O papel dos homens na prevenção da transmissão vertical do hiv e

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O papel dos homens na prevenção da transmissão vertical do HIV e na promoção da saúde sexual e reprodutiva Eric Ramirez-Ferreroa, Manjula Lusti-Narasimhanb a

Consultor em Saúde Sexual e Reprodutiva, Departamento de Pesquisa e Saúde Reprodutiva, Organização Mundial da Saúde, Genebra, Suíça b Cientista, Departamento de Pesquisa e Saúde Reprodutiva, Organização Mundial da Saúde, Genebra, Suíça Contato: lustinarasimhanm@who.int

Resumo: Apesar das amplas evidências que apontam para o impacto positivo dos homens na prevenção da transmissão vertical do HIV (PTV), a participação masculina em programas de saúde sexual e reprodutiva ainda é limitada. Esse artigo analisa o nível atual e a natureza do envolvimento masculino, identificando oportunidades para a ampliação dessa participação na PTV e na saúde sexual e reprodutiva. Obstáculos conceituais e políticos facilitaram a imprudente exclusão de homens da PTV e de outros serviços de saúde reprodutiva. A institucionalização histórica da saúde reprodutiva como saúde da mulher produziu serviços de saúde não receptivos aos homens, dificultando as tentativas de envolver os casais nestes serviços. Esse artigo defende que para maximizar os efeitos da PTV e os resultados dos programas de saúde sexual e reprodutiva para homens e mulheres, deve-se compreender o papel dos homens para além de apenas “facilitadores”do acesso das mulheres aos serviços de saúde. Os homens devem ser reconhecidos como parte constituinte das políticas e práticas de saúde reprodutiva. Este artigo propõe estratégias para governantes e gestores de programas atraírem homens e casais para o diálogo e a tomada conjunta de decisões. Essa abordagem pode auxiliar o alcance de metas no campo da saúde, além de gerar relações mais igualitárias entre homens e mulheres. © 2012 Reproductive Health Matters Palavras-chave: prevenção da transmissão vertical do HIV, relações de gênero, homens e saúde reprodutiva e sexual Muitas das pesquisas sobre saúde sexual e reprodutiva e direitos de pessoas vivendo com HIV focam nas intenções reprodutivas das mulheres soropositivas. E quanto aos homens, que são seus parceiros e potencialmente os pais de seus filhos, e que também precisam considerar seu próprio futuro reprodutivo e o papel que podem desempenhar na decisão de ter filhos ou não? No contexto da África Subsaariana, em particular, os homens demonstram atitudes majoritariamente positivas quanto à PTV, mas a sua participação nos programas permanece reduzida. O que impede o envolvimento dos homens? Muitos homens receiam descobrir sua condição sorológica quanto ao HIV e o estigma e a descriminação vinculados a um diagnóstico positivo. Mas talvez o obstáculo mais significativo sejam as barreiras conceituais e políticas que produzem a exclusão dos homens da PTV e de outros serviços de saúde sexual e reprodutiva. A institucionalização histórica da saúde reprodutiva e, particularmente, da saúde materna, como uma esfera que pertence unicamente às mulheres, produziu serviços não

receptivos aos homens e até mesmo a casais, reforçando a percepção masculina de que as clínicas são “ambientes de mulheres” e que a saúde reprodutiva é “saúde da mulher”. Para maximizar os resultados dos serviços de saúde reprodutiva e sexual e da PTV para crianças, mulheres e homens, deve-se compreender o papel dos homens para além de meros “facilitadores” do acesso das mulheres aos serviços de saúde. Os homens precisam ser reconhecidos como parte constituinte das políticas e das práticas de saúde reprodutiva, para seu próprio benefício. Estudos centrados na falta de envolvimento masculino alimentam a imagem de homens como obstáculos à saúde, ou como peças irrelevantes nesse processo. Um crescente conjunto de dados, entretanto, aponta para os muitos benefícios para a saúde das famílias produzidos quando os homens passam a questionar as normas de poder, quando adquirem novos conhecimentos e habilidades, desafiam as ideologias prevalentes de gênero e se envolvem ativamente na descoberta de formas de enfrentamento de questões de saúde1,6. Inicia-

Cohttp://www.grupocurumim.org.br/site/revista/qsr7.pdf

Doi (artigo original): 10.1016/S0968-8080(12)39642-0

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tivas de envolvimento dos homens na promoção da sua própria saúde e da saúde das mulheres e da família, não apenas possibilitam que homens e mulheres compartilhem a responsabilidade sobre a saúde da família (que, até o momento, é desproporcionalmente assumida pelas mulheres), como também constroem as bases para mudanças definitivas - através de exemplos – nas expectativas sociais em relação ao envolvimento masculino na saúde da família e da comunidade. Se estamos realmente interessados em criar uma resposta ampla e global ao HIV, apoiando as mulheres e eliminando a infecção pediátrica do HIV, não podemos excluir metade da população. Deve-se convocar os homens para essa causa, nos círculos políticos e nas comunidades, ressaltando os benefícios da igualdade de gênero, da decisão compartilhada, do companheirismo e da não-violência. Os seguintes pontos respaldam essas recomendações:

• O envolvimento masculino desempenha, na pre-

venção do HIV, o papel de facilitar a comunicação do casal em relação à sexualidade. Em primeiro lugar, a participação do parceiro amplia o diálogo entre os casais sobre temas como o HIV e os riscos sexuais7. E é especialmente importante em casais sorodiscordantes. Nessas situações, o envolvimento masculino durante o teste de HIV pode encorajar o casal a optar pelo uso de preservativos ou a reduzir o numero de parceiros extraconjugais, auxiliando assim a prevenção da transmissão do HIV e de outras doenças sexualmente transmissíveis aos parceiros e descendentes8-9. Em segundo lugar, estudos também demonstraram a associação entre o envolvimento masculino e o uso de contraceptivos10-12. Um estudo examinou, por exemplo, a adesão de homens e mulheres soropositivos ao planejamento familiar, identificando uma taxa menor de uso de preservativos entre mulheres que faziam parte de casais que não discutiam intenções reprodutivas ou a condição de soropositividade12. Por fim, homens que apóiam as parceiras podem influenciar: a dinâmica familiar, estendendo o apoio a outros membros da família, a fim de criar um ambiente mais propicio ao uso de métodos contraceptivos; as decisões reprodutivas, incluindo o aborto; a busca por tratamento para o HIV; à adesão aos uso dos medicamentos e às consultas clínicas e à manutenção do tratamento durante a gravidez e após o parto ou durante a interrupção da gravidez por aborto

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espontâneo ou provocado. • Vários benefícios decorrem do aconselhamento e dos testes de HIV voltados para casais. Em um estudo realizado no Quênia com mulheres soropositivas que frequentavam voluntariamente um serviço de aconselhamento e testagem com seus maridos, demonstrou que elas eram três vezes mais propensas a aderir ao tratamento durante a gravidez e o parto do que aquelas que foram acompanhadas individualmente. Elas também eram cinco vezes mais propensas a aderir aos protocolos de amamentação prescritos13. Em outro estudo, as chances de uma mulher ter um parto realizado em unidades de saúde, eram 28% maiores entre mulheres que foram aconselhadas e fizeram os testes com seus maridos do que entre mulheres que o fizeram sozinhas14. Além de propiciar às mulheres o acesso a intervenções clínicas e a estratégias de redução do risco de mortalidade, o parto em unidades de saúde auxilia a cumprir as dosagens antirretrovirais infantis e outras medidas que devem ser tomadas durante o período “intrapartum” a fim de reduzir as chances de transmissão vertical do HIV. Mulheres que realizaram os testes acompanhadas de seus parceiros também faltam menos às consultas de retorno do que aquelas que estiveram desacompanhadas durante o teste14. Em casais que foram aconselhados antes ou depois de fazerem juntos o teste de HIV, foi observado que as mulheres apresentaram uma adesão maior a métodos alternativos de amamentação15 e uma maior aceitação dos resultados do teste de HIV15. O aconselhamento de casais permite a comunicação e a cooperação, necessárias para as decisões compartilhadas quanto à redução de riscos, assistência e tratamento, inclusive quanto à PTV, beneficiando a saúde de mulheres, homens e crianças. • Existe uma associação entre a revelação da soropositividade entre os parceiros e a prevenção contra o HIV. Surpreendentemente, é muito limitada a literatura atual disponível sobre os efeitos preventivos da comunicação da soropositividade de homens heterossexuais a suas parceiras, para além dos resultados positivos relacionados ao estresse pessoal e aos ajustes sociais ligados à revelação16. É maior a literatura sobre a conexão entre a revelação da condição das mulheres a seus parceiros. Mulheres que revelaram serem soropositivas a seus parceiros são mais propensas à retornarem para o acon-


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selhamento pós-teste, a aceitarem a profilaxia antirretroviral e a modificarem as práticas de alimentação infantil, além de aumentarem o uso de preservativos no período pós-parto, quando comparadas àquelas mulheres que escolheram não revelar a infecção ao parceiro13,15,17,18. Em análises multivariadas verificou-se que mulheres que revelaram a soropositividade e declararam sofrer menos discriminação em relação ao HIV, apresentaram maior adesão à profilaxia antirretroviral para a PTV. Similarmente, mulheres cujos parceiros estavam envolvidos na assistência pré-natal eram mais propensas à aderir às doses de Nevirapine materno-infantil durante o protocolo da PTV19. Isso não significa que a revelação não seja problemática. O receio das mulheres de serem abandonadas, de sofrerem violência e de serem acusadas de serem portadoras de infecções continuam sendo obstáculos significativos para a revelação. Entretanto, em um estudo conduzido em Uganda, mulheres soropositivas experimentaram reações positivas por parte de seus parceiros quando lhes revelaram ser portadoras do seu HIV20. Outro estudo com altas taxas de revelação demonstrou que são raras as reações negativas por parte dos parceiros21. Ainda assim, o estudo em Uganda enfatizou que a revelação ainda é extremamente difícil para as mulheres. Os autores enfatizaram a necessidade de se fortalecer os serviços de aconselhamento para mulheres soropositivas e não soropositivas, a fim de maximizar as oportunidades de prevenção do HIV20. • O envolvimento masculino produz impactos positivos sobre os métodos de alimentação e as taxas de sobrevivência infantis. Quando os homens sabiam que suas mulheres eram soropositivas e participavam de programas de PTV, eles desempenhavam um papel ativo na implementação dos conselhos recebidos dos profissionais da saúde, especialmente aquele relacionados à amamentação exclusiva e ao desmame precoce22. Em um estudo na Tanzânia, o impacto mais expressivo da participação dos parceiros foi em relação às praticas de alimentação infantil23. Nesse estudo, 64% das mulheres que faziam a amamentação exclusiva com a participação dos parceiros, foram bem sucedidas em evitar o aleitamento misto e a interrupção da amamentação dos quatro aos seis meses, enquanto apenas 28% daquelas que amamentavam sem a participação dos parceiros conseguiram atingir resultados semelhantes. Entre as participantes

do estudo que optaram pelo uso da fórmula para os bebês, 80% daquelas cujos parceiros estavam envolvidos no processo, aderiram ao protocolo de alimentação, contra 29% das mulheres que não contavam com a ajuda de parceiros. Um estudo no Quênia demonstrou que a inclusão de homens na PTV pré-natal e na realização de testes de HIV, produziu um impacto positivo na saúde da criança24. Os autores constataram que após o ajuste da carga viral maternal e da amamentação, o risco combinado de contrair HIV e da mortalidade infantil foi menor quando houve a presença masculina e conhecimento sobre a condição sorológica do parceiro. Homens podem ser envolvidos na promoção da saúde sexual e reprodutiva de várias maneiras: como apoiadores de suas parceiras, encorajando e possibilitando o acesso e a utilização de serviços de saúde; como usuários de serviços de saúde, para garantir a sua própria saúde reprodutiva e a de suas parceiras e como agentes de mudança em suas comunidades, desafiando as normas de gênero conservadoras que colocam obstáculos à utilização dos serviços, à saúde família e à igualdade de gênero25. Como mencionado, porém, existe uma contradição entres as atitudes positivas masculinas e sua reduzida participação na PTV e em outros programas de saúde sexual e reprodutiva. A natureza da participação masculina também é pouco clara. Os homens participam graças ao esforço constante dos programas de HIV e dos programas de saúde sexual e reprodutiva? Ou os homens que participam são aqueles que já estão comprometidos em estabelecer um diálogo de qualidade com suas parceiras? Aparentemente, os estudos corroboram a última hipótese. Bakari et al26 verificou que entre casais da Zâmbia, a qualidade da comunicação pré-existente sobre questões de saúde sexual e reprodutiva, influenciou a aceitação do aconselhamento e dos testes de HIV no pré-natal. Em um estudo na Tanzânia, mulheres que nunca haviam conversado com os parceiros sobre saúde reprodutiva apresentaram uma menor probabilidade de irem buscar os resultados dos exames de HIV18. Um estudo realizado no Quênia concluiu que quanto maior o compromisso com a parceira, maior é a motivação masculina para participar voluntariamente em aconselhamentos, testes e tratamento de HIV durante o pré-natal. Além disso, demonstrou que o fato de já ter conversado sobre o HIV no passado, motivou ou facilitou a decisão de 93


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fazer o teste de HIV27. Em outro estudo do Quênia, tanto mulheres quanto homens afirmaram que uma comunicação franca e de qualidade ajudaria a realizar exames de rotina de HIV, a conversar sobre os desafios de ser soropositivo e a apoiarem o parceiro soropositivo ou soropositiva28. Já que o diálogo entre homens e mulheres é extremamente importante, por que sabemos tão pouco sobre seus relacionamentos no contexto do HIV? Se as instituições de saúde pública e a cultura em que estão inseridas contribuíram involuntariamente com a persistência do paradigma que associa saúde sexual e reprodutiva apenas à mulher, elas também contribuíram com a exclusão dos homens e, consequentemente, dos casais. Mesmo quando os casais são incluídos nos programas, o foco limita-se primariamente aos elementos determinantes da infecção pediátrica do HIV, isto é, considerando os homens como parceiros solidários, que auxiliarão as mulheres na adesão a orientações sobre prevenção e tratamento para a eliminação do HIV pediátrico. O que está ausente aqui é a consideração sobre a natureza e a qualidade das relações entre homens e mulheres, incluindo o “entrelaçamento entre o comportamento sexual e as relações afetivas”29. Deve-se considerar, assim, o impacto e as diferentes nuances desses relacionamentos sobre a saúde reprodutiva. Pesquisadores destacam a escassez de literatura sobre relacionamentos e a necessidade de mais informações para fortalecer programas de saúde pública para casais. Isso inclui o dialogo entre os casais sobre riscos sexuais, a adoção de comportamentos preventivos ao longo do tempo e questões de gênero, como, por exemplo, negociação e violência21. Na África Subsaariana, a maioria das infecções pelo HIV ocorre em relacionamentos estáveis, devido à infecção prévia de um dos parceiros ou por infidelidade30.32. A ausência de foco sobre os casais por parte dos profissionais de saúde revela não apenas a tendência de igualar saúde reprodutiva e saúde da mulher, como também peca ao não reconhecer a importância da sorodiscordância em relação ao HIV. Dados de pesquisas de grande escala realizadas em Burkina Faso, Camarões, Gana, Quênia e Tanzânia, demonstram que, em cada país, pelo menos dois terços dos casais, nos quais pelo menos um dos parceiros é soropositivo, são sorodiscordantes21. Falta também conscientização por parte do grande público a respeito do fato de que a sorodiscordância é uma possibilidade frequente. A revisão da literatura conduzida para este artigo rev94

elou, por exemplo, que, ao saberem da condição sorológica de suas parceiras, os homens não fazem testes de HIV ou aconselhamento, presumindo que compartilham da mesma condição33. Assim, se ambos os parceiros acreditam possuir a mesma condição sorológica, seria aparentemente ilógica a adoção de métodos contraceptivos para prevenir a transmissão do HIV durante relações sexuais21. Além disso, o uso de camisinhas permanece baixo em relacionamentos “estáveis”34,35. Em muitas áreas da África Subsaariana, o uso de preservativos é associado à infidelidade, desconfiança e a parceiros casuais36,37. Isso também dificulta para homens e mulheres37,38, igualmente, a sugestão do uso de métodos preventivos para seus parceiros, a menos que esses métodos tenham objetivos contraceptivos. A baixa taxa de uso de preservativos em populações com alto nível de sorodiscordância pode produzir muitas oportunidades para a transmissão do HIV, bem como o risco posterior de infecção pelo HIV no pré-natal. O uso de preservativos é maior entre casais que dialogam sobre riscos sexuais39,40. Entretanto, a qualidade dos relacionamentos pode, como afirmado pelos entrevistados, ser bastante ruim. De acordo com Larsson et al41. os homens em Uganda consideram seus relacionamentos instáveis e marcados pela desconfiança entre parceiros: “Casos extraconjugais eram comuns, especialmente entre os homens. E, em geral, eram implicitamente tolerados dentro do casamento e raramente discutidos pelos cônjuges. Entretanto, a suspeita sempre presente de que o parceiro pode ser infiel criava uma profunda atmosfera de desconfiança entre maridos e mulheres.” Os homens entrevistados no estudo consideraram desagradável a possibilidade do casal realizar testes de HIV, devido aos conflitos que isso geraria em seus relacionamentos. Esses achados sobre a percepção dos indivíduos em relação aos seus relacionamentos sugerem, e talvez expliquem, o motivo pelo qual, apesar dos resultados positivos de programas de aconselhamento e de testes de HIV para casais, a promoção e aceitação desses serviços ainda é baixa21. Aparentemente, os programas de HIV para casais é uma ótima iniciativa, mas pode desencadear diálogos e incitar questões que os casais não estão dispostos ou não possuem as habilidades e o poder necessários para abordá-las de forma bem sucedida. Os casais representam uma ótima, mas ainda


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não reconhecida, oportunidade para a promoção da saúde sexual, reprodutiva e familiar no contexto de serviços integrados de saúde. O resultado do estudo sobre a rede de testes para a prevenção do HIV (RTPH) 052 torna ainda mais imperativo compreender as particularidades dos relacionamentos entre homens e mulheres. O RTPH 052 indicou que a iniciação precoce da terapia antirretroviral pelo parceiro HIV positivo em um casal sorodiscordante pode reduzir em até 96% o risco de transmissão do HIV ao parceiro não infectado42. O resultado salienta a importância de se ampliar os esforços de conscientização do grande público sobre a importância de conhecer sua própria condição sorológica. A RTPH 052 também chama atenção para a necessidade do envolvimento dos homens como parte integrante das políticas e práticas de saúde reprodutiva, da identificação de casais sorodiscordantes através de programas de aconselhamento e de testes de HIV para casais e do encaminhamento de indivíduos diagnosticados como HIV positivos para serviços de tratamento e aconselhamento. O desafio principal é superar as barreiras políticas e conceituais que sustentam a associação entre serviços de saúde da mulher e serviços de saúde reprodutiva. Os programas devem avançar não apenas no envolvimento dos homens como parte interessada, mas devem também construir ações eficazes em unidades de saúde e nas comunidades para promover o dialogo entre casais, aumentando a probabilidade de virem a usar os serviços de saúde sexual e reprodutiva e promover a saúde materna, beneficiando o bem-estar de toda a família. Questões relacionadas ao poder devem ser abordadas se desejamos o fim do silencio sobre a vida reprodutiva de homens, do qual resulta o não envolvimento de homens e casais nos programas. Porém, como alterar as dinâmicas de poder a fim de promover a participação masculina como parte essencial da saúde reprodutiva? Um dos caminhos é através da política. Os políticos estão em posição favorável para efetuar mudanças sistemáticas - desde o desafio às barreiras conceituais com implicações globais até a implementação e a expansão de políticas nacionais e regionais de desenvolvimento com efeitos diretos e locais. No cenário internacional, análises demograficamente restritas, em geral com um foco mecânico e restrito à fatores semelhantes, tem sustentado a lógica de exclusão masculina dos aspectos da saúde reprodutiva. Ao substituir esses paradigmas por uma abordagem baseada

nos direitos humanos e na saúde, que reconhece a realidade social das famílias, os políticos estão na posição única de advogar por políticas que reflitam a dinâmica do HIV nas comunidades. Durante esse processo é importante absorver informações sobre programas governamentais e não governamentais que foram bem sucedidos no envolvimento de homens, expandindo o caminho para a sua expansão através da integração das políticas nacionais de saúde e igualdade de gênero já existentes43. É essencial que uma visão ampla da igualdade de gênero - que inclua a participação masculina - seja agregada ao quadro de ação nacional voltado para o HIV. Um passo importante para isso são as iniciativas políticas que incentivem a participação dos homens nos serviços de saúde, promovendo a responsabilidade conjunta em relação aos teses de HIV e a revelação mútua, encorajando indecisos a realizarem o teste. Normalizar ao máximo a participação dos homens também eliminaria obstáculos como a percepção masculina de que a saúde reprodutiva é um interesse exclusivamente feminino ou o receio da opinião de outros homens sobre eles. O governo da Ruanda reconheceu a importância dessas medidas e tem institucionalizado esses estímulos, incentivando a participação de gestores das unidades locais de saúde na promoção do envolvimento de homens nos programas de PTV, ao tornar esse envolvimento um critério para a avaliação do desempenho da gestão44. Incentivos semelhantes talvez possam ser utilizados para encorajar a participação masculina na assistência pré-natal, incluindo o planejamento da preparação para o parto e a promoção dos partos em unidades de saúde. Programaticamente, a PTV e outros serviços de saúde sexual e reprodutiva devem refletir uma visão política ampla de igualdade de gênero, que inclua a participação masculina a fim de alcançar os resultados de saúde desejados. Formuladores de programas e profissionais de saúde devem refletir sobre os modos de envolver homens e mulheres nos programas (simultaneamente ou separadamente), sobre as formas de abordagem das necessidades e expectativas especificas dos homens e sobre a criação de oportunidades para homens e mulheres dialogarem sobre sexo, seus relacionamentos e igualdade45. Isso deve ser efetivado não apenas nos serviços tradicionais de saúde reprodutiva, mas também nas unidades básicas de saúde, que são visitadas como freqüência pelos homens, incluindo serviços de preven95


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ção e assistência a doenças sexualmente transmissíveis, clínicas de tuberculose e programas de saúde no trabalho, encorajando-se a participação dos homens em todos esses programas. Além da localização dos espaços que oferecem esses serviços, as ações devem ser conduzidas sob um leque programático explicito quanto aos objetivos de desafiar as dinâmicas de poder e transformar

as normas sociais de gênero. Estruturas comunitárias de saúde são ambientes ideais para moldar a natureza dos processos de tomada de decisões entre os casais, que podem auxiliar a se abordar as desigualdades de poder, a promover relacionamentos igualitários e a produzir mudanças sociais duradouras.

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E Ramirez-Ferrero, M Lusti-Narasimhan. Questões de Saúde Reprodutiva 2014; 7: 89-96 Résumé

Resumen

En dépit de nombreuses données documentant l’impact positif qu’ont les hommes sur la prévention de la transmission mère-enfant (PTME) et d’autres programmes de santé sexuelle et génésique, leur engagement demeure très faible. Cet article examine le niveau actuel et la nature de la participation masculine, et identifie les possibilités de faire avancer l’engagement constructif des hommes dans la PTME et la santé génésique. Des obstacles conceptuels et politiques ont encouragé l’exclusion involontaire des hommes de la PTME et d’autres services de santé génésique. L’institutionnalisation historique de la santé génésique comme santé de la femme a généralement abouti à des services de santé peu accueillants pour les hommes et a miné les efforts pour y associer les couples. L’article avance que pour maximiser les résultats sanitaires de la PTME et des programmes de santé sexuelle et génésique pour les femmes et les hommes, nous ne devons plus voir les hommes comme de simples « facilitateurs » qui permettent aux femmes d’avoir accès aux services de santé. Les hommes doivent plutôt être reconnus comme partie prenante de la politique et la pratique de santé génésique. L’article propose des stratégies pour les décideurs et les directeurs de programmes afin d’inciter les hommes et les couples à favoriser la communication et la prise de décision partagée. Cette approche peut aider à atteindre les objectifs de santé et engendrer des relations plus équitables entre hommes et femmes.

A pesar de existir abundancia evidencia que documenta el impacto positivo de los hombres en la prevención de la transmisión materno-infantil (PTMI) y en otros programas de salud sexual y reproductiva, la participación de los hombres continúa siendo muy baja. En este artículo se examina el nivel actual y la naturaleza de la participación de los hombres y se identifican oportunidades para promover su participación constructiva en los programas de PTMI y de salud sexual y reproductiva. Las barreras conceptuales y políticas han fomentado la exclusión involuntaria de los hombres de los servicios de PTMI y otros servicios de salud reproductiva. La histórica institucionalización de la salud reproductiva como salud de la mujer generalmente ha producido servicios de salud que no acogen a los hombres y ha socavado los esfuerzos por motivar la participación de parejas. Se argumenta que para maximizar los resultados de salud de los programas de PTMI y de salud sexual y reproductiva para mujeres y hombres, debemos ir más allá de ver a los hombres simplemente como “factores facilitadores” que les permiten a las mujeres obtener servicios de salud. Al contrario, debemos reconocer a los hombres como una parte constituyente de las políticas y prácticas de salud reproductiva. En este artículo se proponen estrategias para que formuladores de políticas y líderes de programas puedan motivar la participación de hombres y parejas para fomentar comunicación y compartir la responsabilidad de tomar decisiones. Este enfoque puede ayudar a lograr los objetivos de salud y a engendrar relaciones más equitativas entre hombres y mujeres.

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