Boletim da ANA - Edição 69 Abr2018

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Ano IV - Nº 69 - Abril de 2018

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Golpe de 2016 e o avanço do conservadorismo na educação: (contra) Reforma do Ensino Médio e o movimento “Escola sem Partido” Por Natan dos Santos Rodrigues Júnior, Mestrando em Sociologia

Muito se tem falado sobre o momento de forte polarização social que marca o Brasil contemporâneo, em especial após o Golpe de 2016, que levou à presidência da República o até então vice-presidente Michel Temer (MDB). Neste cenário, movimentos à direita e a esquerda tomam as ruas do País, e é perceptível o avanço de ideias conservadoras nas mais diversas áreas da vida social, com forte impacto na cultura e na educação. É neste contexto de crise e de retrocessos sociais e políticos, que podemos compreender a atuação de movimentos conservadores no âmbito da educação, como o “Escola sem Partido”, e a aprovação da (contra)Reforma do Ensino Médio. Para isso, é importante entender o papel e a função específica que a Escola exerce na sociedade. As instituições formais, sejam escolares ou universitárias, desde o

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seu nascimento, cumprem um importante papel na manutenção e reprodução social, principalmente nas sociedades contemporâneas. No capitalismo, desempenham o papel de 1) produzir ciência e tecnologia que permita o capital se reproduzir, criando novas mercadorias e métodos de gestão do trabalho; 2) aperfeiçoamento dos meios de reprodução ideológica e formação de consensos que reforçam a hegemonia dominante (que é sempre da classe dominante!); 3) formação de força de

trabalho qualificada para a produção e de profissionais (administradores, cientistas, etc) dedicados à solução de problemas criados pelo próprio desenvolvimento capitalista. Apesar da função central na garantia da reprodução da ordem dominante, as instituições escolares são permeadas por contradições, que expressam o nível da luta de classes, em cada contexto histórico. Nesse sentido, os trabalhadores têm interesse em não apenas adentrar ao ambiente escolar, mas também de expandi-lo,

EXPEDIENTE COORDENAÇÃO Lídia Rodrigues SECRETÁRIA EXECUTIVA Suely Bezerra ASSESSORES DE CONTEÚDO Paula Tárcia

Rodrigo Corrêa Rosana França DIAGRAMAÇÃO Tatiana Araújo

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a fim de ter acesso ao saber sistematizado e historicamente produzido pela humanidade, pois, em uma sociedade cindida em classes, a batalha pela democratização do conhecimento, contra o monopólio deste pelos grupos dominantes, reflete um momento crucial da luta de classes. No Brasil, a luta pela constituição de um sistema público de ensino, assim como a defesa e a expansão da escola pública e gratuita, ao longo do século XX, sempre foi uma bandeira das esquerdas, em seu sentido amplo. O combate ao analfabetismo e o aumento da instrução e cultura das classes trabalhadoras, a partir da democratização do processo educativo, se constituía como um elemento central da estratégia de conscientização e politização dos “de baixo”, para o enfrentamento dos privilégios historicamente acumulados pelas classes proprietárias. Importantes avanços, fruto de décadas de lutas, foram inscritos na Constituição de 1988, em que a educação foi reconhecida como direito fundamental de todos e dever do Estado, com a destinação de verba específica no orçamento público para esta política. Estas conquistas, no entanto, vêm sendo sistematicamente ameaçadas e aviltadas desde os anos de 1990, com a implementação do neoliberalismo no nosso País. A partir das diretrizes conhecidas como Consenso de Washington, o neoliberalismo, sob hegemonia do capital financeiro, se espalhou, de forma desigual, por todo o território latinoamericano, nas décadas de 1980 e 1990. Este modelo, que tem por objetivo a recuperação das taxas de lucro do capital, implicava, dentre outras medidas, na abertura das economias periféricas para a entrada

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do capital estrangeiro, sem nenhuma regulação e obstáculo; na “flexibilização” das relações trabalhistas, que ocasionou o desmonte da legislação protetiva do trabalho e na retirada de direitos sociais; na tentativa de destruição dos sindicatos e movimentos das classes trabalhadoras; na conformação de uma subjetiva e cultura neoliberais, onde impera o consumismo, o individualismo e a descrença nas saídas coletivas/revolucionárias; e na na privatização de empresas e mercantilização de serviços públicos, como a educação.

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Nos últimos 30 anos, em um contexto neoliberal que perpassou os diferentes governos, assistimos a grande expansão do ensino privado no Brasil, em todos os níveis, com ênfase em uma formação cada vez mais tecnicista e voltada para o mercado. Esta situação veio a se agravar ainda mais com a crise internacional de 2008, que se expressa no nosso País a partir de 2014, e que levou ao fim, por meio do Golpe de 2016, os governos de conciliação de classes, encabeçados pelo Partido dos Trabalhadores – PT. O Golpe de 2016 representa uma intensificação da agenda neoliberal no Brasil, em um contexto de crise, sem concessões mínimas, com forte impacto na política educacional, como fica patente na aprovação da PEC 55, que congela os investimentos sociais por vinte anos!

É nesta conjuntura que se inserem medidas como a (contra)Reforma do Ensino Médio e o movimento “Escola Sem Partido”: a primeira, que segue a risca as diretrizes do Banco Mundial para a educação (uma educação “pobre para os pobres”), intensifica a lógica da formação tecnicista e pragmática, voltada não à formação integral do ser humano, mas ao simples atendimento dos interesses do mercado, bem como aprofunda o fosso existente entre as escolas públicas e privadas; já o segundo, se constitui como um movimento conservador que pratica a censura e a perseguição ideológica contra professores, em uma clara tentativa de interditar qualquer reflexão crítica que possa levar ao questionamento do staus quo – na verdade, o que pretende o famigerado movimento “Escola sem Partido” é a constituição de um ambiente educacional sem debates, sem criticidade, sem diálogo, em que impere o “partido e o pensamento único”, (o deles, claro!), o que inviabiliza o próprio processo educativo. Vale ressaltar a conveniência deste movimento, para as classes dominantes, em um contexto potencialmente explosivo de crise econômica e social. Diante disso, tanto ontem quanto hoje, a luta em defesa da educação pública, contra os retrocessos neoliberais e o avanço do conservadorismo, está na ordem do dia da agenda daqueles e daquelas que se comprometem com uma sociedade democrática. Uma Escola que se posicione ao lado da classe trabalhadora, das mulheres, das LGBTI, dos negros/as, na batalha das ideias e no fortalecimento do pensamento crítico, na constituição de uma educação popular, numa perspectiva para além do capital.

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MURALIDADE

Fique

por dentro Mulheres negras propõem encontro nacional para lembrar 30 anos de articulação política. Testemunhos históricos, pontos de vista diversos sobre a organização política das mulheres negras nos últimos 30 anos e análises da conjuntura por ativistas de diferentes gerações marcaram o Fórum Permanente de Mulheres Negras ocorrido no Fórum Social Mundial 2018, em 14 e 15 de março, em Salvador (BA). Cerca de 200 ativistas avaliaram a articulação política e as áreas de incidência contra o racismo, o sexismo e outras formas de opressão, protagonizados pelas mulheres negras no Brasil e na América Latina e Caribe. As atividades foram organizadas por ativistas negras e tiveram o apoio da ONU Mulheres Brasil e da Embaixada do Reino dos Países Baixos, como parte da programação do março mês das mulheres. Entre os acordos fechados no fórum, estão a realização de encontro nacional alusivo aos 30 anos de mobilização contemporânea do movimento de mulheres negras no Brasil, a ser realizado em Goiânia (GO) em dezembro, e apoio ao tema “Igualdade e Empoderamento das Mulheres Negras” na 63ª Sessão da Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres. Fonte: nacoesunidas.org

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dICIONÁRIO DE DIREITOS HUMANOS Neoliberalismo: doutrina, desenvolvida a partir da década de 1970, que defende a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo esta ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim num grau mínimo. Conservadorismo: é uma filosofia política e social que defende a manutenção das instituições sociais tradicionais no contexto da cultura e da civilização. Por algumas definições, os conservadores procuraram várias vezes preservar as instituições, incluindo a religião, a monarquia e o governo.

notÍcias

da rede

Mulheres indígenas aderem a campanha da ONU pelo fim da violência contra a mulher Mulheres indígenas que participam do Acampamento Terra Livre, em Brasília (DF), anunciaram a sua adesão à campanha “UNA-SE pelo Fim da Violência contra as Mulheres”. Lançada pelo secretário-geral das Nações Unidas em 2008, a iniciativa mobiliza instituições e coletivos em todo o mundo para sinalizar espaços e vestir a cor laranja no dia 25 de cada mês como símbolo da luta contra a violência de gênero. A entrada das indígenas brasileiras na campanha reforça a pauta de reivindicações políticas dessa população, que apresenta dez pontos prioritários, entre os quais estão o fim da violação de seus direitos; o empoderamento político e a participação política; o direito à terra e aos processos de retomada; e os direitos econômicos. Para Tsitsina Xavante, uma das lideranças articuladoras da ação do dia 25 de abril, ainda é preciso reconhecer como violações as práticas historicamente naturalizadas sobre os corpos das mulheres indígenas. “Quando você ouve que sua avó e sua bisavó foram pegas no laço, o que aconteceu é que elas sofreram violência. Foi estupro”, explica. Presente no ato, a analista de programa de Gênero e Raça do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Ismália Afonso, disse que a mobilização das mulheres indígenas contra a violência de gênero é um ganho para toda o debate público sobre o tema.

Fonte: nacoesunidas.org

Olá pessoal! Fiquem ligado, porque nos dias 14, 15 e 16 de maio acontecerá o II Congresso Brasileiro de Enfretamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes em Brasília – DF. Vai ser incrível!!!

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www.anamovimento.blogspot.com

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entrevista

Meu nome é Ester Carvalho sou de uma família de professores. Minha mãe é professora de Matemática, Português e Conhecimentos Gerais e meu pai professor universitário na área de Zootecnia. Desde cedo comecei a lecionar. Não sou pedagoga, mas pela formação em História e Direito e um mestrado em Educação, bem como bons conhecimentos de línguas estrangeiras, eu sempre estive nas salas de aula. Desde 2009 eu integro o Conselho Estadual de Educação como conselheira, o que ampliou muito o meu arcabouço de conhecimentos sobre a legislação educacional e me permitiu assumir a presidência do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação, que não presido desde o ano passado, mas que confiou a mim a tarefa de representálo no Fórum Nacional de Educação. Sou servidora do Ministério das Relações Exteriores, cedida para o Governo de Goiás e hoje concilio as atividades no Conselho Estadual de Educação com a coordenação do FNE, o que é uma tarefa desafiadora e muito instigante. Campanha Ana: O que é o Fórum Nacional de Educação, quais são suas principais linhas de trabalho e como é o funcionamento? Ester. C. O Fórum Nacional de Educação é um ente integrado por órgãos públicos, autarquias, entidades e movimentos sociais representativos de segmentos da educação e diversos

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setores da sociedade, todos imbuídos da mesma sede pela melhoria da educação em nosso país. Atualmente o FNE é composto por 37 instituições, e há dois pedidos de ingresso em análise. O Fórum tem caráter permanente, foi criado por portaria do MEC em 2010 e instituído por lei com a aprovação do Plano Nacional de Educação, em 2014. São muitas as nossas atribuições, mas destaco que no meu ponto de vista as mais relevantes são o monitoramento do Plano Nacional de Educação em suas metas e a realização das Conferências Nacionais de Educação. C. Ana: Trazendo para o âmbito escolar, a escola lida com a formação de indivíduos que pertencem a uma sociedade na qual persistem as desigualdades de gêneros, econômicas, a cultura patriarcal. Assim, qual o papel dessa instituição nessa discussão? Ester. C. O papel do Fórum Nacional de Educação é lutar pela educação pública de qualidade, laica, para todos, sempre pautada pelas mudanças na dinâmica social. Temos que dirimir as desigualdades, a intolerância, as desavenças. Nossa melhor ferramenta é a inclusão dessas temáticas na pauta da Educação, o debate e a divulgação para que a sociedade se mobilize na defesa dos direitos fundamentais previstos na Constituição. Cobramos, continuamente, que as políticas públicas tenham alinhamento com os anseios sociais por melhoria de qualidade de vida e de acesso a Educação, que julgamos ser a mola mestra para as mudanças que tanto queremos. C. Ana: Uma pesquisa inédita sobre Ambiente Educacional no Brasil e orientação sexual realizada e divulgada em 2016, apontou que 73% estudantes entrevistados já foram agredidos/as verbalmente por causa de sua orientação sexual e 60% se sentiam inseguros/as na escola no último ano por causa de sua orientação sexual. De que maneira as organizações que promovem educação podem enfrentar esse problema? Ester. C. As organizações que atuam em Educação têm o dever de se dedicar ao combate à discriminação, em todas as

suas formas. Umas o fazem por meio de campanhas na mídia ou impressas, outras, como os Conselhos de Educação o fazem por meio de normas, algumas promovem debates, geram estudos e informações, propõem leis que assegurem direitos. Há um esforço coletivo para que a intolerância seja combatida e liberdade do cidadão seja o norte. Como educadora, acredito que a escola continua sendo o principal vetor para a mudança. O conhecimento é muito importante, mas um currículo não pode se limitar a isso. A escola deve proporcionar aos alunos a vivência e a oportunidade de experimentar, de tomar decisões, de construir a cultura do respeito e da solidariedade. C. Ana: A violência também é uma realidade nas escolas. E ela se manifesta contra as mulheres e entre elas, muitas vezes revelando situações de disputa claras de uma sociedade machista. Como a escola pode mediar esses conflitos e construir outras relações? Ester. C. A violência contra a mulher é uma temeridade e ela se manifesta de inúmeras maneiras. A escola tem um papel preponderante na reprodução de conceitos errados sobre as fragilidades femininas e outros os conceitos que a família e a sociedade apregoam. Fomenta-se que há atividades privativas de homens e mulheres, que há espaços que são tipicamente femininos, e outros masculinos. É um erro crasso, para o qual vemos algumas saídas simples, de alto alcance. C. Ana: Também recai sobre as meninas a gravidez na adolescência, grande fator de evasão escolar. Como a escola pode apoiar nesses casos? Ester. C. Em relação ao direito das adolescentes grávidas e com filhos pequenos, há farta legislação e orientação para que a escola dê a elas todo o suporte para que não se afastem dos estudos. As atividades pedagógicas podem ser realizadas em casa, devendo a escola prover os meios para que elas prossigam os estudos e tenham êxito. Infelizmente, nem todas as unidades escolares observam esses preceitos e descumprem as normas em vigor. As adolescentes raramente buscam a garantia dos seus direitos nos órgãos de controle, por isso a punição é tão rara.

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Fica dica

Livros A educação para além do capital

Filmes Sorriso de Monalisa Katherine Watson é uma recém-formanda da UCLA que foi contratada, em 1953, para lecionar História da Arte na prestigiosa Wellesley College, uma escola só para m u l h e r e s . Determinada a confrontar valores ultrapassados da sociedade e da instituição, Katherine inspira suas alunas tradicionais, incluindo Betty e Joan, a mudarem a vida das pessoas como futuras líderes que serão

A sociedade dos poetas mortos O novo professor de Inglês John Keating é introduzido a uma escola preparatória de meninos que é conhecida por suas antigas tradições e alto padrão. Ele usa métodos pouco ortodoxos para atingir seus alunos, que enfrentam enormes pressões de seus pais e da escola. Com a ajuda de Keating, os alunos Neil Perry, Todd Anderson e outros aprendem como não serem tão tímidos, seguir seus sonhos e aproveitar cada dia.

O Livro A educação para além do capital, escrito por István Mészáros, apresenta-se como contribuição singular. Produzido na forma de ensaio para a conferência de abertura do Fórum Mundial de Educação, realizado em Porto Alegre, em julho de 2004, o brilhante filósofo, em poucas linhas (o livro tem ao todo 80 páginas) nos dá, a todos os educadores latino-americanos, uma rica lição sobre o papel da educação.

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Esta publicação foi produzida com o apoio da União Europeia. O conteúdo desta publicação é da exclusiva responsabilidade da Associação Barraca da Amizade e não pode, em caso algum, ser tomado como expressão das posições da União Europeia.

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