“Deconstructing the concept of creative industries” Susan Galloway and Stewart Dunlop - Recensão crítica Ana Maria Fernandes Leite
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Susan Galoway e Stewart Dunlop procuram analisar em concreto, e de forma bem fundamentada, o termo Indústrias Criativas e a sua ligação com outros que dele derivam. Esta desconstrução, como lhe chamam, parte fundamentalmente, segundo os autores, da indefinição e da fraca consistência teórica deste conceito introduzido, pela primeira vez, em 1998, pelo partido inglês, New Labor. Ao longo do texto, recorrem a diferentes autores e às suas definições, numa tentativa de as perceber
conceptualmente,
explorando
diversas
áreas
que,
apesar
de
aparentamente antagónicas, poderão estar interligadas. Desde a abordagem mais etimológica à abordagem mais política, os termos de cultura e criatividade e a sua ligação com a economia e política, são explorados por Galloway e Dunlop. Assumindo desde logo que o problema associado a esta indefinição começa na própria complexidade do conceito de cultura, referindo que “This is partly because 2
of therminological confusion about de word culture” , os autores são irredutíveis: indústrias culturais e indústrias criativas não são a mesma coisa. Consideram até que a defnição de indústrias criativas não tem em consideração a importância da singularidade da cultura e, por isso, não tem conteúdo cultural em tudo. Suportando-se nos alemães Adorno e Horkheimer e na obra escrita por ambos, Dialética do Iluminismo, datada de 1947, os autores analisam a origem do termo Indústrias Culturais mostrando que, originalmente, o mesmo surgiu para fazer a distinção entre as
artes
tradicionais
e as
formas
culturais
produzidas
industrialmente. Tratou-se de uma espécie de upgrade, por parte de ambos, com vista a melhorar e/ou substituir o termo de cultura de massa por Indústrias Culturais, uma vez que não se trata de um tipo de cultura produzida espontaneamente, mas sim uma produção dirigida para o consumo de todos em grande escala. Por sua vez, em 1998, o Governo Inglês, sob a liderança do New Labor, faz um novo upgrade ao introduzir, no seu discurso político, e a partir daí adotado por muitos governantes, o termo Indústrias Criativas, dando-lhe uma 1
Aluna n.º 379312009 | Esta recenção crítica é elemento de avaliação da cadeira “Fundamentos e Princípios da Cultura” do Mestrado em Gestão das Indústrias Criativas da Universidade Católica Portuguesa. 2 GALLOWAY Susan e DUNLOP Stewart, Deconstructing the concept of ‘creative industries’ (Glasgow: University of Glasgow, 2009), 1.
Ana Maria Fernandes Leite Mestrado e m Gestão de Indústrias Criativas / Fundamentos e Princípios da Cultura
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perspetiva mais democrática e inclusiva, mas também uma dimensão mais económica. Neste discurso, há também uma clara distinção entre aquilo o que deve ser apoiado pelo Estado e aquilo que deve ser comercial. A cultura passa aqui a ter uma dimensão mais universal na própria esfera política e a sua dependência do Estado começa a ser questionada. Cultura de massas, indústrias culturais e indústrias criativas. Três conceitos que evoluíram e acompanharam as mutações e desafios das sociedades. No entanto, os autores resistem ao termo introduzido pelo New Labor, por o considerarem pouco fundamentado e coerente, questionando se o mesmo representa uma mudança de linguagem, se consiste num exercício de marca, ou uma mudança significativa na abordagem à política da cultura. Não se tratará, porém, de uma interligação dos três fatores? Para um melhor entendimento os autores continuam a desconstruir, analisando, separadamente, os conceitos de cultura, criatividade, propriedade inteletual e significado simbólico. Comecemos pelos conceitos de “cultura” e “criatividade”. Tanto nas indústrias culturais como nas criativas, a criatividade do indivíduo é elemento chave, e o próprio New Labor usa a criatividade como factor preponderante da definição de Indústrias Criativas. No entanto, segundo os autores, se qualquer atividade que usa a criatividade é considerada criativa, qualquer inovação, de qualquer indústria, também deve ser uma atividade criativa. Dizem também que assumir, por exemplo, que o design, é uma indústria criativa porque parte da criatividade de um indivíduo, é excluir outras indústrias cuja produção também resultada da criatividade de um indivíduo. Partindo deste pressuposto, qualquer atividade criativa deve ser considerada uma indústria criativa e o uso da palavra criatividade para definir as indústrias criativas acaba por ser uma abordagem redutora. Propriedade intelectual é outro conceito explorado pelos autores e, segundo os mesmos, trata-se de um conceito adaptável a qualquer indústria, uma vez que permite aos portadores de produtos da sua criatividade, exercerem, sobre eles, os seus direitos morais e económicos. Para o DCMS, o Deparmento de cultura, Media e Desporto do Governo Inglês, os direitos de autor são vistos como um princípio organizador das indústrias criativas e a base para a definição das indústrias culturais. Para os autores, definir indústrias criativas como algo que gera propriedade intelectual, faz com que, mais uma vez, variadíssmas áreas possam ser designadas de criativas. Por esta razão, os autores insistem ao considerar que, os conceitos de criatividade e propriedade intelectual, não explicam o que é cultural nas indústrias criativas. Por seu turno, o termo “significado simbólico” e tal como justin O’Connor refere, é uma marca das indústrias culturais, pois o valor económico primário surge do seu valor cultural.
David Throsby, outro autor referenciado no texto, atribuiu outra dimensão aos termos acima referidos, explicando que as actividades das indústrias culturais envolvem formas de criatividade na sua produção, que as indústrias culturais dizem respeito à geração e comunicação de significado simbólico e que os seus produtos corporizam uma forma de propriedade intelectual. Esta tentativa de Throsby para definir se um setor faz ou não parte das indústrias culturais deparase com algumas dificuldades por ser dificil definir o que é cultural e não cultural. A distinção entre aquilo que é cultural e/ou funcional passa pelo mesmo dilema. O facto de a definição de cultura estar em constante evolução faz com que seja usada trasnversalmente, tornando-se extremamente difícil atribuír-lhe um efetivo significado. Por isso, a ideia de que tudo pode ser cultura abre caminho a outras definições pouco fundamentadas. Concordando com Hesmondhalgh, Galloway e Dunlop defendem que as duas características fundamentais das indústrias culturais dizem respeito ao significado simbólico e sos métodos de produção à escala industrial, características bem presentes no cinema, no audiovisual, na edição e na música gravada. Por seu turno, as artes ditas “criativas” não utilizam métodos de produção à escala industrial, sendo excluídas do conceito de indústria cultural. Por esta razão, Hesmondhalgh, entende que as artes criativas, como o teatro e as artes visuais, são periféricas às indústrias culturais. A relação entre cultura e economia é explorada também numa dimensão democrática. Os autores defendem que as atividades culturais desempenham um papel importante na liberdade de expressão dos indivíduos e abrem caminho para as questões de democracia, cidadania e inclusão social. Porém, massificar e democratizar a cultura podem ser realidades antagónicas, uma vez que não é garantido que um universal acesso não resulte em milhares de excluídos. Se de facto, a complexidade e transversalidade do termo “cultura” poderá dificultar definições que dele derivam, também é real que esta ambiguidade se torna estimulante e desafiante para quem o estuda. Não havendo uma definição concreta, torna-se dificil “agradar a gregos e a troianos”. Podemos, também, fazer uma tentativa de “desconstruir a desconstrução” de Galloway e Dunlop, mas não chegaremos a um consenso. Será mais uma forma de aprendermos e esmiuçarmos a grandeza do termo. Por isso, os termos Indústrias Culturais e Indústrias Criativas, não devem substituir-se um ao outro nem tão pouco ser opostos. Devem, sobretudo, ser complementares. Assim sendo, um novo upgrade ao termo poderia passar por designá-lo de “Indústrias Culturais e Criativas”. Até porque ambos partem da criatividade e conhecimento, bem como a propriedade inteletual para a criação de produtos e serviços com significado cultural e social.
Ana Maria Fernandes Leite Mestrado e m Gestão de Indústrias Criativas / Fundamentos e Princípios da Cultura
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Estes upgrades são naturais numa sociedade globalizada e progressista. As resistências também são parte integrante de um mundo plural e universal. No fundo o que se tem verificado é que, no contexto da globalização, não só a circulação de mercadorias se tornou universal, todos nós, também, nos tornamos universais. A esta realidade acresce a tendência que tudo é cultural ou nada o é o que no levaria a outra questão que merecia ser analisada com alguma profundidade. Na verdade, ao longo dos tempos, temos exemplos como o urinol de Duchamp e a Pop Art de Andy Wharol como formas de desafiar os limites impostos que acompanham uma sociedade que rapidamente se tornou, como Mc Luhan em tempos afirmou, numa “Aldeia Global”. Fernando Pessoa também dizia que o “mito é o nada que é tudo”. Assumir que a cultura também é o nada que é tudo, é permitir que a sua liberdade criativa esteja ao serviço de toda a humanidade.