Boletim da ana edição 66 transexualidade jan 2018

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Ano IV - Nº 66 - Janeiro de 2018

Conectados em Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes LGBTI

Transexualidade Lion Marcos Ferreira e Silva Assistente Social Especialista em Ensino Interdisciplinar sobre Infância e Direitos Humanos/UFG Mestrando em Educação/UFG Fundador e Co-coordenador do Coletivo ®existência

A luta por direito ao próprio gênero Discorrer sobre as questões de gênero é muito mais que apenas citar a existência da diversidade, é também uma forma de propor o respeito mútuo, promovendo a diminuição do preconceito e discriminação, assim como, a promoção da visibilidade e o reconhecimento dos Direitos Humanos, de forma que a população de Travestis e Transexuais tenham condições de exercer sua cidadania plena no âmbito das relações sociais. A maioria dos conceitos sobre Gênero é construída segundo crenças, valores religiosos e senso comum, numa sociedade machista, patriarcal, sexista, misógina e heterocisnormativa, ou seja, exatamente onde se dão as relações de poder de um gênero sobre outro, de uma raça sobre a outra, de uma orientação sexual sobre outra. Em minhas considerações sobre a temática, tenho abordado bastante sobre as identidades de gênero e orientações sexuais que são de alguma forma silenciada e exponho relevantes pontos sobre a forma que somos inferiorizados dentro de padrões de condutas específicos cobrados pela sociedade em que vivemos, pois esses padrões variam dependendo do contexto sociocultural. O machismo está presente no retrocesso e na personificação das mais diversas formas e níveis de violências, que podem ser verbais, físicas, psicológicas e

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contra todos os segmentos, sejam, mulheres, população LGBT, crianças e negros. O machismo é extremamente violento e também atinge as masculinidades que são silenciadas por outras masculinidades. Falar de gênero não se resume em apenas definir masculino e feminino, vai muito além do que está posto em nossa sociedade. Para falar de gênero é necessário fazer um passeio na estrutura sociocultural as quais as concepções de gênero foram alicerçadas. Nossa sociedade tem o costume de avaliar ou identificar as pessoas conforme a genitália de seu nascimento, assim sendo, se o corpo de um homem Trans é lido a partir de sua genitália, automaticamente supõe-se que esse corpo pode ser violado de todas as formas (violência fruto do machismo). E por que esse corpo é lido como um corpo que pode ser violado, mesmo sendo este totalmente masculinizado (conforme a compreensão geral de masculinidade)? Se uma mulher Trans é identificada como tal, assim como, as travestis, sofrem violência severa como formas de punição, são espancadas e assassinadas. Mas, muitas ainda não se submeteram a procedimentos cirúrgicos, tem pênis, por que então, neste caso, são corpos lidos para serem hostilizados por parte da sociedade? Seria essa violência contra os corpos Trans voltadas para a questão do sexo, gênero, ou para os dois?

São questões que nos incomodam, mas de uma coisa não temos dúvidas, há nesses crimes em sua grande maioria uma denotação transfóbica. Algumas pessoas transexuais por diversos motivos, inclusive com receio de sofrerem transfobia, tentam adaptar-se aos padrões pré-estabelecidos, pois, a própria sociedade nos empurra para essa forma de ajuste. Deste modo assumem os mesmos padrões da heterocisnormatividade, inclusive nas relações afetivas, ou seja, muitas mulheres Trans desejam assumir o papel de uma boa esposa, dona de casa, tudo com um certo tom de delicadeza, os quais se “esperam” de uma mulher. Já os homens Trans, são projetados para assumirem uma “postura de macho”, provedor, tem que ser forte e conquistador. É importante ressaltar ainda que, há situações contraditórias a essa colocação, pois, em alguns casos, se espera também de um homem Trans que o mesmo seja compreensivo com as mulheres, já que em

EXPEDIENTE COORDENAÇÃO Lídia Rodrigues SECRETÁRIA EXECUTIVA Suely Bezerra ASSESSORES DE CONTEÚDO Paula Tárcia

Rodrigo Corrêa Rosana França DIAGRAMAÇÃO Tatiana Araújo

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algum momento da vida, pode ter sido lido pertencente ao gênero feminino (antes da transição). Em sua obra O Segundo Sexo, Beauvoir (1949), destaca que as crianças são criadas de forma diferente conforme o seu sexo de nascimento, às meninas são direcionadas brincadeiras mais suaves e ou que as remetem a vida de uma mulher adulta, como, cuidar de bebês (ao brincar de bonecas), serem suaves e delicadas. Enquanto aos meninos são direcionadas brincadeiras de lutas e resistência. Na verdade os pais criam seus filhos esperando que essas divisões de papeis sejam seguidos durante a vida toda. Quando as crianças são idealizados pelos pais, e acontece em alguma altura da vida a subversão as barreiras do gênero (no caso das pessoas trans), há uma tentativa de retorno aos padrões impostos para cada gênero. E essa adaptação se manifesta inclusive nas vestimentas, na composição de um estilo, cores, entre outras instancias. Para falar ainda sobre Identidade de gênero, é importante saber sobre a realidade do território onde parte esses discursos. Por exemplo, a triste realidade do Brasil, é que este, é o país que mais mata transexuais no mundo. A supremacia masculina oprime e silencia outras masculinidades. A necessidade de autoafirmação espelha-se através da constante cobrança social de uma masculinidade fixa e idealizada, onde se cria uma hierarquização que estabelecem as posições de poder. O conceito de masculinidade e comportamento referente ao gênero diferencia-se de uma sociedade para outra. Determinadas práticas, como virilidade, agressividade e determinação é específico de uma sociedade. Os corpos se organizam de forma muito diferente entre uma civilização e outra. Os povos Semai localizados no Oeste da Malásia abominam a agressividade: Eles não cultivam a competição, não se mostram ciumentos, nem autoritários, tendem a ser passivos e tímidos. A diferença entre os sexos não lhes preocupa, não exercendo, assim, qualquer pressão sobre os meninos para se distinguirem das meninas. (GILMORE apud BADINTER, 1992, BENTO 2015, p.86). Em nossa sociedade (Ocidental), quando uma pessoa não se enquadra dentro dos padrões em que a heterocisnormatividade masculinidade lhe impõe, são hostilizados por quem pertence à masculinidade hegemônica. Qualquer comportamento que desafia a masculinidade hegemônica pode colocar em risco a vida de masculinidades que não se encaixam a determinadas exigências. Há entre as masculinidades uma certa relação de poder, ou seja, o

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homem cisgênero heterossexual>homem cisgênero gay>homem trans heterossexual>homem trans gay e assim sucessivamente, isso sem tocar em questões raciais, pois se levarmos em consideração a raça/etnia, a supremacia masculina é pertencente ao Homem branco heterossexual, e se considerarmos classe, certamente o Homem branco heterossexual e rico se coloca acima de todos os outros e para si, todos os direitos reservados. A luta coletiva por Direitos iguais tem sido uma das formas de enfrentamento às violências em decorrência do machismo que se direciona não só contra o gênero feminino, mas também contra as masculinidades consideradas pertencentes a uma casta inferior, ou seja, Homens Trans ou Trans m ascu lin o s, co n f o r m e m u ito s se identificam. Visibilidade e a Luta contra a transfobia Minha trajetória enquanto Homem Trans se confunde com a história do Movimento de Homens Trans no Estado de Goiás. Sem entrar em detalhes da minha conquista pessoal em ter a coragem de me assumir Homem Trans numa sociedade que se faz violentamente machista, início falando sobre esse Movimento no Estado de Goiás, o qual se fez de extrema urgência devido à necessidade por conquista de Espaços, Direitos e Visibilidade. Logo quando assumi minha transexualidade percebi que não havia participação de homens trans com poder de voz e voto em Conferencias, Seminários, Fóruns, entre outros espaços de reivindicação de Direitos no Estado de Goiás. Não havia participação de homens trans representando o segmento em mesas desses eventos, e nenhum grupo composto unicamente por Homens Trans. Pensei na formação de um grupo, a princípio numa rede social, para que pudéssemos nos conhecermos melhor, trocar ideias e na verdade estar com pessoas que fizessem parte do nosso universo, com as mesmas alegrias e enfrentamentos. Fiz o convite, a maioria aceitou e depois de certo tempo idealizamos um grupo mais politizado que pudesse discutir Políticas Publicas para o segmento. Em vários Estados já tinha muitos homens trans politizados e organizados coletivamente. Percebemos a necessidade de nos organizarmos também, e formamos o Coletivo ®existência, que é composto por Homens Trans do Estado de Goiás. O Coletivo ®existência, tem o objetivo de lutar contra a Transfobia, atuando na promoção dos Direitos Humanos e do exercício pleno de cidadania de Homens Trans com dignidade e o alcance da Qualidade de vida. Lutamos contra o preconceito, machismo, sexismo, opressão, racismo e todo tipo de discriminação, atuando na promoção de Políticas de Saúde, Educação, Empregabilidade e Segurança. Precisamos

ser protagonista de nossas lutas para que tenhamos acesso à Saúde, Nome Social, Mercado de Trabalho, Universidade, enfim, todos os espaços e políticas que nos são de Direito. Precisamos de políticas mais eficazes, de atendimento humanizado na saúde, precisamos ter nosso Nome respeitado. O nome Social é um recurso para o reconhecimento de uma IDENTIDADE, mas o IDEAL é termos o registro modificado quando solicitado. A ex Presidente Dilma assinou o DECRETO Nº 8.727, DE 28 DE ABRIL DE 2016, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Vale ressaltar que mesmo tendo o período de um ano para se regularizarem, muitas empresas estatais, inclusive Universidades Públicas ainda não adaptaram seus formulários para atender pessoas transexuais. Esse Decreto foi um reconhecimento, porém, precisamos de mais, precisamos de garantia, como a Lei de Identidade de Gênero João Nery ( PL 5002/2013), de autoria do Deputado Jean Wyllys e a Deputada Érika Kokay, pois, essa Lei nos dará o Direito de retificação de prenome e gênero nos documentos, sem contratar advogados, não necessitando de autorização de laudos, sem. As instituições de Saúde também é mais um espaço onde pessoas transexuais e travestis sofrem violência, pois, apesar da Política Nacional referente ao nome social, muitas instituições e os funcionários destas, não respeitam o nome e nem o gênero o qual a pessoa se identifica, e uma vez desrespeitados muitos não retornam para cuidar de sua saúde. Por isso a importância da Retificação do nome As Políticas Públicas tem que ser garantida para quem dela necessitar. E para termos acesso, temos que estar organizados, lutando coletivamente, para que o poder público perceba que existe uma demanda, e se existe demanda, podemos ter ambulatórios, cirurgias e todos os acompanhamentos que julgarmos necessários e de nosso interesse, haja vista que, nem toda pessoa Trans tem interesse de se submeter a procedimento cirúrgico de redesignação sexual. Muitos homens Trans preferem viver na invisibilidade, não ser identificado como Trans por temerem ataques transfobicos. Em 29 de Janeiro é comemorado o Dia Nacional da Visibilidade Trans, mas infelizmente um ar de tristeza nos abate devido ao alto número de pessoas transexuais assassinadas, entre tantas outras que cometeram suicídio em decorrência da transfobia. Entre os anos de 2016 e 2017 mais de 322 transexuais e travestis foram assassinadxs no Brasil. Outras tantas pessoas trans procuram meios de sobrevivência onde não

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gostariam de estar, (prostituição) por não terem acesso ao mercado de trabalho formal. É como um efeito dominó. A partir do momento que a pessoa se auto reconhece e define sua identidade enquanto Trans, na maioria dos casos são expulsas de casa pela família, sendo assim, não conseguem permanecer na escola (segundo local de maior violência para pessoas Trans depois do ambiente familiar), não conseguem espaço no mercado de trabalho (formal), muitxs Trans acabam se prostituindo para se manterem vivos, para suprir suas necessidades básicas (alimentação, roupas etc.) e no engodo da situação muitas vezes permanece por toda vida na prostituição, que neste caso lhe é imposta. O mercado de trabalho é competitivo e por muito, cruel, mesmo que uma pessoa trans seja formada e tenha toda competência para o cargo pretendido, a empresa lhe nega o acesso... Às vezes porque acredita ser complicado devido à questão do nome social e ou uso do banheiro, que não deixa de ser uma atitude transfóbica também. Eu sou concursado,

entrei para o serviço público muito cedo, não precisei bater de porta em porta nas empresas a procura de oportunidade de trabalho. Por esse motivo as coisas ser tornaram mais amena. Isso não quer dizer que não sofro nenhum tipo de discriminação, sim, passo por diversas situações. No local de trabalho por incrível que pareça pouquíssimas vezes sofri transfobia por parte de colegas de trabalho (sou privilegiado), fui acolhido, por mais que se levanta olhares curiosos e perceptíveis buchichos, em uma escala de 0 a 100, fui 95% acolhido e respeitado. Na verdade sofri transfobia (e ainda sofro) onde menos esperava sofrer, no meu grupo social, muitos me viraram as costas, não aceitaram e não respeitaram minha transição... Me isolei bastante e passei a fazer o meu caminho mais solitariamente (fazendo referência ao meio social). Eu sempre digo que Aceitação e Respeito caminham juntos. Uma pessoa não respeita o outro se não aceita como ele é. A famosa frase: “Não quero que me aceite, e sim que

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me respeite”, não me contempla. Precisamos ser reconhecidos como cidadãos sujeitos de Direitos, a participação de Trans Homens no movimento social vem crescendo bastante, nas Conferencias LGBT e de Direitos Humanos realizadas em 2016, a participação de Homens Trans foi muito significativa e isso tem sido excelente e de suma importância para nossas conquistas. REFERÊNCIAS: BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Trad. Sérgio Milliet. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1949. BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro, Gramond, 2006. BENTO, Berenice. Homem não tece a dor: queixas e perplexidades masculinas /– 2. Ed. – Natal. RN: EDUFRN, 2015. 220 p. BUTLER. Judith. P. Problema de gênero: feminismo e subversão da identidade. 1990. /tradução Aguiar. -13ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.

Fique

por dentro Porque 29 de janeiro é o Dia Nacional de Luta contra a Transfobia. Afinal, como foi escolhido a data 29 de janeiro para o dia da visibilidade Trans? Como surgiu? Foi no dia 29 de janeiro de 2004 que 27 travestis, mulheres transexuais e homens trans entraram no congresso nacional em Brasília para lançar a campanha "Travesti e Respeito", do depertamento de DST, AIDS e Hepatites do ministério da saúde. Foi a primeira campanha nacional idealizada e organizada pelas próprias trans para promoção do respeito e da cidaddania. Desde então, a data não é só lembrada mas também é comemorada por ativistas travestis, transexuais, gays, lésbicas e parceiros em geral com diversas ações de visibilidade positiva desta população. Nesse sentido, é importanete a luta pelos direitos LGBTs, em especial aos grupos mais vulneráveis, é importante e merece a colaboração de todas as pessoas. #chegadetransfobia

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dICIONÁRIO

notÍcias

da rede

DE DIREITOS HUMANOS

Mapa dos assassinatos de travestis e transexuais brasileiras em 2017

Transexual: é um indivíduo que possui uma identidade de gênero oposta ao sexo designado (normalmente no nascimento). Homens e mulheres transexuais fazem ou pretendem fazer uma transição de seu sexo de nascimento para o sexo oposto (sexo-alvo) com alguma ajuda médica (terapia de redesignação de sexo) para seu corpo

A ANTRA que é a associação nacional de travestis lançou o mapa dos assassinatos de travestis e transexuais brasileiras em 2017. De acordo com o relatório da ANTRA, entre janeiro e dezembro de 2017, foram 179 assassinatos de Travestis, Mulheres Transexuais e Homens Trans, e o Brasil se mantém na primeira posição do ranking anual que contabiliza a transfobia sofrida por essa população, 45% dos assassinatos de LGBT são de pessoas Trans. Estamos falamos de crimes de ódio! Ou vamos ignorar o contexto de vulnerabilidade a que estão inseridas as Mulheres Transexuais e as Travestis e que por conta disso estão mais suscetíveis a violência cotidiana, ao transfeminicidio, ao machismo e a marginalidade oriundos da falta de políticas públicas e ações afirmativas que as incluem de fato como cidadãs brasileiras? Que essa parcela da população brasileira tem 9 vezes mais chances de ser exterminadas e executadas que uma cidadã comum? Que a expectativa de vida de uma Mulher Transexual ou de uma Travesti é de apenas 35 anos, quando da população cisgênero em geral é de 80 anos ou mais? Através do Mapa dos Assassinatos da ANTRA, vimos contabilizando esses dados e constatamos que a realidade que vive nossa população é bem pior do que mostram as estatísticas. A cada 48h uma Travesti ou Mulher Transexual é assassinada no Brasil.

Transfobia: é uma série de atitudes ou sentimentos negativos em relação às pessoas travestis, transexuais e transgêneros. Seja intencional ou não, a transfobia pode causar severas consequências para quem por ela é assim discriminado.

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Olá pessoal! Você sabia que dia 29 de janeiro é o dia nacional de luta contra a transfobia Precisamos continua na lutado pelo fim da transfobia. #ltodascontratransfobia

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entrevista

Luana Marley desde cedo percebia e me tocavam as questões de opressões que vivenciei desde a infância. As situações “camufladas” de racismo na minha infância, como por exemplo eu internalizar que meu cabelo era ruim ao passo que “mangava” das minhas colegas negras até questões relacionadas a minha sexualidade, onde eu me sentia errada e pecadora por querer brincar com “brinquedos de meninos”, ou até mesmo minhas “apaixonites” platônicas pelas minha coleguinhas. Estas duas dimensões que ora me causavam incompreensões, ora indignação marcam a minha trajetória em todas as fases da minha vida. Na adolescência quando me vi como lésbica e assumi isso para mim, especialmente, foi uma questões estruturante que compôs uma batalha interna comigo e os meus desejos, e com a minha família, onde fui compreendendo que na realidade a questão não era EU mas a sociedade que historicamente é cruel, preconceituosa e reforça a dor e o sofrimento daqueles e daquelas que não estão de acordo com os tais “padrões sociais”. Entretanto, existiram dois espaços fundamentais que me acolheram e me fortaleceram: o movimentos LGBT e os movimentos feministas. A articulação entre militância política, academia e experiência profissional sempre compuseram, simultaneamente, a minha formação e atuação nos diversos espaços. Campanha Ana: Você faz parte da RENAP, o que faz essa rede e como as pessoas e organizações podem acionar? Luana Marley: A Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP, é um rede que articula advogadas e advogados de direitos humanos que atuam para e com os movimentos sociais, grupos e comunidades que vivenciam as violações sistemáticas de

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direitos humanos. Nossa atuação se baseia no que chamamos de Assessoria Jurídica Popular, que consiste no trabalho desenvolvido por advogadas/os populares, estudantes, educadores/as, militantes dos direitos humanos em geral, entre outros/as. Assim, temos o objetivo de viabilizar um diálogo sobre os principais problemas enfrentados pela população para a realização de direitos fundamentais para uma vida com dignidade, seja por meio dos mecanismos oficiais, institucionais, jurídicos, extrajurídicos, políticos e da conscientização. É uma prática jurídica insurgente desenvolvida principalmente no Brasil, nas décadas de 1960 até hoje. A RENAP já existe há 22 anos, iniciando na atuação por direito à terra e território, no seio das lutas por reforma agrária e hoje em dia tem ampliado a sua atuação com temas estruturantes como o enfrentamento ao racismo, ao machismo, à LGBTfobia e ao capitalismo. C. Ana: O Brasil é signatário da declaração dos Direitos Humanos, nesse sentido o poder judiciário brasileiro considera esses direitos para as causas que juga, ou ainda é preciso lembrar juízes e promotores do que o brasil é signatário? L. M.: Infelizmente, a todo tempo, precisamos lembrar ao sistema de justiça sobre a declaração dos Direitos Humanos e inclusive sobre a própria Constituição. Enfrentamos ainda, inúmeras decisões, e atuações do Ministério Público, que desconsideram a dignidade humana, os direitos fundamentais, mas não só isso, se utilizam das normas para uma aplicação da lei de acordo com as suas conveniências, interesses e olhares moralistas, conservadores, LGBTfóbicos, machistas e racistas. O que é de extrema gravidade! Não à toa que inúmeras famílias- comunidades, juntamente com crianças, idosos e mulheres grávidas- são removidas e despejadas de suas casas, vivenciando a violência do Estado. Não é à toa que o Brasil está entre os três países que mais encarceram no mundo, onde a maioria é composta por pessoas negras e pobres. As mulheres são severamente e duplamente punidas pela sistema de justiça, quando cometem alguma infração penal ou crime. E quando são vítimas, por exemplo em casos de estupros, também são colocadas como culpadas por terem vivenciado este crime contra a sua dignidade sexual. C. Ana: Por que tantas defensoras e defensores que lutam junto com os trabalhadores, o povo pobre, preto das periferias, com a mulheres e LGBTS, são alvos da repressão e assassinatos? L. M.: O conhecimento e a emancipação tem na expressão das consciências e nas vozes que denunciam os instrumentos de luta contra aqueles que detém o poder econômico e político à custa do massacre da população negra, pobre, LGBT, das mulheres, jovens, crianças, adolescentes. Por isso que, como

temos os argumentos de justiça e as resistências, e SIM, denunciamos, com o objetivo de transformação social, a forma medíocre e violenta para manutenção do poder deles – que querem manter o machismo, o racismo, a LGBTfobia, a propriedade privada e o lucro – é a perseguição, a criminalização dos movimentos sociais e populares, até o assassinato de defensoras e defensores de direitos humanos, afim de calar suas vozes que denunciam...suas lutas. É assim que agem os ruralistas, os senhores do agronegócio, parte do aparato policial, os especuladores imobiliarios. Estes anos de 2016 e 2017 bateram recordes de assassinatos de defensores e defensoras de direitos humanos. Assassinatos, torturas e perseguições, como os que tem ocorrido com indígenas, quilombolas, feministas, ativistas pelos direitos de crianças e adolescentes, ativistas LGBT, bem como pesquisadores e pesquisadoras de Universidade Públicas. Aqueles e aquelas defensores e defensoras que perderam suas vidas estão mais presentes do que nunca nas nossas lutas, seja onde for! C. Ana: Como podemos avançar nas lutas sociais sem necessariamente entrar no terreno do judicialização? L. M.: Na realidade, tenho dito que temos que avançar por caminhos para além das institucionalidades, uma vez que vivemos momentos e contornos políticos que se assemelham a ditadura civil-militar de 1964, não só pelos discursos, mas pelas legislações autoritárias que mascaradas pelas ideologias facistas, promovem formas políticas e materiais de manutenção do poder que tem como consequência mortes físicas, psicológicas e simbólicas daqueles/as que para eles são corpos inferiores (que não importam). Falo de um projeto neoliberal e conservador! O executivo, legislativo e com o aval do judiciário contribuem e promovem estes contornos. Interessa a eles - falo “eles” porque sua maioria é de homens a serviço de e para homens brancos, ricos e 'cristãos'- a manutenção deste sistema político que coloniza, que é racista e machista, que ataca a Democracia, os direitos sociais, como os trabalhistas e, agora, a previdência. Ora, não é á toa que são estes que defendem a escravidão, o recolhimento da mulher ao âmbito privado (politica da bela, recatada e do lar), não é à toa que eles (sobretudo, os fundamentalistas religiosos) inventam um termo chamado “ideologia de gênero”, como forma de confundir a população para que não se avancem as discussões de gênero e de diversidade sexual. O que isso quer dizer? É que estes fanáticos, através de mitos e mentiras, tem promovido o ódio as mulheres e LGBT, tentando barrar temas importantes como o combate à violência contra as mulheres e a garantia dos direitos sexuais e direitos reprodutivos. Por isso que as RUAS ainda são os nossos espaços, é a nossa arena pública e de luta na busca por justiça e igualdade.

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Fica dica

Livros Viagem Solitária

Filmes Elvis & Madona Elvis (Simone Spoladore) sonha em ser fotógrafa, mas a necessidade de sustento faz com que aceite o emprego de entregadora de pizza. Madona (Ígor Cotrim) é uma travesti que trabalha como cabeleireira. Ela sonha em produzir um show de teatro de revista. Logo após conhecer Elvis, que é homossexual, elas se tornam grandes amigas. Mas, pouco a pouco, desperta neles um sentimento mais forte que a mera amizade.

São muitos os personagens dessa história: de Darcy Ribeiro, considerado seu mentor intelectual e um dos primeiros amigos a compreenderem-no, a Antônio Houaiss, que, sendo um grande defensor das liberdades democráticas, recomendou seu primeiro livro para publicação, Erro de pessoa: Joana ou João? do qual foi prefaciador. História de dramas, incompreensões e lutas, Viagem solitária é um livro tecido de dor e de coragem e que anuncia, talvez, um mundo menos solitário para os diferentes, para aqueles que não se enquadram entre as maiorias. Acompanhe e compartilhe a Campanha ANA em nossas redes sociais

Amanda e Monick No município de Barra de São Miguel, sertão paraíbano, duas travestis vivem vidas opostas. Enquanto uma tem aceitação da família, amigos e até mesmo dos alunos/as, outra se envolve com o mundo da prostituição. Essa é a realidade que se propõe mostrar o documentário Amanda e Monick. Um dos melhores filmes do gênero: provocativo, educativo, comovente.

ana.movimento@gmail.com

Realização

Cofinanciador

Brasil

União Europeia

Esta publicação foi produzida com o apoio da União Europeia. O conteúdo desta publicação é da exclusiva responsabilidade da Associação Barraca da Amizade e não pode, em caso algum, ser tomado como expressão das posições da União Europeia.

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