Orpheu 3 by 12º5

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A turma 12º5 da Escola Seomara da Costa Primo tem o prazer de anunciar a publicação do volume 3 da revista Orpheu, o projeto que ficou por continuar por Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro. Trata-se de um número exclusivamente dedicado a heterónimos de Pessoa só divulgados agora, e que revelam como ainda há tanto para descobrir do poeta cujo centenário da existência e produção literária ainda decorre. Os heterónimos aqui apresentados foram “descobertos” na criatividade dos alunos da turma, inspirados pelo génio do criador. Para cada um é apresentada uma biografia, a génese da sua criação, uma composição poética e uma ilustração. Esta publicação é um exemplar único que merece ser explorado com deleite e profundidade.

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Caros leitores, Muitos de vocês perguntaram-me sobre um dos meus heterónimos, mais especificamente,

Amélia da Silva Albuquerque. Bom, venho contar-vos tudo acerca dela neste dia muito especial em que celebra os seus 24 anos. Houve uma noite em que não conseguia de modo nenhum adormecer, por isso, resolvi levantar-me e ir beber algo para ver se me ajudava. Quando voltei para a cama, adormeci, e durante essa noite tive demasiados sonhos, sonhos estes de que já não me recordo muito bem, tirando um em específico que nunca me vou esquecer e foi onde surgiu Amélia. Estava a sonhar com uma terra fantasiosa, de que não me recordo o nome, estava num castelo a servir como criado para os reis, o rei Arthur e a rainha Amélia. Não me consigo lembrar de grandes detalhes, mas sei que estava a servir especificamente a rainha. Apenas me lembro de lhe levar um vestido e pouco mais, pois pouco tempo depois acordei. Senti-me um pouco cansado como se o meu sonho tivesse sido mesmo real e quando olhei para o lado vi, sentada na cadeira que há ao lado da minha cama, uma mulher. Reparei mais nela e vi que era muito parecida com a rainha Amélia do meu sonho. Só podia estar a delirar, pois nunca tinha visto esta mulher na vida, a não ser no meu sonho, mas ela falava comigo como se fôssemos velhos amigos. Deitei-me de novo, fechei os olhos e quando olhei novamente para o lado ela já lá não estava. Foi nesse momento que surgiu a ideia de criar um heterónimo baseado na rainha Amélia e na mulher misteriosa ao lado da minha cama. A Amélia nasceu a 31 de outubro de 1901 e atualmente tem 24 anos. Nasceu em Hollywood e veio para Portugal com 1 ano. Ela é uma rapariga com cabelo encaracolado, meio loiro meio acastanhado, com uma pele clara e com sardas. Tem olhos azuis como o mar e 1,68 de altura. Gosta muito de usar uma boina que comprou em Paris, uma recordação da única viagem que fez ao estrangeiro. Por causa dessa viagem contactou com a arte de Van Gogh e adorou tanto os quadros dos girassóis que se tornaram a sua flor favorita e consequentemente o seu símbolo como escritora, até faz parte da sua assinatura. O seu dia de aniversário coincide com o Dia das Bruxas, ou Halloween como os americanos gostam de chamar, talvez por isso ela goste tanto do tema da fantasia e da magia e não é coincidência que ela tenha aparecido num sonho. Amélia começou a escrever pequenos textos aos 10 anos e depois de ver e ler tantos livros sobre fantasia apaixonou-se por esse tema. Muitas vezes tem sonhos bastante fantásticos, e já não consegue distinguir o sonho da realidade, um pouco parecida comigo nesse aspeto. Sempre foi muito dedicada à escola e tinha notas bastante razoáveis, apesar de estar sempre com a cabeça noutro sítio. Ela tirou o curso de letras para se poder dedicar à escrita, mas, como nem tudo na vida é belo, Amélia não consegue viver da escrita já que não ganha muito dinheiro, por isso trabalha numa livraria para se sustentar. Apesar de não ter muito dinheiro tenta vestir-se o mais chique que consegue, mesmo não sendo com aqueles vestidos mais caros. Às vezes também 2


desenha, mas coisas bem simples como estas silhuetas que vemos aqui nesta bela carta, todos os créditos são da Amélia. A vida dela também não foi a melhor já que perdeu o pai aos 5 anos e o irmão aos 6. Desde os seus 20 anos que não é a mesma pois sofreu com traições de pessoas que gostava muito e de quem era bastante próxima. Neste momento sente-se sozinha e a única pessoa com que se importa é a sua chefe na livraria. Apesar disto tudo, é uma pessoa calma, mas se a irritarem muito e a provocarem, ela não tem medo de enfrentar e responder diretamente. É bastante espontânea e divertida e adora animais, especialmente gatos. Estes fazem-lhe companhia e ela sabe que pode confiar sempre neles, sabe que não a vão abandonar. Amélia não escreve com muito rigor, ela apenas tenta fazer algo que transmita o que está a sentir e tenta sempre fazer rimar algumas palavras. Normalmente escreve poemas pequenos, mas também alguns textos em prosa. Fecha-se do mundo por não confiar muito nas pessoas e porque não aguenta ver as desgraças que acontecem na sociedade e a maldade da humanidade, especialmente depois da grande guerra. Os temas predominantes na sua poesia e prosa são o tema da fantasia e do amor. A fantasia está tão presente na sua vida que ela já nem consegue perceber o que é realidade e o que não é. Muitas vezes ela fala comigo como se vivêssemos numa terra onde existe magia e onde somos liderados pelos Deuses. Que a igreja não me condene por escrever a palavra magia, não sou eu que estou a ter estes pensamentos, é a Amélia, e se quiserem condenar alguém por bruxaria que seja a ela. Bom, espero que todos tenham ficado esclarecidos em relação a Amélia da Silva Albuquerque. Espero que ela seja tanto vossa amiga quanto é minha. Para terminar, deixo-vos um poema escrito pela Amélia.

Num mundo além do olhar humano, Que foge à cruel realidade, O sonho tece um lugar tranquilo Onde o impossível se torna felicidade. Lá, onde os sonhos se materializam, E os rios fluem como pensamentos desejados, A magia e a fantasia vêm-nos ajudar Para que assim possamos mais sonhar. Onde a luz se curva num arco de aurora, E a alma vagueia indefinidamente, O amor tece laços indestrutíveis Nesse reino oculto e sem fim. 31 de outubro de 1925 3


Beatriz Garrido 4


The New York Times Fernando Pessoa apresenta mais um heterónimo. Será que nos devemos preocupar? FP news Sejam bem-vindos, caros leitores/as. Nesta semana, no meu espaço aqui no jornal, vou apresentar-vos à minha nova criação: Antónia Castro Guimarães, o meu primeiro heterónimo do género feminino. Para esclarecer o surgimento desta mulher misteriosa vou explicar desde o início: Numa consulta recente com o meu psiquiatra, foi-me receitado uns novos comprimidos para me ajudar a dormir melhor, no entanto, estes acabaram também por me dar diversas alucinações. Ora, foi num destes episódios que Antónia surgiu. Para ficarem a saber mais desta encantadora mulher, passo a escrever uma biografia e alguns factos sobre ela: Antónia Castro Guimarães nasceu a 29/2/1912. Filha de pai e mãe com nacionalidade inglesa, mudou-se para Portugal aos 5 anos. Teve uma infância conturbada - apesar de ter tido tudo o que quis, estava sempre a viajar com os pais, uma vez que estes eram empresários muito importantes. No meio desta confusão de viagens e mudanças, Antónia sempre demonstrou uma certa confusão mental. Costumava estar perdida nos dias da semana, nas horas e, por vezes, tinha também dificuldades em identificar o país em que se encontrava. Claro que o facto de fazer anos num dia que existia apenas de quatro em quatro anos não ajudava. Antónia passava estes dias sempre sozinha, uma vez que as mudanças afetaram também as suas relações sociais. Esta solidão e confusão mental degradava bastante a sua saúde. Quando tinha sete anos e, mesmo no dia do seu aniversário, perdeu a sua avó, ficando este evento bastante marcado na sua mente. Foi a partir daqui que Antónia experienciou a morte e a dor que ela trazia. Ao fazer dezoito anos, e após a sua difícil adolescência, procurou a sua independência, mudando-se de novo para a Inglaterra e vivendo perto de uma floresta isolada. Para ficarem com uma imagem mais concreta dela, vou falar um pouco da sua aparência física e da sua descrição psicológica: Antónia, agora com os seus dezoito anos, é uma mulher magra e mede 170 cm. Tem por costume usar roupas de marcas bastante conhecidas e caras, sendo muitas vezes consideradas como extravagantes e vibrantes demais. Por causa da sua altura, do seu cabelo castanho ondulado e curto e dos seus olhos azuis, já fez diversos trabalhos como modelo, apesar de a sua vocação ser a cozinha.

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Apesar da confusão mental que já referi acima, Antónia sempre foi uma pessoa bastante inteligente, sabendo sempre como manipular as pessoas até ter o que quer. Esta personalidade forte não se reflete no dia-a-dia, uma vez que aparenta ser uma pessoa bastante fechada e introvertida. Apesar da sua sabedoria, Antónia não via esta característica como uma qualidade, mas sim como uma maldição. Esta desejava várias vezes tornar-se inconsciente, podendo assim aproveitar a sua vida sem a sua maior preocupação que era envelhecer, perder a sua vitalidade e, eventualmente, morrer. Assim, Antónia procura transformar os seus medos e toda a sua angústia em arte. Escreve sobre a dor que sente ao pensar de forma frenética, sem qualquer filtro, em vez de aproveitar a sua vida e o tempo que tem. Normalmente apresenta as suas obras escritas em verso, fazendo pontualmente algumas em prosa.

Na página seguinte, encontram um poema escrito por Antónia.

Caros leitores/as, aqui me despeço (também já não tenho mais espaço então sinto-me pressionado para acabar este texto). Espero que tenham gostado de conhecer um pouco mais da minha nova criação, a Antónia. Vemo-nos para a semana!

Maria Costa

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No ritmo rápido do relógio o tempo passa despercebido Pensamentos como folhas ao vento Tenho memória em excesso, lamento Nas horas, que caem como areia, um desafio mental Entre ontem e amanhã me divido Nos desafios procuro abrigo Uma luz ao fundo do túnel? Duvido! O tempo passa, e eu, sinto-me num deserto Procuro uma saída, mas estou perdida… Não faz mal, eu consigo escapar Nas dificuldades dos outros eu consigo sempre triunfar…

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Madeleine Brown Nascida no dia 10 de outubro de 1890 na cidade de Los Angeles, Califórnia, é uma mulher afroamericana, bela e elegante que vem de uma família abastada e de bons princípios. Madeleine teve uma infância repleta de alegrias e pais muito presentes, mas uma parte da sua vida é muito marcada por tristeza com a morte da sua mãe aos 13 anos de idade, tendo começado a sua jornada sem uma figura materna até os últimos dias da sua vida. Madeleine foi enviada pelo pai para a cidade de Paris para dar início à sua carreira de escritora por que sempre demonstrou muito interesse. Madeleine volta à sua terra natal, USA, depois de ter passado incríveis 25 anos na cidade de Paris, onde estudou em Belas-artes com a intenção de publicar o seu primeiro livro de poesia ilustrado, “A vida de uma mulher”. No livro, Madeleine expressa a sua curiosidade sobre muitas coisas relacionadas com a sua vida completamente diferente da de muitos - por trás da fachada de privilégios, ela carrega o peso de uma solidão que a riqueza não pode preencher. Pelo meio de festas glamorosas e posses materiais, Madeleine anseia por conexões genuínas e significado. A sua jornada é uma busca por identidade além das superficialidades, onde a verdadeira riqueza é encontrada na essência da experiência humana e na autenticidade das relações.

Nos salões dourados de riqueza vasta, Uma mulher pobre em sorriso contrasta. Ouro e seda, um manto de descontentamento, Sua fortuna, um fardo, um pesar no momento. Entre joias cintilantes e salas sumptuosas, Sua alma se perde em sombras silenciosas. O eco dos passos ecoa vazio, Num palácio de luxo, ela se sente perdida. Banhada em ouro, mas afogada em pesar, A riqueza não pode a alegria comprar. Em quartos opulentos, seu coração pesa, Pois a verdadeira riqueza não se avalia na mesa. No olhar distante, reflexo de tristeza, Entre opulência, ela busca a natureza. Poções de ouro não curam a alma, Num mundo de excessos, ela clama por calma. Oh, mulher rica, prisoneira do brilho falso, Em suas lágrimas, esconde-se o colapso. A verdadeira riqueza reside na paz interior, Longe das correntes da fortuna, na simplicidade do amor.

Eliandra Luís 8


Gonçalo do Carmo surgiu quando Fernando Pessoa, ao ver um casal a trocar carícias numa esplanada de um café, começou a escrever espontaneamente num guardanapo poemas sobre o quanto queria compreender o amor e ser íntimo com alguém. Nasceu no dia 14 de julho de 1885 em Lisboa, e é um cavalheiro de 1,83 de altura, tem pele clara e estatura elevada. É proveniente de uma família abastada de Lisboa. Recebeu uma educação primorosa em casa, mas aos 15 anos foi enviado para a casa de um tio em Paris, devido a um incidente com o seu professor, que se aproveitou dele. Em Paris, obteve uma formação em pintura na Academia Real de Belas Artes, onde conheceu o seu melhor amigo, Carlos Ramos. Em 1909, regressou a Lisboa e caiu numa profunda depressão, sentindo-se extremamente solitário e incompleto. A única forma que encontrou para suprir essa carência foi através de relações sexuais efémeras com mulheres (que algumas vezes chegavam a ser forçadas). Entretanto, contraiu conjuntivite. Em 1912, fundou o seu próprio jornal, chamado "O Século". No entanto, a sua depressão e sentimento de incompletude foram-se tornando cada vez mais intensos, até que um dia, em 1913 num café, foi atendido pela rapariga que Gonçalo passou a afirmar ser "a mulher da sua vida", uma jovem de 13 anos chamada Florbela. A partir desse momento, Gonçalo ficou obcecado por ela, enviando-lhe cartas e poemas que nunca receberam resposta. Em 1915, a conjuntivite deixou-o cego do olho esquerdo. Suicidou-se em 1917, com um golpe no pescoço por uma garrafa partida, após ter descoberto que Florbela iria casar-se. Morreu sozinho, sem nunca ter encontrado o amor. Uma das Cartas enviadas por Gonçalo do Carmo a Florbela Rodrigues em 1915:

“Minha adorada Florbela, Espero que esta missiva te encontre bem, embora seja a quingentésima vigésima nona carta que te envio nos últimos dois anos, e ainda não obtive o prazer de uma resposta tua. Ao acompanhar-te a casa ontem, a passos mais afastados, após o teu turno noturno, tinha o simples intento de garantir a tua segurança, um gesto motivado pela consideração e pela preocupação que alimento por ti. Hoje, durante o almoço na companhia de Carlos e do José Matos, partilhei com eles o sonho libidinoso que recentemente me assolou. Foi um momento mágico, permeado por risos de Carlos e um silêncio eloquente de José, o qual, como é de seu feitio, manteve-se alheio à expressão do humor. Este amigo meu parece destituído de qualquer inclinação para o riso, mas eu, ao contrário, senti-me tão inspirado por esta experiência onírica que dediquei a ti mais um poema. Espero que aprecies. Na esperança de que este bilhete encontre o teu coração recetivo, despeço-me com a esperança de receber em breve as tuas palavras. Cordialmente, Gonçalo Vaz Gonzalez do Carmo” 9


“Nos meus sonhos, a praia estende-se como um vasto oceano no cosmos, Onde o mar funde-se com um céu bordado de estrelas reluzentes. As ondas dançam, revelando vislumbres do inatingível, Um impossível que embala o meu ser com a sua magia traiçoeira. Contudo, cedo às suas ilusões E mergulho em mares de fingimentos, Onde sonho contigo e comigo, Onde sonho comigo e contigo. Nas tuas mãos, suaves e delicadas, encontro o meu rosto. Sinto-te, mas será que te sinto? O que é isto que estou a sentir e talvez já mais sentirei? Que sensação é esta, que vem enquanto exploras os caminhos da minha pele? É muito cedo p’ra dizer? Não tenho a certeza de nada, Mas tenho a certeza de tudo E tudo é a ilusão destes mares de sonho.

Num desejo que persiste, avanço, E enquanto tocas no meu falo, vejo estrelas na escuridão, Que caem como grãos de areia na nossa intimidade, Substituindo as palavras que se calam. Não careço de compelir como é meu costume, Aqui, não é preciso precipitar-me e subjugar, Tu ages conforme meu desejo, E eis a hora de te possuir.

Mas sob o domínio lunar, onde a lua tece destinos nestes mares de sonho, Sou banido desta praia mística E deste sonho encharcado, deixado molhado, Assim como os mares de ilusão que me circundam.”

Wilson Lopes

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Wilson Lopes

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Martim da Cunha, nascido de uma família burguesa no dia 26 de junho de 1885, em Lisboa. Teria 25 anos. Não trabalhava, era sustentado pela sua família, sendo herdeiro de um património absurdo. Tirou vários cursos na universidade de Coimbra, fazendo dele um homem culto e pelo qual se exibia. Um homem elegante, snobe e confiante talvez até de mais. De pele clara com cabelos pretos e encaracolados. Estava sempre bem vestido, usando roupas que qualquer um invejaria. Frequentava bailes onde era muito admirado pelas donzelas, mas sempre as rejeitava, não as achando boas o suficiente para ele. Era belo, mas egocêntrico, o que fazia dele uma pessoa solitária. Nos seus poemas, escritos em prosa, revela infelicidade e mostra-se depressivo perante a sua vida. Fernando Pessoa quis, com este heterónimo, retratar a alta burguesia, a realidade do que tem brilho, mas não se sabe como é por dentro. Assim como é referido no poema de Álvaro de Campos "Ode Triunfal", "E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra / E afinal tem alma lá dentro!".

Uma donzela a mim se dirige, Seduzindo-me com o seu olhar, Pedindo mais do que um beijo, Mais do que eu lhe posso dar. Digo não, com confiança, Perante a audácia dela. Virando-se para mim, homem sábio, Pedindo amor. Pobre donzela, tão ingénua! Mal saberia que sou cobarde. Tudo o que digo são mentiras, Fingindo ser homem que não sou. Confiante, burguês e elegante, Tudo não passa de uma mentira. Tenho medo de ser quem sou, É tudo covardia.

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Inês Rondão


Carlos Ramos nasceu no dia 6 de abril de 1889 em Cuba, onde viveu até aos seus 5 anos de idade, pois os pais separaram-se, por adultério. Carlos foi com a sua mãe para Portugal onde viveram. Infelizmente, a mãe de Carlos morre de tuberculose, quando Carlos tinha apenas 16 anos, mas com o dinheiro da herança que a família deixou (e por fraude fiscal), Carlos conseguiu emigrar para França onde estudou na Universidade de Belas Artes e onde encontrou vários artistas e conhecidos até aos tempos de hoje como Gonçalo do Carmo. Carlos formou-se em Arquitetura, uma paixão que tinha desde a infância, mas enquanto ele estudava a sua paixão foi destruída por um professor, que disse que “comparado com os outros, ele não seria digno de fazer um edifício decente”. Mesmo assim Carlos continuou a fazer os seus edifícios pós-modernistas. Carlos é moreno, magro, mas atlético, tem olhos amendoados, castanho mel, um bigode fino e lábios grosso. Um homem educado e delicado com as damas, calmo e racional com os companheiros e com quem esteja a sua volta, mas por trás desta face tranquila, é masoquista e tem uma obsessão em ser O nada. Ao longo dos anos, desenvolveu uma filosofia de vida singular, onde a busca incessante pelo vazio se tornou o epicentro de sua jornada interior. Para Carlos, a ideia de ser nada transcende o simples vazio; é a fusão com o universo, uma tentativa de dissolver as barreiras que separam os seres e as coisas. Ele acredita que ao ser nada, se torna simultaneamente tudo, uma espécie de entidade cósmica que abraça cada partícula de existência. A sua introspeção profunda muitas vezes leva-o a meditar em jardins escondidos nos recantos históricos de Sintra, onde a natureza se funde com o património, criando um espaço perfeito para suas reflexões, mas a sua busca pelo nada não é isenta de contradições. Carlos, paradoxalmente, deseja ser reconhecido como o nada absoluto, sente-se obrigado a partilhar sua filosofia onde sussurra os seus pensamentos cósmicos para aqueles dispostos a ouvir. Como Pessoa, Carlos reflete o "eu e os outros" de Fernando Pessoa. Num jogo de espelhos, ele destaca-se. Carlos identifica-se com o tudo que os outros não são, criando uma personalidade

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única e desafiadora. Nas linhas do "eu" e na sombra dos "outros", ele define-se como a exceção. Nos seus poemas, o tema central é o paradoxo do nada que é tudo. Carlos explora as fronteiras ténues entre o vazio e a plenitude, onde a busca pela anulação das próprias barreiras individuais se torna uma jornada cósmica. Cada palavra é uma tentativa de traduzir o intraduzível, de descrever o sublime momento em que ser nada é abraçar a todo o universo.

No vazio do espaço, onde o silêncio se entrelaça O nada se tece em fios ausentes O vazio dança, o mistério que abraça E no silêncio, um universo se faz presente No ar da existência, o vazio se revela cheio Entre luz e sombra, o vácuo se pinta Um silêncio subtil, um enigma sem apelo Nas estrelas do nada, Um infinito se implora Tudo para nada, nada para tudo Mas tudo tem limites, e nada é infinito Infinito serei eu, o mais Nada existente Serei o céu, a terra, as plantas e o mundo Serei mais que o mundo, Serei o espaço As galáxias em que eles estão Para eles não sou nada, logo sou tudo Tudo o que eles não são

Iara Varela

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Maria Merces/ José Matos Nascida 8 de março de 1890. Aos 17 viaja com os pais para Berlim em busca de estudo onde decide disfarçar-se de homem. Volta para Portugal em 1913. Entra no jornal de Gonçalo do Carmo em 1915. Em 1934 desaparece da sociedade sem deixar rasto, há quem diga que José encontrou o amor. Em 1940 foi encontrado o poema muito polémico onde José afirmava ser uma mulher. Maria é uma mulher de beleza notável, com uma longa trança preta que cai pelos ombros, realçando a riqueza e a escuridão dos seus cabelos. Os seus olhos, tão escuros quanto o breu, irradiam mistério e profundidade, refletindo uma intensidade que captura a atenção de quem a observa. A sua pele clara destaca-se, proporcionando um contraste encantador com o cabelo escuro e os olhos profundos, criando uma aura de elegância e singularidade. Maria possui uma presença cativante, onde a combinação dos seus traços físicos revela uma beleza única e intrigante. Numa dor profunda de pensar e numa angústia existencial à moda de Fernando Pessoa, a personagem de Maria, assumindo a identidade de José, tece histórias que desafiam as normas de género, expondo as lutas das mulheres. Ao vestir-se como José, ela mistura confiança com cuidado, navegando por uma existência onde a inspiração para as suas narrativas surge do quotidiano, refletindo a complexidade de viver duas vidas. A relação tensa com o dono do jornal espelha a superficialidade do mundo, onde a aparência é mais valorizada do que a verdadeira competência. Apesar dos desafios, a busca de José pelo reconhecimento como escritora persiste, pois, a necessidade de partilhar as suas histórias supera as adversidades, motivando-a a enfrentar os desafios diários em busca de uma voz literária autêntica. A popularidade de José entre as mulheres, apesar de atrativa, gera dilemas e uma desconexão entre a imagem percebida e a verdadeira identidade. A decisão de José, aos 17 anos, de tornar-se um homem e estudar em Berlim, representa uma jornada marcante, trazendo consigo conhecimento e uma nova motivação ao regressar a Portugal aos 21 anos. A família de José desempenha um papel crucial, apoiando as suas decisões e enfrentando desafios relacionados à identidade de género. O regresso a Portugal sugere o desejo de contribuir para a comunidade e enfrentar desafios sociais, refletindo a busca de autenticidade em meio à complexidade cultural e familiar em mudança. A constante dor de pensar e a angústia existencial de Pessoa manifestam-se na luta interna de José, onde o medo de ser descoberta como mulher cria uma sombra constante. Essa batalha entre a verdadeira identidade e o receio do julgamento social constrói barreiras emocionais entre José e o mundo, refletindo não apenas uma questão de coragem pessoal, mas também a conscientização das limitações impostas pelo contexto cultural e social da época. Nesse contexto, as narrativas de José ecoam os anseios e as complexidades do próprio Fernando Pessoa. Em 1934, José desaparece, revelando um segredo bem guardado: na realidade, ela sempre foi Maria. Inspirada pelas ideias de Alberto Caeiro, cuja poesia exaltava a autenticidade e a simplicidade da vida, Maria sentiu a necessidade de se libertar da corrente de falsidade que a obrigava a fingir ser quem não era. 15


Na sua carta de despedida, Maria partilha a influência profunda de Caeiro em sua vida, mas também explica como essa influência a levou a perceber a importância de viver a própria verdade. Ao partir, ela busca um espaço onde possa reconstruir a sua identidade, rompendo com as amarras da sociedade que a obrigaram a viver uma vida que não era a sua. O desaparecimento de Maria é não apenas uma busca pela autenticidade, mas também um ato de rebeldia e uma tentativa de viver em sintonia com os princípios que aprendeu com o mestre poeta. Assim, Maria busca o seu próprio caminho, distanciando-se da sombra da falsidade que a envolveu por tanto tempo.

No acaso da jornada, sombras se desdobram, Num palco de farsas, Representei um papel na comédia da vida, Máscara forjada, a realidade escondida. Em tramas do destino, enredos criei, Um protagonista falso, eu me tornei. Nas dobras obscuras de meu ser, Outro eu aguardava para renascer. Na poesia do mestre sábio, um farol Luz na busca por um eu sem controle. Assim, no derradeiro ato desta encenação, Despojo-me das máscaras, da ilusão. Nos versos escondi quem era Vesti-me de quem almejava ser O quão doce poia ser a primavera Para quem simplesmente não podia aparecer Na poesia não menti, O papel me chamou eu apenas escrevi Em meus versos despi-me por inteira Se ao menos uma vez faltei com a verdade Foi com a intenção de um dia ser pioneira Dessa forma consegui a minha liberdade Aquela que também era a minha prisão De que maneira eu contaria Que José outrora e sempre fora Maria Escrevo este poema sem nenhuma intenção de um dia o publicar Mas se por um acaso o vento soprar e ele acabar por voar Que se abram as portas desta cela e me arranquem desta escuridão

Akira Santos 16


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Melina de Castro

Melina nasceu no dia 17 de Novembro de 1908 na França. Contém traços finos, olhos grandes que demonstram inocência, cabelos negros e compridos, tem estatura pequena e esguia tendo entre 1,58 е 1,60. Pais portugueses restritos e extremamente religiosos. Obteve educação em casa por uma ama, com quem viria a morar em Portugal no ano de 1926, já com 18 anos, ordenada pelos seus pais a estudar na escola de belas-artes. Apesar da sua aparência inocente, é inteligente, mas muito impulsiva, não pensa no futuro, vivendo o presente cheio de ócio e prazeres carnais a sua escrita transmite o seu desejo incontrolável pelo pecado (dito pelos seus pais como proibido e pecaminoso), nunca foi pega pelos pais, pois as suas artimanhas e mentiras sempre a safaram. Concebida como poeta modernista, canta com euforia sobre pensamentos, sonhos e delírios misturando-os por vezes num só poema. Assim como Caeiro acredita no primado das sensações, mas também busca no presente, a felicidade relativa. Tendo plena consciência do tempo, sabe que não poderá recuperar o passado, vivendo assim ao máximo, seguindo o lema de Frida kahlo " viva la vida".

Raissa Batalha 18


O prazer do pecado Porta trancada aqui dentro, Cá estou vivendo um sonho, A fantasia domina, sinto o amargo, estou sozinha. Forte espasmo retido dos pecados em fúria Em fúria fora e dentro de mim Fúria imensurável e incontrolável, Só o amor e o sentimento de pertencimento Tratam o meu Coração de pecadora. Meu sentimento, Palavras ao vento, Ninguém entende, nem sente. Gosto do pensamento de que tenho todo o tempo do mundo. Então amemo-nos tranquilamente, pensando no que podemos e vamos fazer, trocar beijos e abraços e carícias. Teus olhos me comendo toda, enquanto estamos conectados e os santos nos dão as costas, pelo pecado cometido. Grito aos deuses meus delírios, desejos do meu corpo, que em tempos foi santo. Mas não te apegues muito a esse sentimento, Mantenhamo-nos sem amores sem ódios, nem paixões que levantam a voz, Nem Invejas que dão movimentos demais aos olhos. Faz-me teu pesadelo insano, o teu próprio pecado carnal! Pecado Eterno Pecado carnal, maldita consciência que se faz cúmplice, a todos os perfumes e calores humanos que me deliram com tanto prazer! Promíscua fúria de ser parte-agente Do Pecado carnal Dos Ócios Da alegria do poder, do Fazer e de pertencer. Na minha mente turbulenta e incandescida Possua me como uma mulher, Bela que sou Completamente possua-me como uma mulher Bela que se ama e apenas ao pecado se entrega. Paris, 1927- agosto Melina de Castro

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Melina

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Camille Leroux Camille Leroux, nascida em 15 de Março de 1880, em Estrasburgo, (França) destacase como uma figura proeminente nas artes visuais e literárias. Graduada em Belas Artes, a sua pintura expressiva e colorida ganhou reconhecimento global. Além disso ,compartilhou a sua existência com as sombras acolhedoras de livros antigos e as melodias suaves de um piano solitário, e publicou “Sua vida" um livro de poesia que explora as emoções da vida quotidiana. Comprometida com o apoio a jovens artistas, a vida e obra de Camille refletem uma fusão única entre as artes e os poemas, deixando uma marca distintiva na cultura francesa contemporânea. Depois de conquistar o país, Camille Leroux viu que tinha muitos talentos com os poemas e as pinturas, e ela decidiu viajar para outro país para ter uma outra experiência. Ela viajou com uma nova identidade para criar um poema diferente que não tinha nada a ver com ela. No avião Camille Leroux começou a fazer um esboço sobre o poema que ela ia fazer. Ela começou assim a escrever: “Camille Leroux francesa destemida, Em terras distantes, sua identidade escondida. Palavras em segredo, versos a revelar, Em terras estranhas, sua identidade camuflada, Como um poema clandestino, na sombra, desenhada.” Ela sentiu que o poema fazia muito sentido porque falava de uma pessoa que ia viajar para um país desconhecido, neste caso que é ela. E foi aí que ela decidiu desenvolver mais o poema, e criar mais um no mesmo instante e espaço.

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Le voyage “Sob céus distantes, ela dançou no disfarce, Palavras escondidas, como um doce Entre fronteiras, sua alma desbrava. Caminhando na trilha dos segredos, e das nuvens, Camille escreve enredos. Em cada esquina, um poema a revelar, A francesa misteriosa, a história a contar. Em línguas diferentes, seu nome se perde, Mas nas entrelinhas, a verdade emerge. Camille Leroux, na dança das identidades, Um poema de exílio em várias realidades.”

E quando ela chegou ao país lançou o poema e todos gostaram e o partilharam. A vida dela permaneceu um mistério.

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Mayara Fernandes


Harmony Rose Williams Robz é um pintor de emoções, com as suas pinceladas em tela retrata os tons fugazes dos momentos efémeros do amor, capturando a delicada dança dos corações. Nascido sob o sol da Toscana, em Florença, Itália, Williams inspira-se nas paisagens românticas que ecoam os sussurros atemporais do amor. Williams divide sua casa com um cão malhado muito inteligente chamado Tiga, cujo olhar parece guardar os segredos das histórias amorosas que ele pinta. É um recluso poético, escolhendo a solidão de seu ateliê para traduzir a linguagem do amor em pinceladas de tinta que falam mais alto que palavras. William encontrou alegria em duas coisas: piano e pintura. A relva era verde e tão linda; ele ouviu uma voz angelical, uma voz de sereia. Ali mesmo, uma linda jovem estava próxima a um piano, então ele tocou. A sua performance atraiu algumas multidões, marcando o início do amor deles. Willams Robz encontra consolo nos ecos de composições clássicas para piano, entrega-se à fragrância de livros antigos e saboreia a solidão que alimenta as suas contemplações artísticas.

Harmony Rose As pinceladas dançam, contando uma história sussurrada; Willams pinta o amor em tons tão frágeis. Os sonhos de Tiga, um guia silencioso, e uma vida repleta de noites solitárias. Pela janela, o vento traz uma graça atemporal. Através da tela, onde as emoções se escondem, um homem está por trás de uma pintura que contém a não vontade. Música ao fundo, ouça-me, tocando lentamente; crepúsculo toscano, abraço de amantes, uma graça atemporal, um vaso vazio. Versos efémeros, na asa da paixão, Harmony Rose, a rosa que ele escolheu. Não tão solitária, a noite é preenchida com danças e risos. Na galeria do coração, onde ecoam os cantos, enquanto ele toca o piano que ela cantou, ouve-se a angelical Harmony Rose.

Destiny Ezurike 23


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“Numa sociedade contemporânea que esconde as suas falhas, a minha raiva é uma centelha que ilumina os indiferentes, buscando despertar consciências adormecidas para a urgência da mudança.”

Bárbara Butler Dados Biográficos: Nome: Bárbara Walsh Butler Nascimento: 09/09/2016 às 06:06 horas da manhã, Irlanda, Cork, Cork University Hospital; Morte: 15/09/2112 às 21:07 horas da noite, Dinamarca, Copenhaga com 96 anos; Família próxima: mãe portuguesa e pai irlandês; Primária: Colégio Santa Doroteia em Alvalade; Secundária: Colégio Santa Doroteia em Alvalade, de onde foi expulsa, continuou o secundário no Real colégio de Portugal no Lumiar; Faculdade: Faculdade de medicina de lisboa, desistiu e continuou na Faculdade de Belas Artes do Chiado, aos 26 anos ingressou no Instituto de ciências sociais e políticas; Licenciatura: Pintura, Ciências políticas; Cursos extra: costura; Posição política e social: Anarquismo Social/de massas; Artistas de inspiração: Takashi Murakami, Damien Hirst, Yayoi Kusama, Jenny Holzer, Barbara Kruger, Caravagio, Álvaro de Campos, Franz Kafka, Louis Soutter… Prémios que ganhou: Future Generation Art Prize 2045, vários pequenos prémios internacionais;

Personalidade: 56% extrovertida 44% introvertida Signo: sol em Virgem, ascendente em Virgem e lua em Sagitário; Qualidades: Organizada, detalhista, observadora, realista, metódica, visionária, factual, crítica, eficiente, trabalhadora, persistente, prestativa, aventureira, desafiadora, criativa, corajosa, ambiciosa, entusiasmada… Defeitos: Rancorosa, controladora, exagerada, cética, ansiosa, difícil de agradar, violenta, falta de autocontrole, impaciente, manipuladora, desconfiada… 25


Aparência: Altura: 1,70m Tipo físico: mulher de porte médio, busto 90cm, cintura 89cm, anca 102cm; Olhos: azuis-claros, tamanho médio, naturalmente relaxados; Cabelo cor: Ruivo (ela pintou- o várias vezes durante a sua vida) Cabelo textura: naturalmente ondulado e de volume médio, com o tempo ficou mais seco por causa de ser pintado regularmente; Características marcantes: Tem uma cicatriz no lábio inferior direito, e no peito do pé direito, tem um piercing no lábio inferior direito no mesmo lugar da cicatriz, cinco furos em cada orelha mesmo que na maioria das vezes não os tenha todos preenchidos, teve a mão esquerda tatuada por ela mesma e por uma amiga quando tinham 14 anos, marca de nascença na coxa interior direita, sardas no rosto todo, nos ombros, colo do peito, e braços, usa óculos para ler ao perto, independentemente da roupa usa quase sempre um pin com o “A” de anarquistas;

Estilo de roupa Varia bastante dentro de estilos alternativos, sendo as suas cores favoritas o preto, rosa e verde, estilos predominantes, gótico chique, hippie e punk, tudo o que veste ou é feito por pequenos negócios independentes, ou é feito por ela ou comprado em segunda mão;

Forma de andar Postura correta, andar confiante e rápido;

Forma de falar Rápida, mas bem articulada, gesticula bastante, faz bastante contacto visual;

Tom de voz Voz feminina, mas mais grave, como um baixo (instrumento);

Riso Riso silencioso, mas alto;

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Aspeto em que se aproxima de F.Pessoa: Ao criar Bárbara B., Fernando Pessoa pensou em criar um heterónimo que vivesse numa sociedade onde o seu vanguardismo pudesse ser apreciado. Onde pudesse até mesmo em vida ganhar prémios e ser reconhecido pelas suas obras. Para acentuar o choque, Pessoa decidiu que este heterónimo de personalidade forte seria uma mulher já que, na sua visão (infelizmente), apenas no futuro longínquo da sua sociedade retrógrada, uma mulher poderia estar em pé de igualdade com o homem para fazer uma carreira independente. Algo que chocaria ainda mais o púublico. B. Butler tem Álvaro de Campos como mestre, inspira-se nele na forma como este se permite sentir de forma livre, escrevendo de forma bruta e pura assim como este, dando -se ao luxo de expor o que sente sem escrúpulos. Assemelha-se a F.Pessoa na sua nostalgia pelos tempos da infância, usando o carinho pelo pai que lhe morreu no final da infância como combustível para a sua revolta com o mundo em que vive. Revolta esta que lhe dará tema para as suas obras, tanto literárias como plásticas. Bárbara trabalha sobre o tema da raiva que só as mulheres entendem, e o tema da revolta contra o sistema padronizado que não acolhe os que não encaixam dentro do padrão. Fernando Pessoa usou B.B também para através dela expor a sua insatisfação com o sistema que o criticava por não se dar ao trabalho de o tentar entender.

A vida de Bárbara Walsh Butler Bárbara nasceu na Irlanda, filha de pai irlandês e mãe portuguesa, passou os primeiros anos de vida na cidade natal, Cork, cidade onde foi muito feliz, e apesar da tenra idade, levou consigo as memórias de um início de infância muito feliz com os dois pais bastante presentes. O pai trabalhava numa empresa internacional, e a mãe era advogada, aos 6 anos de Bárbara, o seu pai recebe uma proposta de trabalho em Portugal para chefiar um escritório novo, e assim sendo, sem muito voto na matéria, Butler muda-se para Portugal. Acolhidos sobretudo pela família da mãe, são também influenciados a colocar Bárbara num colégio religioso porque “em portugal é melhor assim”, mesmo os pais sendo ateus, e querendo uma educação laica para a filha. B.B teve alguma dificuldade na integração, mas nada que a sua personalidade extrovertida, e o facto de saber algum português graças àá mãe, não conseguisse ultrapassar. Na verdade, o principal obstáculo era a divergência de ensinamentos, pois em casa tinha uma educação muito virada 27


para a ciência, aprendendo desde cedo sobre a evolução da vida e o Big Bang, dinossauros, o espaço e as estrelas. A ciência era questionada no colégio que frequentava, sendo por vezes alvo de chacota por parte dos próprios professores e irmãs do colégio, sendo até posta de castigo por questionar os ensinamentos católicos. Bárbara sempre foi bastante sensível e muito recetiva a tudo à sua volta, isto fazendo de si uma criança desafiadora, e sem vergonhas que, por vezes, acabava em pequenas disputas com os colegas que lhe faziam frente, a si, ou quando rebaixavam os outros. Apesar de alguma turbulência na escola, em casa e com a família mais próxima, a sua infância foi repleta de mimos e atenção. E até mesmo em ambiente escolar foi capaz de encontrar a companhia de futuros amigos, sendo uma das suas principais lembranças do fim do ensino básico o começo da sua atração por dissecar pequenos animais nas aulas de estudo do meio, paixão esta que acabou por ser apoiada pelo pai que se juntou a ela na garagem da casa onde viviam, para a partilharem como passatempo. No início do 5º ano de escolaridade, B.Butler continuou a gostar de dissecar animais e começou a desenhálos também no seu caderno, antes da autopsia, abertos, partes do corpo separadas. Com isto decidiu entrar no clube de artes, e alimentar os seus conhecimentos artísticos. No início dos seus 12 anos, e conforme o tempo foi passando, o pai, que outrora era bastante presente, começou a trabalhar cada vez mais, chegando a passar dias sem ir a casa. Mesmo assim a relação de Bárbara e do pai manteve-se forte, a relação com o pai sempre fora algo muito especial para Bárbara, pois era com este que partilhava muitos dos seus interesses e também era este que sempre procurou estar mais emocionalmente conectado com a filha. A relação com a mãe também era boa, mas conforme se mudaram para Portugal, começara a ser ofuscada pela infelicidade da mãe ao deixar a Irlanda. Aos 13 a notícia que a empresa do pai tivera ido à bancarrota chegou, deixando a família num quadro diferente. A relação entre os pais fora abalada, e o pai entrara numa depressão profunda, ao passo que a mãe encontra refúgio no seu lado da família. Estes acontecimentos refletem-se na vida e personalidade de Bárbara, que se torna mais ansiosa e impaciente, começando a ter o registo de responder mal aos professores, e às irmãs do colégio. Começa também a entrar em pequenos conflitos com os colegas que lhe testassem a paciência. A família muda-se para um apartamento, e um ano mais tarde o pai que começara a trabalhar noutra empresa, tem um AVC agravado pelo facto de sofrer de diabetes e fumar. O trabalho da mãe não vai assim tão bem e Bárbara começa a ver-se no dever de retribuir aos pais todo o apoio que sempre lhe deram, aplicase na escola, e decide que vai abraçar o seu amor pela medicina legal, continua com o seu fascínio por ver os animais abertos e deixa de parte a arte, apesar de ter bastante talento. Aos 14, o pai morre-lhe após um 28


segundo AVC, e Bárbara e a mãe passam os últimos momentos do pai ao seu lado. Este entrega uma carta a Bárbara algumas horas antes de morrer. Esta carta viria a ser bastante importante para Bárbara, já que uma das suas obras mais famosas seria uma carta de resposta ao pai, vários anos depois da morte do mesmo. Ainda no mesmo ano é expulsa do colégio Santa Doroteia depois de se envolver numa agressão física com um colega que já a incomodava há algum tempo, que fizera troça da sua aparência, e gostos pessoais. Bárbara não gosta de o admitir em voz alta, mas sabe muito bem que gosta de descontar a raiva através de atos de violência, e o facto de o colega ser um rapaz que costumava rebaixar outros colegas deu-lhe um certo prazer pô-lo no seu lugar. Butler entra no Real colégio de Portugal com uma cunha pela parte da família da mãe, onde escolhe seguir ciências mesmo que um pouco contrariada. De facto, após ler a carta do pai sente- se de novo ligada às artes e expressões plásticas, continua a desenhar e a pintar em paralelo. O final do secundário foi também ele preenchido por confusões físicas e confrontos verbais com todos aqueles que procurassem desafiá-la de forma despeitadora. Termina o secundário em Ciências (com geometria descritiva) com notas altas e ingressa na faculdade de Medicina de Lisboa. Esta experiência não dura muito pois a sua paixão pelas artes arde cada vez mais forte, levando-a a desistir e após uma conversa com a mãe, que para sua surpresa apoia totalmente a sua decisão, decide que irá mudar de caminho. Um ano mais tarde entra em pintura na Universidade de Belas Artes do Chiado onde termina o curso com distinção, fazendo sempre textos e poemas para acompanhar as suas obras plásticas. Aqui Bárbara foi feliz de verdade pela primeira vez após a morte do pai. Começa a trabalhar com o apoio de uma galeria aos 26 anos, e com o dinheiro que faz a vender os primeiros quadros escreve e publica um livro aos 40, que vende bastante bem, sobretudo internacionalmente. Neste livro “Rastos de uma descontente,” reúne vários poemas que escreveu, algumas ilustrações e a famosa carta para o pai morto. Aos 29 decide tirar uma licenciatura em ciências políticas pois, conforme foi crescendo, o seu interesse por política aumenta bastante, sobretudo por causa do seu interesse em arranjar soluções para mudar o sistema padronizado em que se encontra. Na carta, Bárbara responde ao pai, e conta-lhe acerca da perspetiva sobre a vida que ganhou conforme foi crescendo. Fala também sobre ter a certeza que a causa da morte do pai ter sido na verdade, o capitalismo, o sistema padronizado que não sabe lidar com pessoas que não se encaixem no padrão. Seja por doenças mentais, físicas, divergência de crenças etc, fala também sobre as saudades que sente do pai, e como nenhum homem à sua volta jamais se igualará ao pai.

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Os anos passam e mesmo antes do livro, aos 29 anos, ganha o prémio Future Generation Art Prize 2045, e aos 41 ganha vários pequenos prémios internacionais pelo seu livro. Bárbara ainda com 41 chega também a discursar numa entrevista em televisão aberta sobre a importância da liberdade de expressão na arte, discurso este que, segundo os média, foi um escândalo, pois Bárbara, como boa mulher anarquista que era, aproveita para desconstruir todos os jornalistas representantes de grandes companhias. Insulta sem vergonhas o sistema padronizado presente no país e no mundo, e insulta diretamente nomes de partidos de extrema-direita. Esta peça valeu-lhe bastante reconhecimento, pelo bem e pelo mal. Os anos passaram e Butler acabou por ir morar para a Dinamarca, onde conheceu a mulher com quem teve duas filhas. Continuou a produzir obras, sobretudo plásticas e alguns poemas, e leva uma vida de ativismo e arte até à reforma, mesmo tendo continuado a pintar depois de reformada. Morre aos 96 anos.

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Um Manifesto para todos vocês! No salão da opressão, a mulher dança, Usa a fúria como combustível alimenta a sua esperança. O patriarcado, teia nojenta que a prende, E a ira feminina é a força que a distende…

Cada elo da corrente, em cada nó apertado Uma mulher entrelaçada, e pensa o sistema, dominada. Mas a raiva é como um vulcão em erupção E nas entranhas da ordem, uma revolução, Que com medo vomita o cheiro pestilento da corrupção.

ACORDA! Cheira a fraude e que ela te queime as narinas! LEVANTA-TE! E com o teu berro abala o capital faz subir as ruínas! DESTRÓI! E dá espaço para o inferno dos que cabem no padrão! SANGRA! Porque azul é o sangue dos que nos colocaram nesta prisão! COM FOME!? Esventra, come os ricos, mas cuidado porque o vício espalha-se lentamente. E um dia quando menos esperares és um narcótico do dinheiro, um dependente!

E SEI QUE VOS ODEIO A TODOS! TODINHOS! Titereiros que puxam os fios do nepotismo, Homens de mentes fechadas com bocas demasiado abertas, 32


Sociedade de autómatos programados no ceticismo, Que não acolhe quem vive noutro realismo. ODEIO os deputados, os ministros, os juízes, a polícia o exército! ODEIO o capital porque enfeitiçou todos à minha volta, ODEIO o patriarcado porque censura a minha revolta. ODEIO-ME A MIM porque o meu medo mata-me mais a cada dia, Do que o meu falhanço alguma vez faria!

Não te importes com o que outros estão a pensar, Porque as próprias pessoas já não sabem pela própria cabeça julgar. E quando menos esperarem a revolução os irá atingir, Arranhar-lhes a cara, para o sangue nas suas mãos poderem assumir. E É POR ISTO QUE VAMOS LUTAR! POR UM MUNDO ONDE NÃO TENHO DE PEDIR DESCULPAS POR GRITAR! POR UM MUNDO ONDE SOU LIVRE PARA ME REVOLTAR!

janeiro dia 5, 2044 Bárbara Butler

Leonor Ruivo 33


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FICHA TÉCNICA Editor: Agrupamento de Escolas Amadora Oeste Direção: Ana Água e Margarida Cruz Coordenação Editorial: Alunos do 12º5 Revisão de Texto: Ana Água Ilustração e grafismo: Alunos do 12º5 Coordenação multimédia: Margarida Cruz Gravação áudio: Alunos 12º5 Edição online: Issuu Periodicidade: Número único Data de publicação: fevereiro 2024

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