EDIÇÃO
96 ISSN 0104-3072
REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ODONTOLOGIA VOL. XVII - Nº 3 - JUN/JUL 2009
Planos
Desaf equilíbrio Desafio io é o equilíbrio
ISSN 0104-3072
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O crescimento que queremos
NACIONAL Revista da Associação Brasileira de Odontologia Conselho Editorial Científico Presidente: Norberto Francisco Lubiana Diretor científico: Ricardo Lombardi de Farias Secretária-executiva: Patrícia Meira Bento Conselho Consultivo Carlos de Paula Eduardo, Edela Puricelli, Edmir Matson, Geraldo Bosco Lindoso Couto, Heitor Panzeri, José Mondelli, Luciano Loureiro de Melo, Maria Carméli Correia Sampaio, Maria Fidela de Lima Navarro, Ney Soares de Araújo, Nilza Pereira Costa, Orivaldo Tavano, Orlando Ayrton de Toledo, Roberto Vianna, Salete Maria Pretto e Tatsuko Sakima. A Revista ABO Nacional é uma publicação bimestral da ABO Nacional. Sede administrativa: Rua Vergueiro, 3153, conjs. 82 e 83 - Vila Mariana - São Paulo - SP - CEP 04101-300 Telefax. (+55 11) 5083.4000. Web: www.abo.org.br E-mail: abo@abo.org.br Adress to correspondence: Rua Vergueiro, 3153, conjs. 82 e 83 - São Paulo - SP - Brasil - CEP 04101-300 Web: www.abo.org.br Registrada no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), sob o Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas (ISSN) 0104-3072. A Revista ABO Nacional está indexada nas bases de Filiada à dados Bibliografia Brasileira de Odontologia (BBO) e Literatura Latinoamericana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs).
Produção e Redação: Edita Comunicação Integrada Alameda Santos, 1398 - 8º conj. 87. Telefax (+11) 3253.6485. CEP 01418-100. São Paulo (SP) - Brasil. Email: edita@editabr.com.br Diretores: Joaquim R. Lourenço e Zaíra Barros. Editora responsável: Zaíra Barros (MTb:8989). Repórter: Antonela Tescarollo (MTb: 41547), Diego Freire (MTb: 49.614). Copydesk: Ricardo Palmiéri Barros. Imagens: Fotoabout. E-mail: rsm@fotoabout.com. Diagramação/artes: Edita/Victor Cruz. Diretor de Produção Gráfica: Joaquim R. Lourenço. Publicidade: MN Design (+11) 2975.3916. Impressão: Vitor Mango . Tiragem: 30 mil exemplares. Os conceitos e opiniões emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores e não expressam necessariamente a posição da ABO Nacional. A ABO Nacional não se responsabiliza pelos produtos e serviços das empresas anunciantes, as quais estão sujeitas às normas de mercado e do Código de Defesa do Consumidor. É permitida a reprodução dos artigos não científicos desde que citada a fonte. Os artigos científicos ficam sujeitos à autorização expressa dos autores. Solicita-se permuta – Requests exchange – Si solicita lo scambio – Se solicita canje – On demande l’ èchange – Wir bitten um Austausch
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ando continuidade à sua análise crítica do mercado odontológico, fortalecida pela reportagem da última edição, Os Contrastes do Mercado, a Revista ABO Nacional avalia o crescimento da saúde suplementar odontológica, encabeçada pela Odontologia de Grupo, setor altamente lucrativo, em oposição à ampliação da abrangência dos serviços oferecidos pelos planos e à valorização do profissional que trabalha para eles. Só em 2008, o setor teve receita de mais de R$ 1 bilhão – o que ainda não tem evitado que cirurgiões-dentistas recebam, em média, R$ 10,00 por procedimento realizado. Ao mesmo tempo, apesar de ter atraído grande parte da população nos últimos anos, a quantidade de procedimentos oferecidos aos usuários ainda é reduzida, e não tem acompanhado a evolução do entendimento da Odontologia como de extrema importância não só para a saúde bucal, mas também para a saúde integral do organismo. Dessa forma, a proposta de ampliação do Rol de Procedimentos Odontológicos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que agrupa os serviços que as operadoras são obrigadas a oferecer aos seus clientes, defendida pela ABO e por outras entidades odontológicas, é discutida à luz dos lucros acumulados pelas empresas, dos preceitos da Saúde Coletiva e do tratamento dispensado ao cirurgião-dentista. Também são apresentadas propostas para melhoria das condições de trabalho dos profissionais da Odontologia na iniciativa privada, como o desenvolvimento do Código Brasileiro Hierarquizado de Procedimentos Odontológicos (CBHPO), documento que servirá ao cálculo dos valores cobrados em todo o território nacional, facilitando a negociação com as operadoras de planos. A ABO participa de todas as etapas do desenvolvimento do código, desde sua idealização. A discussão de métodos que equalizem as relações entre a saúde suplementar odontológica, os profissionais contratados e a população atendida emergiu com as desigualdades surgidas a partir do crescimento do mercado. Já em 2002, em sua edição 57, a Revista ABO Nacional mostrava-se vigilante em relação ao setor, apresentando o novo mercado – que, à época, reunia cerca de 80 mil cirurgiões-dentistas. Hoje, os planos odontológicos abarcam 65% dos profissionais de Odontologia (cerca de 183 mil, segundo dados do Sinog). São cirurgiões-dentistas, técnicos e assistentes de saúde bucal, entre outros, que viram no então promissor mercado da saúde suplementar uma perspectiva profissional, e que não podem ficar reféns das regras impostas pelo setor - assim como os mais de 11 milhões de brasileiros usuários de planos odontológicos. Norberto Francisco Lubiana Conselheiro da FDI Diretor-executivo da Fola Presidente da ABO Nacional
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D I R E T O R I A
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N A C I O N A L
Suplentes: Arnaldo Mário Frias Zúniga/PA, Júlio Medeiros Barros Fortes/PI e Jander Ruela Pereira/MT Conselho fiscal Efetivos: Paulo M. O. da Fontoura/RJ, Osmar Cutrim Fróz/MA e Luciano Teixeira da Silva/AP Associação Brasileira de Odontologia - ABO Nacional, registrada no Conselho Nacional Serviço Social sob nº 110.006/54, em 12 de janeiro de 1955. Filiada à FDI e à Fola/Oral. Conselho Executivo Nacional (CEN) Presidente: Norberto Francisco Lubiana/ES Vice-presidente: Luiz Roberto Craveiro Campos/DF Secretário-geral: Newton M. de Carvalho/MG 1o secretário: Ermenson Luiz Jorge/PR Tesoureiro-geral: Sinval Santos P. Silva/ES 1o tesoureiro: Geraldo A.Vasconcelos Fº/PE
Vice-presidentes Regionais Norte: Marco Aurélio Blaz Vasques/RO Nordeste: Eliardo Silveira Santos/CE Sudeste: Paulo M. O. da Fontoura/RJ Sul: Mário Thaddeu Filho/RS Centro-Oeste: Viviam Louise Dias Elias/MS
Diretores do Departamento de Avaliação de Produtos Odontológicos (Dapo) Heitor Panzeri/SP e Elza Helena G. Lara/SP Diretor científico da Revista ABO Nacional Ricardo Lombardi de Farias/PB Representantes no Comissão Nacional de Convênios e Credenciamentos (CNCC) Efetivo: Ricardo Calazans Duarte/RN Suplente: Francisco das C.Pinheiro/RN Conselho Deliberativo Nacional (CDN) Presidente: Osiris Pontoni Klamas/PR Vice-presidente: José Barbosa Porto/CE
Assessores da Presidência Avilmar P. Galvão/BA, Ricardo Calazans Duarte/RN e João Alfredo Silva/MT Assessor internacional Roberto de Carvalho Braga Vianna/RJ
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ABO/Acre Pres. Stanley Sandro da Silva Mendes R. Marechal Deodoro, 837, s.4 69900-210 - Rio Branco - AC Telefax(+68) 3224.0822
ABO/Maranhão Pres. Marvio Martins Dias Av. Ana Jansen,73 65051-900 - São Luiz - MA Tel. (+98) 3227.1719/Fax 3227.0834
ABO/Rio de Janeiro Pres. Paulo Murilo O. da Fontoura Rua Barão de Sertório,75 20261-050 - Rio de Janeiro - RJ Tel. (+21)2504.0002 /Fax: 2504.3859
ABO/Alagoas Pres. Tiago Gusmão Muritiba Av. Roberto M. de Brito, s/n.-Jatiuca 57037-240 Maceió - AL Telefax(+82) 3235.1008
ABO/Mato Grosso Pres. Jander Ruela Pereira Rua Padre Remeter, 170 78008-150 - Cuiabá - MT Telefax(+65) 3623.9897
ABO/Rio Grande do Norte Pres. Pedro Alzair Pereira da Costa Rua Felipe Camarão, 514 59025-200 - Natal - RN Tel. (+84) 3222.3812/Fax: 3201.9441
ABO/Amapá Pres. Daíz da Silva Nunes Rua Dr.Marcelo Cândia, 635 CP 635 68906-510 - Macapá - AP Tel. (+96) 3244.0202/Fax 3242.9300
ABO/Mato Grosso do Sul Pres. Viviam Louise Dias Elias Rua da Liberdade, 836 79004-150 - Campo Grande - MS Telefax (+67) 3383.3842
ABO/Rio Grande do Sul Pres. Flávio Augusto Marsiaj Oliveira Rua Furriel Luis Antônio Vargas, 134 90470-130 - Porto Alegre - RS Tel.(+51) 3330.8866/Fax: 3330.6932
ABO/Amazonas Pres. Alberto Tadeu do Nascimento Borges Rua Maceió, 863 69057-010 - Manaus - AM Tel. (+92) 3584.5535/3635-231
ABO/Minas Gerais Pres. Carlos Algusto Jayme Machado Rua Tenente Renato César, 106 30380-110 - Belo Horizonte - MG Tel. (+31) 3298.1800/Fax 3298.1838
ABO/Rondônia Pres. Paulo Jorge Alves Martins Rua D.Pedro II, 1407 78901-150 - Porto Velho - RO Tel. (+69) 3221.5655/Fax: 3221.6197
ABO/Bahia Pres. Delcik Santos Dutra R.Altino Serbeto Barros, 138 41825-010 - Salvador - BA Tel. (+71) 2203.4066/ Fax 2203.4069
ABO/Pará Pres. Lucila Janeth Esteves Pereira Rua Marquês de Herval, 2298 66080-350 - Belém - PA Tel. (+91) 3277.3212/Fax 3276.0500
ABO/Roraima Pres. Luiz Carlos Schwinden R. Barão do Rio Branco,1382 69301-130 - Boa Vista - RR Tel. (+95) 3224.0897/ Fax: 3224.3795
ABO/Paraíba Pres. Patrícia Meira Bento Av. Rui Barbosa,38 58040-490 - João Pessoa - PB Telefax(+83) 3222-7100
ABO/Santa Catarina Pres. Nádia Maria Fava Rua Dom Pedro I, 224 88090-830 - Florianópolis - SC Telefax (+48) 3248.7101
ABO/Paraná Pres. Osiris Pontoni Klamas Rua Dias da Rocha Filho, 625 80040-050 - Curitiba - PR Tel. (+41)3028.5800/Fax 3028.5824
ABO/São Paulo Pres. José Silvestre Rua Dr. Olavo Egídio, 154 - Santana 02037-000 - São Paulo - SP Tel. (+11) 2950.3332/Fax: 2950.1932
ABO/Espírito Santo Pres. Luiz Carlos Bourguignon dos Santos R. Henrique Rato, 40 - Fátima 29160-812 - Vitória - ES Telefax(+27) 3337.8010
ABO/Pernambuco Pres. Fernando Luiz Tavares Vieira Rua Dois Irmãos, 165 52071-440 - Recife - PE Tel. (+81) 3442.8141
ABO/Sergipe Pres. Martha Virgínia de Almeida Dantas Av. Gonçalo Prado Rollemberg, 404 49015-230 - Aracajú - SE Tel. (+79) 3211.2177 Fax: 3214.4640
ABO/Goiás Pres. Rafael de Almeida Decurcio Av.Itália, 1184 74325-110 - Goiânia - GO Tel. (+62) 3236.3100/Fax 3236.3126
ABO/Piauí Pres. Júlio Medeiros Barros Fortes Rua Dr. Arêa Leão, 545 - SUL 64001-310 - Teresina - PI Tel. (+86) 3221.9374
ABO/Tocantins Pres. Luiz Fernando Varrone Av. LO15 602 Sul - Conj. 02 Lote 02 70105-020 - Palmas - TO Tel. (+63) 3214.2246/Fax: 3214.1659
ABO/Ceará Pres. José Barbosa Porto R. Gonçalves Lêdo, 1630 60110-261 - Fortaleza - CE Tel. (+85) 3311.6666/Fax 3311.6650 ABO/Distrito Federal Pres. Wesley Borba Toledo SGAS 616 - lote 115-L/2 Sul 70200-760 - Brasília - DF Tel. (+61) 3445.4800/Fax 3445.4848
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155 Artigo original
PLANOS
Desafio é o equilíbrio DENTAL INSURANCE PLANS
Balance is the challenge
CBHPO 135 Guia contra a desvalorização profissional
Síndrome do dente gretado Diagnóstico diferencial e possibilidades restauradoras
A method for comprehension of the emotional contents in Pediatric Dentistry
Cracked tooth syndrome Differential diagnosis and treatment possibilities
Fátima Cristina Monteiro de Oliveira
Taciana Marco Ferraz Caneppele Glauco Fioranelli Vieira Susana Morimoto
160 Artigo original Avaliação da rugosidade superficial de resinas compostas diretas e indiretas Superficial roughness evaluation of direct and indirect composite resins
138 Crescer com responsabilidade 140 O crescimento visto de dentro Opinião 144 O mercado de Planos Odontológicos no Brasil Samuel Jorge Moysés
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INSTRUÇÕES AOS AUTORES INSTRUCTIONS TO AUTHORS
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ARTIGOS CIENTÍFICOS SCIENTIFIC ARTICLES
177 Revisão
Um método para a compreensão dos conteúdos emocionais da criança em Odontopediatria
Aline Bassi Denis Maria Cecília Veronezi Mauricio Bordini do Amaral Maira Cristina de Almeida Rocha Laerte Fiori de Godoy
165 Artigo original Confiabilidade do gelo e tetrafluoroetano em dentes com pulpite irreversível Reliability of ice and tetrafluoroethane in irreversible pulpitis teeth Miguel Simão Haddad Filho
182 Relato de caso Tratamento expectante: uma opção segura e conservadora. Relato de caso clínico Indirect pulp capping: simple and conservative option. Case report Renata Loureiro Louro Ian Matos Vieira Maria Teresa Atta Maria Fidela Lima Navarro
185 Relato de caso Queratocisto odontogênico no interior do seio maxilar Odontogenic keratocyst inside maxillary sinus Fábio Oliveira Cardoso Cláudia Assunção e Alves Davidson Rodarte Felix de Oliveira Stênio Neves de Souza Flávio Ricardo Manzi
Artigo original Celso Luiz Caldeira João Marcelo Ferreira de Medeiros Perfil socioeconômico do usuário do Pronto-Atendimento da Clínica 190 PAINEL Odontológica da Unidade de Saúde HIGHLIGHTS 172 Revisão Sabará – Curitiba (PR) Elastômeros na atualidade Iniciativa Global Anticárie: Social-economic user profile in meta é mundo sem cárie até 2020 Elastomers: the state of art Emergengy Serviceat Dental Clinic Paulo Afonso Silveira Francisconi in a Health Unit in Sabará – 191 AGENDA Cristiane Machado de Almeida Nishiyama Curitiba (PR) DENTAL CALENDAR Christian Mendez Alcantara
Márcia Furtado Antunes de Freitas Ian Matos Vieira Renata Loureiro Louro
INDEXADA
Capa, gráficos e produção: Edita Comunicação
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BBO Lilacs
1998 1998
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Desafio é o equilíbrio
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os últimos oito anos, o mercado brasileiro de planos odontológicos saltou de 3 milhões de beneficiários para mais de 11 milhões, crescimento que é tanto consequência quanto gerador de muitas transformações na assistência em Odontologia no País. Para as operadoras, as mudanças foram positivas, já que em 2008 a receita do setor foi de mais de R$ 1 bilhão e seus negócios estão se expandindo e diversificando. Mas há também o lado do cirurgião-dentista credenciado e do usuário e, para equilibrar as relações entre essas partes, entra ainda a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regulamenta o setor e também lida com as reclamações e reivindicações dos envolvidos. Neste âmbito, os profissionais conseguiram uma importante vitória recentemente com a criação do Código Brasileiro Hierarquizado de Procedimentos Odontológicos (CBHPO). Elaborado pela Comissão Nacional de Convênios e Credenciamentos (CNCC), da qual a ABO faz parte, o código auxiliará no cálculo dos valores cobrados por procedimentos odontológicos. A medida atende uma das principais queixas dos credenciados: o baixo valor pago pelos serviços – os
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planos pagam, em média, R$ 10,00 por procedimento. Mas há também que se destacar que os planos odontológicos mudaram o mercado de trabalho dos cirurgiões-dentistas sendo uma forma de atrair mais pacientes ao consultório, num momento em que o atendimento odontológico particular passava por uma crise. E hoje cerca de 65% dos profissionais de Odontologia do Brasil prestam serviço ao setor. Este fenômeno da assistência em saúde também deve ser visto como resultado da inclusão do plano odontológico entre os benefícios concedidos pelas empresas aos seus empregados - 87% dos planos são coletivos. A medida foi bem aceita, pois representa um baixo impacto financeiro para o empregador e é eficiente na melhora da qualidade de vida, da autoestima e da saúde do funcionário. Mas é preciso lembrar que, mesmo com este aumento da cobertura estimulado pela Odontologia suplementar, ainda restam muitos brasileiros que não têm como pagar pelo serviço particular e não o recebem como benefício. Como o leitor poderá concluir nesta edição, o grande desafio é encontrar o ponto de equilíbrio. Antonela Tescarollo Diego Freire
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PLANOS
CBHPO
Guia contra a desvalorização profissional
Cirurgiões-dentistas que têm planos odontológicos como fonte de arrecadação vão dispor do Código Brasileiro Hierarquizado de Procedimentos Odontológicos (CBHPO) como ferramenta legal para negociar pagamentos com operadoras
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egundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a receita dos planos odontológicos no ano passado foi superior a R$ 1 bilhão. A grande fatia do bolo é da Odontologia de grupo, cuja receita em 2008 foi de mais de R$ 760 milhões. Os grandes empresários do setor viram a entrada monetária de seus empreendimentos – que, segundo o Sindicato Nacional das Empresas de Odontologia de Grupo (Sinog), contam com o trabalho de mais de 65% do total de profissionais da área odontológica brasileiros – crescer 71% em menos de 10 anos, desde 2001. Mas o repasse do lucro advindo dessa receita aos profissionais é controverso – planos pagam, em média, R$ 10,00 por procedimento.
Cirurgiões-dentistas credenciados em operadoras de planos odontológicos têm, basicamente, três formas de remuneração: por procedimento, com salário fixo ou por período de trabalho pré-determinado. Independente do meio de pagamento pelo trabalho realizado, uma questão tem sido alvo de profundas discussões, promovidas, essencialmente, pelas entidades de classe e pela ANS: quanto receber? Buscando uma resposta justa a essa pergunta, as entidades que formam a Comissão Nacional de Convênios e Credenciamentos (CNCC) – entre elas, a ABO, o Conselho Federal de Odontologia (CFO), a Federação Nacional dos Odontologistas (FNO) e a Federação Interestadual dos
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Odontologistas (FIO) – contrataram a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas de São Paulo (Fipe), da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), para a elaboração do Código Brasileiro Hierarquizado de Procedimentos Odontológicos (CBHPO). O documento servirá para o cálculo dos valores cobrados por procedimentos odontológicos em todo o território nacional, o que deverá facilitar a negociação com as operadoras de planos. O resultado final do trabalho da Fipe foi apresentado no último dia 7 de agosto, no Rio de Janeiro, a representantes de diversas especialidades odontológicas, da iniciativa privada e da
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PLANOS
Rร SUME - DENTAL INSURANCE PLANS
Balance is the challenge 2YHU WKH SDVW HLJKW \HDUV WKH %UD]LOLDQ PDUNHW IRU GHQWDO LQVXUDQFH SODQV MXPSHG IURP PLOOLRQ EHQHILFLDULHV WR PRUH WKDQ PLOOLRQ D JURZWK WKDW LV ERWK WKH FRQVHTXHQFH DQG WKH JHQHUDWRU RI WRR PDQ\ FKDQJHV LQ GHQWDO FDUH LQ WKH FRXQWU\ )RU RSHUDWRUV WKH FKDQJHV ZHUH SRVLWLYH DV LQ WKH VHFWRUยทV UHYHQXH ZDV PRUH WKDQ 5 ELOOLRQ DQG LWV EXVLQHVVHV DUH H[SDQGLQJ DQG GLYHUVLI\LQJ %XW WKHUH LV DOVR WKH VLGH RI WKH DFFUHGLWHG GHQWLVW DQG WKH XVHU DQG WR EDODQFH WKH UHODWLRQVKLS EHWZHHQ WKHP WKHUH LV WKH 1DWLRQDO $JHQF\ IRU 6XSSOHPHQWDU\ +HDOWK $16 ZKLFK UHJXODWHV WKH VHFWRU DQG DOVR GHDOV ZLWK FRPSODLQWV DQG FODLPV RI WKRVH LQYROYHG ,Q WKLV FRQWH[W SURIHVVLRQDOV DFKLHYHG UHFHQWO\ D PDMRU YLFWRU\ ZLWK WKH FUHDWLRQ RI WKH %UD]LOLDQ +LHUDUFKL]HG &RGH IRU 'HQWDO 3URFHGXUHV &%+32 3UHSDUHG E\ WKH 1DWLRQDO &RPPLWWHH RI 'HQWDO $JUHHPHQWV DQG $FFUHGLWDWLRQ &1&& WR ZKLFK $%2 LV SDUW RI WKH FRGH DVVLVWV LQ FDOFXODWLQJ WKH DPRXQWV FKDUJHG IRU GHQWDO SURFHGXUHV 7KH PHDVXUH PHHWV RQH RI WKH PDMRU FRPSODLQWV RI DFFUHGLWHG GHQWLVWV WKH ORZ SULFH SDLG IRU WKH VHUYLFHV WKH SODQV SD\ 5 SHU SURFHGXUH LQ DYHUDJH %XW LWยทV QHFHVVDU\ DOVR WR HPSKDVL]H WKDW GHQWDO LQVXUDQFH SODQV KDYH FKDQJHG WKH ODERU PDUNHW RI GHQWLVWV DQG LW LV D ZD\ WR DWWUDFW PRUH SDWLHQWV WR GHQWDO RIILFHV DW D WLPH ZKHQ GHQWDO FDUH ZDV JRLQJ WKURXJK D SDUWLFXODU FULVLV $QG WRGD\ DERXW RI GHQWDO SURIHVVLRQDOV LQ %UD]LO DUH ZRUNLQJ LQ WKH VHFWRU 7KLV SKHQRPHQRQ RI KHDOWK FDUH PXVW DOVR EH VHHQ DV D UHVXOW RI WKH LQFOXVLRQ RI GHQWDO LQVXUDQFH SODQV DV EHQHILWV RIIHUHG E\ FRPSDQLHV WR WKHLU HPSOR\HHV RI SODQV DUH FROOHFWLYH RQHV 7KH PHDVXUH ZDV ZHOO DFFHSWHG DV LW UHSUHVHQWV D ORZ ILQDQFLDO LPSDFW IRU WKH HPSOR\HU DQG LV HIIHFWLYH LQ LPSURYLQJ WKH TXDOLW\ RI OLIH VHOI HVWHHP DQG KHDOWK RI WKH HPSOR\HH (YHQ ZLWK WKLV LQFUHDVH LQ FRYHUDJH VWLPXODWHG E\ 6XSSOHPHQWDU\ 'HQWLVWU\ WKHUH DUH VWLOO PDQ\ %UD]LOLDQV ZKR FDQQRW DIIRUG IRU WKH SDUWLFXODU VHUYLFH DQG GR QRW KDYH LW DV D EHQHILW DQG WKHUH LV VWLOO PXFK WR EH LPSURYHG LQ UHODWLRQ WR GHQWLVWVยท UHPXQHUDWLRQ $V WKH UHDGHU PD\ FRQFOXGH LQ WKLV HGLWLRQ RI WKH $%2 1DWLRQDO 0DJD]LQH WKH ELJ FKDOOHQJH LV ILQGLQJ WKH EUHDNHYHQ SRLQW
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ANS. Mas passaram-se cerca de 20 anos atรฉ que o documento fosse produzido. Antes, surgiu a Tabela Nacional de Convรชnios e Credenciamentos, que foi sendo ampliada e aperfeiรงoada em relaรงรฃo aos procedimentos, valores e fรณrmula de cรกlculo. Vรกrios fรณruns estaduais e nacionais foram realizados, atรฉ que se converteu nos Valores Referenciais de Procedimentos Odontolรณgicos (VRPO) โ que serviu de base para a formulaรงรฃo do CBHPO. Alรฉm dos VRPOs, a Fipe trabalhou na equalizaรงรฃo de outros parรขmetros jรก existentes: da ANS; do Colรฉgio Brasileiro de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial (CTBMF); da Sociedade Brasileira de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial (Sobracibu); e da Associaรงรฃo Mรฉdica Brasileira (AMB), num processo que envolveu centenas de cirurgiรตes-dentistas, atravรฉs de consultas que ajudaram a definir os parรขmetros dos valores cobrados. O economista Hรฉlio Zylberstajn, professor da FEA-USP, que coordenou os trabalhos da Fipe na formulaรงรฃo do cรณdigo, esclarece que a partir da classificaรงรฃo hierarquizada as entidades odontolรณgicas poderรฃo negociar a estrutura de valores cobrados. โ A prestaรงรฃo de serviรงos odontolรณgicos, assim como outros segmentos do setor de serviรงos de saรบde, estรก se transformando rapidamente. O mercado se torna mais complexo e os preรงos agora nรฃo podem mais ser determinados como antes. Para funcionar e reduzir os custos das transaรงรตes, o mercado precisa de preรงos referenciaisโ , justifica. A Fipe revisou a metodologia de cรกlculo do VRPO contemplando tanto a estrutura dos custos como os parรขmetros utilizados. Depois, foi feita a elaboraรงรฃo da classificaรงรฃo hierarquizada dos
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PLANOS
Foto: Edita
completa foi realizada entre março e dezembro de 2008. Ainda com o auxílio da Fipe, foi feita uma análise estatística detalhada, que incluiu o cotejamento da valoração dos honorários com o resultado ponderado a partir dos cinco atributos que, segundo a CNCC, definem o procedimento do cirurgião-dentista: tempo, qualificação/atualização, complexidade, risco e planejamento. Ricardo Duarte, da ABO (2º à esq.), Zylberstajn, da Fipe (ao centro), e demais entidades odontológicas
procedimentos. A CNCC colaborou com a execução do trabalho designando representantes de cada especialidade odontológica para sessões de discussão na FEAUSP. A primeira sessão reuniu entidades odontológicas e diversos profissionais para esclarecer eventuais dúvidas e colher sugestões para a formulação do CBHPO. “O que fizemos, inicialmente, foi definir os atributos do ato odontológico, focando nosso olhar no trabalho do cirurgião-dentista, isoladamente, sem levar em consideração custos de equipamento, instalações e ou-
tros elementos – contabilizados em outra fase do processo”, explica o representante da ABO na CNCC, o cirurgião-dentista Ricardo Duarte, do Rio Grande do Norte. Das primeiras reuniões saiu uma lista de variáveis que influenciam no valor da mão-deobra do cirurgião-dentista, como a formação profissional, o grau de complexidade do procedimento e os riscos envolvidos. Na segunda etapa, foram reconhecidos os elementos que compõem o custo operacional dos procedimentos, transformando-os em uma escala de pontos. A pesquisa
Proposta contra abusos Com o objetivo de obrigar as operadoras de planos de saúde a respeitarem os honorários médicos e odontológicos determinados pelas entidades nacionais de cada profissão e referendados pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), tramita na Câmara o Projeto de Lei 1.220/07, de autoria do deputado Jovair Arantes (PTB-GO). Discutido em audiência pública no último dia 11 de agosto, o projeto ainda estabelece que o CNS possa autorizar a utilização de valores regionalizados, desde que mantido o piso mínimo e consultado o Conselho Estadual de Saúde. Em caso de descumprimento da legislação, os infratores estariam sujeitos às sanções previstas na Lei 9.656/98, que trata dos planos de saúde, podendo ter seus planos suspensos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Multas também poderão ser aplicadas em alguns casos. O PL 1.220/07 será analisado em caráter conclusivo pelas comissões de Seguridade Social e Família; de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio; de Constituição e Justiça e de Cidadania. Mais informações: www.camara.gov.br
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Revisão permanente Com o objetivo de criar um canal de comunicação entre a classe, especialmente as entidades que representam os especialistas, para manter a classificação em dia com os procedimentos e suas terminologias, a CNCC criou a Câmara Técnica de Revisão Permanente do CBHPO, com representantes das entidades que compõem a comissão. O prof. Hélio Zylberstajn enfatiza que o resultado das reuniões não é uma tabela de preços. “Não cabe a nós dizer quanto deve custar uma casa, um carro ou um procedimento odontológico. Nosso trabalho produziu, sim, uma escala que relativize todos os procedimentos do cirurgião-dentista no consultório”, disse o economista. O CBHPO oferecerá, também, embasamento legal para punir operadoras que não cumprirem a lei. O CBHPO deverá se transformar em uma resolução do CFO. A publicação oficial do Código está prevista para o primeiro trimestre de 2010, durante o 3º Fórum Nacional de Convênios e Credenciamentos, em Brasília (DF). Para que passe a vigorar, ainda é preciso apresentar seus resultados finais nas plenárias das entidades que compõem a CNCC, publicá-lo no Diário Oficial da União e aprová-lo em forma de PL no Congresso Nacional.
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Crescer com responsabilidade Com o ainda incipiente conhecimento sobre sua real extensão e seus limites, o crescimento do mercado de planos odontológicos precisa ser acompanhado por constante regulamentação, sempre atualizada às suas especificidades
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ão inúmeras as abordagens teóricas para entender a intervenção do Estado na economia, das mais intervencionistas, que justificam a atuação estatal em áreas diversas, às mais liberais, que defendem a ampliação do campo de atuação da iniciativa privada. No Brasil, tal intervenção se dá de forma direta, através de políticas públicas, e indireta, por meio de regulação – e, no caso do mercado de planos de saúde e odontológicos, tal regulação está a cargo da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O processo, tal qual o crescimento do setor, é dinâmico. Estuda-se, por exemplo, a unificação do Rol de Procedimentos Odontológicos ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde – proposta defendida pela Associação Brasileira de Odontologia (ABO), que trabalha, ainda, pela ampliação dos procedimentos que os planos são obrigados a oferecer aos usuários. “A unificação, ao contrário do que possa parecer inicialmente, evidenciaria as especificidades do atendimento odontológico na saúde suplemen-
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tar e corrigiria um erro histórico, a ideia equivocada de que a saúde bucal é alheia ao restante do organismo”, argumenta o representante da ABO na Comissão Nacional de Convênios e Credenciamentos (CNCC), o cirurgião-dentista Ricardo Duarte. Para o secretário executivo da ANS, Alfredo Scaff, que acompanha a revisão dos róis, as arestas que precisam ser aparadas atualmente têm origem no processo inicial da regulamentação da Lei 9.656, de 1998, quando se buscou adotar regras mais abrangentes para os agentes envolvidos. “É preciso priorizar as peculiaridades de cada setor – médico-hospitalar e odontológico –, considerando suas diferentes estruturas e funcionamentos”, afirma. Scaff acredita que o momento é de “refinamento da regula-
ção, para que o mercado se desenvolva de forma sustentável, com o mínimo de desigualdade entre o órgão regulador, a iniciativa privada e os usuários”. Regulamentar para quê? No Brasil, os planos de saúde tiveram origem nos anos 60, no ABC Paulista, quando, atendendo à demanda local, empresas da região passaram a oferecer assistência médica aos seus funcionários. A necessidade foi suprida, mas as empresas surgidas dela passaram quase 40 anos funcionando sem regulamentação específica. Até que, em novembro de 1999, foi criada a ANS, através da Medida Provisória 1.928, aprovada pelo Congresso Nacional e convertida na Lei 9.961, de 28 de janeiro de 2000. A autarquia especial tem a finalidade institu-
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Foto: Rogério Albuquerque
competência da ANS. Conforme o artigo 174 da Constituição Federal, “o Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, deverá exercer, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo determinante ao setor público e indicativo para o setor privado, pois a saúde é um serviço de interesse geral, na qual é reconhecido o caráter suplementar da saúde privada, desempenhada como serviço de interesse econômico em geral, interesse que justifica a regulação desse setor”.
Alfredo Scaff, da ANS
cional de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores. Todos os procedimentos de normatização, fiscalização e controle das operadoras de planos privados de assistência à saúde são de
ANS trouxe benefícios Antes da regulamentação, os contratos de planos de saúde não possuíam cobertura mínima regulamentada – todas as coberturas eram estabelecidas em contratos firmados entre a operadora e o consumidor. Com a criação da ANS, a intervenção do Estado no processo acarretou homogeneização e ampliação da cobertura assistencial dos contratos de planos de saúde, entre outros benefícios. As empresas também passaram a
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ter melhor delimitados, além de deveres, seus direitos, como desobrigação de cobertura de tratamentos experimentais e procedimentos com fins estéticos, entre outros. “Equilibrar essa relação é o desafio. É preciso garantir ao consumidor o menor prejuízo em face dos planos privados de assistência à saúde, e às operadoras a defesa de seu mercado, com a regulação do setor”, avalia Scaff. Saúde bucal como “brinde” Um exemplo recorrente deste desequilíbrio é a identificação de condutas que se caracterizam como concorrência desleal, como operações de empresas que comercializam planos odontológicos sem registro na ANS e operadoras de planos médico-hospitalares que oferecem produto odontológico gratuitamente, como brinde. Devido à gratuidade, muitas vezes o beneficiário não tem conhecimento de que possui tal benefício, ou a rede que a operadora disponibiliza oferece serviço aquém da real necessidade do atendimento à demanda do beneficiário. Não raro, a cobertura desses produtos oferecidos pelas operadoras de planos médico-hospitalares é inferior à estabelecida pelo rol mínimo da ANS. Já as empresas que operam sem registro na ANS oferecem toda a sorte de produtos irregulares, e nem sempre cumprem o estabelecido nos contratos. “Esses casos denigrem o mercado de planos odontológicos, pois os beneficiários não possuem informações suficientes para distinguir tais empresas das que funcionam conforme as regras estabelecidas pela ANS”, diz Scaff, enfatizando a importância da regulação e da fiscalização.
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O crescimento visto de dentro Nos últimos anos, os planos odontológicos tiveram crescimento anual de cerca de 20%, ótima marca para as operadoras, que ampliaram sua receita, seu alcance e diversificaram sua atuação dentro do mercado de saúde suplementar. Este crescimento trouxe também mudanças no mercado de trabalho dos CDs, nem sempre favoráveis, e na Odontologia brasileira em geral
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m 1966, foi fundada no Brasil a primeira empresa de planos de saúde exclusivamente odontológicos. Apesar desses mais de 40 anos, o setor chegou ao final de 2001 com pouco mais de 3 milhões de beneficiários, um crescimento considerado pequeno. Mas nos últimos oito anos aconteceu uma grande transformação, com o número de beneficiários saltando para mais de 11 milhões em março de 2009. Isso significa um crescimento médio anual em torno de 20%, enquanto o do segmento médico-hospitalar não passa de 4,5%. Em 2001, apenas 9% dos usuários de assistência privada em saúde tinham planos odontológicos. Hoje este número está no patamar de 21%, segundo o Sindicato Nacional das Empresas de Odontologia de Grupo (Sinog). E o setor espera que a situação melhore ainda mais. “Atualmente, apenas 5,5% da população brasileira e 28% dos que possuem planos de saúde têm plano
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odontológico. Isso mostra que ainda existe muito espaço para crescimento do mercado”, avalia Ruy Francisco de Oliveira, diretor de Operações da operadora Odontoprev, uma das maiores do Brasil, com 2,6 milhões de associados. Segundo estimativas projetadas pelo banco Credit Suisse para a empresa, sua receita em 2009 deve ser 17% maior do que a do ano passado. Para o Sinog, mesmo com os efeitos negativos da crise, como
a demissão de muitos trabalhadores que tinham o plano odontológico como benefício no empre-
2009: Sinog espera crescimento de 15% no número de beneficiários
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MAIS USUÁRIOS
Carlos Squillaci, do Sinog
Período
Usuários
dez/00
2.757.935
dez/01
3.239.620
dez/02
3.823.514
dez/03
4.456.054
dez/04
5.551.360
dez/05
6.498.107
dez/06
7.699.939
dez/07
9.314.207
dez/08
11.085.201
Fonte: Sinog
Ruy de Oliveira, da Odontoprev
go, é esperado crescimento de cerca de 15% no número de beneficiários em 2009, pois há uma demanda latente dos usuários deste tipo de serviço. Planos odontológicos em boa fase Com este crescimento recente e expectativa de expansão, aumentou também o faturamento das operadoras exclusivamente odontológicas. Em 2001, elas tiveram receita de R$ 345 milhões,
valor que chegou a R$ 1,1 bilhão no final do ano passado. Atualmente, essas empresas são 489 em todo o País, sendo 349 de Odontologia de grupo e 140 cooperativas odontológicas. O bom momento do mercado de planos odontológicos se reflete também no desempenho econômico e financeiro positivo que muitas empresas do setor vêm tendo, com muitas aquisições de outras empresas, parcerias fechadas, ampliação de serviços, entre outras medidas. A Odontoprev, por exemplo, só em 2008, somou sete transações de aquisição de empresas, além de parcerias fechadas com outras operadoras e cooperativas de saúde. Em 2009, a operadora anunciou ainda sua estreia no mercado internacional por meio da joint venture com o grupo mexicano Iké Empresari-
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al, que permitirá a gestão de planos odontológicos naquele país daqui do Brasil mesmo. Outro exemplo do crescimento e diversificação deste mercado é parceria entre a Prodent Assistência Odontológica e a rede de varejo Lojas Marisa firmada no ano passado. A partir deste acordo foi lançado o Marisa Odonto, plano odontológico oferecido aos clientes que possuem o cartão da loja. A ampliação da atuação das
2008: faturamento das operadoras chegou a R$ 1,1 bilhão
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PLANOS
operadoras é percebida também através de negócios fechados com os responsáveis por gerenciar os benefícios de funcionários de grandes companhias, como a que a administradora de planos Tempo Participações tem com a Fundação Sabesp de Seguridade Social, da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo. Para o presidente do Sinog, Carlos Roberto Squillaci, este relevante crescimento do setor se deve inicialmente à crescente conscientização da população, incentivada por campanhas de empresas e entidades odontológicas, sobre a importância dos cuidados com a saúde bucal para ter um sorriso bonito, melhor qualidade de vida e conter outras doenças e problemas do organismo. Ele completa: “Diante da possibilidade do comprometimento da saúde de seus funcionários, inúmeras companhias têm atendido a reivindicações sindicais e concedido o benefício da assistência odontológica. Do ponto de vista da gestão dos recursos humanos, salienta-se, inclusive, a redução do absenteísmo”. Hoje, quase 85% dos planos são contratados de forma coletiva,
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com ou sem a coparticipação do funcionário. As relações entre CDs e planos O Sinog também aponta como um impulso para o crescimento dos planos odontológicos o grande contingente de cirurgiões-dentistas no Brasil (cerca de 227 mil), muitos deles carentes de pacientes em seus consultórios e que viram nos planos uma forma de ampliar seu mercado de trabalho. Segundo estimativas do sindicato, o atendimento aos beneficiários do segmento gera 3,5 mil empregos diretos e 78 mil indiretos, além de 65% dos profissionais em Odontologia do País estarem vinculados às operadoras odontológicas. Cirurgiões-dentistas x operadoras é considerada uma relação polêmica - os profissionais nem sempre estão contentes e satisfeitos com as condições de credenciamento dos planos. Uma das principais reclamações – se não a principal – é o baixo valor pago pelos procedimentos realizados, o que prejudicaria a qualidade do atendimento ao paciente e não é condizente com os crescentes
faturamentos das empresas. Esta questão está sempre na pauta de discussões entre as partes, e um grande passo em favor dos profissionais foi dado com a definição da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Odontológicos (CBHPO), que servirá para calcular os valores cobrados por cada procedimento em todo o País (veja mais na pág. 135). Indagado sobre esta reclamação dos credenciados, o presidente do Sinog defende o setor colocando que há que se considerar também que os benefícios recebidos pelo cirurgião-dentista não se resumem aos valores pagos. “Existem muitas outras oportunidades que acabam impactando positivamente o trabalho deste profissional, como a economia de escala; a customização do consultório com o aproveitamento do tempo ocioso; o aumento do número e do giro de pacientes; o rendimento regular e a garantia de pagamento; e a possibilidade de oferecer outros procedimentos estéticos que não são cobertos pelo plano.” Neste ponto, a operadora de planos Odontoprev também destaca as vantagens que seus credenciados têm. “Temos uma política sólida de valorização dos cirurgiões-dentistas, disponibilizando material odontológico ao CD com descontos e melhor preço. Temos também um programa de educação continuada”, informa a empresa.
CBHPO analisa descontentamento do CD com valor pago pelo procedimento
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As regras, por quem deve segui-las esmo com os bons resultados obtidos, as operadoras de planos odontológicos têm reivindicações para o desenvolvimento e aprimoramento do setor. Um dos pontos que o Sindicato Nacional das Empresas de Odontologia de Grupo (Sinog) defende é a regulação do mercado de planos exclusivamente odontológicos baseada em critérios pertinentes à atividade, para que não sejam colocados no mesmo patamar dos planos médico-hospitalares. A operadora Odontoprev concorda que a regulamentação brasileira para planos é uma das mais rigorosas e avançadas do mundo, mas destaca a sua importância. “A ANS veio para aumentar as exigências e a transparência no setor de saúde suplementar, o que é muito positivo, pois combate práticas prejudiciais como a informalidade e a falta de qualidade no atendimento.” Entre as questões em que atua, o Sinog está mais envolvido atualmente nas discussões das Resoluções Normativas 195 e 196. A primeira dispõe sobre a classificação e as características dos planos privados de assistência à saúde, regulamenta a sua contratação e institui a orientação para contratação de planos privados, entre outras providências. A resolução 196 trata das caracte-
M
Norberto Lubiana, presidente da ABO
rísticas e regras da administradora de benefícios. Outro posicionamento do Sinog em relação às regras do setor é sobre a revisão do rol de procedimentos odontológicos, que determina o mínimo de procedimentos que as operadoras são obrigadas a oferecer dentro dos planos. A revisão está sendo acompanhada e é apoiada pelas entidades que representam os cirurgiões-dentistas, mas, para o sindicato, não há discussões específicas que possam mostrar o real impacto que isto trará para as operadoras e, consequentemente, para todos os usuários deste benefício, já que o ticket médio certamente ficará mais elevado. Para o presidente da ABO Nacional, Norberto Francisco Lubiana, “o crescimento dos planos odontológicos não foi acompanhado pelo crescimento da remuneração profissional”. Ele enfatiza que os baixos valores repassados aos profissionais ainda é um ponto de conflito no setor, além da ampliação do rol de procedimentos. “As operadoras tentam impedir e as entidades defendem ampla abrangência para que os usuários tenham atenção integral em saúde bucal. Tentar conter a ampliação do rol de procedimentos com o argumento de que isso diminuirá a possibilidade de os CDs ganharem com os procedimentos não cobertos pelos planos é falta de responsabilidade social das empresas. A empresa tem que ganhar, mas tem que dar assistência integral ao usuário. Enfim, tem que ser uma empresa cidadã. As empresas concorrentes praticam ações predatórias entre si, ofertando planos a preços cada vez menores aos usuários, e, com isso, não podem remunerar bem os profissionais ou atender adequadamente os usuários. Isso é imoral. Onde está a cidadania e a responsabilidade social destas empresas? A relação entre as entidades odontológicas, o Sinog, representando a iniciativa privada, e a ANS deve ser a de buscar o equilíbrio entre as partes para que ganhem usuários, profissionais e empresas. Isso é parceria. O contrário é exploração”, defende.
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PLANOS
Opinião
O mercado de Planos Odontológicos no Brasil
Samuel Jorge Moysés Ph.D. em Epidemiologia e Saúde Pública pela Universidade de Londres, Inglaterra; professor titular da PUCPR e professor adjunto da UF-PR; assessor do Ministério da Saúde em Vigilância da Saúde Bucal.
A
política de saúde no Brasil seguiu, em anos recentes, uma trajetória paradoxal: de um lado, a concepção universalizante de cobertura pública, proposta no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS); de outro, práticas caracterizadas pela exclusão social e redução de verbas públicas, traduzindo-se no que ficou conhecido como “universalização excludente”. Em função dos bai-
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xos investimentos em saúde, excesso de demanda na rede de serviços públicos e progressivas dificuldades na manutenção da qualidade destes serviços ocorreu uma progressiva migração dos setores médios e abastados da sociedade para os planos e seguros privados. A expansão da chamada “Saúde Suplementar” nas últimas décadas foi significativa, estimando-se em aproximadamente 25% da população do país o contingente de brasileiros cobertos por pelo menos um plano de saúde. Esses números expressam as profundas alterações que a prestação dos serviços de saúde vem sofrendo, colocando na agenda governamental a necessidade do estabelecimento de um ordenamento jurídico legal para o setor, que incorpore a regulamentação desse mercado privado e a definição das suas responsabilidades. Essa regulamentação iniciou-se em 1998, mediante a lei 9.656/98 e aprofundou-se com a lei 9.661, de 2000, que criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar (Malta; Cecílio; Merhy et al., 2004). O sistema de Saúde Suplementar é um sistema privado que, contudo, recebe subsídios diretos ou indiretos do Estado, sob forma de renúncias fiscais e contributivas. Está constituído por quatro modalidades assistenciais: a medicina/odontologia de grupo, a autogestão, a cooperativa médica/odontológica e o seguro-saúde. Estas modalidades
apresentam racionalidades de estruturação distintas, clientelas diferenciadas e formas de financiamento diversas. Ademais, ofertam, no mercado, produtos segmentados por diferentes clientelas. Embora muitos associem as dificuldades enfrentadas pelo SUS com a expansão da assistência suplementar, sugerindo um processo de compensação ou de substituição, os dados disponíveis sugerem uma correlação maior da cobertura por planos e seguros privados com a concentração de renda e de oferta regionalizada de serviços nas regiões mais ricas do país (Pietrobon; Silva; Batista et al., 2008). Portanto, a noção muito difundida no Brasil de que todos os planos de saúde são livremente adquiridos no mercado, é incorreta, pois deveriam ser consideradas, além de fatores socioeconômicos e culturais, as estratégias corporativistas para justificar parcela considerável das coberturas dos planos de saúde. Isso permitira jogar luzes sobre a vigência de mecanismos associativo-institucionais e as relevantes diferen-
Região Sudeste apresenta maior cobertura de planos privados
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DE 2001 A 2008 CRESCIMENTO DAS MODALIDADES DE OPERADORAS DE PLANOS ODONTOLÓGICOS
ças entre os planos, tais como: distribuição etária, número de dependentes, status de saúde a partir de categorias analíticas da demanda, e não pelos limites e franquias dos contratos de planos e seguros, além da elegibilidade, abrangência e qualidade dessas coberturas. De maneira geral, sabe-se que o perfil dos indivíduos que tinham planos de saúde em 2003, são predominantemente mulheres, com idade mais avançada, maior renda familiar per capita, maior escolaridade, pertencentes a famílias constituídas por casal sem filhos ou com filhos com pelo menos 14 anos de idade, residentes nas regiões Sul ou Sudeste e em áreas metropolitanas. Este perfil foi mais típico para aqueles com plano individual em relação aos com plano empresarial privado, à exceção dos atributos relacionados ao local de residência (Bahia; Luiz; Salm et al., 2006). Assim, a região Sudeste apresenta maior cobertura de planos privados de saúde e é a mais expressiva na produção de serviços para o SUS, enquanto a região Norte figura como a mais desprovida em relação aos dois setores. O setor de planos privados de assistência à saúde envolve mais de quarenta milhões de vínculos de beneficiários, dos quais aproximadamente 85% a planos de assistência médica com ou sem odontologia e 15% a planos exclusivamente odontológicos. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o segmento odontológico saltou de pouco mais de três milhões de beneficiários, em 2001, para 7.448.151 em 2006, para 8.590.076 em 2007 e alcançou em dezembro de 2008, 11,1 milhões de vínculos de beneficiários a planos exclu-
Odontologia de grupo 62,87 % Cooperativa odontológica 21,47% Medicina de grupo com plano odontológico 7,59% Seguradora 7,05 % Autogestão 0,46 % Cooperativa médica com plano odontológico 0,41% Filantrópicas 0,15%
sivamente odontológicos, 87% dos quais são planos coletivos. A diferença deste percentual em relação aos planos individuais deve-se, provavelmente, ao fato de que o benefício que as empresas concedem a seus trabalhadores é de baixo impacto financeiro, mas com potencial para gerar melhoria na sua autoestima (Pietrobon; Silva; Batista et al., 2008). Embora o crescimento tenha se verificado em todas as modalidades de operadoras de planos odontológicos, é na odontologia de grupo que o crescimento fica mais evidente, representando 62,87% de todo
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o segmento odontológico. No segundo lugar, as cooperativas odontológicas, com 21,47% do mercado, seguidas de medicinas de grupo com planos odontológicos (7,59%); seguradoras (7,05%); autogestões (0,46%); cooperativas médicas com planos odontológicos (0,41%); e filantropias (0,15%). Para o caso dos planos odontológicos que se encontram em plena expansão, sejam eles coletivos, aqueles contratados pelas empresas como benefício a seus funcionários, ou os individuais, advindos da contratação por pessoas físicas, vislumbram-se várias opor-
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PLANOS
Brasil regula também o produto oferecido
tunidades e desafios para a sua consolidação. Contudo, é preciso assinalar que o acesso restringe-se àqueles que podem pagar diretamente o preço de serviços odontológicos no mercado privado, ou àqueles que tenham a cobertura de algum plano de saúde, seja exclusivamente odontológico ou combinado com a assistência médica - geralmente coletivo com algum subsídio. Resta, no entanto, considerável contingente da população excluído do acesso para suprir suas necessidades mais elementares. A análise efetuada em trabalhos recentes (Gerschman, 2008; Moysés, 2008) evidencia que o modelo brasileiro de regulação do setor de saúde suplementar é diferenciado em relação à experiência internacional. Na maioria dos países, a regulação é feita atuando sobre as empresas do setor, garantindo suas condições de solvência e a competitividade do mercado. No Brasil, a opção foi por regular também - e fortemente - o produto oferecido, ou seja, a assistência à saúde, com medidas inovadoras como a proibição da seleção de risco e do rompimento unilateral dos contratos. Contudo, há importante ausência de controle e avaliação da qualidade da atenção, infra-estrutura e incorporação de tecnologias nos serviços privados conveniados com o SUS. Ao mesmo tempo, beneficiários de planos ainda são
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encaminhados para atendimento pelo SUS. Ambas as situações reforçam uma tendência à segmentação da atenção à saúde e o favorecimento indireto do setor privado pelo SUS. Ao acrescentar dados recentes de produção de procedimentos, capacidade instalada, utilização de tecnologia e financiamento, observa-se a tendência à especialização do setor público na atenção básica, enquanto o setor privado se especializa em serviços de média e alta complexidade, reforçando assim a segmentação do sistema de saúde. Fatores moderadores de consumo ou barreiras de acesso são os meios mais comuns de controle de custos. Um passo importante na regulação constituiu-se na implantação do ressarcimento ao SUS. Este foi concebido para desestimular o atendimento de clientes de planos de saúde em estabelecimentos da rede pública e privada conveniada ao SUS. O ressarcimento ainda é polêmico entre as operadoras e ainda existem inúmeras dificuldades no processo de retorno do recurso desembolsado aos cofres públicos. As críticas produzidas dentre os diversos atores variam conforme a sua origem, inserção social e defesa dos interesses que representam. Convive-se com uma grande heterogeneidade nos padrões de qualidade do setor, fragmentação e descontinuidade da atenção, que comprometem a efetividade e a eficiência do sistema como um todo, atingindo as redes de cuidados básicos, especializados e hospitalares, que atendem a clientela de planos de saúde. Nesse sentido, os órgãos de defesa dos consumidores, como o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), pontuam, por exemplo, a “armadilha aos idosos”, apontada como a permissão da adoção de preços diferenciados
entre os mais jovens e mais velhos, e a permissão de não coberturas. Os órgãos de defesa do consumidor, com as entidades profissionais, questionam a não cobertura de todas as patologias, a autonomia na solicitação dos procedimentos, a remuneração dos profissionais, dentre outros. As cooperativas questionam os prazos de adaptação às leis, a obrigatoriedade e constitucionalidade do ressarcimento, as dificuldades impostas aos pequenos planos e empresas regionais, no que se refere às exigências de coberturas. As empresas de grupo pontuam os prazos de adaptação às leis, a ilegalidade quanto à retroatividade, as muitas exigências que levam ao aumento dos custos dos produtos. As seguradoras criticam que o modelo criado tornou-se muito expandido com regras de difícil execução (Malta; Cecílio; Merhy et al., 2004). As operadoras e prestadores têm desenvolvido mecanismos microrregulatórios próprios (managed care), como a instituição de protocolos, de mecanismos de referência e fluxos que dificultam a solicitação de alguns procedimentos, o co-pagamento, fatores moderadores, dentre outros. A existência desses mecanismos freqüente resulta na fragmentação do cuidado, que se torna centrado na lógica da demanda e da oferta do que foi contratado e não na lógica da produção da saúde, do cuidado. A saúde torna-se para o mercado um produto e não um bem. Mesmo quando se investe em atividades de promoção e prevenção, esse componente entra mais como produto de marketing do que como diretriz do modelo assistencial, visando de fato ao cuidado à saúde. Tais aspectos devem ser destacados contrapor o pensamento de que “os serviços têm valor de uso
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Deve ser levado em conta também o interesse dos CDs
e de troca, sendo, portanto mercadoria, daí a existência do mercado de saúde” (Assada, 2003). Defende-se aqui que o consumo de ações de saúde difere do consumo de serviços em geral, pois “não se operam escolhas livres no ato da decisão do consumo. O usuário não se porta como um consumidor comum diante da mercadoria, em função de ser desprovido de conhecimentos técnicos e por não deter as informações necessárias para a tomada de decisão sobre o que irá consumir. Não cabem as premissas comuns ao mercado, como a livre escolha e a concorrência. Muitas vezes o consumo em saúde é imposto por situações de emergência, quando até a escolha do serviço e do profissional torna-se muitas vezes imposta por outros determinantes, como, por exemplo, a proximidade e a disponibilidade” (Malta; Cecílio; Merhy et al., 2004). A baixa sustentabilidade econômica do modelo liberal da profissão, representado por consultórios particulares, tem levado a profissão dos dentistas a criar mecanismos de permanência no mercado (Moysés, 2004). A crise do modelo liberal da profissão exige dos profissionais uma reavaliação na forma de organização e de atendimento. As mudanças no mercado de trabalho devem levar em conta a participação das empresas de odontologia de grupo e administradoras de convênios
(Pietrobon; Silva; Batista et al., 2008). Na ótica do setor privado, embora pulverizado e com predomínio de empresas de pequeno porte, certamente o mercado de planos de saúde odontológico apresenta um grande dinamismo. O setor é altamente rentável, apresentando uma grande capacidade na geração de receitas que explica o crescimento e a permanência destas modalidades no mercado. Os padrões de rentabilidade média, principalmente das empresas de odontologia de grupo, são extremamente elevados, ficando muito acima de qualquer atividade empresarial do Brasil (Vieira e Costa, 2008). O aumento do número de profissionais dentistas, a maior concorrência por pacientes e a queda no desembolso direto, produzindo escassez de pacientes no consultório particular, geram respostas estratégicas dos profissionais no formato de empresas cooperativas ou na criação das sociedades civis de natureza empresarial. Contudo, devem ser levados em conta não somente os interesses das empresas, mas, também, as reivindicações dos profissionais responsáveis pelo atendimento. Grande parte de profissionais trabalha com algum tipo de odontologia de grupo, por meio de contratos, convênios e credenciamentos, realizando o atendimento muitas vezes em seus próprios consultórios. Boa parte dos cirurgiões-dentistas relata estarem insatisfeitos com relação a sua participação no sistema de odontologia de grupo. No entanto, apesar da insatisfação, somente uma pequena parte dos profissionais pretendem se desligar do sistema (Pietrobon; Silva; Batista et al., 2008). A partir de 2007, todas as empresas operadoras deverão progressivamente implementar o
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novo plano de contas estabelecido pela ANS, ajustar suas reservas técnicas, implantar a Troca de Informações de Saúde Suplementar - TISS, que padronizará as guias preenchidas nos diversos prestadores de serviços médicos e odontológicos. Além disto, instituir o Programa de Qualificação, cujo principal interesse é a produção da saúde, com a realização de ações de promoção à saúde e prevenção de doenças. REFERÊNCIAS Assada, RM. A realidade dos convênios. Disponível em: http://jornaldosite.com.br/ arquivo/anteriores/ricardo/ artricardo63.htm. Acessado em 24/07/2009. Bahia, L; Luiz, RR; Salm, C; et al. O mercado de planos e seguros de saúde no Brasil: uma abordagem exploratória sobre a estratificação das demandas segundo a PNAD 2003. Ciência & Saúde Coletiva, v.11, n.4, p.951-965. 2006. Gerschman, S. Políticas comparadas de saúde suplementar no contexto de sistemas públicos de saúde: União Européia e Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v.13, n.5, p.1441-1451. 2008. Malta, DC; Cecílio, LCDO; Merhry, EE; et al. Perspectivas da regulação na saúde suplementar diante dos modelos assistenciais. Ciência & Saúde Coletiva, v.9, n.2, p.433-444. 2004. Moysés, SJ. Políticas de saúde e formação de recursos humanos em Odontologia. Revista da Associação Brasileira de Ensino Odontológico (Abeno), v.4, n.1, p.30-37. 2004. ______. Saúde bucal. In: Giovavanella, L; Escorel, S; Lobato, LDVC; et al (Ed.). Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008, p.705-734 Pietrobon, L; Silva, CMD; Batista, LRV; et al. Planos de assistência à saúde: interfaces entre o público e o privado no setor odontológico. Ciência & Saúde Coletiva, v.13, n.5, p.1589-1599. 2008. Vieira, C e Costa, NDR. Estratégia profissional e mimetismo empresarial: os planos de saúde odontológicos no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v.13, n.5, p.1579-1588. 2008.
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Instruções aos autores A Revista ABO Nacional é uma publicação bimestral da Associação Brasileira de Odontologia, dirigida à classe odontológica e aberta à publicação de artigos inéditos de investigação científica, relatos de casos clínicos, resumo de teses, artigos de revisão e/ou atualização, bem como reportagens sobre assuntos diversos relacionados à Odontologia. Os artigos devem ser enviados em cópia impressa e gravados em mídia digital regravável (CD ou disquete), em arquivo de editor de texto compatível com Windows (para PC). 1 - Apresentação dos artigos Os artigos devem ser inéditos, não sendo permitida a sua apresentação simultânea em outro periódico. Reservam-se os direitos autorais do artigo publicado, inclusive de tradução, permitindo-se, entretanto, a sua reprodução como transcrição e com a devida citação da fonte. Todos os artigos são analisados pelo Conselho Editorial Científico que avaliam o mérito do trabalho. Aprovados nesta fase, os artigos são encaminhados ao Conselho Consultivo (revisão por pares) que, quando necessário, indicam as retificações que devem ser feitas antes da edição. Quando houver mais de cinco autores justificar a efetiva contribuição de cada um deles. Os artigos devem atender à política editorial da Revista e às instruções aos autores baseadas no “Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals”* (estilo Vancouver), elaborado pelo International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE). O idioma do texto pode ser o português, o inglês ou o espanhol, desde que tenha título, palavras-chave e resumo traduzidos para o português, pelo autor. Exigem-se declaração assinada pelo autor, responsabilizando-se pelo trabalho, em seu nome e dos coautores; carta anexa, constando nome, endereço, telefone e e-mail do autor que ficará responsável pela correspondência; duas vias (original e cópia) acompanhadas cada uma das respectivas imagens. Recomenda-se que os autores retenham outra cópia em seu poder. Os artigos devem ser digitados (fonte Times New Roman, corpo 12) e impressos em folha de papel tamanho A4, com espaço duplo e margens laterais de 3 cm e ter até o máximo de 15 laudas com 30 linhas cada (incluindo ilustrações). As ilustrações (gráficos, quadros, desenhos e fotografias) devem ser apresentadas em folhas separadas e numeradas, em algarismos arábicos. Cada tipo de ilustração deve ter a numeração própria seqüencial de cada grupo. As legendas das fotografias, desenhos e gráficos devem ser claras, concisas e localizadas abaixo das ilustrações e precedidas de numeração correspondente. As ilustrações devem ser mencionadas no texto em seguida onde foram citadas, limitadas até o número máximo de 10. As imagens referentes aos trabalhos devem ser apresentadas na dimensão 12 x 9 em contraste correto, em papel. Porém, dá-se preferência a imagens digitalizadas, que devem ter resolução de, no mínimo, 300 DPIs. Não são aceitas imagens no formato cromo ou slides. Não se adota o procedimento de publicação de foto do autor. As tabelas devem ser numeradas, consecutivamente, em algarismos arábicos. As legendas das tabelas e quadros devem ser colocadas na parte superior das mesmas. Não traçar linhas internas horizontais ou verticais. As notas explicativas devem vir no rodapé da tabela. Para unidades de medida usar somente as unidades legais do Sistema Internacional de Unidades (SI). Quanto às abreviaturas e símbolos, utilizar somente abreviaturas padrão. O termo completo deve preceder
a abreviatura quando ela for empregada pela primeira vez, salvo no caso de unidades comuns de medida. As notas de rodapé são indicadas por asteriscos e restritas ao indispensável. 2 -Ética Estudos que envolvam seres humanos, bem como prontuários clínicos, devem ter o consentimento por escrito do paciente e aprovação da Comissão de Ética da Unidade (Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e seus complementos). 3 - Preparo dos manuscritos Página de identificação: título do artigo e subtítulo em português e inglês (conciso, porém informativo); nome do(s) autor(es), indicando em nota de rodapé um título e uma única filiação por autor, sem abreviaturas e endereço eletrônico. Resumo/Abstract: deve ressaltar o objetivo, o método, os resultados e as conclusões do trabalho. Usar a terceira pessoa do singular e verbo na voz ativa. Os resumos devem ter até 250 palavras, no máximo. Os resumos dos artigos originais devem conter informação estruturada constituída de Introdução – Material e Métodos – Resultados – Conclusões. Para outras categorias, o formato do resumo deve ser o narrativo. Palavras-chave/Key words: identificam o conteúdo dos artigos. Consultar: Descritores em Ciências da Saúde (DeCS/Bireme) disponível em http://decs.bvs.br; Descritores em Odontologia (DeOdonto/SDO-FOUSP); “Medical Subject Headings” (MeSH/Index Medicus). 4 - Estrutura do texto INTRODUÇÃO – Deve ser concisa, explanar os pontos essenciais do assunto e o objetivo do estudo baseado em referências fundamentais. MATERIAL E MÉTODOS – Descreve a seleção dos indivíduos que intervieram na pesquisa, incluindo os controles e os métodos relacionados às etapas da pesquisa. Os métodos e os equipamentos (apresentar nome, cidade, país do fabricante entre parênteses), bem como os fármacos incluindo os nomes genéricos e produtos químicos, devem ser identificados no texto. RESULTADOS – Apresentar os resultados, sempre que possível, subdividido em itens e apoiado em gráficos, tabelas, quadros e figuras. DISCUSSÃO – Enfatizar os aspectos novos e importantes do estudo e não repetir em detalhes, o que já foi citado em Introdução e Resultados. CONCLUSÃO (ÕES) – Vincular as conclusões aos objetivos do estudo e respaldadas pelos dados. Quando for conveniente incluir recomendações. AGRADECIMENTOS – Quando necessários, devem ser mencionados os nomes dos participantes e/ou instituições que contribuíram para o trabalho. Para relato de casos apresentar: INTRODUÇÃO, RELATO DE CASO, DISCUSSÃO e CONCLUSÃO. 5 - Referências (estilo Vancouver) Citar as referências, no máximo 30, por ordem
alfabética de autores e numeradas em ordem crescente (www/nlm.nih.gov/bsd/uniform_require ments.html) Os títulos dos periódicos devem ser abreviados de acordo com o “List of Journals Indexed in Index Medicus” (www.nlm.nih.gov/) Publicações com dois autores até o limite de seis citam-se todos; acima de seis, acrescentar em seguida a expressão et al. Exemplos: Artigo de periódico Brinhole MCP, Teixeira R, Tosta M, Giovanni EM, Costa C, Melo JAJ, et al. Intubação submental: evitando a traqueostomia em cirurgia bucomaxilofacial. Rev Inst Ciênc Saúde. 2005; 23(2):169-72. Artigo de periódico em formato eletrônico Abood S. Quality improvement initiative in nursing homes: the ANA acts in an advisory role. Am J Nurs [serial on the Internet]. 2002 Jun [cited 2002 Aug 12];102(6):[about 3 p.]. Available from: www.nursingworld.org/AJN/2002/june/ Wawatch.htm Livro Newman MG. Carranza periodontia clínica. 9ª ed. Rio de Janeiro : Guanabara Koogan; 2004. Livro em formato eletrônico Marzola C. Transplante e reimplante [CD-ROM]. São Paulo: Pancast; 1997. Dissertação e tese Ferreira TLD. Ultra-sonografia – recurso imaginológico aplicado à Odontologia [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo; 2005. Comunicação pessoal e citação de citação (apud) devem ser evitadas. Quando consideradas essenciais, devem ser citadas no texto e indicadas em notas de rodapé, sem fazer parte da lista de referências. Identificar os autores no texto em algarismos arábicos em forma de potenciação correspondente às referências. Citar os nomes dos autores no texto com seus respectivos números sobrescritos e data entre parênteses só quando for necessário enfatizálos. Quando houver dois autores mencionar ambos ligados pela conjunção “e”, acima de dois, cita-se o primeiro autor seguido da expressão et al. Exemplos: A prótese adesiva foi introduzida há poucas décadas3. Loe et al.2 (1965) comprovaram que o acúmulo de placa bacteriana está relacionado com o desenvolvimento da gengivite. Recomenda-se que incluam também a bibliografia nacional existente. A exatidão das referências é de responsabilidade dos autores.
Enviar originais dos artigos para: Sede Administrativa da ABO Nacional Rua Vergueiro, 3153, Conj. 82 - 04101-300 - São Paulo - SP - Brasil - Telefax: (+5511) 5083-4000 E-mail: abonacional@uol.com.br
* Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals. Bethesda : NLM; 2005 [updated 2005 Oct; cited 2005 Oct 24]. Available from: http://www.icmje.org/
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Perfil socioeconômico do usuário do Pronto-Atendimento da Clínica Odontológica da Unidade de Saúde Sabará – Curitiba (PR) Social-economic user profile in Emergengy Serviceat Dental Clinic in a Health Unit in Sabará – Curitiba (PR) Palavras-chave: Fatores socioeconômicos. Assistência odontológica. Serviços médicos de emergência. Key words: Socioeconomic factors. Dental care. Emergency medical services.
Christian Mendez Alcantara *
RESUMO
Introdução - A Comunidade do “Bolsão” Sabará teve seu início no final da década de oitenta com invasões ou ocupações em propriedades localizadas na Cidade Industrial de Curitiba (C.I.C.). Sua população, atualmente, está estimada em dez mil pessoas. Este trabalho teve como objetivo definir um perfil aproximado do usuário da clínica odontológica para orientar as ações a serem desenvolvidas pela equipe de saúde bucal. Material e Métodos - Foram utilizados 100 questionários divididos em questões abertas e fechadas. Resultados e Conclusões - Pelos dados obtidos, o usuário do prontoatendimento da clínica odontológica nos dias de semana, em sua maioria, tem as seguintes características: sexo feminino, idade próxima a 30 anos, etnia branca, dois a três filhos em média, renda familiar inferior a dois salários-mínimos, primeiro grau incompleto, casado, proveniente de zona rural, tem moradia própria, tem como queixa principal a dor, e considera a atenção do pronto-atendimento como sendo de boa qualidade. ABSTRACT
Introduction - The community of “Bolsão” Sabará started at the end of the eighties, as a result of trespassing and settling on properties located at Cidade Industrial de Curitiba (C.I.C.).The population of this area is estimated in ten thousand inhabitants. This introductory work aims to define an approximate user profile of the dental clinic in order to guide the dental treatments performed by the dental health squad. One hundred questionnaires were used, with both open and multiple choice questions. Material and Methods - Through received data, most users of emergency service at dental clinic, on weekdays, are described as having the following characteristics: female, age of around 30 years old, white-skinned, two or three children, family income lower than R$ 400,00, incomplete studies of elementaryschool, married, from the countryside, and own dwelling. Their main complaint was pain. They considered emergency service care as being of good quality. INTRODUÇÃO * Cirurgião-dentista, Advogado, Especialista em Odontologia em Saúde Coletiva, Mestre em Administração e Doutor em Direito, Professor dos Cursos de Auxiliar de Consultório Dentário (ACD) e Técnico em Higiene Dental (THD) da Universidade Federal do Paraná. E-mail: cmalcantara@ ufpr.br
Ao iniciarmos nossa atividade clínica na Unidade de Saúde Sabará (U.S. Sabará), foram observadas características peculiares desta unidade e da área na qual se inseria. Constatou-se que para definirmos a melhor forma de atendimento para nossa
clientela, ou seja, para atuarmos com maior eficiência e eficácia, precisaríamos conhecer melhor o perfil e as características da mesma. Eficiência pode ser definida como melhor utilização de recursos para atingir um objetivo. Eficácia seria a escolha de metas adequadas e a consecução das
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mesmas3. Eficiência também poderia ser definida como “fazer as coisas direito” e eficácia como “fazer as coisas certas”4.
específicos de atenção odontológica, não sendo incluídas no cálculo da média. Estado civil
Material e Métodos
Foram utilizados 100 questionários (Figura 1), distribuídos no pronto-atendimento odontológico, proporcionalmente nos períodos da manhã, tarde e noite. O Pronto-Atendimento da Clínica Odontológica funcionava da seguinte forma: as consultas eram oferecidas no início do turno da manhã e os usuários, na maioria dos dias, pela alta demanda, tinham que “madrugar” para conseguí-las. Cada pessoa tinha direito a apenas uma consulta. Se quisesse ter novo atendimento em outro dia, teria que enfrentar a fila novamente. Resultados e Discussão
Sexo: feminino 65%, masculino 35% Observou-se uma diferença significativa em relação à composição por sexo na população em Curitiba, que é de aproximadamente 52% feminina e 48% masculina2. A explicação, mais provável, é que mesmo a U.S. Sabará funcionando, na época, em três turnos, 8 às 12 horas, 12 às 16 horas e 16 às 20 horas, o acesso para a população trabalhadora, neste caso predominantemente masculina, era restrito, pois para marcar consulta era necessário permanecer de madrugada até aproximadamente 8 horas (horário de agendamento), perdendo então horas de trabalho, além do retorno à residência ocorrer a partir das 19 horas, horário em que os funcionários da Clínica Odontológica já começavam a limpeza do material e da clínica, não atendendo mais pacientes. Em Unidades de Saúde, no horário comercial, é comum observar uma clientela eminentemente composta por aposentados, crianças e mulheres donas de casa. Média de idade: 28 anos e meio
Esta média foi propiciada provavelmente pelo fato do “Bolsão Sabará” ser uma área de intensa imigração, atraindo muitos jovens e adultos jovens de áreas rurais do interior do Paraná. É interessante observar que crianças até 12 anos tinham programas
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Nesta amostra, 50% das pessoas eram casadas e 20% estavam em “união estável” (antigo concubinato). União estável pode ser conceituada como sendo: “a convivência duradoura pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”1. Em populações de menor condição socioeconômica é relativamente comum o informalismo nas relações conjugais. É interessante observar que, na atualidade, seguindo a jurisprudência, há legislação que reconhece a união estável e os direitos da companheira. Três por cento dos entrevistados eram viúvos ou viúvas e, geralmente, as mortes eram de origem violenta.
Curitiba: 5% Outros Estados: 4% Zona Rural: 64% Cidades do interior do Paraná: 59% Outros Estados: 5% Estes dados demonstram a intensidade do êxodo rural, frequente em nosso país. A maior parte desta população tinha experiência anterior apenas na “roça”. Isto, adicionado à baixa escolaridade, dificultava sobremaneira sua inserção no mercado de trabalho. Foi sugerida à Fundação de Ação Social a criação de cursos profissionalizantes. Número de filhos
A maior parte dos entrevistados apresentou de dois a três filhos, seguindo a tendência nacional2. É importante observar que 10 das 100 pessoas entrevistadas apresentaram filhos falecidos.
Escolaridade
Foram encontrados 13% de analfabetos. No ensino fundamental, que reúne os antigos primário e ginásio, observou-se o seguinte: ● primário incompleto – 19% ● primário completo – 27% ● ginásio incompleto – 32 % ● ginásio completo – 4% No ensino médio, antigo segundo grau, foi observado: ● 2º grau incompleto – 3% ● 2º grau completo – 2% Constatou-se baixo grau de escolaridade, talvez um pouco melhor que os indicadores gerais brasileiros, mas incompatível com uma cidade com índices sociais como os de Curitiba, conhecida como sendo “uma cidade de primeiro mundo”. Foi sugerido à Autoridade Sanitária Local e à Secretaria Municipal de Educação a implementação no bairro de programa de alfabetização de adultos e de ensino supletivo nos níveis fundamental e médio do período noturno. Origem
Zona Urbana: 36% Cidades do interior do Paraná: 27%
Renda familiar
Até um S.M. – 52% De um a dois S.M. – 38% De dois a três S.M. - 7% De três a quatro S.M. – 3% Pelos dados obtidos ficou evidente o baixo nível socioeconômico da população do “Bolsão Sabará”. A periferia de Curitiba e sua região metropolitana concentram população que se encontra em condições extremamente precárias. A política de atendimento odontológico deve observar estas condições. É necessário também que o poder público estabeleça políticas compensatórias nestas regiões. Moradia
Setenta por cento dos entrevistados apresentaram moradia própria, apesar das precárias condições socioeconômicas. Aparentemente, a ocupação irregular democratiza a posse da propriedade. Experiência de tratamento
Dez por cento das pessoas jamais tinham ido ao cirurgião-dentista. Este dado é revelador já que a média de idade destas foi de 27 anos e meio. Em futuras pesquisas é interessante também avaliar a fre-
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quência das pessoas que tiveram tratamento anterior. Motivo de procura
A maioria dos entrevistados identificou
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como queixas principais, a dor e a necessidade estética. É importante observar que as pessoas relatavam sua preocupação com os dentes anteriores, especialmente, para conseguir inserção profissional.
PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA SECRETARIA MUNICIPAL DE SAUDE UNIDADE DE SAÚDE SABARÁ FICHA CLÍNICA - PRONTO ATENDIMENTO (PA) NOME: DATA DE NASC: ENDEREÇO: SEXO: M( ) F( ) ESTADO CIVIL: C( ) S( ) A( ) V( ) ESCOLARIDADE: BÁSICO: INCOMPLETO ( ) COMPLETO ( FUNDAMENTAL: INCOMPLETO ( ) COMPLETO ( SEGUNDO GRAU: INCOMPLETO ( ) COMPLETO ( SUPERIOR: INCOMPLETO ( ) COMPLETO ( PROFISSÃO: RENDA FAMILIAR: NÚMERO DE FILHOS: VIVOS ( ) MORTOS ( ) ORIGEM: ZONA RURAL CIDADE: ESTADO: ZONA URBANA CIDADE: ESTADO: MOTIVO DA MIGRAÇÃO: _____________________________________ ORIGINÁRIO DE ZONA RURAL:
SITUAÇÃO DOMICILIAR:
( )PROPRIETÁRIO ( )ARRENDATÁRIO ( )EMPREGADO
( ) CASA PRÓPRIA ( ) CASA ALUGADA
NUMERO DE CÔMODOS DA CASA:
NÚMERO DE MORADORES:
MOTIVO DA PROCURA PELO P.A.:
FACILIDADE DE ACESSO ( ) DOR ( ) ESTÉTICA ( ) HORÁRIO DE ATENDIMENTO ( ) OUTROS – QUAL ?:
CONCEITO QUANTO AO ATENDIMENTO:
( ( ( (
) ÓTIMO ) BOM ) REGULAR ) INSATISFATÓRIO
ATENDIMENTO ODONTOLÓGICO ANTERIOR: SIM ( ) NÃO ( ) TIPO DE ATENDIMENTO ANTERIOR: FAZ TRATAMENTO MÉDICO NO MOMENTO ?: TIPO DE TRATAMENTO: OBSERVAÇÕES: Fig. 1 - Questionário US Sabará
Grau de satisfação com o atendimento odontológico
Mais de 50% dos entrevistados consideraram como bom o atendimento numa escala que variava de ruim para ótimo. Sugeriram que se possibilitasse um maior número de consultas para a população. A ampliação do atendimento é um dos grandes desafios da atenção pública odontológica, o outro é a efetivação da atenção especializada. CONCLUSÕES
) ) ) )
A atenção odontológica não pode ser propiciada baseada exclusivamente em aspectos biológicos. Deve observar aspectos sociais, econômicos, culturais, entre outros. Isto é ainda mais importante no Sistema Único de Saúde (SUS). Este trabalho de cunho exploratório definiu um perfil aproximado do usuário da clínica odontológica, que orientou e maximizou as ações desenvolvidas pela equipe de saúde bucal. Pelos dados obtidos, o usuário do pronto-atendimento da clínica odontológica nos dias de semana, em sua maioria, tem as seguintes características: sexo feminino, idade próxima a 30 anos, dois a três filhos em média, casado, renda familiar inferior a dois salários-mínimos, primeiro grau incompleto, proveniente de zona rural, tem moradia própria e sua queixa principal é a dor. Considera a atenção do pronto-atendimento como sendo de boa qualidade. O cirurgião-dentista, especialmente aquele que atua no SUS, deve apresentar sólida formação, não apenas em conteúdos biológicos, mas também em sociologia, psicologia e administração, entre outros. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Lei 9.278, de 10 de maio de 1996. Regula o § 3º do art. 266 da Constituição Federal. 2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Contagem de população, 1996. [acesso 25 out 2001]. Disponível em: http:/ /www.ibge.gov.br. 3. Robbins SP. Administração. São Paulo: Saraiva; 2000. 4. Stoner J, Freeman RE. Administração. 5ª ed. Rio de Janeiro: LTC; 1999.
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Um método para a compreensão dos conteúdos emocionais da criança em Odontopediatria A method for comprehension of the emotional contents in Pediatric Dentistry Palavras-chave: Psicanálise. Odontopediatria. Psicoterapia breve. Técnicas projetivas. Transtornos fóbicos. Key words: Psychoanalysis. Pediatric Dentistry. Psychotherapy, brief. Projective techniques. Phobic disorders.
Fátima Cristina Monteiro de Oliveira*
RESUMO
Introdução - Esse artigo baseia-se em uma pesquisa qualitativa que aplicou e avaliou os resultados, e comprovou a utilidade da aplicação do Procedimento de Desenhos-Estórias na apreensão dos conteúdos emocionais de crianças com receio do tratamento odontopediátrico. O objetivo foi pesquisar os pontos nodais das angústias, conflitos, fantasias e mecanismos de defesa que emergem nessa situação de crise. Materiais e Método - A metodologia consistiu na utilização de entrevistas clínicas, na observação clínica da criança e na aplicação do procedimento. O referencial de abordagem e interpretação foi o psicanalítico. Resultados – Observou-se que: a. A necessidade de atendimento odontopediátrico exacerba com intensidade, as fantasias, conflitos e mecanismos de defesa primitivos. b. O instrumento facilita o contato e aprofundamento com focos nodais de conflitos e angústias inconscientes. c. O processo auxilia no conhecimento dos conflitos, mobilizando uma tendência para a integração dos mesmos. Verificou-se que as intervenções com o Procedimento de DesenhosEstórias foram plenamente adequadas à apreensão dos conteúdos emocionais profundos de crianças e adolescentes nessa condição de crise. Conclusão: Conclui-se que, a situação de crise que antecede o atendimento odontopediátrico dos pacientes estudados, foi ampla de mobilização de angústias primitivas e intensas fantasias que necessitam ser comunicadas e elaboradas em um processo psicoterapêutico. ABSTRACT
* Mestranda em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Cirurgiãdentista pela Universidade de São Paulo. E-mail: fatima@gtp.com.br
Introduction - This article is about a qualitative research, viewing to apply, evaluate results and demonstrate the need of employing the Drawing-and-Story Procedure while understanding and elaborating emotional contents of children and adolescents who fear pediatric-dentistry treatment. This study also aims to examine the nodal points of anguish, conflicts, fantasies and the mechanisms of defense that emerge from the crisis situation. Materials and Method - The methodology consisted in the use of clinical interviews with mothers and children, in the clinical observation on the child and in undertaking of procedure. Psychoanalysis was used as a system of approach and interpretation. Results - The results were as follows: a. The need of pediatric dentistry attendance will intensively exacerbate fantasies, conflicts and self-defense primitive mechanisms. b. The instrument facilitates the contact and deepening of nodal points in conflicts and unconscious anguish. c. The process assists in knowing all conflicts by mobilizing a trend for integrating them. The results has led to conclude that the Drawing-and-Story Procedure used in this clinical situation, has shown as being highly suitable to the whole apprehension of emotional contents in children and adolescents in this crisis situation. Conclusion - This study has taken the initial hypothesis which a crisis situation that precedes the pediatric dentistry attendance in case study patients has a wide range of distresses and intense fantasies that should be notified and elaborated within a psychotherapeutical process.
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INTRODUÇÃO
O estudo que se busca realizar, utiliza desenhos e estórias na psicoterapia breve da criança e adolescente com medo ao atendimento odontopediátrico. O instrumento utilizado é o Procedimento de Desenhos-Estórias, técnica validada em inúmeras situações em psicologia clínica. Utilizado nesta situação clínica, o Procedimento de Desenhos-Estórias contempla as angústias emergentes na criança neste contexto, podendo não apenas propiciar o estudo das ansiedades da criança em situações clínicas que a princípio superariam sua capacidade de vivenciá-las, mas também se acrescer às técnicas de abordagem infantil nesta área, por permitir acompanhar as possibilidades de superação das dificuldades da criança num movimento intersubjetivo com o profissional. Acredita-se que existe uma lacuna na abordagem odontopediátrica: esta surge quando o odontólogo se depara com crianças que apesar de todo seu esforço profissional, do contato lúdico, da explicação do funcionamento dos equipamentos, resistem ao atendimento. Nestes casos, os últimos recursos de abordagem reportam-se à contensão física ou à sedação. Esta pesquisa, que abrange 16 sujeitos, insere-se em estudo qualitativo, e tem corroborado a hipótese inicial de que os pacientes que resistem ao atendimento odontológico têm fantasias e angústias profundas e importantes que necessitam ser aceitas, expressas e compreendidas para que encontrem caminhos de reorganização em sua personalidade. MATERIAS E MÉTODOS Materiais
O desenho livre, utilizado nesta nossa abordagem metodológica, é um desenho não dirigido em que há liberdade de escolha de tema e de execução. Deste modo, torna-se excelente para representar os movimentos emocionais, revelando tendências, emoções e sentimentos. Segundo Trinca6 (1976), idealizador do Procedimento de Desenhos-Estórias, “Os desenhos são excelentes meios de ativação e de expressão de associações. É de fato notório, que na psicoterapia as crianças se
comunicam preferencialmente através de desenhos, antes de o fazerem verbalmente”. O paciente, e em especial a criança, não consegue comunicar com palavras tudo quanto necessita, existindo áreas mentais inacessíveis. Os desenhos normalmente não são independentes da situação emocional da criança, ao contrário, costumam representá-la. Boutonier2 afirma: “ao desenhar, a criança representa aquilo que constitui o objeto de seu desejo, onde seu medo, significado que ela se converte em seu autor e deste modo o domina”. Desde sua apresentação, o procedimento já foi utilizado na observação de crianças e adultos nas mais diversas situações clínicas, constituindo-se em valioso método de aproximação do profissional com os conteúdos mentais dos pacientes. Entre os trabalhos realizados a partir do D-E, podem-se citar alguns mais próximos da área de atuação do cirurgião-dentista: atendimento de crianças no período pré-cirúrgico7, deficiências visuais1, abordagem de crianças com úlcera péptica4, câncer infantil5 e mulheres estéreis com endometriose3. Método
O método utilizado nesta pesquisa consiste na aplicação do Procedimento de Desenhos-Estórias, tal como preconizado por seu idealizador, às crianças que se recusam a realizar a intervenção odontológica. Nestes casos utilizou-se o instrumento do seguinte modo: O Procedimento de Desenhos-Estórias é aplicado a todos os sujeitos, em nível de consultório particular, no período diurno, em ambiente claro e silencioso onde estão presentes apenas, o profissional terapeuta e a criança. A criança é informada de antemão que realizará um procedimento terapêutico devido a suas dificuldades em relação a um assunto específico, o tratamento na área de saúde bucal. Explicamos que teremos uma conversa diferente: ela vai desenhar e contar estórias a respeito do que desenhou. O material de aplicação é simples: folhas de papel sulfite A4, não pautada, branca, lápis grafite preto, e lápis coloridos de diversas cores.
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Colocado o material diante da criança, propõe-se a ela que faça um desenho livre, o que lhe vier à mente. Concluído o desenho, pedimos que a criança conte uma estória a respeito dele. Caso a criança apresente dificuldades para contar uma estória, procuramos estimulá-la com perguntas sobre os desenhos. Em seguida à verbalização da estória, solicitamos à criança que lhe dê um título. Em nosso vértice de observação, que é um vértice terapêutico, a aplicação do Procedimento de Desenhos-Estórias é acompanhada da realização de interpretações realizadas por nós, que visam aproximar o sujeito das angústias emergentes nas produções, angústias que se expressam de modo simbólico através dos desenhos. As interpretações, que têm um referencial psicanalítico em acordo com formação e experiência clínica, buscam acolher os conflitos que surgem e possibilitar-lhes uma reestruturação. São anotadas as verbalizações da criança e também as nossas, inclusive aquelas realizadas durante a execução dos desenhos. Repetiu-se o procedimento até atingir cinco unidades de produção. Quando estas não são conseguidas em uma sessão, prossegue-se em sessão subsequente. Como este estudo procurou averiguar, a hipótese de que o Procedimento de Desenhos-Estórias tem uma função terapêutica e possibilitadora do atendimento na Odontopediatria, e como o objetivo desta aplicação é propiciar, com a colaboração da criança, um atendimento sem a necessidade de sedação ou anestesia geral, verificou-se serem necessárias várias sessões, geralmente um número variável de oito a 12, até atingir a elaboração e reorganização das perturbações e dificuldades emocionais reativadas pela expectativa do tratamento odontopediátrico. Foi realizado um registro escrito do material obtido em cada caso e, em seguida, foi feita a análise individual de cada caso. Expõe-se neste trabalho um caso clínico para ilustrar os atendimentos que vêm sendo realizados. As falas entre parênteses são nossas e têm o intuito de facilitar as associações da criança. As intervenções são esclarecimentos, interpretações ou pontuações que
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visam ajudar a paciente a compreender o que se passa em sua mente. As interpretações são comentários nossos, inferidos após a realização do trabalho com a criança. RELATO DE CASO
Interpretação: Desde o primeiro desenho, a menina já contempla seu conflito: sente-se enfraquecida, sem vida, o que relaciona com o tratamento odontológico de que necessita, mas logo percebe que é algo em sua mente que a prende e limita.
A paciente é uma menina de 12 anos, cursando a sexta série do ensino fundamental, bastante inteligente e colaboradora, e com linguagem adulta. Necessita realizar a exodontia de um dente decíduo, mas recusa-se a fazê-lo por sentir muito medo da anestesia e da cirurgia. Foi encaminhada pelo cirurgião-dentista que a atende. Os pais demonstram medos excessivos com relação à menina, relacionados principalmente à sua integridade física: medo de que caia, se fira, quebre uma perna, proíbemna de andar de bicicleta, de correr, de subir em lugares altos, de andar de patins, patinete, ou de jogar bola. A menina sente-se frágil diante de toda esta proteção.
Fig. 3 – Pânico
Verbalização
APLICAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE DESENHOS-ESTÓRIA
Fig. 2 - Pesadelo
Verbalização
Fig. 1 - Sem poder pensar
Verbalização
Este desenho sou eu, presa, limitada, tendo que ir ao dentista. (O que acha que te prende?) É isto de não poder fluir, ser livre, estes medos. Parece que tem uma coisa que me amarra. (De onde vem esta coisa que sente aí te prendendo, amarrando?) Bom, acho que vem de dentro da minha cabeça mesmo.
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Isto para mim é o pesadelo: tudo que tem a ver com médico, dentista, hospital, sangue.Até para tirar sangue é horrível para mim. Queria não ter que me preocupar com esta cirurgia no meu dente. (O que ela representa para você?) É como se ela fosse uma ameaça, um monstro. Se eu pensasse nisto o tempo todo eu ficaria louca, voando. Aí, tudo que eu não gosto, eu faço que nem no computador: eu deleto da minha cabeça. Intervenção: Comento que quando deleta, o deletado não sai da cabeça, apenas parece que saiu. O modo de lidar de verdade com o medo é como estamos fazendo ali: é pensar nele. Interpretação:Com grande facilidade de acessar seu pensamento a menina percebe a ameaça que sente frente à intervenção em sua boca e a defesa que utiliza (deletar) para se proteger.
Se eu tiver um problema sério, é capaz de eu fugir. (Porque acha que tem que fugir?) Porque eu fico em pânico. É como se fosse um fogo, estou transtornada, brava, chorando. No meio do fogo eu não tenho saída. Qualquer lugar eu vou me queimar. É como numa rua sem saída. Fico imaginando assim: se eu ficar doente por exemplo e for ao hospital, eu morro, se eu não for eu morro também. (E porque acha que morre de todo jeito?) Porque se eu fico eu morro de doença, e se eu vou, podem cuidar mal e eu morro por causa disto. (Não pode confiar em quem está te cuidando?) É que uma anestesia, como a do dentista, pode fazer um efeito desgraçado, muito forte. Quando eu era bebê minha mãe disse que eu tive muita desidratação. Tive muito problema de garganta, pus na garganta, porque não comia nada. Com uns quatro anos eu operei a garganta. Arrancaram a minha amígdala. É este o medo que sinto agora também, de arrancarem algo de meu corpo. Mas depois sarei, não tive mais febre e pude brincar. Intervenção: Digo-lhe que este é o mesmo medo que sente agora, de que lhe retirem algo e que entendo como deve ser assustadora esta lembrança. Ressalto que ela não disse retiravam, mas disse arrancavam, o que parece mais agressivo. Pontuo que não teve mais febres depois desta cirurgia, seu corpo ficou bem e ela pode brincar,
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e o mesmo pode acontecer em relação ao atendimento odontológico. Interpretação: A criança vai corajosamente pensando no seu conflito, fala-me da sensação de as coisas serem sem saída, mas ao mesmo tempo tenta pensar nelas, relembrando o que sentiu, podendo falar que sentiu com a agressividade da cirurgia das amígdalas, mas que depois tudo ficou bem. O contato com o que é bom surge no final.
que é ela e com quem pode contar nas dificuldades, este medo seria menor. Interpretação: Com coragem ela se sente mais forte para falar de seus monstros. Aqui a menina está no centro de seu conflito: sente-se frágil e tem medo de ser machucada. Por isto precisa ser uma menina boazinha, para que ninguém se magoe com ela e não a maltratem por coisas más. Mas paradoxalmente, é ter que ser sempre boazinha que a afasta de si mesma.
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de que após a cirurgia fique aniquilada, perdendo o pouco contato que pensa ter consigo mesma. E há subjacente o medo de enlouquecer, de perder a compostura e o controle (a convulsão). Precisei mostrarlhe que não houve descontrole ali ao falar de todo o medo. Ao contrário, houve aproximação e compreensão.
Fig. 6 - Como eu queria ficar
Verbalização Fig. 4 - Os monstros
Verbalização
Estou desenhando o bisturi que corta, e o algodão sujo de sangue. Se fosse uma cirurgia por fora, no joelho, eu não teria tanto medo, mas é na boca, dentro de mim, tem uma coisa de arrancar. (Em que mais te faz pensar?) Penso em arrancar órgãos. Eu penso em que estou sendo roubada, cortada e sem pedaços de mim. A pessoa precisaria me tranqüilizar. Uma vez eu fiz uma raspagem no dentista e eu ficava imaginando a minha boca cheia de sangue. Eu fiquei com medo que os dentes caíssem, medo de perder todos os dentes. Intervenção: Digo-lhe que arrancar é algo que a assusta, porque imagina que é sem o consentimento dela, imagina isto como uma agressão e não como uma necessidade e um cuidado que podem ajudála. Tem medo de não se reconhecer mais. Responde-me que não se conhece. Tem medo de ser desfigurada sem os dentes, de ficar meio vazia por dentro. Pontuo-lhe que é por não se sentir ela mesma, que o medo fica tão grande. Se pudesse ver que há alguém aí
Fig. 5 - Tudo coberto
Verbalização
Esta sou eu, feia, com o cabelo em pé, fraca, magrinha, sem sobrancelha. Tudo coberto.(O que quer dizer com tudo coberto?) Uma pessoa que não tem nada para mostrar, sem nada de bom. Isto seria depois da operação na minha boca: uma sensação de incapacidade, de fraqueza. Eu tenho um problema que não sei se é psicológico, físico ou espiritual. Quando eu sinto uma cólica, eu penso que vou ter uma convulsão. Mas nunca tive convulsão. (O que quer dizer convulsão para você?) Quer dizer ficar covarde, perder o controle de tudo. Intervenção: Aponto-lhe que ela pode conversar comigo, com coragem para olhar para todos os seus medos, não foi covarde e nem perdeu o controle diante deles. Interpretação: A menina fala de sua percepção de estar escondida por não ter nada de bom para comunicar. Tem receio
Eu desenhei como eu quero ficar: assim, uma coisa contínua. Eu quero ficar leve, feliz, solta. Quero me sentir sem estas limitações. Intervenção: Comento que ao encarar seus problemas pôde se sentir assim. E está gostando. Pudemos juntas pensar neles. Ao que ela responde que não adianta deletar, como havia me dito que costuma fazer. DISCUSSÃO E RESULTADOS
Os desenhos e a verbalização da criança, exemplificam o que temos podido observar na maioria dos casos que temos estudo de pacientes com medo do tratamento odontológico: é uma criança que tem um contato frágil e debilitado consigo mesma. Repleta de fantasias, tem receio de esvaecer-se diante da situação do atendimento odontológico. Tem muita dificuldade em confiar naqueles que cuidam da saúde do corpo, sejam médicos, odontólogos, ou enfermeiros. Seu medo intenso é de perder algo de si, que ela se reconheça com partes faltantes e desfigurada, passível de diluir-se no vazio. Desde bem pequena foi educada para proteger-se de
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um mundo perigoso, no qual poderia cair e machucar-se. Neste contexto seus sentimentos verdadeiros e sua espontaneidade de criança permaneceram sem possibilidade de expansão. A menina tem receio de ser ela mesma hostil para com os outros, e inibe-se sendo apenas a menina boazinha e bem comportada, daí o receio de descontrolar-se diante de um atendimento que teme. Mas isto a enfraquece, e deste modo precisa de ajuda para retomar-se, para acreditar em sua capacidade para pensar e elaborar seus conflitos, e o faz corajosamente, tomando contato com os aspectos bons e ruins de sua mente, que precisam ser conhecidos, aceitos e abarcados para serem usados para seu crescimento, para a criatividade e construção.
as de aniquilamento, bem como a introjeção por parte da paciente, de uma impossibilidade de enfrentamento de dificuldades a não ser pelo “adormecimento”, pelo recurso de “não estar presente”, reiterando a idéia de ser frágil e incapaz de enfrentar suas dificuldades. Objetiva-se através do prosseguimento desta pesquisa, poder comunicar aos cirurgiões-dentistas que aquilo que sobeja à impossibilidade de atendimento de alguns pacientes são angústias intensas, que necessitam de compreensão e elaboração em um processo terapêutico. Este estudo visa tornar-se contributivo à minoração do sofrimento nesta área da saúde, e acredita-se poder acrescer a abordagem terapêutica às demais abordagens existentes em Odontopediatria.
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
Pode-se concluir que, na situação do tratamento odontológico, angústias préexistentes são reativadas por determinantes atuais, e que o fato desta intervenção realizar-se na cavidade oral, está intrinsecamente ligada à qualidade destas angústias, já que a boca condensa fantasias representativas do primeiro vínculo com a mãe, na experiência de amamentação. Há situações pregressas não elaboradas de angústias latentes, e no caso clínico exposto, as fantasias referentes à perspectiva da cirurgia, puderam ser expressas e acolhidas por meio da utilização dos desenhos e das verbalizações, num vértice que acaba por se comprovar terapêutico. Conclui-se que o tratamento odontológico, sob sedação ou anestesia geral, incrementaria angústi-
1. Amiralian MLTM. Compreendendo o cego através do procedimento de Desenhos-Estórias: uma abordagem psicanalítica da influência da cegueira na organização da personalidade [tese de doutorado]. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; 1992. 2. Boutonier; 1968 apud Trinca W. Investigação clínica da personalidade: o desenho livre como estímulo da apercepção temática. São Paulo: EPU; 1976. 3. Castro CC. Uma interpretação psicodinâmica da observação das mulheres estéreis com endometriose [dissertação de mestrado]. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; 1990. 4. Hames SL. Considerações sobre a realidade externa e o mundo interno de crianças portadoras de doença péptica [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 1992.
5. Perina EM. Estudo clínico das relações interpessoais da criança com câncer nas fases finais [dissertação de mestrado]. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; 1992. 6. Trinca W. Investigação clínica da personalidade: o desenho livre como estímulo da apercepção temática. São Paulo: EPU; 1976. 7. Trinca W. Investigação clínica da personalidade: o desenho livre como estímulo da apercepção temática. 2ª ed. São Paulo: EPU; 1987.
Bibliografia recomendada 1. Aberastury A. Abordagem à psicanálise de crianças. Porto Alegre: Artes Médicas; 1996. 2. Flores RJ. A utilidade do Procedimento de Desenhos-Estórias na apreensão dos conteúdos emocionais em crianças terminais hospitalizadas [dissertação de mestrado]. Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas; 1984. 3. Mestriner SMME. O Procedimento de Desenhos-Estórias em crianças asmáticas [tese de doutorado]. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; 1989. 4. Oliveira FCM. Contribuições da psicanálise à odontopediatria. Pulsional Rev Psicanál. 2002/2003;15(164/165):50-4. 5. Oliveira FCM. Um método para a apreensão dos conteúdos emocionais da criança em odontopediatria. Pulsional Rev Psicanál. 2001;14(150):32-5. 6. Oliveira FCM, Tardivo LSLPC. Utilização do Procedimento de Desenhos e Estórias em odontopediatria como um facilitador do atendimento. In: XII Congresso Latinoamericano de Horschach e outras técnicas projetivas, 2003, Montevideo. Anais. Montevideo; 2003. 7. Trinca AMT. O Procedimento de Desenhos-Estórias como instrumento de intermediação terapêutica na pré-cirurgia infantil: um estudo qualitativo [tese de doutorado]. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; 2002. 8. Winnicott DW. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora: 1975.
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Artigo original
Avaliação da rugosidade superficial de resinas compostas diretas e indiretas Superficial roughness evaluation of direct and indirect composite resins Palavras-chave: Resina composta, rugosidade, polimento. Key-words: Resin composite, roughness, polishing. Aline Bassi Denis* Maria Cecília Veronezi** Mauricio Bordini do Amaral*** Maira Cristina de Almeida Rocha**** Laerte Fiori de Godoy*****
RESUMO
Especialista em Dentística Restauradora pela Faculdade de Odontologia de Bauru (USP). E-mail: alinebdenis@yahoo.com.br Professora Doutora Adjunta das Disciplinas ** de Dentística e Clínica Integrada da Universidade do Sagrado Coração de Bauru. E-mail: civeronezi@hotmail.com *** Mestre em Bioengenharia (EESC/FMRP/IQSC) pela Universidade de São Paulo - São Carlos. E-mail: bordiniamaral@yahoo. com.br **** Especialista em Dentística Restauradora pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais - USP. E-mail: mairarrocha@ hotmail.com ***** Coordenador do setor odontológico do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais - USP.
ABSTRACT
*
Introdução - O presente trabalho avaliou “in vitro” a rugosidade superficial das resinas compostas diretas: SureFil (Dentsply), Filtek P60 (3M/ESPE) e indiretas: Artglass (Kulzer) e Solidex (Shofu), submetidas a dois tipos de fontes fotoativadoras (Lâmpada halógena e Caixa polimerizadora) e dois tipos de técnicas de acabamento/ polimento (A= discos de lixa/FGM + pastas Diamond AcI, AcII e R/FGM e B= pontas de silicone Viking/KgSorensen + pasta de polimento KgSorensen). Material e Métodos - Foram confeccionados cinco corpos de prova para cada condição. A rugosidade superficial foi avaliada antes e após as técnicas de acabamento/polimento pelo aparelho Homel Tester/T1000 Basic. Os resultados obtidos foram avaliados pelos testes estatísticos ANOVA a dois critérios e teste de Tukey para correlações múltiplas antes do acabamento/polimento. Resultados - Os testes antes das técnicas de acabamento/ polimento demonstraram que: a resina P60 apresentou menor rugosidade que as demais (Solidex; Artglass; SureFil). Após o acabamento/polimento utilizou-se ANOVA a três critérios, onde não se verificou diferença estatística entre as fontes fotoativadoras e as técnicas de acabamento/polimento; entretanto, o teste de Tukey demonstrou que a resina SureFil apresentou maior rugosidade em relação às demais (Solidex; Artglass; P60). Comparando-se a rugosidade antes e após as técnicas de acabamento e polimento A e B, constatou-se não haver diferença estatisticamente significante entre estas situações (p< 0,05). Conclusão - Concluiu-se que a resina SureFil apresentou maior rugosidade superficial após o acabamento/polimento; as técnicas de acabamento/polimento não apresentaram diferenças entre si, e mostraram-se semelhantes à lisura obtida com a tira de poliéster; as fontes fotoativadoras não proporcionaram diferenças na rugosidade superficial das resinas testadas após o polimento.
Introduction - The present study evaluated “in vitro” the superficial roughness of direct resins composite: SureFil (Dentsply), Filtek P60 (3M/ESPE) and indirect resins composite: Artglass (Kulzer) and Solidex (Shofu), polymerized by two different light curing units (Halogen lamp and Polymerization box) and two different finishing and polishing treatments were used (A= oxide discs/FGM + polishing pastes Diamond AcI, AcII and R/FGM and B= rubber polishing points Viking/KgSorensen + polishing paste KgSorensen). Material and Methods - Five samples were fabricated for each condition. The superficial roughness was evaluated before and after the finishing and polishing treatments using Homel Tester/T1000 Basic equipment. Data were analyzed using twoway ANOVA and Tukey test for multiple correlations before finishing and polishing treatments. Results - The statistic tests demonstrated that P60 resin composite obtained lower roughness levels than the others before finishing and polishing treatments (Solidex; Artglass; SureFil). After finishing and polishing treatments data were analyzed
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using three-way ANOVA and Tukey test that showed no statistical difference between light curing units and finishing and polishing treatments, but the Tukey test demonstrated that the SureFil resin obtained greater roughness than the others (Solidex; Artglass; P60). No statistical difference was observed (p< 0.05) before and after between the finishing and polishing treatments A and B. Conclusion - In conclusion the SureFil resin obtained the greatest superficial roughness after finishing and polishing treatments, the finishing and polishing treatments did not demonstrated difference between themselves, and produced a similar smooth surface like it was obtained by the mylar strip; After finishing and polishing treatments the light curing units did not produced any difference in the superficial roughness of the resins composites.
INTRODUÇÃO
A resina composta atualmente é um dos materiais restauradores mais utilizados na clínica odontológica, devido a uma crescente preocupação com a aparência, na qual dentes e sorrisos ocupam um lugar de destaque19. Por este motivo há uma procura intensa pelo aprimoramento destes materiais restauradores estéticos, existindo uma preocupação em melhorar as suas características, no que se refere à adesividade, resistência, textura, compatibilidade biológica e estética4. Dentre os vários fatores mencionados, a lisura superficial da restauração constitui um dos fatores determinantes do sucesso estético e funcional7, uma vez que superfícies rugosas contribuem para a deposição de detritos, corantes e bactérias, além de apresentar menor brilho14; em função disto, há necessidade de se obter restaurações com superfícies lisas e polidas, evitando-se agressões aos tecidos moles, assim como possíveis descolorações e/ou degradações superficiais10,15. As técnicas de acabamento e polimento são necessárias para a obtenção de superfícies lisas nas restaurações, com resultado final natural e harmônico, respeitando os princípios biológicos e mecânicos do complexo estomatognático16. Quando se utiliza a tira de poliéster, há uma melhor lisura superficial em restaurações de resinas compostas e, qualquer abrasivo aplicado sobre essa superfície tenderá a aumentar a rugosidade superficial do material, como mostram os estudos2,13. Mas é praticamente impossível utilizar somente a tira de poliéster e a restauração não vir a precisar de posteriores
ajustes. Desta forma, temos que recorrer às técnicas de polimento para melhorar a lisura superficial8. Existem diferentes técnicas e materiais utilizados para o acabamento e polimento das restaurações de resina composta, o que motiva a realização de estudos no sentido de aprimorar e definir qual a melhor técnica e material para se obter uma lisura superficial considerada ótima, semelhante à obtida com a tira de poliéster. O propósito deste trabalho foi comparar a rugosidade superficial de duas resinas compostas diretas (Filtek P-60/3MESPE e SureFil/Dentisply) e duas resinas compostas indiretas (Artglass/Kulzer e Solidex/Shofu), variando a fonte polimerizadora (lâmpada halogena/ Degulux/ Degussa e lâmpada xenon-estroboscopica/ Unixs/Kulzer) e diferentes técnicas de acabamento/polimento. MATERIAL E MÉTODOS
Foram confeccionados 80 corpos de prova, divididos em grupos de acordo com o tipo de resina utilizada e a forma de polimerização (Quadro 1). Confecção dos corpos de prova
Os espécimes foram confeccionados em matrizes de acrílico, na forma quadrangular com 15 mm de lado e 2 mm de espessura, apresentado todos, um orifício central de 5 mm de diâmetro. As resinas foram inseridas no interior dos orifícios da matriz, em uma única porção utilizando-se uma espátula n° 1 (Duflex). Para que os espécimes obtivessem uma superfície plana e lisa, a matriz foi posicionada sobre uma placa de vidro e entre a placa e a
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matriz foi posicionada uma tira de poliéster. Após a inserção da resina composta, outra tira de poliéster e outra placa de vidro, foram posicionadas sobre a matriz e permaneceram em posição por 60 segundos, tendo como peso a placa de vidro de 575 g, pesada em uma balança granatária de tríplice escala; esta pressão foi necessária para que os possíveis excessos do material extravasassem. Os espécimes foram divididos em grupos, de acordo com a resina utilizada e a forma de polimerização das resinas, e subdivididos em A e B em relação ao tipo de acabamento e polimento que sofreram posteriormente. Dez espécimes foram confeccionados de cada grupo e subdivididos em 5 espécimes para cada técnica de acabamento e polimento. O aparelho Degulux/Degussa foi utilizado para os grupos que foram fotoativados com lâmpada halógena pela luz contínua por 40s, e para os grupos fotoativados por meio de luz pulsátil, o aparelho Unixs/ Kulzer (caixa polimerizadora) com lâmpadas de xenon estroboscópica. Terminadas as polimerizações, os corpos de prova foram demarcados e armazenados em uma estufa a 37o C, imersos em água destilada por sete dias. Técnicas de acabamento e polimento
Decorrido os sete dias, os espécimes foram levados a um aparelho para verificação da rugosidade superficial (leitura controle – tira de poliéster) Rugosímetro – Hommel Tester T 1000 Basic (Hommelwerke – Germany), e em seguida, levados a uma politriz com uma lixa de granulação 320 e 600, simulando a utilização de uma
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Resinas Compostas SureFil/Dentsply P60/3M Artglass/Kulzer Solidex/Shofu
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Tipos de Partículas
Classificação
Tamanho das partículas*
Volume das partículas*
Flúor alumínio silicato + vidro de bário Zircônia/Sílica Óxidos nitrosos Cerâmicas
Híbrida
0,8mm
84% em peso
Híbrida Resina indireta Resina indireta
0,6mm 0,007mm #
84% em peso 70% em peso 53% em peso
*Dados obtidos junto aos fabricantes. / # Dado não fornecido pelo fabricante. Quadro 1 - Características das resinas utilizadas
Resultados
Gráfico 1 - Valores médios da rugosidade superficial das resinas compostas
ponta diamantada de granulação fina, indicada para ajuste e acabamento de restaurações de resina composta. Terminada esta etapa, os espécimes foram polidos, utilizando as técnicas A ou B, sendo a técnica A: discos de lixa seqüenciais (granulação médio, fino, superfino e com feltro) / FGM + Feltros com pastas à base de óxido de alumínio (granulação média, fina e extrafina) – Diamond AcI, AcII e R/ FGM; e a técnica B: kit de borracha de silicone Viking/ KGS + Feltros com pasta diamantada para resina composta/ KGS. Os polimentos foram realizados com auxílio do contra-ângulo (Micromotor – Dabi Atlanti), em baixa velocidade, com pequena pressão manual, a seco, com movimentos circulares em única direção por 15 segundos para cada disco, ponta ou feltro com pasta, utilizado.
Após cada procedimento de acabamento e polimento, os espécimes foram lavados em água corrente e secos com jatos de ar, com a finalidade de remover o material abrasionado. Depois de submetidos às técnicas de acabamento e polimento, os espécimes foram levados ao aparelho rugosímetro, onde novas medidas de rugosidade de superfície foram avaliadas. A leitura considerada pelo rugosímetro foi a média aritmética entre os picos e vales (Ra, em mm). Para todos os espécimes foram realizadas três leituras e utilizadas as médias de cada um para a análise. Os dados obtidos foram submetidos à análise estatística para verificar os materiais, as técnicas de acabamento e polimento, as fontes fotoativadoras e suas interações.
O teste estatístico utilizado para os grupos, antes das técnicas de acabamento/ polimento, foi a Análise de Variância a dois critérios. Após esta análise observou-se diferença significante entre as várias resinas utilizadas e entre as fontes fotoativadoras, não ocorrendo, entretanto, interação entre as mesmas. Aplicou-se, então o teste de Tukey para comparações múltiplas entre os materiais, para se detectar onde se encontrava esta diferença. Com base nesta análise observou-se que a resina composta Filtek P-60 apresentou os menores valores de rugosidade, sendo estatisticamente diferente das outras (Solidex, Artglass e SureFil), que não se mostraram diferentes entre si (Gráfico 1). O mesmo teste foi aplicado aos valores obtidos para as fontes fotoativadoras, onde foi possível observar que a lâmpada halógena proporcionou resultados menores de rugosidade para todas as resinas utilizadas (Gráfico 2). Os valores obtidos após os procedimentos de polimento foram avaliados pelo teste de Análise de Variância a três critérios. Por esta análise, pode-se observar que ocorreu diferença estatisticamente significante na rugosidade entre as resinas utilizadas. Para se detectar onde se encontrava esta diferença, aplicou-se o teste de Tukey a estes valores. Com a aplicação deste teste foi possível observar que a resina SureFil apresentou maiores valores de rugosidade, sendo esta, estatisticamente significante em comparação as outras testadas (Filtek P-60,
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Artglass e Solidex, Gráfico 3). Comparando-se estatisticamente os resultados obtidos, antes e após as técnicas de acabamento/polimento, constatou-se não haver diferença estatística significante, mostrando-se semelhantes à lisura obtida com a tira de poliéster. Em todos os testes adotou-se nível de significância de 5%. Discussão
O acabamento pode ser entendido como o procedimento de refinamento anatômico do dente ou restauração. Nesta etapa, são removidos pequenos excessos, retificados ou melhor definidos os detalhes anatômicos específicos característicos de cada dente e modificados os detalhes como, inclinações, curvas, depressões, objetivando corrigir, se necessário, a forma ou alterar a percepção visual de um ou mais dentes. O polimento consiste na texturização final de uma restauração, para que ela tenha sua superfície mais parecida com a superfície do esmalte. Os instrumentos ou materiais empregados no acabamento e polimento diferem entre si no formato e capacidade de corte ou desgaste20. As brocas multilaminadas e as pontas diamantadas de granulação fina e extrafina podem ser utilizadas para a remoção de excessos e ajustes de forma2-3,9,15,19, as tiras de lixa são usadas para os espaços interproximais Os discos de lixa sequenciais e as pontas de borracha abrasivas são utilizados para o polimento, as pastas abrasivas utilizadas juntamente com discos ou rodas de feltro melhoram a lisura e o brilho superficial das resinas compostas1-3,,6,8,10-12,15-18. Nesta pesquisa, através da análise estatística, verificou-se que , antes da aplicação das técnicas de acabamento/polimento, houve diferença significante entre as médias obtidas em relação à rugosidade superficial das resinas compostas e fontes fotoativadoras. A resina composta Filtek P-60/ 3M apresentou menores resultados de rugosidade, sendo estatisticamente diferentes das outras (Solidex, Artglass e SureFil) que não mostraram diferenças entre si.
Gráfico 2 - Médias da rugosidade superficial dos grupos obtidos por meio das fontes fotoativadoras (analogia V pg, 851):
Gráfico 3 - Médias da rugosidade superficial das resinas após as técnicas de acabamento/ polimento:
Estes resultados podem ser explicados pela maior facilidade de manipulação, inserção e acomodação desta resina que possui menor viscosidade e maior lisura superficial, mesmo antes da polimerização. Independente da resina composta utilizada os corpos de prova apresentaram, antes das técnicas de acabamento/polimento, maior lisura superficial quando polimerizados com a lâmpada halógena (Degulux/ Degussa), do que com a caixa
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polimerizadora (Unixs/ Kulzer). A maior rugosidade observada nos grupos polimerizados na caixa polimerizadora pode ter sido causada por uma incompatibilidade entre as resinas diretas e essa fonte. Após as técnicas de acabamento/polimento não ocorreu mais essa diferença entre as fontes de luz, o que nos leva a observar que as técnicas se mostraram efetivas, removendo superficialmente a rugosidade que diferenciava as fontes
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polimerizadoras. Após as técnicas de acabamento/polimento a resina SureFil/ Dentsply apresentou maior rugosidade em comparação as outras resinas testadas. Este resultado, possivelmente, ocorreu devido a sua composição, pois possui partículas mais grossas em forma de fibras e irregulares de diversos tamanhos, que podem ter sido expostas superficialmente após as técnicas de acabamento/polimento. Embora as diferenças de rugosidade superficial encontradas, possam, ser atribuídas principalmente às diferenças de tamanho e tipo de partículas das resinas compostas, outros fatores podem ter contribuído como: composição orgânica e grau de conversão monomérica1,5,15. As técnicas de acabamento/polimento: A - discos de lixa seqüenciais (granulação médio, fino, superfino e com feltro) / FGM + Feltros com pasta à base de óxido de alumínio (granulação média, fina e extrafina) Diamond ACI, ACII e R/ FGM; e B - kit de borracha de silicone Viking/ KGS + Feltros com pasta diamantada para resina composta/ KGS; não apresentaram diferenças significantes entre si. Muitos trabalhos mostram que a tira de poliéster produz uma lisura superficial ótima nas resinas compostas2,13. Nesta pesquisa observou-se que não houve diferença estatisticamente significante entre a lisura obtida com a tira de poliéster e com as técnicas de acabamento/ polimento A e B. Portanto, ambas as técnicas de acabamento/polimento produziram ótimos resultados de lisura superficial, podendo desta forma, ser empregadas na clínica odontológica com sucesso. Conclusões
1. A resina composta Filtek P-60/3M apresentou menor rugosidade que as de-
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mais resinas, antes das técnicas de acabamento/polimento. 2. Após as técnicas de acabamento/ polimento, a resina SureFil/Dentsply apresentou maior rugosidade que as demais resinas compostas. 3. As fontes polimerizadoras proporcionaram diferenças na rugosidade superficial das resinas testadas antes das técnicas de acabamento/polimento. 4. As técnicas de acabamento/polimento A e B não apresentaram diferenças entre si e mostraram-se semelhantes à lisura obtida com a tira de poliéster. REFERÊNCIAS 1. Barbosa SH, Zanata RL, Navarro MFL, Nunes OB. Effect of different finishing and polishing techniques on the surface roughness of microfilled, hybrid and packable composite resins. Braz Dent J. 2005;16(1):39-44. 2. Berastegui E, Canalda C, Brau, E, Miquel C. Surface roughness of finished composite resins. J Prosthet Dent. 1992;68(5):742-9. 3. Chen RC, Chan DC, Chan KC. A quantitative study of finishing and polishing techniques for a composite. J Prosthet Dent. 1988; 59(3):292-7. 4. Domene S. Avaliação da abrasão e textura superficial de resinas compostas. [dissertação de mestrado] Bauru: Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo;1993. 5. Freiberg RS, Ferracane JL. Evaluation of cure properties and wear resistance of Artglass dental composite. Amer J Dent. 1998;11 (5):214-8. 6. Hoelscher DC, Neme AML, Pink FE, Hughes PJ. The effect of three finishing systems on four esthetic restorative materials. Oper Dent. 1998;23:36- 42. 7. Jefferies SR. The art and science of abrasive finishing and polishing in restorative dentistry. Dent Clin N Am. 1998;42(4):613-27. 8. João M, Monerat AF, Melo AT. Rugosidade superficial de compósito fotolimerizável após polimento com três tipos de pontas siliconadas. Rev. Bras. Odontol. 1998;55 (4):234-7. 9. Jung M. Surface roughness and cutting efficiency of composite finishing instruments. Oper Dent. 1997;23:98-104.
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Artigo original
Confiabilidade do gelo e tetrafluoroetano em dentes com pulpite irreversível* Reliability of ice and tetrafluoroethane in irreversible pulpitis teeth Palavras-chave: Teste da polpa dentária. Pulpite. Key words: Dental pulp test. Pulpitis.
Miguel Simão Haddad Filho** Celso Luiz Caldeira*** João Marcelo Ferreira de Medeiros****
RESUMO
Introdução - O presente estudo teve por objetivo avaliar os dados da anamnese colhidos dos relatos de 692 dentes em 560 pacientes, quanto à sensibilidade provocada pelo contato com substâncias frias e compará-los aos resultados da resposta pulpar obtidos pela aplicação de dois agentes térmicos frios (gelo e gás refrigerante), considerando o aumento ou a diminuição da intensidade sintomatológica obtida em dentes portadores de lesão pulpar inflamatória irreversível. Material e Método - Para tanto, inicialmente realizou-se um questionamento sobre a sensibilidade do paciente quando ingeria alimentos ou líquidos frios e qual a sensação experimentada nos dentes pulpíticos, anotando-se os dados. A seguir, foram realizados testes complementares onde foram empregados o gelo na forma de bastão e o tetrafluoroetano (CS-68) borrifado em penso de algodão, e aplicados sobre a superfície dentária. Resultados - Dos resultados obtidos pode-se concluir que, para as situações avaliadas de palpite irreversível, em ambos agentes empregados, ocorreu alto índice de intensificação do processo doloroso, porém estatisticamente significante (p=0,01). Conclusões - Comparando-se os dados do exame anamnético com o bastão de gelo como agente térmico de resfriamento, não ocorreu diferença estatisticamente significante (p>0,05) entre as variáveis: alívio, intensificação ou nenhuma alteração da sensibilidade, diferentemente da comparação do exame anamnético com o tetrafluoroetano, quando ocorreu diferença estatisticamente significante (p=0,01) entre as variáveis. ABSTRACT
Parte da Dissertação de Mestrado (Endodontia) apresentada à Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP). ** Professor da Disciplina de Endodontia do Curso de Odontologia da Universidade São Francisco (USF) Mestre em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da USP. E-mail: haddadf @usp.br *** Professor Doutor da Disciplina de Endodontia do Departamento de Dentística da FOUSP. **** Professor Doutor da Disciplina de Endodontia do Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté (Unitau) Professor do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) da Unitau. *
Introduction - The purpose of this study was to compare the ability of ice and tetrafluoroethane concerning their frequency of dental pulp response in 692 irreversible pulpitis teeth considering the increase or the decrease of the pain. Material and Methods - Initially the patient was questioned during examination regarding a history of dental pain when they ingested foods or cold liquids and which the experienced sensation in painful pulpitis, being written down the data. The patient was asked those conditions which provoked or not the pain. The ice was applied on stick shape and tetrafluoroethane (CS-68) cotton stuffing aid sprinkling with this aerosol and after that applied on the dental surface. Results - The obtained results had accepted the following conclusions: in both employed agents (ice and tetrafluoroethane) high index of intensify the painful process, low index of relief the pain when of the employment just of the stick of ice and it lowers frequency of absence of pain was also noted, however statistically more reliable (p=0.01). Conclusions - Being compared the data of the asked examination with the data the stick of ice application, was not statistically significant (p>0.05) among the variables: relief, intensification or any alteration of the sensibility, differently of the comparison of the questioned during patient examination when to compared the tetrafluoroethane application, was statistically difference significant (p=0.01) among those you varied.
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INTRODUÇÃO E REVISÃO DA LITERATURA
A determinação da sensibilidade, ou ainda, da vitalidade pulpar, constitui parte integrante da semiotécnica endodôntica, representando uma etapa de extrema importância do exame do paciente e que desperta redobrada atenção do clínico durante a elaboração do diagnóstico da condição da polpa dentária inclusive nas diversas especialidades15-16,21,27. Há ainda a considerar que, o estabelecimento do correto diagnóstico em endodontia, bem como o sucesso do tratamento, vincula-se diretamente ao conhecimento e a experiência profissional. Walton e Torabinejad28 (1997) elucidaram que, a aplicação de estímulos térmicos determina resposta pulpar e que, ocasionalmente, identifica o dente afetado com uma resposta anormal que não garante viabilidade pulpar nem higidez, mas ao menos indica a presença de algumas fibras nervosas. Esse fato que determina a conveniência de nomear os testes acertadamente de “testes de sensibilidade pulpar4”. A lesão pulpar inflamatória irreversível representa, clinicamente, processo inflamatório pulpar caracterizado pela presença de dor espontânea, contínua, de longa duração, mal localizada e, geralmente aliviada pelo frio e aumentada pelo calor7,13,19. Muito embora a duração prolongada da dor seja um indício de confirmação da doença pulpar, por outro lado essa não deve ser obrigatoriamente associada à irreversibilidade do quadro inflamatório. Nem sempre ocorre o alívio pelo frio nos casos de lesão pulpar inflamatória irreversível uma vez que, é notório, o relato de pacientes que apontam aumento da dor presente quando da ingestão de líquidos frios. De outro modo, cumpre elucidar que, o período de relativo abrandamento da dor pelo frio é uma ocorrência revelada pelo paciente durante a anamnese, restando ao dentista utilizar os recursos auxiliares como um meio para ratificar as informações fornecidas por ele. Tal medida justifica-se em função de que os dados colhidos pelo profissional são úteis durante o interrogatório, porém não são de per si
absolutos, cabendo a ele confirmá-los por meio de testes clínicos. Dentre os métodos de resfriamento empregados na prática diária, cumpre citar o uso do bastão de gelo e do gás refrigerante, graças a sua confiabilidade e capacidade refrigerante. Aliás, atestam Pesce e Romani22 (1991) que, nos diversos segmentos do exame do paciente, ou seja, queixa principal, história pregressa e atual, e exame físico, devem estar sempre em consonância com os recursos complementares. No que diz respeito à alteração que ocorre no tecido pulpar, importa ilustrar que a análise da doença pulpar inflamatória irreversível é exclusivamente avaliada do ponto de vista clínico, uma vez que, durante o exame do elemento portador da doença, torna-se inviável a manobra de prospecção da cavidade onde está confinada a polpa dentária, e, por consequência, afirmar de sua presença ou não, ou de alterações patológicas, apenas se faz possível por meio de aplicação de estímulo na superfície do dente e na apreciação da resposta dolorosa pulpar subsequente à aplicação do frio ou calor ou de histórico do quadro álgico. Mitchell e Tarplee18 (1960), valendose do frio (cloreto de etila) e calor (gutapercha aquecida) verificaram manifestações dolorosas ao exame de 26 dentes humanos portadores de processo inflamatório irreversível e exposição pulpar, e concluíram que em 25 casos ocorreu maior sensibilidade, tanto à aplicação do cloreto de etila, como para o bastão de guta-percha aquecida. Dummer et al.8 (1980) avaliaram comparativamente se houve ou não aumento ou diminuição da sintomatologia em 44 dentes humanos portadores de lesão pulpar inflamatória irreversível, à aplicação do teste térmico pelo frio usando o cloreto de etila, e do teste ao calor valendo-se da guta-percha aquecida. Verificaram que em 26 casos (59,09%), ocorreu exacerbação do processo doloroso presente quando da aplicação do bastão de guta-percha aquecida na superfície do dente; em 21 casos (47,72%), ocorreu exacerbação frente à aplicação do cloreto de etila; em três
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episódios (6,81%), ocorreu alívio do processo doloroso presente quando do resfriamento da superfície do dente com a referida substância; em quatro circunstâncias (9,09%), houve alívio pela aplicação do calor. Cecic et al.6 (1983), com o intuito de confirmar o teste térmico do frio como elemento importantíssimo no diagnóstico da pulpite irreversível, apresentaram dois casos clínicos nos quais verificaram a ocorrência de alívio da dor quando do resfriamento com água gelada. No primeiro caso, o paciente relatava que vez por outra levava água gelada à boca e repousava, obtendo assim, alívio do processo doloroso. Foi realizado teste térmico com gelo constatando-se alívio temporário da dor em torno de 1 minuto. O segundo caso, o paciente queixou-se de dor que aliviava apenas quando levava água gelada intraoralmente. Da mesma forma, foi utilizado o bastão de gelo na superfície deste elemento, verificando-se alívio da dor após a aplicação. Barletta et al.1 (1993) avaliaram a validade de dois agentes térmicos em 11 dentes de pacientes de ambos os sexos e faixa etária variável entre 17 e 62 anos, submetidos inicialmente à anamnese para registro de dados referentes às condições de instalação, duração, frequência e localização do fenômeno doloroso, selecionando apenas aqueles que apresentavam queixa de dor espontânea e exacerbada pelo calor. Avaliaram o quadro doloroso quanto à localização, resposta ao frio e aos exames de palpação e percussão. Nos casos de dor localizada, aplicavam o agente térmico sobre o próprio dente e, em situações de dor difusa, nos dentes correspondentes à região álgica referida, registrando assim, a resposta do tecido pulpar comprometido quando estimulado. Quando aplicaram neve carbônica e diclorodifluorometano sobre a superfície dos referidos dentes, constataram exacerbação da dor em 10 casos, enquanto em um elemento não houve alteração da sintomatologia. Para maior compreensão da sensibilidade acentuada do dente portador de pulpite, Mendoza et al.17 (1987) analisaram, valendo-se da microscopia eletrônica, o quadro clínico doloroso das pulpites
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irreversíveis com as mudanças ultraestruturais das fibras nervosas mielínicas e amielínicas da região apical da polpa dentária, constatando que tais modificações ocorrem de maneira moderada e severa, ou seja, degenerações nas fibras nervosas mielínicas (fenômeno esse chamado de dismielinização), a despeito de algumas fibras nervosas apresentarem-se com poucas alterações estruturais, o que demonstra a ocorrência de variações individuais. Concluem os autores que, por esta razão, não poderiam prognosticar, tanto do ponto de vista clínico, como do ponto de vista radiográfico, a condição histológica da inervação pulpar. Byers et al.2 (1990) realizaram pesquisa valendo-se de reações imunocitoquímicas em cavidades profundas de polpas de ratos e constataram que ocorreu crescimento de fibras nervosas próximas, não só no tecido injuriado, como também invadindo o microabcesso, fibras essas denominadas de brotamentos. Tais achados são importantes, pois confirmam que a condição de irreversibilidade não é somente um desencadear de fatores vasculares e fisiológicos, mas também de variáveis neurais e imunológicos. Além disso, entende-se que a reversibilidade ou não do processo doloroso inflamatório pulpar está na dependência das características do fenômeno álgico presente. Aliás, há muito tempo é de conhecimento que o exame clínico de uma polpa dentária doente consiste na avaliação do quadro doloroso, em decorrência da alteração presente19. Assim, reputa-se que o gás tetrafluoroetano, é uma alternativa que deve ser empregada como recurso complementar do exame clínico durante os procedimentos de diagnóstico, haja vista a expectativa e o enriquecimento cada vez mais crescente da literatura em torno do assunto e de múltiplas pesquisas, já em nível nacional, em andamento. Assim é que se coloca em prova um número maior e significativo de dentes com lesão pulpar inflamatória irreversível, a fim de verificar o percentual de respostas dolorosas que se intensificam ou não e possíveis alívios da dor, quando
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do emprego do resfriamento a exemplo do bastão gelo e o gás tetrafluoroetano, nas superfícies dos referidos dentes. O objetivo deste estudo foi avaliar os dados obtidos da anamnese quanto ao relato do paciente ao contato com agentes térmicos frios e compará-los à resposta pulpar obtida ao emprego do bastão de gelo e do gás refrigerante tetrafluoroetano, considerando se houve ou não, aumento ou diminuição da sintomatologia em dentes portadores de lesão pulpar inflamatória irreversível. MATERIAL E MÉTODOS
Selecionaram-se 692 dentes superiores e inferiores restaurados e cariados, de 560 pacientes de ambos os sexos, com faixa etária entre 18 e 59 anos. Procedeu-se ao exame dos pacientes valendo-se da anamnese, buscando identificar o elemento algógeno, inquirindo-se ainda sobre a sensibilidade experimentada nos dentes pulpíticos quando estes ingeriam substâncias frias, perguntando se nestas situações ocorreu aumento, diminuição ou ausência de alteração dolorosa. A seguir, realizou-se o exame físico, de sorte a revelar nos elementos dentários a presença das seguintes condições: histórico atual de dor espontânea, de duração prolongada, frequência contínua, difusa e irradiada, intensificação ou alívio da dor pelo frio, intensificação da dor pelo calor, cárie profunda, sensibilidade do elemento dentário à percussão vertical e horizontal, e sensibilidade à palpação da mucosa em nível apical. Em prosseguimento, executou-se o exame radiográfico de todos os dentes anteriormente examinados, pela técnica periapical do paralelismo, podendo ou não revelar: infiltração cariosa marginal, dentes restaurados portadores de cavidade profunda ou extensa, espessamento radiográfico da membrana pericementária e ausência de integridade radiográfica da lâmina dura. No caso de dificuldade na identificação do dente suspeito pela presença de dor difusa e irradiada no mesmo arco dentário, analisaram-se os aspectos relativos à per-
da tecidual, ao exame radiográfico e, por último, à percussão, utilizando a polpa digital do dedo polegar promovendo-se pressão exagerada sobre o dente suspeito e seus vizinhos, denotando para o dente causal maior sensibilidade Os dados coletados foram dispostos em ficha apropriada, de modo a facilitar sua compilação posterior na comparação com os dados obtidos na aplicação dos testes com agentes frios. Em continuidade, realizou-se a aplicação dos dois agentes de resfriamento, gelo e tetrafluoroetano. O gelo aplicado sob a forma de bastão, foi obtido preenchendo-se tubetes anestésicos vazios com água e congelados, enquanto o tetrafluoroetano (CS-68-Chemical Specialties Indústria e Comércio Ltda., São Paulo, SP, Brasil) foi aplicado por meio de penso de algodão preso aos ramos de uma pinça clínica sobre o qual borrifou-se o spray a uma distância de 5 centímetros durante o intervalo máximo de 5 segundos. Escolheu-se preferentemente a superfície vestibular dos dentes, exceção feita nos casos onde a presença de tecido cariado situava-se na própria superfície de aplicação; nestes casos, foi escolhida outra área para otimizar a realização dos testes: a face lingual para os dentes anteriores e a face lingual ou oclusal para os posteriores. O tempo de aplicação foi, no máximo, de 10 segundos para o gelo e, 5 segundos, para o gás refrigerante, efetuando-se duas aplicações por dente, com intervalo de 5 minutos, a partir do último dente testado. Imediatamente após a exacerbação da resposta dolorosa ou alívio da dor, o paciente levantava o antebraço e mão esquerda anteriormente repousados no braço da cadeira, quando então, procedia-se à imediata remoção do agente térmico. Quando o dente em questão necessitou de intervalos maiores para que se obtivesse resposta, estes foram considerados como resposta negativa. Para realização dos dois testes utilizou-se o isolamento relativo da área a ser testada com roletes de algodão, além de secagem do dente com auxílio de uma compressa de gaze e instalação de ponta
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suctora acoplada a bomba de sucção. Os resultados encontrados foram tabulados e tratados percentual e estatisticamente através do teste do Qui-quadrado (χ2). RESULTADOS
Os resultados dos dentes avaliados encontram-se notificados nas Tabelas 1, 2 e 3. DISCUSSÃO
A determinação da vitalidade pulpar representa recurso semiotécnico complementar ao exame clínico, constituindo uma das fases mais importantes do exame do paciente e que culmina com a determinação e a elaboração do diagnóstico do estado pulpar. Aliás, Via26 (1952) afirma que, o profissional despende tempo e entusiasmo, e que apesar do desconforto que o exame e os recursos semiotécnicos possam dispensar ao paciente durante as manobras, de certa forma, toda esta dedicação proporciona uma vantagem de grande benefício na busca do diagnóstico. Da mesma forma, Roulet24 (1979), refere-se ao árduo trabalho que o clínico defronta-se na localização do dente responsável pela crise álgica. Muito embora, garantir que os recursos disponíveis atualmente sejam poucos confiáveis ou que certamente nenhum é infalível, tal assertiva é endossada por Caldeira4 (1998), ao afirmar que, na realidade todo esse trabalho é realizado próximo ao sinestésico, e que quase sempre, é tolhido pelo imprevisto e pela incerteza. De fato, salientam Pesce e Romani22 (1991), não existe um método ideal para todas as situações clínicas, todavia há que se considerar que os exames complementares são criteriosos e significativos na medida em que, se harmonizam com a queixa principal, com a história pregressa e atual, com o exame físico, e por derradeiro, com o exame radiográfico. Por outro lado, valer-se exclusivamente do exame radiográfico, não nos certifica da doença pulpar, exceto nas situações onde, radiograficamente, o processo carioso promova alterações substanciais nos tecidos duros e, deste modo, estabeleça-se uma relação entre agente agressor e polpa
dentária. De tal sorte que, cabe ao profissional o conhecimento, experiência, habilidade e bom senso, para efetuar todos os testes disponíveis durante o exame clínico, a fim de chegar a uma conclusão mais acertada a respeito do diagnóstico e do plano de tratamento. Além do mais, Paiva e Antoniazzi19 (1991) consideram que a polpa dentária constitui tecido conjuntivo altamente especializado, cujas condições dificultam a resolução do processo inflamatório nela instalado. Por essa razão, o diagnóstico clínico da inflamação pulpar deve ser acompanhado do semiotécnico e da propedêutica clínica, apurados e rigorosos. Aliás, convêm elucidar as observações acertadas dos autores supra citados ao afirmarem que, o estabelecimento do diagnóstico clínico do dente pulpítico é de fácil resolução, porém, o caráter difuso e irradiado que assume esta entidade clínica, dificulta o diagnóstico, principalmente naquelas ocorridas no mesmo hemiarco. Nesta pesquisa, procurou-se investigar o relato do paciente obtido na anamnese quando do contato de seus dentes com agentes térmicos frios, comparando-os à resposta pulpar obtida ao emprego do bastão de gelo e do gás refrigerante tetrafluoroetano (CS-68), considerando o aumento ou não da dor, assim como, a diminuição da sintomatologia em dentes portadores de lesão pulpar inflamatória irreversível. A este respeito, o exame da Tabela 1 mostra os índices percentuais de intensificação ou não da dor, assim como, o alívio do processo doloroso presente quando da aplicação do bastão de gelo e do gás refrigerante. Das 692 amostras testadas com os dois métodos, o bastão de gelo proporcionou 541 intensificações do processo doloroso (78,17%); enquanto em 681 situações, o gás determinou tal acontecimento (98,41%). De outro modo, o bastão de gelo propiciou alívio da dor em 96 casos (13,87%); o gás não produziu qualquer diminuição. Ao comparar os agentes térmicos no item “nenhuma alteração” constatou-se 55 ocorrências para o gelo (7,94%), e apenas 11 casos para o gás
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refrigerante (1,58%). Os resultados desta Tabela 1 asseguram alto índice de intensificação do processo doloroso com o bastão de gelo (78,17%), fato que contraria uma sentença literária ou até mesmo um dogma na especialidade endodôntica: “...a dor do dente pulpítico geralmente é aliviada pela aplicação do frio e exacerbada pela aplicação do calor...”. Inclusive, tal acontecimento contraria as observações de Van Hassel25 (1971) ao esclarecer que o alívio da dor, promovido pelo frio nos quadros de lesão pulpar irreversível, dá-se às expensas da diminuição da pressão intrapulpar e, o efeito contrátil no leito vascular, resulta em diminuição da pressão capilar e perda de líquido, determinando redução da pressão sobre as terminações nervosas. Estes indicadores, relativos ao aumento da intensidade sintomatológica frente à aplicação do gelo, são melhores compreendidos por meio de pesquisas relatadas na literatura a respeito do assunto. Parece que, as razões que determinam maiores ou menores intensidades sintomatológicas são decorrentes da maior quantidade de fibras nervosas pulpares que perderam a camada protetora de mielina, com subsequente aumento de receptores que ficam à disposição, a exemplo de aumentos de intensidade do estímulo, seja do interior da polpa dentária, ou proveniente do meio externo, conforme atesta Mendoza et al.17 (1987). Outra hipótese diz respeito ao crescimento de fibras nervosas no dente com tecido pulpar inflamado e, esse acontecimento, possivelmente é responsável pela maior intensidade sintomatológica do dente portador de lesão irreversível segundo Byers et al.2 (1990), que constataram crescimento de fibras nervosas, as quais denominaram de brotamentos, próximas ao tecido injuriado e inclusive, invasão destes no microabscesso, dando a entender que esses brotamentos sejam os responsáveis pela maior intensidade sintomatológica. Considerando o alívio da dor mencionada na Tabela 1 entende-se que o baixo índice apresentado (13,87%), pode estar diretamente relacionado à diminuição da
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pressão interna da polpa dentária a temperatura de fusão de gelo (2ºC) aplicado na superfície do dente e, consequente redução da pressão sobre as terminações nervosas. Mas não é só, os achados deste trabalho mostraram desigualdade com os dados dos trabalhos de pesquisa apresentados na literatura a respeito do assunto. Assim é que, ao cotejar os resultados do estudo de Mitchell e Tarplee (1960), Dummer et al 8 (1981), Cecic et al.6 (1983) e Barletta et al.1 (1993), com a nossa pesquisa, encontramos disparidade quanto ao número de amostras. Enquanto neste estudo foram utilizados 692 casos, os autores supracitados utilizaram, respectivamente, 26, 44, 2 e 11 amostras. Relativamente ao gás tetrafluoroetano (Tabela 1) constatamos um alto índice de intensificação do processo doloroso em 98,41% das amostras testadas, fato este observado por Barletta et al. 1 (1993) que, em 11 amostras testadas em 10 situações, ocorreram exacerbação em 90,9% dos casos, embora os agentes utilizados tenham sido o diclorodifluorometano (-55ºC) e a neve carbônica (-40ºC), que têm temperaturas muito próximas àquelas produzidas pelo gás tetrafluoroetano. Este alto índice de intensificação com o gás, provavelmente, deve-se ao fato de que, a baixíssima temperatura do agente e elevada intensidade do estímulo aplicado sobre a superfície do dente, promova elevado decréscimo da pressão interna intrapulpar que, ao invés de causar, tão somente, uma diminuição da pressão intersticial do tecido pulpar e subsequente alívio da dor, seria responsável por brusca vasodilatação, suficiente para elevar o grau de intensidade do fenômeno doloroso presente, conforme mencionam1. Quanto ao “nenhuma alteração da dor” julgamos que tal fato deva-se à possibilidade da resistência por parte desses pacientes ao frio, tanto à aplicação do bastão de gelo (gelo-resistentes) em 55 ocorrências, como na aplicação do gás (frigoresistentes) em 11 casos, fato este também verificado por Pesce et al.23 (1985). A Tabela 2 engloba os índices per-
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Resposta Intensificação Alívio Sem alteração Total de dentes
Bastão de gelo
Tetrafluoroetano
No de dentes (%) 541 (78,17) 96 (13,87) 55 (7,94)
No de dentes(%) 681 (98,41) - (0) 11 (1,58) 692 (100)
χ2 = 141,37 (significante em nível de 1%) (P=0,01) Tabela 1 - Frequências, em números e porcentagens, da alteração ou não da resposta dolorosa para todos os dentes clinicamente com lesão pulpar inflamatória irreversível, conforme o agente de resfriamento empregado e teste χ 2
Resposta Intensificação Alívio Sem alteração Total de dentes
Anamnese
Bastão de gelo
No de dentes (%) 539 (77,89) 96 (13,87) 57 (8,23)
No de dentes (%) 541 (78,17) 96 (13,87) 55 (7,94) 692 (100)
χ = 0,04 (Não significante) (P>0.05) 2
Tabela 2 - Frequências, em números e porcentagens, da alteração ou não da resposta dolorosa para todos os dentes clinicamente com lesão pulpar inflamatória irreversível, conforme a anamnese e o recurso auxiliar (bastão de gelo) empregado e teste χ 2
Resposta Intensificação Alívio Sem alteração Total de dentes
Anamnese
Tetrafluoroetano
No de dentes (%) 539 (77,89) 96 (13,87) 57 (8,23)
No de dentes (%) 681 (98,41) - (0) 11 (1,58) 692 (100)
χ2 = 143,65 (significante em nível de 1%) (P=0,01) Tabela 3 - Frequências, em números e porcentagens, da alteração ou não da resposta dolorosa para todos os dentes clinicamente com lesão pulpar inflamatória irreversível, conforme a anamnese e o recurso auxiliar (tetrafluoroetano) empregado e teste χ 2
centuais das alterações ou não, da resposta dolorosa, confrontando os dados da anamnese com a aplicação do bastão de gelo. Ao comparar os resultados desta tabela percebemos que praticamente não houve diferenças entre os indicadores percentuais no que se refere aos itens intensificação, alívio e sem alteração. Em razão desses achados há que se considerar a importância do recurso semiotécnico, porquanto as informações apresentadas pelo paciente durante o interrogatório dirigido são por demais es-
clarecedoras para o clínico no que tange ao diagnóstico da condição pulpar. Assim, os dados apresentados da anamnese foram quase idênticos àqueles obtidos durante a aplicação do bastão de gelo, sendo que o mesmo proporciona uma reprodução do que ocorre no dia a dia do paciente. Para o tópico “intensificação” a variação numérica foi de 2 entre o relato do paciente e a aplicação do bastão de gelo, enquanto para o “alívio da dor” não ocorreu nenhuma diferença; no tópico “nenhuma alteração” a variação numérica porém,
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foi também de 2. Aliás, tal correlação não resultou em diferença estatisticamente significante entre o relato do paciente e à aplicação do método, isto é, há semelhança de comportamento para ambos os recursos semiotécnicos (anamnese e recurso auxiliar) empregados. Os resultados expressos na Tabela 3 avalizaram a maior efetividade do tetrafluoroetano no item “intensificação” em relação ao “relato do paciente”, enquanto para o “alívio da dor” a diferença entre os dados relativos à anamnese 96 (13,87%) e à aplicação do gás (0), foi alta. Considerando o item “nenhuma alteração” as diferenças foram de 57 (8,23%) para o item anamnese e de 11 casos (1,58%) para a aplicação do gás. As diferenças dos dados colhidos nesta tabela dão conta que a observação do paciente está intrinsecamente ligada ao fato de fazer uso no seu dia a dia, de água a diferentes temperaturas e até mesmo, de adicionar gelo para tornar o líquido mais gelado. A esta altura convém afirmar que a temperatura do gelo varia entre 0ºC e 2ºC. Na verdade, o clínico e o paciente não conhecem a temperatura que está provocando, tanto a exacerbação, quanto o alívio. O fato do paciente, durante a sua crise álgica, perceber que sua dor alivia com o frio, faz com que o mesmo use um recipiente com água adicionada de gelo para levá-lo à boca, de forma que ao aplicá-lo sobre o lado do dente comprometido, propicie, em algumas situações, alívio nos quadros de pulpite. O mesmo não serve de parâmetro quando se considera o gás tetrafluoroetano, uma vez que o paciente não utiliza na sua rotina diária substância com tal efeito refrigerante. De fato, nos quadros de irreversibilidade de caráter difuso e irradiado, fulcro deste estudo, o processo doloroso alivia de modo imprevisto, porém transitório, quando se usa água fria, preferentemente gelada e, não raro, pacientes portadores desta condição apresentavam-se portando um copo contendo em seu interior água e gelo que, de tempos em tempos, era levado à boca para que o contato com a região do
dente causal promovesse a diminuição temporária da dor10. Observação significativa foi percebida nos pacientes analisados, os quais respondiam à dor de maneira diferente, não só em relação à aplicação dos dois agentes utilizados, como também nos diversos dentes analisados. Assim é que, quando do emprego do bastão de gelo no dente acometido por pulpite irreversível, a dor intensificava, ocorria uma reação física com gestos mais ou menos exagerados, enquanto com o gás tetrafluoroetano, esse acontecimento era mais rápido e mais intenso. A escolha do agente térmico recaiu nos dois métodos, entendendo que se demonstra cada vez mais a importância do resfriamento na determinação da condição pulpar, sugerindo melhor resposta da polpa dentária ao agente térmico frio. No entanto, são estes os métodos mais empregados pelos endodontistas, conforme constataram Haddad Filho et al.11 (2002), ou seja, testes térmicos frios como gelo e gás refrigerante. Com vistas a isso, Harty12 (1990) aconselha o teste térmico pelo frio na avaliação da condição pulpar, importando ademais esclarecer que, a intensidade dolorosa nos dentes anteriores íntegros à aplicação deste agente térmico é altamente dolorosa, em decorrência da pequena quantidade de substância dentária resfriada de modo rápido, enquanto, nos dentes posteriores; a elevada espessura presente nestes grupos dentários resulta resposta dolorosa pulpar de aparecimento mais demorado e de menor intensidade, fato também observado neste estudo e por Caldeira4 (1997). Buscou-se utilizar neste trabalho, o tetrafluoroetano, por representar um gás alternativo e substituto do diclorodifluorometano, que não produz danos ao meio ambiente e confere capacidade refrigerante semelhante, sendo ainda, um agente térmico seguro e confiável5-6,16. Por outro lado, o cirurgião-dentista deve entender e interpretar o declínio da dor através do “abaixar da mão” sinal indicativo para saber da presença ou não da dor quando da aplicação do teste. Assim sendo, justifica-se declínio da dor,
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quando se faz de maneira contínua, que se traduz por um rápido abaixar de mão, faz referência a uma polpa dentária onde medidas conservadoras devem ser instituídas, enquanto a dor que desaparece quando o paciente abaixa a mão de modo intermitente ou descontínuo, de forma mais lenta, demonstra menor possibilidade de conservação deste tecido22. Pode-se observar que durante a anamnese, neste estudo, na maioria das situações, não ocorreu diferença significante entre o que o paciente nos relatou no interrogatório, com a aplicação do bastão de gelo ou do tetrafluoroetano, com relação ao aumento da dor com substâncias frias. Assim é que se teve como índices durante a anamnese, 77,89% de relatos de exacerbação do processo doloroso quando da ingestão de substâncias geladas, 13,87% de alívio quando do resfriamento e 8,23% sem nenhuma alteração. De fato, Barletta et al.2 (1993) também encontraram alto índice de exacerbação do processo doloroso severo (90,9%) quando da aplicação de diclorodifluorometano. Dummer et al.8 (1980), detectaram índice percentual de 47,72% de exacerbação pela aplicação de cloreto de etila, o que vai de encontro ao observado neste trabalho (98,41%). Tal diferença decorre do tipo de gás refrigerante utilizado, pois o cloreto de etila diminui a temperatura a -10ºC, enquanto a temperatura do tetrafluoroetano se aproxima de -46 ºC na fonte14. CONCLUSÕES
De acordo com os resultados obtidos a partir da metodologia empregada pode-se concluir que: 1. Para ambos agentes empregados, ocorreram altos índices de frequência de intensificação do processo doloroso, baixos índices de alívio da dor quando do emprego apenas do bastão de gelo e baixas frequências de ausência de alteração, porém estatisticamente significantes; 2. Relativamente ao exame anamnético e o bastão de gelo como agente térmico de resfriamento, não ocorreu diferença estatisticamente significante entre as variáveis, alívio e intensificação, bem como,
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ausência de alteração; 3. Com respeito ao exame anamnético e o agente térmico tetrafluoroetano, ocorreu diferença estatisticamente significante entre as variáveis, alívio e intensificação, bem como, ausência de alteração. REFERÊNCIAS 1. Barletta F B; Faraco F N; Nunes FD. Alterações pulpares: novos avanços no seu método de diagnóstico. Rev Fac Odontol UNICID. 1993;5(1):7-14. 2. Byers MR; Taylor PE; Khayat BG; KimberLy C. L. Effects of injury and inflammation on pulpal and periapical nerves. J Endod. 1990;16(2):78-84. 3. Caldeira CL. Avaliação clínica da resposta pulpar obtida em pacientes submetidos aos testes de vitalidade ao frio (gelo e diclorodifluorometano) em função da faixa etária e grupo dentário. [dissertação de mestrado em Endodontia]. São Paulo: Faculdade de Odontologia , Universidade de São Paulo; 1997. 143p. 4. Caldeira CL. Avaliação do tempo de resposta sensorial associada à temperatura produzida na interface dentina-polpa quando da aplicação do tetrafluoroetano no teste de vitalidade pulpar. [Tese de Doutorado em Endodontia]. São Paulo: Faculdade de Odontologia, Universidade de São Paulo; 1998. 5. Caldeira CL; Aun CE. Evaluation of temperature in dentin-pulp interface produced by skin refrigerant. J Dent Res. 1997;6(5)961. 6. Cecic PA; Hartwell GR; Bellizzi R. Cold as a diagnostic aid in cases of irreversible pulpitis. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1983;56(6)647-50. 7. Cohen S; Burns RC. Caminhos da polpa. Trad. por Edson Jorge Lima Moreira. 6ª ed.
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Elastômeros na atualidade Elastomers: the state of art Palavras-chave: Elastômeros. Materiais para moldagem odontológica. Materiais dentários. Key words: Elastomers. Dental impression materials. Dental materials.
Paulo Afonso Silveira Francisconi* Cristiane Machado de Almeida Nishiyama** Márcia Furtado Antunes de Freitas** Ian Matos Vieira*** Renata Loureiro Louro****
RESUMO
Os elastômeros (que englobam polissulfetos, poliéteres e siliconas) atualmente compõem a maioria dos materiais de moldagem disponíveis em Odontologia. Os grandes avanços em suas propriedades tornaram difícil para o dentista decidir qual o melhor tipo para uma determinada necessidade clínica, em função de suas distintas características. Assim, o objetivo neste trabalho é apresentar uma revisão detalhada acerca desses materiais, ressaltando suas propriedades e indicações, visando auxiliar o clínico na prática diária. Como geralmente é difícil a tarefa de selecionar o elastômero mais adequado para uma determinada condição clínica, o profissional deve ter os conhecimentos básicos necessários, o que é essencial para que ele não fique sujeito às prováveis imposições de fabricantes e vendedores. ABSTRACT
Elastomers (polysulfide, polyether and silicons) are actually the most popular impression materials in Dentistry. Due to continuous improvements in its properties, clinicians have difficulties to choice the most adequate product for a determinated clinical condition, because they present different characteristics. This way, the purpose at this paper is to present a detailed revision upon these materials, pointing out its properties and indications, with the aim of helping the professional at his routine work. As selecting the most adequate elastomer to a determinated clinical condition is generally a difficult task, professionals must have the necessary basic knowledges, which is essential for him do not get subjected to same imposition from manufacturers and dealers. INTRODUÇÃO
Professor responsável pela Disciplina de Materiais Dentários do Departamento de Dentística, Endodontia e Materiais Dentários da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP). E-mail: pasf@fob.usp.br ** Doutoranda em Dentística, opção Materiais Dentários da FOB-USP. E-mail: crisman@ terra.com.br; mfafreitas@usp.br *** Doutorando em Materiais Dentários da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Email: ian@usp.br **** Mestre em Dentística pela FOB-USP. E-mail: rllouro@hotmail.com *
Os materiais de moldagem e suas técnicas de utilização sofreram , em sua evolução histórica, modificações consecutivas, sempre em busca de qualidades fundamentais como precisão e estabilidade dimensional. Os primeiros materiais de moldagem utilizados eram rígidos, usados apenas em pacientes desdentados, pois foram criados com a finalidade de possibilitar a confecção de próteses para suplantar a ausência de elementos dentários, já que naquela época, os tratamentos dentários consistiam apenas em extração. Em 1782, foi realizada a primeira moldagem, por Pfaff, um dentista prático, com cera de
abelha, vazada com barro e confeccionada com dentes de animais e fios de ouro, para Frederico, O Grande, da Prússia. Entre 1844-1857, iniciou-se o uso de gesso e godiva, também materiais rígidos, utilizados apenas em pacientes desdentados. Com a evolução da Odontologia, surgiram materiais restauradores que mudaram o perfil do tratamento odontológico e observou-se a possibilidade da substituição parcial ou total, de unidades dentárias direta ou indiretamente, e consequentemente, a necessidade de moldar pacientes dentados, o que levou ao surgimento, em 1925, do hidrocolóide reversível, primeiro material de moldagem elástico ou flexível. Em 1930,
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surgiu a pasta zinco-enólica, e em 1940, o hidrocolóide irreversível2. Os elastômeros foram desenvolvidos inicialmente para fins não odontológicos, como uma alternativa à substituição da borracha natural, durante a Segunda Guerra Mundial. Estes sofreram modificações químicas e físicas para o uso odontológico, e conseguiram se impor como excelentes materiais de moldagem, graças às suas qualidades e facilidades de manipulação, sendo cada vez mais difundidos entre os clínicos. Desse aprimoramento, surgiram três tipos de elastômeros: polissulfetos, poliéter e siliconas (de adição e de condensação). Cada um deles possui características distintas, e podem ser selecionados convenientemente, segundo indicação e necessidade11. Os elastômeros são polímeros unidos por ligações cruzadas2, e em função disso, estão sujeitos à contração de polimerização, gerando instabilidade dimensional. Quanto maior o volume de material usado, maior sua contração, por isso, é mais vantajoso se usar um casquete de moldagem. Tais materiais propiciam moldagens precisas, porém nem sempre com estabilidade dimensional24. As reações de polimerização têm sido mostradas contínuas por um considerável período de tempo, até alcançar a chamada presa final, mesmo após a remoção da moldeira da boca. O efeito da temperatura atua também como uma variável e, conforme tem sido demonstrado, altera a dimensão durante e após a presa clínica. As condições sob as quais os materiais são estocados e a necessidade da desinfecção do material de moldagem são fatores que também afetam a acurácia das restaurações indiretas. Os moldes podem ser submetidos às alterações dimensionais durante a expansão de presa do gesso. Embora a precisão seja afetada por muitos fatores, alguns desses podem não ser clinicamente significantes24. As propriedades reológicas dos elastômeros (elasticidade, rigidez e viscosidade), durante e após os estágios de presa completa, têm sido bastante estudadas, refletindo sua importância no sucesso clí-
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nico. Para uma impressão precisa, é mais importante entender as mudanças na elasticidade ocorridas durante os estágios iniciais de presa, do que na viscosidade e rigidez13. O objetivo deste trabalho é apresentar uma revisão detalhada dos materiais elastoméricos na atualidade, com suas características e propriedades, visando auxiliar o clínico na prática diária. Revisão da literatura
Os polissulfetos, também conhecidos como mercaptanas, constituem os elastômeros mais antigos existentes no mercado. Dentre todos, são os menos rígidos, sendo facilmente removidos da boca após polimerizados. As mercaptanas necessitam de uma espessura uniforme em torno de 2-3 mm para garantir a precisão das moldagens. Para isso é necessário o uso de moldeira individual. Estes materiais apresentam boa elasticidade, no entanto, são mais instáveis dimensionalmente, devendo o molde ser vazado imediatamente. Há formação de subproduto gerado durante a reação de polimerização, que é a água. A pasta base é constituída de polímero de polissulfeto, litopônio ou dióxido de titânio (carga suficiente para conceder resistência necessária), dibutilftalato (plastificador para dar viscosidade apropriada) e enxofre (acelerador); a pasta catalisadora é constituída do mesmo plastificador empregado na pasta base (quantidade igual de carga), ácido oléico ou esteárico (retardadores) e dióxido de chumbo. Apresenta baixo custo, boa resistência ao rasgamento e flexibilidade, o que facilita sua posterior remoção da boca e do modelo de gesso. O poliéter foi um material desenvolvido como alternativa aos polissulfetos, sendo o primeiro a oferecer alta fidelidade e estabilidade dimensional prolongada10. É um dos elastômeros menos flexíveis, e sua rigidez é responsável por sua alta precisão. Sua recuperação elástica é praticamente completa, graças às suas excelentes propriedades2. Em virtude de sua adequada viscosidade e molhabilidade, os moldes obtidos exibem excelente reprodução de
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detalhes7. Sua propriedade de absorver água facilita a obtenção de um troquel liso e isento de bolhas. Entretanto, tendem a absorver água e não podem ser armazenados em soluções desinfetantes por mais de dez minutos. O molde, por apresentar alta estabilidade dimensional, pode ser vazado imediatamente ou até mesmo alguns dias após a moldagem, e ainda ser vazado várias vezes sem alteração. É constituído de uma pasta base (que contém polímero de poliéter, sílica coloidal como carga e, plastificador - glicoléter ou o ftalato), e de uma catalisadora (que contém sulfonato de alquila aromático, além do plastificador e carga contidos também na pasta base). O poliéter apresenta recuperação elástica mais baixa do que a silicona de adição, embora a diferença possa não ser clinicamente significante. De acordo com o trabalho de Shen19 (2003), a silicona de adição apresentou menor flexibilidade do que os poliéteres testados. Este resultado contraria a crença convencional que o poliéter é o material elastomérico mais inflexível. De acordo com os fabricantes, o poliéter soft foi desenvolvido com o intuito de superar sua inflexibilidade e alcançar uma manipulação ideal e conveniente. Baseado nos resultados de resistência à compressão, este material é mais flexível do que os poliéteres prévios12. Os poliéteres permanecem plásticos por algum tempo após a manipulação, o que é desejável na tentativa de alcançar uma impressão precisa, pois esta pode ser distorcida se o material for inserido na boca do paciente no estágio em que já teve desenvolvimento elástico13. Existem dois grupos de siliconas para moldagem, classificados de acordo com sua reação de polimerização: as de condensação e as de adição. Ambas são baseadas no polímero do poli-dimetilsiloxano, mas apresentam diferentes grupos terminais, que dão origem aos diferentes tipos de polimerização23. Devido à formação e evaporação de álcool, na reação de polimerização das siliconas de condensação, ocorre contração, e consequentemente, alteração dimensional. Assim, problemas como a distor-
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ção são comuns, embora elas sejam bastante utilizadas pelos profissionais em função da sua facilidade de trabalho e custo acessível. Os moldes obtidos a partir destes materiais devem ser imediatamente vazados, por serem dimensionalmente instáveis2,9,16,23. Por esta razão, o molde deve ser vazado em até 30 minutos após a remoção da boca. De forma semelhante, a perda de componentes voláteis do acelerador causa contrações significantes nos polissulfetos de borracha, sendo a volatilização da água, decorrente da reação química do material, apontada, também como responsável por alterações dimensionais. Apesar das siliconas e dos polissulfetos repelirem água, os polímeros de poliéteres e algumas siliconas por adição hidrofílicas absorvem água. Se estes materiais forem expostos à alta umidade relativa, por período de tempo considerável, o resultado mostrará alteração dimensional. Aliada a estes aspectos existe uma recuperação incompleta após a deformação, devido à natureza viscoelástica desses polímeros borrachóides, cuja magnitude varia de material para material5. As siliconas de condensação exibem deformação permanente mínima e recuperam-se rapidamente quando deformadas. Assim como os polissulfetos, estes materiais não são muito rígidos, o que significa que não é difícil removê-los das áreas retentivas sem distorção2. São constituídos de pasta base (dimetil siloxano, sílica coloidal) e de pasta catalisadora (octoato de estanho, orto alquil silicato). São também materiais de baixo custo, porém não são capazes de conferir a mesma precisão que os poliéteres ou as siliconas de adição2,9,16,23. Durante a manipulação da pasta densa da silicona de condensação, não há problema em utilizar luva, pois o material não sofre alteração com o látex. Já com a de adição, sim, pois provoca retardamento da polimerização e inibição da presa completa. De acordo com Rodrigues Filho et al.18 (2003), tanto o tipo de silicona quanto o de luva pode interferir na polimerização do material, porém em alguns casos, a lavagem prévia das luvas eliminou esta interferência. Foi concluído também, que quan-
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do houver dúvida a respeito desta questão, pode-se efetuar a mistura das pastas, inicialmente, com uma espátula. As siliconas de adição possuem as melhores propriedades elásticas e a menor alteração dimensional entre todos os materiais elastoméricos4, o que as torna um material de moldagem extremamente fiel7. Esta fidelidade é aprimorada em função de sua hidrofilia9, tixotropia3 e pseudoplastia2. A natureza hidrofílica deste material é proveniente da incorporação de agentes redutores de tensão superficial, que facilitam o umedecimento da superfície. Esta característica permite ao gesso fluir por toda a superfície, evitando a inclusão de bolhas de ar. Sua estabilidade dimensional permite que os moldes sejam vazados até uma semana após a moldagem. A elasticidade superior e a excelente estabilidade dimensional possibilitam vazamentos múltiplos a partir de um mesmo molde com a mesma precisão final1,2,9,16. Na reação de polimerização não há formação de subprodutos, apenas liberação de sal de platina, não volátil, dessa forma o gesso pode ser vazado até 15 dias após a moldagem. A silicona de adição é composta na pasta base, por corante, sílica coloidal e polisiloxano vinílico, e na catalisadora, por agente de carga, agente de ligação silânico e sal de platina. Quando as propriedades mecânicas deste material hidrofílico foram testadas e comparadas com as dos poliéteres do tipo soft, concluiu-se que, em geral, estes últimos possuem uma maior deformação com a pressão e menor resistência à tração do que as siliconas de adição “hidrofílicas”13. Um estudo realizado por Thongthammachat et al.22 (2002), demonstrou que comparando-se as siliconas de adição aos poliéteres, as primeiras possuem melhor estabilidade dimensional. A principal desvantagem das impressões feitas com poliéter é que seu vazamento deve ser realizado somente uma vez e até 24 horas após a moldagem em função de sua deformação com o tempo. Como relatado nas publicações sobre o assunto2,9,16, a boa reprodução de detalhes associada às excelentes propriedades mecânicas das siliconas de adição lhe confere alta estabilidade
dimensional e a tornaram o material de escolha para estas situações clínicas. Além disso, permite um maior prazo e múltiplos vazamentos. O procedimento restaurador indireto envolve uma série de fases operatórias, as quais são importantes para a obtenção de trabalhos protéticos com precisão e estética satisfatórias15. Dentre estas fases, a moldagem constitui um ponto crítico para obter-se exata reprodução de todos os detalhes existentes na região em questão, registrando e reproduzindo a forma e relação exata do dente com os tecidos orais adjacentes. A obtenção da moldagem constitui um procedimento técnico de alta sensibilidade e pode ser limitante para o sucesso de uma restauração indireta21. De acordo com Phillips17 (1993), o material de moldagem ideal seria aquele que pudesse reproduzir com precisão a forma dos dentes e as suas relações com as estruturas vizinhas. Tal material deveria ser suficientemente elástico para permitir ser removido das áreas de retenção e voltar à sua forma original, sem distorções. Deve ter as seguintes características: fidelidade de reprodução (capacidade de reproduzir fielmente os detalhes das estruturas a serem moldadas); estabilidade dimensional adequada; precisão; facilidade de mistura; tempo de trabalho e de polimerização adequados; recuperação elástica após a deformação; e, facilidade de vazamento2,9,20. Tudo isso deve ser conseguido de forma previsível, confortável e de custo razoável15, e deve percorrer a extensão de todo preparo, penetrando no espaço intrasulcular. Para isso, deve ser capaz de afastar o tecido gengival21. No que diz respeito ao afastamento gengival durante a moldagem existe uma técnica em que se utiliza um casquete, o qual é indicado para preparos de coroa total, principalmente em casos em que a gengiva é delgada, não fibrótica, flácida e/ ou com menos de 2 mm inserida; outra técnica, utiliza a ação químico-mecânica de fio retrator e adstringente, indicada quando há gengiva inserida com mais de 2 mm, gengiva fibrótica e/ou espessa, que pode ser empregada tanto para preparos
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parciais como totais. Estas técnicas são para materiais de consistência média. Entretanto, alguns elastômeros possuem pastas de consistência pesada e leve, as quais podem ser utilizadas em moldeiras de estoque, de duas maneiras: dupla mistura (1 passo), em que as 2 consistências interagem polimerizando-se concomitantemente; ou reembasamento (2 passos), na qual inicialmente, molda-se com a pasta pesada, que atuará como uma moldeira individual, para posteriormente21, fazer a moldagem com a pasta leve. A técnica de casquete individual oferece a desvantagem de distorcer a posição dos casquetes dentro do alginato, o que altera a posição relativa dos troquéis no modelo de gesso. Para obtenção de modelos precisos, os materiais de moldagem devem proporcionar o mínimo de distorção, desde a remoção da moldeira da boca, até seu vazamento. Os fatores que podem influenciar diretamente na estabilidade dimensional e precisão dos moldes são: mudança de temperatura do meio bucal para o meio externo, quando da remoção do molde; condições de armazenamento; capacidade da moldeira utilizada reter o material de impressão, durante e após polimerização. A união dos elastômeros às moldeiras é crítica para a exatidão do molde. Retenções mecânicas e produtos adesivos são comumente aplicados para aumentar a união. Se esta retenção é deficiente, pode ocorrer uma desadaptação quando a moldeira for removida da boca6. Um levantamento entre cirurgiões-dentistas com o objetivo de saber quais são os materiais de moldagem e técnicas mais utilizadas, realizado por Mattos15 (2001), mostrou que para coroas totais com margem subgengival em dentes anteriores ou posteriores, o polissulfeto foi o mais indicado em conjunto com a técnica do casquete individual, pela fidelidade na reprodução de detalhes e nitidez do término cervical, dispensando o uso de fios retratores e com mínima injúria aos tecidos gengivais. Em casos de coroa total anterior ou posterior, com término subgengival, os poliéteres são materiais bastante indicados, associados à técnica do casquete individual, as-
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sim como, as siliconas de adição e de condensação, com técnicas de dupla impressão e dupla moldagem com fio retrator. Nas moldagens de preparos para próteses fixas, as siliconas de adição e de condensação são amplamente indicadas, associadas à técnica da dupla impressão com moldeira de estoque, em razão da menor alteração de posicionamento relativo dos preparos. Quando os preparos para inlays/ onlays e próteses adesivas apresentam margens supragengivais, a silicona de adição é o material mais indicado, utilizandose as técnicas de dupla impressão e dupla mistura. Os poliéteres e os polissulfetos são indicados nas técnicas com moldeira individual ou do tipo Triple Tray. As siliconas são empregadas em moldagens anatômicas, devido ao melhor domínio da técnica por parte do profissional. É mais indicada a utilização de polissulfetos com moldeira individual em casos de moldagens funcionais para próteses totais, devido às suas propriedades mecânicas e capacidade de reprodução de detalhes. Os poliéteres e as siliconas de adição apresentam características semelhantes, em termos de fidelidade de cópia, estabilidade dimensional e propriedades mecânicas. A obtenção da moldagem preliminar ou anatômica para prótese total tem sido fruto de estudos e de indicação de inúmeros materiais na tentativa de se conseguir um molde preciso. Alguns estudos têm mostrado a efetividade da utilização da dupla moldagem utilizando silicona de condensação pesada, em substituição à godiva, e silicona leve como material complementar, ao invés da pasta zinco-enólica. Esta técnica apresenta a vantagem de não utilizar plastificadores, os quais representam riscos à biossegurança, uma vez que sua esterilização completa é impossível, além de ser mais indicada para casos muito retentivos, devido à sua elasticidade. Contudo, possui a desvantagem da silicona pesada não poder ser reaproveitada em caso de erro e seu custo ser maior14. Franco et al.8 (2002) avaliaram o desajuste de elementos fundidos com diferentes técnicas de moldagem utilizando
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siliconas de adição e condensação. Os resultados mostraram que a de adição na técnica de dupla mistura, apresentou uma desadaptação de 648 μm; a de adição na técnica de reembasamento sem alívio, 571 μm; a de adição na técnica de reembasamento com alívio, 620 μm; a de condensação na técnica de dupla mistura, a desadaptação foi de 598 μm; a de condensação na técnica de reembasamento sem alívio, 1734 μm; e, a de condensação na técnica de reembasamento com alívio, 883 μm. CONCLUSÃO
Um bom material de moldagem deve apresentar uma série de propriedades importantes para seu bom desempenho clínico. Faz-se necessário conhecê-las e ser capaz de selecionar o material ideal para cada tipo de trabalho protético, tarefa difícil, uma vez que há grande quantidade de materiais e marcas comerciais disponíveis no mercado, porém necessária para evitar que o cirurgião-dentista, sujeite-se às imposições dos fabricantes e vendedores. REFERÊNCIAS 1. Aimjirakul P, Masuda T, Takahashi M, Miura H. Gingival sulcus simulation model for evaluating the penetration characteristics of elastomeric impression materials. Int J Prosthodont. 2003; 16(4): 385-9. 2. Anusavice KJ. Phillips, Materiais Dentários. 11ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2005. 3. Chai J, Takahashi Y, Lautenschlager EP. Clinically relevant mechanical properties of elastomeric impression materials. Int J Prosthodont. 1998;11(3):219-23. 4. Council on Dental Materials, Instruments and Equipment. Vinyl polisiloxane impression materials. J Am Dent Assoc. 1990;120(5):595-600. 5. Craig RG. Review of dental impression materials. Adv Dent Res. 1988;2(1):51-64. 6. Duarte EL, Zanetti AL, Hofling RB, Miranda ME, Bueno CES. Influência dos adesivos na resistência à tração de elastômeros em moldeiras de resina. RGO (Porto Alegre) 2003;51(4):366-370. 7. Federick DR, Caputo A. Comparing the accuracy of reversible hydrocolloid and elastomeric impression materials. J Am Dent Assoc. 1997;128(2):183-8. 8. Franco EB, Lopes LG, Tavares, PG, Franco EJ. Avaliação do desajuste de elementos fundidos em funçäo de diferentes técnicas de moldagem. Rev Fac Odontol Bauru.
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Revisão
Síndrome do dente gretado - Diagnóstico diferencial e possibilidades restauradoras Cracked tooth syndrome - Differential diagnosis and treatment possibilities Palavra-chave: Síndrome de dente quebrado. Key word: cracked tooth syndrome.
Taciana Marco Ferraz Caneppele* Glauco Fioranelli Vieira ** Susana Morimoto ***
RESUMO
A síndrome do dente gretado caracteriza-se por uma fratura dentária incompleta, na qual a trinca se estende para a dentina e por vezes pode atingir a polpa, estando associada à sintomatologia dolorosa, à mastigação e ao frio. O diagnóstico diferencial exige exame clínico, radiográfico, anamnese e manobras específicas, tais como testes de mordida, uso de corantes e transiluminação, entre outros. As informações obtidas dos pacientes, bem como o entendimento desta síndrome, são de suma importância para o diagnóstico preciso, que é o ponto de partida para o tratamento correto e para a prevenção da contaminação pulpar e da propagação da trinca dental. ABSTRACT
The cracked tooth syndrome is defined as an incomplete dental fracture, which extends through the dentin and sometimes can reach the pulp, being associated to characteristic of painful chewing and cold stimuli. The diagnosis of this syndrome nor always is easy, requiring of the dentist much attention in the clinical examination and anamnesis. There are some procedures that can be made to assist in the diagnosis, as bite tests, staining the tooth with dyes, occlusion analysis, transillumination, and others. The information of the patients is so important for a correct diagnosis, starting point for a correct treatment and the prevention of new episodes of dental fractures. INTRODUÇÃO
Especialista em Dentística Restauradora pela Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (APCD). E-mail: tacileo@uol.com.br ** Professor Associado do Departamento de Dentística e Endodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP). E-mail: glaucofvieira@terra.com.br *** Professora Doutora Responsável pela Disciplina de Dentística Preventiva e Restauradora da Universidade Braz Cubas (UBC). E-mail: sesma@sti.com.br *
Fraturas completas e incompletas podem ocorrer em dentes posteriores restaurados ou hígidos, apresentar-se de várias maneiras e ter diversas causas. Algumas fraturas incompletas apresentam-se como trincas que se limitam ao esmalte, não tendo maiores consequências. Porém, quando a trinca se estende para o tecido dentinário, pode desencadear uma sintomatologia dolorosa ao frio e à mastigação, caracterizando a síndrome do dente gretado. Esta trinca por vezes não pode ser visualizada, dificultando o diagnóstico, requerendo do clínico uma atenção especial. O tratamento da sintomatologia e a
prevenção da progressão para uma fratura completa consistem na confecção de restaurações que “amarrem” ou contenham os fragmentos. Também se deve atentar para os fatores predisponentes ao gretamento. Buscou-se com este trabalho abordar, com base na literatura, os aspectos da síndrome do dente gretado, trazendo subsídios para as possibilidades de diagnóstico, prevenção e tratamento. REVISÃO DA LITERATURA Denominação e definição
Desde a década de 50, há registros na literatura sobre estudos de fraturas dentárias incompletas. A terminologia é um pouco diversa, sendo que vários autores
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Fatores
Restaurações
1. Restaurações extensas - no sentido V-L (istmo maior que 2/3 da distância intercuspídica e no sentido MOD, e/ ou profundas) 2. Em dentes com paredes enfraquecidas deve-se evitar:material não adesivo - tipo amálgama ou curativos;condensação e expansão excessiva de ligas de amálgama;estresse excessivo de contração de polimerização em restaurações de resina composta
Oclusão
1. Hábitos parafuncionais (bruxismo ou apertamento), Interferências oclusais 2. Dentes com relação cúspide - fossa muito profunda 3. Presença de facetas de desgaste acentuadas 4. Paciente com histórico de fraturas prévias
Idade
1. Pacientes mais idosos (acima dos 50 anos) - pela fadiga dos dentes, redução da câmara pulpar e esclerose dentinária
Dentes quanto a localização e anatomia
1. Maior incidência nos dentes da mandíbula (osso mais compacto), nos primeiros e segundos molares inferiores e pré-molares superiores 2. Remoção de estruturas de reforço (cristas marginais e pontes de esmalte) - (Figuras 1 e 2)
Acidentes
1. Morder alimentos ou objetos duros 2. Traumas (por exemplo, na região mentoniana)
Tabela 1 - Fatores predisponentes para as fraturas dentárias 5,15,22,25 denominaram de maneira própria, a situação, como: fraturas fissuradas, linhas de trinca, síndrome do dente fraturado, síndrome do dente gretado e fraturas em galho verde, entre outros. O termo síndrome denota que a patologia instalada está interligada a um conjunto de sinais e sintomas característicos. O termo gretado significa rachado, fendido ou trincado, ou seja, a fratura dentária é do tipo incompleta, no qual não houve separação dos fragmentos dentários. A síndrome do dente gretado foi descrita e denominada na década de 60, sendo ressaltada a importância do diagnóstico e tratamento precoces de uma trinca, impedindo deste modo sua propagação5. Sua definição9 reflete a multiplicidade destes sinais e sintomas, e a sua progressão no dente. A síndrome do dente gretado caracteriza-se por uma “fratura incompleta, na qual não há separação dos fragmentos, cuja profundidade e direção podem atingir esmalte e dentina, podendo progredir para a comunicação e contamina-
ção da polpa e/ou ligamento periodontal, com sintomas característicos de dor à mastigação e dor ao frio”. Etiologia, prevalência e fatores predisponentes
Durante a mastigação, os dentes entram em contato com os seus antagonistas ficando sujeitos a cargas de compressão. Estas cargas geram uma deformação no sentido de afastar as cúspides, sendo conhecida como fenômeno de deflexão de cúspides. Os dentes posteriores sofrem cargas axiais muito mais significativas que os anteriores, sendo que, é a presença das fóssulas e cúspides que criam a tendência das cúspides deflexionarem sob estresse mastigatório3,10,12-14,17-21. A etiologia das fraturas completas (com separação dos fragmentos dentários) e incompletas (dentes trincados ou gretados) tem um caráter multifatorial, e está intimamente relacionada com a deflexão das cúspides. A fratura ocorre, independente
Fig. 1 - Trinca em dentina atingindo toda a extensão V-L (seta). Observar trinca em esmalte na porção distal
Fig. 2 - Trincas em esmalte e dentina, melhor visualizadas após a remoção da restauração. Observar a pequena espessura das paredes proximais
da condição do dente, quando este absorve forças que excedem o limite de elasticidade do esmalte e da dentina. As fraturas ocorrem, com menor incidência, em dentes íntegros, uma vez que a deflexão das cúspides é exacerbada em dentes com preparos cavitários extensos, levando os tecidos dentais à fadiga, e maior incidência de trincas ou fraturas2-4,7,12. Este dado reforça a importância de preparos conservadores. Variações individuais e multifatoriais como a inclinação das cúspides, espessura do esmalte, tamanho do dente, perda de estrutura e o tipo de contato, podem ser dados significativos, sob o ponto de vista clínico, para a incidência do gretamento dental11. Porém, outros fatores causais também estão relacionados como: os hábitos parafuncionais como o bruxismo ou apertamento, morder objetos ou alimentos duros (sementes ou grãos, piercings, gelo, canetas, lápis, abrir garrafas), condensação e expansão exacerbadas de ligas de amálgama e excessivo estresse pela contração de polimerização em
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Exames/Testes
restaurações de resina composta. A Tabela 1 apresenta os principais fatores predisponentes para as fraturas dentárias incompletas. A existência de mais de um fator aumenta a predisposição ao gretamento. Um estudo6 com 102 dentes com síndrome do dente gretado avaliou que a idade parece ser um fator predisponente uma vez que somente 20% dos pacientes tinham menos de 40 anos de idade. Outro dado importante foi que em 81% dos dentes trincados havia um desgaste oclusal moderado. Observou-se também que a própria consciência do paciente ao problema levou a descoberta das trincas em 25% dos dentes estudados. Desconforto na mastigação é o sintoma mais freqüente, e sensibilidade ao frio é geralmente relatada pelos pacientes. Outra pesquisa8 reforça a idade como fator predisponente, uma vez que a maioria dos casos ocorreu por volta dos 50 anos de idade. Fatores relacionados com a idade como a calcificação e a perda
Achados na síndrome do dente gretado
Exame visual
1. Trincas se estendendo para dentina, porém nem sempre visíveis; por vezes só é possível visualizar a trinca após remoção da restauração, podendo estar pigmentada por amálgama (Figura 3) 2. Dente deve ser examinado a seco, sendo o isolamento absoluto um bom recurso para melhor visualização (Figura 4) 3. Descartar dor por sensibilidade cervical: observar retrações e lesões cervicais, uso de explorador, jatos de ar e dessensibilizantes
Anamnese
1. Dor à mastigação e sensibilidade térmica variada. Mais comum com alimentos frios 2. Avaliar acidentes e traumas, e história de dentes fraturados 3. Restaurações recentes de resina composta podem estar associadas à dor à mastigação, por erros na técnica incremental - promover ajuste oclusal ou remover restauração
Exame radiográfico
1. Dificilmente se observa trinca. Deve-se notar a presença de problemas periapicais, cáries e restaurações profundas
Teste de mordida
1. Teste mais conclusivo. Uso de borracha do tubete anestésico ou outro artifício, no qual o paciente possa identificar qual dente dói, no teste dente a dente, cúspide a cúspide.
Teste térmico
1. Pode haver sensibilidade ao frio. Proceder a testes de vitalidade
Análise da oclusão
1. Avaliar contatos e desgastes oclusais. Proceder a ajuste oclusal no dente gretado.
Uso de corantes
1. Pode facilitar a visualização das trincas, mas nem sempre é efetivo. Pode afetar as restaurações estéticas.
Transiluminação
1. Pode permitir a visualização, dependendo do sentido e localização da trinca
Fig. 3 - Trinca em dentina (seta). A visualização só foi possível após a remoção da restauração preexistente.
Fig. 4 - Trinca em dentina (seta). A secagem do elemento dentário facilita a visualização da trinca
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Tabela 2 - Exames e testes utilizados para auxiliar no diagnóstico da síndrome do dente gretado
da elasticidade dos tecidos dentários associada à fadiga podem predispor os dentes a fraturas. A incidência maior de síndrome do dente gretado em mulheres foi descrita5, porém outros trabalhos relataram não haver diferença significante entre os sexos24. Pacientes com história de síndrome do dente gretado deveriam ter todos os seus dentes cuidadosamente examinados, pois eles são mais predispostos a fraturas. É ainda muito importante examinar o dente correspondente no lado oposto do arco dentário1. Os dentes desvitalizados, embora pos-
sam sofrer fratura dentária incompleta, não apresentam os sintomas característicos da síndrome, e talvez por este fato, estas trincas evoluam invariavelmente para fraturas completas. A literatura4 salienta a importância de reconhecer os fatores predisponentes, os sinais e sintomas, promover um tratamento adequado e oportuno, e realizar restaurações, com o intuito de proteger os dentes da propagação da fratura. Sinais e Sintomas
O sinal é a presença de uma trinca se
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estendendo para a dentina, que por vezes não é visível clinicamente, o que dificulta o diagnóstico. Os sintomas de fratura dentária incompleta, em que a polpa ainda não está irreversivelmente envolvida são: sensibilidade provocada com mudanças de temperatura, (particularmente ao frio) e dor provocada à pressão de mastigação (principalmente com alimentos duros e consistentes, e que cessa com a remoção desta força). A dor à mastigação pode ser resultado de uma pequena separação das partes trincadas, com conseqüente movimentação rápida e por vezes intensa do fluido dentinário. A trinca também gera uma propensão à invasão bacteriana23. A intensidade da dor depende entre outros fatores, da extensão da trinca e da proximidade da polpa. Os sintomas podem evoluir para uma pulpite ou mesmo, uma necrose pulpar, e neste momento, a síndrome perde suas características originais. Diagnóstico
Relatos de dor à mastigação e sensibilidade ao frio sem uma causa óbvia são importantes, e o diagnóstico diferencial deve incluir a síndrome do dente gretado1. O diagnóstico pode muitas vezes ser feito por meio da história do paciente e deve ser confirmado pela reprodução dos sintomas. O conhecimento desta condição, infelizmente, não é tão difundido entre os profissionais como deveria e os pacientes permanecem sem diagnóstico por muito tempo. Na síndrome do dente gretado, os pacientes reclamam de dor à mastigação e geralmente são capazes de localizar o dente com exatidão. Algumas vezes a dor à mastigação pode ser acompanhada por dor associada à ingestão de alimentos frios ou quentes, dependendo de quanto tempo a condição existe e o quanto a trinca penetrou para dentro da dentina ou polpa. Um diagnóstico definitivo pode ser feito, primeiramente excluindo todos os outros, em particular, a dor devida a cáries, pulpite ou necrose pulpar. Doença periodontal também deve ser descartada. Uma vez feito isso, torna-se essencial
reproduzir os sintomas dos pacientes por meios auxiliares de diagnóstico como: inspeção visual cuidadosa do dente seco, podendo usar isolamento absoluto para que o dente fique mais desidratado e pela possibilidade de melhor visualização; testes de vitalidade usando frio e testes elétricos; percussão; transiluminação (com uma fonte de luz, intensa, altamente colimada como um instrumento de fibra óptica); uso de corantes; uso de microscópio operatório; remoção da restauração (geralmente as trincas estão pigmentadas nas restaurações de amálgama); mordida seletiva de um objeto (palito de madeira, rolete de algodão ou borracha do tubete anestésico) dente a dente, cúspide a cúspide 4,26. Quanto ao uso de corantes para visualização das trincas, muitas vezes é ineficaz26. Nos estágios iniciais, as linhas de fratura são geralmente muito pequenas e não são facilmente visíveis, mesmo com lupas de aumento. O teste mais simples e mais confiável para identificação de fraturas incompletas é o teste mastigatório seletivo. A expulsão de restaurações intracoronárias cimentadas, como inlays ou restaurações de amálgama, pode indicar a presença de trincas subjacentes ou a evolução para uma fratura completa15. Diante de tais dificuldades, eventualmente, o diagnóstico pode ser somente presumido, o qual é confirmado pela eficácia do tratamento, não sendo necessário ver a trinca para se chegar a um diagnóstico8. A menos que a polpa esteja envolvida, a percussão é inconclusiva, apesar de que a realização de pressão em uma direção crítica sobre a cúspide fraturada poder desencadear dor23. Radiografias não contribuem para o diagnóstico de fraturas incompletas, mas revelam a extensão de restaurações ou profundidade de pinos e, principalmente, ajudam a descartar a hipótese de cárie e restaurações profundas com envolvimento pulpar. Dentes com fraturas profundas envolvendo a polpa podem exibir alterações periapicais. A colocação de banda ortodôntica no dente afetado, havendo completa remissão dos sintomas, pode auxiliar no diagnóstico.
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Veja na Tabela 2 resumo dos tipos de exames e testes que podem ser feitos e seus achados na síndrome do dente gretado. Tratamentos
O diagnóstico deve ser precoce com prescrição de um tratamento para prevenir a progressão da trinca, envolvimento pulpar ou perda do dente. Assim que diagnosticado um dente gretado, o ajuste oclusal deve ser iniciado para reduzir o estresse no dente e promover a remissão dos sintomas1. Movimentos em cêntrica e excursivos devem ser aferidos. Associado ao ajuste, um tratamento restaurador deve ser realizado. O tratamento consiste essencialmente em conter a deflexão exacerbada das cúspides e a propagação da trinca através do “abraçamento” das estruturas dentárias, por meio da confecção de restaurações metálicas com cobertura de cúspides ou restaurações adesivas diretas (de resina composta) ou indiretas (cerâmicas ou cerômeros). Durante a realização da técnica adesiva, deve-se evitar interpor bases ou forramentos, buscando uma efetiva hibridização da dentina e penetração do adesivo na fenda, com intuito de unir as partes. A penetração do adesivo também visa impedir a penetração e proliferação de microrganismos na fenda. DISCUSSÃO
Parece haver um consenso entre inúmeros autores1,5,8,16 quanto à sintomatologia dolorosa à mastigação e aos estímulos frios na caracterização da Síndrome do Dente Gretado, porém seu diagnóstico ainda representa uma dificuldade no dia a dia da clínica. Os cirurgiões-dentistas devem estar atentos em como as fraturas podem ocorrer e incluí-las nas hipóteses diagnósticas quando o paciente relata dor em algum dente. Há alguns fatores que predispõem os dentes ao gretamento, sendo importante reconhecê-los durante o exame clínico e anamnese na busca do diagnóstico preciso. Quanto aos métodos de diagnóstico, o teste de mordida parece ser o mais confiável na detecção da síndrome do dente gretado1,4-6,8,26. A avaliação e alívio da oclusão do
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paciente também são primordiais, pois a aplicação de cargas excessivas é uma das causas de fraturas dentárias. A radiografia não parece ser um método muito eficiente, a não ser para descartar problemas periapicais, avaliar a presença de cárie e a profundidade das restaurações nos dentes suspeitos de fraturas23. Obter um maior número de informações dos pacientes é essencial para o diagnóstico, pois muitas vezes, clinicamente, não há visualização da trinca6. Outro fator importante é a detecção de algumas alterações ou situações comuns na síndrome do dente gretado como, facetas de desgaste, interferências oclusais, paciente na faixa dos 50 anos e história anterior de dentes fraturados4. O tratamento para a contenção da trinca, por meio de restaurações metálicas ou adesivas deve ser realizado o mais precocemente possível após o diagnóstico. CONCLUSÃO
Com base na revisão da literatura, pôde-se concluir que a ocorrência da síndrome do dente gretado é muito comum e o cirurgião-dentista deve sempre incluílas nas hipóteses diagnósticas quando o paciente relata dor em algum dente. Um profissional conhecedor dos sinais e sintomas característicos dos fatores predisponente, atento às informações obtidas dos pacientes e realizando um exame clínico apurado, lançando mão de meios auxiliares, pode realizar um diagnóstico preciso e intervir precocemente, evitando a propagação da fratura e prevenindo a infecção
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Relato de caso
Tratamento expectante: uma opção segura e conservadora. Relato de caso clínico Indirect pulp capping: simple and conservative option. Case report Palavras-chave: Cárie dentária, terapia. Hidróxido de cálcio. Polpa dentária. Key words: Dental caries, therapy. Calcium hydroxide. Dental pulp.
Renata Loureiro Louro* Ian Matos Vieira** Maria Teresa Atta*** Maria Fidela Lima Navarro****
RESUMO
Diante da tamanha importância da vitalidade pulpar deve-se sempre que possível buscar alternativas que possam preservá-la, já que a polpa possui função formativa, nutricional e protetora. O tratamento expectante é uma medida terapêutica indireta usada na tentativa de se evitar a necessidade de tratamento endodôntico, o qual leva à diminuição da resistência da estrutura dentária, desidratação e ressecamento da dentina e, algumas vezes, à alteração na cor do dente. O presente artigo tem como finalidade descrever um caso clínico desse procedimento conservador e seguro, diante de lesões cariosas agudas e profundas na iminência de exposição, porém com características de reversibilidade. ABSTRACT
Given the importance of pulp vitality due to its formative, nutritional and protective functions, treatment alternatives should, when possible, seek to preserve it. Capping is an indirect therapeutic treatment used attempting to avoid the need for endondotics treatment, which leads to decreased resistance of tooth structure, dentin dehydration and dryness, and sometimes changes in tooth color. The purpose of this paper is to describe a clinical case of indirect pulp capping, a conservative and safe procedure in tooth with deep carious lesion. INTRODUÇÃO
Mestranda em Dentística, na Faculdade de Odontologia de Bauru-USP (FOB-USP). Email: rllouro@hotmail.com ** Mestranda em Dentística – opção Materiais Dentários, na FOB-USP. E-mail: ain@usp.br *** Professora doutora do Departamento de Dentística da FOB-USP. E-mail: tereatta @usp.br **** Professora Titular do Departamento de Dentística da FOB-USP. E-mail: mflnavar @usp.br *
Diante de lesões profundas, principalmente em pacientes jovens, é possível a remoção parcial da dentina cariada que, após ser adequadamente tratada com produtos à base de hidróxido de cálcio, pode sofrer remineralização1, 3, 14. A lesão assim tratada pode, em sessões subseqüentes, permitir a limpeza completa do assoalho cavitário com menor risco de expor o tecido pulpar. Este procedimento é conhecido como tratamento expectante. O tratamento expectante consiste em uma intervenção indireta e conservadora do complexo dentinopulpar (CDP) nas situações em que a remoção completa do tecido cariado fatalmente levaria à exposição pulpar4. Tal procedimento é realizado com a aplicação de materiais biocompatíveis com propriedades de estimular a
formação de dentina reacional e esclerosada9. O objetivo principal desta conduta clínica é promover a recuperação da polpa em fase reversível e manter sua vitalidade9, remineralizar a dentina afetada, manter a estrutura dentaria sadia e possibilitar intervenções mais conservadoras7. Em função de ser um procedimento clínico relativamente simples, sua fundamentação exige profundo conhecimento sobre lesão cariosa, biologia pulpar, diagnóstico e terapêutica. Relato de Caso Clínico e Discussão
A paciente do sexo feminino, de 13 anos de idade, procurou o serviço odontológico da clínica de pós-graduação da FOB relatando sensibilidade provocada no elemento 24. Como o diagnóstico apurado da condição pulpar prévia ao tratamento é indis-
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Fig. 1 - Caso inicial
Fig. 2 - RX inicial
Fig. 3 - Remoção de dentina infectada com broca esférica de aço número 8
Fig. 4 - Fim da primeira sessão, remoção da dentina infectada
Fig. 5 - Pasta de hidróxido de cálcio
Fig. 6 - Restauração provisória fim da primeira sessão
pensável para se obter êxito na técnica9, na anamnese e exame clínico coletaram-se dados que direcionaram ao diagnóstico da condição pulpar, avaliando-se, em especial, a sintomatologia pulpar. Dessa forma, observou-se a ausência de qualquer registro de dor espontânea presente ou passada, coloração normal, sem presença de fístulas e edemas no tecido periodontal ou mobilidade, ou seja, condições de reversibilidade. Sinais e sintomas indicativos da possibilidade de haver cura do processo inflamatório provocado pela lesão11. Clinicamente, verificou-se a presença de lesão cariosa bastante profunda atingindo as superfícies oclusal e distal (Figura 1). Como meio de diagnóstico complementar, avaliou-se radiograficamente a ausência de alterações periapicais e a delgada camada dentinária separando a lesão de cárie da polpa (Figura 2). Estabelecido o diagnóstico de reversibilidade da condição de inflamação pulpar, optou-se pela realização do tratamento expectante. O procedimento operatório foi realizado sob isolamento absoluto, que além de possibilitar um campo limpo e seco melhorando a visibilidade do campo operatório, proporciona maior proteção para o paciente e profissional7. A paciente
não foi anestesiada, pois a sensibilidade guia o profissional na remoção do tecido cariado, uma vez que somente a dentina afetada é sensível ao toque. A dentina infectada, caracterizada pelo amolecimento e pela alteração irreversível de sua morfologia, foi removida com auxílio de curetas de dentina, de forma e tamanho compatíveis com a abertura da cavidade, e instrumentos rotatórios com broca de aço esférica de grande diâmetro número 8, em baixa rotação. A remoção de dentina infectada iniciou-se pelas paredes circundantes e, posteriormente estendeu-se às paredes de fundo da cavidade (Figura 3). À medida que a escavação do tecido cariado aproximou-se da dentina afetada, foi possível perceber a maior consistência do tecido bem como o relato de sensibilidade dolorosa pelo paciente, indicativos de que a escavação deveria ser interrompida (Figura 4). A dentina afetada deve ser mantida em função de apresentar uma organização estrutural que lhe confere capacidade de remineralização1, 3. A capacidade de recuperação da polpa, pela produção de dentina esclerótica ou pelo próprio potencial de reparo após a remoção do agente irritante, tem sido ressaltada por diversos pesquisadores10, 12, 15.
A cavidade foi, em seguida, irrigada com solução de hidróxido de cálcio que, por ser bastante alcalina, reduz a acidez do assoalho cavitário. Em seguida, a parede pulpar recebeu forramento com espessa camada de pasta de hidróxido de cálcio, a qual é obtida pela simples mistura de solução fisiológica e pó de hidróxido de cálcio P.A. (Figura 5). As características do hidróxido de cálcio tornam-no o material de escolha para o forramento da parede pulpar da cavidade. Além de possuir um efeito bactericida e bacteriostático, inativando os microrganismos que persistirem na cavidade pelo seu pH alcalino, estimula a formação de dentina reacional ou terciária, estimula a remineralização da dentina descalcificada pela lesão de cárie e a hipermineralização da dentina sadia subjacente, apresentando, desta forma, excelente biocompatibilidade5, 7, 8, 13. A cavidade foi selada provisoriamente com cimento de ionômero de vidro restaurador (Vitro Fil – DFL, Figura 6), por ser um material que possui adesividade ao esmalte e à dentina e coeficiente de expansão térmica linear semelhante ao da estrutura dentária, propriedades estas que asse-
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situações tão adversas quanto à presença de lesão cariosa aguda e profunda, desde que haja profundo conhecimento sobre lesão cariosa, biologia pulpar, diagnóstico e conduta terapêutica. REFERÊNCIAS
Fig. 7 - Após 45 dias dentina remineralizada
Fig. 8 - Proteção com cimento de hidróxido de cálcio (Dycal)
Fig. 9 - Forramento com CIV
Fig. 10 - Restauração definitiva final
guram uma melhor adaptação do material às paredes cavitárias2. Outra propriedade importante do material neste momento do tratamento é a liberação de flúor, haja vista a participação do flúor nos processos de remineralização dos tecidos dentais descalcificados. Esta é uma das etapas mais importantes do tratamento expectante, já que, se ocorrer infiltração marginal, os objetivos de anular agressões produzidas pela lesão e de interromper o metabolismo bacteriano não serão alcançados. Aguardou-se 45 dias, para que a polpa se recuperasse da inflamação. Após este período, reavaliou-se a condição pulpar através de nova anamnese que assegurou ausência de sintomatologia dolorosa e pela repetição dos testes de sensibilidade pulpar. Além disso, uma nova radiografia foi efetuada para constatar a formação de uma barreira ou ponte dentinária, caracterizada por uma área de maior radiopacidade acima da câmara pulpar e abaixo do forramento cavitário9. O material restaurador provisório foi removido de forma cuidadosa, bem como a dentina irreversivelmente alterada, veri-
ficando-se o grau de remineralização da camada dúbia mantida na primeira sessão. Verificou-se o assoalho cavitário desprovido de umidade e resistente à ação de escavadores (Figura 7), resultados da remineralização da dentina afetada5, 6, 8. A dentina cariada remanescente não remineralizada foi removida, agora com menor risco de exposição pulpar, com broca esférica número 8. Após a cavidade completamente limpa, aplicou-se cimento de hidróxido de cálcio (Dycal - Dentisply), nas regiões mais profundas do assoalho (Figura 8) e cimento de ionômero de vidro para forramento (Vitrebond – 3M/ESPE) (Figura 9). A cavidade foi, então, preparada para o procedimento restaurador definitivo (resina Z 250 – 3M/ESPE, cor A2) (Figura 10). CONCLUSÃO
O tratamento expectante consiste em procedimento seguro, simples e de baixo custo, sendo, portanto, de grande validade clínica no que se refere à conservação da vitalidade pulpar e preservação da estrutura dentária. Dessa forma, a vitalidade da polpa dental pode ser mantida, mesmo em
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Relato de caso
Queratocisto odontogênico no interior do seio maxilar Odontogenic keratocyst inside maxillary sinus Palavras-chave: Cistos odontogênicos. Seio maxilar; Dente impactado. Key words: Odontogenic cysts. Maxillary sinus. Tooth, impacted.
Fábio Oliveira Cardoso* Cláudia Assunção e Alves** Davidson Rodarte Felix de Oliveira*** Stênio Neves de Souza**** Flávio Ricardo Manzi*****
RESUMO
De acordo com a nova nomenclatura de Slootweg14 (2006), atualmente, o queratocisto odontogênico é considerado um tumor odontogênico de origem controversa. Esta lesão possui características mais agressivas, quando comparada aos cistos odontogênicos, apresentando alta taxa de recidiva. Apresenta maior prevalência nos indivíduos do sexo masculino, entre 20 e 30 anos de idade e, geralmente, é descoberta por exames radiográficos de rotina, uma vez que, na maioria das vezes, é assintomática. Histologicamente, esta condição é caracterizada pela grande presença de queratina e por uma cápsula fina e friável, podendo apresentar cistos satélites em seu interior. O tratamento indicado é a remoção cirúrgica com margens de segurança, já que apresenta grande taxa de recidiva. Neste trabalho, será relatado um caso clínico raro de queratocisto odontogênico, associado ao elemento dentário 28, localizado no interior do seio maxilar, cuja suspeita foi levantada por meio de uma radiografia periapical de rotina. Para melhor avaliação do caso, foi realizado um estudo radiográfico completo incluindo novas radiografias periapicais, oclusais, panorâmica e telerradiografia lateral e frontal. Para melhor localização da lesão e auxílio no planejamento cirúrgico, foi realizada uma tomografia computadorizada com cortes axiais, coronais e reconstruções sagitais. O diagnóstico foi concluído pelo exame histopatológico. ABSTRACT
Aluno do Curso de Especialização de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas). E-mail: fabiopucmg@yahoo.com.br ** Especialista em Radiologia Odontológica e Imaginologia pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). *** Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, staff do Hospital Maria Amélia Lins e Pronto Socorro João XXIII (Rede Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG). Aluno do Mestrado de Implantodontia da Faculdade de Odontologia da PUC - Minas. **** Aluno do Curso de Especialização de Implantodontia do Centro de Estudos Odontológicos do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais. *****Professor de Radiologia Odontológica da Faculdade de Odontologia da PUC – Minas. Professor Colaborador em Radiologia Odontológica da FOP-Unicamp. E-mail: manzi@ pucminas.br *
Keratocystic odontogenic is considered a odontogenic tumour of controversial origin, in agreement with the new nomenclature of Slootweg14 (2006). This lesion possesses more aggressive features, when compared to the cysts odontogenics, presenting high recurrence rate. This lesion presents larger prevalence in the individuals of the masculine sex, between 20 and 30 years of age, and it is usually discovered by exams radiographic, once most of the time they are asymytomatic. Histologic aspect, this condition is characterized by the great keratin presence and for a fine capsule and friable, could present cysts satellites in your interior. The suitable treatment is the surgical removal with margins of safety, since it presents great recurrence rate. In this work, it will be told a rare clinical case of keratocystic odontogenic, associated to the dental element 28, located inside the maxillary sinus, whose suspicion was lifted up through a radiograph routine periapical. For a better evaluation of the case a study complete radiographic study was accomplished including new periapical, occlusal, panoramic, cephalometric radiograph. For better location of the lesion and aid in the surgical planning a computed tomography was accomplished with axial and coronal cuts and saggital reconstructions. The diagnosis was concluded by the histopathological exam. INTRODUÇÃO
Os cistos são cavidades patológicas recobertas por epitélio que, quando derivados do epitélio odontogênico, são denominados cistos odontogênicos. Estes são classificados em cistos inflamatórios, re-
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sultantes de um processo inflamatório, e cistos de desenvolvimento, que não possuem origem conhecida, mas parecem não ser resultado de uma reação inflamatória12. Dentre os cistos de desenvolvimento, destaca-se o queratocisto odontogênico,
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Fig. 1 - Radiografia periapical mostrando imagem radiopaca compatível com o dente 28 deslocado
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Fig. 2 - Radiografia oclusal para seio maxilar mostrando o dente 28 no interior do mesmo
Fig. 3 - Radiografia panorâmica mostrando o dente 28 no interior do seio maxilar (setas pretas), sendo que o mesmo apresenta-se velado (radiopacidade aumentada) (setas brancas)
Fig. 4 - Telerradiografias lateral (A) e frontal (B), mostrando a localização ântero-posterior e láatero-medial do dente 28 (indicados pelas setas)
por possuir um comportamento distinto dos demais, sendo de natureza mais agressiva e possuindo uma alta taxa de recidivas1,5,8-10. Outro fator que o difere é o seu mecanismo de crescimento, que parece não estar relacionado com o aumento da pressão osmótica no interior da sua cavi-
dade, como acontece com o cisto dentígero e o radicular, e sim com fatores inerentes, desconhecidos do próprio epitélio ou da atividade enzimática da cápsula fibrosa5,12. De acordo com Slootweg14 (2006), a classificação e a nomenclatura dos tumores odontogênicos foi revisada e atualizada
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sendo adicionadas novas terminologias e entidades, ocasião em que o queratocisto odontogênico passou a ser considerado um tumor odontogênico, enfatizando sua natureza neoplásica. O queratocisto odontogênico possui origem questionada, podendo surgir a partir da lâmina dentária, da camada basal do epitélio da cavidade oral ou do epitélio odontogênico primitivo1,18. Esta lesão apresenta uma predileção pelo sexo masculino, na proporção de 2:1, sendo a faixa etária de 20 a 30 anos a de maior incidência, mas podendo ser encontrado em qualquer idade7,9-10,12. Nas crianças podem ocorrer múltiplos casos de queratocisto constituintes da Síndrome de Gorlin-Goltz12. A mandíbula é a região mais afetada com cerca de 70% dos casos, principalmente na região posterior, próximo ao terceiro molar e ao ramo ascendente1,3,6,9. Clinicamente, os queratocistos odontogênicos são geralmente assintomáticos, sendo descobertos durante exames radiográficos de rotina. As lesões podem apresentar sintomatologia dolorosa, principalmente quando atinge dimensões maiores, aumentando a possibilidade de infecção secundária, podendo promover aumento de volume de tecido mole, expansão óssea, mobilidade e extrusão dentária, reabsorção e divergências das raízes, e deslocamento vásculo-nervoso, podendo promover parestesia do lábio e dentes 1-2,9-10,12. Apresentam também crescimento lento no sentido ântero-posterior, infiltrando-se nos espaços medulares do osso esponjoso, promovendo grande destruição óssea, mas causando pouca ou nenhuma expansão, sendo esta uma característica diferencial clinica e radiográfica no diagnóstico, já que outras lesões ósseas como o ameloblastoma, cistos radiculares e dentígero, encontram-se comumente associados à expansão, quando em tamanhos acentuados2,12,18. Os queratocistos odontogênicos possuem uma imagem radiolúcida ovalada ou esférica, com margens bem delimitadas, podendo ser uni ou multilocular. Em 25% a 40% dos casos, esta lesão pode estar associada a um dente incluso, dificultando o seu diagnóstico por ser similar a outros
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cistos odontogênicos, como o dentígero 12,18. Existem outras variedades radiográficas do queratocisto odontogênico: circundante, que envolve a coroa de um dente impedindo a sua erupção; de substituição, cuja formação se dá no lugar de um dente normal; externo ou não essencial, localizado distante dos dentes, no ramo ascedente da mandíbula; e, colateral, quando se localizam na porção lateral das raízes dos dentes. Histologicamente, os queratocistos odontogênicos possuem epitélio do tipo pavimentoso estratificado com poucas camadas de células, apresentando uma superfície paraqueratinizada corrugada ou ondulada. A camada basal é constituída por células colunares ou cúbicas, dispostas em paliçada e, é na camada suprabasal que a atividade mitótica é mais elevada. Sua cápsula é fina e friável podendo apresentar ilhas e cordões odontogênicos ou pequenos cistos satélites1,12,18. Por apresentarem características clínicas diferentes do queratocisto odontogênico paraqueratinizado, o queratocisto do tipo ortoqueratinizado, que possui recidiva rara e as células da camada basal não exibem tendência à distribuição em paliçada, já foi considerado como uma variante do queratocisto, mas hoje assume posição de uma entidade distinta18. A maioria dos queratocistos odontogênicos é tratada de maneira semelhante aos cistos odontogênicos, ou seja, por enucleação ou curetagem, já que a confirmação do diagnóstico só é obtida após o resultado do exame histopatológico12. A marsupialização não é muito recomendada para este tipo de lesão, devido a evidência de cistos satélites na cápsula, o que determinaria a sua recorrência2,5,8-9. Segundo Burton1 (2005), o tratamento do queratocisto odontogênico pode ser classificado em conservador ou agressivo. O tratamento conservador inclui enucleação simples, com ou sem curetagem e a marsupialização. O tratamento agressivo inclui a ressecção por bloco ou qualquer outro tratamento que utilize produtos químicos, como a solução de Carnoy1. O queratocisto odontogênico possui uma
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Fig. 5 - Tomografia computadorizada da maxila (em sequência de cortes axiais (A), reconstruções coronais (B) e sagitais (C)) mostrando o dente 28 no interior do seio maxilar esquerdo (setas pretas), lesão ocupando toda porção inferior e central do seio, além do rompimento da cortical vestibular – porção mais posterior do seio (indicado pelas setas brancas)
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Fig. 6 - Cirurgia e peça cirúrgica enviada para a análise histopatológica
Fig. 7 - Aspecto histológico da lesão: pode-se observar epitélio estratificado pavimentoso paraqueratinizado com espessura uniforme com ausência de cristas epiteliais, camada superficial corrugada e células da camada basal exibindo núcleos hipercromáticos em polarização invertida. (Magnificação de 200X)
taxa de recidiva que varia de 17 a 56%, aproximadamente1,8-9,15. Existem vários fatores que contribuem para esse índice, como um tratamento cirúrgico inadequado onde não foi removida totalmente a lesão permanecendo fragmentos do epitélio cístico, já que seu revestimento é fino e friável, além da presença de cistos satélites1,9. RELATO DO CASO CLÍNICO
Paciente R.G.A., 24 anos de idade, feoderma, compareceu a sua primeira consulta odontológica, em maio de 2005, para o planejamento da exodontia dos terceiros molares. Após radiografia periapical (Figura 1), observou-se que o elemento 28 não se encontrava em sua correta posição,
localizando-se superiormente às raízes do dente 27. Assim, foram realizadas radiografia panorâmica (Figura 2), telerradiografias lateral e frontal (Figura 3) e radiografia oclusal de seio maxilar (Figura 4) para melhor visualização da área, onde foi constatado que o dente 28 se localizava no interior do seio maxilar, o qual possuía radiopacidade aumentada quando comparado com o seio maxilar direito, sugestivo de lesão associada ao dente incluso. Com isso, o paciente foi encaminhado ao ambulatório de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, do Hospital Maria Amélia Lins, em Belo Horizonte-MG, onde foi realizada uma tomografia computadorizada para melhor identificação da localização
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do dente e delimitação da lesão. Foi confirmado o envolvimento de todo o seio maxilar esquerdo pela lesão e o deslocamento do dente 28 para próximo da parede medial do seio. Este exame também demonstrou o rompimento da cortical do assoalho do seio maxilar (Figura 5). Após a realização dos exames préoperatórios, constatou-se que o paciente se encontrava em um bom estado de saúde geral. Assim, o mesmo foi admitido no bloco cirúrgico para realização de cirurgia, sob anestesia geral, para a remoção completa da lesão e do dente, por meio do acesso intraoral (Figura 6). O material removido foi enviado para a realização do exame histopatológico, onde os cortes histológicos mostraram cápsula cística revestida por epitélio estratificado pavimentoso paraqueratinizado com espessura uniforme, ausência de cristas epiteliais, camada superficial corrugada e células da camada basal exibindo núcleos hipercromáticos em polarização invertida. A cápsula era constituída por tecido conjuntivo fibroso celularizado com vasos. Fragmentos de mucosa sinusal revestida por epitélio pseudoestratificado colunar ciliado, completando o quadro (Figura 7). O resultado do anatomopatológico foi de queratocisto odontogênico. O exame pós-operatório, em uma consulta de retorno, após dois meses de cirurgia, não mostrou recidiva. O paciente continua em acompanhamento ambulatorial. Discussão
O queratocisto odontogênico apresenta maior predileção pelo sexo masculino1,7-10 e é mais encontrado entre a 2ª e 3ª década de vida6,9-10,13, o que coincidiu com o caso relatado. Em alguns estudos, a idade de maior freqüência dessa lesão foi da 1ª à 4ª década de vida 1,7, o que se contrapõe aos trabalhos anteriores. A mandíbula é o local de maior ocorrência do queratocisto1-3,6-11,13, sendo a região do ramo mandibular a área mais afetada1-3,7,11. Isso não ocorreu no caso descrito, em que a lesão se localizava na maxila, no interior do seio maxilar esquerdo, tornando raro este caso. Segundo Yamazaki et al.17 (2003), quando esta lesão se encontra na
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maxila, facilmente ela poderá envolver a cavidade nasal e os seios paranasais, devido à agressividade de suas células, o que ocorreu no caso relatado. Vale ressaltar que os demais estudos pesquisados não fizeram menção a essa rara característica. No caso citado, o queratocisto foi encontrado por meio de um exame radiográfico de rotina, pois o paciente não apresentava nenhum sinal ou sintoma indicativo de lesão cística, coincidindo com os artigos de Chapelle et al.2 (2004), Hsun-Tau10 (1998) e Ferreira Junior et al.6 (2004). Mas de acordo com Burton et al.1 (2005) e Hong et al.9 (2001), o queratocisto normalmente é encontrado devido a algum sintoma apresentado como dor, inchaço ou infecção. O tratamento mais indicado para o queratocisto odontogênico é a enucleação cirúrgica da lesão2,4,7-11, como foi realizado no caso descrito. A possibilidade de recorrência é alta3,5,8-11,13,16-17 e segundo Burton et al.1 (2005), varia de acordo com o tratamento proposto: tratamentos conservadores como enucleação simples e marsupialização, possuem maior chance de recidivas do que os tratamentos mais agressivos como enucleação associada com a osteotomia periférica, ressecção em bloco ou utilização de produtos químicos como a solução de Carnoy. CONCLUSÃO
Pode-se concluir que para se obter o diagnóstico de queratocisto é necessário: avaliação clínica, vários métodos por imagem e análise histopatológica. Neste caso,
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observou-se que a obtenção do correto diagnóstico possibilitou indicar um tratamento mais conservador. REFERÊNCIAS 1. Burton CC, Morgan TA, Qian F. A retrospective review of treatment of the odontogenic keratocyst. J Oral Maxillofac Surg. 2005;63:635-9. 2. Chapelle KAO, Stoelinga PJW, Wilde PCM., Brouns JJA, Voorsmit RACA. Rational approach to diagnosis and treatment of ameloblastomas and odontogenic kerotocyts. Br J Oral Maxillofac Surg. 2004;42:381-90. 3. Chi AC, Owings JR, Muller S. Peripheral odontogenic keratocyst report of two cases and review of the literature. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2005; 99:71-8. 4. Chiang M, Huang N. Odontogenic keratocyst clinically mimicking an eruption cyst: report of a case. J Oral Pathol Med. 2004; 33:373-5. 5. Ezsias A. Longitudinal in vivo observations on odontogenic keratocyst over a period of 4 years. J Oral Maxillofac Surg. 2001;30:80-2. 6. Ferreira Júnior O, Damantee JH. Simple bone cyst versus odontogenic keratocyst: differential diagnosis by digitized panoramic radiografhy. Dentomaxillofac Radiol. 2004; 33: 373-8. 7. Fornatora ML, Reich RF, Chothowski G, Freedman PD. Odontogenic keratocyst with mural cartilaginous metaplasia: a case report and a review of the literature. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2001;92:430-4. 8. Furst IM, Blanas N, Freund B, Schwartz M. Systematic review of the treatment and prognosis of the odontogenic keratocyst. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2000;90:553-8. 9. Hong SP, Myoung H, Hong SD, Lee J, Lim
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ançada em julho último, no Rio de Janeiro (Brasil), a Global Caries Initiative (Iniciativa Global Anticárie) tem o objetivo de traçar estratégias para um mundo livre da doença cárie até 2020, por meio de ações coordenadas por uma aliança global que envolve pesquisa, educação, prática, saúde pública, indústria odontológica, sociedade civil e governos. A Iniciativa é promovida pela Federação Dentária Internacional (FDI), International Association for Dental Research (IADR), International Federation of Dental Educators and Associations (IFDEA). O projeto foi lançado na Conferência Global Anticárie (Rio Caries Conference), que aconteceu durante o 19o CIORJ, com o apoio da ABO Nacional. A partir desta primeira reunião, está sendo
Foto: Edita
Iniciativa Global Anticárie: meta é mundo sem cárie até 2020
Membros de Regionais da FDI no Rio: EUA/Canadá, América Latina, Europa, Ásia e África
elaborado o documento Chamada à Ação, que vai traçar metas para os próximos 10 anos. Em três anos serão realizadas cinco conferências. Ainda neste ano vão acontecer duas, em Cingapura e em Nova York. O presidente da ABO Nacional, Noberto Lubiana, declarou: “Com a união entre entidades e ministradores de todo o mundo,
construiremos as bases para ações política junto aos governos na busca de dias melhores para a Odontologia e para a saúde bucal. No objetivo da conferência também deve ser incluído um componente político. Não se pode contar apenas com os recursos disponíveis. As entidades têm que se unir para cobrar mais recursos dos governos para a saúde”.
Em 15 minutos, ABO tornou-se aliada da FDI
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Curso de Cariologia “Já que temos tanto conhecimento em Cariologia, por que não acabamos com a ameaça da cárie?”. A partir desta questão, Nigel Pitts (foto), um dos mais respeitados pesquisadores em Cariologia, ministrou curso especial em julho, promovido pela ABO Nacional, durante o CIORJ. Pitts, então presidente da Organização Europeia para Pesquisa em Cariologia (Orca), é membro da Associação Europeia para Saúde Bucal Públi-
Foto: Edita
Burton Conrod, presidente da FDI, enfatizou no Rio o importante papel que a ABO ocupa na entidade mundial e o peso científico que o Brasil tem na comunidade internacional. Conrod relatou ter encontrado Norberto Lubiana pela primeira vez em 2003. “Ele fez uma viagem de 14 horas para falar por 15 minutos sobre a ABO ao Conselho da FDI. Neste curto espaço de tempo, mostrou como a ABO é forte e, desde então, a entidade está cada vez mais mostrando seu valor, tendo inclusive se voluntariado para o lançamento mundial da Global Caries Initiative aqui, no Rio”.
ca e da IADR, falou das evidências científicas atuais sobre a carie, suas conseqüências e controle, e o que há de consenso sobre isso.
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OUTUBRO ABO Alagoas
SETEMBRO ABO Rio Grande do Norte 6º Congresso Alagoano de Odontologia 8 a 10 de outubro Maceió - AL Informação: (82) 3235.1008 aboal@aboal.org.br www.aboal.org.br 3º Congresso Internacional de Odontologia, 11º Congresso de Odontologia do Rio Grande do 3 a 6 de setembro Natal - RN Informação: (+84) 3222.3812 congresso@aborn.org.br www.aborn.org.br
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2º Congresso Internacional de Odontologia do Mato Grosso do Sul 29 a 31 de outubro Campo Grande - MS Informação: (+67) 3383.3842 aboms@terra.com.br www.aboms.org.br
ABO Santa Catarina
DEZEMBRO ABO Paraná
4º Congresso Internacional de Santa Catarina 21 a 24 de outubro Florianópolis Informação: (+48) 3248.7101 abosc@abosc.com.br www.ciosc.com.br
10º Congresso Internacional de Odontologia do Paraná 2 - 4 de dezembro Curitiba - PR Informação: (+ 41) 3028.5800 secretaria@abop.org.br www.ciopar.org.br
ABO Goiás
15º Congresso Internacional de Odontologia de Goiás 23 a 26 de setembro Goiâna - GO Informação: (+62) 3236.3100 abo@abo-go.com.br www.abo-go.com.br
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FDI’2009 - Cingapura
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Roma (Itália)
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2 a 5 de setembro Congresso Mundial da Federação Dentária Internacional - FDI’2009 Local: Cingapura (Cingapura) Informações: www.fdiworldental.org Fortaleza (Brasil)
Acordo com ABO permite participação de todos os CDs brasileiros em condições especiais 30 de setembro a 4 de outubro 150ª Annual Session – ADA Local: Havaí (Honolulu) Informações: www.ada.org
Istambul (Turquia) 16 e 17 de outubro 4º Congresso Internacional da Academia de Inplantodontia Guiada por Computador Local: Istambul - Turquia Informações: www.tpidakademi.com/tpid FDI’2010 – Salvador-Bahia (Brasil) 2 a 5 de setembro Congresso Mundial da Federação Dentária Internacional – FDI’2010 Local: Salvador (Brasil) Informações: www.fdiwordental.org
Lisboa (Portugal) International Congress on Cleft Lip and Palate and Related Craniofacial Anomalies 10 a 13 de setembro de 2009 Local: Fortaleza (Brasil) Informações: www.cleft2009.org.br
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The Mediterranean Bridging Congress Academia Internacional de Odontologia & Associação Italiana de Odontologia 6 a 8 de novembro de 2009 Local: Roma (Itália) Informações: www.adint.org/ meetings-reservations.htm
XVIII Congresso da Ordem dos Médicos Dentistas de Portugal (OMD) 5 a 7 de novembro de 2009 Local: Lisboa (Portugal) Informações: www.omd.pt
ESMD 2010 - Congresso da Sociedade Europeia de Microscopia Odontológica 16 a 18 de setembro de 2010 Local: Vilnius (Lituânia) Informações: www.esmd2010.com
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