Taxonomia amorosa das casas de um abandono

Page 1

# taxonomia amorosa das casas de um abandono ana flรกvia maru & octรกvio scapin [ modos de habitar | UFG | 2017/18 ]


Este trabalho começa com o desejo de ouvir pessoas falando sobre suas casas, suas construções simbólicas e imaginárias do lugar onde habitou, habita ou sonha habitar. Para isso foram utilizados dois dispositivos principais:

#CHAMADA_NOS_CLASSIFICADOS #FILMAGEM_DA_FALA Ao final do processo, o relato mais emocionante desta experiência foi do Rodrigo, abandonado por Tatiane após pouco mais de oito meses de um namoro intenso, comovente e trágico.


# BANNER VIRTUAL UTILIZADO NA DIVULGAÇÃO VIA FACEBOOK


# 12/012/2017 - ANÚNCIO COM A CHAMADA NOS CLASSIFICADOS DE O POPULAR


# 13/012/2017 - ANÚNCIO COM A CHAMADA NOS CLASSIFICADOS DE O POPULAR


# 14/012/2017 - ANÚNCIO COM A CHAMADA NOS CLASSIFICADOS DE O POPULAR


# 14/012/2017 - MENSAGEM RODRIGO CARDOSO


# 15/12/2017 - ANÚNCIO COM A CHAMADA NOS CLASSIFICADOS DE O POPULAR


#CASA_DO_RODRIGO_MENINO

- Ahh! Antes eu morei no Vila Nova. Morava perto da Escola Estadual José Alves Vila Nova, estudei também na Escola Nuvem Pequena. Ah! Não, antes foi no Colégio Municipal Professora Deushaydes Rodrigues de Oliveira. Mas já era no Guanabara. Pertinho da casa da Tatiane.


#CASA_DO_RODRIGO_CRESCIDO

- Eu sempre passeio com meu cachorro lá perto. Uma volta no quarteirão e eu estava em frente a casa da Tatiane. Tentava olhar pela fresta do portão. Um dia, em um passeio desses, encontrei com ela, também com o seu cachorro. Ela perguntou se eu comia cachorro quente, disse que sim. Dae ela me convidou para ir na sua casa lanchar.


#CASA_DA_Tatiane

- A casa era simples, tinha o quarto da Tatiane, mais um quarto, a sala e uma cozinha estreita. O outro quarto era da filha dela. Mariana Rodrigues Ferreira da Silva, tem 13 anos. Eu sempre levava um agrado para ela. Mas ela não gostava muito de mim, acho que era ciúmes da mãe. Mesmo depois do fim, eu ainda passo lá na porta da casa dela, dou uma olhada pela fresta do portão.


#CASA_DO_RODRIGO_MENINO A casa que Rodrigo nasceu era um desses lugares que ficam no meio da cidade mas que possuem um bucolismo tal ao ponto de podermos dizer que se trata de uma casa pacata, de lentidão aguda, uma casa lesma. A lentidão da casa se estruturava em torno de uma árvore que tinha escolhido para si quase o centro do lote no setor Vila Nova, onde ficava a casa, na mesma rua da mercearia da Dona Mirna e da barbearia do Seu Clóvis, únicos dois pontos comerciais de uma rua residencial de pouquíssimo movimento na trama do bairro. A árvore esteve viva durante os primeiros anos da infância de Rodrigo até que semanas antes de seu aniversário de 7 anos a árvore foi encontrada totalmente sem folhas, completamente seca, para desespero da então criança que tinha ali junto daquela árvore, um lugar de permanência, criação e refúgio. De certa maneira o trauma desta experiência é o que levou Rodrigo, na primeira visita à Tatiane, a lhe dar uma flor artificial num vaso de cerâmica, permanente, para que a demonstração de seu afeto não secasse e fosse encontrada morta no quintal. Rodrigo hesitou o quanto pode até visitar Tatiane em sua casa, após sucessivos encontros pelas ruas do Jardim Guanabara, bairro onde morava Tatiane e também Rodrigo, que saíra da casa do setor Vila Nova dois anos depois da perda da árvore e ainda muitos anos antes de seu abandono por Tatiane.


#CASA_DO_RODRIGO_CRESCIDO A casa de Rodrigo no Jardim Guanabara é uma casa maior, com quatro quartos e uma sala generosa. A coisa mais curiosa desta casa é que ela fica na mesma rua onde se localizam as duas escolas em que Rodrigo estudou durante o ensino fundamental e o ensino médio, respectivamente a Escola Municipal José Maria de Alcântara Caiado Reis de Almeidinha e o Colégio Estadual Coronel José Matozzo Alvarenga Dias. A Escola Municipal José Maria de Alcântara Caiado Reis de Almeidinha se localizava no início da rua, próximo à frequentada pracinha das crianças e o Colégio Estadual Coronel José Matozzo Alvarenga Dias na posição diametralmente oposta, próximo à drogaria do Marcão, amigo de Rodrigo desde que este mudou para o Jardim Guanabara. Foi na drogaria do Marcão que Rodrigo comprou o primeiro pacote de camisinhas que seria usado em seu namoro com Tatiane. Os dois tinham 8 meses de relação mas Rodrigo, num impulso exacerbado de ir devagar com as coisas, adiou o quanto pôde a realização de suas fantasias com a companheira tão amada. Rodrigo acredita que este possa ter sido um dos motivos centrais para a falência da relação e o abandono de Tatiane, como confessou ao amigo Paulão, irmão mais novo de Marcão e que também trabalha na farmácia: “Ela possivelmente não sabe o quanto foi importante para mim. Eu acredito que se ela soubesse o tanto que nossa relação era respeitosa, agradável, creio que ela não teria desistido de mim. Eu entendo que faltou conversa, diálogo. Sinceramente, acho que nós conversávamos sobre tudo, menos sobre os assuntos de casal, sabe? É isso, acabava que não saímos e não tínhamos muita relação sexual, na verdade tinha de tudo mas pouca penetração, entende?”. Rodrigo sente-se abandonado de tal forma que é envolvido a um profundo arrependimento de suas raras incursões sexuais nos tempos de namoro. Ultimamente começou a sonhar que está transando com Tatiane em vários lugares que foram relevantes durante a relação. O sonho mais intenso se tratava de uma transa dos dois no chão de madeira do quarto de rosa que ficava no final do longo corredor da casa de Tatiane.


#CASA_DA_Tatiane A casa de Tatiane também fica no Jardim Guanabara, na terceira rua paralela à rua da casa do Rodrigo. Sempre que ele passava caminhando em frente à casa, dava uma pequena olhada pela fresta remanescente de uma instalação mal feita do portão da casa de Tatiane. Rodrigo sabia que se o carro estivesse na garagem ou se a janela da sala estivesse aberta, Tatiane estaria em casa. O terreno era longilíneo e a casa ficava no meio do lote, gerando dois espaços generosos à frente e ao fundo da casa. Entrando na sala se via à esquerda a cozinha americana e à direita o pequeno cômodo onde Tatiane praticava a costura de roupas. À frente um corredor estreito e longo dá acesso aos três quartos da casa. O último, todo pintado de cor rosa bem claro, era o quarto de Clarice, filha de Tatiane com Jorge, um ex-namorado machista e bastante agressivo que abandonou Tatiane quando soube da gravidez. Rodrigo sempre tentou conquistar Clarice quase na mesma intensidade que tentou conquistar Tatiane. Sempre atencioso e educado, eram frequentes os presentinhos para ambas (geralmente iguais) quando Rodrigo visitava a casa. Esta talvez seja, segundo Rodrigo, outra razão para Tatiane o ter abandonado de modo tão frio e definitivo: Clarice não gostava dele, injustamente, já que Rodrigo tinha tantas boas intenções com ela. Com 8 anos de idade, eram constantes as agressões da menina em direção à ele, seja verbalmente, seja fisicamente. Rodrigo tentava relevar tudo em prol de seu amor por Clarice. O amor não foi reconhecido e Tatiane liquidou a relação por telefone e mandou consertar o portão da casa.


# Todos os textos são fictícios e inspirados na fala de Rodrigo no dia da audição. O material gravado ainda está sendo editado e poderá ser publicado futuramente.

# Este trabalho só foi possível graças ao apoio do IFG Goiás e dos colegas Henrique Borela (cineasta) e Matheus Vaz (arquiteto).


# ALGUM DIA APÓS A AUDIÇÃO - MENSAGEM TATIANE


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.