Alcançando as metas do programa de ação do cairo para a

Page 1

Alcançando as metas do Programa de Ação do Cairo para a população jovem Shireen J Jejeebhoya, AJ Francis Zavierb, KG Santhyac a

Associado Senior, Population Council, New Deli, Índia. Contato: sjejeebhoy@popcouncil.org Oficial de Programas, Population Council, New Deli, Índia c Associado II, Population Council, New Deli, Índia b

Resumo: Alguns dos compromissos assumidos pelas Nações Unidas em acordos internacionais, particularmente no Programa de Ação do Cairo (1994), aprovado na Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD) e na resolução do Comitê de População e Desenvolvimento da ONU (UNCPD), com relação aos jovens incluem: garantia do direito à educação, com conclusão do nível secundário; adiamento do casamento para depois da infância, assegurando que as decisões relacionadas ao casamento sejam tomadas de maneira livre e plena; exercício do direito à saúde, incluindo o acesso à serviços acolhedores de aconselhamento e assistência à saúde; acesso a informações relacionadas à promoção da saúde, incluindo questões de saúde sexual e reprodutiva; garantia de recursos e agentes de proteção, especialmente para meninas e jovens, promovendo a equidade de gênero; proteção contra a violência de gênero; e socialização em ambientes acolhedores. Estes compromissos são cruciais para a transição bem sucedida para a vida adulta, no que se refere à saúde sexual e reprodutiva. Este artigo avalia em que medida esses compromissos foram alcançados, tomando como base estudos disponíveis realizados nos anos 2000s em países em desenvolvimento. O artigo conclui que, embora algum progresso tenha sido alcançado em grande parte destes aspectos, os países em desenvolvimento ainda tem um longo caminho a percorrer antes que possamos afirmar que estão auxiliando sua população jovem, no que se refere à saúde, a alcançar uma transição de sucesso rumo à vida adulta. © Reproductive Health Matters Palavras-chave: adolescentes e jovens, educação, casamento na infância, equidade de gênero, violência de gênero, saúde, serviços de saúde Em 1994, ano de realização da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD), as prioridades mundiais relacionadas à população e desenvolvimento foram transformadas, enfatizando-se a inclusão social, os direitos humanos e a importância de se dar atenção às necessidades e ao desenvolvimento das capacidades dos jovens. Atualmente, o mundo a maior proporção de população jovem (entre 10-24 anos) da história: há, aproximadamente, 1,8 bilhões de jovens no globo, que representam 26% da população mundial atual1. A importância dessa população o futuro das nações é largamente reconhecida. Muito já foi dito sobre o bônus demográfico e sobre o poder das populações jovens para contribuir para o desenvolvimento. Acordos mundiais para garantir uma transição bem sucedida para a vida adulta tem sido articulados em tratados internacionais, incluindo a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Descriminação contra a Mulher (1979)2, a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)3,)

o Programa de Ação do Cairo (1994)4, as Metas de Desenvolvimento do Milênio5, e, mais recentemente, a resolução da 45° Sessão da Comissão de População e Desenvolvimento das Nações Unidas (UNCPD) (2012)6, e a Declaração dos Jovens do Fórum Global de Bali (2012)7. A síntese dos dados disponíveis e dos compromissos firmados pelas nações nos acordos e convenções internacionais8, sugere que a transição bem sucedida para a vida adulta, no que se refere à saúde sexual e reprodutiva requer sete atributos: a concretização do direito à educação, alcançando-se, no mínimo, o nível secundário; retardamento do casamento para depois da infância, garantindo-se o livre direito de escolha do parceiro e do momento do casamento; exercício do direito à saúde, incluindo o acesso à serviços acolhedores de aconselhamento e assistência à saúde; acesso a informações relacionadas à promoção da saúde, incluindo as questões de saúde sexual e reprodutiva; garantia de recursos e agentes de

http://www.grupocurumim.org.br/site/revista/qsr7.pdf

Doi (artigo original): 10.1016/S0968-8080(13)41685-3

77


SJ Jejeebhoy et al. Questões de Saúde Reprodutiva 2014; 7: 75-88

proteção, especialmente em relação à meninas e jovens, promovendo a equidade de gênero; proteção contra a violência de gênero; e socialização em ambientes acolhedores. O objetivo deste artigo é avaliar a extensão da realização desses compromissos. Para isso, leva em consideração os compromissos firmados especificamente no Programa de Ação do Cairo4, comparando com a situação atual, a partir de dados extraídos de estudos qualitativos e quantitativos sobre saúde sexual e reprodutiva de jovens, publicados e não publicados, conduzidos nos anos 2000s em países em desenvolvimento na Ásia (principalmente na Ásia Meridional), África (incluindo África subsaariana e o norte da África) e América Latina. Quando disponíveis, também foram incluídas evidências do Sul e Leste Europeu. Tentou-se incluir o máximo de dados disponíveis em inglês neste período, relacionados às situações associadas a cada um dos sete aspectos listados acima e à implementação de intervenções direcionadas às necessidades das populações de adolescentes (10-14 anos) e jovens (15-24 anos). Além disso, procurou-se ampliar o escopo da pesquisa por meio do Google scholar e do Popline, da análise de documentos divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), o Fundo das Nações Unidas para a Criança (UNICEF), o Programa das Nações Unidas para HIV/AIDS e da leitura de artigos publicados em periódicos essenciais voltados para a situação da juventude. Utilizou-se ainda os dados das Pesquisas Nacionais de Demografia e Saúde de vários países, obtidos por meio do STATcompiler, uma ferramenta online para banco de dados. Percebemos que as evidências disponíveis focam de maneira desproporcional a faixa etária de 15 a 24 anos e que a faixa de 10 a 14 anos é sub-representada. Infelizmente, dados comparativos entre regiões e países nem sempre estão disponíveis, exigindo, em muitos casos, o foco sobre países e regiões selecionados ou o uso de indicadores compostos, que refletem diferentes dimensões de cada atributo em regiões distintas.

O direito à educação A CIPD demanda o direito à educação para pessoas jovens até o nível médio, especialmente para as meninas: “Além da realização do objetivo de educação primária e universal em todos os países antes do ano 2015, todos os países são instados a assegurar o acesso mais amplo, e o mais cedo possível, de meninas e mulheres aos níveis 78

secundários e superiores da educação” (Parágrafo 4.18). Outros parágrafos convocam para a eliminação das desigualdades de gênero no acesso, permanência e apoio à educação (Parágrafos 7.7c; 11.5). Compromissos similares foram reiterados pela UNCPD (Parágrafo 21). Quanto à educação universal no nível primário, desde 2009 apenas 87% das crianças dos países em desenvolvimento completaram o nível primário e ser pobre e mulher estão entre os fatores determinantes que impedem as crianças de concluírem a escola primária9. Durante a transição para o ensino médio produz novas exclusões: as taxas de matrícula efetuadas no período de 2007 a 2010 foram de 55% para as meninas e de 65% para os meninos10. A razão de sexo das matrículas no ensino médio melhoraram em muitos cenários, incluindo oito países da Ásia e África representados abaixo (Figura 1), mas continua abaixo de um em muitos países11. Como resultado, aproximadamente um terço das jovens entre 15 e 24 anos, em todo o mundo, não completaram o segundo grau de educação12. Muitas intervenções foram implementadas para a promoção da educação de adolescentes do sexo feminino. Uma avaliação dessas intervenções demonstrou que, apesar da grande variedade de estratégias utilizadas, predominam algumas abordagens, que podem ser classificadas em três categorias: ampliação do acesso das meninas à educação formal, reduzindo ou eliminando barreiras financeiras, através de bolsas, financiamentos ou outras formas de subsídios; mobilização das comunidades para a defesa do acesso das meninas à educação, para superar barreiras sociais e culturais; e promoção de alternativas educacionais informais para meninas que abandonaram a escola13. Poucos programas educacionais voltados para meninas foram avaliados, e menos ainda tornaram públicos os seus relatórios de avaliação. Sendo assim, embora promissoras, a maior parte dessas estratégias permanece não comprovada. Essa avaliação13 recomenda que a oferta de vagas na educação formal deve ser significantemente expandida; os recursos financeiros devem ser cuidadosamente direcionados de maneira a auxiliar meninas que dependem dos mesmos para frequentar a escola; e a educação não formal para meninas deve ser o foco de abordagens complementares, que oferecem às jovens adolescentes a oportunidade de serem novamente inseridas no sistema formal de educação.


SJ Jejeebhoy et al. Questões de Saúde Reprodutiva 2014; 7: 75-88

Figura 1: Razão de sexo de matrículas no nível secundárioa11

1.2

1990

1.0

2008–10

0.8

Indonésia

Nigéria

0.6 Bangladesh Paquistão

0.4

Índia Niger

Guiné

0.2

Chade

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

a 1,0 = número igual de matrículas de meninos e meninas

Eliminar o casamento na infância A CIPD recomenda que “os governos devem cumprir rigorosamente leis que assegurem que o casamento só se dê com o pleno e livre consentimento dos cônjuges futuros. Além disso, os governos devem cumprir rigorosamente leis concernentes à idade mínima legal de consentimento e à idade mínima legal para o casamento e aumentar, onde

necessário, essa idade mínima para casamento”. (Parágrafos 4.21, 5.5, 6.11). Recomendações similares foram reiteradas pela UNCPD (Parágrafo 9). Deve-se esclarecer que o casamento precoce, como sugerido na Convenção dos Direitos das Crianças (CDC), refere-se ao casamento daqueles que ainda não atingiram a maioridade legal, isto é, 18 anos (exceto se na lei vigente a maioridade

Figura 2: Proporção de mulheres de 20 a 24 anos que já estavam casadas entre os 15 e 18 anos, 1996-201014 50

47

45 39

40

Proporção

35 30 24

25 18

20 15

13

18

12

11

10 5 0

África Subsaariana

5

3

2 Nordeste da África (excluindo o Saara)

Ásia (excluindo o Sudeste Asiático)

Casada aos 15 anos

0 Sul da Àsia

Sul da Europa e Europa Oriental

América Latina e Caribe

Casada aos 18 anos

79


SJ Jejeebhoy et al. Questões de Saúde Reprodutiva 2014; 7: 75-88

é atingida mais cedo). São lentos os progressos para atingir esse objetivo e as variações regionais são amplas. Entre os países em desenvolvimento (com exceção da China), 35% das mulheres entre 20 e 24 anos casam antes dos 18 anos e 12% antes dos 15 anos. O casamento precoce é mais comum no sul da Ásia (Figura 2), onde quase a metade de todas as mulheres jovens casam antes dos 18 anos e aproximadamente um quinto antes dos 15 anos. Na África Subsaariana a situação é ligeiramente melhor. O casamento precoce é mais raro no norte da África, mas ainda não foi eliminado no Sudeste Asiático, na Oceania nem na América Latina e no Caribe14. A tendência observada dos anos 90 até os recentes anos 00 é que se alcance menos de 1% na redução anual dos casamentos precoces. Se essa tendência não for alterada nos próximos cinco anos, a proporção de jovens com até 18 anos casadas cairá, no máximo, até 40% no Sudeste da Ásia e 30% na África Subsaariana. O casamento precoce anda lado a lado com a exclusão das pessoas jovens do processo de decisão sobre quando e com quem casar15,16. “Eu queria estudar, mas meus pais estavam determinados a me casar… Eu tentei fugir, mas minha mãe disse que ela ia me matar se eu não casasse com ele” (Etiópia, casada ao 13 anos) “Vou perguntar o que pra elas? Não tem nada mais que perguntar. Ela só soube que estava casando quando a guirlanda foi posta no seu pescoço” (Índia, mãe de uma menina casada aos 16 anos)16

Mas há modelos de intervenções bem sucedidas. Uma revisão sistemática realizada em 2011, analisou 23 avaliações de programas implementados em países em desenvolvimento para a prevenção do casamento precoce, listando cinco estratégias que alcançaram sucesso de moderado a alto para retardar o casamento entre as jovens: empoderamento das meninas com redes de apoio, informação e capacitação; educação e mobilização de pais e membros da comunidade; ampliação do acesso e melhoria da qualidade da educação formal para meninas; oferta de apoio e incentivos econômicos para as meninas e suas famílias; e promoção de mudanças no contexto político e jurídico17. Essa análise sugere que aqueles programas que incentivaram a rede de apoio, informação e capacitação para meninas, combinados com a mobilização da comunidade, estiveram mais consistente e fortemente associados ao adiamento do casamento em intervalos de tempo relativamente curtos17,18. Essas estratégias promissoras precisam ser implementadas em maior escala e em mais países.

O direito à saúde A CIPD defende o direito dos jovens à saúde: “promover, ao máximo, a saúde, o bem estar e o potencial de todas as crianças, adolescentes e jovens” (Parágrafo 6.7(a)); atendendo “as necessidades especiais de adolescentes e jovens (...) de acesso a serviços de saúde, aconselhamento e de saúde reprodutiva de alta qualidade” (Parágrafo 6.7(b)); e assegurando que “programas e atitudes

Figura 3: Tendências na taxa de fecundidade (por 1000) mulheres, entre 15 e 19 anos, 1970 a 20151

160 Mundo

140

África Subsaariana Nordeste da África (excluindo o Saara)

120

Ásia (excluindo o Sudeste Asiático)

100

Sul da Àsia

80

Europa

60

América Latina e Caribe América do Norte

40

Oceania

20 0 1970–75

80

1975–80

1980–85

1985–90

1990–95

1995–00

2000–05

2005–10

2010–15


SJ Jejeebhoy et al. Questões de Saúde Reprodutiva 2014; 7: 75-88

de prestadores de assistência à saúde não restrinjam o acesso de adolescentes a serviços apropriados (...) esses serviços devem salvaguardar os direitos do adolescente à privacidade, à confidencialidade, ao respeito e ao consentimento esclarecido (Parágrafo 7.45). O UNCPD também demanda “atenção especial para a promoção da saúde sexual e reprodutiva e saúde mental...e… medidas preventivas para doenças sexualmente transmissíveis…” (Parágrafo 23). Embora os jovens sejam atualmente mais saudáveis do que as gerações anteriores, ainda persistem algumas condições que infligem uma elevada carga de doenças a essa população. Entre estas, destacam-se os riscos e as doenças sexuais e reprodutivas. Em muitos contextos, crianças estão dando à luz a crianças: 20% das mulheres entre 20 e 24 anos nos países em desenvolvimento (com exclusão da China) e 28% nos países da África Subsaariana engravidaram antes de completar 18 anos10. A gravidez precoce é acompanhada da maternidade precoce: entre os 15 e 24 anos, 17% das mulheres jovens casadas na África Subsaariana, 13% no Sudeste da Ásia e 10% na América Latina

prometer gravemente as opções de vida e saúde de jovens mulheres, produzindo, no longo prazo, impactos adversos na sua qualidade de vida e na de seus filhos. Relações sexuais precoces e desprotegidas são recorrentes na vida sexual dos jovens. Para além do casamento precoce e da iniciação sexual no contexto conjugal, também se constata a iniciação sexual precoce antes do casamento. De maneira geral, homens jovens, entre 15 e 24 anos, relataram relações sexuais pré-maritais, sendo 15% no Sudeste da Ásia e indo 62% na América Latina e no Caribe. Entre as mulheres jovens, essa proporção foi de 2-3% na Ásia (incluindo o Sudeste asiático) até 37%, na África Subsaariana. (Tabela 1) Evidências nacionais disponíveis (em 77 países para mulheres jovens e em 48 para homens jovens) sugerem, além disso, que, nos países em desenvolvimento, pelo menos 11% das jovens e 5% dos jovens entre 15 e 19 anos iniciaram a vida sexual antes de completarem 12 anos. Na África Subsaariana essas proporções são 15% e 10%, respectivamente10. Ao mesmo tempo, relações sexuais com múltiplos parceiros foram relatadas por uma

Tabela 1. Proporção de todos os homens e mulheres entre 15 e 24 anos que tiveram relações sexuais antes do casamento, que tiveram múltiplos parceiros e que usaram camisinha na última relação sexual (três diferentes bancos de dados)

Regiões

Sexo antes do casamento 2000-200720,21

Múltiplos parceiros (casados e não casados) 2003-201114

Camisinha na última relação sexual (casados e não casados), 1996-201114

Homens jovens Mulheres jovens

Homens jovens Mulheres jovens

Homens jovens Mulheres jovens

África Subsaariana

44 (29)

37 (32)

9.9 (27)

2.2 (28)

36 (30)

12 (33)

Ásia (excluindo o sul da Ásia)

17 (8)

2 (10)

5.9 (8)

0.1 (1)

20 (4)

5 (9)

Sudeste Asiático

15 (2)

3 (2)

1.7 (2)

0.1 (2)

15 (2)

6 (2)

Europa e Sul da Europa

55 (3)

27 (3)

15.6 (3)

2.8 (3)

62 (3)

39 (3)

América Latina e Caribe

62 (4)

34 (8)

22.3 (2)

4.9 (4)

50 (5)

17 (9)

Nota: O números entre parêntesis representam o número de países

e no Caribe já haviam tido três ou mais filhos14. As taxas de fecundidade na faixa de 15 a 19 anos estão em declínio, mas de forma lenta (Figura 3). As taxas de 2012 continuam mais altas da África Subsaariana e ligeiramente menores no Sudeste da Ásia, em comparação com as taxas mundiais de 1970-751. A maternidade precoce pode com-

grande proporção dos homens jovens, variando de 2% no Sudeste da Ásia até 22% na América Latina e Caribe. FIGURA 3. O uso da camisinha também tende a ser inconsistente, a proporção de jovens que declararam ter usado camisinha na ultima relação sexual variou, entre os homens, de 15% no Sudeste Asiático até 81


SJ Jejeebhoy et al. Questões de Saúde Reprodutiva 2014; 7: 75-88

62% no Leste e Sul da Europa. Entre as mulheres, a variação foi de 5% a 39%, respectivamente, nas mesmas regiões14. Embora o uso da camisinha permaneça limitado e inconsistente, há evidências de aumento do uso: dados de 18 países da África Subsaariana apontam um aumento médio de 1,4% anuais no uso de camisinha por mulheres jovens e solteiras, no período de 1993 a 200119. Além disso, relações sexuais não consensuais, isto é, aquelas que são fruto do uso da forca física, de ameaças, farsas, chantagem ou uso de drogas, são vivenciadas por mulheres jovens em inúmeros contextos, com uma variação que vai menos de 5% até mais de 20%22. O acesso à serviços de saúde reprodutiva para jovens - principalmente aqueles ligados à gravidez, contracepção, abortos e tratamento de infecções - é limitado. No conjunto dos países analisados (excluindo-se a China), apenas 55% das mulheres jovens que tiveram filhos na adolescência reportaram terem sido assistidas por profissionais competentes durante o parto. África Subsaariana, essa proporção foi de 48% e no Sudeste da Ásia, de 44%19. Apesar da primeira gravidez entre mulheres jovens ser a mais arriscada, não há evidências de que as adolescentes tenham maior acesso à assistência qualificada e adequada, quando comparadas às mulheres mais velhas que já engravidaram várias vezes.

Ainda é alta a demanda não satisfeita por contracepção entre as mulheres casadas de 15 a 24 anos14. A Figura 4 mostra como os serviços de planejamento reprodutivo falharam com mulheres jovens e casadas em comparação com mulheres entre 30 e 39 anos. Além disso, em 41 países para os quais há dados disponíveis para, pelo menos, dois períodos de tempo (antes de 2000, 2001-2005 e de 2006 em diante), a proporção de mulheres jovens que declararam necessidades não satisfeitas de contracepção, caiu muito modestamente, de 27% para 21% em um período de 15 anos. No período mais recente, um quarto das mulheres jovens da África Subsaariana, mais de um quinto no Sudeste Asiático e América Latina & Caribe e aproximadamente um sexto no resto da Ásia, declararam algum tipo de necessidade contraceptiva não satisfeita14. Pessoas jovens e solteiras enfrentam obstáculos consideráveis para o acesso a camisinhas ou outros insumos contraceptivos. As razões principais para isso são a ausência de informações sobre onde obtê-los ou como usá-los e o constrangimento de procurar contracepção em estabelecimentos comerciais ou unidades de saúde. “Eles fazem muitas perguntas”23. Há também o receio de que os profissionais de saúde sejam hostis, pouco compreensivos e que possam revelar sua intimidade a outras pessoas24. Em alguns casos, jovens solteiros

Figura 4 – Proporção de mulheres casadas entre 15 e 24 anos e entre 30 e 39 anos, com necessidades contraceptivas não atendidas, 1995-201014a 30 26 25

25 23 18

Proporção

20 15

15 10

9 10

12

11

8

12 8

05 0

África Norte da África Subsaariana (36) (excluindo o Sudão) (2)

15–24

Ásia (excluindo o Sul da Ásia) (13)

Sul da Ásia (5)

Leste e Sul da Europa (3)

30–39

a Os números entre parêntesis representam o número de países para os quais haviam dados disponíveis.

82

América Latina e Caribe (12)


SJ Jejeebhoy et al. Questões de Saúde Reprodutiva 2014; 7: 75-88

Figura 5 - Prevalência do HIV entre jovens de 15-24 anos, 2001-201026 3.5

3.3

3.0

2.7

Proporção

2.5 2.0 1.5 1.1

1.3

1.0 0.5

0.1 0.2

0.1 0.1

0.1 0.1

0.2 0.2

Oriente Médio e Norte da África

Ásia

Sul da Ásia

América Larita e Caribe

0 África

África Subsaariana

Homem

são praticamente excluídos dos serviços de saúde, independentemente da política adotada21,25. O sexo desprotegido, portanto, é comum. Estima-se que, mundialmente, 3,2 milhões de mulheres e 1,7 milhões de homens entre 15 e 24 anos viviam com o HIV em 2009, sendo a maior prevalência na África (Figura 5)16. A disparidade entre os sexos deve-se ao fato de que as mulheres jovens tendem a estabelecer relações com homens mais velhos, que já tiveram mais parceiras e um maior tempo de exposição à infecção, que favorece a transmissão do vírus para mais mulheres jovens14,27. Embora não haja estimativas globais sobre a prevalência de DSTs desagregada por idade, sabe-se que, em 2005, a incidência mundial de DSTs entre adultos foi de 448,3 milhões de casos de clamídia, gonorréia, sífilis e trichomonas vaginalis. Esse número aumentou para 498.9 milhões em 2008, o que pode ser parcialmente atribuído ao número crescente de jovens que se tornam sexualmente ativos a cada ano28. Altas taxas de gravidez indesejada e abortos também são observadas entre a juventude. A cada ano, aproximadamente 22 milhões de mulheres no mundo fizeram abortos inseguros29, sendo que quase todos aconteceram em países em desenvolvimento. Estima-se que 41% destes casos aconteceram entre mulheres de 15 e 24 anos, mas na África a proporção de jovens é de, aproximada-

Mulher

mente, metade do total30. Muitas sofreram consequências negativas tanto sociais quanto de saúde – desde hemorragia, sépsis e outras comorbidades de risco, fruto de complicações do aborto inseguro30, até exclusão social, interrupção dos estudos e casamento precoce, forçado após a gravidez na juventude. Devido à gravidez precoce, ao tratamento inadequado durante a gravidez e acesso restrito ao aborto seguro, a mortalidade materna custa a vida de aproximadamente 500.000 adolescentes a cada ano. De fato, adolescentes entre 15 e 19 anos contribuem com 11% de todos os nascimentos mundiais e são responsáveis por 14% da mortalidade materna31. O risco estimado de mortalidade é maior entre adolescentes do que de mulheres entre 20 e 24 anos (408 versus 319 mortes a cada 100 mil nascidos vivos)32. Adolescentes também são mais propensas a dar à luz a crianças desnutridas e, entre elas, são maiores as taxas de mortalidade infantil e neonatal. A necessidade de superar as graves barreiras na oferta de serviços de saúde é reconhecida mundialmente e diversos países em desenvolvimento buscam superá-las por meio de intervenções específicas para jovens. Uma revisão sistemática de dados referentes à avaliações em 16 países12 na África, três na Ásia e um na América Latina) salientou a efetividade de intervenções que focaram 83


SJ Jejeebhoy et al. Questões de Saúde Reprodutiva 2014; 7: 75-88

em três componentes. Primeiramente, profissionais de saúde foram treinados e orientados sobre as necessidades dos jovens de ambos os sexos e, a partir daí, ofereceu-se aconselhamento e ações de comunicação para esta população, junto com uma assistência acolhedora. Segundo, unidades de saúde voltadas para os jovens, acolhedoras, com garantia de qualidade e confidencialidade. Terceiro, atividades foram implementadas para gerar demanda e apoio aos serviços no nível da comunidade, o que ampliou a visibilidade das ações entre os jovens33. Ao mesmo tempo, ações correlatas foram valorizadas, como a disseminação de informações precisas, fácil acesso a métodos contraceptivos, visitas domiciliares para os mais vulneráveis, estímulo a normas sociais favoráveis ao fortalecimento das habilidades dos jovens, envolvendo também os homens e meninos34. Até o momento, entretanto, na maioria dos países, os programas e serviços voltados aos jovens ainda não alcançaram essas condições.

Promoção de educação sobre sexualidade e reprodução Vários países comprometeram-se a assegurar que adolescentes de ambos os sexos tenham acesso a informações sobre saúde sexual e reprodutiva, adequadas a sua idade. Em pelo menos sete parágrafos (7.8, 7.37, 7.41, 7.46, 8.24, 8.31, 11.9), a CIPD realça a necessidade de programas de educação sexual sensíveis e apropriados aos jovens. Recomenda que “serviços integrais de educação sexual para jovens devem ser apoiados (Parágrafo 7.37); informações… devem ser disponibilizadas aos adolescente para facilitar o entendimento sobre a sua sexualidade e para protegê-los da gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis” (Parágrafo 7.41) e “para ser mais efetiva, a educação sobre questões populacionais devem começar na escola primária” (Parágrafo 11.9). Mas, os países estão longe de atingir esses objetivos. Apesar dos jovens terem sede de informações, continuam desinformados sobre os processos reprodutivos, sobre a prevenção da gravidez e sobre as dinâmicas das relações amorosas e conjugais, entre muitas outras questões. Além disso, a informação que lhes é oferecida, tende a estar associada a julgamentos de valor que desrespeitam seus direitos e, invariavelmente, são insensíveis ao gênero e às evidências. Nos países em desenvolvimento, o conhecimento amplo sobre HIV (definido como o conhecimento de duas formas de prevenção e a capacidade de três concepções errôneas so84

bre o tema) é limitado, sendo dominado por apenas 24% das mulheres e 36% dos homens entre 15 e 24 anos, muito abaixo da meta global de alcançar 95% da população até 2010. Regionalmente, o grau de conscientização é mais baixo no norte da África (9% entre mulheres e 16% entre homens) e mais elevado na América Latina & Caribe, 44% e 48%, respectivamente26. O conhecimento sobre gravidez e contracepção também é limitado - na Índia, por exemplo, apenas dois a cada cinco mulheres e homens entre 15 e 24 anos sabiam que uma mulher poderia engravidar na sua primeira relação sexual; apenas três entre dez meninas sabiam que a camisinha masculina só pode se usada uma vez21. Apesar de todas as evidências aqui apresentadas sobre os limites da oferta de informações sobre questões sexuais e reprodutivas, ainda há um debate global sobre a pertinência de se promover ou não a educação sexual e muitos equívocos sobre os objetivos e os conteúdos dessa educação. A literatura considera que o conteúdo da maioria dos programas de educação sexual é adequado à idade do público alvo. Quanto à efetividade, as evidências são conclusivas em duas vertentes: (a) programas que estimulam apenas a abstinência sexual são ineficazes e reter informações sobre métodos contraceptivos e camisinhas, na prática, expõe os jovens a riscos ainda maiores de contrair infecções sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada; e (b) programas abrangentes não apenas reduzem a desinformação, como também ampliam a habilidade dos jovens para tomar decisões informadas, incluindo o adiamento da primeira relação sexual, a decisão de ter poucos parceiros sexuais e o uso de métodos contraceptivos e/ou da camisinha. Nesses casos, estudos concluíram que o comportamento sexual de risco foi reduzido entre 25% a 33%. Não há nem um único estudo que tenha encontrado evidências de que oferecer educação sexual a jovens aumenta o comportamento de risco35,36. Ao mesmo tempo, os jovens reiteraram sua preferência por uma educação que lhes traga consciência sobre seu direito à saúde, ou seja, que se dê em um contexto ausente de julgamentos de valores, que seja sensível às diferenças de gênero, específica e apropriada à faixa etária, contextualizada e tolerante às diferenças7. Em resumo, tanto a teoria baseada em evidências quanto os apelos dos próprios jovens são favoráveis à promoção da educação sexual, uma necessidade e um direito que continuam a ser negados a muitos jovens em boa parte do mundo.


SJ Jejeebhoy et al. Questões de Saúde Reprodutiva 2014; 7: 75-88

Agenciamento, direitos e equidade de gênero A CIPD defendeu energicamente a atenção especial ao desenvolvimento das habilidades pessoais das meninas como um modo de responder aos papéis tradicionais e aos estereótipos de gênero, apontando a ligação entre o agenciamento das jovens e sua capacidade de reivindicar direitos. Defende, ainda, a criação de “programas apropriados… para a educação e o aconselhamento de adolescentes sobre igualdade de gênero, violência contra adolescentes, comportamento sexual responsável, práticas responsáveis de planejamento reprodutivo, vida familiar… Tais programas devem… fazer um esforço consciente ciente para fortalecer valores sociais e culturais positivos” (Parágrafo 7.47). Também propõe mudanças nas normas relativas à masculinidade, por meio de uma “educação de homens jovens que respeitem a autodeterminação das mulheres e compartilhem com elas as responsabilidades da sexualidade e da reprodução” (Parágrafo 7.41) Em muitos países em desenvolvimentos, porém, a realidade é diferente, com a persistência de desigualdades de gênero e limitado poder social entre mulheres jovens. Quando comparadas aos meninos, as redes de amigos das adolescentes é limitada: em Addis Abeba, na Etiópia, por exemplo, os meninos declararam ter em média cinco amigos, enquanto as meninas declararam ter apenas três. Em KwaZulu-Natal, na África do Sul, 76% dos meninos e 48% das meninas declararam ter muitos amigos. Na Índia, os meninos relataram ter cinco ou mais amigos com quem podem discutir questões pessoais em uma proporção duas vezes maior do que as meninas37,21. Em muitos locais, são poucas as meninas com acesso a um ambiente social seguro fora de suas casa e escolas, onde podem fazer amigos e fortalecer sua rede social. Nas favelas de Nairóbi, por exemplo, dois terços dos meninos, e apenas um terço das meninas, afirmaram possuir um ambiente seguro para encontrar com amigos do mesmo sexo37. No alto Egito rural, a escola é a única atividade social não familiar permitida às meninas37. Na Índia rural, do mesmo modo, as meninas raramente encontram seus amigos fora de suas casas ou da escola. Os meninos, ao contrário, declararam ter várias oportunidades de socializar com seus colegas23. Do mesmo modo, em diversas regiões, as meninas e mulheres não tem controle sobre suas próprias vidas. Apenas 11% das mulheres casadas

entre 15 e 24 anos na África Subsaariana, 35% no Sudeste da Ásia e cerca de metade no restante da Ásia, por exemplo, relataram ter autonomia na tomada de decisões sobre assistência à saúde, grandes compras domésticas, aquisição de produtos domésticos cotidianos ou visitas a familiares14. Em vários países, as meninas não tem poder de negociação para recusar avanços sexuais indesejados ou de risco22, e muitas apresentam limites na auto-estima e na confiança necessária para se manifestarem ou confrontarem alguém de quem discordam. As desigualdades de gênero na educação são reconhecidas e são expressa até pelas adolescentes muito jovens. Como observou uma garota de 12 anos na Guatemala: “Eles dizem que só os meninos devem [estudar], porque eles são mais inteligentes. Algumas pessoas dizem pro meu pai: ‘Não deixe ela estudar porque você só vai desperdiçar seu dinheiro e ela vai casar e não vai terminar a escola’ ”37. E um menino de 10 anos na Índia rural acreditava que “é mais importante que os meninos terminem a escola do que as meninas, porque os meninos precisam trabalhar e as meninas, não”23. Um revisão da literatura baseada em evidências sobre o comportamento sexual de risco entre adolescente38, identificou vários programas com características semelhantes, incluindo a garantia de espaços sociais seguros, além da casa e da escola, redes de amigos, mentores e figuras de referência, educação baseada no desenvolvimento de competências para a vida, atividades para a construção de autonomia, informações sobre serviços e direitos sociais, econômicos e de saúde, educação financeira e voltada para a poupança, planos de autoproteção e informações sobre recursos comunitários disponíveis, caso necessário. Na África do Sul, as meninas que participaram de programas com essas características, realizaram um plano de poupança, exibiram uma boa auto-estima e confiança na sua capacidade de obter preservativos, além de se verificar maior inclusão social em suas comunidades37. Na Etiópia, igualmente, um programa para meninas apontou melhorias nas redes de amizades, na frequência escolar, na idade à época do casamento, no conhecimento sobre saúde reprodutiva e uso de métodos contraceptivos39. Programas para meninos e homens jovens demonstraram êxito, além disso, em proporcionar aos participantes a adoção de normas igualitárias de gênero, reduzindo simultaneamente a ocorrência de sintomas indicadores de doenças sexualmente transmissíveis40. 85


SJ Jejeebhoy et al. Questões de Saúde Reprodutiva 2014; 7: 75-88

Proteção contra violência de gênero A CIPD convoca os países a protegerem os jovens, especialmente mulheres, contra a violência, recomendando que os governos à “tomem medidas efetivas para enfrentar… o abuso de crianças, adolescente e jovens” (Parágrafo 6.9). A resolução da UNCPD, da mesma maneira, recomenda a aprovação e implementação de legislação que “proteja todos os adolescentes e jovens… de todas as formas de violência, incluindo a violência de gênero e a violência sexual...e a promoção de serviços sociais e de saúde, incluindo saúde sexual e reprodutiva, além da implementação de mecanismos para o recebimento de queixas e denúncias, para a reparação das violações de seus direitos humanos.” (Parágrafo 12) Os dados sugerem que a violência contra jovens assume diversas formas. Muitos cresceram testemunhando seus pais agredindo suas mães, muitos foram as próprias vitimas de violência parental – que são fatores determinantes para a perpetração e submissão à violência em relacionamentos íntimas na vida adulta41. A violência contra mulheres jovens é perpetrada principalmente por seus maridos e parceiros. Em Uganda, por exemplo, mais da metade das mulheres casadas entre 15 e 24 anos e de um terço até a metade das mulheres no Zimbábue, Tanzânia, Índia e Bangladesh, declararam já terem sido vitimas de violência dentro do casamento42-46. Mulheres solteiras com vida sexual ativa também relataram encontros sexuais forçados. A análise dos dados do DHS encontrou que a primeira experiência sexual foi não consensual para aproximadamente 2% das mulheres jovens no Azerbaijão e 64% na Republica Democrática do Congo47. Estudos realizados em Gana, Malaui, Uganda e Índia verificaram que para cerca de um quinto das jovens de 15 a 19 anos, sexualmente ativas, a primeira experiência sexual aconteceu por coação ou insistência de seus parceiros24-48. As respostas mais comuns foram: “Depois de ele me forçar [a fazer sexo], ele mandou um amiga minha [falar comigo]... Minha amiga me convenceu que eram assim que as coisas aconteciam com todas as meninas e que eu devia me acostumar. Então eu perdoei o garoto e voltei com ele.” (Uganda, 15 anos) 24 “Eu fui lá. Ele estava sozinho. Ele fechou a porta; ele me ameaçou dizendo que não poderia se casar comigo se eu continuasse me comportando assim. 86

Ele me bateu quando eu tentei fugir.” (Índia, 19 anos)48. A análise dos dados sobre intervenções para reduzir a violência contra meninas e adolescentes48 demonstra que os programas de prevenção da violência são geralmente implementados no contexto de programas voltados para o desenvolvimento de competências pessoais, da criação de ambientes seguros para meninas e da mudança nas noções de masculinidade entre meninos e homens jovens. A análise aponta que esses programas foram bem sucedidos ao fortalecer as meninas, ao desenvolverem as habilidades de comunicação e as atitudes igualitárias quanto ao gênero, mas o declínio das atitudes violentas por parte do parceiro só foi observado em estudos que também focaram no fortalecimento financeiro, na saúde sexual e na solidariedade50,51 e/ou com a participação de meninos e homens52.

Assegurando aos jovens “o direito de serem cuidados, orientados e apoiados” Após a identificação de obstáculos, a CIPD recomendou a implementação de programas que sensibilizem aqueles “que se encontram na posição de oferecer orientação a adolescentes sobre saúde sexual e comportamento reprodutivo, especialmente familiares e parentes, mas também comunidades, instituições religiosas, escolas, os meios de comunicação de massa e grupos de amigos (Parágrafo 7.48).” Também foi realçada a necessidade de promover interações entre os pais e a criança, demandando “a conscientização dos pais, com o objetivo de melhorar a interação com seus filhos, dando-lhes a oportunidade de cumprirem com seus deveres educativos para apoiar o processo de amadurecimento de seus filhos, especialmente nas áreas de comportamento sexual e saúde reprodutiva” (Parágrafo 7.48) Em muitos países, o ambiente está longe de atender às necessidade dos jovens e tampouco o relacionamento entre pais e filhos e entre adolescentes e seus professores ou mentores são caracterizados pelo respeito e pela comunicação fácil53. Os dados disponíveis demonstram que raramente os pais municiam seus filhos com informações ou orientações sobre questões sexuais ou reprodutivas. Em Burquina Faso, por exemplo, menos de dois quintos das meninas e um décimo dos meninos já conversaram esses assuntos com seus pais24. Na Índia, menos de 1% dos jovens já discutiram processos reprodutivos com um dos pais21. Meni-


SJ Jejeebhoy et al. Questões de Saúde Reprodutiva 2014; 7: 75-88

nos de Gana relataram: “Algumas pessoas perguntam aos seus colegas sobre sexo porque quando perguntam aos seus pais, ele podem pensar que eles [crianças] querem fazer essas coisas. Os pais pensam que eles são maldosos, então eles perguntam aos seus colegas.” Uma mãe em Burquina Faro afirmou: “As crianças tem medo de conversar comigo sobre esses assuntos”24. Uma mãe na Índia disse: “Uma pessoa não deve conversar sobre esses assuntos com os filhos de outra [pessoa]; a pessoa tem que deixar eles aprenderam sobre essas coisas depois que eles se casarem”54. Constrangimento, tradições, percepção errônea de que o diálogo sobre esses temas irá encorajar atividade sexual e habilidades de comunicação limitadas inibem os adultos a proporcionarem aos jovens um ambiente de apoio e confiança. Intervenções voltadas para os pais são escassas. Entretanto, uma vez que os pais desempenham um papel fundamental e uma vez que existem dados que comprovam que os jovens desejam conversar sobre essas questões, são necessárias atividades que propiciem aos pais as informações, habilidades e recursos para isso, principalmente sobre desenvolvimento normal de adolescentes, sexualidade, uso de substâncias, habilidades de comunicação e sobre os recursos locais disponíveis. 53 Estímulos para a criação e implementação de intervenções apropriadas em diversos contextos culturais são extremamente necessárias.

Avançando Os avanços em direção ao cumprimento dos compromissos assumidos tem sido lentos, mas há sinais encorajadores. Há, hoje, um maior comprometimento político e mais programas de investimento voltados para jovens do que em 1994, por exemplo. Muitos países reconheceram a importância de se avançar na área da saúde sexual e reprodutiva, reconhecendo a conexão entre o desenvolvimento da juventude e o futuro das nações. A 45ª sessão da Comissão de População e Desenvolvimento das Nações Unidas, realizada em 2012, reafirmou os compromissos globais feitos na CIPD e destacou a saúde sexual e reprodutiva de jovens na agenda global. Além disso, a geração atual de jovens é seguramente

mais saudável, melhor instruída, mais exposta a novas ideias, melhor informada sobre direitos e melhor preparada para participar do mundo em crescente globalização. Em terceiro lugar, há exemplos promissores de intervenções para fortalecer adolescentes, construindo a igualdade de gênero e eliminando os obstáculos à promoção da saúde. Finalmente, e talvez mais significativo, os jovens estão fortalecendo a si mesmos e lideranças da juventude estão desempenhando um papel importante na definição da agenda mundial para jovens. No Fórum Global da Juventude da CIPD+15, realizado em Bali, em 2012, os jovens reafirmaram essa agenda, destacando os direitos sexuais e reprodutivos e a inclusão dos mais marginalizados. A Declaração deste Fórum colocou os jovens e seus direitos no centro do desenvolvimento, reforçando os elementos para a transição bem sucedida da adolescência à vida adulta, discutidos nesse artigo. Exigiu, além disso, a participação contínua e significativa da juventude na formulação e implementação de políticas e programas fundamentados na proteção de seus direitos. As metas do Programa de Ação da CIPD para os jovens continuam sendo um roteiro válido em 2013, assim com era em 1994. O alcance dessas metas exige a convicção de que investir nos jovens é a chave para o desenvolvimento mundial e a crença de que essa é a coisa certa a fazer.

Agradecimentos Esse artigo é a versão adaptada da apresentação feita na 45ª Reunião da Comissão de População e Desenvolvimento, realizada em Nova York, em 2012. Agradecemos as contribuições e o apoio de todos. Rajib Acharya, Ann Biddlecom, Ann Blanc, Judith Bruce, Diane Rubino, Cheryl Sawyer e Iqbal Shah fizeram comentários esclarecedores em versões anteriores. MA Jose, Komal Saxena e Shilpi Rampalv forneceram um enorme apoio durante as pesquisas. Também agradecemos o apoio da Fundação David e Lucile Packard, Fundação John D e Catherine T MacArthur, Fundação Ford, Fundação Richard e Flora Hewlett, Fundação de AIDS Elton John e o Departamento Britânico para o Desenvolvimento Internacional, do Population Council.

87


SJ Jejeebhoy et al. Questões de Saúde Reprodutiva 2014; 7: 75-88

Meeting the commitments of the ICPD Programme of Action to young people Referências 1. United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division. World Population Prospects: the 2010 revision, 2012. http://esa.un.org/unpd/wpp/ index.htm. 2. United Nations. Convention on the Elimination of all forms of Discrimination Against Women. New York: UN, 1979 (http://www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/ text/ econvention.htm#intro. 3. United Nations. Convention on the Rights of the Child. New York: UN, 1989. 4. United Nations. International Conference on Population and Development Programme of Action. UN, 1994. 5. United Nations. Millennium Development Goals. New York: UN, 2000. http://www.undp.org/content/undp/ en/ home/mdgoverview.html. 6. United Nations. Official Records of the Economic and Social Council, 2012, Supplement No. 5 (E/2012/25), New York, UN, 2012. 7. United Nations Population Fund. Bali Global Youth Forum Declaration. New York: UNFPA, 2012. 8. National Research Council and Institute of Medicine. Growing Up Global: The changing transitions to adulthood in developing countries. Washington, DC: National Academies Press, 2005. 9. United Nations. The Millennium Development Goals Report 2011. New York: UN, 2011. 10. United Nations Children’s Fund. Progress for Children: A report card on adolescents. New York: UNICEF, 2012. 11. United Nations Educational Scientific and Cultural Organisation Institute for Statistics. http://stats.uis. unesco.org. 12. United Nations Children’s Fund. The State of the World’s Children 2011. Adolescence: an age of opportunity. New York: UNICEF, 2011. 13. Lloyd CB, Young J. New lessons: the power of educating adolescent girls. New York: Population Council, 2009. 14. ICF International. Measure DHS STATcompiler, 2012. http:// statcompiler.com. 15. Ross W. Ethiopian girls fight child marriages. BBC News: Amhara, 2011. http://www.bbc.co.uk/news/ world-africa-13681053. 16. Santhya KG, Haberland N, Singh AK. She knew only when the garland was put around her neck: findings from an exploratory study on early marriage in Rajasthan. New Delhi: Population Council, 2006. 17. Malhotra A, Warner A, McGongle A, et al. Solutions to end child marriage: what the evidence shows. Washington, DC:

88

International Centre for Research on Women, 2011. 18. Lee-Rife S, Malhotra A, Warner A, et al. What works to prevent child marriage: a review of the evidence. Studies in Family Planning 2012;43(4):287–303. 19. Cleland J, Ali MM, Shah I. Trends in protective behaviour among single vs. married young women in sub-Saharan Africa: the big picture. Reproductive Health Matters 2006;14(28):17–22. 20. ICF International. The HIV/AIDS data compiler: HIV/AIDS survey indicators data base. http://hivdata.measuredhs. com/ start.cfm. 21. International Institute for Population Sciences and Population Council. Youth in India: Situation and Needs 2006–2007. Mumbai: IIPS, 2010. 22. Jejeebhoy SJ, Bott S. Non-consensual sexual experiences of young people in developing countries: an overview. In: Jejeebhoy SJ, Shah I, Thapa S. Non-consensual sex and young people: looking ahead. In: Sex without Consent: Young People in Developing Countries. Jejeebhoy SJ, Shah I, Thapa S, editors. London: Zed Books, 2005. p.341–53. 23. Santhya KG, Jejeebhoy SJ, Saeed I, et al. Growing up in rural India: an exploration into the lives of younger and older adolescents in Madhya Pradesh and Uttar Pradesh. New Delhi: Population Council, 2013. 24. Biddlecom AE, Hessburg L, Singh S, et al. Protecting the next generation in sub-Saharan Africa: learning from adolescents to prevent HIV and unintended pregnancy. New York: Guttmacher Institute, 2007. 25. Tylee A, Haller DM, Graham T, Churchill R, Sanci LA. Youth-friendly primary-care services: how are we doing and what more needs to be done. Lancet DOI-10.1016/S01406736(07)60371-7, 2007. 26. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS). Securing the future today: synthesis of strategic information on HIV and young people. Geneva: UNAIDS, 2011. 27. Bruce J, Clark S. The implications of early marriage for HIV/ AIDS policy. New York: Population Council, 2004. 28. World Health Organization. Global incidence and prevalence of selected curable sexually transmitted infections – 2008. Geneva: WHO, 2008. 29. World Health Organization. Unsafe abortion: global and regional estimates of the incidence of unsafe abortion and associated mortality in 2008. 6th ed. Geneva: WHO, 2001. http://www.who.int/ reproductivehealth/publications/unsafe_abortion/ 9789241501118/en/index.html. 30. Shah IH, Åhman E. Unsafe abortion differentials in 2008


SJ Jejeebhoy et al. Questões de Saúde Reprodutiva 2014; 7: 75-88 by age and developing country region: high burden among young women. Reproductive Health Matters 2012;20(39):169–73. 31. World Health Organization. Mortality estimates by cause, age and sex for the year 2008. Geneva: WHO, 2001. 32. Blanc AK, Winfrey W, Ross J. New findings for maternal mortality age patterns: aggregated results for 38 countries, 2012. (Unpublished) 33. Dick B, Ferguson J, Chandra-Mouli C, et al. Review of the evidence for interventions to increase young people’s use of health services in developing countries. In: Ross DA, Dick B, Ferguson J, editors. Preventing HIV/AIDS in young people: a systematic review of the evidence from developing countries. Geneva: WHO, 2006. 34. World Health Organization. WHO Guidelines on preventing early pregnancy and poor reproductive outcomes among adolescents in developing countries. Geneva: WHO, 2001. 35. Boonstra HD. Advancing sexuality education in developing countries: evidence and implications. Guttmacher Policy Review 2011;14(3). 36. Kirby D. The impact of abstinence and comprehensive sex and STD/HIV education programmes on adolescent sexual behaviour. Sexuality Research and Social Policy 2008;5(3):18–27. 37. Hallman K, Roca E. Reducing the social exclusion of girls. Promoting healthy, safe and productive transitions to adulthood. Brief No.27. New York: Population Council, 2007. 38. Bruce J, Temin M, Hallman K. Evidence-based approaches to protecting adolescent girls at risk of HIV. AIDSTAR-One Spotlight on Gender, 2012. 39. Erulkar AS, Muthengi E. Evaluation of Berhane Hewan: a program to delay child marriage in rural Ethiopia. International Perspectives on Sexual and Reproductive Health 2009;35(1):6–14. 40. Pulerwitz J, Barker G, Segundo M, et al. Promoting more gender-equitable norms and behaviors among young men as an HIV/AIDS prevention strategy. Horizons Final Report. Washington, DC: Population Council, 2006. 41. Capaldi DM, Knoble NM, Shortt JW, et al. A systematic review of risk factors for intimate partner violence. Partner Abuse 2012;3(2):231–80. 42. Uganda Bureau of Statistics (UBOS), Macro International Inc.

Uganda Demographic and Health Survey 2006. Calverton, MD: UBOS and Macro International, 2007. 43. Central Statistical Office Zimbabwe, Macro International. Zimbabwe Demographic and Health Survey 2005–06. Calverton MD, CSO and Macro International, 2007. 44. National Bureau of Statistics Tanzania, ICF Macro. Tanzania Demographic and Health Survey 2010. Dar es Salaam: NBS and ICF Macro, 2011. 45. International Institute for Population Sciences and Macro International. National Family Health Survey 3, 2005–06: India: Vol 1. Mumbai: IIPS, 2007. 46. National Institute of Population Research and Training, Mitra and Associates, Macro International. Bangladesh Demographic and Health Survey 2007. Dhaka and Calverton, MD: NIPRT, Mitra and Assoc, Macro International, 2009. 47. Jejeebhoy SJ. Protecting young people from sex without consent. Promoting healthy, safe, and productive transitions to adulthood, Brief No.7. New York: Population Council, 2011. 48. Santhya KG, Acharya R, Jejeebhoy SJ, et al. Timing of first sex before marriage and its correlates: evidence from India, Culture, Health and Sexuality 2011;13(3):327–41. 49. Blanc AK, Melnikas A, Chau M, et al. A review of the evidence on multi-sectoral interventions to reduce violence against adolescent girls. New York: Population Council, 2012. 50. Pronyk PM, James RH, Julia CK, et al. Effect of a structural intervention for the prevention of intimate-partner violence and HIV in rural South Africa: a cluster randomised trial. Lancet 2006;368(9551): 1973–83. 51. Jewkes R, Nduna M, Levin J, et al. Impact of Stepping Stones on incidence of HIV and HSV-2 and sexual behaviour in rural South Africa: a cluster randomised controlled trial. BMJ 2008;337:a506. 52. Verma RK, Pulerwitz J, Mahendra VS, et al. Promoting gender equity as a strategy to reduce HIV risk and gender-based violence among young men in India. In: Horizons Final Report. New York: Population Council, 2008. 53. World Health Organization. Helping parents in developing countries improve adolescents’ health. Geneva: WHO, 2007. 54. Jejeebhoy SJ, Santhya KG. Parent-child communication on sexual and reproductive health matters: perspectives of mothers and fathers of youth in India. New Delhi: Population Council, 2011.

89


SJ Jejeebhoy et al. Questões de Saúde Reprodutiva 2014; 7: 75-88 Résumé

Resumen

Certains engagements souscrits par les nations au titre d’accords internationaux, notamment le Programme d’action de la CIPD (1994) et la résolution de la Commission de la population et du développement (2012), prévoient : la réalisation du droit à l’éducation et l’accès à l’enseignement secondaire ; le retard du mariage après l’enfance et la garantie du libre choix dans les décisions relatives au mariage ; l’exercice du droit à la santé, notamment l’accès à des services et conseils de santé conviviaux ; l’accès à des informations sur la promotion de la santé, entre autres sur les questions sexuelles et génésiques ; l’acquisition d’articles de protection, particulièrement pour les filles et les jeunes femmes, et la promotion de rôles et d’attitudes basés sur l’égalité entre les sexes ; la protection contre la violence sexiste ; et la socialisation dans un environnement propice. Ces objectifs sont essentiels pour une transition réussie vers l’âge adulte du point de vue de l’état de santé sexuelle et génésique. L’article évalue dans quelle mesure ces engagements ont été réalisés, au moyen des études menées à compter de 2000 dans les pays en développement. Si certains progrès ont été accomplis dans la plupart de ces aspects, les pays en développement sont encore loin de pouvoir affirmer qu’ils aident leurs jeunes à négocier avec succès la transition vers l’âge adulte dans le domaine de la santé sexuelle et génésique.

Algunos de los compromisos adquiridos por las naciones en acuerdos internacionales, principalmente en el Programa de Acción de CIPD (1994) y en la resolución del Comité de Población y Desarrollo de las Naciones Unidas (2012), son: realización del derecho a la educación y logro de educación secundaria; aplazamiento del matrimonio más allá de la infancia y garantía de decisiones libres y toda la gama de opciones en asuntos relacionados con el matrimonio; ejercicio del derecho a la salud, incluido el acceso a consejería y servicios de salud amigables; acceso a información que promueva salud, incluida la salud sexual y reproductiva; adquisición de medios para protegerse y capacidad para tomar decisiones, particularmente entre niñas y mujeres jóvenes; promoción de actitudes y roles de género equitativos; protección contra la violencia de género; y socialización en un ambiente de apoyo. Estos son fundamentales para lograr la transición a la adultez con relación a los resultados de salud sexual y reproductiva. En este artículo, basado en estudios realizados en la década de los 2000 en países en desarrollo, se evalúa hasta qué punto se han realizado estos compromisos. Se concluye que, aunque se han logrado algunos avances en la mayoría de estos aspectos, los países en desarrollo tienen un largo trecho por delante antes de que se pueda decir que están ayudando a la juventud a lograr la transición a la adultez con relación a la salud sexual y reproductiva.

90


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.