Fanzine- Grease

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Nos tempos da brilhantina

Ana Paula Bartholo

FANZINE RIO, SETEMBRO DE 2014


L

ançado na década de 70, grease é um filme que esbanja jovialidade. É impossível não vibrar, não se envolver e - principalmente - não balançar os pés ao ouvir as músicas que acompanham a história dos encontros e desencontros entre os personagens de John Travolta e Olivia Newton-John. Sandy e Danny são dois personagens que conquistaram de 1978 até os dias atuais milhares de corações.


Mais do que a historinha do casal de verão que por acaso se reencontra no colégio, o que de fato move Grease é a busca por um retrato da juventude dos anos 50. Se este período histórico representa o momento em que o american way of life se estabelece como o modelo padrão que impulsiona o capitalismo, o filme sintetiza a consolidação da sociedade de consumo numa cena em que um carro comum se transforma numa super máquina. Muito mais que as lanchonetes, os drive-ins e os parques de diversões, é o desejo de consumo que forma a base do american dream. Se a trama central gira em torno da liberação sexual da mocinha, esta só ocorre quando a mesma se confronta com a alegria que a transgressão provoca em seus amigos. Ao contrário da maioria dos filmes sobre adolescentes, em Grease não existe o ponto de vista do adulto. Não nos são apresentados os pais de nenhum dos personagens e os professores são meros figurantes. Não interessa ao filme expor conflitos entre gerações, o retrato que faz da juventude é frontal e livre de julgamentos. Se traçarmos um paralelo com filmes ou seriados de televisão sobre a juventude contemporânea, notaremos um ponto em comum – buscam evidenciar a afirmação da identidade.

Fazer parte de um de- terminado grupo (as pink ladies, os bad boys, os atletas) é algo que provoca no jovem um sentimento de pertencimento, o que não é diferente das tribos que se formam hoje nas escolas. É interessante observar que os números musicais servem para reforçar a caracterização dos personagens, como em Summer nights, número que se utiliza do confrontamento de discursos para traçar o perfil dos personagens (são duas versões de uma mesma história que ora se encontram, ora se contradizem). Com isto, desenha-se um contraste imediato entre os universos masculino e feminino (ele distorce os fatos e inventa façanhas sexuais para se exibir, ela é romântica e idealiza um amor puro) que irá culminar no conflito central da trama (os dois só irão ficar juntos quando, ao final, estas diferenças vierem abaixo). Esse contraste se reforça nas baladas românticas solo de cada personagem. Embora ambas falem de corações partidos, existe um sentimento de incompreensão mútua que os separa. Enquanto em Hoppessly Devoted to you ela se queixa que seu amor foi colocado de lado, em Sandy ele se pergunta porque ela o deixou e sem perceber dá a resposta ao se perguntar o que os outros na escola irão dizer quando souberem que ele foi rejeitado.


Se Greased Lightnin expõe a preocupação de Danny com a aparência, Look at me, I`m Sandra Dee ironiza o romantismo de Sandy, canção que é retomada ao final do filme quando Sandy finalmente resolve se libertar de sua imagem puritana, assumindo uma nova identidade, mais ousada e sensual. Por se tratar de um retrato dos anos 50, o que predomina entre os números de dança é o rock and roll, gênero musical que surge exatamente nesta época. Sobre a dança especificamente, além do virtuosismo evidente, destaca-se a precisão com que cada ação é executada. A estética do musical é baseada no efeito, o que se atinge através de marcas e coreografias que acentuam cada detalhe da encenação. Desta maneira cada pausa, olhar e movimento

faz a diferença e tudo que está em cena, do menor objeto ao cenário mais grandioso deve ganhar vida pela forma com que os atores o manipulam. Tomemos como exemplo a quantidade de detalhes que podemos observar na introdução de Greased Lightnin no simples ato de tirar uma jaqueta. Em um movimento ligeiro, John Travolta arranca a jaqueta do corpo e a pendura no braço esquerdo, em seguida

faz uma pequena pausa e joga a jaqueta para o braço direito, segue outra pausa até que finalmente ele roda a jaqueta no ar e a joga, sem olhar, para cima do armário que está atrás dele. E com este mesmo nível de detalhismo segue a coreografia inteira, potencializada pela perfeita sincronia de movimentos dos bailarinos, construindo e desconstruindo imagens em ritmo vertiginoso. Dessa forma se constrói uma estética mais comprometida com o espetáculo do que com o mundo real. É exatamente este descompromisso com a realidade que permite ao gênero musical abordar qualquer tema, retratar qualquer universo. As possibilidades são infinitas, basta se deixar levar por este mundo de música, dança, cores fortes e fantasia. O encantamento que ele provoca é arrebatador.


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