coordenação Eduardo Beira 1
PROJETO FOZTUA coordenadores ANNE MCCANTS (MIT, EUA) EDUARDO BEIRA (IN+, Portugal) JOSÉ M. CORDEIRO (U. Minho, Portugal) PAULO B. LOURENÇO (U. Minho, Portugal) www.foztua.com
ISBN: 978-989-98659-4-5 Design gráfico e paginação, incluindo capa, por Ana Prudente Editado e impresso por Inovatec (Portugal) Lda, V. N. Gaia, Portugal Encadernação e produção da capa por Minerva - Artes Gráficas (Vila do Conde, Portugal)
A LINHA DO TUA, 1887, E AS FOTOGRAFIAS DE E. BIEL Eduardo Beira, coordenação
004 Autores 007 Terra Quente - extranha e fantástica (por Álvaro Domingues) 009 Arte, história e tecnologia: Os documentos como arte e a arte como documento (por Eduardo Beira) 015 PARTE I AS FOTOS DE E. BIEL 019 Coleção de fotografias do livro original (reprodução fac símile) 045 PARTE II ENSAIOS COMPLEMENTARES 047 Linha do Tua (por Nuno Canavez) 049 Emilio Biel : o homem e o empresário (por J. M. Lopes Cordeiro) 059 As fotografias de Biel sobre a linha do Tua: uma análise critica (por Leonel de Castro) 065 As fotos de Biel e os desenhos de Bordalo Pinheiro sobre a inauguração da linha do Tua (por Otília Lage) 079 A luz e as sombras no vale do Tua (por Gilberto Gomes) 095 Linha do Tua: dos desenhos de engenharia às fotografias de E. Biel (1887) (por Mª Lurdes Martins, Graça Vasconcelos e Paulo Lourenço)
129 PARTE III MAIS DE UM SÉCULO DEPOIS… 131 A linha do Tua a Mirandela: Revisitar e reinterpretar as fotos de Biel (1887) (notas e fotos por Eduardo Beira)
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AUTORES
ÁLVARO DOMINGUES
EDUARDO BEIRA
GILBERTO GOMES
GRAÇA VASCONCELOS
Doutorado em Geografia Humana e professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, e investigador no Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo (CEAU-FAUP). Tem colaborado com instituições como a Porto 2001, Capital Europeia da Cultura, a Fundação de Serralves, a Fundação Calouste Gulbenkian, a Fundação Manuel dos Santos e várias universidades portuguesas e estrangeiras. Tem também desenvolvido atividades no campo da fotografia, do ensaio e da performance. O seu ultimo livro e Vida no Campo (Dafne, 2012).
Coordenador do projeto FOZTUA. Engenheiro químico (1974), foi administrador de empresas de serviços e industriais durante mais de vinte anos, depois de uma primeira carreira académica da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Professor associado (convidado) da Escola de Engenharia da Universidade do Minho (2001/2012), docente do programa MIT Portugal e Senior Research Fellow do IN+ Center for Innovation, Technology and Public Policy, (Técnico, U. Lisboa). Autor de diversos livros e tradutor da obra do filosofo Michael Polanyi.
Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Investigador na área de história dos transportes.
Professora Auxiliar do Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Minho e membro do Instituto para a Sustentabilidade e Inovação em Engenharia de Estruturas (ISISE), com interesses em alvenaria estrutural e não estrutural, madeira e caraterização experimental. Editora associada da revista Open Construction and Building Technology Journal.
JOSÉ M. LOPES CORDEIRO
Doutorado em História Contemporânea pela Universidade do Minho, onde e Professor Auxiliar no Departamento de História do Instituto de Ciências Sociais. É diretor do Museu da Indústria Têxtil da Bacia do Ave, assim como representante Nacional do TICCIH - The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage, organismo consultor da UNESCO/ICOMOS para o património industrial, e Presidente da APPI – Associação Portuguesa para o Património Industrial. É também diretor da revista Arqueologia Industrial. Membro da equipe coordenadora do projeto FOZTUA.
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LEONEL DE CASTRO
PAULO LOURENÇO
Fotografo profissional, colabora regularmente com vários títulos da imprensa nacional, especialmente em reportagens internacionais. Apesar de ter nascido na República Federal da Alemanha, as suas raízes estão em Lavandeira de Ansiães, no Nordeste Transmontano. Licenciado em Comunicação Social pela Escola Superior de Jornalismo, completou também o curso de Fotografia na Escola Superior Artística do Porto e, atualmente, é doutorando na Universidade do Minho. Docente no Instituto Português de Fotografia e na Escola Superior Artística do Porto.
Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Minho, Diretor do Mestrado em Análise Estrutural de Monumentos e Construções Históricas e Diretor do ISISE – Instituto para a Sustentabilidade e Inovação de Estruturas de Engenharia. Editor do Int. Journal of Architectural Heritage: Conservation, Analysis and Restoration. Especialista em conservação e reabilitação de construções, com atividade em mais de cinquenta monumentos espalhados pelo mundo. Membro da equipe coordenadora do projeto FOZTUA.
MARIA LURDES MARTINS
Doutoranda na Escola de Engenharia da Universidade do Minho (Departamento de Engenharia Civil). Interesse académico pelas questões de arquitetura vernácula, ensaios in situ em granitos e influencia dos ciclos de gelo e degelo sobre os granitos.
MARIA OTÍLIA LAGE
Investigadora do CITCE (FLUP). Pósdoutorada em Estudos Sociais e Históricos, (U. Coimbra), Doutorada em Historia Moderna e Contemporânea e Mestre em História das Populações (U. Minho), Licenciada em História (U. Porto), pós-graduada em Biblioteconomia, Arquivistica e Documentação (U. Coimbra) e em Administração Escolar (Instituto Politécnico do Porto). Professora (reformada) do Instituto Politécnico do Porto. Autora de vários livros.
NUNO CANAVEZ
Proprietário da Livraria Académica, no Porto, uma referência nacional entre os livreiros alfarrabistas, e volta do qual se constituiu uma tertúlia literária, porventura única na cidade. Veio jovem para o Porto, para trabalhar como marçano numa tal Livraria Académica, que havia de comprar em 1970. Nasceu em Vale do Juncal (Mirandela), em 1935. Ao longo dos anos doou milhares de obras sobre temática transmontana e duriense à Biblioteca Sarmento Pimentel, Mirandela.
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TERRA QUENTE - EXTRANHA E FANTÁSTICA Álvaro Domingues, Faculdade de Arquitetura, Universidade do Porto
“… d’ahi por diante, uma paisagem deliciosa, extranha, fantástica, cortada arrojadamente pela linha férrea, que representa o mais pujante atestado do talento e da ilustração dos engenheiros portuguezes.” Bordalo Pinheiro, 14 de Outubro de 1887.1
Nas palavras de Bordalo Pinheiro ficava assim resumido o que as fotografias de Emílio Biel captaram para o álbum da Linha do Tua: a natureza inóspita, a terra ingrata, o isolamento, a agricultura pobre, o marasmo económico…, iam ser ultrapassadas pelo gesto modernizador da técnica em forma de comboio a vapor e viação accelerada. O registo fotográfico, ele próprio uma maravilha da técnica, iria revelar limpidamente o resultado dessa invencível proeza – sem sinais do esforço humano, as pontes, os viadutos, os muros de suporte, os taludes, os túneis, rasgariam os penhascos e os abismos para a estrada de ferro seguir o seu caminho imparável. A paisagem transformar-se-ia numa paisagem tecnológica2, à força de golpes de racionalidade e saber de engenheiros. Alguém pagaria a fatura deste negócio (acabaria, de facto, na banca rota) mas esse não era o problema num tempo que se queria de celebração e de utopia. Agora o Tua embrulha-se outra vez na miragem do desenvol1 Inauguração da Linha do Tua (1887) de Rafafel Bordalo Pinheiro - Reportagem em banda desenhada publicada em “Pontos nos iis”, 14 de Out. 1887), citado aqui no texto de Otília Lage 2 Cf. Marta MACEDO (2012), Projectar e Construir a Nação: engenheiros, ciência e território em Portugal no século XIX, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa
vimento e da tecnologia: mudam-se os tempos, fazem-se barragens… e seguem as miragens da modernização em tempos de esvaziamento demográfico, emigração e crise económica. Hoje, Emílio Biel não saberia o que fotografar para entusiasmar o povo: o vale continua agreste e o fervor ambientalista só vê desvantagens no dilúvio da barragem; a linha férrea, obsoleta, transformou-se numa relíquia e foi encantada pela sua condição de disfuncionalidade trágica3; as barragens, agora energéticos negócios privados, terão perdido a fotogenia, paradoxalmente acusadas de descaracterizar a paisagem do Alto Douro Vinhateiro que, para além do vinho, é uma cascata de barragens e eclusas. Correm assim os tempos. A modernidade radicalizou-se e o futuro mais que perfeito vai-se toldando como o vinho nas trovoadas. No entretanto, inventam-se ficções “sustentáveis” e outras miragens para compensar a opacidade do presente e a incerteza do futuro; ir ao passado costuma aliviar, mas a nostalgia é coisa que não resolve muito. Fica então magnificamente documentado nesta obra um episódio da modernização intermitente de Trás-os-Montes e desta Terra Quente algures entre o desvanecer da velha ruralidade e dos tempos difíceis, e outros futuros com menor risco de descarrilamento. 3 Veja-se o magnífico trabalho fotográfico de Duarte Belo em Duarte BELO (2013), A Linha do Tua, Dafne, Porto.
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ARTE, HISTÓRIA E TECNOLOGIA: OS DOCUMENTOS COMO ARTE E A ARTE COMO DOCUMENTO Eduardo Beira, IN+ (Técnico, Lisboa)
No seu conjunto, este volume procura uma abordagem interdisciplinar para explorar oportunidades de diálogo entre a engenharia e a tecnologia, entre a arte e a fotografia, a história, e a memória, com base no argumento inicial de Biel. Retomaremos este ponto na parte final desta introdução. Antes disso procura-se reconstituir alguma da história da construção desta obra.
1. AS ORIGENS DESTA OBRA Este livro nasceu de um objetivo pragmático incluído na proposta para “o estudo histórico da linha do Tua” apresentado à EDP em 2010, no âmbito do projeto FOZTUA, e relativo a algumas das contra partidas pelo novo aproveitamento hidroelétrico de Foz Tua. Propunha-se aí a re-edição do álbum de fotografias de Emílio Biel sobre a linha do Tua.
na e alto duriense (1), que foram apoios importantes na procura inicioal de pistas documentais. E na realidade aparece aí assinalado um livro de fotografias publicado por Biel, no volume de bibliografia que Canavez publicou em 1998 (2), e esclarece-se aí que “as magníficas fotografias mostram diversas pontes e túneis, estações ao longo da via. Publicação feita para comemorar a inauguração, que teve lugar no dia 27 de setembro de 1887. Um combóio especial transportou para Mirandela, a fim de assistir à inauguração da linha, S.M. El -Rei D. Luís I e a rainha D. Maria Pia, alguns ministros e vários convidados”.
Tínhamos tomado conhecimento desse álbum logo nos primeiros passos do projeto FOZTUA. Foi uma técnica da biblioteca municipal de Carrazeda de Ansiães que me disse ter visto umas fotografias de obras na linha do Tua, feitas na altura da construção. Terá sido a primeira vez que alguém me falou, mesmo sem a nomear, da coleção de fotografias editada por Emílio Biel aquando da inauguração da linha ferroviária de Foz Tua a Mirandela, em 1887.
Em maio de 2010, eu, o Lopes Cordeiro (Universidade do Minho) e a Anne McCants (MIT), meus colegas na coordenação do projeto FOZTUA, visitamos a biblioteca municipal de Mirandela, a biblioteca Sarmento Pimental, onde estão depositados milhares de livros sobre a região, que Nuno Canavez foi colecionando e oferecendo à biblioteca do concelho de onde é natural, e que constitui um valioso património documental. Foi então que tivemos a oportunidade de ver, pela primeira vez, o exemplar aí existente do álbum com as fotografias de Biel - um documento precioso e um livro raro. Na realidade, vários anos passados, continuamos sem encontrar outra fonte de imagens contemporâneas da construção da linha do Tua que também seja significativa.
Desde o principio do projecto, conhecíamos os quatro volumes organizados por Nuno Canavez sobre a bibliografia transmonta-
Mais tarde Nuno Canavez contar-nos-ia (3) que na sua vida de livreiro alfarrabista tinha apenas visto dois exemplares desse
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livro de Biel. Um deles foi para o seu fundo na biblioteca de Mirandela e corresponde ao exemplar que consultamos - infelizmente com as capas manchadas e em estado já menos composto, e com a falta de uma última folha, que foi rasgada (julgamos que seria apenas uma folha em branco de fecho do álbum). O outro exemplar que passou pelas mãos de Canavez, esse estaria em muito melhores condições, impecável mesmo, mas Canavez ofereceu-o a um amigo de Mirandela, entretanto falecido (4). A reprodução das imagens, que constituem a parte I desta obra, teve portanto que ser feita a partir do exemplar na biblioteca Sarmento Pimentel. Aproveitamos para agradecer a excelente colaboração que o projeto FOZTUA tem tido por parte da biblioteca Sarmento Pimentel, e que muito nos apraz registar. Nuno Canavez teve depois a amabilidade de aceitar a nossa sugestão para escrever umas palavras para esta obra (ver texto na parte II). Da simples reprodução da coleção das fotografias de Biel, inicialmente prevista, até ao presente volume, com uma maior ambição, há um conjunto de circunstâncias que contribuíram para lhe dar forma. No âmbito do FOZTUA interessamo-nos pelo personagem Emílio Biel, um protagonista representativo do “progresso” português na segunda metade do século XX, e não só na fotografia, mas também como empresário das tecnologias de ponta de então, desde as artes gráficas à eletricidade e mesmo nos transportes (como Lopes Cordeiro mostra no seu ensaio incluído nesta obra). Note-se que a “expedição” de Biel para fotografar a obra da linha do Tua, por 1887, não terá sido a sua primeira incursão em terras transmontanas. Biel já tinha anteriormente fotografado a colheita da cortiça e os sobreiros da Casa Menéres, em Jerusalém do Romeu. Uma dessas fotografias de Biel está exposta no restaurante Maria Rita, no Romeu, datada de 1883, e legendada pelo punho do próprio Clemente Menéres. É possível que as relações próximas entre os empresários Emílio Biel e Clemente Menéres, ambos figuras ilustres da praça do Porto, tenham também tido um papel na encomenda feita pela Compa-
nhia Nacional de Caminhos de Ferro ao fotógrafo, que por sua vez não só fotografou a linha como tratou da edição do álbum correspondente para a mesma Companhia Nacional. Clemente Menéres foi um dos promotores mais ativos e interessados na construção da linha do Tua (5), tendo chegado a pertencer aos corpos sociais da Companhia Nacional. Algumas semelhanças entre os famosos desenhos de Bordalo Pinheiro sobre a inauguração da linha do Tua e algumas das fotografias de Biel suscitaram a nossa curiosidade - e a professora Otília Lage investigou o assunto e escreveu o ensaio incluído neste volume. Por sua vez o fotógrafo transmontano Leonel Castro, autor das fotografias de um livro icónico sobre a linha do Tua (6), tem vindo a dedicar-se ao estudo da obra fotográfica de Biel e preparou um ensaio para a última conferência internacional promovida pelo projeto FOZTUA (7), que esteve na base do ensaio agora incluído nesta obra. Finalmente Gilberto Gomes, um dos principais investigadores da história ferroviária portuguesa, escreveu o ensaio incluído e que estabelece um pano de fundo sobre a obra fotografada por Biel.
2. AS PLANTAS DO PROJETO DA LINHA DO TUA E AS FOTOGRAFIAS DE BIEL Os desenhos de engenharia do projeto da linha, assinados pelo Conde da Foz e depositados no arquivo do Centro de Documentação Ferroviária, da Fundação Nacional do Museu Ferroviário (na Gare do Oriente, em Lisboa) primam pela sua qualidade gráfica e visual. Feitos em longos linguados de papel de seda, manuscritos e desenhados a cores (“tinta da china”), seguindo as regras então adotadas para o desenho técnico de ferrovias, impressionam pela sua qualidade técnica, mas também pela sua qualidade visual. Foi com base nesses documentos que foram depois feitos estudos sobre a caraterização técnica da linha do Tua, em parte apresentados nas conferências internacionais que o projeto organizou em Foz Tua (8). Na realidade, as fotografias de Biel e as plantas dos desenhadores e projetistas do Conde da Foz são representações gráficas
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diferentes de uma mesma realidade, recorrendo a linguagens gráficas diferentes. Por isso decidimos pô-las em diálogo neste volume. Os projetistas desenharam uma realidade então ainda inexistente. O fotógrafo viu a realidade criada pela imaginação dos projetistas, mas olhou para ela à sua maneira (apelando à sua imaginação), no seu contexto (com a sua tradição) e nas circunstâncias em que se encontrava. A arte de Biel documenta uma realidade que incorpora uma tecnologia criada (imaginada) pelos engenheiros. Os documentos são diferentes, baseados em linguagens diferentes, mas cruzam-se como olhares diferentes sobre uma mesma realidade.
3. O PASSADO E O PRESENTE Por outro lado, a paisagem alterou-se com o tempo. O que Biel viu não é o que o viajante vê agora. A nova barragem irá também alterar em breve alguma da paisagem do vale, especialmente entre Foz Tua e a Brunheda, criando uma nova albufeira. O exercício a que nos propusemos, e que se apresenta na parte III desta obra, tenta capturar o presente fotografando os mesmos locais que aparecem representados nas fotografias originais de Biel, explorando convergências e divergências entre o passado e o presente ao longo da linha da Tua. O tema da história ambiental tem vindo recentemente a ganhar relevância académica e no projeto FOZTUA procuramos responder a esse desafio com contribuições sobre o caso concreto da linha do Tua (9). De algum modo, esta obra pretende também abarcar essa perspetiva e dar alguma continuidade a essa linha.
4. CONTEXTO: ARTE E TECNOLOGIA A engenharia sempre viveu a pensar com imagens. Eugene Ferguson (1916-2004), um engenheiro e historiador da tecnologia, escreveu uma das obras mais importantes sobre o “pensar
com imagens” da engenharia, ou as imagens como “os olhos da mente” dos engenheiros (10). Comecemos pelas plantas do projeto da linha. Sobre o papel tradicional dos desenhos em engenharia, Ferguson escreveu (11): Mostrar é o verbo significativo na descrição de desenhos (de engenharia). Os desenhos têm dois objetivos principais. Primeiro, mostram aos projetistas como é que as suas ideias aparecem no papel. Segundo, quando completo, mostram aos trabalhadores toda a informação necessária para produzir o objeto. A informação transmitida pelos desenhos é acima de tudo visual: não verbal, excepto para as notas que especificam os materiais ou outros detalhes; não numérica, excepto para as dimensões das peças e conjuntos. Esses desenhos, resultado da capacidade para transferir informação visual através do tempos e do espaço, estão de tal modo presentes nos escritórios e nas oficinas que o seu papel crucial, como intermediários do pensamento em engenharia, não pode ser fácilmente esquecido. Os desenhos técnicos, ditos rigorosos e imbuídos da mais fria objetividade e distante impessoalidade, afinal não estão assim tão longe do desenho do artista (ou das imagens de um fotógrafo). Ferguson reconhece com perspicácia a ligação entre os desenhos de engenharia e as pinturas artísticas (12): No entanto, os desenhos de engenharia, quer tenham sido feitos a lápis ou com um “tira linhas” num desenho, ou com um cursor eletrónico num écran de computador, partilham caracteristicas importantes com os desenhos e as pinturas dos artistas. Tanto o engenheiro como o artista começam por uma folha em branco. Ambos irão transferir para essa folha a visão que têm nos olhos da sua mente. As escolhas feitas pelos artistas quando constróiem as suas imagens podem parecer completamente arbitrárias, mas essas escolhas guiam-se pelo propósito de transmitir as suas visões, cheias de perspicácia e de significados, para outras mentes. E um artista, a menos que seja especialmente anarquista, segue as regras im-
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plícitas num período em particular e num estilo ou escola específica. Ou seja, quer a máquina fotográfica de Biel como os lápis e tiralinhas (e as tintas e os guaches) dos projetistas da linha do Tua foram ferramentas de visualização. Na realidade, até mesmo as pedras e as construções metálicas que Biel fotografou no Tua não eram meros materiais inertes e desprovidos de emoção. Uma construção é mais do que isso, quando apreendida por um observador, em especial por um artista da fotografia. Numa obra publicada em meados do século XX, Geoffrey Scott (13) escreveu que “a arquitetura ... é uma arte de espaços e de sólidos, uma relação sentida entre coisas ponderaveis, um ajuste mútuo de forças evidentes, um agrupamento de corpos materiais sujeitos, tal como nós próprios, a certas leis elementares. Peso e resistência, carga e esforço, fragilidade e força, são elementos da nossa própria experiência,e aí inseparáveis dos sentimentos de facilidade, exultação ou aflição. Mas peso e resistência, fragilidade e força, também são elementos manifestos na arquitetura, que criam por si uma espécie de drama humano. É através deles que as soluções macânicas dos problemas mecânicos atingem um interesse estético e um valor de ideal”. Michael Polanyi, que cita esta passagem numa das suas obras mais importantes, dedicou uma atenção especial às relações entre arte, tecnologia e ciência. Na sua última obra (14) escreveu: O trabalho do artista é uma constante invenção dos meios para exprimir os seus fins, ao mesmo tempo que reajusta os seus objetivos à luz dos seus próprios meios. Esta forma de crescimento deliberado assemelha-se à inquirição em ciência e na tecnologia” Os diferentes olhares da engenharia, da fotografia e da história consubstanciam-se em documentos que traduzem um permanente “reprocessar” da realidade, recuperando para aqui o título de um livro de Claudia Spinelli (15), onde se refletem os velhos problemas da representação e da sua interação com o observador, o espaço e o tempo.
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NOTAS: (1) Ver Canavez, N., Subsídios para uma bibliografia sobre Trás-os-Montes
e Alto Douro, Livraria Académica, Porto, 1994; Canavez, N., Novos subsidios para uma bibliografia sobre Trás-os-Montes e Alto Douro, Livraria Académica, Porto, 1998; Canavez, N., Outros subsídios para uma bibliografia sobre Trás-os-Montes e Alto Douro, Livraria Académica, Porto, 2002; Canavez, N., Mais subsídios para uma bibliografia sobre Trás-os-Montes e Alto Douro, Livraria Académica, Porto, 2008.
(2) Referência 254, páginas 42 e 44. A referencia bibliográfica aí citada é: Companhia Nacional de Caminhos de Ferro - Linha de Foz Tua a Mirandela. Porto, Antiga Casa Fritz - Lith. Emílio Biel & Cª, s/d in folio oblongo com frontispicio e 23 fotografias (3) Ver entrevista memTUA #7, com Nuno Canavez, em www.foztua. com. Entrevista e transcrição por Otília Lage, Eduardo Beira e Leonor Fernandes, março de 2012. (4) Com as indicações dadas por Nuno Canavez foi possível identificar a pessoa de Mirandela a quem ele ofereceu o exemplar do livro. Apesar dos esforços feitos junto dos familliares, não foi possível localiza-lo. (5) Ver a obra Desenvolvimento da periferia transmontana: a linha do Tua e a Casa Menéres, por Albano Viseu, publicada pelo projeto FOZTUA, 2013. Ver ainda Viseu, A., Documentação sobre Mirandela e a linha do Tua, arquivo da Sociedade Clemente Menéres (1880 a 1920), relatório WP FT D18, projeto FOZTUA, junho 2014 (6) Ver a obra Pare, escute e olhe, por Mário Laginhas e Leonel de Castro, Porto, 2010. (7) Ver Castro, L., “Emil Biel photos of Tua railroad: a critical analysis”, em McCants, A. et al, Railroads in historical context: constructiion, costs and consequences, projeto FOZTUA, vol. III, 2014. (8) Ver Lurdes Martins, Graça Vasconcelos e Paulo B. Lourenço, “The engineering design of Tua rail track: evidence from the archives”, em McCants, A. et al, Railroads in historical context: constructiion, costs and consequences, projeto FOZTUA, vol. II, 2012. Ver também Lurdes Martins e Graça Vasconcelos, Linha do Tua a Mirandela: memória descritiva (1885), relatório WP FT D16, projeto FOZTUA, junho 2014 (9) No recente World Congress on Environmental History, que teve lugar em Guimarães, em julho de 2014, o projeto FOZTUA promoveu um Painel Rails, rivers and vines: technologies of history making in Tua river valley, onde foram apresentados trabalhos desenvolvidos pelo projeto. Ver mais a entrada WCEH em www.foztua.com. (10) Ferguson, E., Engineering and the mind’s eye, The MIT Press, 1992. Ver também Ferguson, E., “The mind’s eye: non verbal thought in technology”, Science, 197 (1977) 827-836 e artigo homónimo em Leonardo, 11 (1978) 131-139 (11) Obra citada, página 5 (12) Obra citada, página 23
(13) Scott, G., The Architecture of Humanism, Nova Iorque, 2ª ed., 1954, p. 95. Citado por Michael Polanyi, Personal knowledge. Towards a post critical philosophy, University of Chicago Press, 1958, p. 194 (14) Polanyi, M., Meaning, University of Chicago Press, (15) Spinelli, C., Reprocessing reality, JRP/ringier (Zurique), 2005
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PARTE I AS FOTOS DE E. BIEL
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9
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pag. 10
pag. 11
Viaducto das Prezas
Tunel das Prezas
pag. 14
pag. 15
Fragas-Más
Tuneis e Viaducto das Fragas-Más
pag. 18
pag. 19
Vista Geral do Amieiro
Pulpito do Diabo
pag. 22
pag. 23
Gavião Estação de S. Lourenço
17
21
2
6
3
7
pag. 27
Ponte do Vieiro
Ponte d’Abreiro
pag. 30
pag. 31
Ponte de Estação Meirelles de e Estação Mirandella do Cachão
pag. 13
Tunel e Viaducto das Prezas
Estação de Tralhariz e Tunel d’Alvella
pag. 16
pag. 17
4
8
Ponte de Os Moinhos do Paradella Castanheiro
10
11
pag. 20 Caldas de S. Lourenço
14
15
Ponte da Cabreira
pag. 26
pag. 12
18
22
19
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pag. 21 Estação e Caldas de S. Lourenço
pag. 24
pag. 25
Pedra Longa
Pontes do Vieiro e Abreiro
pag. 28
pag. 29
Fragas do Piado
Pucha-Preto
pag. 32 Mirandella
12
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17 Localização das fotografias de Biel ao longo da linha de Foz Tua a Mirandela. Assinalam-se, de forma simplificada, as principais rodoviárias na atualidade
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MIRANDELA
A4 N212
19
15
21 20
18 17
N213
16 14
RIO TUA 13 11
10
12 VILA FLOR
9 8 5
3 1
RIO DOURO
6 4 2
FOZ TUA
7
N214
IP2
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PARTE II ENSAIOS COMPLEMENTARES
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LINHA DO TUA Nuno Canavez
Há muitas maneiras legítimas de sonhar o sonho da vida, dizia o escritor francês Paul Bourget. Só alguns anos mais tarde se mede o prazer que passou.
Sempre que podia ia matar saudades, rever os familiares e conversar com os amigos que deixei na aldeia onde nasci (Vale-deJuncal - Mirandela).
Foi nos primeiros dias de Outubro de 1948 que, acompanhado de meu pai, tomei o comboio, pela primeira vez, na estação de Mirandela com destino à cidade do Porto.
Recordar é acordar. Só acordados somos vida. É tão nobre o valor da recordação que, às vezes, somente o facto de recordar é mais que suficiente para engrandecer aquilo que recordamos.
Tinha apenas treze anos. Era, portanto, demasiado novo para me aperceber da beleza desse trajeto e muito menos ainda para aquilatar da grandiosidade dessa obra de engenharia, no tocante ao troço que vai de Mirandela aoTua.
Com outra preparação passei a ver o mundo envolvente da Linha de caminho de ferro de Mirandela ao Tua com outros olhos. Jamais esquecerei a paisagem, caracterizada muitas vezes, pelo belo-horrível, que deslumbrava e atormentava simultaneamente.
Objetivo dessa viagem: arranjar emprego e estudar à noite.
Imaginar o esforço titânico que o ser humano despendeu para tirar duma terra inóspita e inacessível o sustento do dia-a-dia.
Passados poucos dias estava empregado numa livraria de livros usados, da qual hoje sou proprietário. Escusado será dizer que tive muita sorte. Julgo não haver nada mais gratificante do que estar em contacto permanente com a cultura e conviver diariamente com uma clientela erudita. O contacto com os livros e a frequência, à noite, da Escola Comercial Oliveira Martins, contribuíram imenso para a minha formação, enriquecerem os meus conhecimentos e aumentaram a minha sensibilidade. Durante vários anos foram muitas as vezes que repeti o trajeto de comboio do Porto para Mirandela e Vice-versa.
Lamento imenso que as entidades competentes não tenham remodelado aquele troço da linha férrea, restruturando a via, modernizando e apetrechando os comboios, tornando-os mais confortáveis para assim proporcionar a todos o conhecimento de uma paisagem de rara beleza. Mas, meus caros amigos, o dinheiro tem uma força incomensurável. Já alguém dizia que é difícil resistir a um cavalo carregado de ouro. E de facto assim é.
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Toda esta prosa vem a propósito do Senhor Eng. Eduardo Beira me ter pedido algumas palavras para figurarem num livro que vai ser editado brevemente e o qual reproduz litografias da autoria de Emílio Biel, um álbum publicado pela Antiga Casa Fritz no ano de 1887 e que tem por título “Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro” - Linha Foz do Tua a Mirandela. Publicação feita para comemorar a inauguração que teve lugar no dia 27 de Setembro de 1887. Um comboio especial transportou para Mirandela, a fim de assistir à inauguração da Linha, S.M. El-Rei D. Luís I e a Rainha D. Maria Pia, alguns ministros e vários convidados. O álbum de que se serviram para fazer a nova obra encontra- se na Biblioteca Sarmento Pimentel-Núcleo de Trás-os-Montes, em Mirandela, desde o ano de 1998.
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EMÍLIO BIEL: O EMPRESÁRIO QUE FOTOGRAFAVA OBRAS DE ENGENHARIA José Manuel Lopes Cordeiro
Carl Emil Biel nasceu em Annaberg, uma pequena cidade do então reino da Saxónia, em 18 de Setembro de 1838, filho do comerciante Friedrich Julius Biel e de Wilhelmine Schreiber, e veio a falecer no Porto com quase 77 anos de idade, em 14 de Dezembro de 1915. Em 1857 imigrou para Portugal, tendo-se estabelecido em Lisboa, onde veio a trabalhar na Fábrica Schalk1. Decidido a permanecer em Portugal, terá sido por esta altura que aportuguesou o seu nome para Carlos Emílio Biel, embora viesse a utilizar apenas a versão mais abreviada de Emílio Biel, pela qual ficou conhecido. Em Lisboa, depressa se integrou na comunidade alemã aí residente, que então englobava cerca de 400 naturais dos diferentes Estados alemães, o que lhe terá proporcionado o conhecimento do Rei Consorte D. Fernando II, igualmente de origem alemã. Contudo, não permanecerá muito tempo na capital do reino pois em 1860 já o encontramos no Porto, dirigindo a sucursal que a Fábrica Schalk instalara na Cidade Invicta. No Porto, Emílio Biel irá encetar uma nova actividade, decidido a singrar por conta própria. Em 1864 estabeleceu-se como negociante, e no ano seguinte – o ano da Exposição Internacional do Porto, que inaugurou o antigo Palácio de Cristal – fundou uma fábrica de botões de seda, duraque, metal, metal e vidro, e fivelas de metal, na Rua do Moreira, 5, no Bonfim. Passados cerca de dois anos a fábrica mudará de local, para as instalações da antiga Fábrica de Oleados Estampados de Domingos José 1 Situada na calçada do Cascão, a Fábrica Schalk tinha sido fundada em 1850 por Henrique Schalk, inicialmente produzindo botões. Em 1852 começou a fabricar pregos, estabelecendo um motor a vapor, conhecendo a partir de então um considerável desenvolvimento.
da Fonseca Pascoal2, na Rua da Alegria, 373, e provavelmente porque necessitava de espaço para ampliar aquelas instalações3, adquiriu também uma propriedade ao Comendador José Joaquim Pereira Lima, na Travessa do Luciano4 à Rua da Alegria5. Simultaneamente, estabeleceu-se como representante de diversas firmas alemãs, desenvolvendo também contactos junto dos meios comerciais da cidade e participando nas atividades da Associação Comercial no Porto e do Centro Comercial do Porto, o que reforçou significativamente a sua posição na cidade. Será, contudo, a arte fotográfica a atividade que apaixonará Emílio Biel e à qual irá dedicar o melhor do seu talento. Em 1866 já se encontrava ligado ao estabelecimento de fotografia de Joachim Friedrich Martin Fritz, a “Photographia Fritz” – um dos primeiros ateliers fotográficos do Porto, fundado em 1854 –, que virá a dirigir e, mais tarde, a adquirir. Embora não te2 Domingos José da Fonseca Pascoal tinha falecido em 17 de Junho de 1864 e os descendentes decidiram alugar a sua Fábrica de Oleados Estampados, situação em que ainda se encontrava em Outubro de 1866 (Cf. Diário Mercantil, n.º 2 015, de 5 de Outubro de 1866). Curiosamente, o seu filho Domingos Pascoal Júnior, alimentava o mesmo interesse de Biel pela fotografia, tendo apresentado vários exemplares de fotografias na Exposição Industrial do Porto de 1861. O seu estúdio localizava-se na Pç. da Batalha, 2, embora alguns autores o situem na então rua de Santo António. 3 Em 19 de Abril de 1867 Emílio Biel solicitou autorização à Câmara Municipal do Porto para realizar obras na “antiga fábrica de oleados”, conforme consta na documentação, entre as quais a construção de um “muro de vedação”. AHMP, Série Plantas de casas, Licença de Obras n.º 163/1867. 4 A Travessa do Luciano ou Calçada do Luciano é actualmente a Rua da Escola Normal, denominação que adoptou a partir do início do século XX. Supõe-se que a designação “Luciano” provinha do nome de um dos primeiros presidentes da Câmara do período da monarquia constitucional, durante 1837-38, Luciano Simões de Carvalho. A referida propriedade adquirida por Biel deveria ser contígua à Fábrica de Domingos da Fonseca Pascoal, então localizada na Rua da Alegria, 373 – mas que pelo menos desde 1884 já tinha como n.º de polícia o 523 –, fazendo gaveto com a Rua da Escola Normal. 5 Arquivo Distrital do Porto, Fundo Notarial, PO 2º - Liv. 503, fl. 122 v., apud António Faria e Ângela Camila Castelo-Branco (2007), “Os ‘Olhares fotográficos’ dos estrangeiros”. Disponível para consulta em URL: apphotographia.blogspot.pt/2007/07/ os-olhares-fotogrficos-dos-estrangeiros.html (acesso a 14 de Junho de 2014).
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nha sido possível determinar a data exacta dessa aquisição ela terá ocorrido, com toda a probabilidade, antes de 1874, quando Emílio Biel passou a dedicar-se quase que exclusivamente à fotografia, fotogravura e edição6 – em 1871 já tinha abandonado a sua participação na sociedade proprietária da fábrica de botões7 – iniciando, a partir de então, aquele que foi considerado como o mais importante trabalho de levantamento e documentação fotográfica do país durante o século XIX. A sua atenção está agora inteiramente concentrada na actividade que desenvolverá no seu estúdio fotográfico. Em 22 de Agosto de 1876, juntamente com Fernando Joan Martin Niels Brütt, um alemão de origem dinamarquesa, estabeleceu a sociedade “Emílio Biel & Cª”, a qual irá constituir uma das maiores e mais importantes casas fotográficas do país, tendo-se inicialmente instalado no estabelecimento de fotografia que Emílio Biel tinha adquirido, a antiga “Photographia Fritz”, na Rua do Almada, 1228. Nesta altura Emílio Biel era já uma personalidade reconhecida na sociedade portuense, tendo sido convidado, em 1877, a integrar a comissão encarregada de preparar a participação do Porto na Exposição Universal de Paris de 1878, e três anos depois contribuirá para a organização das comemorações do tricente-
6 Paulo A. R. Baptista (2010), A Casa Biel e as suas Edições Fotográficas no Portugal de Oitocentos. Lisboa: Colibri, p. 118. 7 Arquivo Distrital do Porto, Fundo Notarial, Passagem de sociedade, fábrica de botões, em 4 de Agosto de 1871, PT/ADPRT/NOT/CNPRT06/001/4363/00436, fl. 101. 8 Arquivo Distrital do Porto, Fundo Notarial, Sociedade que faz Emílio Biel e Fernando Brütt, em 22 de Agosto de 1876, PO 2.º, Liv. 518, fls. 41v-43v, apud Paulo A. R. Baptista (2010), Op. cit., p. 120, nota 12.
nário da morte de Camões, no Porto. Em 1880, casou com Edith Caroline Elisabeth Katzenstein, filha do banqueiro portuense e cônsul do Império Alemão nesta cidade, e será também por esta altura que, em virtude do bom relacionamento que mantinha com D. Fernando desde a sua passagem por Lisboa, este lhe concederá o título de “Photographo da Casa Real”. Infelizmente, o seu casamento com Edith Katzenstein será de curta duração, devido a esta ter falecido abruptamente em 17 de Outubro de 1882, vítima de tuberculose, deixando órfã a filha de ambos, Else Sophie August Biel, nascida no ano anterior. No entanto, Emílio Biel já tinha outros filhos, Júlio Emílio Biel, nascido em 1870 e fruto do seu relacionamento com Margarida Angélica Baptista de Freitas, que foi por ele perfilhado em 1898, Emílio de Almeida Biel e João Biel (1874). Quanto aos seus descendentes diretos, estes mantiveram-se até hoje na cidade do Porto, sendo o actual presidente da Câmara, Rui Moreira, seu tetraneto. A par com a sua atividade no estúdio, que lhe granjearia um enorme prestígio pela qualidade dos retratos que efetuava, Emílio Biel dedicou-se também à edição fotográfica com base na técnica da fototipia, um processo de impressão fotomecânica feita por contacto com o negativo fotográfico, que permitia realizar um amplo conjunto de cópias (até cerca de 500) – que terá aprendido com Carlos Relvas, o seu introdutor em Portugal – o qual industrializou a partir do início de 1882. Aquando da realização do Inquérito Industrial de 1881 só existia no Porto um estabelecimento de fototipia, precisamente o de Emílio Biel, embora quatro anos mais tarde já existissem três. A sua atividade no domínio da fototipia tinha-se iniciado com a edição crítica de Os Lusíadas, em 1880, por ocasião das comemorações do tricentenário da morte de Camões, editada no Porto mas impressa em Leipzig pela tipografia Giesecke & Devrient, ainda hoje existente, a qual constitui uma autêntica jóia bibliográfica, com lombada em pele e pastas decoradas com um pórtico manuelino e figuras mitológicas gravadas a ouro e a seco. Os exemplares desta obra majestosa atingem actualmente valores elevadíssimos no mercado livreiro antiquário. Segundo Sebastião de Magalhães Lima, que integrou a comissão executiva da imprensa das comemorações do tricentenário da morte de Camões, esta edição – correntemente denominada “de Emílio
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Biel” – foi “a melhor, a mais completa, a mais nítida, a mais notável” que até então se tinha publicado, uma apreciação que seguramente se prolonga até aos nossos dias.
engenheiro Cândido Celestino Xavier Cordeiro – inspetor das obras públicas e engenheiro consultor da Companhia dos Caminhos-de-ferro –, Emílio Biel iniciou um importante trabalho de documentação fotográfica das várias fases de construção da rede ferroviária – já anteriormente, em 1876-77, tinha acompanhado as diferentes fases da construção da Ponte Maria Pia, sobre o Douro –, tendo documentado, no âmbito desse trabalho, a construção da ponte Luís I (1883-86), do porto de Leixões (1884-92), assim como de várias linhas ferroviárias (a do Minho e a do Douro), o que constituiu também uma iniciativa pioneira no domínio do registo fotográfico de obras de engenharia e de arquitetura. Em 1879, a empresa belga Société Anonyme Internationale de Construction e d’Enterprise de Travaux Publics Braine Le-Comte publicara um Álbum dos Caminhos de Ferro de Salamanca à Fronteira de Portugal, com fotografias da “antiga Casa Fritz”, já então propriedade de Emílio Biel, que muito provavelmente o terá inspirado para publicar posteriormente obras semelhantes. Em 1883, por ocasião da Exposição Distrital de Aveiro, Emílio Biel editou o Álbum-Catálogo da Exposição Distrital de Aveiro de 1882, com fotografias suas e textos da autoria de José Augusto Marques Gomes e do historiador Joaquim de Vasconcelos, o qual constituiu a sua primeira grande edição com base em fototipias11. Segundo Paulo
Para a edição desta obra, nomeadamente para a produção das respetivas ilustrações, Emílio Biel constituiu, em 22 de Maio de 1880, uma sociedade específica9, iniciativa que repetiu no ano seguinte, com o objectivo de efectuar idêntica edição no Brasil10, a qual, contudo, parece não ter ido avante. Para além da sua atividade de retratista, desenvolvida essencialmente no atelier da sua empresa, e do interesse que manteve pela fototipia, Emílio Biel dedicou-se ainda à fotografia paisagística e à das grandes obras de engenharia que então estavam em curso em Portugal. Em 1882, com o apoio e a influência do 9 ADP, Fundo Notarial, Constituição de sociedade para ilustrações de Os Lusíadas, em 22 de Maio de 1880, PT/ADPRT/NOT/CNPRT08/001/0573/00814, fl. 5v. 10 ADP, Fundo Notarial, Constituição de sociedade de edição de Os Lusíadas no Brasil, em 5 de Outubro de 1881, PT/ADPRT/NOT/CNPRT08/001/0584/00866, fl. 96v.
11 Marques Gomes e Joaquim Vasconcelos (1883), Exposição Distrital de Aveiro em 1882 – Relíquias da Arte Nacional. Aveiro: Grémio Moderno.
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A. R. Baptista, “é uma obra chave na produção da Casa Biel porque, por um lado permitiu concretizar a montagem de uma infra-estrutura para a produção industrial fotomecâmica, por outro deu início a uma colaboração mais vasta com Joaquim de Vasconcelos, uma importante parceria no projecto cultural de fundo que aquele historiador de arte manteve ao longo da vida, de intervenção e estudo da arte, em particular da arte ornamental, acompanhado por Biel em várias das publicações que produziu”12. Conhecem-se ainda outros álbuns com fotografias de Emílio Biel, especificamente consagrados à temática ferroviária, como o álbum da Linha de Foz-Tua a Mirandella, editado em 1887 pela Companhia Nacional de Caminhos de Ferro para comemorar e publicitar o notável empreendimento que constituiu a construção daquela linha pela engenharia portuguesa, uma obra raríssima da qual apenas se conhece a existência de um exemplar na Biblioteca Municipal Sarmento Pimentel em Mirandela, o álbum Caminho de Ferro do Douro, o álbum Caminho de Ferro do Minho, o álbum Société Anonyme Internationale de Construction et d’Entreprise de Travaux Publics Braine leCompte (Belgique), consagrado à construção da linha do Sul, o álbum Ponte D. Maria Pia, e o álbum Caminhos de Ferro Portugueses da Beira Alta, Obras d’Arte, MM Eiffel entrepreneur des ponts métalliques, editado em Lisboa pela Callemont Frères Imprimeurs. Em 1908, a Compagnie Française pour la Construction et l’Exploitation de Chemins de Fer à l’Étranger publicou o álbum Inauguração do Caminho de Ferro do Valle do Vouga. Espinho-Viseu-Aveiro, com 25 fototipias da “Emílio Biel & C.ª”, que constitui também uma raridade, existindo apenas um exemplar no Centro Português de Fotografia. Conhecese ainda o álbum Ponte D. Luiz I, editado provavelmente na altura da sua inauguração, em 1886. A década de 1890 registará uma nova etapa da atividade empresarial de Emílio Biel. A 4 de Outubro desse ano inaugurará as novas instalações da “Emílio Biel & C.ª”, no palacete que 12 Paulo A. R. Baptista (2010), Op. cit., pp. 127-128.
pertencera ao conde do Bolhão, à Rua Formosa n.º 34213. Procederá, também, a uma divisão das áreas de atividade da empresa, criando duas grandes secções. A “Emílio Biel & C.ª – Editores”, consagrada às indústrias gráficas (fotografia, fototipia e litografia), da qual fazia parte o sócio Fernando Brütt, e que era praticamente a única no país, para além da Secção Fotográfica da Direcção Geral dos Trabalhos Geodésicos, a utilizar geradores elétricos. A este facto, não era alheia a representação de geradores e material elétrico da acreditada fábrica “Schuckert & C.ª”, que Emílio Biel detinha em exclusivo. Nesta época, a atividade da sua oficina litográfica e fotográfica encontrava-se em plena ascensão, chegando a produzir uma média diária de cinquenta clichés, por vezes oitenta, empregando sessenta operários em fotografia, fototipia e fotogravura. A segunda secção em que a empresa se dividiu era a das publicações, para a qual Emílio Biel fez sociedade com José Augusto da Cunha Morais, considerado o maior fotógrafo da África Portuguesa, que depois ter regressado definitivamente de Angola em 1897 dirigira um estúdio fotográfico em Lisboa, e com quem já tinha trabalhado em 1885 na edição da sua obra África Occidental: album photographico e descriptivo da África Ocidental, a qual constituiu o primeiro grande trabalho fototípico publicado pela Casa Biel. Finalmente, será também nesta década que Emílio Biel desenvolverá uma atividade empresarial para além da que até então tinha consagrado à indústria fotográfica, investindo nas áreas da produção de electricidade e dos transportes urbanos. 13 O Primeiro de Janeiro, Porto, 22º ano, n.º 275, de 5 de Outubro de 1890.
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res da região do Douro e, seguramente, o seu maior fotógrafo até às primeiras décadas do século XX. Nos últimos anos da sua vida Emílio Biel trabalhou na preparação da edição de um outro álbum fotográfico, sobre Arte Religiosa em Portugal, em dois volumes, que incluía um estudo das principais obras existentes nos museus e tesouros das Sés, da autoria de Joaquim de Vasconcelos, também publicado inicialmente em fascículos, mas que ficaria inacabado em virtude do seu falecimento em 1915, tendo no entanto o primeiro volume sido publicado, no ano anterior, pela “Emílio Biel & C.ª”.
Na reestruturação efetuada na empresa, com a criação da “Emílio Biel & C.ª – Editores”, da qual J. A. da Cunha Morais, ficara como responsável, nascerá a primeira obra desta sociedade, resultante de um ambicioso projeto que contemplava o levantamento fotográfico dos principais motivos artísticos, etnográficos e paisagísticos de todo o território continental português, dirigido conjuntamente com Fernando Brütt. O projeto estreouse em 1900, ano a partir do qual Emílio Biel, juntamente com o fotógrafo Cunha Morais, iniciou a publicação na revista O Ocidente das primeiras gravuras desse levantamento fotográfico. Estas, virão a ser agrupadas e publicadas naquela que constituirá uma das suas mais importantes obras, A Arte e a Natureza em Portugal: album de photografias com descripções, clichés originaes, copias em phottypia, monumentos, obras d’arte, costumes e paisagens, uma antologia de imagens de grande formato publicada por incentivo de Joaquim de Vasconcelos, entre 1902 e 1908, em 8 volumes, numa edição bilingue em português e francês, que foi impressa na tipografia de António José da Silva Teixeira, uma das mais conceituadas então existentes na cidade do Porto. No que respeita à fotografia paisagística Emílio Biel editou obras igualmente notáveis, como o Album phototypico de vistas da cidade do Porto (1889) ou Album phototypico de vistas e costumes do Norte de Portugal (ca. 1900). Em 1911 editará a obra O Douro: principaes quintas, navegação, culturas, paisagens e costumes, de Manuel Monteiro, inicialmente publicada em fascículos, que o transformará num dos maiores conhecedo-
Para além da edição destes álbuns e da sua atividade como fotógrafo, no domínio da utilização industrial da fototipia Emílio Biel consagrou-se ainda à edição de bilhetes postais ilustrados, uma área que vivia então a sua época de ouro em Portugal, tendo produzido aproximadamente 500 postais diferentes, dos quais cerca de metade registavam motivos e paisagens da cidade do Porto. Como foi referido, a partir da década de 1890 Emílio Biel diversificou os seus negócios investindo em novas áreas, como a produção de eletricidade e os transportes urbanos. Refira-se, no entanto, que já há alguns anos que era o representante de várias empresas industriais em Portugal, nomeadamente alemãs, uma atividade que manteve até ao final da sua vida. Entre as empresas mais conhecidas das quais Emílio Biel foi o seu representante contam-se a já referida Schuckert & C.ª, de Nuremberga, especializada na construção de máquinas eléctricas, a Gasmotoren-Fabrik Deutz AG, de Colónia, fabricante de motores a gás, a fábrica de automóveis Benz & C.ª, de Mannheim, ou a Companhia Coats & Clark, de Paisley, Escócia, tendo sido director da unidade fabril que esta instalou em 1905, na Quinta de Cravel, em Vila Nova de Gaia. Uma das actividades mais importantes desenvolvidas por Emílio Biel para além da fotografia foi, precisamente, a da divulgação e introdução em Portugal das primeiras instalações de produção de energia elétrica. É à sua casa comercial que se deve a instalação dos equipamentos da primeira central hidroelétrica para fornecimento de luz elétrica a uma povoação em Portugal, no caso, Vila Real, em 1894. O projeto para a construção do apro-
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veitamento hidroelétrico destinado à iluminação pública de Vila Real iniciara-se em 1890, por iniciativa do empresário portuense Leopoldo Augusto das Neves que o apresentou à Câmara Municipal, tendo sido por esta aprovado. Na sequência desta aprovação foi celebrado o respectivo contrato, em 26 de Junho de 1890, e constituída a Companhia Eléctrica e Industrial de Vila Real, para a qual foi transferida a concessão. Os equipamentos para a central hidroelétrica foram encomendados a Emílio Biel, que era o representante da Schuckert & C.ª, o qual se deslocou a Vila Real em 1892, acompanhado de um engenheiro da empresa e de um fotógrafo, tendo aproveitado para tirar algumas fotografias do local onde seria instalada a Central, o Agueirinho. Contudo, quando os equipamentos chegaram, a Companhia Eléctrica e Industrial de Vila Real não dispunha dos meios económicos para efetuar o respetivo pagamento, pelo que a concessão e as obras já iniciadas foram vendidas a Emílio Biel, por 5 250$000 reis, que assim se dispôs a viabilizar o empreendimento, através da criação de uma nova sociedade14. Finalmente, em 13 de Junho de 1894 a luz elétrica foi inaugurada em Vila Real, que passou a constituir a primeira localidade portuguesa a ser iluminada por energia elétrica, e Emílio Biel consagrou-se como um dos pioneiros da eletricidade em Portugal. Não foi este, contudo, o primeiro equipamento da Schuckert & C.ª vendido por Emílio Biel, tendo equipado, igualmente, inúmeras fábricas e algumas residências com dínamos para a produção de energia elétrica, as quais foram as primeiras a utilizar aquele tipo de iluminação. Em 1895 já tinha instalado dínamos para a produção de energia elétrica fabricados por aquela firma em cerca de trinta empresas industriais e casas de habitação, principalmente no Porto (dezassete) – incluindo na sua própria residência e na “Emílio Biel & C.ª”, o que lhe permitia tirar as fotografias com iluminação elétrica –, mas também em Vila Nova de Gaia (três), em Lisboa (na estação de Santa Apolónia), no Entroncamento (na estação ferroviária) ou em Portalegre (na Fábrica de Lanifícios). Em 1897 efectuará a instalação de eletricidade no Palácio da Junqueira, em Lisboa, pertencente ao conde de Burnay15. Foi no entanto na exploração dos transportes urbanos o sector empresarial a que Emílio Biel mais se dedicou nos últimos anos 14 ADP, Fundo Notarial, Constituição de sociedade de instalação eléctrica em Vila Real, em 13 de Fevereiro de 1893, PT/ADPRT/NOT/CNPRT08/001/0677/01290, fl. 20v. 15 ANTT, Arquivo Burnay, Administração patrimonial, Propriedades urbanas, cx. 79.
da sua vida, não desatendendo, é claro, a actividade e os projectos relacionados com a fotografia. O estabelecimento da ponte Luís I em 1886 oferecera uma oportunidade para o estabelecimento de uma linha de caminho de ferro americano, ligando a recém aberta avenida superior esquerda da ponte à estação ferroviária das Devesas, em Vila Nova de Gaia. O processo para o estabelecimento desta linha foi relativamente atribulado, envolvendo vários protagonistas e concessões sucessivamente trespassadas. Em 25 de Setembro de 1894, José Leão e João César Pinto Guimarães, este último um conhecido jornalista portuense, manifestaram o seu interesse em assentar carris na ponte Luís I para veículos de caminho de ferro americano16, uma vez que tinham obtido a concessão de uma linha férrea deste tipo de carros entre a estação ferroviária das Devesas e a nova avenida para a ponte Luís I. Por razões que não foi possível apurar, mas que devem estar relacionadas com a falta de capacidade financeira, em 10 de Outubro de 1895 a concessão será trespassada a favor de António de Pádua Menezes Russel e João Baptista de Carvalho17, associados na empresa João Baptista de Carvalho & C.ª, da qual eram os únicos sócios. Não será contudo esta empresa a concretizar aquele projeto. Em 20 de Fevereiro de 1897, por escritura pública, o alvará e demais licenças foram cedidas a António de Pádua Menezes Russel, que nesse mesmo dia se associou a Emilio Biel e António Joaquim de Moraes, na constituição de uma sociedade para exploração da linha de carril de caminho de ferro americano da ponte Luís I à estação das Devesas, em Vila Nova de Gaia, a “Biel, Moraes & C.ª”18. Nesta nova sociedade, Menezes Russel entrava com o alvará e demais licenças, e Biel e Moraes com o capital necessário para a instalação e exploração da linha, mantendo-se a concessão sujeita a trespasse para a Companhia Carris de Ferro do Porto, tal como já estava estabelecido no 16 ADP, Fundo da Companhia Carris de Ferro do Porto, Carris americanos na ponte D. Luís I, em ofício de 25 de Setembro de 1894, PT/ADPRT/EMP/CCFP/SG/015/00002, cota actual B/4/2/4 - 24.6. 17 ADP, Fundo da Companhia Carris de Ferro do Porto, Alvará a aprovar o trespasse a favor de António de Pádua Menezes Russel e João Baptista de Carvalho, para estabelecimento de um caminho de ferro americano com tracção animal entre a Avenida Superior esquerda da ponte D. Luis I.º e a Estação de Vila Nova de Gaia, PT/ADPRT/ EMP/CCFP/SG/014/14.095, cota actual B/6/1/5 - 17.23. 18 ADP, Fundo Notarial, Constituição de sociedade de transportes de americano, em 20 de Fevereiro de 1897, PT/ADPRT/NOT/CNPRT06/001/4421/01039, fl. 49.
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Alvará de 1895. Será, no entanto, concedido um novo alvará à sociedade “Biel, Moraes & C.ª”, em 16 de Novembro de 1898, “para a construção e exploração de uma linha férrea americana assente sobre o ramal para a estação de Vila Nova de Gaia da estrada real n.º 10, Coimbra ao Porto, entre a avenida esquerda superior da ponte D. Luís I e a referida estação”, a qual, no entanto, manteve a condição de um eventual trespasse para a Companhia Carris de Ferro do Porto. No entanto, a sociedade “Biel, Moraes & C.ª” irá conhecer em breve várias alterações, primeiro com a “cessão gratuita de direito e acção”, por António de Pádua Menezes Russel, da sua parte na empresa, efectuada em Março de 190019, e em 31 de Dezembro desse mesmo ano a sua própria dissolução, passando a propriedade do alvará – avaliado em duzentos mil réis – e todo o ativo da empresa para a posse exclusiva de Emílio Biel20. Logo de seguida, em 19 de Janeiro de 1901, Biel celebrou um contrato de arrendamento, incluindo a promessa de venda da concessão, com a Companhia Carris de Ferro do Porto21. Nesse mesmo dia Emílio Biel cederá a Clemente Joaquim da Fonseca Guimarães Menéres, e a seu filho Alfredo da Fonseca Menéres, metade dos direitos do contrato que acabava de efectuar, pela quantia de seis contos e trezentos mil réis22. O contrato que Emílio Biel tinha efectuado com a Companhia Carris de Ferro do Porto determinava que receberia como renda anual, 7% da receita bruta que as linhas que exploravam aquele percurso produzissem, incluindo a extensão até Santo Ovídio, independentemente do “agente de tracção empregado”, uma salvaguarda para a possibilidade de se utilizar outro meio de tração uma vez que nessa época a tração eléctrica já tinha sido inaugurada no Porto, em 1895. No entanto, por razões fiscais, no ato de elaboração da escritura, a renda seria avaliada em qui19 ADP, Fundo Notarial, Escritura de cessão de direitos, em Março de 1900, PT/ADPRT/ EMP/CCFP/SG/014/14.096. 20 ADP, Fundo Notarial, Dissolução da sociedade comercial Biel, Moraes & C.ª de caminho de ferro americano, em 31 de Dezembro de 1900, PT/ADPRT/NOT/ CNPRT07/001/0765/00835, fl. 37v. 21 ADP, Fundo Notarial, Contrato de arrendamento entre a Companhia Carris de Ferro do Porto e Emílio Biel, em 19 de Janeiro de 1901, PT/ADPRT/EMP/CCFP/ SG/001/01.065, fl. 49. 22 ADP, Fundo Notarial, Escritura de cedência de direitos de Emílio Biel a Clemente Joaquim da Fonseca Guimarães Menéres, em 19 de Janeiro de 1901, PT/ADPRT/EMP/ CCFP/SG/014/14.096, fl. 37v.
nhentos mil réis. A Companhia Carris de Ferro tinha também a opção de, a qualquer momento, adquirir os direitos arrendados, o que se veio a concretizar em 1910, quando Emílio Biel vendeu àquela empresa a sua parte nos direitos sobre as concessões e licenças na linha da Batalha às Devesas, por vinte e oito contos de reis23. Emílio Biel falecerá em 14 de Setembro de 1915, no Porto. Em Março do ano seguinte, com a declaração do estado de guerra entre Portugal e a Alemanha, o Governo Português decretará um conjunto de providências relativamente às pessoas e bens dos súbditos inimigos residentes em Portugal. Entre estes foram incluídos os bens de Emílio Biel, então na posse dos seus herdeiros, os quais foram confiscados e vendidos em hasta pública. Alguns desses bens, como as oficinas de fotografia, fototipia e litografia da “Emílio Biel & C.ª” foram arrematadas por Fernando Brütt – que alterou a denominação da empresa para “Photografia do Bolhão” embora, segundo se crê, por pouco tempo –, outros foram comprados por Cunha Moraes e Marques de Abreu, e também pela “Companhia Portuguesa Editora, Lda”, de José Augusto da Costa, do qual foram herdeiras Maria Eugénia Samaritana Pedrosa da Costa Simões e Margarida Madalena Macedo Costa Soares. Em 1982, após negociações com o então Instituto Português do Património Cultural, que foram infrutíferas, a parte que tinha cabido a Eugénia da Costa Simões (cerca de 400 chapas, fototipias e outros documentos em papel), foi vendida em leilão, pelas Galerias Vandoma24. Contudo, foi possível salvaguardar uma pequena parte do seu espólio que se encontra atualmente depositada no Arquivo Histórico Municipal do Porto e no Centro Português de Fotografia, também no Porto. Emílio Biel foi uma daquelas personagens da segunda metade do século XIX que testemunhou e acompanhou de uma forma intensa os progressos tecnológicos que então se verificaram. Daí o seu interesse por tudo o que se relacionasse com tecnologia e as inovações que esta então registou, as quais tentou aprender, uma atitude da qual o seu interesse pela fotografia é parte integrante. Os seus interesses científicos eram muito va23 ADP, Fundo Notarial, PT/ADPRT/EMP/CCFP/SG/015/15.052.1. 24 Disponível para consulta em URL: digitarq.cpf.dgarq.gov.pt/details?id=39711 (acesso a 14 de Junho de 2014).
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riados. Por exemplo, juntamente com o médico portuense Araújo e Castro, esteve associado a uma das primeiras aplicações dos raios X, em medicina, para a obtenção de radiografias. Mas também constituiu uma notável coleção de insectos (sobretudo borboletas), a qual, felizmente e ao contrário do que aconteceu com grande parte do seu espólio fotográfico foi atempadamente incorporada no Museu de Zoologia da Universidade do Porto. Foi ainda administrador da sociedade “Águas do Gerês” e colaborador fotográfico nas revistas Illustração Portugueza (18841890) e Branco e Negro (1896-1898). A atividade de Emílio Biel, como fotógrafo, foi também reconhecida no estrangeiro, tendo sido premiado em várias Exposições internacionais, como na de Filadélfia em 1976, na de Paris em 1878, na do Rio de Janeiro em 1879 – onde obteve a Medalha de Ouro –, na de Fotografia, no Porto em 1886, na de Viena de Áustria em 1888 – tendo-lhe sido atribuída a Medalha de Prata –, na de Berlim em 1888, e nacionais, como a Exposição Industrial Portuguesa de 1892.
FONTES E BIBLIOGRAFIA Fontes Arquivo Distrital do Porto Fundo da Companhia Carris de Ferro do Porto PT/ADPRT/EMP/CCFP/SG/015/00002, cota actual B/4/2/4 - 24.6. Fundo Notarial PO 2.º - Liv. 503, fl. 122 v. PO 2.º - Liv. 518, fls. 41v-43v. PT/ADPRT/NOT/CNPRT06/001/4363/00436, fl. 101. PT/ADPRT/NOT/CNPRT08/001/0573/00814, fl. 5v. PT/ADPRT/NOT/CNPRT08/001/0584/00866, fl. 96v. PT/ADPRT/NOT/CNPRT08/001/0677/01290, fl. 20v. PT/ADPRT/NOT/CNPRT06/001/4421/01039, fl. 49. PT/ADPRT/NOT/CNPRT07/001/0765/00835, fl. 37v. PT/ADPRT/EMP/CCFP/SG/001/01.065, fl. 49. PT/ADPRT/EMP/CCFP/SG/014/14.095. PT/ADPRT/EMP/CCFP/SG/014/14.096, fl. 37v. PT/ADPRT/EMP/CCFP/SG/015/15.052.1. Arquivo Histórico Municipal do Porto Série Plantas de casas Licença de Obras n.º 163/1867. Arquivo Nacional – Torre do Tombo Arquivo Burnay Administração patrimonial, Propriedades urbanas, cx. 79.
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AS FOTOGRAFIAS DE BIEL SOBRE A LINHA DO TUA: UMA ANÁLISE CRITICA Leonel de Castro
O alemão Karl Emil Biel (1838-1915), que fez de Portugal a sua segunda pátria, documentou a expansão do caminho-de-ferro no Centro e Norte do nosso país, registando imagens poderosas que opõem o caos da natureza, com a sua aparente face indómita, à ação industrial do homem. A arrogância do progresso imitava, então, deliberadamente, a arrogância de Prometeu. Biel acrescenta a uma defesa entusiasmada progresso oitocentista e industrial do homem, uma indelével admiração pela Natureza.
1. EMIL BIEL, FOTÓGRAFO PIONEIRO E EMPREENDEDOR VISIONÁRIO As suas imagens fotográficas que respondem a encomendas sobre o lançamento do caminho-de-ferro, parecem sintetizar estas duas vertentes, o progresso das comunicações e um respeito profundo pelo desafio da Natureza. E tão decisivas e fortes são as suas imagens que se tornarão modelo para um dos seus aprendizes e operadores, Domingos Alvão. As fotografias da construção do primeiro troço da Linha do Tua (Foz-Tua a Mirandela), organizadas num álbum produzido na Casa Fritz, estabelecimento que adquirira em 1874 e onde iniciou a sua carreira como fotógrafo documentalista, fazendo da paisagem tema de eleição, serão a temática da nossa investigação. O seu espírito empreendedor e visionário, sempre ligado à indústria de ponta, leva-o a abraçar grandes projetos em distintas áreas. Para Portugal importou o primeiro motor a diesel, apare-
lhos de Raio X e de cinematografia. Era dele o primeiro automóvel que circulou no Porto, assinou os projetos de eletrificação das estações ferroviárias de Campanhã e de Santa Apolónia e levou a corrente elétrica a dezenas de fábricas, instituições e mesmo cidades, por exemplo, a Vila Real, onde fez sediar a sua firma de eletrificação. No campo da fotografia, desde cedo, esteve ligado às artes de impressão e tipográficas, chegando a possuir, em 1885, uma tipografia e litografia a vapor, onde produzia postais e os seus diversos álbuns fotográficos com imagens fototípicas aprendidas na estúdio de Carlos Relvas na Golegã. Valorizando o novo processo, encarregou-se uma inovadora publicidade para a fábrica de chapéus de Costa Braga, Porto. No jornalismo também deixou a sua marca. Enquanto fotógrafo documentalista, na Revista “O Ocidente”, publicou fotografias nos projetos “Douro Ilustrado” (1976) e “ Caminhos-de-ferro no Norte Ilustrado (1878 e 1899)”. Os anos oitenta de oitocentos, em Portugal, tornaram-se decisivos para a edição fotográfica, com o desenvolvimento da fototipia, vantajosa para a divulgação impressa e fiel da fotografia das grandes obras de arquitetura e engenharia do país. Nesta época, já pródiga em debates sobre a relação fotografia/artes, foi criado o Centro Artístico Portuense (finais de 1879), em que participaram, além de Emílio Biel, outros grandes vultos da fotografia, como Aurélio da Paz dos Reis e Carlos Relvas, e onde se fizeram as primeiras conferências sobre a história de arte nacional suportadas por documentos fotográficos. Parece indiscutível que a sua não adesão à fotografia naturalista e, por fim,
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pictorialista, se deve à sua convicção do valor do documento e da Natureza tal como ela se apresenta. Biel gosta de sublinhar a grandeza dos acidentes naturais e da ação do homem ao explorá-la. Nos dois casos é o conceito de sublime kanteano que parece orientá-lo. A Casa Emílio Biel, que possuía então as melhores máquinas, equipamentos e operadores encarregados de grande número das primeiras páginas de “Ocidente”, era, nestes anos 1880, a par da Fotografia Moderna, um dos estúdios mais importantes da cidade do Porto, que registava um relativo desenvolvimento comercial e cultural. Em 1886 teria lugar no Porto uma Exposição Internacional de Fotografia, a primeira e única realizada em Portugal, dessa natureza, para a qual foram convidados “fabricantes de aparelhos e produtos e editores de obras fotográficas de todos os países” (Sena, 1998: 113). A prática da fotografia que à época era ainda morosa, complexa e dispendiosa, exigindo conhecimentos rudimentares de Física e Química e disponibilidade financeira pessoal, instalou-se por isso mesmo, como hobby das classes favorecidas e das elites privilegiadas, nos seus quotidianos sociais, sendo objeto de reconhecimento, embora relativamente silencioso e afastado dos interesses estéticos dos meios intelectuais nacionais institucionalizados, se bem que a ciência e o exército a tenham utilizado desde cedo. Mas é essencialmente para mostra nas grandes feiras internacionais que são feitas as grandes encomendas, como as de Biel.
portuguesa, que terminaria mais tarde na cidade de Bragança. Uma publicação pouco conhecida de capas vermelhas e “infólio oblongo com frontispício”, de que podemos consultar o único exemplar conhecido na Biblioteca Municipal de Mirandela, foi editada para comemorar a inauguração da Linha, a 27 de Setembro de 1887, com a presença da família real – o Rei D. Luís I e D. Maria Pia –, ministros e vários convidados, entre os quais, naturalmente, o fotógrafo alemão Emílo Biel. Ao longo desta viagem, o autor oferece-nos composições impressionantes, uma abordagem fotográfica inovadora, com imagens que revelam um domínio técnico (captação e laboratório a avaliar pela riqueza tonal) e enquadramentos já de carácter cinematográfico, panorâmica que ajuda a traduzir toda a beleza rude e inóspita do vale do Tua, o leito do rio cavado pela força da natureza, depois sujeito a intervenção do braço do homem. Os planos são bastante ricos pela informação que oferecem ao leitor, dentro da perspetiva do olhar de Deus, permitindo relevar etapas e locais de maior dificuldade da obra. Mas a paisagem do Tua e do Douro, que Biel, entre tantas outras,
[Biel 2, pag. 11] Tunel das Prezas
2. ANÁLISE TÉCNICA E SEMIÓTICA DO ÁLBUM LINHA DE FOZ-TUA A MIRANDELLA O álbum fotográfico da construção da linha do Tua, Linha de Foz-Tua a Mirandela, uma encomenda da Companhia Nacional de Caminhos-de-ferro ao fotógrafo germânico Karl Emil Biel, residente em Portugal e conhecido entre nós por Emílio Biel, apresenta-nos 23 fototipias que documentam a construção do primeiro troço da linha férrea, uma obra prima de engenharia
fotografou, é uma construção do homem, e esse conhecimento, essa descoberta da sua beleza deve-se essencialmente à fotografia pioneira, como a de Emil Biel. Surge-nos, na sua característica mais marcante, como representativa do “século de Prometeu”, o demiurgo grego que roubou o fogo aos deuses para o ceder ao homem, iniciando o progresso da civilização: uma homenagem aos grandes empresários e aos engenheiros da Revolução Industrial, figuras carismáticas e virtuosas desse progresso técnico
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de que o caminho-de-ferro é um dos símbolos mais marcantes. Nas composições em análise verificamos sempre uma relação entre a natureza e a técnica. Os ideais do Fontismo, a expansão do progresso técnico, devido à revolução industrial oitocentista, estão bem vincados ao longo das 23 imagens que o autor nos apresenta em toda a obra, como o ferro usado nas pontes ferroviárias, os viadutos, os túneis que atravessam montanhas, as estações da Linha do Tua, assim como o grande símbolo da revolução industrial, a locomotiva a vapor, contracenando, ao longo do Vale do Tua, com o leito do rio e toda a vegetação predominante. Nos primórdios da fotografia, toda a técnica necessária para obter uma imagem, desde os equipamentos de captação aos processos de revelação a que era obrigada, não era propriamente simples. Tudo era bastante dispendioso e complexo, e havia necessidade de um poder de síntese muito grande na preparação das tomadas de vista. A quantidade de imagens produzidas era pequena, daí termos apenas 23 fotografias, embora acreditemos que ainda tenham sido excluídas algumas em edição. No entanto, a narrativa construída pelo autor dá-nos a ilusão de estarmos a acompanhar uma viagem de comboio pelo caminho-de-ferro da Linha do Tua. Este comboio conduz o leitor numa visita, ao longo da ferrovia, às obras pelo homem criadas, às penedias destruídas facilitando a penetração do comboio entre paisagens naturais recheadas de flora e fauna, em perspetivas que as vão revelando.
imediatamente após a captação da imagem, o laboratório de Biel ocupava toda uma carruagem. Esse vagão pessoal seguia acoplado à máquina a vapor dos comboios, e que o fotógrafo teve o cuidado de integrar nas paisagens, que são não apenas documentos, mas abruptas sensações.
[Biel 9, pag. 18] Ponte de Paradella
Biel foca e enquadra nas paisagens agrestes de montanha ou planas do vale, colhidas numa envolvente natural em rutura, porém imbuídas de grande expressividade e beleza estética, personagens masculinas do mundo do trabalho técnico ou rural, captando o pormenor dos trajes locais e certas posturas, como colocar por cima do ombro o casaco.
[Biel 18, pag. 27] Ponte do Vieiro [Biel 10, pag. 19] Pulpito do Diabo
Indício dessa atitude de amor ao Progresso e, também, necessidade da urgência de processar as chapas de colódio húmido
Quando falamos da presença humana nas fotografias, não se trata apenas de pessoas que por ali passavam ou viviam, mas de trabalhadores da obra, ou, então, operadores que acompanhavam Biel no levantamento fotográfico encomendado. Os
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figurantes aqui retratados permitem ao fotógrafo, através da linguagem de composição, colocar o ser humano no enquadramento, assim como a “pequena” locomotiva com as respetivas carruagens, para melhor entender a perceção da dimensão da obra e a sua relação com a enormidade das montanhas e da obra. Assim se obtém a noção de escala. Por vezes, só um olhar muito atento percebe a presença do homem na imagem, assim como o comboio perdido na imensidão das montanhas.
(uma panorâmica da cidade de Mirandela). Estas aparentes exceções acentuam o cunho monográfico do álbum.
[Biel 22, pag. 31] Ponte de Meirelles e Estação do Cachão
[Biel 14, pag. 23] Ponte da Cabreira
Nestas suas imagens – com a presença frequente do homem –, é denunciada a quase incongruência do esforço humano para dominar os elementos, sem nunca esquecer a veneração pelo extraordinário da paisagem.
Há composições muito cuidadas, linhas fortes e geometrizantes, picados e contra picados realçando a sinuosidade das escarpas que acompanham o leito do rio. A utilização de planos gerais no enquadramento destas fototipias é constante. O fotógrafo mostra a obra por inteiro, em toda a sua plenitude. Torna-se até interessante pensar sobre o local onde estaria Biel colocado para conseguir obter algumas tomadas de vista, nomeadamente em planos picados, o que nos leva a crer que o equipamento e o seu operador estariam suspensos em guindastes, para obterem uma perspetiva vista do céu sobre a terra (Estação e Caldas de S. Lourenço).
Em segundo ou terceiro plano aparecem também, por vezes, imagens de casas rurais, enquanto, em primeiro plano, as árvores e encostas servem de moldura ou enquadramento estético das fotografias, em que o movimento de pessoas quase sempre presentes é, em geral, pequeno. Ao longo do álbum documental, todas as fototipias estão identificadas com uma legenda em que podemos ver o local e a referência à obra. Ao contrário dos álbuns “Douro Ilustrado” (1876) e “Caminhos de Ferro no Norte Ilustrado” (1878 e 1899), as tomadas de vista, aqui, não são apresentadas, uma vez que o fotógrafo fez toda a captação das imagens ao longo da via férrea, à exceção da imagem que abre o álbum (a tomada de vista é feita na margem oeste do rio Tua onde podemos ver o viaduto das Prezas, em ferro, que dá acesso ao túnel) e da que o encerra
[Biel 12, pag. 21] Estação e Caldas de S. Lourenço
Esta observação pressupõe uma reflexão e preparação prévia, pelo que não se trata de um registo mecânico, desprovido de sensibilidade artística. Os padrões oferecidos pela natureza são marcados
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pela diversidade de flora que brota entre os penhascos, criando sucessivos planos em que acentua a perspetiva e aumenta a volumetria entre os elementos apresentados nos quadros ao longo da narrativa. A profundidade também é marcada em algumas imagens pelos leitos do rio Tua, ou pela linha do comboio. Em primeiro plano, temos os carris em paralelo, vão afunilando, criando uma diagonal numa linguagem ocidental, quase sempre da esquerda para a direita. À época, a espontaneidade não era muito vincada, se tivermos em conta que se trata de uma altura em que o equipamento não era fácil de manusear ou transportar, como foi referido anteriormente. As composições valem pela sensibilidade e pelo “know-how” de Emílio Biel. Apesar das composições nos parecerem estáticas, o que de alguma forma provoca conforto no leitor, todas elas não deixam de ser bastante ritmadas, graças aos vários elementos distribuídos ao longo da tela nos sucessivos planos, com um formato retangular e sempre na horizontal.
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CONCLUSÃO Emílio Biel morreu um ano antes de que o país neutro que Portugal se afirmava na Primeira Guerra, tivesse tido Moçambique ocupado pelos alemães. Com apoio da Inglaterra, o país iniciou as habituais retaliações à Alemanha, incluindo a apropriação dos bens dos alemães residentes. Também o espólio da sua casa fotográfica no Bolhão e da sua residência foram vendidos em hasta pública. Das chapas de vidro vendidas a fábricas cerâmicas poucas restaram, como as retidas pela Casa Alvão, do tempo em que este era seu operador. Conhecemos hoje a vasta obra fotográfica de Biel através de raras imagens fotográficas, os postais e, essencialmente, as fototipias dos seus álbuns. Por isso mesmo é importante levantar e estudar os álbuns menos conhecidos. A Linha do Tua tornar-se-ia das mais relevantes obras da engenharia portuguesa, um verdadeiro monumento dos progressos do lançamento dos caminhos-de-ferro. O rasgar dos trilhos nas montanhas, as inúmeras pontes e, fundamentalmente os incríveis túneis, de longa extensão, que atravessam a rocha e eram comentados na imprensa nacional e internacional. Emílio Biel mostra-nos, neste álbum, o início desses trabalhos demiúrgicos, como o verdadeiro monumento nacional que a Linha representa.
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ARTE E TÉCNICA: A FOTOGRAFIA DE E.BIEL E A CARICATURA DE RAFAEL BORDALO PINHEIRO SOBRE A INAUGURAÇÃO DA LINHA DO TUA Maria Otilia Pereira Lage
1.
3.
Ensaia-se uma abordagem comparativa de duas célebres representações visuais da Linha do Tua, no final de oitocentos, reflectindo sobre os processos de criação artística icónica, cultura e linguagem visual de seus autores, duas notáveis figuras históricas nos meios de comunicação portugueses, à época: o fotógrafo Emílio Biel (1838-1915), um dos precursores da fotografia em Portugal, e o artista plástico Rafael Bordalo Pinheiro (1846 - 1905), caricaturista pioneiro do cartaz artístico e jornalista crítico da sociedade portuguesa de seu tempo.
À época, o comprometimento político e social dos artistas, designadamente através do jornalismo em expansão, ligava, cada vez mais, estas duas importantes personagens da fotografia e artes plásticas do meio cultural, artístico, empresarial e político português da segunda metade do séc XIX, ao contacto com os públicos em formação.
2. Contextualiza-se este estudo com a apresentação prévia do percurso de cada um dos artistas e delimita-se através da relação da obra criativa de ambos com a construção e inauguração da Linha do Tua (1º troço até Mirandela) – dois trabalhos (fotografia e desenho/caricatura) de sentido “documental” (que remete para si próprio) e “artístico” (que evoca outras “áreas”) os quais, resistentes ao tempo, são, simultaneamente, fontes únicas para a história desta ferrovia de via estreita do Nordeste Transmontano (1885-1887) e prefiguração pioneira do modernismo português que se iria afirmar no campo das artes e da literatura, no início do séc XX.
Assim, a problemática central do presente estudo relaciona-se com o que se designa de significado e potenciação de materiais de memória e fontes iconográficas que operando um desvio inovador de enraizamento cultural, utilizam a fotografia e a caricatura então emergentes como documentos públicos que se não reduziam a uma mera actuação social e política. A leitura dessa produção intelectual serve à revivificação das facetas criativas marcadas por aspectos artísticos das obras de E. Biel e Rafael Bordalo Pinheiro, dois artistas radicais modernos do mundo português oitocentista que extravasaram do mundo artístico para o domínio público.
4. Comecemos então por evocar sucintamente as duas produções artísticas em apreciação, ambas de elevada qualidade técnica e artística.
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O Álbum fotográfico da construção da Linha do Tua de E. Biel (Biel 1 a 5) e a reportagem em banda desenhada de Rafael Bordalo Pinheiro (Fig. 6 a 11) são dois notáveis exemplares de fotodocumentalismo, então, nos seus primórdios em Portugal, e vão muito para além dos interesses específicos do transporte ferroviário, por toda a informação histórica, sociológica e antropológica que encerram ao nível das paisagens, de tipos humanos, obras de engenharia e arquitectura interior decorativa, e mesmo trajes, objectos e costumes.
5. Em ambos os casos se indiciam a ocasião e os processos diferenciados de grande impacto e significado social, em que foram efectuados e os modos como o foram: quer o Álbum Fotográfico, alusivo aos trabalhos de construção do 1º troço desta Linha férrea, documentalmente ilustrativo desta obra mestra da engenharia portuguesa, e sua dificuldade de realização; quer o conjunto das caricaturas e desenhos da reportagem ilustrativa do momento inaugural festivo da Linha do Tua a Mirandela. Presume-se que os dois autores terão realizado diversas viagens, ao longo desta linha, podendo E. Biel ter feito paragens para a “tomada de vistas” e R.Bordalo Pinheiro observado e “retratado” pessoas de todas as classes sociais que acompanhavam a viagem da locomotiva real, encenando outras figuras a partir dos populares que se encontravam em cada lugar de paragem durante um ainda longo e determinado espaço de tempo, dos engenheiros que orientaram a construção da Linha ou das personagens destacadas que participaram no banquete real em Mirandela. Constituem, assim, no seu conjunto, impressionantes e diferenciadas viagens no tempo ainda áureo dos comboios em Por-
tugal e especialmente, da então inaugural Linha do Tua. “Algumas das imagens do álbum de Biel mostram grandes semelhanças com alguns dos famosos desenhos de Bordalo Pinheiro sobre a inauguração da linha do Tua, sugerindo que este se terá inspirado nalgumas das fotos de Biel.”1 Pode afirmar-se que estes dois trabalhos encomendados para assinalar as comemorações da abertura oficial desta Linha, se bem que exemplares notáveis de géneros artísticos diferentes, sugerem fortemente um claro e impressivo “espirito da época” captado de modo objectivo e crítico e evidenciam alguma semelhança ao nível de traços formais e estéticos. A beleza das imagens, os percursos ao longo do rio Tua, pela linha em construção ou já no comboio inaugural da mesma, os aspectos históricos e etnográficos, o carácter da região e a alusão a tradições da época, as paisagens, a sua transformação e o impacto ambiental provocado pela construção ferroviária, fazem desta hoje quase esquecida colecção fotográfica de E. Biel2 e da crónica caricatural altamente sugestiva e informacionalmente densa de Rafael Bordalo Pinheiro, dois documentos únicos, sobre a história da Linha do Tua, tornados logo então acessíveis ao grande público através da sua edição, respectivamente em livro e jornal, numa época em que as revistas e jornais atingiram quantitativos impressionantes, começando alguns a abrir-se à fotografia, sobretudo retrato, e reservando-se o desenho para as reportagens.
6. Passemos agora a uma breve introdução destas duas grandes figuras da história portuguesa das artes, que se destacaram no contexto cultural de seu tempo, movimentando-se um, Borda1 Eduardo Beira – Acerca da fotografia da capa. In Hugo Silveira Pereira – Debates parlamentares sobre a Linha do Tua (1851-1906) . FOZTUA, MIT Portugal, EDP, 2012, p. vii e viii. 2 O exemplar consultado e a partir do qual se reproduzem algumas imagens, encontra-se na Biblioteca Sarmento Pimentel em Mirandela e faz parte de um fundo doado pelo bibliófilo e alfarrabista Nuno Canavez da Livraria Académica do Porto, natural de Vale de Juncal, que nos referiu ter tido ainda em sua posse um outro exemplar deste álbum, em melhor estado físico, desconhecendo-se no entanto a sua actual localização.
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lo Pinheiro, entre ateliers e redacções de jornalismo, e o outro, E. Biel, entre estúdios e tipografias. Os seus percursos, os contextos de sua produção, condicionantes de representação, técnicas utilizadas, sensibilidade artística, cultura, tendências e leituras iconográficas, são directrizes de análise a ter em atenção. Também a sua formação e forma de estar, os seus interesses profissionais, sociais e políticos influenciam os registos valorativos de seus trabalhos que influem naturalmente na interpretação. Procura-se, assim, delinear um contexto que permita alcançar uma certa sistematização de olhares e um ponto de observação/”posição” do fotógrafo e do artista plástico com um ângulo de visão de grande abertura e compreensão dos seus dois trabalhos, adiante em apreciação mais pormenorizada. Ambos foram produtores de imagens diferenciadas da construção e inauguração da linha do Tua, com enorme inventividade técnica e revolucionariamente deslocalizadora da arte da academia, as quais se constituíram pela história em materiais de memória iconográfica hoje verdadeiramente inultrapassáveis. Outras características comuns dos seus percursos permitemnos, como veremos, aproximá-los em vertentes como o rigor e apreço da técnica, o forte sentido de empreendedorismo industrial, a intensa actividade ligada à edição, e a ambivalência social de ambos enquanto simultaneamente “patrões e operários” de um certo modo de capitalismo industrial em Portugal.
7. EMÍLIO BIEL [1838-1915], A FOTOGRAFIA COMO “INVENÇÃO CIVILIZADORA” “No documentalismo paisagístico e etnográfico do final do século XIX e princípios do século XX virão a
distinguir-se o alemão Emílio Biel (que até fotografa a construção da linha férrea do Douro) [e também a da Linha do Tua], Domingos Alvão (1872-1946) e Marques de Abreu (1879-1958), cuja obra fotográfica e editorial é uma das últimas manifestações portuguesas do pictoralismo - naturalismo de que Alvão [discípulo de E. Biel] foi o expoente.”3 Karl Emil Biel, entre nós mais conhecido por Emílio Biel, vem para Lisboa, em 1857, como funcionário da casa Henrique Shalck, mantendo contactos estreitos com artistas da comunidade alemã, e com o rei Fernando de Saxe Coburgo mecenas desse grupo. Pouco depois vai trabalhar para o Porto numa filial da mesma casa, tornando-se mais tarde cônsul, na cidade, do Império Alemão, empresário de sucesso, e figura de grande destaque, sempre aprofundando as suas relações com a colónia alemã.4 Emílio Biel nasceu em Amberg, na Baviera, Alemanha e morreu no Porto, onde, depois de uma curta passagem por Lisboa, se estabeleceu, em 1860 como comerciante e editor, tendo sido um dos introdutores da fototipia ou fotogravura em Portugal. Em 1874 comprou a casa comercial Fritz, depois conhecida como casa Biel, dedicada à fotografia onde inicia a sua carreira como fotógrafo paisagista e de grandes obras de engenharia, designadamente da construção do caminho-de-ferro, cujo levantamento documental e fotográfico iniciou em 1885. Com o inicio da I Grande Guerra, em 1914, Biel tem de ausentarse para o estrangeiro e os seus bens são confiscados pelo estado em 1916, pouco depois da sua morte, no Porto, em 1915. Cunha Moraes e Marques de Abreu terão comprado parte desses bens em hasta-pública (1920). A outra parte, segundo as herdeiras, foi comprada pela “Companhia Portuguesa Editora, Lda” (sucessora de antigas livrarias do Porto), de José Augusto da Costa. 3 SOUSA, Jorge Pedro – Uma História crítica do fotojornalismo ocidental. Porto, [UFP], 1998. Disponível em http://bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedro-historia_ fotojorn1.html consultado em 7/1/2014. Capítulo XIII - Fotografia e fotojornalismo em Portugal. 4 Sobre a biografia de Emilio Biel ver também os sites do Centro Português de Fotografia e do Arquivo Histórico do Porto ( Casa do Infante), para além de várias obras incontornáveis sobre a História da fotografia em Portugal, como as de António Sena, textos de Maria do Carmo Seren e Teresa Siza e estudos académicos que têm vindo a ser defendidos e publicados, como por exemplo a recente tese de mestrado em Ciências da Comunicação de Mariana Marin Barbosa Gaspar – Uma leitura dos Encontros de Fotografia de Coimbra .F CSH, Universidade Nova de Lisboa, 2013.
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Fez de Portugal a sua segunda pátria, para onde o seu sentido empreendedor e estreita ligação à então indústria de ponta, o levou a importar recentes invenções, maquinaria e melhorias técnicas aqui ainda inexistentes. Tinha uma sólida e actualizada formação científica, prática e activa, numa altura em que a Europa fervilhava de descobertas e debates científicos. Notabilizou-se em Portugal e no estrangeiro como fotógrafo que chegou a ser da Casa Real em 1876, aplicando técnicas inovadoras recém introduzidas em Portugal e tornando-se proprietário, para além da antiga Casa Fritz, da “Photografia da Casa Real de Emílio Biel&Cª”, então o mais importante estabelecimento do país. A sua acção como fotógrafo esteve intimamente ligada às artes tipográficas e de impressão, chegando a possuir, em 1885, uma tipografia e litografia a vapor onde imprimia os célebres cartões de visita5, cujo uso passou a ser hábito das elites burguesa e aristocrática portuenses, vindo a possuir, 5 anos mais tarde, um estúdio eletrificado no Porto. Documentou, como se disse, a expansão do caminho-de-ferro no centro e norte de Portugal, e publicou entre outros, “Caminhos de Ferro no Norte Ilustrado”, entre 1878 e 1899, colaborou com fotografias dos caminhos-de-ferro na Revista “Ocidente” e, a partir de 1882, publicou vários álbuns fotográficos de paisagens, património e costumes, tendo sido premiado, em 1878/1879, com medalhas, em Filadélfia e no Rio de Janeiro. A fotografia era, à época, sobretudo mostrada nas Exposições Industriais que então se generalizam, ainda que, sob a influência de espíritos mais progressistas, relações próximas se tenham estabelecido entre alguns fotógrafos, inovadores e ilustrados, e pintores, ou mesmo artistas plásticos, como se pode deduzir da citação seguinte:
5 “carte de visite” patenteada por Eugène Disdéri (1819–1889) que se considera marcar o inicio de uma industria do retrato fotográfico. Ver TAVARES Emilia – ob cit.
“É um facto que a fotografia foi sendo «vendida» como uma «invenção civilizadora», um meio de propaganda dos tempos modernos, movimento que em Portugal parecia encontrar-se, no final do século XIX, «digno e levantado», já que «numerosos photographos profissionaes, executam a arte em todas as cidades, villas e aldeias mais recônditas. (...) O photographo amador louvando-o e applaudindo os profissionaes distinctos, faz-se uma gloria do exercício voluntario e familiar da arte pelo amor d’ella (...)»O termo «arte» acompanhava este libelo em prol duma divulgação ainda mais eloquente e eficaz da fotografia, e a iniciativa de exposição fotográfica pelos signatários da fundação da Academia [ que durou apenas 1 ano] seria objeto da pena caricatural de Rafael Bordalo Pinheiro, com direito a notícia ilustrada, publicada nas páginas de Os Pontos nos iiis em 1887, e louvores de «verdadeiro merecimento e gosto artístico».6 Essa visão progressista de Rafael Bordalo Pinheiro, espirito aberto e participante activo da então moderna civilização com novos códigos e instrumentos visuais dominados pela imagem tecnológica, concorrerá para a implosão de cânones estéticos, sociais e comportamentais antigos. A sua posição de vanguarda perante as controvérsias teóricas entre fotografia e arte, não era então consentânea com a mentalidade dominante na cultura visual oitocentista e na sociedade portuguesa, em transição, mas com grandes resistências e dicotomias em relação à fotografia representativa do novo e mais conotada com a indústria e o comércio do que com a arte.
8. RAFAEL BORDALO PINHEIRO [LISBOA, 18461905], A SÁTIRA COMO ÉTICA SOCIAL E POLÍTICA “Rafael Bordalo Pinheiro deve ser considerado um dos 6 TAVARES, Emília – O retrato entre pose e posses, entre a fotografia e a pintura, p.84. Disponivel em www.emiliatavares.com/.../emlia_tavares__ensaio_retrato_ fotogrfico.pdf/, consultado em 10/172014.
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primeiros e mais radicais artistas modernos portugueses. (…) ” Artista por temperamento que, na juventude autodidacta, abordou a pintura e o teatro, ele optaria por uma prática cultural particularmente moderna: o jornalismo e, no seu vasto espectro, o jornalismo ilustrado em que o texto é apenas uma das componentes da mensagem, mais imediatamente proposta e apreendida através da ilustração que, nos jornais de Bordalo, foi sempre humorística e caricatural” 7
Pavilhão Português, trabalho reconhecido e elogiado nacional e internacionalmente por todo o género de públicos.
Nesta altura, os jornais e revistas cresceram exponencialmente e Bordalo Pinheiro foi nesse campo inovador determinante, um dos raros interventores, sabendo concitar à sua volta grandes nomes da literatura portuguesa da época que com ele colaboraram proficuamente, com a produção de textos escritos. Contou nos seus jornais com a colaboração de Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro e outros escritores, o que lhes conferia uma harmonia textual e icónica e uma notável versatilidade polifónica.
Criador pioneiro da Banda Desenhada em Portugal e seu mentor também no Brasil, destacou-se a nível mundial9 como mestre da caricatura e da sátira social e política, dedicou-se à criação de “cartoons” em jornais e revistas, em que colaborou e criou alguns títulos de jornais10 imaginativos e pautados por uma grande liberdade intelectual e de crítica descomprometida com os poderes tendo-se tornado figura reconhecidamente destacada e importante na história da imprensa nacional.
Pode dizer-se que Bordalo Pinheiro, pioneiro em Arts and Crafts8, artista multifacetado e de genial sensibilidade designadamente expressa nas artes plásticas e artes gráficas, com uma vocação individualizada para o investimento criativo, viveu ao mesmo tempo e intensamente uma tardia e “sui generis” revolução industrial em Portugal. Dotado de uma imaginação metódica e enorme criatividade bem visíveis nos seus trabalhos gráficos e ainda de excecional ceramista, cuja decoração entre a exuberância do barroco e o decorativismo, se inspira na fauna e flora locais e nos objetos domésticos populares, a sua obra diversificada e vasta pauta-se ainda por um elevado sentido prático, grande rigor técnico e espírito empreendedor. Fundou, em 1885, nas Caldas da Rainha uma fábrica de louça artística que se expandiu e tornou célebre até hoje e dirigiu magistralmente, na Exposição de Paris de 1889, a construção do 7 SILVA, Raquel Henriques da – O Zé Povinho de Rafael Bordalo Pinheiro: uma iconologia de ambivalência. Ver também sobre Bordalo as seguintes obras incontornáveis: José Augusto França –Rafael Bordalo Pinheiro. 2ª edição. Lisboa: Bertrand, 1980 e João Paulo Cotrim - Rafael Bordalo Pinheiro: Fotobiografia. Lisboa: Museu Rafael Bordalo Pinheiro e Assírio &Alvim, 2005 8 Ibidem
No último quartel do século XIX a ilustração - principalmente o retrato - invade a imprensa, frequentemente por intermédio de artistas como Rafael Bordalo Pinheiro, um dos maiores criadores artísticos portugueses que iniciara, ainda jovem, o gosto e o estudo do desenho e das artes em geral, influenciado desde cedo por seu pai, também pintor.
“Rafael Bordalo Pinheiro, conhecido de todos os portugueses por ser o criador do ‘Zé Povinho’, foi um caricaturista exímio, com um tipo de traço que o distinguiu de todos os caricaturistas nacionais e internacionais. Fez teatro, frequentou o curso superior de Letras, a Academia de Belas Artes e trabalhou como amanuense na secretaria da Câmara dos Pares. Foi como desenhador, litógrafo, gravador, ceramista e caricaturista que se viria a destacar no seio da sociedade lisboeta de oitocentos. Rafael Bordalo Pinheiro levou a sua arte além-fronteiras: foi colaborador em vários periódicos estrangeiros, como o El Mundo Cómico, Ilustración Espanõla y Americana, Ilustrated London News ou El Bazar . No Brasil, desenvolveu as suas técnicas de litógrafo e editou jornais (o Mosquito, o Psit e o Besouro).”11 9 Bandas desenhadas de Rafael Bordalo Pinheiro, 1892-1904 : histórias em quadrosinhos d’O Comércio do Porto Ilustrado e Diário de Notícias Ilustrado / org. e introd. de Carlos Bandeiras Pinheiro. Lisboa: Aventura Gráfica, 1996. 10 “A Paródia”, “ O Antonio Maria”, “ A Lanterna Mágica” “Pontos nos iis” “ A Lanterna Mágica”, para além de outros periódicos ilustrados alguns de existência efémera. 11 ROCHA, Luzia – Bandas militares na Ópera: apontamentos históricos de Rafael Bordalo Pinheiro. ” Boletim da Banda do Exército”. Disponivel em www.academia. edu/.../Bandas_Militares_na_Opera_apontamentos_histor. Consultado em 20 /1/2014.
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No domínio das artes foi membro singular do conhecido “Grupo de Leão”, associação lisboeta de pintores e artistas dirigida por Silva Porto em que se envolveu também a literatura, a filosofia, a música e a arquitectura e se distinguiram, para além dos irmãos Bordalo Pinheiro, Rafael e Columbano, Ramalho Ortigão e José Malhoa que propuseram e defenderam em Exposições anuais de quadros modernos uma estética naturalista de renovação da paisagem nacional e representação de populares que nela se movimentavam, originando ambiências iconográficas exuberantes e específicas de critica etnograficamente enraizada e reflexão de matriz romântica, do que era ser português, nos finais do séc XIX. Essa problemática do ser português evidenciou-se com o desenvolvimento económico-social gerado em Portugal pela política de fomento das vias de comunicação e renovação urbanística a qual se viu acompanhada de uma certa animação urbana e renovação de práticas culturais e artísticas, coexistentes, contraditoriamente, com um exasperado pessimismo sociocultural. Artista por temperamento, Bordalo Pinheiro, com sua sátira humorística e caricatural de forte empenhamento ético, soube aliar, de modo inovador, arte e técnica – topos da modernidade – sendo considerado, em seu apego à modernidade, excepção nesse ambiente pessimista de crítica da sociedade portuguesa protagonizado pelo grupo de intelectuais da Geração de 70 (Antero de Quental, Oliveira Martins e Eça de Queiroz) conhecidos, mais tarde, por “Vencidos da Vida”.
9. DA PERCEÇÃO DOS OLHARES À CONSTRUÇÃO FOTOGRÁFICA E ARTÍSTICA DE TIPOS E ESPAÇOS ENVOLVENTES: ANÁLISE APROXIMATIVA. Atentos os dois percursos biográficos atrás esboçados, em que é nítido como ambos se cruzam com as inovações tecnológicas, a ciência aplicada e as atividades artísticas, o que, do nosso ponto de vista, perpassa as diversas abordagens implícitas ao objecto – Linha do Tua - mecânica e artisticamente representado, adopta-se uma metodologia de análise das diferentes representações iconográficas dos primórdios da Linha, - a ótica fotográfica e a perspetiva das artes visuais -, assente na compa-
ração e cruzamento de olhares dos seus produtores, e no confronto com a perceção histórica. Tenta-se apreender o olhar inovador destes dois grandes nomes da produção e cultura visual portuguesa, Biel e Bordalo Pinheiro, com afinidades entre si, como vimos, e os registos expressivos que cada um deles fez de momentos marcantes da história da Linha do Tua, em finais do século XIX. Recortamos assim, dois instrumentos do olhar então pioneiros, com diferentes enfoques e processos mas suscetíveis de comparabilidade: a fotografia e as artes plásticas. Procurar-se-á surpreender os olhares criativos dos autores, as suas posturas artísticas e as sensibilidades estéticas com que percecionaram e representaram a Linha do Tua e o que ela, como espaço de trabalho tecnologizado, comemoração festiva e manifestação social, cultural e política, terá significado, sem ignorar uma atenção especial às impressões históricas que nesses dois artistas se repercutem, em função das condições sociais e quotidianas de vida em que esta sua produção teve lugar. 9.1. Álbum Fotográfico da construção da Linha do Tua São mais de vinte fotografias assinadas por E. Biel que se aqui se apresentam e analisam cinco consideradas representativas do conjunto. Este álbum, de capas vermelhas e “in-fólio oblongo com frontispício e 23 fotografias” documenta pontes, túneis, viadutos e estações da Linha do Tua em construção, para além de locomotivas, paisagens e figuras humanas. Trata-se de uma publicação pouco conhecida, editada pela Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, concessionária da linha do Tua e que foi impressa na antiga Casa Fritz (comprada por E. Biel, em 1874), para comemorar a inauguração da Linha, realizada a 27 de Setembro de 1887 e a que assistiu a família real, o Rei D. Luís I e D. Maria Pia, que um comboio especial transportou para Mirandela, bem como alguns ministros e vários convidados, entre os quais, se contava Rafael Bordalo Pinheiro.
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O conjunto dessas fotografias de exterior com enfoques e perspetivas diversas cria, numa espécie de escrita, uma representação mecânica da “realidade” com diferentes leituras, da fase de construção do 1º troço da Linha do Tua até Mirandela permitindo relevar etapas e locais de maior dificuldade da obra. Foca e enquadra nas paisagens agrestes de montanha ou planas do vale, colhidas numa envolvente natural em rutura, porém imbuídas de grande expressividade e beleza estética, personagens masculinas do mundo do trabalho técnico ou rural, captando o pormenor dos trajes locais e certas posturas e mesmo hábitos de colocar por cima do ombro o casaco, sempre figuras do povo em situação de grande naturalidade e descontração.
[Biel 3, pag. 17] Fragas Más - Túnel da Cruz (com figuras humanas)
[Biel 4, pag. 29] “Pucha Preto” - Figuras humanas
Em segundo ou terceiro plano aparecem também por vezes imagens de casas rurais, enquanto que, em primeiro plano, as árvores e encostas servem de moldura ou enquadramento estético das fotografias, onde o movimento de pessoas quase sempre presentes, é em geral, pequeno. [A Construção da Linha do Tua, por E.Biel. (Figs 1 a 5)] [Biel 5, pag. 33] Mirandela ao fundo. Envolvente paisagística e figura humana
[Biel 1, pag. 26] Vale do Tua: Pontes do Vieiro e Abreiro
[Biel 2, pag. 11] Linha paralela ao rio. Tunel das Prezas
Estas fotografias históricas da construção da Linha do Tua, organizadas em álbum, são uma abordagem fotográfica inovadora, com imagens que revelam um domínio técnico (captação e laboratório a avaliar pela riqueza tonal) e enquadramentos já de carácter cinematográfico, panorâmica que ajuda a traduzir toda a beleza rude e inóspita do vale do Tua. O leito do rio
cavado pela força da natureza é depois sujeito à intervenção do braço do homem. Os vários planos e a sua meticulosa e pormenorizada composição, em destaque pelo recurso hábil à perspetiva, são bastante ricos pela informação diversificada que proporcionam. Desprende-se das fotografias representativas dos momentos captados pelo fotógrafo uma espécie de carácter definitivo, resultante talvez dos seus conhecimentos aprofundados, e dos cuidados dispensados à composição e produção da fotografia, exigidos, quiçá, pelo grau ainda rudimentar das técnicas fotográficas, à época. No entanto, as vantagens técnicas dos melhores equipamentos de que E. Biel dispunha ter-lhe-ão permitido usar ângulos diferentes e colher diversas e complementares perspetivas do objecto fotografado na sua multiplicidade e variedade de focos, em diferentes momentos e locais: a linha
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férrea com seus túneis e viadutos, entre ravinas onde o caudal do rio se estreita, ou o vale espraiado e habitado, por onde serpenteia, calmo, o rio Tua É evidente que nesta altura a fotografia em Portugal se encontra já numa fase relativamente avançada do seu trajeto inicial ao mesmo tempo que emerge o processo da edição fotográfica. Segundo António Sena, um terceiro momento da história da imagem fotográfica em Portugal, terá decorrido, de 1880 a 1898, desde o estabelecimento de Emílio Biel no Porto e o arranque da edição fotográfica, com a utilização da fototipia por Biel e Carlos Relvas. Devido às suas características (os meios tons e a reprodução dos pormenores) a Fototipia será: “o processo ideal para o levantamento de um país, viagem que Emílio Biel fez no campo da engenharia e da arquitetura, que Carlos Relvas faria na paisagem e nas obras de arte, e Cunha Moraes na África Ocidental.”12 Assim, nas imagens de Biel - imagens de um pais concreto e real, mas quase sempre humanizadas - está patenteado o esforço e trabalho humano para dominar ou aproveitar-se dos recursos naturais (terra e rio) sem esquecer a veneração pela natureza e pela paisagem que nos são exibidas com um domínio de detalhe, nitidez, leque de tons, contrastes e a sucessão de planos rio-vale-casas- pessoas- linha férrea – túneis-escarpas, num jogo de equilíbrio entre o ver ao longe e o ver ao perto. A paisagem, do Tua como do Douro, que Biel, entre tantas outras, fotografou, é uma construção do homem, e esse conhecimento, essa descoberta da sua beleza deve-se essencialmente à fotografia pioneira, como a de Emilio Biel.13 Numa perspetiva de avaliação estética destas fotografias, em 12 Citado a partir de BARROCAS, Antonio José de Brito Costa - A Arte da Luz dita. Revistas e Boletins. Teoria e prática da fotografia em Portugal (1880-1900). 13 “O estudo das primeiras imagens fotográficas dos caminhos-de-ferro portugueses é uma área aliciante, pela forma como os temas ferroviários começaram a preocupar os fotógrafos amadores ou profissionais da época que foram os pioneiros da fixação dos primeiros monumentos dos caminhos-de-ferro (estações e obras de arte) e primeiras imagens da circulação ferroviária (locomotivas, carruagens, comboios, chegadas, partidas, descarrilamentos). …. Se o interesse artístico foi relegado para um segundo plano, por motivo da reportagem sobre os principais acontecimentos vividos pela sociedade ferroviária oitocentista, este interesse voltou a manifestar-se, entre 1920 e 1960, quer por via de fotógrafos independentes, quer pela promoção de concursos de fotografia, promovidos pela Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses (como aconteceu em 1956, por altura do centenário). “ In Fundação Museu Nacional Ferroviário –Armando Ginestal Machado - “Os caminhos de ferro na fotografia”.
seu móbil inicial, de natureza comercial, são objecto de realce os seus notórios traços artísticos designadamente visíveis na elegância e sensibilidade do recorte de meio tom das figuras, das casas e das árvores que pontuam e dão vida a paisagens e encostas pedregosas revolvidas pelas máquinas abrindo a linha. Há uma aliança perfeita entre a inspiração do instantâneo e a composição pictórica. Em síntese, no seu conjunto, este Álbum configura uma autêntica reportagem fotográfica e documental de grande intensidade de quem sabe que está a fixar imagens para a posteridade. Podemos daqui depreender que a fotografia que à época nos aparecia implicitamente relacionada com o “realismo”, pode ter sido um importante auxiliar para o trabalho criativo, como a análise seguinte melhor no-lo poderá evidenciar. 9.2. Reportagem jornalística em BD: desenhos e caricaturas de Rafael Bordalo Pinheiro Começando por observar, numa aproximação comparativa, as figuras da banda desenhada ilustrativa das personagens que se deslocam de ou a par do comboio inaugural da Linha do Tua, percebem-se de imediato os seus semblantes e fisionomias de grande expressividade em que se pode considerar estarem implícitos conceitos de natureza interpretativa como “capacidade de captação ou flagrante, termos que não podiam ser mais contemporâneos e devedores da linguagem fotográfica”14. O que sugere a presença da ideia fotográfica de E. Biel, e das pessoas “caricaturadas” pela câmara, em segundo plano, na paisagem, com uma “individualidade” que se impõe nesta paleta de desenhos e caricaturas de Rafael Bordalo Pinheiro com idêntica verosimilhança e fidelidade ao “real”. Exemplo evidente dessa semelhança pode observar-se na vinheta do lado esquerdo do fundo da 2ª prancha (fig.7), desenho de Bordalo que representa uma imagem da linha férrea entre as encostas abruptas de montes e que faz de imediato lembrar a segunda fotografia da Linha acima apre14 TAVARES, Emilia, ob cit.,p.80
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sentada (lado esquerdo) (Biel 2) realizada por E. Biel. Ainda em idêntico sentido interpretativo que pode sugerir, por parte de Rafael Bordalo Pinheiro um conhecimento direto do Álbum Fotográfico, de Biel, observe-se, na 4ª prancha – composição alegórica da inauguração simbólica da linha do Tua, em Mirandela – (fig.8), desenhos de fundo representativos da Linha férrea que funcionam como separador central da composição, os quais parecem simular a reprodução de fotografias do Album de Biel, como por exemplo e mais concretamente, o estético enquadramento das Pontes do Vieiro e Abreiro objeto de respetiva fotografia de Biel (Biel 1). 15 Mas aqui, neste trabalho de Bordalo Pinheiro, onde as imagens se combinam com as palavras, em quase todas as caricaturas e desenhos recortados num certo fundo antropológico, ao contrário do que sucede nas fotografias de Biel, são as figuras humanas de vários tipos sociais, sempre em grupos e mesmo pequenos aglomerados que surgem em primeiro plano, mesmo na prancha final da BD. Nesta, que representa a sala do banquete oferecido aos convidados, destacam-se figuras humanas em dois planos. Também na alegoria maior (fig. 8) alusiva diretamente à comemoração da Linha, onde do lado esquerdo se evidenciam as figuras dos engenheiros mais importantes da obra, enquanto, em pano de fundo, se localiza, em movimento, uma locomotiva e, do lado direito, alguns monumentos típicos de Mirandela, como a ponte sobre o rio Tua e a imponente estação de caminho-de-ferro, recém construída, também representada num outro ângulo, em fotografia, no Album de Biel, mas aqui, noutra perspectiva, em desenho engalanado com bandeiras festivas. Aliás, toda a composição deste quadro alegórico no que se refere em especial à representação de Mirandela, em lugar central, ao fundo, sugere, de imediato os registos fotográficos da mesma vila que E. Biel nos apresenta. O que nos leva a perguntar: Trata-se aqui de um “efeito de época” ou de inspiração que o desenho artístico vai buscar à fotografia?! O 15 Tendo tido lugar as cerimónias públicas de inauguração da Linha a 29 de Setembro de 1887 e datando a publicação da respectiva reportagem ilustrada de Rafael Bordalo Pinheiro, um dos convidados, de 14 de Outubro do mesmo ano, cerca de 15 dias depois, poderá perguntar-se se o mesmo terá tido acesso ao Album Fotográfico de Biel, presumivelmente distribuído aos convidados de honra, como era então prática com este tipo de trabalhos por encomenda, vindo a encontrar nele uma fonte de inspiração para alguns dos seus desenhos da Linha incluídos nesta reportagem artístico- jornalística que faz do acontecimento.
que nos remete para a problemática tão discutida à época sobre arte e técnica, enunciada no título deste ensaio. Atravessa todas estas figuras de Bordalo Pinheiro, de múltiplos e enredados sentidos, não só uma intensa e explícita narratividade dos momentos mais simbólicos e vivos da efeméride comemorativa de inauguração da Linha do Tua, e sua repercussão local, como ainda a representação implícita da reportagem fidedigna e o gesto de ir diretamente à fonte, ao acontecimento, colher em direto a informação, atitude imanente à actividade do jornalista mas também do fotógrafo, recriada em modelos criativos das artes visuais e gráficas. As figuras do povo que acorrem para ver passar o comboio real, figurantes deste evento festivo, tratadas com simpatia, não deixam de fazer lembrar o lado trágico-cómico, dramático da “História do Progresso”, e o magnífico desenho da sua figura mais célebre o “Zé Povinho”, metáfora do povo português genialmente construída. Delas se podem depreender também traços definidores da obra de Bordalo que viveu sempre entre a pulsão do desenho16, os desafios do jornalismo e da crónica diarística e a curiosidade pela indústria e tecnologia esta, comum a E.Biel. Estes desenhos, de linhas minuciosamente descritivas espelham bem os grupos sociais ligados à construção da Linha do Tua e aos diferentes trabalhos do caminho-de-ferro, os numerosos populares que aderiram às comemorações, festejando a passagem do comboio e ainda as elites privilegiadas convidadas para as cerimónias de inauguração da linha, retratando e caricaturando por condensação o conjunto da sociedade da época, em seu melhor e seu pior como foi sempre traço peculiar temperamental, mordaz e ético da extraordinária produção de Rafael Bordalo Pinheiro. Assomam ainda nesta interessantíssima banda desenhada de notável elegância mas também de um certo excesso e exuberância festiva, elementos de sátira, riso e liberdade descomprometida com o poder, para além de sinais indeléveis de uma 16 Raquel Henriques da Silva, ob cit, p.242.
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[INAUGURAÇÃO DA LINHA DO TUA (1887) DE RAFAEL BORDALO PINHEIRO (FIGS 6 A 9)]
(Reportagem em banda desenhada publicada em “Pontos nos iis”, 14 de Out. 1887)
Fig. 6 – 1ª Prancha - desenhos e caricaturas narrativa da euforia festiva colectiva
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Fig. 7 – 2ª Prancha - Linha e comboio
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Fig. 8 – 3ª Prancha - Alegoria da inauguração do caminho-de-ferro em Mirandela
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Fig.9 – 4ª Prancha - Sala do banquete1
1 Alusão ao lauto jantar com duzentos talheres no barracão do cais das mercadorias, pintado por Manini e decorado por Marques da Silva que a companhia construtora ofereceu aos convidados ilustres.
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postura tranquila e objetiva própria do fazer da crónica jornalística assumida numa atitude militante que se desprende igualmente do conjunto desta reportagem artística.
10. Em suma, estamos em presença de dois exemplares pouco conhecidos e ainda menos estudados, das obras destes dois grandes vultos da vida artística e cultura visual portuguesa de oitocentos, personalidades multifacetadas e expoentes da modernidade dessa época. Através destes seus trabalhos, e dos seus efeitos diversos de realidade, bem como dos modos como se vêm e guardam, pode reconstruir-se toda uma memória visual e histórica da linha do Tua e da sua inauguração oficial. O seu pensamento pressupõe que se reconstitua, na medida do possível, com base numa cultura artística e respetiva história, que formalizou estruturalmente na longa duração toda uma série de conceitos estéticos e “modos de ver” em que se suportam as práticas dos que produzem discursos visuais: fotógrafos, artistas plásticos e/ou outros e que legitima e justifica campos semânticos (paisagens e elementos humanos) e certos modos de os representar em mimesis nas vertentes de imitar e retratar. Tal pressupõe também um entendimento das práticas fotográficas e artístico-visuais como espaços de intertextualidade, o que se sugeriu na aproximação comparativa em particular de algumas fotografias do Álbum da Linha do Tua de E.Biel e de certos desenhos da reportagem ilustrada da inauguração da mesma, de Bordalo Pinheiro. A construção dos sentidos das imagens fotográficas e artísticovisuais (imagens documentais no caso presente) e a realidade e textos com que se correlacionam só se poderá esclarecer mediante uma contextualização histórica e sociológica interrogando os discursos que as antecipam, promovem ou lhes dão continuidade, e que nos permita investigar essas imagens como
dispositivo enunciativo de sua produção e receção/leitura.
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Pode dizer-se que a esse novo olhar em vias de democratização não são alheias as imagens fotográficas e artístico-visuais que podemos perceber como uma janela aberta para a história da Linha do Tua e que analisámos em seu léxico estético e textura documental. Estas imagens estruturaram-se, no seu conjunto, na utilização da ótica, perspectiva e articulação de sucessivos planos, no uso expressivo da tonalidade claro-escuro, na procura e consecução eficaz do pormenor, do detalhe e da nitidez mas também do enquadramento do particular no geral: a natureza em transformação pela tecnologia e a indústria e a sociedade rural oitocentista representada através de seus principais tipos sociais e marcantes eventos públicos. Para finalizar, importa ainda salientar que julgamos ter deixado percetível, que a dimensão criativa enquanto intenção documental e/ou artística, se encontra bem presente e igualmente patente quer no ato de fotografar de E. Biel, quer no acto da produção do desenho e caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro, duas figuras pioneiras em Portugal, nos finais do século XIX.
17 Reflexões enunciadas a partir de BARROCAS, Antonio José de Brito Costa - A Arte da Luz dita. Revistas e Boletins. Teoria e prática da fotografia em Portugal (1880-1900). Vol 1,p.16 e segs ( Dissertação apresentada à Faculdade de Belas Artes, Univ. de Lisboa.) Disponivel em www.academia.edu/.../ARTE_DA_LUZ_DITA , consultada em 23 de janeiro de 2014.
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A LUZ E AS SOMBRAS NO VALE DO TUA Gilberto Gomes
O presente texto constitui uma reflexão sobre a linha do Tua entre finais do séc. XIX e os anos 40 do século XX, que se inicia com o «negócio» da concessão. Contém algumas notas caracterizadoras da construção e do sistema de exploração ferroviário, seguindo-se os contornos do conjunto ferroviário de Mirandela e da sua comunidade, em 1947. Num último ponto, identificamse alguns elementos que preanunciavam as alterações estruturais para o sector dos transportes, no período de 1927 a 1947. A chegada do comboio à região veio alterar a rede de mobilidade assente na tração animal e na sua articulação com o transporte fluvial. O «canal» ferroviário alargou a sua influência ao território periférico à linha férrea num raio de 20 quilómetros. A partir dos anos 20, em especial com a criação da Junta Autónoma de Estradas (JAE) em 1927, uma nova rede de mobilidade instalou-se paulatina e progressivamente. O transporte de passageiros e mercadorias deixou de ser detido em exclusivo pelas estações ferroviárias. A construção de novas estradas, com pisos e geometrias adequadas a veículos motorizados, alterou radicalmente os conceitos de mobilidade do interior. Importa ainda uma breve alusão ao «território» em que a linha operava. Uma linha de montanha, cujo traçado corria do alto planalto de Bragança para o vale do Tua, confluente no Douro. Rarefeito de gentes, logo com poucos centros urbanos de registo, destacando-se Mirandela, no cruzamento de caminhos ancestrais. A exploração iniciou-se numa conjuntura de contra-ciclo, com o Alto Douro a ser uma das zonas mais devastadas pela filoxe-
ra1, com a destruição das suas vinhas, dando origem à replantação de uma nova paisagem vinhateira, com a recomposição e o emparcelamento das propriedades.2 Se juntarmos a esta conjuntura regional, a bancarrota de 1891/92, que aprofundou a crise da região, entenderemos facilmente o colapso financeiro da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro (CN). 1. O «NEGÓCIO» DO TUA Nos anos 80 do séc. XIX decorreu a segunda fase do investimento ferroviário em Portugal. Após a crise financeira de 1876, na qual desaparecera metade da banca comercial portuguesa, os grandes negócios que se perfilavam continuavam a ser os tradicionais: os tabacos, a construção de portos, caminho-deferro, estradas e trabalhos de regularização nos grandes rios, bem como, o financiamento do Estado. Por outro lado, a forte emigração em especial para o Brasil, ajudava a manter um clima de aparente crescimento económico, com as remessas dos emigrantes, que alimentavam os depósitos bancários, em especial dos bancos da praça do Porto. Neste período, assiste-se à recomposição de dois grandes grupos financeiros, com fortes ramificações políticas, à volta das figuras do Conde de Burnay e 1 O Relatório da CN, de 1887, revela o estado de catástrofe da região, devastada pela filoxera «havendo de mais a mais a lamentar o mau estado sanitário de Mirandela…. lembrando que, no ano de 1887 foi ali vítima quase a décima parte da população, tendo-se produzido 140 óbitos por 100 nascimentos». Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, 1887. Lisboa, pp 5. 2 Rebelo, Vasco. A revolução pós-filoxérica e os anos oitenta: dois períodos de grandes transformações na viticultura duriense in O Voo do Arado. Museu Nacional de Etnologia. Lisboa. 1996. pp. 398-411. Fauvrelle, Natália. As quintas vinhateiras de D. Antónia – um legado para o Douro in Dona Antónia. Museu do Douro. Régua. 2012, pp 43 e segs.
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do Marquês da Foz. De realçar a consolidação do grupo «Foz», com um conjunto de figuras políticas notáveis, das quais se destacava Mariano de Carvalho. A atribulada concessão da Linha da Beira Baixa à Companhia Real (CR) 3 acabou por ser a fronteira de interesses dos dois grupos, culminando com substituição do Conselho de Administração da CR. A concessão da linha de Mirandela foi atribuída ao Marquês da Foz pelo contrato definitivo de 30/06/1884. Entre o contrato provisório e o definitivo, foi introduzido um novo parágrafo «no qual se preceitua que o trespasse desta empresa não poderá ser feito a companhia ou sociedade em cujos estatutos se não inclua expressamente a cláusula de ser composta de cidadãos portugueses domiciliados em Portugal a maioria da sua direcção ou conselho de administração…». 4 Esta alteração legislativa extensiva a todas as novas concessões, incluindo a linha da Beira Baixa, foi o ponto de partida para o «grupo Foz» alavancar a contestação aos acionistas franceses, detentores da maioria do capital da CR. Do contrato de concessão interessa reter como relevante, o facto de o investimento ser realizado pelo concessionário ou por uma empresa à qual o mesmo fizesse o trespasse. O contrato garantia à empresa um «rendimento líquido anual de 5,5% em relação ao custo do cada quilómetro que se construir, compreendendo o juro e a amortização do capital», 5 e estabelecia o preço quilómetro de construção em 19.162$300 réis. Concedia, ainda, a isenção nos primeiros 20 anos, de contribuições gerais ou municipais, excepto os direitos de trânsito, lançados sobre o preço de transporte de passageiros e mercadorias, assim como, a isenção de direitos de importação, durante 5 anos, dos materiais necessários para a construção e exploração. O modelo de financiamento do caminho-de-ferro em Portugal6 incluía, perante a tradicional falta de recursos do Estado, a atribuição de concessões de construção e exploração de linhas a 3 Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses. 4 Contrato definitivo para a construção e exploração do caminho de ferro de Foz Tua a Mirandela. CNCF. Lisboa. 1886, p 2. 5 Idem, pp 12 6 O modelo não era exclusivo a Portugal. Vingou em diversos estados europeus a começar pelo país vizinho – a Espanha.
particulares, num quadro fiscal propício e com apoios diretos à construção, quer através de subsídios ao quilómetro, quer assegurando uma taxa de juro ao capital investido. O concessionário era, na generalidade, o empreiteiro geral da obra e o fundador da sociedade anónima criada para executar a exploração. O negócio centrava-se sempre na construção, «esmagando» os preços das subempreitadas, pelas comissões obtidas na compra de materiais e equipamentos, pelas percentagens dos financiamentos, pelo «trespasse» da concessão à sociedade e, ainda, pelos lugares nos conselhos de administração das sociedades. 7 No relatório de 1886 a CN apresentou um capital acionista de 600 contos, inscrevendo no mesmo ano um capital obrigacionista de 1.100 contos de réis. Em 1891, o problema agravara-se, mantendo-se o capital acionista de 600 contos e o obrigacionista em 3.720 contos, atingindo o investimento de 1º Estabelecimento (construção das linhas) a soma de 3.766 contos. O modelo que conferia ao concessionário o papel de financiador do projecto ruiu na CN, tal como acontecera noutras concessões. Perante a insuficiência de capital e a necessidade do mesmo para a conclusão da construção, as empresas pediam autorização ao Governo para procederem a emissões obrigacionistas. E, com este procedimento, «amarravam» o Estado concedente ao desfecho do negócio. Pela Portaria de 27/06/1889 o Governo autorizou a CN a emitir 29.400 acções a 90.000$00 réis por título tendo por finalidade a «conversão das obrigações do tipo de 5% e à conclusão da construção da linha de Viseu». Ou seja, pedia-se mais para pagar o atrasado e avançava-se com nova construção. Como informação complementar inserta no próprio título explanava-se que «O Governo Português autorizou a companhia pela portaria acima indicada a garantir o pagamento dos coupons e a amortização das obrigações com todos os seus haveres tanto móveis como imóveis com as receitas líquidas da exploração e com os complementos que o governo haja de pagar…».8 7 A CN (155 km de rede) em 1991 tinha sete administradores, a CR (1.500 km de rede) tinha mais de trinta, entre administradores portugueses e franceses. 8 Título de Obrigação ao Portador, de 90$000 Rs, da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Autorizada por portaria de 27 de Junho de 1889.
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Os títulos emitidos eram assinados por dois administradores, o Marquês da Foz9 e por Fontes Ganhado10, companheiros e parceiros de outros negócios, como a partilha do poder na CR. Perante a opinião pública e os mercados, o Estado autorizara e sancionara a emissão. Obviamente, não se esperava é que o próprio Estado estivesse falido. A CN era uma sociedade anónima maioritariamente detida por elementos proeminentes do «grupo» Foz.11 A começar pelo Marquês da Foz, que em 1893 detinha 9.122 acções12 e foi o seu primeiro presidente até à crise de 1991. Nesse ano, tomou posse o novo conselho que detinha credibilidade para negociar com os credores perante a insolvência da companhia. Apesar dos termos contidos do relatório anual da CN de 1891, perante a emergência que o momento exigia, levaram o relator a sintetizar a realidade equívoca do inves9 Tristão Guedes de Queirós Correia Castelo Branco (1849 – 1917). 2º conde e 1º marquês da Foz. Foi director do Banco de Portugal e participou em múltiplas sociedades de diversificados negócios. Fez parte da elite financeira da Lisboa de oitocentos, até à crise de 1891. Eram célebres as suas festas no Palácio Foz em Lisboa. Foi preso na bancarrota de 1891, tal como, alguns dos seus correligionários e amigos, a começar por Mendonça Cortez, presidente do Banco Lusitano. V/ Dicionário Biográfico Parlamentar. 1834-1910. Vol. I. Coord. de M. F. Mónica. Imprensa das Ciências Sociais – Assembleia da República. Lisboa. 2004 e Reis, Jaime. Uma Elite Financeira. Os Corpos Sociais do Banco de Portugal. 18461914. Banco de Portugal. Lisboa. 2011, pp107-108. 10 António Maria Fontes Pereira de Melo Ganhado (1849 – 1906). 2º Marquês de Fontes Pereira de Melo. Era sobrinho do estadista da Regeneração. Entrou para a CR em 1884, com o Marquês da Foz, e saiu com ele na crise de 1891, tal como na CN, in Dicionário Biográfico Parlamentar. 1834-1910. Vol. II. Coord.de M. F. Mónica. Imprensa das Ciências Sociais – Assembleia da República. Lisboa. 2005. 11 Na CN detinham posições accionistas e obrigacionistas correligionários dos negócios e de afinidades políticas afins como: Adrião Seixas, Fernando Pereira Palha e Frederico Pereira Palha, Jorge O’Neill, José Nogueira Pinto, Manuel António Seixas, o Visconde de Barreiros e o Visconde Moreira Rey. Para além destes, marcavam presença figuras políticas respeitáveis como o Conselheiro Júlio Marques de Vilhena e destacadas personalidades como o Conselheiro Henrique Mateus dos Santos do Banco de Portugal, António Xavier de Almeida Pinheiro, engenheiro e Director de Exploração da linha, Pedro Inácio Lopes, Director da CR, ou ainda, o Marquês Fontes Pereira de Melo Ganhado, Administrador Delegado da CR, no período em que a mesma foi dominada pelo Marquês da Foz. No Norte destacavam-se personalidades da região como Clemente Menéres ou influentes elementos das elites financeiras da praça do Porto como o Conde de Lumbrales. 12 Lista dos Srs. Accionistas in Relatório Apresentado à Assembleia Geral Ordinária de 22 de Fevereiro de 1893.
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timento ferroviário em Portugal ao escrever «As circunstâncias financeiras da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro eram desde há muito embaraçosas, porque as despesas de construção das linhas excederam consideravelmente os recursos obtidos e as receitas de exploração ficaram abaixo do que se tinha previsto». Assim, com um capital insuficiente para o objecto da concessão e a promiscuidade legalmente consentida da figura do concessionário-empreiteiro-fundador da sociedade, a realidade apresentava-se bem diferente das ilusórias expetativas de tráfegos. Perante a situação a que se chegara, era necessário em termos contabilísticos arranjar uma panóplia de soluções que acertassem os balanços. Na generalidade optou-se pela incorporação das dívidas no capital com novas emissões, privilegiadas ou não, de acordo com o estatuto do credor, mas que não resolviam o que era premente, ou seja, não traziam capital. Em Março de 1892 foi requerido em Viseu o arresto ao rendimento bruto do transporte de passageiros e mercadorias da Linha da CN de Santa Comba Dão a Viseu. O requerente, invocando a sua condição de credor referia «o justo receio de que a Companhia se tornasse insolvente». O arresto foi decretado, tal como pedido, ficando as receitas das estações à guarda dos chefes das mesmas, como fiéis depositários da decisão judicial. Nas alegações desenvolvidas pela empresa, invoca-se a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que estabelecera, numa situação análoga contra a CR, como verdadeira jurisprudência a decisão de «só estão sujeitas a penhora as receitas a vencer, que não forem julgadas necessárias à conservação e exploração das linhas férreas».13 Tal como já acontecera com a «suspensão de pagamentos» da CR, em 1867, uma vez mais, as empresas ferroviárias invocavam o seu estatuto especial de sociedades ao abrigo de um direito público nacional, e não um simples direito privado, alegando a natureza do caminho-de-ferro pertencer à esfera do domínio público.
13 Representação entregue ao Governo de Sua Majestade. Em 27 de Junho de 1892. Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Lisboa. 1892.
2. NOTAS SOBRE A CONSTRUÇÃO E A EXPLORAÇÃO DA LINHA DE FOZ TUA A MIRANDELA Quando chegamos à década de 80 do séc. XIX, havia uma experiência acumulada de trinta anos de trabalhos ferroviários em Portugal. A geração de engenheiros militares acantonados no MOPCI14 estava tecnicamente preparada para desenvolver todo o trabalho de projeto, execução, exploração e fiscalização do sector. A primeira fase da construção da linha, 15 que partia da estação do Tua na linha do Douro, corria ao longo da margem esquerda do Tua, em zonas despovoadas e de difícil acesso, atingindo Mirandela após um percurso de aproximadamente 54 km. O traçado em planta apresentava curvas superiores a 150 metros de raio e, em perfil atingiam-se rampas máximas de 18%, que se traduzia em boas condições para a tração dos comboios. A implantação do canal ferroviário na margem do Tua, muitas vezes abrupta, obrigou à construção de múltiplas obras de arte (pontes, túneis, muros de suporte), em condições de péssimo acesso. Foi, pois, neste contexto orográfico da região que se encontrou a dificuldade e os custos acrescidos da construção.16 A complicar este quadro juntava-se a inexistência de acessos à plataforma a construir, a começar pela instalação dos estaleiros da construção e do transporte de materiais e equipamentos. Da documentação conhecida da época, não se pode inferir que a construção se tenha debatido com problemas imprevistos na transposição crítica de bacias hidrográficas. Nesta primeira fase, não se colocaram problemas de traçados alternativos. Na elaboração dos orçamentos foram contemplados jornais de trabalho em rocha dura e a necessidade recorrente da utilização a explosivos. Um dos problemas presentes na construção foi a necessidade de muros de suporte para conter as derrocadas.17 14 MOPCI – Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria. 15 Foz Tua a Mirandela, aberta à circulação pública a 30 de Setembro de 1887. 16 O traçado ferroviário atingiu percursos particularmente difíceis, como na zona das Fragas Más, onde foi necessário romper em túnel alguns esporões de rocha, como o Túnel das Fragas Más I, ao Km 5,606, com o comprimento de 99 metros e as entradas de abóbadas em cantaria e ao centro em rocha, seguindo-se ao km 5,863, o Túnel das Fragas Más II, de 38 metros de comprimento e de abóbada revestida a cantaria. 17 Os muros, concretamente 10.049,41 metros de muros, serviram para sustentação e
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Problema, aliás, que se manteve sempre na exploração, com a queda de rochas, originando diversos desastres e consequentes interrupções do tráfego. Uma vez aprovado o traçado, era necessário proceder às expropriações dos terrenos, operação bem complexa na época, perante a inexistência do cadastro da propriedade. A avaliação dos prédios rústicos e urbanos, dos tipos de benfeitorias existentes e dos cultivos dos mesmos, originava todo um vasto processo, amigável ou judicial, que alimentava cartórios, tribunais e dava trabalho a procuradores, avaliadores e bacharéis. Claro que os grandes proprietários, como a Sociedade Clemente Menéres, na construção de Tua a Bragança, tinham uma capacidade negocial diferente dos proprietários de pequenas parcelas. O contrato de concessão autorizava a subcontratação de trabalhos a terceiros,18 sendo a companhia ferroviária a entidade cedente e primeira responsável pela execução dos mesmos. Através dos contratos,19 é possível reconstituir a cadeia processual de tramitação dos processos, bem como, as soluções encontradas e os valores de execução. Assim, a Companhia contratualizou com o empreiteiro Barnabé da Costa Roxo os trabalhos de fundações das instalações projetadas para a estação de Mirandela20 (edifício de passageiros, plataforma de passageiros, instalações sanitárias, cais coberto e descoberto, depósito de carvão, depósito de carruagens, oficina de reparação, depósito de máquinas, cinzeiro 21 e o desvio da estrada de Mirandela a Vila Flor). Igualmente, os cadernos de encargos definiam com rigor o objecto dos concursos, como o «Caderno de encargos suporte da plataforma da linha, em especial nos primeiros quilómetros. 18 Art. 1º, par. 1º do contrato de 28/09/1883. 19 Outros contratos: Contrato provisório para o fornecimento de 30 milheiros de tijolo, com Manuel Vicente, de 23/06/86; Contrato para fornecimento de cal, com Manuel Martins «caleiro», de 1/07/86; Contrato com Alexandre Sales, mestre-deobras de Mirandela, para o fornecimento de madeiras para os sobrados e telhados da estação de Mirandela, de 5/09/86; Contrato para o fornecimento de portas, janelas e madeiramentos para o edifício da estação de Mirandela e cais, com José Barbosa Marques, com estabelecimento de carpintaria no Porto, de19/10/86; Contrato para o fornecimento de 1.350 postes telegráficos com Ferreira e Cª de Albergaria-a-Velha, de 8/02/1886 e o Contrato para o fornecimento de 21.000 travessas de carvalho, com Clemente Menéres, de 11/12/85. REFER., DP, Linha do Tua (Antigo), Generalidades. 20 Contrato de empreitada à forfait, de 12 de Fevereiro de 1886, pela importância de 3.748$200 réis. 21 Os cinzeiros localizavam-se junto aos «depósitos», tinham por função acumular as cinzas removidas das locomotivas.
para a construção do edifício de passageiros da estação de Mirandela, latrinas e cais coberto», de 15/04/1866. Um dos muitos problemas que foi necessário resolver prendeuse com a logística da construção. Os materiais necessários eram adquiridos preferencialmente na região (pedra, cal do «Vale da Porca», tijolo, telhas, madeiras, ferragens), por outro lado, o desmonte das trincheiras fornecia o material para os aterros. A construção socorria-se dos trabalhadores da região para os trabalhos indiferenciados da movimentação de terras, bem como, dos artífices especializados, (carpinteiros, pedreiros, trolhas, ajudantes), auferiam os jornais mais remunerados. Posteriormente, alguns dos trabalhadores utilizados na construção integravam os quadros da empresa, em especial, nas funções de conservação da Via e Obras, como capatazes e assentadores. Os trabalhos de construção iniciavam-se na generalidade em múltiplas frentes, por secções e lanços, de acordo com a gestão das subempreitadas. No caso da linha do Tua, tudo aponta para duas grandes frentes de trabalhos: uma a partir da estação do Tua, em sentido ascendente e uma segunda a partir de Mirandela, em sentido descendente. A empresa em 1/11/86, assinou um contrato de empreitada22 para o transporte de 25 km de via, mudanças de via, cruzamentos e materiais acessórios, bem como, uma locomotiva e seis vagões. O material chegou pela linha do Douro, sendo descarregado no Pinhão, cabendo aos empreiteiros contratados o seu transporte até ao local da estação de Mirandela. Como o contrato cobria metade do equipamento necessário para a construção, deduz-se a existência de uma segunda frente. A 1/02/1886 a CN contratou com Joaquim Augusto Pinto Soares e Comp. a execução de terraplanagens e obras de arte na estação de Foz Tua.23 As companhias ferroviárias eram empresas densamente or22 Os empreiteiros responsáveis pelo transporte foram António Joaquim Ribeiro e Manuel da Cruz Mendes, do Pinhão. O prazo concedido foi de cinco meses, sendo de registar que decorreu durante o inverno transmontano. Os preços praticados eram os usuais na região, destacando-se no transporte, a enorme tonelagem, em especial a locomotiva, que mesmo desmontada, tinha peças de um volume e peso muito grandes, como, a caldeira, rodados e órgão da máquina. 23 REFER, DP, Linha do Douro (Antigo). Tua, km 139,825. Exp. 37.
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ganizadas, onde tudo carecia de aprovação da tutela, desde a abertura da exploração ao público, às tarifas a praticar e aos regulamentos. A regulamentação interna, geralmente sob a designação de «ordens de serviço», definia a estrutura da empresa, as funções e os quadros de pessoal.24 24 Das Ordens da Direcção destacamos: CNCF. Exploração. Ordem da Direcção Nº
Com o início do serviço de exploração a CN publicou um con1- Regulamento de circulação sobre via única. Lisboa. 1907; CNCF. Exploração. Ordem da Direcção nº 4. Regulamento do Serviço de Estações. Lisboa. 1907; CNCF. Exploração. Ordem de serviço nº 5. Regulamento dos Condutores, Revisores e Guarda-Freios. Lisboa. 1890;CNCF. Exploração. Ordem da Direcção nº 6. Regulamento dos Maquinistas e fogueiros. CNCF. Exploração. Ordem da Direcção nº 8. Regulamento de Capatazes e assentadores de Via. Lisboa. 1890; CNCF. Exploração. Ordem da Direcção nº 9. Regulamento de Uniformes. Lisboa s/d;
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junto de normativos através dos quais organizava o serviço ferroviário nas suas múltiplas vertentes. A «Organização geral dos serviços da linha do Tua»
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definia
25 Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Linha de Foz Tua a Mirandela. Exploração. Ordem da Direcção nº 4.Organização Geral dos Serviços da Linha. Lisboa. 1887
em traços gerais o organograma da empresa, com o Conselho de Administração (em Lisboa), com os seus serviços administrativos e uma Direcção de Exploração (em Mirandela), com toda a componente técnica da empresa. Esta detinha um conjunto de serviços de staff (Contabilidade, Fiscalização e Estatística; Secretaria; Armazéns e Serviços de Saúde) e três grandes ser-
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viços que absorviam a maioria dos ferroviários: o Movimento e Tráfego, que organizava e geria o serviço de comboios e estações, o Material e Tracção, que tinha a seu cargo a condução, conservação e reparação do material circulante, e o Serviço de Via e Obras com a conservação da via, edifícios, instalações, túneis, aquedutos e estruturas metálicas. O serviço apresentava composições de comboios mistos (passageiros e mercadorias), correios e mercadorias. Os horários previam a realização de comboios suplementares. A estação do Tua do Caminho de Ferro do Minho e Douro era comum à estação de Foz Tua da CN. Os «serviços de transmissão» eram objecto de uma contabilidade própria, que as administrações acertavam com regularidade.26 As oficinas da CN estavam montadas em Viseu e em Mirandela. Em 1915, as de Mirandela detinham um conjunto de máquinas ferramentas que lhe permitiam executar com grande autonomia os trabalhos de conservação do material circulante, mas também, executar trabalhos de construção de vagões e a montagem de veículos adquiridos no exterior. O material era periodicamente submetido a revisões, de acordo com o número de quilómetros efetuados. As grandes reparações das locomotivas, que incluíam as caldeiras, caixas de fogo, chapas tubulares, tubos de fumos, substituição de escoras e de chapas das fornalhas, enchimentos de eixos e retificação de moentes e bielas, eram os que se executavam nas «oficinas gerais». Um outro trabalho que absorvia muitas horas de máquina, era as retificações dos rodados e dos aros das locomotivas, em tornos de rodas de grandes dimensões, recorrendo-se depois ao endurecimento das superfícies trabalhadas, através de técnicas de cementação. As pequenas reparações faziam-se no «depósito» de locomotivas. O conjunto do equipamento era movido por um grupo de vapor fixo (tipo Pantin), que transmitia o movimento através de tambores montados em eixos, dos quais partiam as correias de transmissão para as máquinas ferramentas.27 As grandes repa26 Contrato celebrado entre a Direcção dos Caminhos de Ferro do Minho e Douro e a Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, exploradora da Linha de Foz-Tua a Mirandela, para a execução do serviço comum e combinado da exploração dos dois Caminhos de Ferro. Lisboa. 8/06/1910. 27 Direcção Fiscal dos Caminhos de Ferro. Relatório dos Serviços. Divisão Fiscal de Material e Tracção em 1915.
rações de locomotivas exigiam provas de experiência na via, conduzida pelo pessoal da oficina. Após a reparação de uma caldeira, esta era submetida a provas hidráulicas, na presença de um fiscal da Repartição de Caminhos de Ferro. Na secção de Ferraria, existiam quatro forjas, das quais duas eram acionadas por foles de mão, estando as restantes ligadas a um sistema de ventilação. O material circulante apresentava um total de vinte e oito carruagens, das quais três estavam equipadas com «bogies».28 Existiam treze carruagens de 3ª classe, das quais cinco estavam equipadas com guarita e sistema de frenagem manual com o recurso a um guarda-freio.29 Em relação aos furgões e vagões havia um total de cento e cinco veículos, de diversos tipos,30 estando estacionados em Mirandela dois vagões socorro e um vagão-guindaste.31 Quanto ao material motor registavam-se dez locomotivas-tender, com três rodados conjugados e uma roda livre à frente, para o serviço entre Foz Tua e Bragança, havendo máquinas de reserva nas estações do Tua, Mirandela e Bragança com o pessoal titular das mesmas.32 Em 1915, com os problemas da guerra o preço do carvão inglês disparou, levando a CN a adotar a mistura do mesmo com antracites de São Pedro da Cova e mais tarde, com o recurso à queima de lenha.33 28 «Bogie» conjunto de quatro rodados, solidários entre si, onde a carruagem descarregava o seu peso e que equipavam o material mais moderno, permitindo uma maior extensão do veículo, uma melhor inscrição nas curvas e um transporte mais suave, devido ao sistema de molas com que estavam dotados. Uma carruagem de «bogies» era portadora de dois conjuntos. 29 As carruagens repartiam-se por um salão; uma de 1ª classe com «coupé» leito; duas de 1ª classe; quatro de 1ª e 2ª classes, sendo três com «bogies»; cinco de 2ª classe; duas ambulâncias para os correios e treze de 3ª classe. 30 Vagões fechados, de bordas baixas, de bordas altas, seis furgões e dois vagões J (fechados) de socorro. Aproximadamente metade destes veículos possuía freios de vácuo. 31 Nos finais dos anos 20, mais de metade das carruagens em serviço nas linhas portuguesas, eram iluminadas a óleo. 32 No material a vapor as equipas de condução (maquinista e fogueiro) estavam distribuídas por locomotiva, sendo titulares da mesma. Esta situação terminou com a dieselização. 33 A partir de 1917, quando se vulgarizou o emprego da lenha, só na linha ascendente se utilizava lenha misturada com algum carvão inglês. v/ Relatório Fiscalização de 1917. Em 1920 o carvão inglês só era utilizado nos trabalhos oficinais (forja e fundição), consumindo a tracção lenha de pinho. De igual modo, agravando ainda mais os preços do carvão, era a situação de carga e descarga no Douro, anteriores à construção do porto de Leixões. Na Alfândega do Porto, perante a inexistência de
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Em finais dos anos 40, a maior parte das locomotivas a vapor nas redes portuguesas tinha mais de 40 anos de atividade e uma percentagem significativa tinha mais de 50 anos. O material da CN não fugia à regra, com todas as restrições e custos consequentes.34 As locomotivas tomavam água35 em nove estações, sendo na estação do Tua fornecida pelos Caminhos de Ferro do Minho e Douro. As águas provinham de poços, nascentes e do próprio rio Tua, armazenando-se em reservatório cilíndricos de ferro através de diversos sistemas (bombas manuais, pulsómetros, grupos moto-bomba e por gravidade). Os problemas surgiam no Verão e geralmente nos meses de maiores percursos. O abastecimento de água às locomotivas sempre foi um motivo de preocupação. Em Mirandela, com a insuficiência das águas do primitivo poço, começou a recorrer-se às águas turbulentas do Tua, com os inevitáveis problemas de impurezas e incrustações nas caldeiras, elevando o seu aquecimento e exigindo lavagens periódicas das mesmas. Nos anos 30, a CN, perante a conjuntura adversa da concorrência da camionagem, dos preços do carvão e da alta de preços dos materiais, ensaiou as primeiras medidas de «exploração económica»36. A partir de 1935 fizeram-se cortes no pessoal dos «partidos» da conservação, o que na prática significou que esta passou a responder a reparações parciais e imprevistas.37 Com o sistema de balastragem adoptado (em «banqueta», rasando a cabeça instalações, o carvão era armazenado em barcaças no Douro. 34 Nos anos 40, a situação do parque motor ferroviário era de tal modo dramática que, apesar de se firmarem encomendas de material diesel nos Estados Unidos e Suécia, foi necessário adquirir locomotivas a vapor para as redes de via larga. A CN possuía uma locomotiva diesel desde os anos 30, que não tinha impacto na exploração. Em 31/12/44, a empresa detinha nas suas linhas16 locomotivas a vapor: 12 com mais de 50 anos, 2 entre 30 e 40 e outras 2, entre 30 e os 40 anos. AHTT. DGCF. Elementos diversos, sobrantes dos concursos organizados para a aquisição de material circulante de via larga e via estreita. Peças escritas. 1945/47. 35 O abastecimento de água às locomotivas e às estações era um problema de complexa solução. Para as locomotivas a água não podia faltar e tinha de deter uma composição que não afetasse as caldeiras. Para as estações e habitação dos ferroviários a solução foi colocar contadores por utilizador, porque para além do uso doméstico, havia enormes consumos na rega das hortas e quintais dos ferroviários. A partir dos anos 40/50 generalizou-se o abastecimento de águas às estações através das redes municipais. 36 A «exploração económica» foi uma solução ensaiada em linhas de fraco tráfego, que passava por medidas que incluíam a simplificação dos regulamentos, a alteração da gestão do tráfego cujo avanço do comboio era dado pelo condutor em vez de pelo chefe da estação, bem como, pelo desguarnecimento de estações. 37 Na ocorrência de trabalhos imprevistos recorria-se à contratação de tarefeiros.
do carril), agravava-se o ataque do balastro (terra e saibro) aos materiais metálicos da via, incluindo carris, material de ligação («eclisses»), tirefonds e os respetivos parafusos de fixação. 38 Outro dos problemas que se colocava era a necessidade de substituição periódica de travessas. Na generalidade as travessas de pinho eram utilizadas nos alinhamentos retos, reservando-se as travessas de carvalho e eucalipto para as curvas, cruzamentos e pontes. Todas elas tinham de ser creosotadas.39 Nos anos 40, os relatórios da Via e Obras referem sistematicamente a necessidade de substituição de carris nas curvas, nos cruzamentos e nos resguardos das estações. Até finais dos anos 40, nunca a linha de Tua a Bragança fora objecto de trabalhos de renovação sistemática, sendo normal que os carris apresentassem desgaste apreciável passados quase 60 anos de utilização.40 Os trabalhos de conservação da via eram na generalidade executados duas vezes por ano, em especial a pregação dos carris às travessas, que decorria no início do tempo quente e nas primeiras chuvas, de modo a anular os problemas das dilatações. A partir do período das chuvas, a atenção da Via e Obras concentrava-se na vigilância das trincheiras, na consolidação dos muros de suporte, na instabilidade das grandes massas de pedra que ladeavam a linha, em especial nos primeiros quilómetros. Os frequentes desabamentos tornavam necessário a existência em depósito de dinamite, para poder acorrer a ações preventivas de desmonte e à movimentação das rochas nos desabamentos. A companhia construiu junto à linha, no sentido de Bragança, um paiol para guardar a dinamite, mechas e rastilhos para as operações de emergência.
38 Relatório sobre o estado geral da linha. Obras e plano geral das obras e realizar para 1947. REFER, DP, Linha do Tua. Generalidades. Proc. 6. 39 Colocadas em estufas onde eram impregnadas de creosote, de modo a aguentarem as intempéries. Em 1946 existia uma instalação de creosotagem em Mirandela, ainda que deteriorada. 40 Na linha de Tua a Mirandela os carris tinham 20 kg/metro, com um comprimento de 6metros, tendo sido fornecidos pela empresa B. Y. Bochum (1886). Na secção de Mirandela a Bragança os carris pesavam 20 kg /metro, com um comprimento de 8 metros, sendo fornecidos pela empresa J. Cockrill. REFER, DP, Linha do Tua. Generalidades. Proc. 6.
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3. A ESTAÇÃO DE MIRANDELA EM 1947 O território da estação, ou o que dele hoje resta, é constituído pelo conjunto de equipamentos e edifícios do período em que foi suspensa a circulação. Há que ter presente numa empresa ferroviária em que o modo de tração configura a morfologia das instalações, bem como, o conjunto ferroviário cresce de forma gradual, de modo a responder a solicitações concretas da exploração. Algumas das características dos conjuntos ferroviários passam pelo seu crescimento lento e orgânico, provisoriamente duradouro e são detentores de um grau de reaproveitamento intenso. A abertura à exploração é sempre provisória, como provisórias são, durante muitos anos, as milhentas barracas de madeira que polvilham as estações. Numa empresa ferroviária tudo se reaproveita, desde os carris que são reutilizados como postes, às travessas de madeira reaplicadas na construção de barracas ou aos «tubos de fumo» das caldeiras que uma vez substituídos servem para vedações. O território da estação é um espaço funcionalmente amadurecido e onde coabitam tipos de utilizadores de perfis diversos, daí que a sua utilização seja conflitual e tenha que ser permanentemente regulado.41 A estação é um espaço centrípeto do tecido urbano (a rua da estação), na localização de serviços de apoio (casas de pasto e hospedarias), bem como, na geração de uma primitiva rede logística que se instalou no seu perímetro, da qual, são exemplo em Mirandela, a Companhia União Fabril e a Vacuum Oil. Observe-se o lay out do espaço ferroviário de Mirandela em 1947. A estação delimita-se pelos seus «discos»: o Disco 1, do lado de Tua (km 53,724,50) e o Disco 2, na saída para Bragança (ao km 54,500,0),42 numa faixa de terreno ao longo aproximadamente de 770 metros de comprimento, e com uma largura máxima de 150 a 170 metros. A linha (em via única) que entra na estação (linha I), vinda do Tua corta a estada nacional nº 213 (EN 213), e atravessa todo o conjunto da estação, constituindo o principal eixo de circulação (linha designada por «direta») do conjunto ferroviário.
41 Gomes, Gilberto. Ao longo dos rios, a caminho do mar. Notas sobre a estação ferroviária da Covilhã na Linha da Beira Baixa. in Monumentos. Cidades. Património. Reabilitação, nº 29, Julho de 2009. IHRU. 42 Os «discos» funcionavam como as «portas» de segurança de entrada/saída da estação.
Socorramo-nos do edifício de passageiros (EP) para ordenar o conjunto e as suas instalações. O alçado da estação virado para a EN 213 é o alçado sul, ficando o alçado norte, virado para a linha férrea e para o núcleo antigo da povoação. À esquerda do EP apresentava-se um pequeno jardim contíguo às instalações sanitárias, seguido das instalações da Divisão de Abastecimentos43 e casas de habitação de pessoal. À esquerda deste conjunto, até à passagem de nível (PN), existia um terreno desobstruído, com um reservatório de água em ferro, de 100 m3 de capacidade, para abastecimento das máquinas, e que primitivamente foi abastecido a partir do rio Tua.44 Junto à linha I, do lado esquerdo do EP, ficava a toma de água (ou grua) para abastecimento das locomotivas das composições com destino ao Douro. O feixe de linhas ramificava-se num total de vinte, com funções diversas. A linha I corria ao longo do cais de passageiros. As linhas II, III e IV, designadas por linhas de «resguardo», situavam-se paralelas à linha principal. A linha II funcionava como alternativa ao cruzamento de comboios, reservando-se as linhas III e IV para parqueamento de composições e formação de comboios.45 Entre as linhas II e III existia um cais de passageiros. À direita da estação existiam diversas instalações (cozinha, sanitários e uma casa de habitação), seguindo-se a zona reservada às mercadorias (grande e pequena velocidade) com os seus cais descoberto e coberto, onde existia uma balança de 2.000 kg. O conjunto do cais era servido pela linha nº V, designada por «linha de cais», com capacidade para onze vagões e equipada com uma báscula de 20 toneladas e um gabarit fixo.46 Do lado esquerdo do conjunto, a norte da linha I, derivavam duas «linhas saco» (linhas VI e VII) que vinham morrer junto ao muro de vedação que contornava a EN 213, junto à PN (Km. 53,955) no sentido do Douro. Na linha VI resguardavam-se os vagões 43 Antiga «cocheira» de carruagens. 44 Com duas bombas (pulsómetros), movidos com o vapor fornecido pela locomotiva de reserva na estação. 45 Não esqueçamos a importância de Mirandela como estação geradora e receptora de tráfego, logo, com uma grande necessidade de linhas para a organização dos comboios de mercadorias. As linhas III e IV tinham um comprimento útil de 213 metros, permitindo resguardar vinte e seis vagões, respectivamente. 46 O gabarit definia para os vagões de caixa aberta o volume admissível de carga que podia circular no «canal ferroviário».
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cisternas da Vacuum Oil que abasteciam o reservatório47 localizado na berma da estrada, frente às instalações da Divisão de Abastecimentos. Do lado direito da estação, junto à linha I, localizava-se uma nova toma de água, para as composições ascendentes. À direita do cais coberto, no sentido de Bragança, encontravam-se as oficinas do Material e Tracção, servidas por onze linhas (nºs VIII a linha XVIII), que davam acesso ao «depósito»48 de planta retangular, bem como, a uma placa manual, de seis metros de diâmetro, para inversão e encaminhamento do material.49 Tanto as oficinas como o depósito tinham diques para as inspeções («visitas») aos rodados e leitos do material circulante. Entre as linhas VIII e IX, à entrada do depósito, localizavase uma terceira toma de água. A norte do feixe principal das linhas I a IV, frente ao edifício de passageiros, ficavam as oficinas de Via e Obras (escritório, ferramentaria, cozinha do pessoal e dormitório da secção), capoeiras e hortas dos ferroviários, Viveiro da Via e Obras, de plantas, arbustos e espécies arbóreas, necessárias à consolidação de terrenos.50 Perto do depósito situavam-se duas carvoeiras para abastecimento das locomotivas e, entre elas, uma antiga torre de reservatório de água. Múltiplas guaritas em madeira, junto às agulhas (em número de quinze), serviam de apoio e resguardo aos agulheiros. A estação tinha um vagão-guindaste que podia elevar pesos até 5 toneladas.
grades de cimento, de modo a proteger os equipamentos e as mercadorias, chegadas ou a aguardar remessa. Do lado de Bragança acedia-se às linhas XIX e XX, do ramal particular da Companhia União Fabril (CUF), que davam acesso ao armazém de adubos e à Fábrica de Azeite e Extracção de Óleos. Nas suas linhas podiam resguardar-se vinte e três veículos que recebiam os produtos das fábricas do Barreiro, Lisboa, Alferrarede, Canas de Senhorim, Soure, Porto ou de Gaia e, pelas quais se expedia, em vagão - completo, a produção da fábrica de Mirandela.51 Após a II Guerra Mundial, a comunidade ferroviária de Mirandela diversificava-se em múltiplas funções. Havia um grupo ligado ao tráfego da estação: chefe de estação, factores, telegrafista, fiéis de armazém, guarda, agulheiros, guarda-freios e carregadores. Um segundo grupo dizia respeito aos serviços administrativos da Direcção de Exploração, instalada no 1º andar do EP – amanuenses, escriturários, tesoureiro e pagador. Seguiam-se os agentes e operários da Via e Obras e do Material e Tracção. O Serviço de Saúde estava instalado no r/c do EP, onde funcionou também uma cooperativa do pessoal. Em Mirandela, entre agentes e operários dos diversos serviços, o seu total andaria pelos setenta e cinco (desde o pessoal braçal, ao graduado e ao pessoal superior – inspetores 52 e subchefes). Se multiplicarmos os agregados familiares por três, ou quatro, poderemos obter, com alguma margem de erro, os contornos da comunidade ferroviária neste local.53
Todo o conjunto da estação era guarnecido por um muro com
Um problema que sempre se arrastou nos centros ferroviários foi o da habitação que as empresas deviam fornecer ao pessoal ligado à Exploração. Em 1947, notava-se a falta de dez habitações, para acabar com a situação do pessoal braçal a dormir pelas dependên-
47 A Socony – Vauum Oil Company, Inc. fazia a distribuição de petróleo, gasolina e gasóleo a partir das suas instalações. 48 Antiga «cocheira» de locomotivas. 49 Oficinas de Carpintaria, Forjas, Montagem, Fundição, Revisão do Material e Pintura. 50 Foi necessário chegar ao final do séc. XX para a moderna engenharia civil encontrar soluções de consolidação de barreiras. Na linha do Tua, as abruptas encostas graníticas sobre a linha provocavam periodicamente acidentes, com a queda de enormes pedras sobre a linha e sobre os comboios, chegando a provocar a queda de composições ao rio.
51 O ramal «Mirandela-CUF» foi objecto de um contrato em 21/08/1925, assinado por parte da CUF, pelo seu Administrador Gerente, Alfredo da Silva. Com o desaparecimento da CN o contrato foi renovado com a CP em 17/09/48 (Contrato nº 1.417). 52 A figura do «inspector» correspondia a uma categoria profissional prestigiada, a que um ferroviário sem estudos académicos podia aspirar após um percurso profissional com provas dadas. A partir dos anos 50, as suas funções foram sendo ocupadas por agentes técnicos e engenheiros. 53 Em Mirandela, em 1949, a Exploração tinha 20 agentes ao serviço, a Via e Obras detinha 14, enquanto a Tracção (operários, maquinistas e fogueiros) apresentava 41. A comunidade ferroviária deveria andar aproximadamente por 200 a 250 pessoas.
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cias dos cais. Naquela data existiam oito casas e «residências» de alvenaria, distribuídas por diversos agentes. Paralelamente, contavam-se dois dormitórios, um para o pessoal de «Trens e Revisão» e outro para o pessoal braçal.54 O edifício de passageiros era onde se albergavam muitos dos agentes da empresa. O 1º andar do lado sul e águas furtadas, tinha sido a residência do Inspector Rocha.55 O 2º andar do corpo central era habitado pelo Inspector Quita, da Fiscalização. No 3º andar do corpo central habitava o Factor José Augusto Troca. Ainda no rés-do-chão do corpo central existiam dois quartos para pessoal graduado (solteiro ou destacado). No 1º andar e águas - furtadas do lado norte, vivia o Chefe Pinto, titular da estação. Posteriormente, no cais coberto, instalou-se mais um dormitório e uma residência. A partir dos anos 40/50, a par dos problemas da falta de habitações, juntava-se a necessidade de ligar as estações às redes de água, de saneamento e de energia elétrica, que a vila disponibilizou.
4. OS ANOS 30/40: PERSISTÊNCIAS E RUTURAS Chegados aos anos 30, as empresas ferroviárias europeias conheceram a sobreposição da crise da economia ocidental com um novo e avassalador problema – a concorrência automóvel. Entre nós, no sector dos transportes, dois acontecimentos marcaram a gestão do poder saído do golpe militar de 28 de Maio de 1926: o arrendamento dos Caminhos de Ferro do Estado e a criação da Junta Autónoma de Estradas, ambos de 1927. A fuga do tráfego do caminho-de-ferro, de mercadorias e passageiros, tem de ser confrontada com esta nova realidade. As breves retomas do tráfego ferroviário, durante os anos 30/40 foram sempre consequência de situações conjunturais (Guerra Civil de Espanha, II Guerra Mundial, falta de combustíveis…) e, jamais de estratégias que invertessem a situação. Foi neste contexto de crise, com flutuações das receitas e das despesas, com agravamentos sucessivos dos deficits, que chegamos ao fim da II Guerra Mundial, em que os tráfegos voltaram a cair para os patamares de meados dos anos 30. 54 O primeiro tinha quatro quartos e uma cozinha, enquanto o segundo tinha um único quarto e uma cozinha. REFER, DP, Linha do Tua, Mirandela, Proc.17. 55 Aníbal Rocha foi Inspector da CN, do Serviço de Movimento em Mirandela. Idem.
É no número de veículos automóveis registados anualmente, em especial a partir de 1927, que se tem a perceção da profunda alteração que se iria sentir no quadro da mobilidade.56 Em 1931, Mirandela detinha 38 automóveis, mas já apresentava 28 veículos pesados. Em 1938, existiam carreiras regulares entre Mirandela e Murça (e de Murça para Vila Real e Alijó), entre o Cachão e a estação do Tua, entre Mirandela e Torre de D. Chama e entre Mirandela e Chaves.57 E, foi nesta malha de crescimento exponencial, que os transportes rodoviários, de passageiros e mistos, independentes ou afluentes do caminhode-ferro, (o designado «serviço combinado») apresentavam novas soluções de transporte, mais rápido, mais cómodo, mais democrático.58 Mesmo assim, convém reter, a vantagem comparativa da CN a operar num território com uma baixa densidade de infra-estrutura rodoviária.59 A partir dos anos 20 começa a detetar-se no tecido empresarial de Mirandela uma gama de novos serviços e de empresas que preanunciavam o futuro. Em 1920, Mirandela já apresentava uma «praça» de automóveis de aluguer,60 enquanto na região, muitas das ligações ainda se faziam por diligência.61 Em 1930, já existiam carreiras diárias de automóveis para Chaves, Vale de Passos e Torre de D. Chama, tendo crescido o contingente da «praça» de carros de aluguer.62 Na mesma data, a vila já possuía
56 Estavam registados 7.617 veículos automóveis em 1920 e 37.564 em 1930. Conselho Superior de Viação. Relatório de 1931,pp. 20. 57 Carreiras de Automóveis. Serviços Públicos. Guia. Edição do Grémio dos Industriais de Transportes em Automóveis. Lisboa. 1938, pp. 253-279. 58 As velocidades comerciais dos comboios rapidamente foram ultrapassadas a partir do momento que a JAE começou a construir estradas adequadas aos novos veículos, preparadas para novas cargas e com o recurso a soluções de pavimentação durável. O material circulante que chegou até aos anos 40 era na sua maioria, inadequado, pouco cómodo e fiável (a começar pelas carruagens cujas caixas eram em madeira). A camionagem, para além da enorme vantagem de ir ao centro das povoações, não tinha classes. Se juntarmos a estes predicados as tarifas praticadas, percebe-se a fuga do tráfego. 59 No início da exploração da linha Tua a Mirandela, só detectamos a existência de uma passagem de nível com guarda. A explicação só pode ser uma – a inexistência de estradas. 60 Automóveis de aluguer de Augusto César Ribeiro, Clemente de Sá Pinto e José Maria Teixeira. Anuário Comercial de Portugal. Ano de 1920. Vol. III, pp. 2686. 61 Em 1920. Mirandela tinha carreiras diárias de diligência para Chaves, Vale Passos e Torre de D. Chama. Idem. 62 Em 1930 a «praça» já apresentava um contingente de sete alvarás (António Joaquim Mota, António Pereira, Artur Pereira, Clemente de Sá Pinto, Empresa de Transportes Mecânicos, João Alves e Álvaro Moreno & Cª.). Idem, 1930
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um estabelecimento de venda e reparações de automóveis,63 dois postos fixos de venda de gasolina64 e, na freguesia de Torre de D. Chama operava uma empresa de transportes.65 Em 1940, registavam-se no concelho, empresas de camionagem em Avidágos,66 Lamas de Orelhão67 e Torre de D. Chama.68 Feiras, mercados e romarias da região eram o pretexto para a oferta de transportes de passageiros e mercadorias por parte da CN em concorrência com as empresas de camionagem.69 Em meados dos anos 30, a CN apresentava uma situação «pouco satisfatória…diremos mesmo um tanto crítica».70 A situação que o seu Conselho atribuía ao nefasto contrato de subarrendamento das linhas do Estado71 levava a empresa a acumular deficits, apesar da aplicação de sobretaxas nas tarifas. A partir de 1937 foi a vez da «rede própria» (linhas de Viseu e de Bragança) apresentarem deficits de exploração consecutivos, apesar da forte compressão da despesa que, numa empresa de transportes significou sempre cortar na conservação, manutenção, na redução de pessoal e inexistência de investimento. Tudo isto num quadro, em que se elegeu o Estado como responsável pelas condições do «arrendamento» da sua rede e, simultaneamente, se atribuía ao transporte rodoviário os problemas do sector.72 Foi neste con63 A empresa Álvaro Moreno & Cª. acumulava a venda, com a reparação e o aluguer. Idem, 1930. 64 Em 1930, em Mirandela, existiam dois representantes de duas empresas do sector: A Shell tinha como agente a firma Simão Costa & Filho e a Vacuum Oil tinha como seu revendedor a firma comercial Rocha & Almeida. Idem, 1930 65 A Auto Viação com a Gerência de António Gonçalves. Idem, 1930. 66 Camioneta de aluguer de João Pedro Rafael & Irmão. 67 Camionetas de Passageiros de Agostinho Rafael (Herd.). 68 Com duas garagens de automóveis (Alberto Piloto e a Auto Viação Transmontana Limitada), venda de combustíveis (António Gonçalves) e transportadores de mercadorias (Alberto Piloto, António C. Pinheiro, Francisco A. Pinheiro, João B. Miranda e Júlio C. Miranda). Idem, 1940. 69 Tanto os horários dos comboios como das empresas de camionagem anunciavam serviços para as feiras de gado de Mirandela a 3, 14 e 25 de cada mês, como para os mercados às quartas e domingos, assim como, para a grande romaria de N. S. do Amparo no primeiro domingo de Agosto. A oferta destes serviços repercutia-se a nível das freguesias do concelho. 70 Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatório de 1935. Lisboa. 1936, pp. 5. 71 Em 1928, perante a «falta de vocação» da CP, arrendatária dos Caminhos de Ferro do Estado, para a exploração da via estreita a CN subarrendou a linha do Vale do Corgo e do Vale do Sabor. v/ Termo de contrato de trespasse para a Companhia Nacional de Caminho de Ferro das linhas do Vale do Corgo (Régua a Chaves), do Vale do Sabor (Pocinho a Miranda) e de Régua a Vila Franca das Naves em construção. 27 de Janeiro de 1928. 72 O transporte rodoviário apresentava-se nesta fase inicial muito desregulado, ferozmente concorrencial, sedeado em pequenas empresas familiares, logo de custos fixos muito reduzidos e, não tinha a seu cargo a responsabilidade da infra-estrutura,
texto, de redução da atividade económica e na intensa concorrência de um polvilhar de minúsculas empresas73 que as companhias ferroviárias tiveram que arranjar, ou não, soluções para os problemas que enfrentavam. A contenção de custos, com as medidas já enunciadas, amenizou logicamente os números dos balancetes, mas provocou a degradação das condições de exploração e, a médio prazo, acarretou o agravamento dos custos de conservação, tanto na Via e Obras como na Tracção. Da panóplia de propostas inventariadas, a redução das despesas e a utilização de automotoras, acabaram por gerar efeitos de sinal contrário. A não renovação da via, com cortes no pessoal, remeteu os trabalhos de conservação para situações de emergência. A adoção de automotoras, cujo processo transitou para a CP, acabou por ter penalizações de velocidade, devido ao estado decrépito da via. Desde finais dos anos 30, a CN, tal como as restantes empresas ferroviárias portuguesas, aguardavam as soluções, que segundo o Relatório de 1940 «só o Estado pode pôr em acção».74 Em 1945, com a Lei 2008 – Coordenação dos Transportes Terrestres, desenhou-se uma solução para «o problema ferroviário português», adoptando-se a concentração de todas as empresas ferroviárias numa única empresa – A CP, que a partir de Janeiro de 1947 iniciou a exploração conjunta da rede, sendo-lhe atribuído o contrato da Concessão Única em 1951.75 Colocava-se à CN, como às restantes empresas, a opção de um resgate das linhas feito pelo Estado, em alternativa, à venda das suas concessões a uma entidade ferroviária ou à entrada da Companhia numa nova entidade a constituir, em cujo capital participaria com os seus activos e passivos. A CN partiu para esta negociação demasiado fragilizada pela nem as obrigações do transporte ferroviário. 73 As empresas de camionagem criaram o seu espaço próprio e a sua força de pressão através do Grémio dos Industriais de Transportes em Automóveis. V/ os debates da Assembleia da República na discussão da Lei 2008. 74 Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, Relatório de 1940. Lisboa. 1941, pp. 6. 75 A única excepção foi a Sociedade Estoril, onde pontificava a figura incontornável de Fausto Cardoso de Figueiredo.
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dívida acumulada do serviço combinada com a CP.76 A solução encontrada, de venda das suas concessões à CP, cujo protocolo foi assinado em 15 de Maio de 1946, fixou na sua Base II, o valor da transação em 19.000 contos, assumindo a CP os encargos de amortização e pagamento de juros das obrigações em circulação da CN, 77 num total de 23.385 contos. Com esta solução, mais barata do que o desembolso a que obrigaria o resgate das linhas, calculado em 24.449 contos, a CP fez o encontro de contas pelo remanescente de 8.385 contos.78
5. CONCLUSÃO Aproximadamente vinte e cinco anos após a «suspensão de pagamentos» da CR em 1867, após as dificuldades do Estado Português em negociar o empréstimo de 1869,79 obrigado a contemplar as reivindicações das empresas ferroviárias de capital estrangeiro, chegamos à crise de 1891 com a persistência de erros e aplicação de modelos de financiamento que desde meados do século XIX mostravam a evidência do seu insucesso. A década de oitenta, do período oitocentista, é o exemplo da prática da partilha dos negócios pelas elites financeiras dominantes, como notava Eça de Queirós, ao identificar os que se sentavam «à mesa do Orçamento». Para além da evidência do «negócio» ferroviário se circunscrever à construção, é importante compreender que o sistema de emissão de obrigações empurrava subtilmente o Estado para uma responsabilidade que formalmente era dos acionistas. Claro que, ontem tal como hoje, as situações são bem diferentes, consoante os credores são nacionais ou estrangeiros. Interessa ainda registar, para além do «cerco» montado pelas empresas concessionárias, o sentido das alterações legislativas que conferiam às empresas ferroviárias um estatuto de exceção, 76 Em 31/12/1945 a dívida do «serviço combinado» da CN com a CP era cerca de 15.000 contos. 77 Em 30/06/1946 os encargos das obrigações em circulação totalizavam 4.385 contos. 78 Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Relatório da Comissão de Accionistas nomeada pela Assembleia Geral Extraordinária em sessão de 17 de Julho de 1946. 79 Negociado pelo Ministro da Fazenda, Conde de Samodães com a Casa Stern.
pela prestação de um serviço público, ao abrigo do qual, ficavam salvaguardadas da simples acção de uma penhora. Assim, afigura-se-nos importante o estudo comparativo dos custos de transporte regionais, entre a tracção animal articulada ao tráfego do Douro, com a introdução do caminho-de-ferro, cujas tarifas na generalidade eram caras e, posteriormente, o comportamento do mercado com o aparecimento da camionagem. Associado a cada modo de transporte há uma morfologia de instalações e equipamentos cujo inventário é de primordial importância para a interpretação do território. A construção da linha do Tua, provavelmente a mais expressiva linha de montanha em Portugal, apresentou problemas construtivos complexos. Contudo, no período da sua construção, o país já detinha o «saber fazer» da cadeia do transporte ferroviário. A CN era uma pequena empresa ferroviária a operar em linhas de via métrica, geograficamente separadas e afluentes da rede principal. Utilizou basicamente a tracção a vapor e manteve, no caso do Tua, uma matriz de exploração tipo vaivém («navete»), estabelecendo correspondência na estação do Tua, com os comboios da linha do Douro. Se comparamos os itinerários dos comboios de início da exploração, com o final dos anos 20, ou o final dos anos 40, rapidamente constatamos que não houve inovação no sistema de exploração. No itinerário de 1946, alguns comboios acabam por ser mais rápidos, apresentando-se o paradigma da velocidade totalmente desintegrado das restantes variáveis da exploração. Sem capacidade de investimento a empresa cortou na despesa e aguardou pela solução do Estado. As estações de transmissão, em especial as que agregavam vias de bitola diferente, caso da estação do Tua, jamais conseguiram resolver os problemas base da sua operacionalidade. Mesmo após a integração na CP, nunca as estações de transmissão foram dotadas de equipamentos que permitissem o transbordo fácil, não onerado das mercadorias.80 A CN, sempre se bateu por um projecto através do qual fosse 80 Nos anos 80 do séc. XX, a inexistência de batata nos mercados de Lisboa e Porto, enquanto a mesma apodrecia em Trás- os -Montes é o exemplo da falta de equipamentos nas estações. Em sentido contrário, nas linhas ascendentes, as empresas adubeiras que davam os primeiros passos na paletização dos adubos, viam-se confrontadas com problemas acrescidos no transbordo das cargas.
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possível estabelecer uma ligação da sua rede (caso de Viseu ao Tua), de modo a beneficiar das economias de escala. Só que a partir de finais dos anos vinte a «revolução da estrada» veio comprometer os projectos de expansão da rede portuguesa.81 A 1 de Janeiro de 1947, a CP iniciou a exploração conjunta de toda a rede portuguesa. A linha do Tua, tal como as restantes, foi integrada numa empresa, que vinte anos antes tinha abdicado de explorar a via estreita. Independentemente das carências do estado da via e do material circulante envelhecido, conviria aprofundar o processo de transferência para a CP, a começar pela integração do pessoal da CN. Como se processou? Em que condições? De que forma? De igual modo, convinha fazer um balanço dos problemas pendentes da CN e tentar compreender como foram solucionados, ou não, pela nova concessionária. Decorrente das bases estabelecidas na lei 2008, a solução a adotar poderia ter sido diferente, aliás, como aconteceu noutros países europeus. A integração numa única e grande empresa, como a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, era simultaneamente, uma aposta e um risco. Sabemos hoje que o risco se sobrepôs. Desde os anos 60, que a CP começou a elaborar estudos de mercado que justificassem o encerramento de uma boa parte da sua rede, de ramais e linhas secundárias.
GILBERTO GOMES
Investigador na área de história dos transportes.
BIBLIOGRAFIA Carneiro, Adolfo Cirilo de Sousa, A Bancocracia. Informações selectas a respeito dos bancos e suas gerências em Portugal, Porto, Imprensa Comercial, 1907. Conde de Paço Vieira. Caminhos de Ferro Portugueses. Subsídios para a sua história, Lisboa, 1905. Cordeiro, J. A. da Silva, A crise em seus aspectos morais; introdução a uma biblioteca de psicologia e colectiva, Coimbra, França Amado, 1896. Guia de Portugal, Vol. V, Trás-os-Montes e Alto-Douro. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2ª edição, 1988. Pimentel, Frederico, Apontamentos para a história dos caminhos-de-ferro portugueses, Lisboa, Tipografia Universal, 1892. Sequeira, Vítor Duro, Guia do Maquinista e do Fogueiro de Locomotivas. Caminhos de Ferro do Estado, Direcção do Minho e Douro, Lisboa, 1923. Trigo, Mário Dias, Subsídios para a história dos caminhos-de-ferro em Portugal (1926 – 1934), Lisboa, 1935. Publicações periódicas Anuário Comercial de Portugal. Lisboa, (Diversos anos) Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Itinerário dos comboios. Lisboa, (Diversos anos). Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Relatórios apresentado à Assembleia Geral Ordinária. Lisboa, (Diversos anos). Gazeta dos Caminhos de Ferro, (Artigos e números diversos). Relatório dos Serviços da Direcção Fiscal de Exploração de Caminhos de Ferro. Lisboa, (Diversos anos). Revista de Obras Públicas e Minas, Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, Lisboa, (Diversos anos) Arquivos Arquivo da CP, (Documentação diversa). Arquivo Histórico dos Transportes Terrestres. IMT, (Documentação e bibliografia diversa). Arquivos da REFER, Arquivo Técnico e do Património, (Documentação diversa). Créditos fotográficos
81 Em 1933, o Plano Ferroviário de 1927 foi simplesmente suspenso. Só avançou o que foi pago diretamente pelo Estado, o que não deixa de ser curioso, perante as motivações do «arrendamento» longamente justificadas pelo Eng. Fernando de Sousa.
Título de obrigação da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro. Col. Part. Lay out da estação de Mirandela em 1947. REFER. Arquivo Técnico.
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LINHA DO TUA: DOS DESENHOS DE ENGENHARIA ÀS FOTOGRAFIAS DE E. BIEL (1887) Mª Lurdes Martins, Graça Vasconcelos e Paulo Lourenço
O Governo Português começou a criar legislação referente à construção de ferrovias quando foi construída a primeira ligação férrea em Portugal, entre Lisboa e o Carregado. Esta medida tinha como objetivo auxiliar os engenheiros, nomeadamente os projetistas da linha do Tua, para a definição do projeto da linha do Tua com base em determinadas especificações técnicas. O Governo Português impôs condições técnicas para o projeto da linha do Tua entre Foz Tua e Mirandela relativas: ao tipo de bitola, declive do traçado, o raio da curva e da velocidade do comboio. Essas especificações foram publicadas em Abril de 1883 e consistem nos seguintes parâmetros (Coleção Oficial de Legislação Portuguesa do Ano de 1884): • • • • • •
Tipo de bitola: bitola métrica (largura da via de 1m); Limite máximo das inclinações: 0,018m por metro linear (18%o); Limite mínimo do intervalo reto entre uma curva e uma contracurva: 50m; Raio mínimo das curvas: 150m; Peso dos carris: 20Kg por metro linear; Velocidade máxima de circulação: 50Km/h.
A região do Tua apresenta aspetos paisagísticos e geotécnicos peculiares que dotam este local de uma beleza natural única, com apreciáveis encostas, desfiladeiros, precipícios, cascatas de água que rompem ao longo de penhascos de montanha. As margens do rio Tua são premiadas com a sombra de amieiros e salgueiros. O Tua é um dos poucos locais onde se pode ver o aspeto que Portugal tinha na pré-história, em termos de cobertura vegetal. A diferença de altitude é tão extrema que
em Foz-Tua pode estar enublado, aos 300m um nevoeiro denso com 5m de visibilidade, e aos 650m um sol radioso. O relevo é constituído por inúmeros vales onde se encaixam linhas de água que se ramificam conferindo uma morfologia peculiar representada por uma série de cabeços e de vales apertados. O troço de Foz Tua a Brunheda, de aproximadamente 20Km de extensão, apresenta-se como um vale encaixado, de aspeto agreste, ladeado por escarpas que chegam aos 676m. A Brunheda representa a transição entre um relevo íngreme para um relevo menos acidentado e mais suave. O traçado da linha férrea de Foz Tua a Mirandela não foi fácil de estabelecer, dadas as circunstâncias próprias do terreno, com a necessidade de atravessamento de maciços rochosos de montanha através de túneis, e falta ou inexistência mesmo, de acessos aos locais de construção. Em certas locais os acessos eram primitivos com um vasto terreno de vegetação densa com necessidade de desbastação. Como consequência da dificuldade das condições de relevo e acessos, o projeto de construção foi marcado por imensas alterações ao anteprojeto e ao projeto. Foram nos primeiros 21Km que as dificuldades construtivas foram inimagináveis, com a necessidade de transpor escarpas íngremes e desfiladeiros, cujas acessibilidades ao local de obra eram inexistentes, tendo sido necessário desbravar caminho por percursos sinuosos, e de executar um vasto número de muros de suporte para contenção. No parecer dos melhores técnicos, essa obra não é em nada inferior, a algumas vias helvéticas ou francesas dos Alpes. De acordo com os documentos em arquivo no Centro Nacional de Documentação Ferroviária, os primeiros 21Km da linha foram quase totalmente sustenta-
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dos por uma muralha, em cuja extensão constam 118 muros de suporte, todos de pedra de junta seca, formando um volume de 170.000m3 de alvenaria. O trabalho quer em planta quer em perfil foi extraordinariamente difícil, demonstrado pelo desenvolvimento em curva que atinge nesta parte metade da extensão do traçado, isto é 10.500m, sendo o restante percurso constituído por alinhamentos retos, o maior dos quais não chega a 500m. Acrescenta-se ainda que existia em toda a extensão dos 21Km de troço apenas um único caminho, que descia de Castanheiro do Norte a Barca do Tua, para que se pudesse aceder à futura linha férrea. Este caminho estava destinado à circulação de peões e cavaleiros, pelo que foi necessário remodelá-lo para o adequar à circulação de veículos de duas rodas puxados por tração animal, com declives acentuados, tendo os mais suaves inclinações de 0,50m/m (Coelho,1887). O transporte dos materiais para o local da obra revelou-se portanto bastante difícil e moroso. O aço para os viadutos das Prezas, Fragas Más e Paradela, pesava cerca de 260 toneladas, havendo peças que pesavam mais de uma tonelada, e foram conduzidos pelo caminho referido, que hoje desemboca no quilómetro 9 da linha, perto de uma casa de guarda. Para que os carros pudessem descer à linha por essa ladeira sem se despenharem no Tua, era necessário que o transporte fosse sustentando por um forte grupo de trabalhadores, um dos quais, o que orientava o trajeto ficou numa dessas descidas num estado miserável, ficando também feridos os engenheiros que pessoalmente dirigiam este trabalho tão penoso. A partir dos 20-30km as caraterísticas morfológicas alteram-se e o terreno passa a ser mais retilíneo e plano até Mirandela e posteriormente até Bragança, sem grandes desfiladeiros e precipícios, reduzindo o grau de dificuldade construtiva. A região das Fragas Más localiza-se entre o quilómetro 5 e 6 e é uma zona com maciços rochosos de elevada envergadura, escarpas íngremes, e o precipício mais sério da linha. Sem base de suporte para a construção da ferrovia, foi necessária a construção de um viaduto. Esta condição, aliada às dificuldades existentes no terreno, conduziu a alguns dissabores construtivos, devido à quase inexistência de estudos relativos ao
traçado neste local. O viaduto das Presas tal como o das Fragas Más parece uma varanda a sustentar a linha entre dois precipícios. Para realizarem os trabalhos nestes locais, os operários tinham que descer através de cordas sustentadas superiormente, ou através de pranchas que eram rapidamente guindadas quando se acendiam os rastilhos. Esta precaução durava até terem recortado na rocha um caminho de dificil atravessamento devido às suas dimensões reduzidas, o qual era evitado pelos meus ágeis em termos físicos. Após o término dos estudos prévios surgiu o anteprojeto da Linha do Tua a 29 de Agosto de 1883, decorrente dos estudos elaborados em 1880 e, em 9 de Agosto de 1884, foi apresentado o projeto para a linha férrea, com a planta geral e os perfis longitudinais e transversais, sob a direção do Eng.º. Diniz Moreira da Mota. No entanto, em 30 de Junho de 1885 surge uma retificação a este projeto, aprovada em portaria de 28 de Novembro de 1885, efetuada sob a direção do Eng.º Diretor Almeida Pinheiro.
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BIBLIOGRAFIA Arquivo do Centro Nacional de Documentação Ferroviária (REFER), Lisboa. Coelho, E. (27/09/1887). O caminho de ferro de Foz Tua a Miirandela. Diário de Notícias, p.1. Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, Ano de 1884. (1885). Lisboa: Imprensa Nacional.
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[Biel 1, pag. 10] Viaducto das Prezas
Logo à saída de Foz Tua surge o viaduto das Presas situado ao k1.46km, com 86m de extensão encaixado na falésia, seguido pelo túnel das Presas, com 138m de comprimento, escavado na encosta íngreme. Este viaduto foi construído não devido ao caudal do Ribeiro da Fisga, mas para evitar um aterro com cota máxima de 21,5m que exigiria um muro de suporte considerável. A sua construção foi apenas decida quando os trabalhos foram iniciados no local. O troço é retilíneo e atravessa o viaduto com um declive ascendente e entra no túnel com um declive nulo (troço horizontal). Este viaduto é o maior da linha e foi construido no ano de 1887 e consiste numa estrutura metálica com dois vãos de 42,53m cada um. Os encontros e o pilar central são em cantaria de granito e xisto. O tunel das Presas envolve a execução de uma abertura totalmente envolvida pelo maciço rochoso e não tem revestimento interior.
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[Biel 1, pag. 10] Viaducto das Prezas
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[Biel 2, pag. 11] Tunel das Prezas
[Biel 3, pag. 12] Tunel e Viaducto das Prezas
Saída do túnel das Presas ao k.1,529. O atravessamento do túnel é efetuado por um alinhamento reto, com troço horizontal à saída do túnel, começando posteriormente a subir com um declive de 10%o em 234m de extensão.
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[Biel 4, pag. 13] Estação de Tralhariz e Tunel d’Alvella
Apeadeiro de Tralhariz ao k.4,3 perdido nas encostas, onde o Tua corre em baixo num leito pedregoso de xisto, seguido do tunel de Tralhariz ao k.4,4 medindo 45m. A linha contorce-se, talhada à custa de intrépidos trabalhos em que os engenheiros e os operários tentaram vencer as dificuldades das curvas e contracurvas que compõem o traçado. Exemplos disso são os inúmeros muros de suporte existente ao longo da linha.
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[Biel 5, pag. 14] Os Moinhos do Castanheiro
[Biel 6, pag. 16] Tuneis e Viaducto das Fragas-Más
Viaduto das Fragas Más ao k.5,6 É na região das Fragas Más que fica encaixado entre dois túneis, e se encontra uma das zonas mais emblemáticas da linha do Tua, foi construído para evitar um muro de suporte com mais de 30m de com obras de arte dignas de registo. Este local localiza-se altura com as fundações no rio Tua. O viaduto original foi construído entre o quilómetro 5 e 6 e é uma em 1887 e era uma estrutura mista zona com maciços rochosos de formada por duas secções metálielevada envergadura, escarpas cas com 22,50 m de vão cada uma íngremes, e o precipício mais sée um pilar de alvenaria no centro, rio da linha, sem base de suporte com uma extensão de 50,7m. No para a construção da ferrovia, o dia 14 de Maio de 1962 o viaduto que motivou a construção de um viaduto. Esta condição, aliada às foi parcialmente destruído devido à dificuldades existentes no terre- queda de um bloco rochoso. Este foi reconstruido em betão armado. no, conduziu a alguns dissabores O túnel I ao k.5,5 com uma extenconstrutivos, devido à quase são de 99m não apresenta revesinexistência de estudos relativos timento interior, ao contrário do ao traçado neste local túnel II ao k.5,7 (extensão de 38m), cujo revestimento das paredes foi executado em alvenaria de pedra e o revestimento da abóbada em blocos de cimento. Para ambos os túneis foi adotado o raio mínimo de 150m, visto tratar-se de um contraforte considerável, e a utilização do raio mínimo diminui os trabalhos de movimentação de terras e de escavações integrais do maciço. A linha neste troço é ascendente com uma inclinação de 4%o em 1199m.
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[Biel 7, pag. 17] Fragas-Más
Viaduto das Fragas Más ao k.5,6 fica encaixado entre dois túneis, e foi construído para evitar um muro de suporte com mais de 30m de altura com as fundações no rio Tua. O viaduto original foi construído em 1887 e era uma estrutura mista formada por duas secções metálicas com 22,50 m de vão cada uma e um pilar de alvenaria no centro, com uma extensão de 50,7m. No dia 14
de Maio de 1962 o viaduto foi parcialmente destruído devido à queda de um bloco rochoso. Este foi reconstruido em betão armado. O túnel I ao k.5,5 com uma extensão de 99m não apresenta revestimento interior, ao contrário do túnel II ao k.5,7 (extensão de 38m), cujo revestimento das paredes foi executado em alvenaria de pedra e o revestimento da
abóbada em blocos de cimento. Para ambos os túneis foi adotado o raio mínimo de 150m, visto tratar-se de um contraforte considerável, e a utilização do raio mínimo diminui os trabalhos de movimentação de terras e de escavações integrais do maciço. A linha neste troço é ascendente com uma inclinação de 4%o em 1199m.
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[Biel 8, pag. 18] Ponte de Paradella
Ribeiro de Barrabás (Ribeiro da Paradela), que é transposto pela ponte de Paradela, situada ao k.11,4. Esta ponte trata-se de um estrutura metálica com um único vão e uma extensão total de 27m. Foi construída no ano de 1887. O troço da linha neste local é retilíneo e horizontal (sem declive).
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[Biel 9, pag. 19] Pulpito do Diabo
A região do Pulpito do Diabo localiza-se entre o k.14 e o k.15. Neste troço a linha sobe com uma ascensão de 10%o em 754m. Os maciços rochosos neste local têm centenas de metros de diâmetro, com evidência de altos penhascos rochosos que ladeiam a via-férrea de um dos lados, e os desfiladeiros íngremes do outro lado, com a necessidade de execução de um vasto número de muros de suporte para contenção.
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[Biel 10, pag. 20] Caldas de S. Lourenço
[Biel 11, pag. 21] Estação e Caldas de S. Lourenço
Apeadeiro de S.Lourenço ao k.15,6 que outrora servia as pessoas que procuravam as Termas de São Lourenço. A partir daqui a paisagem torna-se menos montanhosa. Ainda surge, porém, um ou outro trecho de encostas íngremes e rochosas. Nas estações ferroviárias o traçado é horizontal, para que os comboios quando estão parados não necessitem de impor uma maior pressão no arranque dos veículos para mantê-los em movimentação.
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[Biel 12, pag. 22] Garvão - Estação de S. Lourenço
A região do Pulpito do Diabo localiza-se entre o k.14 e o k.15. Neste troço a linha sobe com uma ascensão de 10%o em 754m. Os maciços rochosos neste local têm centenas de metros de diâmetro, com evidência de altos penhascos rochosos que ladeiam a via-férrea de um dos lados, e os desfiladeiros íngremes do outro lado, com a necessidade de execução de um vasto número de muros de suporte para contenção.
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[Biel 13, pag. 23] Ponte da Cabreira
Ponte da Cabreira ao k.26,6. Trata-se de um estrutura metálica com um único vão e encontros em cantaria e 21m de comprimento. Foi construída em 1887. A linha neste tramo é ascendente com 10%o de inclinação em 725m, voltando novamente a declive nulo.
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[Biel 14, pag. 24] Pedra Longa
Local da Pedra Longa (entre Codeçais e o Abreiro). O troço neste local é praticamente retilíneo com declive nulo.
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[Biel 15, pag. 26] Pontes do Vieiro e Abreiro
[Biel 16, pag. 27] Ponte do Vieiro
Ponte do Vieiro (antigo Abreiro) ao k. 29. Ponte metálica com 35m de vão.
Ao k.29 podemos encontrar a ponte ferroviária de nome Vieiro ou Abreiro com alusão à população que lhe cede o nome. Esta ponte é metálica com um único vão e encontros em cantaria, com um comprimento de 35m. Foi construída em 1887.
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[Biel 17, pag. 28] Ponte d’Abreiro
Ponte rodoviária do Abreiro ou “Diabo”, que liga o Abreiro a Vila Flor. Esta ponte desapareceu com a grande cheia que ocorreu em 1909. Seria constituída por um tabuleiro horizontal ou de cavalete assente sobre três arcos em alvenaria de pedra.
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[Biel 18, pag. 30] Fragas do Piado
Fragas do Piado entre Vilarinho e Cachão. O troço consite num alinhamento reto seguido de uma curva circular, com um declive ligeiramente descendente.
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[Biel 19, pag. 31] Ponte de Meirelles e Estação do Cachão
Ponte de Meireles/Cachão ao k.41,7 é a ponte com menor vão (15,20m). É uma estrutura metálica com encontros em cantaria e aplicação de muretes em alvenaria com uma altura de 0,90 metros. Foi construída em 1887. O traçado é horizontal e retilíneo em 249m.
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[Biel 20, pag. 32] Estação de Mirandella
Estação de Mirandela ao k.54,1 situada no centro da Cidade de Mirandela, construída em 1887. O seu edifício impressiona pela grandiosidade e pelo tamanho pouco usual para uma linha de via estreita, apresentando quatro pisos e um telhado com águas bastante inclinadas. Apresenta duas plataformas, três linhas para cruzamentos, seis linhas para resguardos e ainda outras linhas para serventia das oficinas. Esta estação tinha como pretensão ser o centro de embarque/ desembarque da linha do Tua, bem como para a ligação que se ambicionava como ligação à rede espanhola Macedo de Cavaleiros - Miranda do Douro.
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Ponte rodoviária medieval na Cidade de Mirandela. Situa-se sobre o rio Tua. Foi construída nos finais do século XV inícios do século XVI. Ao longo do tempo ocorreram muitas modificações na ponte por força de várias reparações e reconstrução. A Ponte [Biel 21, pag. 33] Mirandella
apresenta, nos dias de hoje, 238,5 metros de comprimento, assente em dezassete arcos. O tabuleiro é plano, inicialmente lajeado, encontrando-se hoje alcatroado, e serve presentemente apenas para uso pedonal.Considerada monumento nacional em 1910.
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PARTE III MAIS DE UM SÉCULO DEPOIS…
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A LINHA DO TUA A MIRANDELA: REVISITAR E REINTERPRETAR AS FOTOS DE BIEL (1887) Eduardo Beira, IN+ (Técnico, Lisboa)
Revisitar, quase cento e vinte anos depois, os locais onde Emile Biel tirou, em 1887, as suas fotografias para o álbum da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, publicado para celebrar a construção da linha ferroviária entre Foz Tua e Mirandela, é agora um exercício de imaginação. O tempo passou, o ambiente modificou-se, a urbanização alargou-se, a vegetação e a arborização cresceram, e hoje a paisagem é simultaneamente igual e diferente. Igual na rudeza das fragas e das encostas rochosas, com o rio lá no fundo entre calhaus e rochedos, resultado quer da geologia e dos caprichos da natureza quer da construção da linha e dos esforços do homem; igual nos declives alucinantes das encostas na zona de Foz Tua às cercanias da Brunheda; igual ainda nalguns dos extraordinários socalcos de altitude, apesar de começarem a ser invadidos por manchas florestais. Diferente porque muita dessa rudeza se amaciou por uma muito maior densidade da cobertura vegetal, por uma maior densificação da arborização, por uma maior urbanização dos principais aglomerados populacionais, de que Mirandela é o paradigma, e por uma crescente desertificação humana das zonas menos povoadas.
Tentar reproduzir as fotografias centenárias de Biel é reviver as emoções que o viajante desse tempo, e em particular esse grande fotógrafo terá experimentado perante a novidade e a esperança que o progresso lhes oferecia. Biel foi uma personagem arrojada na adoção das novas tecnologias, da imagem e outras, um empreendedor estimulado pelo progresso e pela obras de engenharia. A novidade era por um lado a nova supremacia do homem para vencer a natureza hostil, mas também a força estranha e sideral de uma natureza e de um ambiente capazes de impressionarem o mais positivista dos fotógrafos. Reproduzir as fotografias originais foi, nalguns casos, impraticável. As diferenças de objetivas, profundidades de campo, aberturas focais, etc. tornam o exercício porventura inútil quando associadas a incertezas de localização. Mas é nas emoções profundas que esses locais continuam a despertar no viajante que se mantém o essencial do fascínio que Biel conheceu, mesmo quando revisitado e revivido mais de cento e vinte e cinco anos depois.
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[Biel 1, pag. 10] Viaducto das Prezas
1. VIADUTO DAS PREZAS A primeira fotografia do álbum de Biel mostra o viaduto das Prezas ao fundo, logo seguido pela entrada para o túnel com o mesmo nome, o túnel das Prezas, obras emblemáticas da linha em Foz Tua. Para quem tinha iniciado pouco antes a viagem de comboio em Foz Tua, o túnel era a entrada simbólica no reino das fragas e dos precipícios extraordinários da primeira parte da linha do Tua para Mirandela (e depois para Bragança). Para quem finalmente estava a chegar a Foz Tua, era a saída do reino perigoso, tenebroso e rochoso do vale do Tua para entrar nos domínios mais
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suaves, meigos, luminosos e acolhedores do vale do Douro. Era o sinal de que o porto de abrigo, a estação de Foz Tua, estava logo ali à frente e que, porventura, a próxima etapa da viagem, na linha do Douro, estava próxima - depois de um transbordo nem sempre pacífico nem rápido. Esta fotografia de Biel foi tirada da margem direita do rio Tua, na “estrada” (então de terra batida, é claro!) que então vinha de São Mamede de Riba Tua para a barca de Foz Tua, onde se podia atravessar para a margem esquerda do Tua e chegar depois à estação de Foz Tua ao longo de um caminho que contornava o cotovelo
da margem esquerda e seguia (e continua a seguir ainda hoje) pela marginal do Douro. No período da estiagem, a barca atravessava o rio em frente ao viaduto ferroviário das Prezas, mais ou menos onde está atualmente a ponte rodoviária mais tarde projetada pelo engenheiro Edgar Cardoso1. A fotografia de Biel mostra um açude no rio Tua, a uma escassa centena de metros antes da foz com o rio Douro e da ponte ferroviária (linha do Douro), açude que o tempo fez desaparecer, mas que certamente ajudava a criar uma zona de espelho de água que facilitava a travessia pela barca. Atualmente as obras do aprovei-
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tamento hidroelétrico de Foz Tua dominam a paisagem (foto 1). A antiga estrada de terra batida, que vinha de Alijó por terras de São Mamede de Riba Tua, deu origem à estrada N212. Numa das curvas de aproximação à ponte rodoviária sobre o rio Tua é possível identificar o ponto onde Biel terá tirado a sua fotografia. Os restos da construção em primeiro plano ainda são hoje visíveis no local. A ponte rodoviária, aberta em 1940, uma obra emblemática do Estado Novo2, passou a dominar a paisagem a partir da rodovia envolvente (ver também foto 3)3. Atualmente os obras de construção da futura central e da barragem, assim como os estaleiros das obras associadas, distraem do viaduto e do túnel das Prezas (foto 1), que no entanto continuarão a marcar a paisagem, na continuação da linha ferroviária e antes das obras em curso para construção do muro da barragem.
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Pouco antes do início dos trabalhos da nova barragem, a panorâmica era menos agressiva - esperando-se que depois da conclusão dos trabalhos regresse a um estado muito próximo do que se podia apreciar na foto 3. Uma outra imagem de Emílio Biel (ver foto 4), uma fotografia da ponte ferroviária sobre o Douro, por cima da confluência do rio Douro com o rio Tua, aparece publicada no livro de Manuel Monteiro sobre o Douro4, editado pela primeira vez pela empresa editorial do próprio Emílio Biel. Tratase de uma fotografia porventura
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posterior, talvez cerca de vinte anos depois da publicação da coleção de imagens sobre a linha da Companhia Nacional - a primeira edição do livro de Manuel Monteiro data de 1911. Mas a visão que nos oferece complementa a imagem de 1887, com a ponte ferroviária em primeiro plano, e o viaduto e entrada do túnel das Prezas em segundo plano. A foto foi tirada da margem esquerda do rio Douro, a margem oposta à estação de Foz Tua. Uma foto atual (foto 5, convertida para preto e branco), tirada em altura de caudal mais intenso do rio, evidencia as alterações ocorridas, em espe-
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cial a ponte rodoviária e as construções novas na atual Quinta do Tua, antes conhecida por Quinta dos Ingleses. O nível do rio Douro é agora muito superior, fruto das suas barragens. Uma visão alternativa (foto 6, a cores) mostra uma moderna composição ferroviária da linha do Douro a cruzar a ponte, assim como o impacto da cor na perceção do ambiente. O efeito conjugado das várias pontes, do viaduto e da entrada do túnel na penedia da escarpa na margem esquerda do rio Tua continuam hoje em dia a proporcionar imagens de rara força ao viajante (fotos 6 e 7).
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[Biel 2, pag. 11] Tunel das Prezas
TÚNEL DAS PREZAS
A fotografia original de Biel é agora impossível de reproduzir: a construção do muro da nova barragem do Tua cortou a vista. O rochedo visível em segundo plano na fotografia de Biel, pouco antes da entrada do túnel (depois da composição ferroviária) fica exatamente onde assenta o muro da nova barragem. A presença de duas personagens junto do rochedo em primeiro plano dá um raro traço humano à paisagem da linha fotografada por Biel. Uma fotografia recente (Janeiro
de 2011, foto 8) permitia ainda recuperar uma boa parte da vista original (comparar com o detalhe da fotografia original por Biel). Em primeiro plano vê-se ainda o canal ferroviário, mas já então sem os carris e as travessas da linha ferroviária. Ao fundo, à direita, a ponte rodoviária quase oculta a ponte ferroviária da linha do Douro, sobre a foz do rio Tua com o rio Douro. Na margem direita do rio Tua vê-se um caminho novo, aberto junto ao nível de água para efeitos de prospeções
geológicas e preparação da construção do muro da barragem, que naturalmente não aparecia na fotografia de Biel. Uma fotografia alguns metros adiante (foto 9) permite ver a entrada (ou saída, conforme o sentido da composição ferroviária fosse descendente ou ascendente) do Túnel das Prezas, ainda com carris em segundo plano, mas sem carris e travessas em primeiro plano, já depois de retirados durante a preparação para o início dos trabalhos da nova barragem.
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DETALHE [Biel 2, pag. 11] Tunel das Prezas
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[Biel 3, pag. 12] Tunel e Viaducto das Prezas
TÚNEL E VIADUTO DAS PREZAS Outra fotografia que já não é possível reproduzir por completo, pois o muro da barragem em construção obstrui a vista sobre o vale e a linha, do lado esquerdo da fotografia original por Biel. As obras em curso dificultam também o acesso ao local de onde Biel fez a sua foto original, a montante da barragem, atual zona de trabalhos. A foto atual (foto 10) foi tirada do outro lado do túnel, a jusante da barragem, da chamada “curva do violão”, na linha do Tua, antes do viaduto das Prezas, e mostra o mesmo troço da linha que aparece na foto de Biel. A entrada para o túnel das Prezas é bem visível. O viaduto das Prezas vê-se com mais dificuldade, logo antes do túnel. Do lado esquerdo da imagem, a ponte rodoviária sobre o rio Tua, da autoria do Engº Edgar Cardoso. Fotografia feita em Janeiro de 2011, quando os trabalhos para a construção da barragem estavam ainda numa fase preliminar.
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[Biel 4, pag. 13] Estação de Tralhariz e Tunel d’Alvella
ESTAÇÃO DE TRALHARIZ E TÚNEL D’ALVELLA Na fotografia original de Biel pode-se identificar um imponente muro de suporte da linha férrea antes da entrada no túnel da Alvela (agora mais conhecido por túnel de Tralhariz) e também um pequeno agregado habitacional a nível inferior, junto à crista do relevo, inclusive com um caminho de acesso paralelo à linha, embora a uma cota muito mais baixa. A estação de Tralhariz é visível, embora com alguma dificuldade, antes do muro de suporte. Uma imagem atual desta pequena e perdida estação da linha do Tua foi por nós usada para capa da antologia literária que publicamos anteriormente sobre o vale do Tua5. Apesar do nome da estação, a povoação de Tralhariz fica a uma cota muito superior e de acessos muito difíceis a partir da estação ferroviária. Não é por acaso que sempre foi das estações com menos tráfego da linha do Tua, mesmo nas primeiras décadas de exploração, apesar de Tralhariz sempre ter sido uma aldeia importante
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a nível local - embora mais “virada” para o vale do Douro do que para o vale do Tua. A cavalo, a estação, perdida no meio das fragas e do nada, ficaria a cerca de uma hora de distância da povoação. A fotografia atual proposta (foto
12) mostra bem a reta da linha férrea em que se situam a estação de Tralhariz e o muro de suporte referidos. Na foto seguinte (foto 13) são claramente visíveis as ruínas atuais do agregado populacional referido, há muito aban-
donado. Por cima das ruínas, no meio da penedia da encosta, é visível a parte superior da entrada no túnel. Esta foto foi tirada da margem direita do rio Tua, das terras baixas de São Mamede de Riba Tua.
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FRAGAS MÁS
[Biel 5, pag. 14] Fragas-Más
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A fotografia de Biel foi tirada logo à saída do primeiro viaduto das Fragas Más, imediatamente antes da entrada no segundo túnel (viaduto da Cruz), no sentido ascendente. As personagens visíveis na fotografia de Biel, provavelmente trabalhadores da Companhia Nacional ou ainda ao serviço dos empreiteiros da construção da linha, ilustram o vestuário característico da época.
Fragas Más é o nome dado ao conjunto de dois túneis muito próximos, com um viaduto entre ambos, sendo um dos locais mais míticos da linha do Tua, dado o caracter agreste da paisagem rochosa e o facto dos passageiros do combóio terem a sensação de ficarem no “ar” na passagem pelo viaduto, logo a seguir a um túnel, tudo isso a um nível elevado sobre o rio e as fragas. Foi também uma zona de difíceis trabalhos de construção, onde o canal teve que
ser integralmente aberto à custa da força de explosivos. Num primeiro plano, tanto na fotografia original de Biel como na atual (foto 14), é possível reconhecer as guardas do viaduto - que entretanto se modificaram. Na realidade, o viaduto foi posteriormente reconstruído. Inicialmente um viaduto metálico, passou a um viaduto em cimento armado, como facilmente se reconhece numa das fotografias da secção seguinte (ver foto 16).
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[Biel 6, pag. 15] Tuneis e Viaducto das Fragas-Más
TUNEIS E VIADUCTO DAS FRAGAS-MÁS Biel terá tirado esta segunda fotografia sobre o conjunto das Fragas Más ao nível da linha de caminho de ferro, umas centenas de metros depois da saída do segundo túnel das Fragas Más, no sentido ascendente (túnel da Cruz). No seu contraponto atual optou-se por uma vista de uma cota superior (foto 15), dadas as dificuldades de acesso ao local original. Inclui-se também uma imagem “reversa” da original (foto 16), ou seja, uma foto que mostra, ao fundo, o local de onde Biel terá feito a sua fotografia original. Nesta foto atual vê-se o viaduto (agora em cimento armado) e a entrada no túnel da Cruz, o segundo túnel em sentido ascendente. Ao fundo e à esquerda, ao nível da linha, distingue-se um muro importante de suporte ao canal ferroviário, aliás local da foto original de Biel.
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[Biel 7, pag. 16] Os Moinhos do Castanheiro
OS MOÍNHOS DO CASTANHEIRO A fotografia original de Biel terá sido tirada cerca de cem metros depois da estação de Castanheiro (do Norte), na direção ascendente. O pequeno edifício branco da estação é visível ao fundo, do lado esquerdo, a espreitar entre as escarpas da trincheira que a antecede, quando em sentido descendente. Uma foto atual a partir do mesmo local (foto 17) mostra a predominância da vegetação, que impede a vista do rio. Uma foto panorâmica (foto 18) , um pouco antes, ao km 11.8 da linha, reconstrói melhor a vista original. Também aqui se pode descortinar a pequena estação, embora parcialmente obstruída pela vegetação. No rio, do lado direito, facilmente se reconhecem as pedras de uma represa. Na realidade a foto original de Biel inclui um pormenor muito relevante: uma observação cuidada da imagem mostra a construção referente aos “moinhos” que dão o nome à fotografia no álbum original, na sequência das pedras da represa, em frente à estação,
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mas ao nível do rio (ver o detalhe ampliado da foto original). Esses moinhos já não existem, mas uma observação atual à cota do rio mostra a existência de uma plataforma de pedras por baixo das quais passa a água do rio, e que constituíam a base onde assentavam os referidos moinhos (foto 19). No local ainda se encontram várias mós de moinhos, de
dimensões apreciáveis (foto 20). Das construções visíveis na foto de Biel já não se encontram traços. Na realidade seriam uns telheiros suportados em vigas de madeira, um tipo de construção apropriado para facilmente se montar e desmontar, num local onde os efeitos das cheias se faziam sentir facilmente. Referências a estes moinhos tinham já sido detetadas no
programa de entrevistas orais do projeto FOZTUA6. Uma panorâmica atual ao nível da linha, em frente à estação, mostra a zona da represa e em primeiro plano os restos de um edifício, com paredes em madeira, mas a uma cota intermédia entre o rio e a linha (foto 21). Esta construção não aparece na fotografia original de Biel, mas admite-se que fosse
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DETALHE [Biel 8, pag. 16] Os Moinhos do Castanheiro
uma construção de apoio às operações da moagem. (ver o detalhe ampliado da foto original). Esses moinhos já não existem, mas uma observação das pedras á cota do rio mostra a existência de uma plataforma de pedras por baixo das quais passa a água do rio, e que constituíam a base onde assentavam os referidos moinhos. No local ainda se encontram várias mós de moinhos, de dimensões apreciáveis. Dss construções visíveis na foto de Biel não se encontram traços. Na realidade deveriam ser mais telheiros suportados em vigas de madeira, um tipo de construção apropriado para facilmente se montar e desmontar, num local onde os efeitos das cheias se fazia sentir facilmente. Uma panorâmica atual ao nível da linha, em frente á estação, mostra a zona da represa e em primeiro plano os restos de um edifício, com paredes em madeira, mas a uma cota intermédia entre o rio e a linha. Esta construção não parece visível na foto de Biel, mas admite-se que fosse uma construção de apoio ás operações da moagem.
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[Biel 9, pag. 17] Ponte de Paradella
PONTE DE PARADELA A ponte de Paradela aparece no lado direito da fotofrafia original de Biel, antes de um imponente muro de suporte, no sentido ascendente da linha. As imagens atuais (fotos 22 e 23) mostram um claro aumento da vegetação, assim como o imponente rochedo à saída da ponte (no sentido ascendente da linha), resultado de uma trincheira. A primeira imagem tenta capturar a vista a partir de um ponto próximo do da fotografia de Biel. Neste local de acesso muito difícil, custa imaginar como as peças metálicas foram transportadas até lá, desde Castanheiro do Norte . Pela descrição de um jornal da época, sabemos que as peças foram transportadas de Foz Tua até Castanheiro do Norte pela estrada ainda em construção, e daí desceram com grandes dificuldades para o local de edificação por uma pista muito inclinada e rude, ainda hoje existente, mas muito primitiva7.
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[Biel 10, pag. 18] Vista Geral do Amieiro
VISTA GERAL DO AMIEIRO A povoação do Amieiro é uma das aldeias mais belas e características do vale do Tua, alcantilada sobre a garganta estreita e rochosa do rio Tua e também sobre a linha ferroviária. A aldeia fica na margem direita do rio, no concelho de Alijó, e a linha na margem esquerda, no concelho de Carrazeda de Ansiães. A aldeia fica à cota alta, a meio caminho entre Carlão e S. Mamede de Riba Tua, pela margem direita do rio Tua, na enconsta voltada para o rio e para a linha do Tua. A freguesia de Amieiro era uma das mais pequenas freguesias antes da última reforma administrativa, um indicador do seu isolamento. Muitas das vinhas das encostas da margem esquerda, na freguesia de Pombal de Ansiães, são cultivadas por habitantes do Amieiro. A travessia do rio faziase tradicionalmente por uma barca, para acesso às propriedades da outra margem e também para acesso à estação de Santa Luzia,
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na linha do Tua, que foi estabelecida precisamente para servir a povoação do Amieiro. Aliás esse era o seu primeiro nome, posteriormente alterado para evitar confusões com uma estação quase homónima no espaço alentejano. A fotografia original de Biel terá sido tirada ao nível da linha férrea, numa zona especialmente estreita da garganta do rio, uma curva antes da aproximação à estação de Santa Luzia, no sentido ascendente. Na fotografia pode-se ver o canal ferroviário, escava-
do na rocha, a uma cota alta, na margem esquerda do rio Tua (na realidade, do lado direito na foto de Biel). A imagem atual (foto 24) do rio nessa zona, uma centenas de metros antes do ponto onde Biel terá feito a sua fotografia original (no sentido ascendente da linha) encobre a maior parte da povoação. A fotografia atual da aldeia (foto 25) foi feita da margem esquerda do rio, das proximidades do loca chamado Barrabás, no caminho antigo que conduzia à estação de
Santa Luzia e também à ponte metálica construída no século XX e que uma cheia “levou” (os restos mortais são ainda bem visíveis a cerca de uma centena de metros a jusante da aldeia). A perda da ponte levou à construção e operação de uma “cadeira” de vai e vem (foto 26), operada manualmente, para os habitantes atravessarem o rio e acederem à margem oposta e à estação de Santa Luzia. Esta passagem aérea sobre o rio Tua tem vindo a tornar-se icónica do local8.
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[Biel 11, pag. 19] Pulpito do Diabo
PÚLPITO DO DIABO Este magnífico conjunto rochoso resultou da construção de uma trincheira para passagem do canal ferroviário, entre as estações de Santa Luzia e São Lourenço (mais perto desta do que daquela). Biel tirou a fotografia olhando para a linha no sentido descendente. A fotografia atual (foto 27) mostra o nível mais elevado de vegetação na encosta esquerda do rio, mas permanece a singeleza estranha do conjunto. O enquadramento com a linha e o rio é mais claro numa foto panorâmica (foto 28). Uma outra fotografia mostra a vista “reversa” do conjunto, olhando para juzante, no sentido ascendente da linha.
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[Biel 12, pag. 20] Caldas de S. Lourenço
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CALDAS DE S. LOURENÇO A fotografia original de Biel é uma das poucas imagens na coleção que não mostra a linha férrea. Na realidade é uma excelente e rara fotografia das caldas de S. Lourenço no último quartel do século XIX, tirada a uma cota alta, quase seguramente da curva que o caminho de acesso fazia perto da pequena capela (que não é visível na imagem, mas ainda existe no local), no início da descida do caminho de acesso às caldas, vindo de Pombal de Ansiães. A linha ferroviária passava muito abaixo, junto ao rio. Na fotografia original de Biel é difícil descortinar a linha, mas é fácil de ver o rio Tua. A fotografia panorâmica tirada
agora do mesmo ponto (foto 30) mostra que as construções da fotografia original de Biel permanecem. Embora com algumas alterações, os dois “hotéis” das termas continuam ainda hoje nas suas funções, mesmo que precárias. Um deles, quase em frente ao tanque antigo das caldas, mantém operacional um piso superior no lado esquerdo do edifício, estando o do lado direito em ruínas. Na outra construção, a um nível inferior, continuam a funcionar quartos e cozinhas, entretanto melhorados, alugados a quem ainda procura os banhos de forma residente durante o período termal. As caldas de S. Lourenço sempre tiveram um forte cunho regional: depois das colheitas, eram local de descanso e retempero das forças para as
famílias dos pequenos lavradores e proprietários rurais, sítio de bailaricos, namoricos e arranjos de casamentos. Nem a chegada do caminho de ferro alterou esse perfil, apesar dos projetos mais ou menos megalómanos que ao longo dos tempos foram aparecendo9. O estranho edifício do tanque, onde os banhos eram coletivos (homens e mulheres em horas separadas), continua operacional, rodeado agora de ruínas de anteriores balneários. Banhistas do “tanque antigo” continuam ainda agora a esperar pacientemente pela sua vez, durante os meses de verão (foto 31). A construção em pedra, fechada por uma pirâmide de pedra, aparece do lado esquerdo da fotografia original de Biel e da foto 30. Ver também o detalhe da foto-
grafia original de Biel e a foto 32. Um novo balneário está provisoriamente instalado na construção no largo (ver foto 30), em parte uma construção prefabricada, em madeira, mas agora dotado de equipamentos modernos e de pessoal treinado. Nos meses de verão a sua capacidade de atendimento chega a esgotar. O município de Carrazeda tem em projeto um novo balneário, a uma cota mais alta, que não alterará a identidade única que o lugar proporciona na sua zona antiga. A casa “nova” da foto de Biel, que tinha sido então recentemente construída, ao nível superior, continua lá ainda hoje, mas em ruínas. Uma pedra do edifício assinala a sua construção em 1883, pouco antes da construção da linha.
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Biel terá feito a sua fotografia original umas centenas de metros depois da estação de São Lourenço, no sentido ascendente, ao nível da linha férrea, mas olhando para juzante. É visível um conjunto de carruagens estacionadas na estação, por sua vez composta de um edifício (casa de habitação e bilheteira) e de um armazém de mercadorias. O prédio visível por cima da estação é um “hotel” antigo das termas, que não é visível na foto anterior de Biel, mas cujas ruínas ainda hoje permanecem no local. A fotografia atual (foto 33) mostra uma estação completamente diferente da original, com um edifício surpreendentemente moderno, sem qualquer traça ou relação com as outras estações da linha do Tua. Na realidade trata-se de uma estação construída em finais dos
anos 80, princípio dos anos 90, do século XX, depois de uma “trapalhada” da CP em que as construções antigas foram destruídas e a empresa se viu depois obrigada a construir uma nova - o que foi feito sem qualquer respeito pela tradição arquitetónica da linha. São Lourenço desde há muitos anos que não tem qualquer habitante permanente durante todo o ano, conhecendo apenas algum movimento nos meses das termas, em especial no mês de agosto. Continuam umas caldas muito locais, em que os banhistas são de proximidade e que hoje em dia chegam e saem diariamente por via rodoviária, incluindo uma carrinha do município que assegura a ligação a Carrazeda várias vezes ao dia, ao serviço dos habitantes do concelho que pretendam serviços termais. Uma vista do lugar (foto 34), a partir de uma cota mais alta, na es-
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ESTAÇÃO E CALDAS DE S. LOURENÇO
DETALHE [Biel 12, pag. 20] Caldas de S. Lourenço
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[Biel 13, pag. 21] Estação e Caldas de S. Lourenço
trada que liga S. Lourenço a Pombal de Ansiães, permite enquadrar o aglomerado populacional com o rio e a linha, assim como a estação. As pedras do “púlpito do diabo” (uma das fotografias anteriores de Biel) são visíveis, umas centenas de metros depois da estação, no sentido descendente. Ao fundo, depois da dobra do relevo e da curva do rio, podem-se ver as primeiras casas da aldeia do Amieiro, na margem direita do rio. Uma vez mais, é bem claro o aumento da vegetação entre a imagem atual e a situação original. A total dissonância entre o estilo da nova estação e a original é patente na última fotografia (foto 34), que também mostra o isolamento da estação, instalada no “buraco” deixado na escarpa pela extração de pedra para a construção da linha.
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[Biel 14, pag. 22] Gavião, Estação de S. Lourenço
GAVIÃO (Estação de S. Lourenço) Biel tirá feito esta fotografia a uma cota alta, cerca de cem metros depois do ponto onde fez a imagem anterior das caldas de São Lourenço, no caminho (agora estrada) de S. Lourenço para Pombal de Ansiães. Junto ao local da estação veem-se vários materiais depositados, associados à construção da linha. A vegetação oculta a parte da estação na imagem atual (foto 36). As trincheiras na reta a seguir à curva da linha após a estação de São Lourenço, no sentido ascendente, são bem visíveis na fotografia seguinte (foto 37). O título desta fotografia no album de Biel pode ser enganador. Não parece existir qualquer “Gavião” no local, mas sim um apeadeiro, o apeadeiro do Tralhão, associado a uma importante quínta agrícola com o mesmo nome, cerca de dois quilómetros depois da estação de S. Lourenço (no sentido ascendente)10. Mas os materiais de construção que se veem na fotografia de Biel estão claramente localizados na zona da estação de S. Lourenço.
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[Biel 15, pag. 23] Ponte da Cabreira
PONTE DA CABREIRA Esta ponte ferroviária passa por cima da ribeira da Cabreira, linha de água ao longo do vale que se forma na chamada serra da Cabreira, ainda antes do aprazível e fértil vale junto a Freixiel. A ribeira desagua no rio Tua, pela margem esquerda do rio, daí a necessidade da ponte. A fotografia original de Biel foi tirada próximo nível do rio, olhando das pedras para o leito da ribeira e para a ponte. Hoje em dia é difícil reproduzir completamente a imagem atual, em consequência da vegetação forte que preenche as margens da ribeira, e mesmo parte do seu leito rochoso (ver fotos 38 e 39).
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PEDRA LONGA
[Biel 16, pag. 24] Pedra Longa
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Biel tirou esta fotografia poucos metros a montante da foto anterior, na direção ascendente da linha, para montante do rio, junto à foz da ribeira da Cabreira. Pedra Longa é a formação rochosa visível ao fundo, a seguir ao muro da linha férrea, sobre a curva do rio sobre a direita, no sentido ascendente. A imagem atual (foto 40) mostra uma grande preservação ambiental neste troço do rio.
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PONTES DO VIEIRO E DO ABREIRO
[Biel 17, pag. 25] Pontes do Vieiro e Abreiro
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A ponte do Vieiro refere-se à ponte metálica ferroviária na linha do Tua, à esquerda, sobre uma linha de água afluente do rio Tua, visível do lado direito da fotografia original de Biel. A ponte do Abreiro era a ponte rodoviária que em tempos existiu sobre o rio Tua, também conhecida por ponte do Diabo, e que foi arrastada pelas cheias de 1909 e 1910. Na fotografia original de Biel, esta ponte ainda é bem visível (ao centro, no fundo; ver também o 41
DETALHE [Biel 17, pag. 25] Pontes do Vieiro e Abreiro
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detalhe). Várias décadas depois, o Estado Novo construiu depois uma nova e elegante ponte rodoviária, mais próxima da ponte ferroviária, desenhada pelo Eng Edgar Cardoso e inaugurada em 1952 (foto 41). Biel terá tirado a sua fotografia de um local sobre a linha ferroviária, poucas centenas de metros antes de chegar à ponte ferroviária do Vieiro. A vegetação dificulta agora uma imagem com a mesma visibilidade ampla que Biel conseguiu. A fotografia atual (foto 42) mostra apenas partes da moderna ponte rodoviária por
entre o arvoredo - o mesmo arvoredo que aparece na fotografia original de Biel. Uma fotografia a um nível mais baixo permite recuperar melhor o palco da imagem de Biel (foto 43). Os sinais da antiga ponte do Diabo agora quase desapareceram11 e a nova ponte rodoviária, que passa por cima da linha do Tua, domina a paisagem. Do lado direito, a seguir à ponte ferroviária do Vieiro, é agora clara a presença da estação de Abreiro, algo que faltava na imagem de Biel (ver detalhe)
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PONTE DE VIEIRO
[Biel 18, pag. 26] Ponte do Vieiro
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A fotografia de Biel terá sido feita do alto da margem direita da ribeira que corre para o rio Tua, do lado de Vieiro (margem esquerda do rio Tua), onde agora fica o acesso à atual estação de Abreiro (visível na imagem atual, foto 44). Note-se que Vieiro é uma povoação na margem esquerda do Tua,
cerca de dois quilómetros depois da estação ferroviária, na estrada que vai da povoação de Abreiro para Freixiel e Vila Flor (N314). A chamada estação de Abreiro deveria pois chamar-se, com propriedade, estação do Vieiro uma questão local que nunca foi redimida.
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PONTE DO ABREIRO
[Biel 19, pag. 27] Ponte d’Abreiro
A antiga “ponte do Diabo” ligava as duas margens do rio Tua, as margens do lado do Abreiro (lado esquerdo na imagem) e do lado do Vieiro (lado direito da imagem). Esta ponte rodoviária assegurava então a ligação na estrada que ligava Vila Real a Mirandela.
Como referido, foi destruída pelas cheias de 1910. A linha ferroviária está assente sobre o imponente muro de suporte que se pode ver do lado direito da fotografia. Aliás é possível descortinar uma composição ferroviária, em sentido descendente (do lado direito da imagem), estacionada em frente à antiga ponte do Diabo.
Hoje em dia ainda restam os pilares dessa ponte - ver foto 45, uma panorâmica tirada de local próximo do ponto onde Biel terá feito a sua fotografia, abaixo do muro de suporte da linha (11). Os restos dos pilares da ponte são ainda bem visíveis no meio do rio e nas suas margens, poucas centenas de metros depois da ponte
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ferroviária do Vieiro, no sentido ascendente da linha. Também facilmente se reconhece a estrada que conduzia à ponte, na margem do lado de Abreiro (margem direita do rio Tua). Quando Biel fez a sua fotografia, a estação ferroviária não era no mesmo local da atual, mas era imediatamente à saída dessa ponte do Abreiro (ou do Diabo), em local onde hoje em dia quase nada resta, estando aí instalado um
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olival (foto 46; do lado direito, no leito do rio, é possível ver os restos de um dos pilares da antiga ponte). Aliás é precisamente nessa posição que se vê estacionado um comboio, na fotografia original de Biel. Foi mais tarde, e depois da construção da nova ponte rodoviária, que a estação passou para junto da ponte ferroviária (do Vieiro), quase por baixo da nova ponte rodoviária.
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FRAGAS DO PIADO Estas fragas ficam na margem direita do rio Tua, na enconsta entre Vilarinho das Azenhas e o Cachão, e correspondem a uma formação rochosa com estratos geológicos com várias centenas
de metros de comprimento. A fotografia original de Biel terá sido tirada do caminho entre as duas povoações, que nesta zona segue aproximadamente paralelo à linha, mas a uma cota superior.
proximidades de uma passagem de nível a poucas centenas de metros a estrada municipal M604 - um padrão que infelizmente parece repetir-se nessa prática criminosa.
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O troço de linha do Tua visível na imagem fica entre as estações referidas. A maior arborização e utilização dos solos na região dificulta a reprodução da imagem original.
[Biel 20, pag. 28] Fragas do Piado
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Uma fotografia ao nível da linha mostra as fragas ao fundo, sobre a direita, na encosta (fotos 47 e 48). Outra fotografia ilustra também o roubo recente de carris na linha, durante centenas de metros, nas
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PUCHA PRETO Pucha Preto é o nome dado a uma elevação rochosa na margem esquerda do rio Tua, a pequena distância da linha ferroviária. Biel terá tirado a sua fotografia original ao nível da ferrrovia, algumas [Biel 21, pag. 29] Pucha-Preto
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centenas de metros depois da sua foto anterior, na direção descendente da linha. A fotografia atual (foto 50) mostra uma densidade da vegetação cada vez maior.
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[Biel 22, pag. 30] Ponte de Meirelles e Estação do Cachão
PONTE DE MEIRELES E ESTAÇÃO DO CACHÃO A ponte de Meireles passa sobre a ribeira do mesmo nome, que desagua no rio Tua junto à povoação do Cachão, nas proximidades da estação ferroviária. A fotografia original de Biel foi tirada de terrenos próximos, do lado direito da linha, no sentido ascendente. A ponte aparece em primeiro plano e o armazém da estação aparece em segundo plano, mais ao fundo sobre a direita. No espaço próximo da ponte e da estação não parece que existissem então outras construções. A fotografia é difícil de reproduzir atualmente pois os terrenos de onde Biel terá feito a sua imagem estão agora vedados (parque industrial do Cachão). Mas a imagem obtida (foto 51) mostra as alterações importantes que a zona teve. Do lado esquerdo da linha aparece o esqueleto de um edifício de grandes dimensões, que nunca chegou a ser concluído, e a vegetação á agora muito mais
densa. Por outro lado, aumentou o número de construções na zona. Também a estação de Cachão se modificou, no primeiro quartel do século XX, e mudou mesmo de lugar, passando do lado direito para o lado esquerdo da linha, quando no sentido ascendente. A estação fica logo a seguir à curva da linha, sobre a esquerda, em frente ao casario que se vê na imagem. Outra imagem (foto 52) mostra a ponte na atualidade, fotografada no sentido descendente, depois da estação e da passagem de nível. Do lado esquerdo podem-se ver construções do antigo Complexo do Cachão, agora zona industrial. Do lado direito, e por trás da vegetação, fica uma grande unidade de tratamento de efluentes que nunca ficou completa nem posta em funcionamento. O que parece ser caricato: a ribeira de Meireles oferece agora um aspeto deprimente de lixo e detritos, com um horroroso cheiro nauseabundo e pestilento. Mais ao fundo, podese ver o crescimento da vegetação na linha, consequência da não utilização depois da estação do Cachão, no sentido descendente (entre as estações do Cachão e de Mirandela a linha é operada pela empresa do Metro de Mirandela).
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Uma foto panorâmica (foto 54) enquadra o perímetro da estação por um ângulo mais aberto. Do lado esquerdo podem-se reconhecer as instalações do novo terminal rodoviário, na zona onde antigamente ficavam as oficinas de manutenção ferroviária da linha do Tua. [Biel 23, pag. 31] Estação de Mirandella
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ESTAÇÃO DE MIRANDELA A estação de Mirandela ficava, na altura, fora de portas do aglomerado urbano de Mirandela, em terrenos descampados num vale à entrada da (então) vila. Biel tirou a fotografia original a partir da colina em frente da estação, do outro lado da linha de água, colina onde atualmente se encontra o cemitério da (agora) cidade de Mirandela. O belo e emblemático edifício da estação e o perímetro ferroviário envolvente são quase totalmente abarcados na fotografia original de Biel. A imagem atual (foto 54), tirada das proximidades do muro traseiro do cemitério, mostra bem como se alteraram as envolventes da estação ferroviária. O armazém da estação, do lado esquerdo na fotografia de Biel, desapareceu, embora ainda seja bem visível a sua plataforma na imagem atual. A estação, ao longe, continua bela e emblemática, apesar de ao perto serem infelizmente visíveis os sinais da sua progressiva degradação.
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MIRANDELA
[Biel 24, pag. 32] Mirandella
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A fotografia original de Biel terá sido tirada de uma ds colinas sobranceiras à vila de Mirandela, e mostra como, na época, o agregado habitacional se concentrava na margem esquerda do rio Tua. A imponente ponte “antiga” marcava a ligação com uma margem direita quase desabitada. A fotografia atual (foto 55) mos-
tra bem a diferença, sendo quase impossível reproduzir agora a imagem original de Biel. Tirada do atual Bairro da Boavista, na zona de Golfeiras da atual cidade de Mirandela, ilustra bem a explosão habitacional que entretanto ocorreu na margem direita do rio Tua. . Uma fotografia panorâmica (foto 56) oferece uma vista da cidade a partir da colina onde se situa
a linda igreja de São Bento e mostra o crescimento urbano de Mirandela, a nova e indiscutível centralidade da terra quente transmontana. A zona da estação ferroviária, que aparece quase deserta na fotografia de Biel (ver detalhe), reúne agora equipamentos importantes da cidade, incluindo um novo hospital privado, sobranceiro à zona da estação (foto 57).
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DETALHE [Biel 24, pag. 32] Mirandella
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NOTAS As fotos 1, 18, 28 e 30 são da autoria de Nuno Beira (Inovatec (Portugal)) A foto 2 é da autoria de Sofia Parente e André Delgado, do Centro de Estudos da Escola de Arquitetura da Universidade do Minho. Todas as outras fotografias são da autoria de Eduardo Beira. (1) Sobre esta ponte, ver Leonel Lopes, Pontes e linha do Tua: história, construção e valorização, dissertação de mestrada orientada por Paulo Lourenço e José Lopes Cordeiro, Escola de Engenharia, Universidade do Minho, Novembro de 2011, p. 97 a 109. (2) Ver Beira, E., “Acerca da fotografia da capa”, em Pereira, H., Debates Parlamentares sobre a linha do Tua (18511906), p. viii (3) Ver também Oliveira, M. M.,”Narrative(s) on the construction of the landscape”, in McCants, A. et al, Railroads in historical context: construction, costs and consequences, projeto FOZTUA, vol. I 2011, p. 141 a 147. (4) Monteiro, M., O Douro, Fac-simile da edição de 1911 Emilio Biel & Cª Editores, Edições Livro Branco Lda (1998) (5) Ver o livro Mª Otília Lage (org.) e Eduardo Beira (fotos), TUA. Colectânea literária: o vale, o rio e a linha, projeto FOZTUA, 2013; 2ª ed., 2014 (6) Ver entrevista memTUA #2, com João Sampaio, em www.foztua.com. Entrevista e transcrição por Otília Lage, Eduardo Beira e Leonor Fernandes, novembro e dezembro de 2011. (7) Ver Leonor Fernandes, Ana Alcântara e Eduardo Beira, “Inauguração da linha de Foz Tua a Mirandela (1887): notícias da imprensa nacional”, relatório WP FT D4, projeto FOZTUA, Abril 2013 (8) Ver também entrevista memTUA #6, com Fernando Quintas, em www.foztua.com. Entrevista e transcrição por Otília Lage, Eduardo Beira e Leonor Fernandes, fevereiro e abril de 2012. (9) Ver Fátima Santos e J. Lopes Cordeiro, “One day, São Lourenço spa would be the Riviera of Tua valley ...”, in McCants, A. et al, Railroads in historical context: construction, costs and consequences, projeto FOZTUA, vol. II, 2012, p. 113 a 134, e ainda Fátima Santos e J. Lopes Cordeiro, “São Lourenço spa and Tua railroad, up to 1920”, in McCants, A. et al, Railroads in historical context: construction, costs and consequences, projeto FOZTUA, vol. III, 2013, p. 251 a 260. Ver também entrevista memTUA #3, com Florinda Lopes, em www.foztua.com. Entrevista e transcrição por Otília Lage, Eduardo Beira e Leonor Fernandes, dezembro de 2011 (10) Ver fotografia do tosco apeadeiro de Tralhão no livro Mª Otília Lage (org.) e Eduardo Beira (fotos), TUA. Colectânea literária: o vale, o rio e a linha, projeto FOZTUA, 2013, p. 228; 2ª ed., 2014, p. 228 (11) Ver fotografias das ruínas da ponte do Diabo no livro Mª Otília Lage (org.) e Eduardo Beira (fotos), TUA. Colectânea literária: o vale, o rio e a linha, projeto FOZTUA, 2013, p. 25 e 26; 2ª ed., 2014, p. 25 e 26. Para uma fotografia da linha do Tua e a nova ponte rodoviária, ver p. 27 da mesma obra.
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