Questões de Saúde Reprodutiva

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Apresentação É com alegria que apresentamos mais uma edição da revista Questões de Saúde Reprodutiva, com o importante tema das “Intenções reprodutivas de mulheres vivendo com HIV e os desafios para as políticas de saúde”. Em todo o mundo, as mulheres soropositivas encontram uma série de obstáculos para a realização de suas intenções reprodutivas, muitos dos quais assentados em visões preconceituosas que as afastam das soluções assistenciais e tecnológicas disponíveis para interromper ou manter uma gravidez de forma segura. Os artigos aqui apresentados debatem esse problema a partir dos enfoques das próprias mulheres e das políticas e serviços de saúde, procurando manter, como usual, o equilíbrio entre análises teóricas e empíricas e entre os níveis global e local, reservando ainda um espaço para artigos que tratem especificamente da realidade brasileira. Além disso, os quatro últimos artigos introduzem o tema da saúde sexual e reprodutiva da população jovem, tratado sob a ótica da educação sexual (no sistema formal de educação e nas redes sociais) e dos efeitos colaterais do uso de contraceptivos. A presente edição se inicia com uma apresentação do Plano Global para Eliminar Novas Infecções por HIV em Crianças, de autoria de Mazzeo et al. O objetivo dos autores é demonstrar que o Plano é capaz de facilitar a realização das intenções reprodutivas de mulheres soropositivas. O artigo defende uma abordagem abrangente do problema e descreve o lugar das intenções reprodutivas na determinação dos serviços de saúde apropriados para mulheres soropositivas - incluindo planejamento familiar, assistência obstétrica e reprodutiva e serviços relacionados ao HIV -, esclarecendo como esses serviços essenciais de saúde conectamse com a melhoria da saúde materna, a redução da mortalidade infantil e a eliminação do HIV pediátrico. Essa visão, porém, não é consensualmente aceita pelos sujeitos que atuam nesse campo. Assim, mulheres soropositivas ativistas de vários países do mundo tecem um conjunto importante de críticas a essa proposta no artigo Em direção à primeira geração livre do HIV: aproximando-se do zero ou dos direitos? Sua principal preocupação é com a ausência de conexão entre as proposições da política global e a saúde sexual www.grupocurumim.org.br/site/revista/qsr7.pdf

e reprodutiva e os direitos das mulheres vivendo com HIV, que tem sido frequentemente negligenciada, diante da maior preocupação com a saúde materno-infantil. No artigo seguinte, intitulado Decisões reprodutivas de mulheres soropositivas: estado da arte e perspectivas, MacCarthy et al apresentam uma revisão da literatura disponível a fim de verificar o estado atual do conhecimento e destacar as áreas que requerem maior atenção. Para elas, os métodos de prevenção da gravidez adotados por mulheres soropositivas são insuficientes, a imposição da esterilização tem sido amplamente relatada e há muitas lacunas de informações com relação à efetividade, segurança e adequação das tecnologias de reprodução assistida. Assim como no artigo anterior, elas também identificam que a saúde do bebê ganha mais importância do que a saúde da mulher antes, durante e depois da gravidez, sendo reduzido o acesso ao aborto seguro. Essa situação só pode ser transformada com o envolvimento direto das mulheres soropositivas no desenho e na implementação de pesquisas, programas e políticas voltados para seus direitos e necessidades reprodutivas. Na sequência dessa visão geral sobre a produção de conhecimento, Crankshaw et al propõem um Marco conceitual para a compreensão do comportamento de risco para o apoio às decisões reprodutivas de casais sorodiscordantes. Para casais sorodiscordantes que queiram ter filhos, a tentativa de concepção pode oferecer um risco substancial de transmissão do HIV para o parceiro não-infectado, mas estratégias comportamentais e farmacológicas podem reduzir esse risco. Os autores oferecem um quadro conceitual capaz de descrever as dinâmicas envolvidas nos comportamentos de risco para o HIV no contexto sul-africano e identificar os fatores que influenciam o comportamento de risco de infecção pelo HIV entre casais sorodiscordantes durante a concepção, auxiliando, assim, a formulação e a implementação de serviços integrados e eficazes de HIV, saúde reprodutiva e planejamento familiar, que dêem apoio às decisões reprodutivas dos usuários e usuárias. Os dois artigos seguintes encerram a seção so5


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bre o HIV, com análises sobre o aborto induzido no Brasil e o papel dos homens na redução da transmissão vertical do vírus. No artigo Explorando a relação entre aborto induzido e infecção pelo HIV no Brasil, Barbosa et al investigam em que medida as mulheres brasileiras recorrem ao aborto como consequência do fato de estarem infectadas pelo HIV e em que medida essa decisão é parte do contexto mais amplo das decisões reprodutivas, concluindo que, em muitos casos, a infecção pelo HIV e o aborto estão associadas a contextos de vulnerabilidade. Na mesma linha dos artigos anteriores, recomendam que os serviços de saúde tratem o HIV conjuntamente com as questões reprodutivas, tomando os direitos sexuais e os direitos reprodutivos como base fundamental para a assistência à saúde. Ramirez-Ferrero e Lusti-Narasimhan analisam o nível atual e a natureza do envolvimento masculino nos programas de saúde sexual e reprodutiva no artigo O papel dos homens na prevenção da transmissão vertical (PTV) do HIV e na promoção da saúde sexual e reprodutiva. Para eles, a institucionalização histórica da saúde reprodutiva como saúde da mulher produziu serviços de saúde não receptivos aos homens, dificultando as tentativas de envolver os casais nestes serviços. Mas, para a maximização dos efeitos da PTV e dos resultados dos programas de saúde sexual e reprodutiva para homens e mulheres, os homens devem ser reconhecidos como parte constituinte das políticas e práticas de saúde reprodutiva. O artigo propõe estratégias para governantes e gestores de programas atraírem homens e casais para o diálogo e a tomada conjunta de decisões, como uma forma de auxiliar o alcance de metas no campo da saúde e de gerar relações mais igualitárias entre homens e mulheres. Abrindo a seção sobre população jovem, trazemos o artigo Alcançando as metas do Programa de Ação do Cairo para a população jovem, de Jejeebhoy et al, no qual as autoras analisam os compromissos assumidos pelas Nações Unidas em acordos internacionais com relação aos jovens. O artigo avalia em que medida esses compromissos foram alcançados, tomando como base estudos disponíveis realizados nos anos 2000s em países em desenvolvimento e conclui que, embora algum progresso tenha sido alcançado em grande parte destes aspectos, os países em desenvolvimento ainda tem um longo caminho a percorrer antes que se possa afirmar que estão auxiliando sua população jovem, no que se refere à saúde, a alcançar uma transição de sucesso rumo à vida adulta. By6

ron et al voltam-se para as redes sociais no artigo “Seria estranho colocar isso no Facebook”: o uso de redes sociais pelos jovens e o risco de compartilhar informações sobre saúde sexual, para tentar identificar seu potencial de utilização para a promoção de questões de saúde sexual. Seus resultados indicam que as formas de utilização das redes sociais pelos jovens são complexas, sendo pouco provável que a maneira tradicional de transmissão de informações sobre saúde sexual seja reproduzida nesses espaços. De maneira geral, os jovens tem interesse em informações sobre saúde sexual, mas preferem não tocar no assunto se isso vier a produzir desconforto nas redes sociais. O artigo seguinte, Educação sexual na perspectiva de professores do ensino fundamental em Novo Hamburgo, RS, Brasil, volta-se novamente para a realidade brasileira. Nele, Silva et al apresentam um estudo sobre a implementação da política de educação sexual em escolas de ensino fundamental de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Os autores identificaram que a educação sexual não estava sendo ensinada como matéria interdisciplinar e o conteúdo das aulas estava marcado pelo discurso biomédico, focado principalmente nos órgãos reprodutivos, na fertilidade, na gravidez e nos métodos contraceptivos. A saúde sexual, a sexualidade, os aspectos relacionais e afetivos e as relações não-heterossexuais tem sido negligenciados e educação sexual é tomada como um meio de correção ou controle de identidades e comportamentos sexuais considerados anormais ou imorais. Por essa razão, recomendam capacitação teórica e metodológica em educação sexual para professores e que a educação sexual seja considerada um conteúdo prioritário. Encerrando a edição, Hoggart e Louise-Newton apresentam o artigo Efeitos colaterais de contraceptivos em mulheres jovens: um desafio para a autonomia corporal, no qual analisam as decisões contraceptivas de jovens do Reino Unido, especificamente relacionadas ao uso de contraceptivos reversíveis de longo prazo. As autoras identificaram que a presença de fortes efeitos colaterais atribuídos ao implante e interpretados como ameaça ao controle das jovens sobre seu próprio corpo. Os efeitos levaram à remoção do implante e ao uso de contraceptivos menos eficazes. Para lidar com essa situação, recomendam que a interrupção de métodos insatisfatórios seja facilitada, assim como o acesso à remoção do implante quando solicitada, independentemente do tempo de uso do mesmo. Finalizam lembrando que contraceptivos de


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longo prazo não se adequam a todas as mulheres e não excluem a necessidade de outras formas de controle reprodutivo, incluindo o aborto legal. Essa edição marca o início de uma nova fase da revista, que deixa de ser impressa em papel, passando a ser divulgada apenas em sua versão online, gratuita e aberta ao público em geral. Com isso, muda também a nossa forma de divulgação, que passará a se utilizar intensivamente das redes sociais, com fanpage no Facebook e perfil no Twit-

ter, e da comunicação eletrônica mais sistemática sobre temas do campo da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos. Em breve, nossas leitoras e leitores começarão a receber nossos materiais de divulgação e comunicação e esperamos que, com isso, estabeleça-se um contato e um diálogo mais próximo entre nós. Boa leitura! Ana Paula Portella e Simone Diniz

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