do caos à lama: desafios climáticos e arquitetura pós-desastre

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Universidade Presbiteriana Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação

Ana Beatriz Frade

Orientador: Ricardo Medrano


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¿Cuánto vive el hombre, por fin? ¿Vive mil años o uno solo? ¿Vive una semana o varios siglos? ¿Por cuánto tiempo muere el hombre? ¿Qué quiere decir para siempre? Pablo Neruda (epígrafe de La Casa de los Espíritus, Isabel Allende)


agradecimentos Meus mais sinceros agradecimentos aos seguintes: meus incríveis pais, Marta e Moacir, por todo o amor incondicional que sempre me deram, pelo incentivo diário, pelas oportunidades que vocês sempre se esforçaram em me proporcionar, e por me ensinarem o eterno valor da educação. Aos meus tios Gabriel e Edilene, pelo apoio e carinho. Em especial ao meu tio Gabriel Frade, minha grande inspiração e um dos meus maiores incentivadores dentro do ramo da Arquitetura. Agradeço por me passar o amor aos livros, me disponibilizar sempre sua biblioteca e suas conversas enriquecedoras. As minhas tias e guardiãs eternas, Marina e Rosita, que me acompanharam na jornada acadêmica, por todo o apoio, estímulo e força. À minha avó, Ludovina, a maior fortaleza em forma de mulher que conheço. Por todo o amor e força; meu exemplo de persistência e humildade. Ao meu melhor amigo e companheiro, Cleiton, pelo eterno incentivo, companheirismo e cumplicidade. Minha grande âncora e apoio nesse um ano de trabalho. Aos meus grandes amigos que fiz nesses 5 anos, Fernanda, Maria Laura, Natasha e Wilmar, por toda a amizade, aprendizados e memórias que guardo no fundo do meu coração. Minha melhor equipe de trabalho e de vida. À minha incrível parceira e amiga, Amanda, por todos os 8


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anos de risadas, choros e memórias no nosso quartel general Dafam; por acreditar em mim sempre e ser a irmã que a vida me deu.

À meus queridos amigos que colecionei ao passar dos anos, Bia Garcia, Vini Eiji, Mafer e João Araújo, por todo o apoio e amizade, fizeram parte dessa minha jornada de forma tão especial. Aos meus professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, minhas inspirações e eternos mestres. Me construíram como arquiteta, mas também me formaram como pessoa. Por estarem sempre disponíveis em conversas pós-aula, me abrirem tantas portas, pelos conselhos e acolhimento. Cito em especial os professores Antonio Fabiano, Maria Augusta, Shundi, Patrícia Martins, Celso Minozzi, Carlos Arriagada e tantos outros. Ao Ricardo Medrano, meu orientador e grande mentor. Por toda a paciência, amizade, dedicação e longas conversas que me ajudaram tanto a prosseguir. Responsável por me abrir perspectivas e a criar novas lentes durante o processo. Ao Silvio Sant’anna, por me estimular e compartilhar tanto do seu conhecimento como arquiteto e professor. Seu apoio, alegria e incentivo foram fundamentais. Aos professores Caco Ramos e Larissa Branco, que além de convidados da banca, também foram importantes agentes dentro do meu desenvolvimento como arquiteta e urbanista, meu grande agradecimento. À todos aqueles que de alguma forma fizeram parte desse trabalho, mas também me acompanharam nesses 5 melhores anos da minha vida. Gostaria de poder devolver todo o amor que me foi dado nesse percurso, que não foi pouco. 9


sumário

resumo

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introdução

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capítulo 1

interconexões

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capítulo 2

desafio climático

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capítulo 3

nova linguagem

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capítulo 4

o clima no urbanismo o projeto

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considerações finais

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referências

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abstract Climate change is a rarely seen topic within the scope of architecture and this work tries to provide an overall picture of how this issue needs to be seen through the lens of a collective change. Throughout the work, issues related to global interconnection, the general impacts of climate change and our role in this are mentioned. In addition, data analysis is also brought up as a crucial factor for making more assertive decisions that are coherent with the changes that have been taking place. Finally, we look at this whole context within the urban aspect and adaptation plans, focusing on the case of New York City and its repercussions.

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resumo As mudanças climáticas são um tema pouco visto dentro do escopo da arquitetura e esse trabalho tenta trazer um cenário geral de como esta problemática precisa ser vista sob as lentes de uma mudança coletiva. Ao longo do trabalho são mencionadas questões ligadas à interconexão global, os impactos gerais das mudanças climáticas e o nosso papel em meio disso. Além disso, também é trazida a análise de dados como fator crucial para tomadas de decisões mais assertivas e coerentes com as mudanças que vêm ocorrendo. Por fim, olhamos todo esse contexto dentro do aspecto urbano e dos planos de adaptação, tendo como foco o caso da cidade de Nova York e suas repercussões.

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introdução Através de um primeiro contato com o livro do Noam Chomsky e Robert Pollin, Crise Climática e o Green New Deal Global, e os famosos livros do historiador Yuval Noah Harari, me interessei por saber o que dentro da área de arquitetura existia sobre o contexto da Crise Climática e nossas ações possíveis perante o tema. Embora tenha encontrado alguns trabalhos, poucos dialogavam com o cenário atual das mudanças climáticas, os eventos que aconteceram nos últimos anos e como a tecnologia pode nos auxiliar nesse aspecto. A atuação da arquitetura nesse contexto é essencial para compreendermos nossa influência no meio e nas discussões de planos urbanos que contextualizam as mudanças climáticas. Nesse sentido, este trabalho tenta responder de maneira breve a importância de uma formação ampliada dentro da arquitetura e urbanismo, onde possamos construir cidades entendendo aspectos ecológicos, políticos, sociais e econômicos. Dentro disso, temos no primeiro capítulo a abordagem da sociedade como um organismo sistêmico que se inter-relaciona, assim colocando em vista diversos elementos nas teorias de grandes cientistas: Frijot Capra, Carl Sagan, Yuval Harari. O ponto central é demonstrar que apesar de nos inter-relacionarmos e vermos uns aos outros como dependentes, nós continuamos a resolver grandes problemas de maneira isolada. No segundo capítulo, apresento aspectos gerais sobre a Crise Climática. Assim, eu abordo brevemente os impactos desse evento, e quais direções essa discussão pode 14


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tomar. Também menciono a importância de falarmos sobre isso não apenas no aspecto governamental, mas que essas ações precisam ser discutidas em todos os nichos possíveis. Discuto no terceiro capítulo, a nova linguagem do mundo atual: os dados. Abordarei a visualização de dados como fator primordial para um futuro onde a sociedade incorpore os dados como uma nova linguagem e influência nas tomadas de decisão. Por fim, o último capítulo traz como os planos de adaptação estão direcionando a mitigação de desastres ambientais. Mostro o plano de Nova York que sustenta esse discurso e como o planejamento urbano pode diminuir consideravelmente o número de pessoas atingidas por catástrofes ambientais. _

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interconexões A humanidade, há muito tempo, compreende o universo como uma teia de interconexões. Isso se demonstra quando observamos as representações antigas sobre a vida e a morte, as famosas “árvores genealógicas”. Entretanto, as árvores, em si, estão entre as mais antigas representações de um sistema de pensamento e também colocadas como valiosas reproduções para organização de padrões racionais através das eras. Os modelos de árvores têm sido um importante instrumento na interpretação da evolução das complexidades do entendimento humano. (LIMA, 2011) A árvore da vida, ou árvore do mundo, é “uma imagem de todo o universo, ou pelo menos de nosso planeta, que incorpora a noção de que toda a vida é inter-relacionada e sagrada”. Este conceito místico tem sido frequentemente associado a árvores reais no mundo real, adotando formas e características distintas dependendo da época e área do globo. (LIMA, 2011, p.22)

Com efeito, todos os elementos do planeta se constituem de inter-relações. O físico Frijot Capra, no seu livro O Ponto de Mutação, menciona a nova visão de realidade que baseia-se na consciência do estado de inter-relação essencial de todos os fenômenos (...) (CAPRA, 1982). De maneira simplificada, podemos compreender essa ideia falando sobre uma partícula: A própria partícula de um átomo é, essencialmente, um conjunto de relações que se estendem para se conectarem a outras coisas, assim por diante, formando uma rede interconectada. Ainda assim, a natureza essencial da matéria não está 17


nos objetos, mas nas conexões. Num nível subatômico, a matéria se apresenta numa série de interconexões. A concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e de integração. Os sistemas são totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas às de unidades menores. (...) Os mesmos aspectos de totalidade são exibidos por sistemas sociais - como o formigueiro, a colméia ou uma família humana - e por ecossistemas que consistem numa variedade de organismos e matéria inanimada em interação mútua. (CAPRA, 1982, p.259)

Dessa maneira, quando nos referimos não só a matéria, mas também ao ser humano, o conceito de organismo sistêmico é compreendido como fator inerente à sociedade como um todo; todos se inter-relacionam desde uma escala subatômica até ambientes mais complexos. Essa interconexão se apresenta também como conexões sociais. Compreendemos as conexões sociais desde o ser humano ainda como homo sapiens. Há cerca de 70 mil anos, os humanos, como os chimpanzés, têm instintos sociais que possibilitaram aos nossos ancestrais construir amizades e hierarquias e caçar ou lutar juntos. No entanto, como os instintos sociais dos chimpanzés, os dos humanos só eram adaptados para pequenos grupos íntimos. Quando o grupo ficava grande demais, sua ordem social se desestabilizava, e o bando se dividia. (HARARI, 2012) Assim, como o próprio Harari (2018) menciona: A individualidade é um mito. Humanos raramente pensam por si mesmos. E sim, pensamos em grupos. Assim como é preciso uma tribo para criar uma criança, é preciso uma tribo para inventar uma ferramenta, resolver um conflito ou curar uma doença. Nenhum indivíduo sabe tudo o que é preciso para construir uma catedral,uma bomba atômica ou uma aeronave. (HARARI, 2018, p. 128)

Em outro momento, o historiador Yuval Harari também 18

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explica que a vantagem dos Homo sapiens em relação a todos os outros animais e nos tornou os senhores do planeta não foi nossa racionalidade individual, mas nossa incomparável capacidade de pensar juntos em grandes grupos. Caminhando por essa mesma linha, percebemos então que embora o comportamento de grupo nos faça evoluir ao longo dos milênios, ainda é difícil para o ser humano se integrar em grupos maiores, é mais confortável as inter-relações entre uma pequena tribo. Também segundo Harari, “os humanos são animais integralmente sociais, e a lealdade ao grupo está impressa em seus genes.” (...) No entanto, por centenas de milhares de anos o Homo sapiens e seus ancestrais hominídeos viveram em comunidades pequenas e íntimas, com não mais que algumas dezenas de pessoas. Humanos desenvolvem facilmente lealdade a grupos pequenos e íntimos como a tribo, um batalhão de infantaria ou um negócio familiar, mas a lealdade a milhões de pessoas totalmente estranhas não é natural para humanos. Essas lealdades em massa só apareceram nos últimos poucos milhares de anos — em termos evolutivos, ontem de manhã — e exigem imensos esforços de construção social. (HARARI, 2018, p. 125)

Apesar do imenso esforço para a construção de coletividades nacionais, essa alternativa se viu válida quando grandes desafios que não podiam ser resolvidos por uma única tribo. Ao longo do tempo, ficamos cada vez mais distantes desse nacionalismo que foi criado, não conhecemos as 211 milhões de pessoas que existem no Brasil, mas mesmo assim, dividimos a mesma nacionalidade e dividimos o mesmo espaço, compartilhamos a mesma “lealdade” pelo país. Entretanto, a cooperação coletiva é algo difícil de se alcançar, principalmente em âmbito global. Cooperamos por causas, guerras e ideais, mas sempre como nação, portanto criar uma empatia com todo um globo terrestre em prol de uma questão é uma relação compleCapítulo 1

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xa e vai, de certa maneira, contra nossos genes. Quando nos vemos diante de um problema global, como por exemplo as mudanças climáticas, tendemos a não ter um senso de urgência. A sociedade atual enfrenta problemas sem precedentes, e ainda assim de difícil resolução quando entendemos a atual conjuntura da política. Como Harari (2018) menciona: “hoje temos uma ecologia global, uma economia global e uma ciência global — mas ainda estamos encalhados em políticas nacionais.” A globalização é um fenomeno que aconteceu em diferentes aspectos sociais, contudo a política ainda é nacionalista.

>>[...] A intercon nós importantes mudanças signifi poderão mudar raça humana. As coletivamente ir avanços nessas tanta urgência.<

(...) a única solução real é globalizar a política. Isso não significa criar um “governo global” — ideia duvidosa e pouco realista. Ao contrário, globalizar a política significa que a dinâmica política dos países e até mesmo das cidades deveria dar mais importância a interesses e problemas globais. (HARARI, 2018, p. 141)

Como mencionado, problemas globais devem exigir respostas globais. Em 1961, quando Jane Jacobs publicou o livro The Death and Life of Great American Cities, também comentava sobre isso, porém no meio urbano. No seu último capítulo, Jacobs comenta de um discurso sobre ciência e complexidade na edição de 1958 do 20

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Annual Report of The Rockefeller Center Foundation, escrito pelo Dr. Warren Weaver, no discurso é mencionado sobre a capacidade de se lidar com problemas de diferentes complexidades: simplicidade elementar, complexidade desorganizada e complexidade organizada. Neste último, o fator da complexidade organizada se assemelha muito ao planejamento urbano, como apontado por Jacobs. Certamente todos esses problemas são complexos. Mas não são problemas de complexidade desorganizada, que os métodos estatísticos conseguem solucionar. São problemas que envolvem uma abordagem simultânea de um número mensurável de fatores inter-relacionados num todo orgânico. (JACOBS, 2011, p. 481) Ainda segundo Jacobs (2011) as cidades são problemas de complexidade organizada. Elas apresentam “situações em que meia dúzia ou várias dúzias delas variam simultaneamente e de maneira sutilmente inter-relacionada”. E por sua vez, podem ser analisadas sob vários desses problemas ou segmentos, que estão também inter-relacionados. As variáveis são diversas, mas não são desordenadas; elas estão “inter-relacionadas num todo orgânico”. Dessa maneira, como falado no começo deste capítulo, a interconexão se expande por todo o sistema em que atuamos, desde a natureza essencial da matéria até o mecanismo social e urbano.

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Por esse motivo, é importante traçarmos esse paralelo com a magnitude dos efeitos das mudanças climáticas e como isso se conecta com a nossa parcela de ação dentro disso. O aquecimento global e os efeitos deste evento estão diretamente ligados com o tema deste capítulo. A interconexão faz de nós importantes agentes para mudanças significativas que poderão mudar o futuro da raça humana. Assim, apenas coletivamente iremos alcançar avanços nessas questões de tanta urgência.

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desafio climático

Não é uma novidade o pensamento sobre o “fim do mundo”. Nossa cabeça é permeada por diversas cenas da literatura, blockbusters hollywoodianos ou até clássicas cenas bíblicas do livro de Apocalipse. Embora, no fim do mundo não virá de situações-limite como descrito em O Ensaio Sobre a Cegueira, de Saramago, ou uma onda enorme que varrerá os seres humanos num grande dilúvio; as mudanças climáticas e o aquecimento global deixam cada vez próximo o nosso encontro com ameaças factíveis contra a raça humana. No livro Há Mundo Por Vir? Ensaio Sobre os Medos e Afins (2014), os autores descrevem que estamos, no geral, próximos de entrar em um regime do Sistema Terra inteiramente diferente de tudo que conhecemos. O futuro próximo, na escola de algumas poucas décadas, se torna imprevisível, senão mesmo inimaginável fora dos quadros da ficção científica e das escatálogias messiânicas. Como dito no capítulo passado, o esforço comum será fundamental para superarmos essa ameaça. Segundo Noam Chomsky e Robert Pollin, em seu mais novo livro “Crise Climática e o Green New Deal Global” (2020), o engajamento do mundo inteiro é crucial, mesmo que as responsabilidades sejam proporcionais às capacidades: […] a partir dos mais básicos preceitos morais, uma responsabilidade maior deva recair sobre os grandes causadores das crises ao longo dos séculos, aqueles que criaram em seu processo de enrique-

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cimento um destino sombrio para a humanidade. (CHOMSKY;POLLIN, 2020, pag. 16)

A visão do capitalismo como um dos maiores responsáveis pelos avanços estrondosos das mudanças climáticas, é algo evidente. Embora o neoliberalismo teve uma força decisiva para provocar uma crise climática, com seus “mercados livres” para buscarem as maiores oportunidade de lucro, o grande fator aqui é que as mudanças climáticas foram construídas dentro desse sistema de produção que destrói a natureza por lucro, buscando um ciclo infinito de acumulação. A extração de combustíveis fósseis é a maior fonte de emissão de gases que contribuem para o efeito estufa. Apesar da transição energética ser um fator importante que está descrito em quase todos os livros publicados recentemente sobre o tema, isso não será suficiente, pois estamos lidando com um modo de produção ainda capitalista. E o que temos pela frente? Eventos que já vem acontecendo e que vão passar a acontecer com mais frequência, como ondas de calor extrema, maior precipitação em outras regiões, derretimento do gelo polar, mudança na salinidade e acidez nos oceanos, entre outras coisas. Adicionalmente, as geleiras estão derretendo a um ritmo cinco vezes mais rápido. E é importante mencionar que o derretimento total da camada de gelo da Antártica Ocidental elevaria o mar em 5 metros, cobrindo e levando efeitos devastadores para outros locais, como as planícies de baixa altitude em Bangladesh. Se tomarmos para o debate uma perspectiva capitalista sobre o assunto, podemos trazer uma bibliografia que está sendo bastante debatida atualmente: o novo livro do Bill Gates, Como Evitar um Desastre Climático (2020). Cujo qual cria uma linha de pensamento a qual 26

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não é necessária a intervenção no capitalismo, mas temos que direcionar a ideias como criar e produzir tecnologias revolucionárias, ou seja, apostar na inovação. Embora, até mesmo o título do seu primeiro capítulo seja “De 51 bilhões para zero” (se referindo às toneladas de gases de efeito estufa que o mundo lança a atmosfera anualmente) ou seja, Gates sabe das consequências da produção capitalista, ele não parece compreender a ligação desse sistema como fator crucial. A ideia de que tecnologias revolucionárias vão nos salvar, já foi debatida por cientistas climáticos, simplesmente por não haver razão de apostarmos as nossas fichas em tecnologias que não estão prontas, não são aptas e ademais, não há tempo para esperarmos por esse milagre. Se a pergunta que as vezes se faz é: mas quanto isso nos custará? Saiba que se compararmos o caso dos Estados Unidos, país com emissões de CO2 altas e atitude controversa neste ponto, a ele custaria o valor de 1 a 2% do PIB até 2050, em comparação, na Segunda Guerra Mundial, eles tiveram um dispêndio de 43% do PIB. Os geólogos costumam apontar o período logo após a Segunda Guerra como o início do Antropoceno, uma nova era geológica na qual a atividade humana exerce um impacto profundo e devastador sobre o meio ambiente. Essa demarcação temporal foi confirmada recentemente, em maio de 2019, pelo Grupo de Trabalho sobre o Antropoceno. Agora temos evidências esmagadoras da severidade e da iminência dessa ameaça. (CHOMSKY, 2020) Um termo que está fazendo parte dessa conversa é o “ponto de virada”, que se coloca como o momento o qual os efeitos do aquecimento global serão irreversíveis. Noam Chomsky também explica, sobre o estudo recém-publicado na revista Nature a qual menciona que o temCapítulo 2

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po disponível para intervirmos e evitarmos essa virada já pode ter se esgotado, e o tempo de reação para zerarmos as emissões é de, no máximo, trinta anos. […] talvez não tenhamos mais a capacidade de evitar a virada. Nossa sorte é que talvez ainda seja possível controlar em ‘alguma medida’ o ritmo do acúmulo de danos após essa virada - e, portanto, os seus riscos. (CHOMSKY;POLLIN, 2020, pag. 23)

Raymond Pierrehumbert, professor de física de Oxford e autor do famoso relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) DE 2018, começa sua análise das circunstâncias e opções existentes pelo seguinte: “Vamos colocar tudo na mesa já de saída, sem meias palavras. No que diz respeito à crise climática, sim, chegou a hora de entrarmos em pânico.[...] Estamos numa encrenca”. Apesar disso, ainda há tempo para mitigar a catástrofe climática iminente, contanto que assumamos um compromisso sério como coletivo. Contudo, devemos ter atenção às questões por se tornar problemas tidos como globais, pois como mencionada anteriormente, isso nos coloca facilmente numa posição de inércia. Assim, é necessário descobrir outras maneiras de lidar e resolver esses tópicos de maneira coletiva, como tratando isso no nosso dia a dia e trazendo isso cada vez mais para debates políticos e econômicos, para que nossa tomada de decisão seja cada vez mais assertiva pelo lado também ambiental. Elaborar uma estratégia geopolítica é elementar, apesar de paradoxal. Como criar um consenso entre o planeta, depois de tantas tentativas falhas? Se pensarmos na quantidade de acordos que já tiveram como pauta principal as mudanças climáticas, muitos virão à mente, mas nenhum realmente fez o efeito desejado de causar um avanço significativo nas políticas globais.

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fonte: marianne.net

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Figura 1: Protestos na França depois das medidas do Macron.

Mesmo sabendo de todas as complicações geopolíticas acerca do tema, existem políticos que estão tomando medidas, apesar de grande parcela ter relações fortes com o negacionismo. O Brasil de Bolsonaro (com uma série de crimes repugnantes, mas nunca comparável ao seu comprometimento com a destruição da Amazônia, o “pulmão do mundo”, por meio da entrega da região aos seus amigos da mineração e do agronegócio. (CHOMSKY;POLLIN, 2020, pag. 31)

O negacionismo tem também seu papel dentro disso. Se colocarmos em análise uma faceta da política estadunidense (dando conta da sua influência no resto do globo), dos políticos republicanos, cerca de apenas 25% acreditam que os humanos sejam responsáveis pelo aquecimento global. Lembrando que cerca de pouco tempo atrás estávamos no limiar de quase passar mais 4 anos com um republicano, Donald Trump (o mesmo que retirou os EUA do Acordo de Paris) no poder de um dos países mais influentes do mundo. Capítulo 2

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Por outro lado, Emmanuel Macron, por exemplo, aumentou os impostos sobre combustíveis, em resposta a preocupações ambientais. Porém podemos nos perguntar: Como que as pessoas mais pobres são influenciadas com ações como essa?, que podemos responder com uma frase que ficou como símbolo de manifestações em Paris: “Como nos preocupar com o final do mundo, se não conseguirmos nem passar do final do mês?”. Colocando na balança o efeito que isso causará na população, a Internal Displacement Monitoring Centre (O Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno ou IDMC é uma organização não governamental internacional criada em 1998 pelo Conselho Norueguês para Refugiados em Genebra. Ele se concentra no monitoramento e no fornecimento de informações e análises sobre os deslocados internos em todo o mundo.) mostrou há pouco tempo o dado alarmante de que podemos ter mais de 200 milhões de pessoas refugiadas/imigrantes climáticas até 2050. Já existem números anunciando que talvez algumas cidades do Irã e no Iraque e em países em desenvolvimento sejam abandonadas. A iminente catástrofe global nos evidencia “os cientistas do clima já não são os únicos que precisam lidar com a emergência global” (CHOMSKY, 2020). Assim, a arquitetura também tem seu papel fundamental em desenvolver perspectivas importantes para mudanças climáticas. A relação das migrações forçadas pelos efeitos negativos desse evento, podem fazer com que o papel do arquiteto esteja cada vez mais em evidência. A princípio abrigando esse refugiados com possíveis abrigos, mas também se utilizando de dados para possíveis propostas urbanas que se adequem a um novo futuro. Um exemplo disso é a ideia da Territorial Agency, que é uma organização independente que promove inovação e transformações territoriais sustentáveis. Está 30

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empenhada em fortalecer a capacidade das comunidades locais e internacionais no que diz respeito à gestão abrangente da transformação espacial. As atividades de Agenciamento Territorial estão alicerçadas em extensas áreas territoriais análise, que se concentra em representações complexas das transformações de estruturas físicas em territórios habitados, e levam a uma ampla projetos que visam fortalecer a atuação regional por meio de seminários e eventos públicos como processo de capacitação para inovar.

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nova linguagem Os dados hoje aparecem como uma nova linguagem que nos traduz importantes padrões e previsões do nosso meio. A ciência de dados é a prática de identificar e comunicar padrões através de dados. Em qualquer lugar, esses dados podem ser usados para informar decisões ou mudanças de comportamentos. Dan Hammer, por exemplo, é um cientista de dados que fundou o projeto Global Forest Watch, uma plataforma de open source (código aberto), para identificar o desmatamento em tempo real por meio de imagens de satélite. Nesse projeto, podemos configurar visões de relatórios de cada país, desmatamento por região, ou mesmo algo mais detalhado como a forma como o desmatamento se move pela paisagem. Hammer comenta em uma palestra que todos esses projetos são muito necessários, principalmente para elaborar uma Política Ambiental, já que “você não pode mudar o que não pode ver”. Ou seja, nenhum dado por si só faz a mudança, mas ter o dado visualizado permite que outros estudiosos da área possam contextualizá-los. Assim, criando uma narrativa mais ampla que pode incluir os direitos de propriedade indígena, por exemplo, ou a política local, o que nos deixa muito mais próximos de uma solução.

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A compreensão de um problema por meio de uma plataforma de dados como essa, pode ser chave para criar uma política que seja válida. O “dado” é um fator primordial para um futuro onde a sociedade incorpore tomadas de decisão mais baseadas em ciência e previsões reais. Existem diversos relatórios que são publicados todos os anos por fóruns internacionais, organizações ou governos federais. Estes são repletos de dados importantes sobre temas como o crescimento da população mundial, a quantidade de vacinação global do COVID-19 ou até a quantidade de celulares vendidos nesse ano. A dificuldade maior é, muitas vezes, agrupar esses dados e tê-los como referência de uma maneira mais fácil. Uma proposta que foi criada por pesquisadores, desenvolvedores e voluntários para a compilação desses dados, foi o Wordometer. Um site gratuito e livre, onde você pode ter acesso a diversos tipos de informação em tempo real. Um projeto que foi criado em 2004 e hoje é creditado por lugares como BBC News, United Nations Conference Rio+20, o governo do Reino Unido, entre muitos outros.

Mudanças climáticas e dados O impacto dos dados pode ser analisado também dentro das mudanças climáticas. O relatório anual do World Economic Forum (WEF), o The Global Risk Report, reporta as mudanças no cenários de riscos globais de ano para ano. Em 2021, eles fizeram uma nota se referindo ao relatório de 2006 que previa uma possível pandemia e alertando a importância da previsão estratégica: Em 2006, o Relatório de Riscos Globais soou o alarme sobre pandemias e outros riscos relacionados à saúde. Este ano, o relatório alertou que uma “gripe letal, com

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Figura 2: Site Global Forest Watch

sua propagação facilitada por padrões de viagens globais e não contida por mecanismos de alerta insuficientes, representaria uma ameaça aguda”. Os impactos incluiriam “grave comprometimento de viagens, turismo e outros setores de serviços, bem como cadeias de suprimentos de manufatura e varejo”, enquanto “o comércio global, o apetite de risco dos investidores e a demanda de consumo” poderiam sofrer danos a longo prazo. Um ano depois, o relatório apresentava um cenário pandêmico que ilustrava, entre outros efeitos, o papel amplificador dos “infodêmicos” na exacerbação do risco central. As edições subsequentes enfatizaram a necessidade de colaboração global em face da resistência antimicrobiana (8ª edição, 2013), a crise do Ebola (11ª edição, 2016), ameaças biológicas (14ª edição, 2019) e sistemas de saúde sobrecarregados (15ª edição, 2020 ), entre outros tópicos. Em 2020, o risco de uma pandemia global tornou-se realidade. À medida que governos, empresas e sociedades avaliam os danos infligidos no último ano, o fortalecimento da previsão estratégica é agora mais importante do que nunca. Com o mundo mais sintonizado com o risco, há uma oportunidade de

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fonte: WEF 2020

chamar a atenção e encontrar maneiras mais eficazes de identificar e comunicar o risco aos tomadores de decisão. (WEF, 2021, p.6)

Figura 3: Global Risk Network retirado do WEF 2020.

A realidade da COVID-19 é um alerta crucial para a compreensão da importância dos dados na previsão de riscos. O informe de 2021 do The Global Risk Report menciona também importantes fatores sobre a crise climática. Um deles é que o risco global número 1 que foi previsto é o “falha em ações climáticas” por parte dos governos federais. “Clima extremo”, “perda na biodiversidade” e “dano ambiental pelo ser humano” são outros 3 no ranking de Top 10 mais preocupantes riscos globais. Falha na ação climática: Falha dos governos e empresas em fazer cumprir, implementar ou investir em medidas eficazes de adaptação e mitigação das mudanças climáticas, preservar ecossistemas, proteger populações e fazer a transição para uma economia neutra em carbono. 36

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(WEF, 2021, p.87) O relatório do IDMC (Internal Displacement Monitoring Centre) aponta que os deslocamentos associados a desastres ambientais superam os de conflitos e violência, muito embora relate as dificuldades em monitorar desastres causados apenas em virtude de causas naturais e eventos climáticos. A previsão desses eventos é algo constante em relatórios como esse. A crise do clima é um dos fatores que contribuem para o aumento dos riscos de desastres naturais, como inundações ou secas. Normalmente, são eventos difíceis de evitar, mas existem várias maneiras de reduzir os riscos de desastres naturais.

fonte: Instituto Igarapé

Figura 4: Infográfico retirado do site de Migrações Forçadas.

Um deles é usar a tecnologia da inteligência artificial para prever ou reduzir os riscos. Já existem vários países desenvolvidos que aplicam o conceito de redução de desastres.

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Rania Arinta e Andi Wahju são dois pesquisadores que publicaram o recente artigo chamado Natural Disaster Application on Big Data and Machine Learning: A Review. Nesse texto, é comentado que o conceito de big data e machine learning são importantes quando o assunto é desastre natural. Ao utilizar esses métodos, eles facilitam as tarefas de visualização, análise e previsão de desastres naturais. Com base na análise de dados, podemos determinar o padrão e resolver o problema. Ao prever o evento ou talvez usá-lo para detecção precoce. Para resolver esse tipo de problema, precisamos usar não apenas as fontes de dados, mas também o tipo de modelo/algoritmo para treinar e testar os dados. A parte mais importante da detecção e previsão antecipada é analisar a fonte de dados e o modelo que eles usam para resolver o problema. (ARINTA: EMANUEL. 2019. p. 1) Outra plataforma bastante importante é o Observatório de Migrações Forçadas do Instituto Igarapé. As migrações forçadas por desastres ambientais são uma das consequências da crise climática. Migração involuntária em grande escala induzida por mudanças climáticas, discriminação, falta de oportunidades de avanço econômico, perseguição, desastres naturais ou de origem humana, conflito violento, etc. (WEF, 2021, p.88) O Observatório é utilizado para visualização de dados entre os anos de 2000 e 2017 relacionados a deslocamento associado a desastres naturais de impacto imediato, incluindo inundações enxurradas e tempestades; também à degradação de longo prazo, como erosões, estiagens e secas. Além de deslocamentos em função de desastres provocados por intervenções humanas, inclusive incêndios, liberação de produtos químicos, rompimento de barragens e colapso de edificações. (Observatório de Migrações Forçadas, 2017) 38

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fonte: Instituto Igarapé

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Figura 5: Infográfico retirado do site de Migrações Forçadas.

Somente no ano de 2017 mais de 315.000 pessoas foram deslocadas de suas casas em todo o território brasileiro. Houve casos emblemáticos como o rompimento de barragem em Mariana em 2015, as chuvas na região Serrana 2011, inundações no nordeste em 2009, que aumentaram grandemente o número de refugiados no Brasil. Apenas em 2009 registrou-se o número recorde de mais de 1 milhão de pessoas afetadas por desastres naturais. Segundo o Instituto Igarapé, desde os anos 2000, são contados pelo menos 7,72 milhões de pessoas que foram deslocadas forçadamente na região brasileira, mais de 3.518 municípios afetados e 10.022 refugiados de mais de 80 nacionalidades.

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sustadora, porém as inovações tecnológicas já existentes conseguem ajudar em grande parte na diminuição desses números. É necessário, sobretudo, nos fixar na utilização de dados para alimentar ações reais de políticas públicas, que já estão acontecendo em vários lugares do mundo, como veremos no próximo capítulo. _

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Figura 6: Infográfico feito pela autora, retratando os desastres ao redor do Brasil.

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o clima no urbanismo Podemos entender a importância dos dados no planejamento de políticas públicas, quando visitamos planos urbanos atuais de algumas cidades. Como por exemplo no estudo: “O Planejamento Urbano e Territorial e a Adaptação às Mudanças Climáticas”, da pesquisadora Bárbara Barros, que é mencionado: Cidades mundiais têm elaborado planos de adaptação às mudanças climáticas, visando tornarem-se mais preparadas para lidar com os impactos climáticos extremos e graduais e explorar oportunidades positivas para o seu desenvolvimento urbano sustentável. (BARROS, 2017, p.8)

Diante dos planejamentos urbanos territoriais, observamos alterações em alguns campos, visando adaptações que focam na eficiência e redução da demanda energética. Por exemplo, a adoção de legislações, códigos construtivos e incentivos fiscais para edificações que fomentam o uso de eficiência energética e hídrica, e promovem arquiteturas bioclimáticas, principalmente nos quesitos de ventilação e iluminação passiva. Segundo Barros (2017), um exemplo claro de integração entre planos urbanos e mudanças climáticas são as estratégias voltadas à junção do planejamento do uso do solo com o de mobilidade, objetivando promover formas urbanas mais compactas e, dessa forma, encurtar distâncias e reduzir a demanda de deslocamentos por transportes, consequentemente, reduzir a emissão de Capítulo 3

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>>[..] Além disso, os impactos das mudanças climáticas atingem não apenas os sistemas físicos, como também os sociais, econômicos e ecológicos. Isso acaba demandando um planejamento estratégico, integrado e multidisciplinar para fomentar a adaptação e a resiliência urbana aos eventos climáticos extremos e graduais. <<


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gases efeito estufa. Além disso, os impactos das mudanças climáticas atingem não apenas os sistemas físicos, como também os sociais, econômicos e ecológicos. Isso acaba demandando um planejamento estratégico, integrado e multidisciplinar para fomentar a adaptação e a resiliência urbana aos eventos climáticos extremos e graduais. (BARROS, 2017) Entretanto, devido ao alto acumulado de emissões de gases efeito estufa nas últimas décadas, mesmo uma atual redução drástica no nível de emissões não deverá impedir mudanças significativas sobre o clima global, tampouco capacitará as cidades para lidarem com os eventos climáticos extremos. (BARROS, 2017, p. 33)

Nesse sentido, apenas ações voltadas para mitigação não serão suficientes para lidar com as ameaças das mudanças climáticas. Portanto, faz-se necessário uma estratégia de ação climática que associe tanto medidas de mitigação quanto de adaptação. Assim, a lógica da adaptação não impede os impactos relacionados à crise climática, mas poderão ajudar a ser menos severos; caso utilizemos estratégias de prevenção de danos, preparação para eventos, adaptação a longo prazo e etc, podemos tornar os riscos mais gerenciáveis dentro do contexto urbano. Vale ressaltar que o Planejamento Urbano e Territorial é um meio para promoção do desenvolvimento urbano sustentável de cidades, a partir do ordenamento da estrutura espacial das cidades que preservam o bem-estar das populações, protegem os ecossistemas e recursos naturais, e promovem o desenvolvimento econômico que não prejudique o atendimento das futuras gerações. Dessa maneira, embora a previsibilidade dos impactos climáticos em cidades é acompanhada por certo grau de incertezas, é importante a compreensão de que já há um forte consenso sobre a sua previsibilidade, como Capítulo 3

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o aumento de temperaturas globais e a elevação do nível médio do mar, em outras, como no caso de extremos climáticos, ainda existe grande incerteza sobre os níveis de alterações e intensidade de impactos (ROSENZWEIG & SOLECKI, 2010). Em muitos casos, esse contexto de incertezas envolvidos na adaptação às mudanças climáticas acaba tornando-se justificativa de tomadores de decisão para negar ou postergar uma tomada de ação para adaptação e mitigação frente às alterações climáticas. Em conjunto, os altos custos relacionados ao planejamento e investimentos em infraestruturas para redução de riscos fazem com que a agenda da adaptação seja adiada em detrimento a outras prioridades da governança urbana. Portanto, a tomada de ação imediata, que inclui o planejamento e a implementação de medidas, é a melhor estratégia para reduzir os potenciais riscos presentes e futuros dos perigos climáticos, limitar os danos e custos futuros, promover novas oportunidades econômicas e reforçar a resiliência de populações e instituições. (BARROS, 2017)

Planos de adaptação Grandes cidades ao redor do mundo tomaram ação frente à crise climática e criaram planos iniciais para responderem melhor ao impacto e consequências advindas dela. Lugares como Londres, Nova York, Roterdã, Lima, Chicago, entre outros, fizeram planos e estratégias de adaptação. Dentro desses planos, temos componentes principais a serem tratados para adaptações dessas cidades. Esses pontos incluem o “Uso e ocupação do solo e densidades”, “Edificações”, “Assentamentos Precários Irregulares em cidades em desenvolvimento” e “Espaços livres públicos”. O “Uso e ocupação do solo e densidades” apresenta direcionamentos pensados no crescimento urbano de uma cidade e suas zonas para restringir a ocupação. É sabido que a expansão urbana sobre novas áreas naturalmente sensíveis, como margens de rios, áreas oceânicas 46

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ou encostas, podem gerar riscos climáticos a populações e patrimônios públicos e privados. Dessa forma, o planejamento pode garantir a coesão territorial no nível cidade-região, podendo fortalecer as políticas públicas de desenvolvimento urbano e ambiental para as cidades e seu entorno. (CARTER & SHERRIFF, 2011) Como Barros (2017) comenta em seu texto, o componente de “Edificações” tem sua relação conectado ao incentivo da adoção de medidas adaptativas em edificações novas e na renovação de edificações existentes. Primeiramente, as edificações novas podem, por meio de legislações, zoneamentos, códigos edilícios e construtivos, serem estimuladas a adotar medidas de adaptação voltadas ao reforço estrutural e aumento da resiliência das edificações aos eventos climáticos. Em segundo, as alterações climáticas também deverão impactar o parque imobiliário existente, prejudicando seu desempenho e funcionalidade, e acelerando sua depreciação e desvalorização. Nesse sentido, o PUT pode incentivar a adaptação na renovação das edificações existentes, por meio de alterações em legislações, zoneamentos, códigos edilícios e construtivos. Inclusive, esse tipo de ação favorece o aproveitamento do estoque urbano e diminui a necessidade da expansão urbana para novas áreas naturalmente sensíveis do território (CARTER & SHERRIFF, 2011). Barros (2017) também demonstra no seu texto exemplos de medidas de adaptação em edificações relacionadas a perigos recorrentes nas cidades metropolitanas brasileiras: Inundações (relacionadas às elevações do nível do mar, maré, fluvial e pluvial): 1) Medidas que objetivam moderar a magnitude das inundações perigosas – aumentar áreas permeáveis por meio de pisos drenantes e medidas de IV e IA. 2) Medidas que objetivam a promoção da resiliência em edificações – elevar edificações, aumentar a resistência dos materiais construtivos, adotar Capítulo 3

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residências flutuantes, usar barreiras protetoras, utilizar mobiliário mais elevado e a prova d´água. Em condições de alto risco, pode ser necessário o reassentamento das edificações para áreas de baixo risco (SHAW; COLLEY; CONNEL, 2007; WAMSLER, 2006). Ondas e Ilhas de Calor: 1) Medidas que objetivam reduzir temperaturas e promover eficiência energética – usar estratégias de arquitetura bioclimática que favorecem a ventilação natural, como ventilação cruzada na planta, pela cobertura ou pela elevação da edificação, sombreamento, tratamento das esquadrias, umidificação; e adotar medidas de IV e IA. 2) Medidas que objetivam a promoção da resiliência em edificações – Adotar em eventos extremos de ondas de calor o uso de ar-condicionado, especialmente para asilos, hospitais e creches, já que a literatura enfatiza a vulnerabilidade de crianças e idosos a altas temperaturas, contudo, incorporando a eficiência energética dos aparelhos para evitar a má-adaptação (SHAW; COLLEY; CONNEL, 2007; UN-HABITAT, 2015). (BARROS, 2017, p. 69)

Como próximo componente, temos os “Assentamentos Precários Irregulares em cidades em desenvolvimento”. Nesse caso, os planejamentos podem influenciar na redução de fatores de vulnerabilidade. Assentamentos urbanos precários informais são um dos pontos mais relevantes a serem levantados, já que muitas dessas moradias estão também localizadas em áreas de risco ambiental, 48

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como encostas, margens de rios e de áreas costeiras. Ademais, essas populações são as que possuem menor capacidade para lidar com os impactos. A autora Bárbara Barros (2017) menciona que nesse sentido o PUT pode atuar em favor da adaptação e na redução de riscos de desastres ao promover políticas habitacionais para grupos socioeconomicamente excluídos do mercado formal da moradia, e na redução da vulnerabilidade local de assentamentos precários informais por meio da urbanização de assentamentos, incluindo melhorias físicas na habitação, acesso de qualidade a infraestruturas e serviços urbanos, políticas de desenvolvimento socioeconômico e regularização da posse. Por último, o componente de “Espaços livres públicos” é relacionado à promoção da multiplicação de áreas verdes. A arborização urbana e as áreas verdes e azuis desempenham um papel importante na criação de melhores microclimas urbanos, já que moderam os fenômenos de ilha de calor ao reduzir as temperaturas, diminuir a velocidade dos ventos em áreas que sofrem efeitos de cânions urbanos, melhorar a permeabilidade do solo etc. Além de poder promover diminuição do consumo de água e de energia para resfriamento, o conforto térmico é tido como uma das melhorias de maior relevância. Um exemplo é a Praça Benthemplein (Figura 12), espaço livre multi-

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funcional à prova de inundações na Cidade de Roterdã, Holanda, que durante inundações é um espaço para retenção da água, e durante os períodos secos é um espaço de lazer para à população. Vale ressaltar que uma ação voltada para a adaptação deve incluir a coordenação de várias partes interessadas, em diversos campos de atuação, o que é um desafio. Uma resposta ao clima deve ter caráter holístico e estratégico, devendo ser uma causa que a comunidade abrace de forma a estimular a atuação de todas as partes. (BARROS, 2017)

Plano de Nova York Um dos exemplos mais interessantes atualmente, é o “New York City Panel on Climate Change 2013” (NPCC) (em tradução livre: Painel de Mudança Climática da Cidade de Nova York). A cidade de Nova York já sofre com os perigos climáticos relacionados ao aumento de temperaturas médias, aumento do nível do mar, inundações, ondas de calor, eventos de frio e precipitação intensos (NOVA YORK, 2013). Segundo o documento “Climate Risk Information 2013 - NPCC12” (NPCC, 2013, 5p.), das tendências projetadas até 2050, espera-se um aumento de temperaturas médias numa faixa intermediária de até 3,05°C (5,5°F) sobre a temperatura base (1971-2000), o aumento do nível médio de precipitação de 5 a 10% dos níveis base (1971-2000), e uma elevação do nível médio do mar de 0,27 a 0,60m¹³ (NOVA YORK, 2013; NPCC, 2013). A elevação do nível médio do mar é considerada uma grande ameaça à cidade, isto porque se espera inundações costeiras perigosas mais frequentemente, afetando principalmente as comunidades que residem nas cotas mais baixas, como Lower Manhattan ou South Queens. (Figura 6) 50

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Após o desastre do Furacão Sandy, os novos cálculos mostraram que quase 400.000 nova-iorquinos vivem em planícies inundáveis, expondo assim pessoas, edificações, infraestruturas e ativos econômicos ao perigo de inundações. Em 2013, foi publicado o plano “PLAN NYC - A stronger, more resilient New York”. A principal visão do Plano é “reforçar a resiliência da CNY, por meio da adaptação para redução dos riscos climáticos e recuperação rápida após rupturas de suas proteções”. Os objetivos que contemplam o plano são: 1) abraçar as áreas costeiras, de forma a torná-las atrativas para os cidadãos, protegendo suas infraestruturas críticas e recursos naturais e culturais; 2) adotar um planejamento ambicioso, que apesar da limitação de recursos, possa investir em proteções inteligentes e eficazes, num planejamento flexível às demandas das ameaças climáticas e a necessidade de modificações de estratégias no decorrer do tempo; 3) tornar a CNY numa cidade forte e resiliente, capaz de resistir aos impactos das MC e se recuperar rapidamente de impactos de eventos extremos climáticos (NOVA YORK, 2013, 7p.). O plano focou sua atuação sobre 2 linhas de ação principais: a) A proteção da infraestrutura urbana e do ambiente construído, e b) a reconstrução de comunidades e elaboração de planos de resiliência para elas. Dentro do primeiro grupo, o plano focou na elaboração de estratégias específicas nas áreas que foram mais impactadas pelo Furacão Sandy, foram elas: proteção costeira, edificações, recuperação econômica (engloba seguradoras, serviços, combustíveis líquidos e serviços de saúde), preparação e resposta de comunidades (telecomunicações, transportes e parques), e remediação e proteção do meio ambiente (água e esgoto e outras redes críticas). O segundo grupo contemplou a reconstrução de Capítulo 3

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comunidades e planos de resiliência para as áreas expostas ao perigo de inundações: orla costeira do Brookling-Queens (waterfront), Costas Sul e Leste de Staten Island, Sul do Queens, parte sul do Brookling e de Manhattan. Adicionalmente, o plano contemplou um capítulo para financiamento e implementação das medidas (NOVA YORK, 2013). Segundo Barros (2017), o Plano de Adaptação da CNY privilegiou uma linha estratégica de medidas voltadas à adaptação e o aumento da resiliência das edificações existentes e novas aos eventos climáticos extremos, especialmente inundações.

fonte: Institue for Sustainable Cities

Por fim, planos de adaptação e estratégias estão sendo tomados com sua devida importância cada vez mais atualmente. Esperemos que com esses planos, a valorização deste tipo de estudo se estabeleça mais ainda nos próximos anos para influenciar as tomadas de decisão em cidades e regiões ao redor do globo.

Figura 7: Infográficodas zonas de inundação de NYC.

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o projeto Diante de todos os temas abordados, foi escolhido um abrigo emergencial como tema de projeto, o que ilustra uma das consequências das mudanças climáticas. O objetivo do módulo é a construção de uma habitação modular temporária para situações de desastre ambiental. Levando em conta, não apenas, sua adaptabilidade com o meio, mas também um sistema construtivo que favoreça a flexibilidade projetual da construção do abrigo. É um projeto que se define por sua tectônica e materialidade, e também por sua flexibilidade de espaços.

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considerações finais Ao decorrer do texto, é compreensível o quanto estamos ligados por meio de um organismo sistêmico e por meio dele vemos a necessidade de colaborar para um avanço em problemas coletivos, como é o caso dos desafios climáticos que existem e os que ainda temos pela frente. As tecnologias atualmente nos ajudam a influenciar as tomadas de decisão dos agentes dessas mudanças no meio urbano e global. Projetos ligados a dados e previsões climáticas, como planejamentos urbanos de adaptação territorial são alguns dos pontos de grande importância nessa jornada para diminuição dos impactos da crise climática. Por fim, este trabalho é um chamamento para entendermos as mudanças climáticas e nosso futuro como sociedade de maneira urgente. “Precisamos responder problemas globais com respostas globais” (HARARI, 2011), ou seja, dependemos do coletivo para alcançar mudanças significativas nas questões urgentes que nos cercam como futuro da raça humana e de todos os seres vivos.

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