesse espaço de tempo, conviveu com um período de ditadura, com tortura, com pessoas desaparecidas, em virtude de ação do Estado. A importância daquele Pós-Guerra, com uma Declaração Universal, era enorme, bastando com-


"A DECLARAÇÃO ENTÃO NASCE NO CONTEXTO DE PAÍSES QUE VINHAM DE DESTROÇOS, DE MORTES, DE MUITO GUERREAR E DE POUCO CONSTRUIR PELO HUMANO; E ESTAVAM PRONTOS PARA SE MANIFESTAR PELA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA."

parar com a necessidade de que ela fosse de fato observada. Aqui para o Brasil, nós temos também um coincidente marco, que foi o Ministério Público, que, antes de 1988, integrava o Poder Executivo e não tinha incumbência de defesa do regime democrático – porque não era esta a realidade brasileira –, não tinha incumbência de defesa dos interesses sociais, não tinha independência, autonomia e nem as garantias necessárias a seus integrantes. Então, nasce este Ministério Público cidadão com o texto de 1988. E, com a incumbência de defesa do regime democrático, há uma vinculação com a defesa dos Direitos Humanos. Por quê? O nosso Estado Democrático de Direito tem fundamentos. E dentre os fundamentos do artigo 1º, a dignidade da pessoa humana. Mais ainda: a República Federativa do Brasil tem objetivos, dentre eles promover o bem de todos, sem preconceitos de origem de raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, de acordo com o texto do artigo 3º. E a prevalência dos Direitos Humanos como princípio que deve estar na regência das relações internacionais do Brasil. Ora, quando o MP então recebe a incumbência de defesa desse regime democrático, ele é um MP defensor dos Direitos Humanos.


"QUANDO O MINISTÉRIO PÚBLICO RECEBE A INCUMBÊNCIA DE DEFESA DESSE REGIME DEMOCRÁTICO, ELE É UM MP DEFENSOR DOS DIREITOS HUMANOS."

DFATO O MP é uma instituição, que, em seus quadros, reflete a desigualdade da nossa sociedade, com, por exemplo, baixa representatividade de gênero e racial. Como garantir a defesa de Direitos Humanos de dentro para fora nesta conjuntura? FARINA O Conselho Nacional do Ministério Público desenvolveu um projeto pela Comissão de Planejamento Estratégico que é denominado Cenários de Gênero. Realmente este estudo conclui pela desigualdade de gênero nos ramos do Ministério Público da União e também nas unidades dos Ministérios Públicos Estaduais. Mas, com este diagnóstico, nós tivemos algumas ações dentro do próprio CNMP que buscam alterar este quadro. Há, em curso, uma proposta de recomendação sobre garantia de presença de mulheres do MP em eventos, bancas de concurso, seminários, congressos. E também há uma proposta que a dra. Raquel Dodge desenvolveu, como Procuradora-Geral da República, junto a integrantes do Ministério Público Federal: seria fazer um diagnóstico em uma conferência de procuradoras da República. Esta é uma proposta que ela sustenta atualmente no CNMP, com a Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais, que tem o conselheiro Valter Shuenquener à frente, e com esta Secretaria de Direitos Humanos e Defesa Coletiva, que eu ocupo. Nós temos a realização de cinco conferências regionais de promotoras e procuradoras de Justiça dos Ministérios

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Públicos Estaduais entre fevereiro, quando aconteceu a primeira em Manaus (AM), e junho, quando foi realizada a última em Porto Alegre (RS). Essas ações e esses projetos são necessários para que a questão de gênero interna do MP, que vive esta desigualdade, possa aqui dentro ser priorizada. Isso vai refletir certamente na busca também pela igualdade perante toda a sociedade que o MP tem a incumbência de defender. Também temos estas ações necessárias na questão de igualdade racial. E agora mesmo, entre os objetivos que o CNMP traçou para atuação em 2019, existe um objetivo nacional que é a questão do racismo institucional, que deve ser abordado por Grupos de Trabalho em todo o País. Eu concluo que o MP não tem nenhum óbice a desenvolver bem o seu papel por enfrentar uma realidade interna ainda de desigualdade. Ora, o MP está inserido dentro do contexto brasileiro. O contexto brasileiro é de desigualdade, o Brasil é um país desigual. Então, buscamos fortalecer o MP internamente para atingir este que é, inclusive, um objetivo de desenvolvimento sustentável da ONU constante na Agenda 2030 para o mundo. Equidade de gênero é proposta de desenvolvimento; proposta de avanço para caminharmos com dignidade para todas e todos; é proposta que afasta o quadro em que uma mulher, com a mesma atividade que um homem, tenha que ganhar menos que ele. Vejo eu, inclusive, que esta Secretaria de Direitos Humanos e Defesa Co-

Na solenidade de abertura do XIII Congresso do MPPE, Ivana Farina realizou a conferência O Ministério Público e a Mediação Social.


letiva – que foi criada junto à presidência do CNMP e que assessora a presidência para fazer um trabalho transversal com todas as comissões do Conselho – tem também ações que são importantes para a prevalência dos Direitos Humanos. Isso tudo mostra que o MP tem sabido enxergar os seus déficits e também se organizar para superávits. DFATO Que perspectivas o papel do recém-criado Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos pode ter na defesa de populações historicamente marginalizadas na sociedade brasileira? FARINA O Ministério dos Direitos Humanos – sem a atual abrangência de Mulher, Família e Direitos Humanos – existia, no Brasil, como um dos avanços que a de-

mocracia brasileira alcançou: ter um ministério distado dos Direitos Humanos. Com a mudança, quais perspectivas nós teremos para populações marginalizadas? Quando um ministério é criado, é preciso saber que ele está encarregado de desenvolver políticas públicas. E o MP tem como função institucional zelar pelo efetivo respeito dos poderes e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição. Portanto, é dever do poder público respeitar os direitos que são assegurados constitucionalmente: os Direitos Humanos, no Estado Brasileiro, são, sim, assegurados à nossa sociedade. A perspectiva que o MP tem é de que estará zelando para que o poder público tenha ações voltadas à garantia desses direi-

tos. As populações marginalizadas não terão garantidos os seus direitos se não forem alvos de política pública. O Ministério dos Direitos Humanos vinha trabalhando com programas de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, programas de proteção a defensores dos Direitos Humanos. Em um cenário em que defensores de Direitos Humanos e comunicadores estão sendo executados no País, se esta política de proteção, por exemplo, é cortada, esvaziada, estas populações marginalizadas por certo estarão desprovidas das garantias de seus direitos. Se políticas são alteradas em ações que traduzem retrocesso, o MP tem que buscar a retomada da garantia dos direitos, que é o dever do poder público.

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"SE POLÍTICAS SÃO ALTERADAS EM AÇÕES QUE TRADUZEM RETROCESSO, O MP TEM QUE BUSCAR A RETOMADA DA GARANTIA DOS DIREITOS, QUE É O DEVER DO PODER PÚBLICO."

DFATO O que é necessário para retomarmos a ideia central da defesa dos Direitos Humanos e desmitificarmos a ideia de que os Direitos Humanos são para “humanos direitos”? FARINA Retomar a ideia central de defesa dos Direitos Humanos significa dizer que nós podemos ter, no imaginário coletivo da sociedade brasileira, algumas situações manipuladas para dar enfoque diverso do que significa a prevalência dos Direitos Humanos. Eu prefiro dar exemplos. Quando eu ouço, e ouço com uma sequência histórica, que Direitos Humanos são direitos de bandidos, e vejo esta fala ser reproduzida, multiplicada, e ela começa a ser incorporada pela sociedade, eu estou vendo a ideia central de defesa dos Direitos Humanos abandonada. Quando eu ouço que Direitos Humanos são só para humanos direitos, quer dizer, não são para os humanos tortos, os humanos que erram, os que violam leis, eu também tenho a ideia central de defesa dos Direitos Humanos abandonada. Por quê? Porque a ideia central é da universalidade dos Direitos Humanos. Eles são para todos e para todas, por uma simples questão: porque são inerentes ao ser humano. Os Direitos Humanos são aqueles que, para você ter, basta você ser humano. Então educação em Direitos Humanos, debates, ações, o projeto como o CNMP fez, dos 70 anos da Declaração Universal, lançando um videoclipe com artistas voluntários, com a rapper Karol Conká, com a parti-

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cipação de Daniela Mercury, todos em atuação pro bono, pela causa... Isto é forma de permitir ao imaginário coletivo que tenha acesso a informações que traduzam a realidade e a ideia central de defesa e da essência dos Direitos Humanos. DFATO A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a comunidade internacional iniciou um movimento positivo em direção à garantia da universalidade dos direitos que promovem a dignidade de cada indivíduo. Hoje, o processo é de regressão, avaliam especialistas em Direitos Humanos. Como parte do MP, a senhora acredita que é necessária uma autocrítica por parte dos membros da instituição para questionar a parte que cabe ao MP neste processo, caso haja? FARINA O Brasil tem, nas suas relações internacionais, que trabalhar com a prevalência dos Direitos Humanos. Esse princípio tem o parâmetro do que nós chamamos de lei doméstica, que é a Constituição Federal do Brasil, e tem também o parâmetro de convencionalidade, que são as convenções internacionais de que o Brasil é parte signatária. Dentre os importantes pactos internacionais de Direitos Humanos está o Pacto de São José da Costa Rica, pelo qual, em matéria de Direitos Humanos, é vedado o retrocesso. Ora, eu volto então à minha fala inicial: o MP como tem como função a defesa do regime democrático. E se o regime democrático tem definidos funda-

Também durante o XIII CMPPE, Ivana Farina cedeu entrevista em audiovisual, disponível no site da AMPPE.


mentos, princípios e objetivos na Constituição Brasileira e se, além da Constituição Brasileira, nós temos as regras de tratados de que o País faz parte, como também regras a serem cumpridas, o que eu concluo? Que o MP, quando atua, atua para fiscalizar tudo isso. Portanto, se ele vai zelar pelo cumprimento da Constituição e das leis, e também dos tratados internacionais que incorporam a nossa Constituição, ele vai zelar por não permitir o retrocesso social. Esta questão é inerente ao papel constitucional do MP. DFATO No cenário de retrocesso atual, temos visto que há um entrave nas pautas ligadas aos Direitos Humanos, após um ciclo de uma agenda progressista nesse senti-

do, como consequência da Constituição de 1988. Aprovada após um longo período de ditadura, ela tem a democracia e a garantia de direitos como pilares fundamentais. Além da Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) também foi um marco importante da agenda progressista no campo de direitos. Como a senhora entende que o País voltará a fazer com que pautas ligadas à promoção dos Direitos Humanos tenham êxito novamente? Qual o papel do MP nesta causa? FARINA Mencionei há pouco o papel do MP na causa dos Direitos Humanos, conforme seu contorno constitucional. De outro lado, também realçamos aqui a questão da vedação do retrocesso social, prevista especificamente no Pacto de São José da Costa Rica. Nós temos visto o ajuizamento de algumas ações para garantir que esse retrocesso não aconteça. Recentemente, quando das eleições, nós tivemos o julgamento pelo Supremo de uma ADPS que tratava de buscar a garantia da autonomia universitária e da liberdade de expressão dentro do ambiente universitário, que é um ambiente educacional. Este ajuizamento aconteceu por parte do Ministério Público Federal, da Procuradoria-Geral da República, exatamente porque essas situações de violações estavam se repetindo no Brasil. Então, quando se tem uma ação de violação de direitos ou de retrocesso por parte do poder público, o Ministério Público, detendo as funções que aqui já foram explicitadas, tem instrumentos para agir e para que isso não ocorra. Os parâmetros serão sempre os legais, constitucionais. Caminhar para uma sociedade livre, justa, igualitária é, sim, objetivo desta nação e, necessariamente, do MP.

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CURTAS

SAÚDE Como já é tradição, a AMPPE realizou mais uma edição da sua Campanha de Vacinação contra a Gripe. Em parceria com a Clínica Vaccine, no dia 13 de abril abrimos as portas da associação para mais um mutirão de prevenção. Na foto, as corajosas irmãs Bia e Gabi mostraram que não têm medo de se vacinar.

EMPODERAMENTO Em março, considerado o mês da mulher, associadas participam de caminhada por direitos e pelo fim da violência machista no centro do Recife. Abaixo, parte do público que prestigiou a palestra sobre diversidade de gênero no MP, realizado no casarão da Benfica.

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DIVERSÃO Prezando sempre por atividades lúdicas e que estimulem a criatividade, a Colônia de Férias de Verão da associação fez com que as crianças pintassem o sete no casarão (literalmente). Nesta edição, foi vez de fazermos um mergulho pelo mundo das cores e das texturas. E, como prêmio do caça ao tesouro, nada mais justo do que uma “guerra” de pó colorido que fez a alegria da molecada.

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DISCUTA SEUS DIREITOS No mês de maio recebemos o Procurador da República Rodrigo Tenório para conversar com nossos associados sobre a Reforma da Previdência. Durante a palestra, o especialista no tema tirou dúvidas, trouxe exemplos e destrinchou as perspectivas do que poderá acontecer caso a reforma seja aprovada.

MEMÓRIA Durante a recepção aos novos associados, foi inaugurada a foto do ex-presidente da AMPPE Roberto Brayner na galeria dos presidentes da instituição. Na foto, o atual presidente da instituição, Marcos Carvalho, e seu antecessor em momento descontraído de comemoração.

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SAUDADE Sempre presente no dia a dia da associação, seja como 1º tesoureiro, seja prestigiando nossos eventos, o querido colega Romildo Ramos nos deixou em março deste ano. Aos 82 anos, o promotor de Justiça e advogado aposentado tinha como hobby jogar sinuca com os amigos aposentados na sede da AMPPE, onde ele também gostava de dar palhinhas como cantor nas festas. Essa última memória de Dr. Romildo, de certo, ficará guardada com carinho pelos colegas.

NOVOS PROMOTORES Em noite de festa, com direito a tradicional cerimônia de entrega dos broches, a AMPPE recepcionou mais uma turma de promotores de Justiça empossada em 2019. Desde já, a associação dá as boas-vindas aos colegas empossados em junho.


C A PA

O DIÁLOGO NA ESSÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO Retornando a Gravatá após 10 anos desde a última vez em que um congresso estadual foi realizado na cidade, a 13º edição do Congresso do Ministério Público de Pernambuco celebrou a diversidade de pensamentos e sua importância para o fortalecimento do Estado Democrático

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olarização de ideias, comunicação violenta, democracia fragilizada, fake news, autoritarismo, sociedade desacreditada nas instituições. Estas são algumas faces atuais de um Brasil que caminha lado a lado com o retrocesso, a passos rápidos e doloridos. O discurso, na maioria das vezes, é movido pelo ódio e não soma, apenas divide. Foi neste cenário que a 13ª edição do Congresso do Ministério Público de Pernambuco, realizada de 29 a 31 de maio de 2019, em Gravatá,

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no Agreste pernambucano, apostou no diálogo como força motora imprescindível para resgatar a essência do Ministério Público, a de instituição que zela, sobretudo, pela manutenção cada vez mais urgente da democracia. “Trazer a atenção dos membros do Ministério Público para a importância do diálogo no processo de consolidação do Estado democrático e para a necessidade de desenvolvermos e aprofundarmos a nossa capacidade de dialo-

Plateia à espera da abertua do XIII CMPPE, no auditório do Hotel Fazenda Portal de Gravatá.



"TRAZER A ATENÇÃO DOS MEMBROS DO MP PARA A IMPORTÂNCIA DO DIÁLOGO NO PROCESSO DE CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO FOI ESTRATÉGICO." PROMOTORA DE JUSTIÇA | Deluse Amaral

gar foi estratégico, fundamental. Somos uma instituição pública constitucionalmente vocacionada na defesa do regime democrático de direito, dos interesses sociais e individuais indisponíveis e não podemos exercer esta importante função sem despertarmos internamente a atenção para o exercício diário desta ferramenta, visando a criação de consensos possíveis, tanto internamente quanto externamente. O momento histórico vivenciado agora é crítico para a nação e para o MP brasileiro”, destaca Deluse Amaral, promotora de Justiça do MPPE e membra da comissão organizadora do congresso.

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Na solenidade de abertura, Marcos Carvalho, presidente da AMPPE, discursa.

PAINÉIS Nesta edição, o congresso propôs a discussão de temas que se fazem urgentes nos tempos atuais, como A subrepresentação dos grupos vulneráveis e o Ministério Público, que contou com a presença da Subprocuradora-Geral da República Ela Wiecko, do procurador do Trabalho Eduardo Varandas, da socióloga Liana Lewis e teve mediação do promotor Maxwell Vignoli. Deste modo, abriu espaço para o conhecimento acerca da luta das mulheres, da população negra e da comu-

AUDIOVISUAL Para assistir aos vídeos do XIII CMPPE, abra a câmera do seu celular e aponte para o símbolo do QR Code. Em alguns aparelhos pode ser necessário que a leitura seja feita através dos apps de reconhecimento de QR Code que já vêm nos celulares.


nidade LGBTQI+, com destaque para os alarmantes casos de transfobia no Brasil, que é o país que lidera as estatísticas de casos fatais ligados a este tipo de violência. Foi um rico e ao mesmo tempo alarmante debate que serviu para expor as feridas sangrentas de um Brasil que não esconde mais seu preconceito. “Como promotor de Justiça, militante em prol dos Direitos Humanos e homossexual assumido, vejo minha presença neste espaço como sendo muito importante. Importante não por se tratar de mim, mas pela representatividade do grupo social em que estou inserido. Abrir espaço para debater a luta dos grupos vulneráveis em um evento como este é imprescindível”, afirmou Maxwell Vignoli, mediador da mesa. “Somos em essência defensores dos grupos vulneráveis. Somos defensores dos Direitos Humanos, temos convicções políticas, ideológicas, religiosas pessoalmente diversas, mas no nosso atuar não podemos jamais esquecer que o estado é laico e que somos responsáveis pela construção do bem comum”, destacou Deluse, responsável pela organização da programação do evento.

da diversidade de pensamentos e da sua importância para o fortalecimento da instituição. Os temas institucionais como O Ministério Público resolutivo e o Estado democrático, A atuação dos órgãos de controle na prevenção dos atos de improbidade e O acordo de vontades no processo penal brasileiro prenderam a atenção do público formado tanto por veteranos, quanto por novatos da instituição. “Onde estão nossos planos de atuação? Onde estão nossos programas de atuação nos órgãos de execução? Nós temos programas debatidos com a sociedade? Fizemos um planejamento estratégico conversado com a comunidade e debatido internamente? Temos políticas institucionais? Não temos. Portanto a nossa atuação é espontaneísta. Cada promotor de Justiça é um Ministério Público!”, destacou Marcelo Goulart, que participou do painel O Ministério Público resolutivo e o Estado democrático.

Para além desta discussão, a programação do XIII CMPPE foi pensada principalmente para ser um espaço de diálogo e de celebração

A promotora de Justiça Deluse Amaral organizou a programação do evento.

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DEFESA DE TESES Incentivando a produção científica entre membros do Ministério Público e da academia, o congresso contou com espaço reservado para a apresentação das teses inscritas previamente. Foram doze no total. O público participou atento à sala de teses na quinta-feira, dia 30 de maio. Lembrando que todos os associados que tiveram teses aceitas e apresentadas no evento foram automaticamente contemplados com o pagamento da taxa de inscrição para o Congresso Nacional do MP, que será realizado em setembro deste ano, em Goiânia/GO.

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As promotoras de Justiça Selma Magda e Bianca Stella Barroso e o procurador de Justiça aposentado Geraldo Margela apresentam suas teses. (Em sentido horário.)


PROGRAMAÇÃO CULTURAL Como já é costume os congressos estaduais realizarem momentos culturais durante a programação, aproveitando o clima acolhedor e friozinho do Agreste pernambucano, na noite de abertura do XIII CMPPE, a cantora Erica Natuza, finalista do reality show The Voice Brasil realizou um show intimista com repertório que misturou músicas da MPB e clássicos internacionais, proporcionando um fim de noite agradável a todos os presentes. Realizando uma homenagem ao querido colega Romildo Ramos, falecido em março deste ano, o grupo de canto do IMPPE abrilhantou uma das noites culturais trazendo um repertório com músicas preferidas do homenageado. E, como o clima junino já estava no ar, nada mais justo do que levar o tradicional Arraial da AMPPE para o Hotel Fazenda Portal de Gravatá. A festa junina encerrou o XIII CMPPE com a banda Os Lampiões e a Maria Bonita, que tem como vocalista o associado Diego Reis. E, para fechar mais uma edição do nosso congresso estadual, Irah Caldeira nos presenteou com o seu show, que de tão empolgante teve até quadrilha e ciranda.


Cantora Érica Natuza durante o coquetel de abertura do congresso.

Os LampiĂľes e a Maria Bonita no Arraial da AMPPE.

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Associados durante momento de lazer no congresso.

Grupo de canto do IMPPE faz homenagem pรณstuma ao colega Romildo Ramos.

Associados prestigiam momento cultural do congresso.

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REUNIÃO DE MULHERES DO MPPE Durante a edição do congresso em que a paridade de gênero teve mais atenção por parte da organização do evento - que garantiu que todas os painéis contassem com a presença feminina, além da conferência de abertura do evento, que foi realizada pela procuradora de Justiça de Goiás Ivana Farina -, foi formalizada a criação do Coletivo de Mulheres do Ministério Público de Pernambuco. O coletivo tem por objetivo acompanhar os entraves e as dificuldades das mulheres do MPPE, desde o ingresso nas suas carreiras, sugerindo ações afirmativas e políticas institucionais para assegurar a igualdade de gênero. Estimula-se a participação ativa das mulheres em cargos de liderança e na política interna do MP e busca-se garantir a sua segurança pessoal e integridade física e moral, principalmente através do combate a práticas e condutas misóginas/machistas e ao assédio moral e sexual, dentre outras medidas. Além disso, o Coletivo MMPPE visa desenvolver e fomentar debates, seminários, cursos, eventos, congressos, grupos de estudo e de trabalho, pesquisas e premiações por boas práticas relacionadas aos objetivos e princípios do Coletivo, além de estimular a criação de projetos institucionais que visem à promoção da igualdade de gênero na sociedade, bem como o combate das diversas formas de violência contra a mulher, inclusive mediante articulação com a sociedade civil.

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As promotoras de Justiça Izamar Ciríaco e Camila Mendes em reunião do Coletivo MMPPE.


MINISTRO OG FERNANDES ENCERRA O CONGRESSO Convidado para realizar a conferência de encerramento desta edição do Congresso do Ministério Público de Pernambuco, o ministro do STJ e do TSE Og Fernandes optou por trazer para discussão um tema bastante atual no cenário em que vivemos, que é o papel do jornalismo e as influências das fake news no meio jurídico. Ele destacou os cuidados que deve-se tomar quando o assunto é comunicação e redes sociais. Após a fala do ministro, foi a vez dos congressistas se reunirem na sessão plenária que deu origem à Carta de Gravatá - documento que reuniu informações sobre o que foi deliberado durante o evento.


LANÇAMENTO DA REVISTA JURÍDICA – EDIÇÃO ESPECIAL

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proveitando o momento em que discutir Direitos Humanos se faz urgente, durante o XIII CMPPE foi realizado o lançamento da edição especial da Revista Jurídica da AMPPE, que celebrou os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Com o tema O papel do Ministério Público na Defesa dos Direitos Humanos, foram reunidos para uma tiragem de 600 exemplares, 12 artigos desenvolvidos por promotores de Justiça e acadêmicos. Esta edição extraordinária da Jurídica foi idealizada e coordenada pelo promotor de Justiça Salomão Ismail Filho. A Comissão Editorial foi presidida por Geraldo Margela Correia e composta ainda por Salomão Ismail Filho, Selma Magda Pereira Barreto, Deluse Amaral Rolim Florentino e Eduardo Borba Lessa. “A edição especial da Revista Jurídica da AMPPE sobre os 70 anos da DUDH foi um marco importante se

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tratando deste material que tem a proposta de incentivar a cultura acadêmica no MP. Não poderíamos deixar de falar sobre o tema Direitos Humanos, que está indiscutivelmente ligado ao Ministério Público. A DUDH é um marco de afirmação desses direitos essenciais da pessoa humana. Então, a revista teve essa missão de celebrar os 70 anos da declaração, trazendo temas que enfatizam a relação entre o MP e os Direitos Humanos”, afirmou Salomão Ismail.


Da esquerda para a direita: O organizador da Revista Jurídica e promotor Salomão Ismail, a escritora e pesquisadora Ana Helena Ithamar Passos, o presidente da AMPPE, Marcos Carvalho, e a vice-presidenta, Ivana Botelho.

"A REVISTA TEVE ESSA MISSÃO DE CELEBRAR OS 70 ANOS DA DECLARAÇÃO, TRAZENDO TEMAS QUE ENFATIZAM A RELAÇÃO ENTRE O MP E OS DIREITOS HUMANOS." COORDENADOR DA REVISTA JURÍDICA | Salomão Ismail

Por se tratar de uma edição especial, a revista trouxe em sua capa uma ilustração feita pela estudante de Design da UFPE Ana Rita Moraes, que buscou através dos seus traços retratar a diversidade, fazendo alusão ao fato de que todos somos iguais perante a lei, ainda que sejamos diferentes em cor, raça, credo, etc. Ainda sobre a ilustração, quem olhar com atenção a capa desta edição da Jurídica encontrará o desenho dos rostos de alguns personagens mundialmente conhecidos na luta em defesa dos Direitos Humanos, como Malala Yousafzai, Gandhi e Martin Luther King, além da vereadora Marielle Franco, assassinada em 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro.

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ARTIGO

QUAIS OS DIREITOS NÃO SERIAM HUMANOS? POR Maxwell Vignoli

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onsiderando uma compreensão ampla, quais os direitos não seriam Direitos Humanos? Ou se a própria constituição do nome “Direitos” não pressupunha algo humano? Mas a ênfase de inclusão do adjetivo “humano” ao substantivo “direito”, esses dois termos agregados e referidos na Revolução Francesa, remontam a um momento anterior mesmo sem essa nomenclatura. De uma maneira bem simples e sob uma perspectiva, esses Direitos Humanos protegem os cidadãos (incluindo, por óbvio, nesse grupo, quem exerce a função de Membro do Ministério Público) dos arbítrios de outras pessoas que ocupam a função de representar o Estado, assim como, essas últimas pessoas são obrigadas a garantir direitos essenciais para a existência dos cidadãos.

“memes” e mensagens falsas nas redes sociais e aplicativos de comunicação como o Whatsapp são o estopim para uma jornada em que cada uma daquelas pessoas se vanglorie, num ato de pseudo-heroísmo, tomando como substrato o devaneio de assumirem o lado do opressor-violento mascarado de salvador. É o alvo indo de encontro a seta e, pior, acreditando-se seta.

Uma diversidade de cidadãos compõem essa sociedade a qual se mostra oportuna à propagação de pensamentos violentos e fascistas. O terreno brasileiro, com a sua escravocracia e serviência, é fértil para esse tipo de situação. Parte das pessoas são conduzidas pelo senso comum e superficial a solucionar problemas muito complexos, e informações divulgadas em

Desde o exercício ministerial na área do direito de família até a atuação na persecução penal, em todas as áreas os membros do MP são defensores dos Direitos Humanos. Mas essa condição, equivocadamente, parece que ficou relegada a nichos específicos das chamadas “promotorias de cidadania”, ou mais restrito ainda às “promotorias de Direitos Humanos”, que, pela

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Inseridos nesse contexto, assumir a condição de promotor de Justiça defensor dos Direitos Humanos tornou-se, inimaginavelmente, algo subversivo. Como se todos os Membros do MP não tivéssemos jurado cumprir uma Constituição alicerçada nos Direitos Humanos, seja no exercício das atribuições de cidadania, cíveis e/ou criminais.

MAXWELL VIGNOLI é promotor de Justiça com atuação na área dos Direitos Humanos.


"OS DIREITOS HUMANOS PROTEGEM OS CIDADÃOS DOS ARBÍTRIOS DE OUTRAS PESSOAS QUE OCUPAM A FUNÇÃO DE REPRESENTAR O ESTADO, ASSIM COMO, ESSAS ÚLTIMAS PESSOAS SÃO OBRIGADAS A GARANTIR DIREITOS ESSENCIAIS PARA A EXISTÊNCIA DOS CIDADÃOS." definição e especificação do nome, conferiu um local, à primeira vista, único onde o direito humano deve existir, causando a percepção equivocada de que promotores que não são da promotoria de Direitos Humanos, não teriam a obrigação de defendê-los. Um exemplo disso é a crítica a alguns promotores garantistas. Ora, com a devida licença e respeito ao debate teórico entre esse conceito e o de punitivista, “promotor garantista” é um pleonasmo, afinal os promotores criminais juraram cumprir os Direitos Humanos, a exemplo: do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, decorrentes do princípio da inocência, previstos na Constituição. Assegurar a defesa da Constituição e dos direitos fundamentais exige modernidade na investigação cível e, muito mais, na persecução penal, sob pena de, a todo custo e justificando os meios pelos fins, suplantar garantias e utilizar-se do sistema, mesmo que inconscientemente, para oprimir sempre a favor de pensamentos autoritários e, usando o termo da pergunta, fascista. Como diria o poeta e dramaturgo branco alemão Bertolt Brecht: “a cadela do fascismo anda sempre no cio”. A filósofa branca alemã judia, Hanna Arendt, em estudo biográfico de Bertolt Brecht no livro Homens em tempos sombrios, analisa que, Bertolt, como poeta, “isto é, alguém que tem de dizer o indizível, que não consegue ficar

quieto nas ocasiões em que todos estão quietos e portanto deve ter cuidado em não falar demais sobre coisas de que todos falam”, ele, exilado em vários países, expressou as catástrofes da época em que viveu e como alerta e presságio a nosso momento atual apresentou os seguintes versos, tão atuais e tão necessários para fortalecer a nossa condição de Membros do Ministério Público, defensor dos Direitos Humanos. “Comi entre Batalhas, dormi entre assassinos, era descuidado no amor e olhava impaciente a natureza. Assim passou o tempo que me foi dado na terra. Quando vivi, a rua levava ao pântano. A fala me denunciava ao carniceiro. Pouco poderia fazer. Mas, esperava, os governantes ficavam mais seguros sem mim. Assim passou o tempo que me foi dado na terra. (...) vocês que emergirão da torrente em que nos afogamos, lembrem-se, ao falar de nossa fraqueza, do tempo sombrio a que escaparam. (...) Aí, nós que queríamos preparar o terreno para a bondade não poderíamos ser bons. (...) lembrem-se de nós com indulgência.” Se restar tempo que nos foi dado na terra, em honra a tantos torturados, oprimidos e mortos por defender ideais, possamos ainda fazer bem mais.

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DUDH 70 ANOS

DIREITOS HUMANOS ACIMA DE TUDO, DEMOCRACIA ACIMA DE TODOS Não há como dissociar. A garantia dos Direitos Humanos é um dos pré-requisitos para que um Estado seja considerado Democrático de Direito. E também não há como questionar, embora muitos ainda o façam: direitos são… direitos, e não privilégios.

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m um país cuja jovem democracia é bastante frágil, redescobrir e fazer valer o que são os Direitos Humanos se faz cada vez mais necessário e urgente. “Direitos Humanos são para humanos direitos”. “Bandido bom é bandido morto”. “Lá vem esse pessoal dos Direitos Humanos defender bandido”. Basta um descuido nosso diante da TV enquanto são exibidos os chamados “programas policiais” para que algumas ou todas estas frases sejam disparadas sobre nós. Discursos rasos e simplistas, que representam bem um

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país em que a desigualdade social cada vez mais impera. Nesse mesmo país, enquanto bolhas sociais impedem algumas pessoas de verem seus iguais como seres humanos, dignos de direitos; outra parcela da população briga pelo reconhecimento e pelo direito à humanidade, ganhando de imediato a antipatia de quem não concorda que pobre, preto e gay, por exemplo, sejam dignos de direitos. Ter um lar, ter o que comer, ter o que vestir, ter saneamento básico, ter energia elétrica. Ter acesso à educação, à internet, ao trans-


porte, ainda que público e ineficiente por vezes. Ter uma família estruturada, com mãe e pai não só existentes, mas presentes (segundo o IBGE, mais de 80% das crianças têm como primeiro responsável uma mulher e 5,5 milhões não têm o nome do pai no registro de nascimento). Tudo isso não deveria ser considerado privilégio, mas em um dos países mais desiguais do mundo é. E é neste cenário que os Direitos Humanos - que são direitos básicos que deveriam ser garantidos a todos os seres humanos, sem distinção de cor, credo, gênero ou classe - nunca fizeram sentido para muita gente no Brasil. Longe disso, além de não contemplarem grande parte dos nossos cidadãos, os Direitos Humanos têm sido feitos de vilões, como se representassem pessoas e/ ou partidos políticos específicos e até agissem contra o povo. Mas quando foi que esses direitos inseridos na nossa Constituição Federal de 1988 tornaram-se “coisa de quem defende bandido”?

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ENTREVISTA MARCO MONDAINI C

onversando com o historiador e professor do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFPE e especialista em Direitos Humanos Marco Mondaini, a reportagem da DFato buscou resgatar o que de fato são os Direitos Humanos, e por que é tão importante a defesa desses direitos. DFATO Como é possível reverter a imagem negativa que foi criada dos Direitos Humanos? MARCO MONDAINI Talvez fazendo valer esses direitos que existem só formalmente. Tudo isso está previsto na Constituição Federal: direito à habitação, direito ao trabalho, direito à saúde… se as pessoas realmente tivessem direito a essas coisas. Isso acaba estabelecendo um curto circuito. As pessoas se perguntam “Como assim Direitos Humanos? Eu não tenho acesso a isso”. Talvez se as pessoas fossem tocadas mais diretamente por estes direitos elas tivessem o que defender. Um dos caminhos é este. O outro é a educação. DFATO E historicamente falando, quando começou essa confusão

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em torno das pautas progressistas/humanistas ligadas aos Direitos Humanos? MONDAINI Quando termina a ditadura no Brasil, temos o discurso da insegurança, do medo, que repercute e amplifica a insegurança real. Então, enquanto o discurso do campo progressista é a defesa dos direitos, o discurso dos conservadores sempre foi o do medo, da crise, que é favorável e abre espaço para decisões autoritárias. As pessoas desesperadas como estão agora e como estavam naquela época, com esse discurso de que existe uma corrupção generalizada no País, de que nada funciona, de que os bandidos estão tomando conta de tudo… esse discurso abre espaço para salvadores da pátria, para mitos. E aí surge uma ideia equivocada de que a própria instituição família estaria sendo ameaçada por conta do avanço da discussão dos direitos de LGBTs, das mulheres; e tudo isso seria um empecilho para a realização dos desígnios divinos sobre a família. Tudo isso carregado de muito preconceito e falta de informação, é claro. O

Marco Mondaini é professor do Departamento de Serviço Social da UFPE.

que estamos vivendo hoje no Brasil é a reunião do que existe de mais tosco e atrasado em termos políticos, que são os interesses mais mesquinhos do capitalismo com os interesses mais retrógrados do campo religioso e também dos setores mais violentos militares e paramilitares do aparato coercitivo existente no Brasil. Dessa reunião a gente não pode esperar outra coisa senão um novo período de recesso dos Direitos Humanos no Brasil. DFATO Quando o discurso dos Direitos Humanos chegou ao Brasil e de que forma ele foi modificado pelos detentores do poder? MONDAINI A narrativa dos Direitos Humanos chega ao Brasil nos anos 1970 para fazer crítica às violações


cometidas no decorrer da ditadura de 1964. A resposta autoritária e conservadora foi exatamente essa de tentar mostrar - numa tentativa bem-sucedida - que as campanhas de Direitos Humanos defendiam presos. Taí a origem dos Direitos Humanos como direitos de bandidos. Foi exatamente nesse momento dos anos 1970 para os 1980 que isso começou a ser difundido. Em 1982, voltam a ocorrer eleições diretas para governador e aí o Rio de Janeiro elege Brizola; São Paulo elege Franco Montoro; e, em Minas Gerais, Tancredo Neves. No Rio e em São Paulo os governadores fizeram uma política de segurança pública na tentativa de desarticular os aparatos repressivos, criminosos onde as polícias militares e civis tinham um papel fundamental. E aí começam a avançar essa ideia de que Brizola, por exemplo, estava defendendo bandido e que a polícia estava desautorizada a subir na favela pra caçar bandido. É a origem de uma associação equivocada que está aí até hoje, foi ficando. É um reducionismo que acabou se afirmando por causa da mídia principal-

"O QUE ESTAMOS VIVENDO HOJE NO BRASIL É A REUNIÃO DO QUE EXISTE DE MAIS TOSCO E ATRASADO EM TERMOS POLÍTICOS."

mente. As pessoas acham que realmente os Direitos Humanos são favoráveis à criminalidade, então isso foi uma derrota da luta de quem clama por democracia e pelo direito à vida. É difícil convencer as pessoas de que os direitos são favoráveis a elas. DFATO E, nos dias atuais, como você analisa esse processo que busca anular a credibilidade das pautas mais humanistas/progressistas? MONDAINI O cenário é de síntese entre a selvageria do capitalismo brasileiro, a selvageria da repressão e coerção - a movimentos sociais, principalmente ao MTST, MST - e isso vai chegar à universidade pública, de onde eu falo, porque este é um movimento anti-intelectualista, ou seja, tudo aquilo

que faz pensar e tudo o que constrói um pensamento crítico vai ser alvo. E conta ainda com o apoio do aparato coercitivo, das milícias e do discurso tacanho das igrejas neopentecostais, de apresentar uma ideia ultraconservadora do que seja família, tudo isso recorrendo a mentiras. E não há como lidar com isso no campo dos argumentos. Como você vai argumentar com alguém que diz que é “contra a educação sexual porque as crianças vão sair por aí um apertando o peito da outra”, como fez o Olavo de Carvalho? Como falar sério com quem acredita na existência de um Kit Gay que ensina crianças a serem homossexuais, como se isso fosse possível de ser ensinado? Como alguém argumenta contra isso?

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70 ANOS DA DUDH: VOCÊ SABE POR QUE ELA FOI CRIADA? Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é o documento mais traduzido do mundo. Criada para definir os direitos de todos: direito à vida, à justiça, à educação, à segurança, ela traz o propósito declarado de ser uma carta de direitos internacional, ou o que mais próximo haveria de uma constituição internacional. Mas, para entender a importância deste documento e como o seu conteúdo se faz urgente desde os anos de 1940 até os dias de hoje, é preciso perceber o que levou a sua criação baseado também na concepção e no amadurecimento da ideia de Direitos Humanos. Se voltarmos no tempo, mais precisamente há cerca de 804 anos, teremos que, apesar das atrocidades cometidas pela inquisição, a Magna Carta (1226) marcou o mundo ao conceber conceitos de direitos básicos que prevalecem até nossos dias. O texto ultrapassou as fronteiras inglesas e se transformou em fonte de inspiração para a idealização de documentos, dentre eles as constituições de vários países. Séculos mais tarde vieram as declarações dos direitos do homem e do cidadão - com a Revolução Francesa - e tais ideais foram consolidados. A Constituição Mexicana de 1917, por exemplo, proclamou os

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direitos do trabalhador. A Revolução Russa trouxe à luz a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918). Ultrapassado o ideal liberalista no século passado, surgiu a ideia dos direitos sociais, pois já não bastava o Estado de Direito: era necessário um Estado Social de Direito. Essas aspirações estiveram presentes na proclamação das quatros liberdades de Roosevelt em 1941 (a liberdade de palavra e expressão, a liberdade de culto, a liberdade de não passar necessidade, e a liberdade de não sentir medo). Depois, vieram a Declaração das Nações Unidas (1942), e as Declarações das Conferência de Moscou (1943) e de São Francisco (1945), culminando com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Na tentativa de fazer valer o texto da DUDH, a ONU, desde 1993, conta com uma entidade responsável por promover, coordenar, fortalecer e disseminar os Direitos Humanos. O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos conta com escritórios e centros regionais, escritórios de países e diversas assessoras e assessores lotados no mundo inteiro, que trabalham ao lado de organizações da sociedade civil para apoiar governos no cumprimento de suas obrigações internacionais de Direitos Humanos e no fortalecimento no tra-

Eleanor Roosevelt e a Declaração de Direitos Humanos.


balho das equipes de país da ONU em temas de Direitos Humanos.

sil em Direitos Humanos, aparecem problemas como:

BRASIL No Brasil, os Direitos Humanos tornaram-se um compromisso do Governo Federal e hoje são conduzidos como uma política pública. Entretanto, décadas após a instauração da nova Constituição, ainda existem muitas dificuldades em tirar esses princípios do papel e os números das pesquisas comprovam dia após dia que o Brasil vive em um estado permanente de violação de Direitos Humanos.

• a alta taxa de homicídios no País, sobretudo de jovens negros; • os abusos policiais e as execuções extrajudiciais, cometidas por policiais em operações formais ou paralelas, em grupos de extermínio ou milícias; • a crítica situação do sistema prisional; • a vulnerabilidade dos defensores de Direitos Humanos, principalmente em áreas rurais; • a violência sofrida pela população indígena, sobretudo pelas falhas em políticas de demarcação de terras; e • as várias formas de violência contra as mulheres.

O relatório Estado dos Direitos Humanos no Mundo, organizado pela Anistia Internacional, mostra que, entre as principais falhas do Bra-

FALA PROMOTORA QUAL O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS NOS DIAS ATUAIS? Os avanços obtidos ao longo dos últimos anos, como as cotas em universidades, a Lei Maria da Penha, o estado laico e a garantia dos direitos LGBTS, entre tantos outros, estão sendo gravemente ameaçados por uma agenda conservadora e de retrocesso que ataca essas conquistas, agravada pela retirada sucessiva de direitos sociais dos trabalhadores, como a CLT e a Reforma da Previdência em discussão no Congresso Nacional. Neste contexto, é fundamental que o MP cumpra seu papel constitucional e enfrente o tema no interior da Instituição, a fim de construir uma agenda de divulgação e defesa perante a sociedade dos direitos à educação, saúde, moradia, meio ambiente, das mulheres, negros, LGBTS, da população carcerária, entre outros igualmente essenciais.

O papel constitucional do Ministério Público é claro e não comporta interpretação diversa: defesa do regime democrático, da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Para defender o estado democrático de direito e os interesses sociais, neste momento de crescimento de um pensamento fascista e violento em setores da esfera política e da sociedade, é fundamental que o Promotor de Justiça garanta o respeito pleno à Constituição da República e à aplicação das normas jurídicas postas. Não cabe aos membros do MP ilações ou convicções acerca de normas legais historicamente construídas e fundadas na nossa Lei Maior. Assim, nosso papel é simples: exercer nossas funções institucionais pautados na Constituição e na lei, ainda que alguns, pessoalmente, a considerem ultrapassada ou inadequada. Qualquer atuação diferente disso poderá contribuir para a desregulamentação do ordenamento jurídico e dos direitos sociais, tornando cada vez mais sem sentido a própria existência do Ministério Público nos moldes concebidos pela CF 88. Bettina Guedes, promotora de Justiça do MPPE aposentada

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ARTIGO

O DEVER ESTATAL DE GARANTIA DO PLURALISMO SOCIAL POR Domingos Sávio Pereira Agra

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Constituição brasileira, que juramos defender, foi promulgada para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, afirmando-se ainda promulgada “sob a proteção de Deus” (Preâmbulo da Constituição). São objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre outros: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (…) IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (artigo 3º da Constituição Federal). O artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a invio-

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labilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, nos termos em que dispõe. Os dispositivos mencionados sustentam o direito da sociedade a um Estado que não se submeta a qualquer tipo de discriminação, mas antes seja garantidor de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. “(...) A periculosidade dos preconceitos coletivos depende do fato de que muitos conflitos entre grupos, que podem até mesmo degenerar na violência, derivam do modo distorcido com que um grupo social julga o outro, gerando incompreensão, rivalidade, inimizade, desprezo e escárnio. Geralmente esse juízo distorcido é recíproco (...). A consequência principal do preconceito de grupo é a discriminação. (...) uma diferenciação injusta ou ilegítima. (...) os preconceitos nascem na cabeça dos homens. Por isso, é preciso combatê-los na cabeça dos homens, isto é, com o desenvolvimento das consciências e, portanto, com a educação, mediante a luta incessante contra toda forma de sectarismo. (...)

DOMINGOS SÁVIO PEREIRA AGRA é 2º Promotor de Justiça de Defesa da Cidadania de Garanhuns.


"A SOCIEDADE TEM DIREITO A UM ESTADO QUE NÃO SE SUBMETA A QUALQUER TIPO DE DISCRIMINAÇÃO, MAS ANTES SEJA GARANTIDOR DE UMA SOCIEDADE FRATERNA, PLURALISTA E SEM PRECONCEITOS."

creio que a democracia pode servir também para isto: a democracia, vale dizer, uma sociedade em que as opiniões são livres e portanto são forçadas a se chocar, e, ao se chocarem, acabam por se depurar. Para se libertarem dos preconceitos, os homens precisam antes de tudo viver numa sociedade livre.” (Bobbio, Norberto, 1909-2004. Elogio da serenidade e outros escritos morais/tradução de Marco Aurélio Nogueira, - 2ª edição – São Paulo : Editora Unesp, 2011, páginas 103-118). No tocante à discriminação da população homoafetiva, a Nota Técnica nº 8, de 15/3/2016, do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, pontua: “A ciência não possui definição sobre por que pessoas possuem orientação sexual e de gênero diversa daquelas pelas quais são biologicamente reconhecidas. O fato é que tais pessoas existem e são fortemente marginalizadas nas relações sociais” (...) “Um dos direitos a serem tutelados pelo Estado é a igualdade e a proscrição de toda e qualquer forma de discriminação, prevista no art. 3º, inciso IV, e no art. 5º, caput, e inciso XLI, ambos da CF/1988” (...).

É ilegítima do ponto de vista jurídico e ineficaz sob o aspecto social qualquer pretensão do Estado que vise a impor uma suposta unidade em qualquer campo da vida social – político, cultural, artístico religioso, moral – dado o princípio constitucional referido e a reconhecida complexidade e diversidade de concepções na sociedade atual, diversidade inclusive no interior de um mesmo grupo político, cultural ou religioso. Algumas vezes, o Estado insiste em albergar pretensões baseadas no preconceito e na discriminação, adotando conduta que não encontra amparo nos critérios discricionários de conveniência e oportunidade, pois ultrapassa os limites do ordenamento jurídico. Nessas situações, ainda que tenhamos que adotar posição “de caráter nitidamente contramajoritário” (Ministro Celso de Mello em 1º/07/2011, no RE 477554), a ação civil pública pode ser manejada pelo Ministério Público, para exigir do Estado e de seus representantes o cumprimento do dever de garantidores do direito difuso a uma sociedade justa, pluralista, fraterna e sem preconceitos.

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CAIAQUE

POR ENTRE AS ÁGUAS DO VELHO CHICO T

odo nordestino é um pouco bairrista e tem pelo menos um pequeno ou grande orgulho de sua terra para carregar por onde vai. E, quando o assunto é beleza natural, então, parece até que foram os homens e as mulheres do Nordeste que fizeram com suas próprias mãos as mais belas praias, os açudes mais refrescantes e os rios mais fortes deste País. Falando em rio, tudo bem que este não é um privilégio apenas de quem vive na parte de cá do Brasil, mas o apelido carinhoso de Velho Chico e a relação mais que especial para com este imenso caminho d’água é, em boa parte, muito nosso.

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Promotor durante expedição no rio São Francisco.


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"O QUE MAIS ME MARCOU NESSAS EXPEDIÇÕES FOI A GRANDIOSIDADE DO NOSSO RIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL: SUAS MÚLTIPLAS FRONTEIRAS, SUAS MARGENS, A DIVERSIDADE DE SUA VEGETAÇÃO CILIAR, SUAS CIDADES RIBEIRINHAS, SEUS CÂNIONS E O QUE É DE MAIS VALOROSO: SUA GENTE." PROMOTOR DE JUSTIÇA | Júlio César Soares

Para contar uma história de aventura pelas águas do Velho Chico, este gigante de cerca de 2.800 km de extensão (tamanho da bacia hidrográfica do São Francisco, da qual o rio faz parte), a Dfato entrevistou o promotor de Justiça e morador da cidade de Petrolina Júlio César Soares, que, por viver próximo ao São Francisco, descobriu um hobby que acabou se tornando uma prática de família: a canoagem.

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O prática de remar pelo Velho Chico de caiaque não é das mais fáceis. Envolve preparo físico, psicológico, conhecimento prévio do roteiro a ser feito, coragem e muita disposição. Mas o promotor garante: é muito satisfatório. E é justamente por isso que ele tem realizado aos poucos a façanha de remar toda a parte navegável do médio, submédio e baixo São Francisco, indo de Pirapora, em Minas Gerais, até a foz, em Piaçabuçu, Alagoas. São

Excursão de caiaque pelo Delta do Parnaíba, entre os estados do Maranhão e o Piauí.


Pela perspectiva do caiaque, vista da igreja submersa em Petrolândia.


Selfie com ribeirinhos durante expedição no médio São Francisco.

quase 2 mil km de remo e um sonho que Soares está perto de realizar por inteiro. Desde fevereiro de 2015, ele vem colocando o caiaque nas águas do São Francisco, muitas vezes acompanhado pelo filho André. A primeira etapa deste desafio contou com a ida da Hidrelétrica de Paulo Afonso até a foz do Velho Chico, na cidade alagoana de Piaçabuçu. Quase 300 km de remada. Em dezembro do mesmo ano veio a segunda etapa: junto a um amigo, o promotor remou o trecho de Vermelhos, distrito da cidade de San-

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ta Maria da Boa Vista/PE até a cidade de Rodelas/BA, num percurso de quase 250 km. Em 2016, mais uma fase foi vencida: ele fez o percurso da Hidrelétrica de Sobradinho/BA até o Balneário de Pedrinhas, em Petrolina/ PE, somando mais 60 km de remo. No ano passado, fazendo parte de um grupo de canoístas do Recife e de Juazeiro/BA, foi realizado um trecho do médio São Francisco, que foi de Bom Jesus da Lapa até Xique-Xique, com mais 350 km de remada e com muito vento contra, o que torna tudo ainda mais difícil, conta o canoísta.

"APESAR DE EU NUNCA TER TRABALHADO NA PJ DO MEIO AMBIENTE, A EXUBERÂNCIA DO RIO SÃO FRANCISCO SEMPRE ME FASCINOU, COMO TAMBÉM A PREOCUPAÇÃO PELA SUA PRESERVAÇÃO E RECUPERAÇÃO CHAMAM MINHA ATENÇÃO." PROMOTOR DE JUSTIÇA | Júlio César Soares

CURIOSIDADES SOBRE O VELHO CHICO 1. O explorador italiano Américo Vespúcio foi quem deu o nome de São Francisco ao rio, pois foi em 4 outubro de 1501, dia do santo em questão, que Vespúcio foi enviado para fazer o reconhecimento do interior do Brasil e acabou se deparando com o Velho Chico. 2. O Velho Chico nasce na serra da Canastra, em Minas Gerais, e cresce até desaguar no oceano Atlântico. Neste trajeto, ele atravessa 521 municípios brasileiros ao passar por Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. 3. O São Francisco é o principal rio da bacia hidrográfica do São Francisco, mas existem outros rios afluentes nela como: Abaeté, das Velhas, Paraopeba, Jequitaí, Paracatu, Verde Grande, Urucuia, Carinhanha, Corrente e Grande. 4. Devido a sua força e volume de água, o Velho Chico comporta em sua extensão as hidrelétricas Paulo Afonso (BA), Três Marias (MG), Xingó (AL/SE), Sobradinho (BA/PE) e Itaparica (PE). 5. O extensão do São Francisco é quase equivalente à distância entre São Paulo/SP e João Pessoa/PB, cerca de 2.800 km.

6. A bacia contempla fragmentos dos biomas Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica. 7. O São Francisco é um rio perene, ou seja, ele nunca seca. Contudo, em tempos de estiagem, ocorre normalmente a diminuição do seu volume de água.

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CONFIRA A ENTREVISTA COM O PROMOTOR JÚLIO CÉSAR SOARES DFATO Como surgiu o seu interesse pela canoagem? JÚLIO CÉSAR SOARES Apesar de eu nunca ter trabalhado especificamente na PJ do Meio Ambiente, a exuberância do rio São Francisco sempre me fascinou, como também, a preocupação pela sua recuperação e preservação sempre chamaram a minha atenção. Eu costumava dizer que o rio São Francisco era o meu quintal, embora eu não aproveitasse as suas belezas como eu desejava, mesmo morando tão perto. Foi aí que, em sociedade com amigos, resolvi comprar uma lancha. Não foi a escolha correta porque nos passeios com a lancha quase nunca era possível contemplar o rio, suas margens e o que eles tem de mais belo, que são os detalhes. Resolvi então, após assistir a um programa esportivo, vender a minha parte na lancha e comprar os meus primeiros caiaques, com o objetivo de curtir o rio em seus detalhes, com maiores ganhos, inclusive, para a saúde e, ainda, com a finalidade de reunir a família em torno de uma atividade física coletiva. DFATO Nas suas experiências navegando pelo Velho Chico, o que mais lhe marcou até agora? SOARES O mais impressionante, o que mais me marcou, sem dúvi-

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das, foi a grandiosidade do nosso rio da integração nacional: suas múltiplas fronteiras, suas margens, a diversidade de sua vegetação ciliar, suas cidades ribeirinhas, seus cânions e o que é de mais valoroso: sua gente. Os beradeiros, os ribeirinhos, são uma atração à parte nessas aventuras. Fazemos expedições autônomas, o que nos obriga a aportar, após a meta de navegação diária, em diversas cidades e aí podemos experimentar a riqueza cultural de cada canto, o carinho e hospitalidade do seu povo. Tem sempre alguém que oferece um local para armar a barraca ou a rede, que se oferece para fazer comida, que reza por nós, que se admira com os caiaques. Tem sempre quem nos dê conselhos para seguirmos o resto da viagem; e o mais engraçado, sempre aparecem os que, após saberem de nossa aventura, nos chamam de loucos. É por essas razões que eu posso afirmar que o mais pitoresco e marcante é o contato com o povo que vive e sobrevive do que o Velho Chico lhe permite, pois, apesar do sofrimento, é um povo sempre feliz e disposto a distribuir felicidade. DFATO Tem algum episódio curioso? Já passaram por algum perrengue durante as expedições?

Durante expedição pelo baixo São Francisco, em 2015.

SOARES Um episódio específico que eu poderia destacar e que me marcou para sempre ocorreu em minha primeira expedição, na remada da Hidrelétrica de Paulo Afonso até a foz do rio, em Piaçabuçu. No último dia da expedição saímos cedo para conhecer a foz. Quando avistamos a Boca da Barra, entre a Praia do Peba/AL e Brejo Grande/SE, eu e meu filho André (que contava à época 14 anos de idade), certamente, extasiados pela beleza do encontro do rio São Francisco com o mar, acabamos menosprezando a força das águas e resolvemos adentrar a arrebentação para pegarmos ondas nos caiaques. O problema foi que, mesmo adotando as regras de segurança, as ondas acabaram virando os caiaques em que eu e meu filho remávamos. Consegui ir rapidamen-


"O MAIS PITORESCO E MARCANTE É O CONTATO COM O POVO QUE VIVE E SOBREVIVE DO QUE O VELHO CHICO LHE PERMITE, POIS, APESAR DO SOFRIMENTO, É UM POVO SEMPRE FELIZ E DISPOSTO A DISTRIBUIR FELICIDADE."

te para a praia, mas meu filho, dado a inexperiência, talvez, acabou tentando resgatar o caiaque e terminou sendo puxado pelas ondas para além da arrebentação. Nossa sorte é sempre adotarmos rigidamente as regras de segurança. André estava de colete salva-vidas. Como o tempo virou de repente, começou a ventar mais forte e, via de consequência, a formar mais e mais ondas, eu já não o via mais e o fato de não enxergá-lo no mar me afligiu bastante. Como remávamos com vários canoístas mais experientes, um amigo nosso adentrou na arrebentação, rapidamente, e conseguiu resgatar André sem maiores problemas. O caiaque conseguimos resgatar 3 km depois da Boca da Barra. DFATO O que a prática esportiva representa para você atualmente? SOARES Hoje, posso afirmar com segurança que remar para mim é

essencial para saúde física e mental e, ainda, tem me proporcionado conhecer lugares e pessoas maravilhosas. Além do mais, tenho conseguido integrar e unir, ainda mais, a minha família, pois todos remam juntos. Inclusive, hoje também estou me dedicando a uma outra modalidade de canoagem, que é o remo em canoas polinésias, conhecidas no Brasil por canoas havaianas. O remo na canoa havaiana também é bastante prazeroso, pois, embora seja um outro tipo de remada, com movimentação e desenvolvimento de grupos musculares diferentes, essa modalidade de canoagem proporciona cultuar ainda mais valores como disciplina e espírito de equipe, já que remam até seis canoístas juntos. DFATO Como promotor de Justiça, nas suas expedições, como você vê o estado do rio São Fran-

cisco, no sentido da preservação deste nosso patrimônio natural? SOARES Realmente a situação do rio São Francisco, em todas as regiões em que remei e, consequentemente, conheci suas margens, é bastante preocupante, haja vista que grande parte das cidades ribeirinhas não possuem tratamento sanitário e jogam efluentes in natura em suas águas. Somando-se a isso, há o problema da destruição das matas ciliares e, consequentemente, o assoreamento do rio. Mas, por outro lado, pude perceber que o rio não está agonizando como se fala comumente, ele ainda é pujante, vigoroso e belo, precisando sim de cuidados, mas longe de perecer. DFATO Como é possível ajudar o Velho Chico, na sua opinião? SOARES A resposta tem que ser por meio de uma política governamental séria de recomposição da mata ciliar; de controle das áreas irrigáveis, principalmente com relação ao uso indiscriminado de agrotóxicos; de tratamento sanitário das cidades ribeirinhas; apoio à população ribeirinha quanto as suas manifestações culturais; desenvolvimento turístico da região para fomentar o desenvolvimento sustentável. Enfim, o mais importante é conscientizar para cuidar e preservar o nosso importante e querido rio São Francisco.

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ARTIGO

CONTROLE DO PODER E A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS POR Fabiano Pessoa

E

m meio aos momentos de forte crise que vivenciamos, nos últimos anos, os quais testam a consistência do tecido político-social que dá sustentação às instituições republicanas brasileiras, nos colocamos diante da seguinte pergunta: o que se esperar do Ministério Público, levando-se em conta seu papel institucional no arranjo político-constitucional de 1988, nesta quadra histórica de crise, no atual cenário brasileiro? Pois bem, partindo desta pergunta de base e olhando para o traçado dado ao Ministério Público pelo constituinte de 1988, temos que de nossa instituição é esperada uma atuação firme em momentos de crise, na busca por soluções que reforcem o caráter permanente do regime democrático e que apontem para a construção de alternativas políticas capazes de garantir, ao conjunto dos seus cidadãos, uma existência minimamente digna, em meio às turbulências, levando-se em conta a construção de uma sociedade que se pretende fundada nos parâmetros da justiça social e da solidariedade. Ao Ministério Público atribuiu-se a defesa da “ordem jurídica”, do “regime democrático” e dos “interesses

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sociais” e “individuais indisponíveis”. Este é o norte estabelecido para nossa instituição dentro do arranjo do pacto político de 1988, lá no por todos nós conhecido art. 127, da CF. Para tanto, e com o intuito de garantir a firmeza necessária no exercício de suas funções, é que (e tão somente para isso) foram concedidas ao Ministério Público autonomias funcional e administrativa, bem como todas as prerrogativas que estão aos seus membros atribuídas, dispostas na Constituição e nas leis que estruturam cada ramo do Ministério Público Brasileiro e os diversos Ministérios Públicos dos Estados. Em um Estado que se reerguia de um período autoritário, marcado pela ausência de liberdades e de participação popular, que pretendia uma (re)fundação de cunho republicano e pela via democrática, a Constituição apontou para o Ministério Público como instituição que pudesse cumprir, para além das atribuições postas aos tradicionais poderes do Estado, um papel de promoção e articulação político-social para a garantia de direitos. Em face de uma história de avanços e retrocessos no campo das liberdades públicas, de momentos de fe-

FABIANO PESSOA é promotor de Justiça de Caruaru e membro do Coletivo Transforma MP.


chamento autoritário e de (re)abertura democrática, bem como diante de um cenário de permanência das desigualdades sociais e econômicas, impôs-se a percepção de que com a “Nova Ordem Constitucional” que pretendia fundar um “Estado Social Democrático de Direito”, a partir do processo constituinte iniciado com as eleições de 1986 e encerrado com a promulgação da Constituição em 1988, era preciso surgir também, no arranjo político-institucional brasileiro, uma instituição capaz de cumprir com novas demandas históricas. Instituição esta que pudesse, em conjunto com os movimentos de uma sociedade que (re)aprendia a se organizar, promover de maneira regular, permanente e integrada, as ações necessárias para a formação das condições sociais e políticas, para a concretização dos projetos traçados como promessas constitucionais, tais como a implementação de um Estado promotor de justiça social, garantidor de liberdades políticas e capaz de exercer suas atividades em um ambiente de efetivo respeito aos direitos, sejam estes exercidos na sua expressão individual ou coletiva. Deste processo, emerge o Ministério Público como instituição da qual se cumpre esperar, em meio aos compromissos da ordem constitucional estabelecida a partir de 1988, a promoção permanente de ações voltadas para a transformação da realidade social, comprometidas com a garantia da democracia e com a luta pela emancipação de todo aquele que se encontre, de alguma forma, subjugado ou impedido de exercer de maneira plena toda a sua potencialidade enquanto ser humano. Espera-se do Ministério Público, portanto, como compreensão do papel que lhe fora historicamente atribuído, especialmente em meio às grandes crises, o exercício da função de articulador capaz de dialogar com

"TODA E QUALQUER AÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DEVE SER GUIADA PELA CLAREZA DE QUE O CAMINHO A SEGUIR EXIGIRÁ DE SEUS MEMBROS O COMPROMISSO COM OS POSTULADOS DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO." os diversos atores sociais buscando, contudo, em meio às turbulências, construir alternativas que reforcem os compromissos firmados na Carta Política de 1988. Deve agir, enquanto instituição voltada para a promoção de direitos e compromissada com a regularidade do regime democrático, no sentido de evidenciar a importância da manutenção do arcabouço institucional responsável pelo exercício das garantias e direitos fundamentais, postos estes como condições mínimas do exercício legítimo de qualquer forma de poder. A desconsideração do papel histórico do Ministério Público, enquanto instituição voltada para garantia de direitos e, portanto, de controle do poder, em um ambiente necessariamente democrático, muitas vezes por meio de abordagens focalizadas em percepções parciais de nossas atribuições, tende a afastar a instituição do compromisso constitucional firmado e a deslegitimar sua atuação, como agente político-social. Os problemas postos diante de nós, todos os dias, em meio ao legítimo anseio por justiça, são concretos e, por certo, impactam de forma efetiva e real a vida da população em relação à qual voltamos todos os nossos esforços. Especialmente em meio à crise político-social em que nos encontramos inseridos. Exigem, contudo, de todos nós, membros do Ministério Público, a capacidade de compreensão e o esforço necessários para agir, na busca de soluções, por todos os meios possíveis, dentro dos parâmetros fixados pela Consti-

tuição. E de exigir que assim procedam todos os agentes públicos e demais atores envolvidos. Toda e qualquer ação do Ministério Público deve ser guiada pela clareza de que o caminho a seguir exigirá de seus membros o compromisso com os postulados de um Estado Democrático de Direito e, por conseguinte, com o exercício regulado do poder. O exercício legítimo de qualquer forma de poder está vinculado, assim, com a concretização dos direitos e garantias fundamentais, expressões do conjunto de conquistas conhecidas como “Direitos Humanos”. O respeito aos Direitos Humanos representam, sob esta perspectiva, o próprio fundamento do pacto social que garante o exercício legítimo de qualquer poder, em nosso ordenamento e na maioria dos ordenamentos políticos do mundo. O compromisso do Ministério Público com a fiscalização permanente do exercício do poder e a garantia regular de fruição dos direitos fundamentais, em um ambiente, portanto, de estrito respeito aos Direitos Humanos, coloca-se como algo inafastável, condicionante da própria legitimidade de nossas ações. Eis o nosso papel, seja qual for a área de atuação. Para além disso, estaremos diante do arbítrio, da força e da opressão, contra os quais, em um exercício necessário de nossas vocações, deveremos estar, todos que fazem o Ministério Público Brasileiro, juntos, na luta, até que tenhamos novamente estabelecido o exercício legítimo dos poderes e o gozo pleno das liberdades. Eis o nosso desafio, de hoje e de sempre.

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XADREZ

PETROLINA É TERRA DE REI, RAINHA, TORRES, CAVALOS, PEÕES E BISPOS Há mais de 10 anos, a AMPPE realiza o torneio de xadrez infantil de Petrolina, que vem popularizando este esporte secular na região do São Francisco pernambucano

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xadristas na região do São Francisco pernambucano.

Por ser um jogo secular, que é jogado em silêncio e exige muita concentração e raciocínio, o xadrez tem fama de ser praticado geralmente entre pessoas mais velhas, o que não é o caso de muitas crianças e jovens de Petrolina. O motivo? É que uma ideia surgida lá em 2002, em parceria entre o promotor de Justiça Tilemon Gonçalves e o professor Emídio Santana, tem fabricado excelentes en-

“Em 2002, tivemos a ideia de reunir crianças e adolescentes em uma competição com o intuito de comemorarmos o Dia Nacional do Ministério Público. Na época, eu era promotor da Infância e Juventude de Petrolina e imaginei ainda uma forma de ocupar o tempo ocioso dos adolescentes internos da então Fundac/Petrolina. A evolução foi tão grande que tive a ideia de realizar o 1º Torneio de Xadrez, envolvendo estudantes de escolas públicas, particulares e os internos da Fundac, tudo isso em plena praça de lazer do River Shopping de Petrolina. Foi um sucesso total. A alegria dos internos da Fundac ao serem inseridos no meio social através do esporte, em pé de igualdade, foi o nosso maior

história registra que o xadrez surgiu ainda no século VI, na Índia, com o nome de chaturanga. De lá, se espalhou pela Ásia, chegando à China e à Pérsia, seguindo as rotas comerciais da época. Com os árabes, que conquistaram a Pérsia no ano de 651, o jogo chegou à África e à Europa, quando eles ocuparam Portugal e Espanha, entre 711 e 1492.

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sil, que reúne os melhores de cada Estado. Já na Etapa Nacional dos Jogos Escolares da Juventude, realizado em Natal/RN, durante o mês de outubro passado, Álvaro Cristiano foi o quinto colocado, na categoria de 15 a 17 anos, e Lívia Maria, 19ª colocada, na categoria 12 a 14 anos. Essa hegemonia petrolinense já acontece há muito tempo, devido ao estímulo dos torneios patrocinados anualmente pela AMPPE e à implementação da prática do esporte no âmbito escolar”, informa Gonçalves.

"PEQUENOS ENXADRISTAS NA GRANDIOSIDADE DOS SEUS TALENTOS FORAM PROTAGONISTAS EM VÁRIAS EDIÇÕES DOS TORNEIOS DE XADREZ DA AMPPE." PROMOTOR DE JUSTIÇA | Tilemon Gonçalves

troféu. Aí seguimos em frente, revelando grandes nomes do xadrez, no cenário local, regional, nacional e internacional”, conta o promotor e organizador do torneio, Tilemon Gonçalves. O incentivo da prática do xadrez na região tem gerado frutos. Petrolina já é uma das referências do esporte em Pernambuco e tem se tornado um polo de enxadristas de muita qualidade, com jogadores figurando em pódios não apenas dentro do Estado, como também em outras partes do País. “Nos Jogos Pernambucanos Escolares de 2018, realizados no Recife, das quatro categorias disputadas, Petrolina ganhou dois títulos; obteve um vice-campeonato e uma terceira colocação. Os dois campeões representaram Pernambuco na maior competição escolar do Bra-

Uma vez estimulados a praticarem o esporte no período escolar, os petrolinenses têm levado o xadrez para as demais fases da vida. Como é o caso de Fábio Pires, que começou jogando e sendo campeão do Torneio da AMPPE e hoje é um enxadrista de destaque, sendo o atual Campeão Petrolinense Absoluto. Do grande ao pequeno, a cidade tem sido bem representada por seus enxadristas Brasil adentro. “Pequenos enxadristas na grandiosidade dos seus talentos foram protagonistas em várias edições dos torneios de xadrez da AMPPE, ganhando títulos em todas as categorias. Destacamos dois nomes de prodígios, que são Álvaro Cristiano e Ramyres Coelho. Estes dois têm vários títulos brasileiros escolares desde as categorias Sub8 até Sub-16. Álvaro Cristiano, por exemplo, foi o mais jovem enxadrista a ser campeão de uma competição nacional, aos 5 anos de idade, disputando pela categoria Sub-8”, acrescenta o promotor.

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TURISMO

PELO MUNDO COM OSCAR Na borda do cânion do Funil/SC, a 1.590m de altitude.

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Desde 2016, o promotor de Justiça Oscar Nóbrega tem compartilhado em sua conta no Instagram experiências em viagens pelo mundo. Hoje, quase 49 mil perfis o acompanham na rede social.


O charme do vilarejo medieval Rothenburg ob der Tauber, na Alemanha.

N

um mundo onde a superficialidade das coisas e das pessoas encontra cada vez mais espaço nas redes sociais, o promotor de Justiça pernambucano Oscar Nóbrega capta e espalha, com seu olhar curioso, paisagens bucólicas, imagens de onde a natureza entrega o seu melhor, com praias de tirar o fôlego, cânions, rios de água cristalina, vulcões. Tudo isso fugindo dos clichês. Aos 37 anos, ele, que atualmente é promotor de Justiça Criminal de Pesqueira, utiliza parte do seu tempo livre para compartilhar com mais de 39 mil pessoas, em seu Instagram, suas andanças pelo mundo. Para Oscar, deixar sua zona de conforto e viver quase sempre conhecendo novos destinos é algo que vem desde o seu nascimento. E, curiosamente, até mesmo o seu nascimento envolve uma viagem: “vim ao Recife só pra nascer e quase nascia em cima do Viaduto

Tancredo Neves, com meu pai perdido na capital dando voltas”, revela. Sua mãe é de Limoeiro e seu pai de Surubim, ambos municípios do interior pernambucano, daí o motivo para tamanha confusão. “Creio que já nasci com essa inquietude viajante. Sempre fui uma criança tímida, mas adorava sair para outras cidades, participar de excursões de colégio, viajar com meus pais. Meu senso de observação é aguçado. Logo, desde a infância, gostava de explorar as novidades, as diferenças entre um lugar e outro, observar o não convencional, o que saia do nosso ‘mundinho’”, conta. Fugindo dos lugares comuns, no sentido literal da expressão, já são 48 países visitados e muita história pra contar. Em quase 14 anos de carreira no Ministério Público brasileiro (são oito anos de MPPE + seis de MPBA), ele, que é

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"DESDE A INFÂNCIA GOSTAVA DE EXPLORAR AS NOVIDADES, AS DIFERENÇAS, DE OBSERVAR O NÃO CONVENCIONAL." PROMOTOR DE JUSTIÇA | Oscar Nóbrega

casado com a também promotora de Justiça de Pernambuco Cecília Tertuliano, costuma aproveitar feriados, recessos e férias para viajar. Fazendo muito uso de mais um hobby seu, que é a fotografia, e aliando a isso o senso de observação que Oscar acredita ser próprio de quem lida diariamente com tanta gente em sua diversidade, como é o caso do promotor de Justiça, os registros do perfil Pelo Mundo com Oscar atraem aqueles que têm gosto por imagens bem pensadas.

trás das lentes, que não enxergaríamos normalmente”, reflete o promotor.

“Acredito que uma das grandes virtudes do promotor de Justiça é ser empático, especialmente quando se promove a cidadania, tratando com pessoas que estão fora de nossas ‘bolhas’. E viajar é criar empatia com o mundo, estar a todo tempo em contraste com novas culturas, religiões, crenças, costumes, arquiteturas. É aprender a olhar o diferente com os olhos da diferença, sem partir de rótulos prévios, de preconceitos. Outra coisa: o olhar para a fotografia tende a ser naturalmente sensível, e a sensibilidade também deve ser outra marca do membro do Ministério Público. Enxergamos detalhes por

“Sou exigente comigo mesmo. Não me tornaria um instagrammer se não pudesse dar o melhor de mim. A viagem de abril de 2016 para a Tailândia, Camboja, Vietnã e Laos, minha primeira vez na Ásia e para destinos, digamos, ‘exóticos’, foi o impulso para criar minha conta pública, o @pelomundocomoscar. A conta tomou uma proporção que não esperava nesse concorrido mundo das redes sociais, dentre os quais o nicho viagem, tem muita gente boa nessa área. Isso aumenta minha responsabilidade na informação e na qualidade das imagens. São horas perdidas, ou melhor, investidas para cada postagem ou stories

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O que antes era apenas o hábito de compartilhar no seu perfil privado, apenas para amigos, dicas sobre os destinos visitados, agora virou coisa séria. E dá trabalho! Engana-se quem pensa que é só tirar uma foto de uma praia bonita, por exemplo, e escrever uma legenda legal. Não mesmo. Oscar explica que seu processo de produção de posts leva tempo e, por vezes, é cansativo.


Oscar e Cecília no Lago di Tovel, na Itália.

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"VIAJAR É CRIAR EMPATIA COM O MUNDO. É APRENDER A OLHAR O DIFERENTE SEM PRECONCEITOS." PROMOTOR DE JUSTIÇA | Oscar Nóbrega

publicado ali, desde a redação do texto à edição da imagem, mais de 90% delas feitas em smartphone. Um trabalho gigante, mas que me dá prazer. Então, embora trate o perfil com compromisso, ele é um hobby, uma válvula de escape da pesada rotina ministerial”, afirma. O próximo destino? Alguns dos chamados Países Nórdicos. O viajante irá desvendar Dinamarca, Suécia e Noruega depois de uma viagem extasiante à África em que Oscar prometeu (e cumpriu) fugir dos clichês como safaris “pra turista ver”, conhecendo as belezas da Cidade do Cabo, Namíbia, Botsuana e Zimbábue. “Tenho gostado mais do estilo de viagem slow travel mesmo, cada vez mais adepto a menos check-in e check-out e mais tempo nos lugares. Não podemos deixar o tempo nos atropelar, nos escravizar, mas tentar dominar o tempo e explorar os locais com mais qualidade, senti-lo, apreender a cultura, conhecer de fato o povo!”

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Acima, Oscar e Cecília no Mirante da Janela, na Chapada dos Veadeiros/PE. Ao lado, o promotor durante visita ao Mosteiro de Takshang, no Butão.


BATE BOLA JOGO RÁPIDO DFATO Destino preferido? OSCAR NÓBREGA Essa é a pergunta que mais me fazem, e que eu nunca tenho resposta pronta. Gosto mais da natureza. Dentre as paisagens naturais, prefiro as montanhas e lagos às praias. E, se puder aliar esportes de aventura, prato cheio. Poderia escrever horas sobre minhas preferências, mas vou tentar indicar alguns países: o Peru, na América do Sul (por suas paisagens, autenticidade do povo e culinária); a Guatemala, na América Central (por seus costumes e tradições); na Europa – o meu continente preferido, destaco Itália, França e Croácia, especialmente pelas cidades do interior, fugindo das rotas turísticas; o Vietnã e o Nepal, na Ásia, onde neste último fiz um trekking sozinho pela Cordilheira do Himalaia; e a Nova Zelândia, na Oceania (por suas paisagens estonteantes e esportes de aventura). Que venha agora a África!

Em Manaus, durante visita ao povo indígena Dessana-tuyuca.

AMPPE INDICA @JANELASABERTAS

DFATO Pra onde não tem vontade de voltar? NÓBREGA Um país específico creio que não, sempre há muito a desvendar em qualquer país, fora da rota turística convencional. Não voltaria mais a alguns locais. Caracas, que fui em 2009, e àquela época já me senti bastante inseguro; mas tenho muita vontade de conhecer partes da Venezuela (florestas e o arquipélago caribenho de Los Roques), depois que estabilizada a situação política e econômica de lá. Também não volto à dobradinha Miami/Orlando, porque turismo fabricado e compras não é meu perfil. DFATO O que um viajante instagrammer não pode deixar de ter? NÓBREGA Tenho tentado cada vez mais enxugar minha bagagem. Com a experiência viajante, aprendemos a só levar o essencial e a lavar roupas nos destinos. Maior desafio agora foi levar 20 kg para a lua de mel de 50 dias, de montanhas a praias, e foi tranquilo. Digo que o tamanho de nossa necessidade costuma ser o tamanho de nossa mala. Mas o que nunca pode faltar é o equipamento fotográfico (câmera semiprofissional, GoPRO, smartphone), e todos os acessórios e baterias extras; um bom tripé, essencial para quem viajar só ou em casal; e botas/tênis confortáveis para caminhada, muita caminhada. Oscar Nóbrega atualmente é Promotor de Justiça Criminal de Pesqueira, no Agreste Pernambucano.

Luisa Ferreira A recifense Luisa Ferreira, de 29 anos, é a viajante que comanda o perfil Janelas Abertas no Instagram (e também no site www.janelasabertas.com). Aos 29 anos, a jornalista, já passou por 31 países, fez 5 intercâmbios e escreve sobre os destinos por onde passa desde 2012. Já são 14 mil seguidores que acompanham as aventuras de Luísa dentro e fora do país, falando dos pontos altos e baixos dos destinos e também fazendo reflexões sobre feminismo, aceitação do corpo, cuidado com a saúde mental, entre outros temas importantíssimos e bem atuais.

@TRAVELANDSHARE Mirella Rabelo e Romulo Wolff

Gigantes no Youtube, com quase 900 mil inscritos no canal, a mineira Mirella Rabelo, 33 anos, e o gaúcho Romulo Wolff, 36 anos, também registram no Instagram suas viagens, feitas na maior parte do tempo em um motorhome (um carro adaptado para morar e viajar). O casal largou emprego e vida no modelo tradicional para viver em uma Nissan Frontier adaptada enquanto viajam conhecendo os continentes do globo terrestre. Atualmente, mais de 200 mil pessoas acompanham o dia a dia da dupla.

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