Campanha internacional pelo direito das mulheres ao aborto

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Declaração da Campanha Internacional pelo Direito das Mulheres ao Aborto Seguro 12 de Maio de 2014

Aborto Seguro e a Agenda pós-2015 A Campanha Internacional pelo Direito das Mulheres ao Aborto Seguro é uma coalizão de organizações e redes que apoia o direito das mulheres ao aborto legal e seguro, reunindo integrantes de 108 países. Nossas metas são promover o acesso universal ao aborto legal e seguro como uma questão de saúde da mulher e de direitos humanos e apoiar a autonomia das mulheres para decidir se e quando ter filhos e o acesso aos meios necessários para concretizar essas decisões sem riscos para a sua saúde e suas vidas. Gostaríamos de parabenizar a 47ª Comissão de População e Desenvolvimento (CDP) por muitos aspectos da Resolução, particularmente com relação à linguagem sobre os direitos humanos e empoderamento de mulheres no contexto do desenvolvimento e das questões de população. Assim como muitos outros analistas, concordamos que o apoio à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos é um valor em si mesmo na Resolução, representando uma grande conquista desde a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD ou ICPD, em inglês) de 1994. Mas, ao mesmo tempo, acreditamos que há muitas coisas não ditas em relação ao aborto que gostaríamos de abordar aqui. Apoiamos fortemente o uso da linguagem do Programa de Ação da CIPD sobre o acesso a serviços de qualidade e a informações confiáveis, a serviços de contracepção abrangentes e de qualidade para prevenir a gravidez não desejada, para acompanhar mulheres grávidas que não desejam a gravidez e com treinamento e equipamento necessários a profissionais de saúde para garantir que o aborto seja seguro e acessível nos lugares onde não é ilegal, como previsto pela Resolução1. Entretanto, é igualmente importante destacar no Programa de Ação que:

• O aborto inseguro é “uma séria questão de saúde pública”2responsável por “grande parte das mortes maternas e das lesões permanentes às mulheres que passam por essa situação”3.

E que governos deveriam reafirmar:

• “...O compromisso com a saúde e o bem-estar da mulher para reduzir consideravelmente a morbidade e o número de mortes decorrentes do aborto em condições inseguras3.”

Além disso, a Resolução incorpora uma linguagem excelente em muitos aspectos relevantes e aplicáveis ao aborto seguro (por exemplo, como um componente necessário da saúde e dos direitos sexuais e 1

47ª Comissão de População e Desenvolvimento, OP12. Programa de Ação da ICPD, Parág. 8.25. 3 Programa de Ação da ICPD, Parág. 8.19 4 Programa de Ação da ICPD, Parág. 8.20 2

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© ICWRSA

Doi: (do artigo original) 10.1016/S0968-8080(14)43762-5


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reprodutivos) e ao aborto inseguro (por exemplo, como uma importante e evitável causa da morbimortalidade materna). Gostaríamos de destacar essa ligação, especialmente com relação ao texto da OP115. Em terceiro lugar, a Resolução cita a necessidade em atender aos “novos desafios relevantes no campo da população e do desenvolvimento…”6. É importante que isso também seja feito em relação ao aborto, que, nos últimos 20 anos, tem recebido atenção global tanto por parte do sistema de direitos humanos das Nações Unidas, especialmente pela CEDAW e pelo Relator Especial sobre o Direito à Saúde, quanto por parte das agências das Nações Unidas encarregadas da saúde pública e assistência à saúde, particularmente a OMS e o UNFPA. Além disso, governos de vários Estados Membros reformaram suas leis e políticas sobre o aborto desde a CIPD, precisamente para reduzir a morbimortalidade materna e para defender os direitos e a saúde das mulheres. Gostaríamos de reconhecer a coragem inacreditável dessas reformas, que não foram fáceis. A indução do aborto é um dos procedimentos médico-cirúrgicos mais seguros e de uma a três mulheres irão realizar pelo menos um aborto em toda a vida, mas metade dos 43,8 milhões de abortos anuais ainda são realizados em condições de insegurança e, pelo menos desde 1994, um milhão de mulheres morreram em decorrência de abortos inseguros. De acordo com a OMS, a “alta parcela da mortalidade materna” decorrente do aborto inseguro mencionada pelo Programa de Ação da CIPD representa 13% das mortes maternas globalmente e até 18% na África Oriental. Essa proporção não foi reduzida com o passar do tempo. O tratamento para as complicações decorrentes do aborto inseguro consome uma enorme quantidade de recursos de emergência obstétrica, escassos nos sistemas públicos de saúde em países onde há restrições legais ao aborto, isto é, países sem a mínima condição de bancá-los. Isso não seria necessário se os abortos fossem legais e seguros. Além disso, dados da OMS demonstram que a maioria das mulheres que sofrem e morrem das complicações do aborto inseguro não só vivem em países onde o aborto é legalmente restrito, como também vivem na pobreza. Elas sofrem, portanto, um duplo preconceito, apesar do direito à não discriminação lhes ser legalmente concedido. Os Direitos Humanos são, por definição, universais e aplicáveis a todas as pessoas sem discriminação. As mulheres que precisam do aborto têm direito ao melhor padrão de saúde existente, têm o direito de usufruir dos frutos do progresso científico e, acima de tudo, o direito à vida. Todos concordam que é preferível prevenir uma gravidez indesejada, mas, em todo o mundo, pelo menos 220 milhões de mulheres têm necessidades de contracepção não atendidas e quase todos os métodos contraceptivos falham em algum momento, mesmo quando utilizados de maneira correta e consistente. Todos esses fatores reforçam e são consistentes com o Programa de Ação da CIPD e com a Resolução. Desde 1994, consultas globais, regionais e nacionais apoiaram o direito das mulheres ao aborto seguro; leis e políticas nacionais de aborto e suas consequências para as mulheres já foram estudadas por uma gama enorme de experts, incluindo os órgãos de monitoramento dos direitos humanos da ONU; dados qualitativos sobre a experiência das mulheres e de profissionais da saúde em relação ao aborto, seja ele seguro ou não, são coletados em todo o mundo; e declarações de apoio ao direito das mulheres ao aborto seguro têm sido divulgadas de muitas formas por todas as agências centrais e atores da ONU e do sistema de Direitos Humanos da ONU. 5

O parágrafo diz que: “as áreas de déficit de implementação do Programa de Ação da ICPD... eliminação da morbimortalidade materna prevenível por meio do fortalecimento dos sistemas de saúde, do acesso equitativo e universal a serviços abrangentes, integrados e de qualidade de saúde sexual e reprodutiva... acesso de adolescentes e jovens à educação e informações completas e precisas sobre saúde sexual e reprodutiva... educação baseada em evidências sobre sexualidade humana e saúde reprodutiva e promoção, respeito, proteção e acesso a todos os direitos humanos, especialmente de meninas e mulheres, incluindo a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos; e tratando da persistência das leis discriminatórias e de sua aplicação injusta e também discriminatória...” e mais. 47ª Comissão de População e Desenvolvimento, OP11. 6 47ª Comissão de População e Desenvolvimento, PP10

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O documento a seguir contém apenas uma fração dessas evidências:

Evidências da saúde pública e dos direitos humanos que dão apoio ao aborto legal e seguro • Aborto seguro: Guia Político e Técnico para os Sistemas de Saúde (Organização Mundial da Saúde, 2012),

que é o texto pioneiro recomendado como guia para os Estados Membros na abordagem das questões ligadas ao aborto7.

• Marco Referencial das Ações para o acompanhamento do Programa de Ação da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento Após 2014: Relatório da Pesquisa Global (Relatório da Análise Operacional da Implementação do Programa de Ação da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento e o Acompanhamento Após 2014)8.

• Declaração do Comitê para a Eliminação da Discriminação contra Mulheres sobre saúde e direitos sexuais e reprodutivos: Análise da CIPD Após 20149.

• Comentários/recomendações sobre o aborto de três órgãos de monitoramento de tratados de direitos humanos da ONU:

• Comentário Geral 2013 do Comitê sobre os Direitos da Criança (CDC). Comentário Geral Nº. 15, sobre o direito das crianças ao mais alto padrão alcançável de saúde10. • Recomendação Geral do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra Mulheres (Comitê CEDAW), Recomendação Geral Nº. 30 sobre Mulheres na Prevenção de Conflitos, e em Situações de Conflito e Pós-Conflito11. • O Comitê contra a Tortura (CCT) manifesta preocupação acerca do banimento da contracepção de emergência no Peru e das denúncias dos médicos às autoridades sobre mulheres que abortaram12.

• ONU ECLAC, Primeira sessão da Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento na América Latina e no Caribe, Declaração de Consenso, Montevidéu, 12-15 Agosto de 201313.

• Relatório Interno do Relator Especial sobre o direito de todos a gozar do padrão mais alto de saúde física e mental, 3 de Agosto de 201114.

Nós apelamos para que: todas as agências e órgãos relevantes empreendam esforços educacionais proativos sobre a necessidade de mulheres ao aborto seguro e pela inclusão desse direito na agenda pós-2015. Apelamos especialmente ao UNFPA e à Divisão de População da ONU para assegurar que essa questão seja amplamente abordada como parte da 48ª CPD “Alcançar o futuro que queremos: a integração das questões de população ao desenvolvimento sustentável, incluindo a agenda de desenvolvimento pós-2015”. Finalmente, clamamos para que todos os que apoiam o direito das mulheres ao aborto seguro dêem a essa questão a mais ampla visibilidade e apoio possível na ONU, assim como nos níveis nacional e regional no desdobramento das futuras negociações. Signatários: Equipe de Coordenação da Campanha Internacional pelo Direito das Mulheres ao Aborto Seguro e mais 240 signatários de todo o mundo, que serão divulgados no site www.safeabortionwomensright.com

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http://www.who.int/reproductivehealth/publications/unsafe_abortion/9789241548434/en/ http://icpdbeyond2014.org/uploads/browser/files/icpd_global_review_report.pdf http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/CEDAW/Statements/SRHR26Feb2014.pdf 10 UN Doc. CRC/C/GC/15, para. 70. 11 UN Doc. CEDAW/C/GC/30, para. 52(c). 12 CAT: Peru 15 U.N. Doc CAT/C/PER/CO/5-6 (2013). 13 http://www.unfpa.org/webdav/site/global/shared/documents/news/2013/Montevideo%20Consensus-15Aug2013.pdf 14 http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/66/254 8 9

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