Catálogo cidade habitada

Page 1

CATÁLOGO CIDADE HABITADA

percepções do habitar Conjunto Habitacional Jardim Edite


Ana Flávia de Siqueira Simão¹ Ricardo Luis Silva²

1Estudante

do Curso de Arquitetura e Urbanismo, Centro Universitário Senac 2Professor

Orientador do Centro Universitário Senac

Projeto de Iniciação Científica Cidade habitada: percepções dos meios de habitar o Conjunto Habitacional Jardim Edite. Linha de Pesquisa

Arquitetura e Design. Metamorfose Urbana: Cidade Mapeada

Ano 2016


A cidade abriga as diversas formas de arquitetura, e a arquitetura por sua vez abriga o habitar. O que é habitar? As relações afetivas assumidas pelo homem em suas habitações, interagindo com a arquitetura que o resguarda, indicam condições de pertencimento, caráter temporal, sensações geradas por esses assentamentos. Nesta pesquisa, a leitura dos significados do habitar pelos autores Gaston Bachelard (1884-1962), Martin Heidegger (1889-1976), Christian Norberg-Schulz (1926-2000), Friedensreich Hundertwasser (1928-2000) e Juhani Pallasmaa (1936-) permitiu a seleção de palavras e a elaboração deste catálogo, que reúne a identifica dos conceitos em um conjunto habitacional escolhido, o Jardim Edite, situado na zona sul da cidade de São Paulo, esquina das avenidas Engenheiro Luís Carlos Berrini e Jornalista Roberto Marinho.

GB

MH

CNS

FH

JP

Planta ilustrativa Jardim Edite. Fonte: <http://www.archdaily.com.br/br/01-134091/conjunto-habitacional-dojardim-edite-slash-mmbb-arquitetos-plus-h-plus-f-arquitetos>. Acesso em abril de 2016.


Este catálogo apresenta o resultado conclusivo do Projeto de Iniciação Científica e tem por objetivo reunir os principais conceitos encontrados durando o período da pesquisa, relacionando-os com as imagens realizadas no objeto habitado, o Conjunto Habitacional Jardim Edite, a fim de servir como um guia para demais alunos e pessoas. Nele, as palavras e seus respectivos significados estão organizadas em ordem alfabética, seguindo o conceito real de um glossário. Cada página é preenchida com uma palavra, ou composição de palavras, seu conceito, e as fotos realizadas pela estudante. Armário / Mesa.................................................... Por Juhani Pallasmaa Arquitectura / Tiempo........................................... Por Juhani Pallasmaa Assentamento / Caminhos....................... por Christian Norberg-Schulz

Caráter / Tempo........................................ por Christian Norberg-Schulz Casa / Cosmos / Universo / Abrigo...................... Por Gaston Bachelard Casa / Janela ..................................... Por Friedensreich Hundertwasser Espaço / Espaço-entre.......................................... por Martin Heidegger Espaços felizes................................... Por Friedensreich Hundertwasser Hogar...................................................................... Por Juhani Pallasmaa

Identificação / Pertencimento ................. por Christian Norberg-Schulz Limite.................................................................... por Martin Heidegger Lugar / Essência do lugar.......................... por Christian Norberg-Schulz Moradia................................................................ por Martin Heidegger Objetos / Símbolos................................................ Por Juhani Pallasmaa Refúgio / Memoria / Identidad............................. Por Juhani Pallasmaa Resguardo............................................................. por Martin Heidegger Ventana / Puerta................................................... Por Juhani Pallasmaa


1

armário / mesa Juhani Pallasmaa destaca alguns móveis que fazem parte de domicílios e dão estrutura ao hogar, como o armário (e demais móveis como cômodas ou gaveteiros) que tem a função de guardar e arquivar memórias. Seus interiores são íntimos e secretos, não devendo ser abertos por qualquer motivo, e por serem certo esconderijo, possuem muita importância para a imaginação do habitante. Assim como o armário, a mesa em um hogar é de se destacar, por ter papel simbólico e estruturador, pois é nela que acontecem os principais encontros e atividades rotineiras de uma família, como refeições, reuniões, costura, dever de casa, festas, até mesmo conversas com visitas.

O projeto dos apartamentos dos edifícios torre tem em sua planta o desenho de um espaço vazio, que extrapola os limites da fachada, e serve para que os moradores utilizem como armários dentro de suas habitações.


2

arquitetura / tiempo

A condicionante para o habitar é a arquitetura, e a arquitetura existe para abrigar o habitar do homem, nenhuma dessas relações seriam estabelecidas sem a presença do tempo. “Somos mentalmente incapaces de vivir en el caos o en uma condición desprovista de tiempo” (PALLASMAA, pág. 118).

Foto realizada do “barrilete” do edifício Torre 2, com vista para o Torre 1.


3

assentamentos / caminhos De diferentes escalas, os assentamentos sĂŁo os ambientes criados pelo homem, que sĂŁo conectados pelos caminhos.

Rastros dos moradores encontrados por entre os caminhos coletivos internos dos edifĂ­cios.


4

caráter / tempo Christian Norberg-Schulz estuda a estrutura do lugar por meio de dois conceitos: “espaço” e “caráter”. Define espaço como geometria tridimensional, como campo perceptual, e caráter como uma função do tempo, que muda com as estações, com o correr do dia, e com as situações meteorológicas (fatores que determinam diferentes condições de luz).

Escadas e halls de acesso dos edifícios lâmina, abastecidos pela luz natural, vinda das grandes aberturas. Aqui o destaque são os contrastes de cheio e vazio, evidenciando os objetos dos moradores que lá permanecem.


5

casa / cosmos / universo / abrigo A casa é tratada como um verdadeiro cosmos (sig.: universo enquanto sistema bem ordenado e coeso), nosso primeiro universo, nosso canto no mundo. A casa para o filósofo é onde o ser habitante sensibiliza os limites do seu abrigo, vivendo-a em sua realidade e em sua virtualidade, através de seus pensamentos e sonhos. Seus benefícios mais preciosos são abrigar o devaneio, proteger o sonhador e permitir que ele sonhe em paz, uma das maiores forças de interação para os pensamentos, as lembranças e o sonho do homem. É um corpo de imagens que dão ao homem razões ou ilusões de estabilidade. Sendo assim, habita-se com intensidade aquele que sabe agarrar-se, prender-se junto as coisas.

Fachada de dois dos edifícios: lâmina (esqueda), torre (direita).


6

casa / janela Em busca de contextualizar o habitar, volto minha atenção à terceira pele de Friedensreich Hundertwasser, a casa. Em seu manifesto “O teu direito de janela – o teu dever de árvore”, Hundertwasser afirma que o homem que quiser permanecer em harmonia com a natureza deve tomar consciência do seu direito mais inato, o direito ao arranjo individual da fachada da sua casa, teu direito de enfeitar a teu gosto a tua janela, tão longe quanto o teu braço alcance.

Janelas dos edifícios lâmina e suas apropriações.


7

espaço / espaço-entre O espaço é, essencialmente, o fruto de uma arrumação, de um espaçamento, o que foi deixado em seu limite. O espaçado é o que, a cada vez, se propicia e, com isso, se articula, ou seja, o que se reúne de forma integradora através de um lugar, ou seja, através de uma coisa do tipo da ponte. Por isso os espaços recebem sua essência dos lugares e não “do” espaço.” (HEIDEGGER, 1954, p. 6) Como o lugar se relaciona com o espaço? Qual a relação entre o homem e o espaço? Gera-se então o “espaço-entre”, que é o espaço arrumado pelas posições, bem específico, intervalo, lugar onde a proximidade e distância podem se tornar simples distanciamentos entre homens e coisas.

Fachadas. Contraste. Luz e Sombra. Cheios e vazios.


8

espaços felizes

Um habitante de espaços felizes está em paz consigo mesmo e com o vizinho.

Estes são alguns dos halls coletivos encontrados em cada um dos andares dos 3 edifícios lâmina. Neles, as apropriações e ocupações por parte dos moradores são diversas e frequentemente presentes.


9

hogar La casa es el contenedor, la cáscara, de un hogar. El hogar és uma expresión de la personalidade del habitante y de sus patrones de vida únicos.” (pág. 16)

Sua essência é integrar memórias e imagens, desejos e medo, passado e presente. O hogar é o cenário de rituais do dia a dia, e por isso não se pode produzi-lo de uma só vez, tem uma dimensão temporal e uma continuidade, é um produto gradual da adaptação no mundo, de uma família ou de um indivíduo. “El hogar es el escenario de la memoria personal, un mediador complejo entra la intimidad y la vida pública. El espacio próprio expresa la personalidade al mundo exterior, pero, no menos importante, esse espacio personal refuerza la imagen que el habitante tiene de sí mismo y materializa su ordem del mundo.” (pág. 22)

Este registro busca exemplificar uma maneira simples da relação entre o habitante e sua habitação.


10

identificação / pertencimento

O “habitar” é a relação do homem com o lugar. Quando um homem habita, está simultaneamente localizado no espaço e exposto a um determinado caráter ambiental no tempo, denominados por “orientação” e “identificação”. Christian Norberg-Schulz afirma que para o homem conquistar uma base de apoio existencial, deve ser capaz de orientar-se espacialmente (identificação), de saber onde está, mas sobretudo deve identificar-se temporalmente com o ambiente (pertencimento), e o habitar pressupõe isso, a identificação com o ambiente, que é a base do sentimento de pertencer. Em função dessa identificação é que o homem se denomina, ele entende que a identidade das pessoas é, em boa medida, em função dos lugares e das coisas, a partir da sua ambiência. Conclui que a identidade humana pressupõe a identidade do lugar, e que habitar significa reunir, juntar o mundo como uma construção concreta.

Vãos para ventilação e iluminação dos halls de acesso aos apartamentos dos edifícios torre e suas grades.


11

limite

“O limite é onde uma coisa termina, mas, como os gregos reconheceram, de onde alguma coisa dá início à sua essência. O espaço é, essencialmente, o fruto de uma arrumação, de um espaçamento, o que foi deixado em seu limite”. (HEIDEGGER, 1954, p. 6)

Espaços fechados e seus limites.


12

lugar / essência do lugar O “lugar”, um ambiente que faz parte da existência, o total, a referência física para os acontecimentos. Dentro deste, há uma essência, a “essência do lugar”. É na essência que se identifica a “qualidade ambiental” do lugar, que pode se dar por coisas concretas que possuam substância material, forma, textura e cor.

Tentativa de registro de formas, texturas e cores aos redores do conjunto.


13 moradia

DĂŁo morada Ă demora dos homens.

Registro da forma de convite e boas vindas de uma moradia.


14

objetos / símbolos

A concepção completa do hogar consiste em três elementos mentais e simbólicos: O primeiro é o grupo dos elementos concretos, como a entrada, telhado, chaminés; o segundo são elementos relacionados com a vida pessoal e a identidade do habitante, um conjunto de objetos de recordação ou mesmo heranças de família; o terceiro e último são símbolos que tem por objetivo oferecer certa imagem ou mensagem para estranhos e visitantes, como signos de riqueza, educação, identidade social, entre outros.

Portas de entrada de alguns dos apartamentos e seus símbolos.


15

refúgio / memoria / identidad Confirma-se uma relação entre o corpo e o hogar, constante diálogo e interação com nosso entorno, onde o domicílio de cada um é o refúgio não só de seu corpo, mas também de sua memória e identidade. Juhani Pallasmaa afirma que a casa é a metáfora do corpo, e o corpo a metáfora da casa, de maneira que experimentar um espaço, um lugar, consistindo em um intercâmbio, de maneira a ser impossível separar nossa própria imagem do contexto espacial.

Moradores e pedestres.


16

resguardo “Habitar, se trazido à paz de um abrigo, diz: permanecer pacificado na liberdade de um pertencimento, resguardar cada coisa em sua essência. O traço fundamental do habitar é esse resguardo.” (1954, p. 3).

Áreas de serviço privadas dos apartamentos, com vão de abertura que permite ventilação e iluminação. A grade limita o espaço, resguardando os objetos dos moradores.


17

ventana / puerta La ventana e la puerta são dois elementos que se relacionam com o corpo humano e apresentam forte significado ao hogar. Las ventanas são os olhos da casa que observam o mundo a sua volta, selecionando previamente a paisagem. “El mundo visto a través de la ventana es um mundo controlado y domesticado”. (pag. 103). São por elas que a luz adentra o ambiente e possibilita ao habitante o sonhar, a imaginação. Assim como a porta, um sinal de parada e convite, que segundo Juhani Pallasmaa, o ato de abrir uma porta é um encontro íntimo entre a casa e o corpo, e a maçaneta oferece um aperto de mãos de boas-vindas.

Algumas das portas, maçanetas, e diferentes apropriações desses espaços de entrada.


BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. Martins Fontes, São Paulo. 2000.

HEIDEGGER, Martin. Bauen, Wohnen, Denken (1951). Conferência pronunciada por ocasião da "Segunda Reunião de Darmastad", publicada em Vortäge und Aufsätze, G. Neske, Pfullingen, 1954. NORBERG-SCHULZ, Christian. “O Fenômeno do Lugar”. In. NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

PALLASMAA, Juhani. Habitar. Barcelona: Editora Gustavo Gili, 2016. RESTANY, Pierre. Friedensreich Hundertwasser, O pintor-rei das cinco peles. Colónia: Taschen,1998.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.