Movimento e contramovimento: a trajetória da reforma da lei do aborto e da reação conservadora na Colômbia 2006-2014 Alba Ruibal Pesquisadora, CONICET Argentina, Córdoba, Argentina. Contato: albaruibal@gmail.com
Resumo: Em 2006, a Corte Constitucional da Colômbia divulgou a Decisão C-355/2006, que liberalizou a lei de aborto no país. Essa reforma foi inovadora em sua argumentação, tornando-se uma das primeiras decisões judiciais no mundo a estabelecer o direito ao aborto por razões de igualdade e a primeira decisão de uma corte internacional sobre a constitucionalidade do aborto no marco dos direitos humanos. Também foi a primeira de uma série de reformas que abrandaram a regulação do aborto em quatro países da América Latina. O caso da Colômbia também é notável pelo processo de judicialização estratégica coordenado por organizações feministas após a decisão judicial para assegurar a implementação da lei e se contrapor à oposição dos atores conservadores que atuam nas instituições estatais e, além disso, pelo papel ativo desempenhado pela própria Corte Constitucional nesse processo. Tomando como base o trabalho de campo conduzido na Colômbia em 2013, este artigo analisa o processo de implementação progressiva e a reação conservadora que se seguiram à decisão C-355/2006, destacando a judicialização estratégica conduzida pelos movimentos feministas e a decisão subsequente da Corte Constitucional que consolidou a jurisprudência no campo do direito ao aborto. Esse artigo também enfatiza o papel das feministas e dos ativistas conservadores nas instituições estatais como movimentos sociais opostos e as dinâmicas da mobilização/contramobilização política e jurídica desse processo. Palavras-chave: direito constitucional, jurisprudência, legislação e políticas sobre aborto, processo político e ativismo, movimentos sociais, Colômbia Em 2006, a Corte Constitucional da Colômbia, divulgou a decisão pioneira C-355/2005 que liberalizou a legislação do aborto no país, até então criminalizado em qualquer circunstância, o que inseria a Colômbia entre os poucos países com as leis mais severas do mundo em relação ao aborto1. Apesar da reforma ter um alcance restrito uma vez que não legaliza o aborto de acordo com a vontade da mulher, mas apenas estabelece um modelo de permissivos - ela foi revolucionária em termos de argumentação. Tratou-se de uma das primeiras decisões judiciais a defender os direitos ao aborto por meio do princípio da igualdade2 e a primeira decisão de uma corte constitucional a analisar a constitucionalidade do aborto de acordo com os princípios dos direitos humanos. A decisão C-355 também foi a primeira de uma série de reformas legais que atenuaram, em diferentes graus, as leis de aborto em outros quatro países da América Latina na última década: México, Brasil, Argentina e Uruguai*. A decisão * Em 2007, a cidade do México legalizou o aborto durante o primeiro trimestre de gestação por solicitação da mulher e em 2009 a Suprema Corte acolheu a decisão. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal do Brasil legalizou o aborto em casos de anencefalia.
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foi emitida em resposta ao desafio constitucional formulado pela Junta Mundial Feminina como parte do projeto de judicialização estratégica LAICIA (High Impact Litigation in Colombia for the Unconstitucionality of Abortion)†, em conjunto com a Mesa por la Vida y la Salud de las Mujeres (Advocates for Women’s Life and Health, conhecida como La Mesa)‡. Também em 2012, a Suprema Corte da Argentina estabeleceu que o aborto é legal em casos de estupro. E o Congresso Nacional do Uruguai legalizou, em 2012, o aborto no primeiro trimestre (sob a condição de aconselhamento compulsório e de um período de espera). † O projeto foi coordenado pela advogada feminista Mónica Roa, que era diretora do Programa de Justiça de Gênero na Women’s Link Worldwide (onde é atualmente Vice Presidente de Estratégia e Relações Externas). Para mais informações sobre o projeto LAICIA e para o arquivo de documentos relacionados ao processo anterior à Corte Constitucional, ver http://www.womenslinkworldwide.org/ wlw/new.php?modo=detalle_proyectos&dc=10 ‡ La Mesa, constituída em 1996, é a mais importante coalizão de defesa do aborto na Colômbia. Na época da reforma legislativa, incluía de forma mais proeminente as seguintes organizações: Humanas, Orientame, Profamilia, Rede Nacional de Mulheres e Católicas pelo Direito de Decidir e ativistas e defensoras da saúde da mulher independentes, como Florence Thomas e Ana Cristina González Vélez. Ver: http://www.despenalizaciondelaborto.org.co Doi: (do artigo original) 10.1016/S0968-8080(14)44803-1