Aborto medicamentoso e aspiração manual intrauterina

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Aborto medicamentoso e aspiração manual intrauterina (AMIU) como procedimentos para o aborto previsto em lei protegem a saúde da mulher e reduzem os custos do sistema de saúde: resultados da Colômbia. Maria Isabel Rodrigueza, Willis Simancas Mendozab, Camilo Guerra-Palacioc, Nelson Alvis Guzmand, Jorge E Tolosae a Professora adjunta, Universidade de Ciências & Saúde de Oregon, Portland, Oregon, EUA. Contato: rodrigmaohsu.edu b Gerente e diretor, Clínica Maternidade Rafael Calvo, Cartagena, Colômbia c Médico Gineco-obstetra, Hospital Geral de Medellín e Profamília, Medellín, Colômbia d Diretor, Grupo de Pesquisa e Docência, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade de Cartagena, Cartagena, Colômbia e Professor associado, Universidade de Ciências & Saúde de Oregon, fundador da Rede Global de Saúde Perinatal e Reprodutiva, Portland, Oregon, EUA; coordenador da FUNDARED-MATERNA, Bogotá, Colômbia

Resumo: A maioria dos abortos na Colômbia continua sendo realizada fora do sistema de saúde em uma grande diversidade de condições, nas quais a maior parte das mulheres se automedicam com misoprostol obtido em um próspero mercado negro. Conduzimos uma análise comparativa dos custos para o sistema de saúde de três abordagens para a assistência ao aborto na Colômbia: a assistência a complicações do aborto inseguro e do aborto previsto em lei, o aborto provocado por misoprostol e o aborto provocado por AMIU. Foram analisadas as despesas hospitalares de três instituições: duas grandes maternidades e uma clínica especializada em saúde reprodutiva, incluindo taxas de procedimento e complicações e custos de diagnóstico. A maioria dos atendimentos (94%) foi para a assistência pós-aborto nos hospitais; os outros 6% foram para abortos legais. Entre as mulheres que realizaram o aborto legal só ocorreu uma pequena complicação, que representa uma taxa de menos de 1%. Entre as mulheres que necessitaram da assistência pós-aborto, 5% teve complicações durante o tratamento, principalmente infecções ou hemorragias. Os abortos previstos em lei estiveram associados a menos complicações para as mulheres e a custos mais baixos para o sistema de saúde, quando comparados à assistência pós-aborto. Com base nos nossos resultados, para cada 1000 mulheres recebendo assistência pós-aborto - ao invés de realizar um aborto legal no sistema de saúde - 16 sofreram complicações que poderiam ter sido evitadas e o sistema de saúde gastou US $48,000 com seu tratamento. A ampliação do acesso das mulheres ao aborto seguro apenas reduziria as complicações e seria uma estratégia para reduzir custos para o sistema de saúde. Palavras-chave: aborto medicamentoso, aborto por AMIU, dilatação & curetagem (D&C), aborto inseguro, assistência pós-aborto, custos de assistência à saúde, análise de decisões, Colômbia. O aborto inseguro tem custos sociais, econômicos e pessoais significativos1. Também contribui imensamente para o aumento das taxas de morbimortalidade materna, especialmente em países com legislação restritiva2,3. Há uma evidência clara de que a restrição do acesso ao aborto legal está associada a taxas mais altas de aborto inseguro e danos à saúde das mulheres. Na América Latina, onde a legislação é bastante restrita, o aborto inseguro é responsável por 12% das mortes maternas3. Na Colômbia, estima-se que o aborto inseguro é a quinta maior causa de mortalidade materna4,5. Nesse artigo, discutimos as consequências das restrições do acesso ao aborto seguro e os seus custos para o

sistema de saúde na Colômbia. Até 2006, o aborto era ilegal na Colômbia em todas as situações e apenas a assistência pós-aborto (APA) era oferecida pelo sistema de saúde6. A APA é uma forma de emergência obstétrica essencial para lidar com complicações de aborto, incluindo abortos incompletos. As intervenções utilizadas para a APA variam amplamente, dependendo do sistema de saúde. Tradicionalmente, são utilizadas intervenções de alto custo, sendo a mais comum a dilatação e curetagem (D&C). No entanto, as evidências apontam para a maior segurança e eficácia dos métodos medicamentosos ou de sucção quando comparados à D&C. A

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Doi: (do artigo original) 10.1016/S0968-8080(14)43788-1

www.grupocurumim.org.br/site/revista/qrs8.pdf


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Organização Mundial da Saúde recomenda o uso da sucção manual (AMIU) ou elétrica (AEIU) no lugar da D&C, uma vez que a D&C está associada a uma maior taxa de complicações7. Na Colômbia, no entanto, a maioria da APA ainda é realizada utilizando-se D&C sob anestesia geral9. Assim como em outros países, a criminalização do aborto na Colômbia estimula uma próspera indústria clandestina, onde as mulheres conseguem misoprostol no mercado negro e se automedicam ou são assistidas em clínicas clandestinas que não oferecem segurança6,8. Estima-se que antes da mudança da lei, em 2006, 58 mil mulheres eram admitidas anualmente nos hospitais que realizam a APA na Colômbia1,9. Em maio de 2006, a pressão de ativistas levou à descriminalização parcial do aborto na Colômbia10, que deixou de ser crime em três situações: quando a gravidez representa risco para a saúde ou para a vida da mulher, quando o feto apresenta anomalias incompatíveis com a vida e quando a gravidez é resultado de estupro ou incesto8. Essas condições precisam ser comprovadas por um laudo médico e, em caso de estupro, um laudo jurídico também é necessário. Para a realização do aborto, a lei não especifica um limite de tempo de gestação nem requer a assinatura de especialistas11. Nos meses que se seguiram à mudança na lei, o Ministério da Saúde e Proteção Social da Colômbia aprovou as normas técnicas para a realização do aborto seguro e aprovou o uso do misoprostol como procedimento abortivo. Embora a reforma da lei de aborto seja uma pré-condição necessária para melhorar a segurança e a assistência às mulheres, ela não é suficiente para garantir o acesso ao aborto seguro. São limitadas as informações sobre o modo como essas mudanças nas políticas afetaram o acesso das mulheres ao aborto seguro na Colômbia. Relatos iniciais indicam que persistem desafios nesse campo5,8. A falta de conhecimento sobre os requisitos para o acesso legal aos serviços de aborto, assim como a pouca disponibilidade de médicos e instituições para oferecer o procedimento, restringiu a possibilidade das mulheres exercerem seus direitos sob a nova legislação8,12. Um estudo publicado em 2011, baseado em pesquisa com profissionais de saúde e em dados secundários nacionais, estimou que, apesar da reforma da lei, 99% dos abortos ainda eram realizados fora dos serviços de saúde, havendo uma chance maior de estarem associados a complicações agudas e de longo prazo, impondo maiores custos para os serviços1,7. A taxa de complicação encontra-

da foi de 56 a 65% para os abortos autoinduzidos ou realizados por parteiras tradicionais9. Também se estimou que apenas um terço das mulheres que sofreram complicações do aborto inseguro tiveram acesso ao sistema de saúde para tratamento9. Isso contrasta fortemente com a taxa de 0.3 a 1.8% de complicações menores encontrada em países em que não há restrições ao aborto seguro7,13. Na Colômbia, há barreiras de diferentes níveis para se obter um aborto seguro. O aborto continua sendo estigmatizado, o processo para realizar o aborto previsto em lei é complicado8 e apenas algumas unidades de saúde estão equipadas de forma adequada ou pretendem oferecer serviços de aborto. Atualmente, apenas 11% das unidades de saúde qualificadas para realizar o aborto legal realmente o fazem. Entre os motivos mencionados para não oferecer o aborto seguro, estão a falta de equipamentos, infraestrutura e profissionais capacitados. A D&C ainda é comumente utilizada tanto para o aborto previsto em lei quanto para a APA, provavelmente pelas dificuldades de acesso ao equipamento e à capacitação em AMIU9 e ao custo para obtê-lo. Dados sobre custos são úteis por que ajudam a determinar quais serviços devem ser implementados quando há escassez de recursos14,15. Nossa hipótese é que os custos atuais dos serviços de saúde com a assistência pós-aborto é maior do que o custo do aborto seguro. Mais especificamente, a adoção do aborto medicamentoso traria uma grande economia quando comparado aos custos do aborto por sucção. Para testar essa hipótese, esse estudo compara os custos de quatro procedimentos de assistência ao aborto: APA, aborto medicamentoso apenas com o misoprostol (AM), AMIU e D&C.

Métodos Utilizou-se o modelo de análise de decisões com o programa TreeAge (Williamstown, Massachusetts, EUA). A análise de decisão é uma ferramenta que permite a comparação passo-a-passo das probabilidades e resultados de diferentes opções, tais como a escolha entre métodos de aborto medicamentoso ou por sucção. Nesse estudo, construímos um modelo para facilitar a comparação entre diferentes estratégias para realizar o aborto no primeiro trimestre (Figura 1). Comparamos custos e complicações de todas as estratégias utilizadas atualmente na Colômbia: APA, AM apenas com misoprostol, AMIU ou D&C. O uso da análise de decisão permitiu examinar sistematicamente cada variável e os resultados de modelo sob diferentes circunstâncias. 171


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Figura 1. Modelo de análise de decisão Morte Complicação grave Hemorragia Complicações Aborto incompleto Dilatação & Curetagem

Complicação leve Infecção

Manejo cirúrgico

Assistência pós-aborto

Sem complicações

AMIU

Manejo clínico Aborto legal

O modelo foi reduzido para melhor compreensão - o mesmo percurso é seguido por mulheres que fazem o aborto legal. Todos as ramificações chegam aos mesmos resultados.

Essa metodologia também permitiu observar como os resultados podem ser generalizados para outras populações. O resultado principal foi o custo para cada tipo de procedimento de aborto. Os resultados secundários foram as complicações para a saúde. A perspectiva adotada foi a do sistema de saúde. Como foram removidas todas as informações de identificação de sujeitos e serviços antes de serem submetidas à análise, o Comitê de Ética da OMS e os conselhos institucionais de revisão por pares das unidades de pesquisa aprovaram a realização do estudo. O modelo foi construído com dados referentes a todas as pacientes de aborto atendidas durante o ano de 2012 em três unidades de saúde, selecionados por serem instituições com um alto volume de casos de aborto previsto em lei e APA, além de atenderem mulheres com aborto espontâneo**. Os dados sobre custos e desfechos do aborto foram obtidos a partir de uma amostra de conveniência dos prontuários médicos das três instituições, referentes ao período de um ano. Duas das três unidades eram maternidades públicas (Maternidade Rafael Calvo, em Cartagena, * Uma pequena proporção de mulheres teve aborto espontâneo. Elas foram incluídas na análise por que o manejo desse tipo de aborto também é afetado pelo uso de métodos ultrapassados (especialmente a D&C) e os serviços arcam com esses custos quando as mulheres procuram a APA. Não foi feita distinção entre as taxas de aborto espontâneo e provocado na base de dados, mas a taxa de aborto espontâneo foi explorada na análise de sensibilidade.

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e Hospital Geral de Medellín). Propositalmente, foram selecionadas unidades fora de Bogotá para examinar a experiência de mulheres que não vivem na capital. Todas as instituições enviaram descrições dos protocolos utilizados para a realização do aborto previsto em lei e da APA. Os dois hospitais são unidades de saúde de grande porte, de nível secundário, com capacidade para atender mais de 8000 mulheres por ano, sendo locais preferenciais para a APA. Os atendimentos são feitos na sala de emergência e na ala ginecológica, utilizando-se D&C e AMIU. A escolha do procedimento dependia da presença de um profissional capacitado e do período do dia. Só havia profissionais capacitados em AMIU durante a semana e em horários específicos. O internamento noturno não era obrigatório em nenhuma das unidades. A terceira unidade de saúde foi uma clínica especializada em saúde reprodutiva, a Profamília Medellín, que é privada, sem fins lucrativos e integra uma rede nacional que oferece ampla assistência em saúde reprodutiva para mulheres e adolescentes, incluindo o aborto previsto em lei, utilizando AMIU ou misoprostol. A organização dos serviços prevê uma consulta, exame de ultrassom e auxílio para a obtenção do aborto previsto em lei, que inclui o preenchimento dos formulários administrativos para as diferentes isenções. As adolescentes recebem descontos nas taxas. A tabela 1 resume as características dos serviços oferecidos em cada lugar.


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Tabela 1. Características das três unidades de saúde, Colômbia, 2012 Maternidade Rafael Calvo, Cartagena

Hospital Geral de Medellín

Profamília Medellín

Hospital Público

Hospital Público

Clínica especializada privada

Secundário

Secundário

Aborto legal

Serviços de aborto

Aborto legal; APA

Aborto legal; APA

Aborto legal

Método de aborto

AMIU; D&C

AMIU; D&C

AMIU; Aborto medicamentoso

Consultório (AMIU); Sala de cirurgia (D&C)

Consultório (AMIU); Sala de cirurgia (D&C)

Consultório (AMIU)

Médico

Médico

Médico

Local; geral

Local; geral

Local

Tipo de unidade Nível

Local de procedimento Profissional Anestesia

A sequência do modelo começa com o aborto, iniciado nos serviços de saúde (aborto previsto em lei) ou fora dos serviços (figura 1). O modelo foi reduzido para facilitar a compreensão, mas tanto as mulheres que realizam o aborto legal quanto as são submetidas à APA podem ser tratadas de maneira medicamentosa ou cirúrgica (AMIU ou D&C). A probabilidade de complicações foi levada em consideração nos dois percursos do modelo e todos os ‘ramos’ do gráfico possibilitam os mesmos desfechos. Um aborto, seja espontâneo ou induzido, seja oferecido em condições seguras ou inseguras, pode ser completo ou incompleto e resultar ou não em complicações. Como demonstrado na tabela 1, a clínica Profamília utiliza a AMIU ou o misoprostol para realizar abortos previstos em lei. Para a APA, os dois maiores hospitais utilizam a AMIU ou D&C, ambas para a assistência ao aborto incompleto e a complicações mais sérias. Definimos a APA como qualquer assistência oferecida (medicamentosa, sucção ou cirúrgica) para mulheres que iniciaram um aborto fora do sistema de saúde. Consideramos um aborto como complicado quando o processo não se completou e uma intervenção foi necessária ou associada a qualquer dos seguintes itens: cirurgia, perfuração uterina, infecção, transferência para outro local, hemorragia ou morte. O modelo só levou em consideração as complicações imediatas. As probabilidades foram obtidas para cada tipo de procedimento (aborto legal ou APA e estratégias de intervenção: cirúrgicas ou medicamentosas) e as complicações foram registradas nos ban-

cos de dados produzidos a partir das visitas aos hospitais. Os custos hospitalares para cada tipo de procedimento foram determinados a partir dos códigos de diagnósticos dos hospitais e das prestações de contas do ano fiscal de 2012. Para incluir estimativas dos custos diretos e indiretos da assistência à saúde, os valores foram calculados a partir do total das cobranças. O valor total por tipo de procedimento foi obtido a partir dos registros de pagamento e os custos foram estimados por meio da taxa ao usar a razão custo-preço. Os tipos de custos considerados estão listados na tabela 2. Os principais custos foram ordenados por código de procedimento e estratificados de acordo com a ocorrência ou não de complicações. Foram considerados apenas os custos relativos a um único episódio de atendimento; os custos futuros não foram projetados. Os pagamentos feitos por fora, pelas próprias das mulheres, não foram incluídos. A análise de sensibilidade é uma ferramenta estatística utilizada para analisar como a variação de um ou mais parâmetros pode alterar os resultados do modelo. Realizou-se a análise de sensibilidade univariada e multivariada para testar as hipóteses do modelo e determinar a robustez dos resultados. A análise univariada foi realizada com todos os dados, aplicando-se uma variação de 50% a 200% com relação às estimativas de base para identificar a presença de algum limiar. Isso permitiu analisar como as alterações nesses dados ou nas hipóteses do modelo puderam alterar os resultados do estudo. Sabe-se, por exemplo, que os custos da assistência à saúde variam amplamente. Assim, 173


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Tabela 2. Categorias de custos diretos e indiretos para os serviços de saúde Custos de assistência pós-aborto: • Exames • Testes de laboratório • Tratamento para complicações (todos os casos) • Fluídos intravenosos • Antibióticos • Esvaziamento uterino • Sutura de lacerações • Histerectomias • Transfusões • Hora de trabalho dos profissionais • Custos de ambulatório (quando aplicável) Custos do aborto legal: Aborto medicamentoso apenas com misoprostol

• Exames • Testes de laboratório • Antibióticos profiláticos • Comprimidos de misoprostol • Hora de trabalho dos profissionais • Tratamento para complicações leves (menos de 1% dos casos) Aborto cirúrgico: Sucção Manual e D&C

• Exames • Testes de laboratório • Antibióticos profiláticos • Anestesia (Anestesia geral para D&C, anestesia local para AMIU) • Instrumentos cirúrgicos • Hora de trabalho dos profissionais • Tempo de uso de sala de cirurgia (apenas para D&C)

a estimativa de base para o custo de cada procedimento foi o custo médio calculado a partir do banco de dados do estudo. Para cada variável, aplicamos uma variação que partia da metade e ia até duas vezes o valor da estimativa de base, observando as mudanças nos resultados do modelo. Isso permitiu identificar os resultados produzidos pela variação das estimativas de base, ampliando a capacidade de generalização dos achados.

Complicações Resultados Prontuários das unidades de saúde Em 2012, 1,411 mulheres procuraram assistência ao aborto nas três unidades aqui investigadas. A grande maioria (94%), buscou os serviços para APA 174

(Tabela 3). Em cada unidade realizou-se apenas um pequeno número de abortos (entre 10 e 58 casos). O tipo de procedimento utilizado variou consideravelmente de acordo com a instituição. Na clínica Profamília, utilizou-se apenas o aborto medicamentoso e a AMIU. Nesta clínica, em 37% dos casos de aborto previsto em lei utilizou-se o misoprostol e nos demais, a AMIU. Não houve casos de APA e nenhuma D&C foi utilizada. Nos dois grandes hospitais, tanto a AMIU quanto a D&C foram utilizadas para o aborto legal e para a APA. Entre as mulheres que buscaram aborto legal nos hospitais, 74% passou por D&C e o restante por AMIU. No que diz respeito à APA nos hospitais, em 67% dos casos utilizou-se D&C e nos demais, AMIU. O misoprostol não foi utilizado nem para o aborto legal nem para a APA em nenhum dos dois hospitais. A grande maioria das mulheres procurou assistência para APA nas três unidades de saúde e foi atendida em um dos dois hospitais. Apenas 6% das consultas se referiram a abortos previstos em lei (96 de 1,411; p<.05). As taxas de complicações foram, no geral, baixas e consistentes com a literatura16. Uma única complicação, de pouca gravidade, foi observada entre as mulheres que realizaram o aborto legal, ou seja, uma taxa de 1%. Entre as 1,315 mulheres buscando APA, 76 casos (5%) foram complicados, requerendo tratamento cirúrgico ou medicamentoso adicional, principalmente devido a infecções ou hemorragia (dados não mostrados, p<.05).

Resultados do modelo Foram examinadas, então, como as probabilidades dos procedimentos, custos e complicações afetaram os custos gerais, analisando os seus efeitos para o sistema de saúde por meio do modelo econômico (Figura 1). Os resultados do modelo foram aplicados a uma coorte hipotética de 1,000 mulheres na Colômbia. Comparados à APA, os abortos legais por AMIU e misoprostol associaram-se a menos complicações de saúde para as mulheres e levaram a uma redução de custos nas três unidades de saúde. Para cada 1,000 mulheres recebendo a APA ao invés do aborto legal, 16 mulheres sofreram complicações desnecessárias, a um custo de US$ 48,000. Para o aborto legal, o misoprostol e a SM foram menos custosos do que a D&C, tanto para casos complicados quanto para os que não apresentaram intercorrências (tabela 4). Os custos do aborto legal variaram de acordo com a unidade de saúde. A média de custo de uma AMIU sem complicações


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Tabela 3. Distribuição de tipos de procedimento e indicação legal por unidade de saúde, 2012 Local

Aborto legal (Número)

Indicação/ (Número)

Tipo de procedimento (Número)

Assistência pós-aborto (Número)

Tipo de procedimento (Número)

Hospital Geral de Medellín

28

Saúde Estupro Anomalia fetal

5 7 16

D&C SM AM

28 0 0

339

D&C SM AM

309 30 0

ESE Clínica de Maternidade Rafael Calvo

10

Saúde Estupro Anomalia fetal

0 8 2

D&C SM AM

0 10 0

976

D&C SM AM

567 409 0

Profamília Medellín

58

Saúde Estupro Anomalia fetal

57 1 0

D&C SM AM

0 23 35

0

Total/Totais(?)

96

Saúde Estupro Anomalia fetal

62 16 18

D&C SM AM

28 33 35

1,315

D&C SM AM

876 439 0

D&C = Dilatação & Curetagem SM = Sucção Manual AM = Aborto Medicamentoso apenas com misoprostol

em uma clínica foi de quase metade do custo do mesmo procedimento no dois hospitais ($197 versus $374). O custo de uma AMIU sem complicações em uma clínica foi de quase um terço do custo de uma D&C em um hospital ($197 versus $657). Casos complicados foram ainda mais caros, independentemente do tipo de procedimento, o que traz implicações para a qualidade da assistência e para o orçamento do setor saúde. Para a APA sem complicações, a média de custo da AMIU foi de quase metade do custo de da D&C no mesmo tipo de unidade de saúde ($231 versus $458). Não foi observado o uso de misoprostol em casos de complicações na APA, mas, independentemente do tipo de procedimento, os casos de APA com intercorrências foram mais caros. No conjun-

to, os abortos realizados em hospitais foram mais caros do que aqueles realizados na clínica. Assim, a APA esteve associada a custos mais altos e à ocorrência de mais complicações. Isso foi confirmado pela análise de sensibilidade, que demonstrou que cada aborto legal teria que custar mais de $734 para que a APA se tornasse uma estratégia mais econômica. Supondo uma taxa de 9% de aborto espontâneo (com base em estimativas populacionais) e se o restante dos casos de APA observados atualmente fossem substituídos por abortos legais (realizados com misoprostol ou por SM), o sistema de saúde poderia economizar até $163,000 e prevenir 16 complicações a cada 1,000 abortos. Também se avaliou como a eliminação da curetagem afetaria os desfechos e os custos

Tabela 4. Custo principal por tipo de procedimento (US$)

Aborto legal Clínica Hospitais Assistência pós-aborto Hospitais

Aborto medicamentoso

SM

D&C

Complicações

Complicações

Complicações

Sim

Não

Sim

Não

Sim

Não

$165 ­–

$132 –

$223 $467

$197 $374

­– $821

– $657

­–

$563

$231

$2,301

$458

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dos casos. No modelo, a D&C foi substituída pelo aborto medicamentoso ou pela SM, estimando-se os resultados para uma população de 1,000 mulheres: com isso, o sistema de saúde poderia economizar até $177,000 (a cada 1,000 mulheres).

Discussão

JON SPAULL / PANOS PICTURES

Esse estudo demonstrou os danos produzidos pelo acesso restrito ao aborto, tanto no que se refere às complicações para a saúde das mulheres, como no que toca aos custos para o sistema de saúde. Isoladamente, a reforma parcial da legislação colombiana foi pouco adequada para garantir o direito das mulheres a serviços de aborto legal e seguro. Em nosso estudo, a grande maioria das mulheres (94%) ainda segue procurando assistência ao aborto fora do sistema hospitalar. Além de serem seguros e associados a uma taxa baixa de complicações, os dois métodos aprovados pela OMS para o aborto legal poderiam levar à redução de custos para o sistema de saúde se fossem amplamente adotados. A curetagem é desaprovada pela OMS já há muitos anos, pois custa em média o dobro do aborto medicamentoso ou da AMIU e associa-se a maiores taxas de complica-

ção16. O sistema de saúde poderia economizar recursos e reduzir complicações ao substituir a D&C pelo aborto medicamentoso ou pela AMIU. São limitados os dados de serviços sobre a oferta do aborto legal e da APA em contextos de restrição jurídica como a Colômbia. O nosso estudo oferece uma análise da assistência ao aborto em três localidades do país. Apenas uma clínica especializada em saúde reprodutiva foi incluída na nossa amostra, o que limita a generalização dos resultados. E assim como em todos os modelos de tomada de decisão, os resultados dependem da precisão e da disponibilidade dos dados de origem. Para superar essa limitação, realizou-se a análise de sensibilidade com todas as variáveis. Nossos dados se restringem à experiência de mulheres no sistema de saúde. Não foi possível incluir informação sobre a experiência das mulheres que procuraram a APA antes de chegarem aos serviços. Apesar dessas limitações, os resultados foram claros, significantes e consistentes com resultados encontrados na Cidade do México após a revisão da legislação de aborto19. Nossos resultados indicam que o aborto medicamentoso é uma opção subutilizada nos serviços de aborto legal e não é usada para a APA.

Foto: Clínica móvel da Profamília oferecendo consultas/serviços de planejamento familiar em Bogotá, 2006. 176


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O aborto medicamentoso é uma opção válida para muitas mulheres e é econômica para os serviços de saúde17,18. Não foi possível avaliar o uso de mifepristona associada ao misoprostol, por que a mifepristona não está disponível na Colômbia, o que subestimou a economia e a eficácia do aborto medicamentoso quando se utiliza ambos os medicamentos. A prevalência continuada do uso de D&C para a assistência pós-aborto e a assistência ao aborto legal é preocupante. Não se sabe exatamente por que persiste. A disponibilidade limitada de equipamento e de capacitação em AMIU certamente contribui para isso, mas suspeitamos que um maior esforço para introduzir a AMIU e o aborto medicamentoso, uma melhor capacitação e sensibilização das pessoas sobre os malefícios da D&C também são ações necessárias e urgentes para mudar essa prática tão enraizada. Ampliar o acesso ao aborto medicamentoso irá melhorar os resultados de saúde e reduzir os custos para os serviços. A aprovação do uso de

mifepristona para o aborto medicamentoso combinado, que é um regime mais eficaz, irá melhorar mais ainda os resultados em saúde e reduzir os custos. A reforma da legislação foi um passo à frente para garantir o acesso ao aborto seguro na Colômbia, mas ainda não trouxe benefícios para a maioria das mulheres. Os esforços para remover as barreiras aos serviços de aborto seguro devem ser fortalecidos. Agradecimentos Agradecemos o apoio técnico e financeiro da HRP (PNUD/UNFPA/UNICEF/OMS/Programa Especial de Pesquisa, Desenvolvimento e Capacitação em Pesquisa em Reprodução Humana do Banco Mundial). Gostaríamos de agradecer às contribuições de Alison Edelman, Leandro Chavez, Laura Margarita Bello-Alvarez, Joaquin Guillermo Gomez-Davila, Juan Guillermo Londoño, Bernardo Agudelo e Andres Macias no desenvolvimento do protocolo de pesquisa e na coleta de dados.

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MI Rodriguez et al. / Questões de Saúde Reprodutiva 2015; 8:170-178

Résumé La majorité des avortements en Colombie se déroulent encore hors du système de santé formel, dans différentes circonstances. La plupart des femmes obtiennent le misoprostol sur un marché noir florissant et s’auto-administrent la médication. Nous avons comparé les coûts pour le système de santé de trois approches de la prestation de soins en matière d’avortement en Colombie : soins post-avortement pour les complications des avortements à risque, et pour les avortements légaux dans un centre de santé, avortement médicamenteux uniquement avec le misoprostol et avortement par aspiration. Les dossiers de facturation des soins hospitaliers de trois institutions, deux grandes maternités et un dispensaire spécialisé en santé génésique, ont été analysés pour les procédures et taux de complications, et les coûts par diagnostic. La majorité des visites (94%) concernaient les deux hôpitaux pour des soins post-avortement ; les 6% restants se rapportaient à des avortements légaux. Seule une complication mineure a été observée parmi les femmes ayant subi un avortement légal, soit un taux de complication de moins de 1%. Parmi les femmes s’étant présentées pour des soins postavortement, 5% avaient eu des complications pendant leur traitement, principalement dues à une infection ou une hémorragie. Les avortements légaux étaient associés avec un taux nettement inférieur de complications pour les femmes, mais aussi avec des coûts plus modiques pour le système de santé que les soins post-avortement. Sur la base de nos conclusions, nous avons calculé que sur 1000 femmes recevant des soins post-avortement au lieu d’un avortement légal au sein du système de santé, 16 présentaient des complications évitables et le système de santé dépensait $US 48 000 pour les prendre en charge. Élargir l’accès des femmes à des services d’avortement sûr réduirait les complications pour les femmes, mais serait aussi une stratégie de réduction des coûts pour le système de santé.

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Resumen La mayoría de los abortos en Colombia continúan ocurriendo fuera del sistema formal de salud bajo una variedad de condiciones, y la mayoría de las mujeres obtienen misoprostol de un floreciente mercado negro para el medicamento y se lo autoadministran. Realizamos un análisis de costos para comparar los costos del sistema de salud en tres estrategias para la prestación de servicios de aborto en Colombia: atención postaborto para las complicaciones de abortos inseguros; y para la interrupción legal del embarazo (ILE) en una unidad de salud, aborto con medicamentos inducido con misoprostol solo y aborto con aspiración por vacío. Se analizaron los registros hospitalarios de facturación de tres instituciones, dos maternidades importantes y una clínica especializada en salud reproductiva, con relación a los procedimientos y tasas de complicaciones, y costos por diagnóstico. La mayoría de las mujeres (el 94%) acudieron a los dos hospitales para recibir atención postaborto; el 6% fue para una ILE. Se encontró una sola complicación menor entre las mujeres que tuvieron una ILE, una tasa de complicaciones de menos del 1%. Entre las mujeres que acudieron en busca de atención postaborto, el 5% presentó complicaciones durante el tratamiento, principalmente infección o hemorragia. La ILE estaba asociada no solo con mucho menos complicaciones para las mujeres, sino también con menores costos para el sistema de salud, en comparación con la atención postaborto. Basándonos en nuestros hallazgos, calculamos que por cada 1000 mujeres que recibieron atención postaborto en vez de una ILE en el sistema de salud, 16 mujeres presentaron complicaciones evitables, y el sistema de salud gastó US $48,000 manejándolas. Ampliar el acceso de las mujeres a los servicios de aborto seguro no solo reduciría las complicaciones para las mujeres, sino que también sería una estrategia de reducción de costos para el sistema de salud.


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