Os arquivos perdidos a procura por sam

Page 1

a“EU SOU O NÚMERO QUATRO: OS ARQUIVOS PERDIDOS, A PROCURA POR SAM” (PITTACUS LORE)

CAPÍTULOS DE 1 A 14


CAPÍTULO UM Eu não sei se eu posso. Estou muito fraco pra falar, então não falo muito alto. Eu mal penso. Mas Um pode me ouvir. Ela sempre pode me ouvir. “Você tem que acordar”, ela diz. “Você tem que acordar. Você tem que lutar”. Estou no fundo de um penhasco, minhas pernas torcidas sobre mim, uma pedra empurrada inconfortavelmente sobre minhas espadas nos meus ombros. A chuva forte bate sobre meu corpo. Eu não posso ver nada porque meus olhos estão fechados, e eu não posso abri-los por não ter força. Mas pra ser honesto, eu não quero abrir meus olhos, eu quero desistir, ir embora. Abrir meus olhos significa encarar a verdade. Significa compreender que eu fui deixado no leito de um rio. Que o molhado que eu sinto na minha perna não é um rio. É sangue, de uma fratura exposta na minha perna direita, do osso que agora saiu pela minha canela. Significa saber que eu fui deixado para morrer pelo meu próprio pai, cerca de sete mil quilômetros de casa. Que a coisa mais próxima que eu tenho para um irmão, Ivanick, é o que quase me matou, me empurrando brutalmente de uma pedra, perto do leito de um rio. Significa saber que eu de fato sou um Mogadoriano, um membro de uma raça alienígena designada na exterminação do povo Lórico e da eventual dominação do planeta Terra. Eu fecho meus olhos com força, fazendo barulho, desesperadamente tentando me esconder da verdade. Com os meus olhos ainda fechados, eu posso viajar pra um lugar mais doce: uma praia da Califórnia, meus pés mal se encostando à areia. Um se senta ao meu lado, olhando pra mim com um sorriso. Essa é a memória da Califórnia de Um, um lugar que eu nunca fui. Mas nós compartilhamos a memória por tanto tempo que a memória mais parece minha do que dela. “Eu poderia ficar aqui o dia todo”, eu digo o sol quente na minha pele. Ela olha pra mim com um sorriso forçado, como se ela não pudesse mais concordar. Mas quando ela abre sua boca para falar, as suas palavras não combinam com sua expressão: sem sentido, comandando. “Você não pode ficar”, ela diz. “Você tem que acordar. Agora.” Meus olhos se abrem. Estou na minha cama no quarto dos voluntários do acampamento de ajuda. Um está parada no pé da cama. Como no meu sonho, ela sorri, mas agora não é um sorriso doce. É um sorriso intimidante. “Deus”, ela diz, rolando os olhos. “Você dorme muito.” Eu dou risada, sentando na cama. Eu realmente ando dormindo muito ultimamente. Já faz sete semanas desde que eu saí do rio e sem qualquer resíduo de fraqueza da minha perna direita. Eu estou completamente recuperado. Mas meu horário de sono não se ajustou ainda: durmo dez horas por noite. Eu olho pela cabana e vejo que as outras camas estão todas vazias. Meus companheiros já se levantaram para as tarefas matinais. Um ri novamente. Ignorando ela, eu visto minhas sandálias, ponho um short e saio da cabana. No lado de fora, o sol e a umidade me acertam como uma parede. Eu ainda estou acordando, e eu mataria por uma ducha, mas Marco e os outros já estão realizando os afazeres pelo acampamento: preparando o café da manhã, lavando roupas, lavando a louça. Depois disso, um jipe irá pegar uns de nós e nos levar para dentro da vila. Estamos atualmente trabalhando num projeto de água lá, modernizando o tanque da cidade. Os outros irão ficar prá trás na classe de aula perto do acampamento, ensinando as crianças da vila. Estou tentando aprender Xaile, mas eu tenho um caminho pra seguir antes de começar a lecionar. Eu prendo minha bunda no acampamento. Dá-me realmente prazer em ajudar as pessoas da vila. Mas eu trabalho muito por gratidão.


Depois de arrastar meu corpo do rio por um quilometro e meio dentro a mata, eu fui descoberto por uma velha da vila. Ela me confundiu com um dos assistentes do acampamento. Ela voltou pro acampamento e voltou uma hora depois com Marco e um médico passageiro. Eu fui trazido para o acampamento em uma maca improvisada, o doutor examinou minha perna, e pôs um gesso que eu tirei recentemente. Marco me deu um lugar aqui, primeiro pra me socorrer, depois como voluntário, sem fazer nenhuma pergunta. Tudo que ele espera em retorno é eu fazer minhas tarefas e que eu respeite as regras como os outros voluntários. Não faço ideia de qual historia ele escreveu em sua mente sobre minha condição. Posso imaginar que o mínimo que ele possa ter imaginado é que o Ivan fez isso comigo, baseado no fato de que o Ivan desapareceu no dia do meu acidente, sem falar nada pra ninguém do acampamento. Talvez a generosidade de Marco é motivada por pena. Ele pode não saber exatamente o que aconteceu, mas ele sabe que eu fui abandonado pela minha família. E desde que Marco esteja mais ou menos certo, eu não me importo de ele sentir pena de mim. Além disso, o que tem mais graça do quer ser abandonado pela própria família, pela minha raça inteira? Eu nunca estive tão feliz. Limpar o poço da vila é cansativo, tedioso, mas eu tenho uma vantagem que os outros não têm. Eu tenho a Um. Eu falo com ela durante o serviço, e embora meus músculos e minhas costas doem, as horas passam voando. Normalmente, ela me motiva me provocando. “Você está fazendo errado.” “Se eu tivesse um corpo eu faria com aquilo agora.”. Ela zomba dos meus esforços, reclinada como uma dama banhada ao sol no seu local de trabalho. “Quer tentar isso?” eu digo na minha mente. “Não posso.” Ela dirá. “Não quero quebrar uma unha.”. Claro que eu tenho que ter o cuidado de não falar com ela enquanto trabalho, não na frente dos outros. Eu desenvolvi uma reputação de esquisito, por falar sozinho comigo mesmo nas primeiras semanas quando cheguei aqui. Então eu aprendi a falar em silêncio com Um, em mal pensar nela, invés de apenas falar. Com sorte, minha reputação de esquisito acabou, e os outros não olham mais pra mim como se eu fosse um louco lunático. Aquela noite eu tive um trabalho na cozinha com Elswit, o mais recente no acampamento. Nós cozinhamos githeri, um prato simples de milho e feijão. Eu gosto do Elswit. Ele pergunta muitas perguntas sobre minha origem e o que me trouxe aqui, questões que eu sei responder melhor do que com a verdade. Felizmente ele parece não se importar com respostas vagas ou sem sentido. Ele fala muito, sempre avançando para a próxima pergunta sem notar meu silêncio. Pelo o que eu entendi, ele é o filho de um rico banqueiro americano, um homem que não aprova a bondade e gentileza do filho. Viver com meu pai quando eu era criança foi difícil, mas após minhas experiências na mente de Um, se tornou impossível. Eu cresci diferente, desenvolvi simpatias e preocupações que eu sabia que seria impossível pro meu pai entender, muito menos tolerar. Elswit e eu temos algumas coisas em comum. Ambos somos desapontamentos para nossos pais. Mas eu rapidamente percebi as similaridades entre nós não está tão longe. Com as veracidades de Elswit sobre “estranhamento” de sua família em relação a ele, ele ainda tem contato com as riquezas do pai, ele ainda não possui limitações sobre o dinheiro do pai. Aparentemente, seu pai até arranjou um avião particular para pegar ele em Nairóbi em algumas semanas e então Elswit pode estar de volta em casa a tempo de seu aniversário. Enquanto isso meu pai acha que estou morto, e eu só posso imaginar que ele está feliz com isso. Depois do jantar eu vou tomar uma ducha e vou para a cama. Um está sentada numa cadeira num canto. “Vai dormir? Já?”. Ela me provoca.


Eu dou uma olhada no quarto, não há ninguém por perto, então é seguro falar alto, controlando a altura de minha voz. Falando alto me sinto mais natural do que falando silenciosamente. “Eu quero levantar com os outros daqui, na hora de ir pra fora”. Um me manda um olhar. “O quê? Estou recuperado! Tá na hora de eu entrar na rotina daqui, agir como os outros”. Um olha pra mim entediada. Eu sei o que está incomodando ela. Seu povo está lá fora, e estão marcados para morrer pelas mãos do meu povo. E aqui está ela, presa no Quênia. Pra ser mais preciso, ela está presa na minha consciência, sem corpo. Se ela tivesse um desejo, eu sei que ela estaria em outro lugar – qualquer outro lugar – se preparando pra lutar. “Quanto tempo você vai ficar aqui?”, ela me pergunta. Eu me finjo de besta, fingindo que eu não sei como ela se sente. “Eu não tenho outro lugar para ir”. Estou sonhando. É à noite em que eu tentei salvar Hannu. Estou correndo do acampamento para a mata, em direção à cabana de Hannu, desesperado pra chegar lá antes do meu pai e do Ivan. Eu sei como isso termina – Hannu morto, eu deixado para morrer – mas nesse sonho todos os naïvi voluntários que vieram ao meu encontro, me levando por entre dos cipós e arbustos, das sombras, dos sons dos animais. O comunicador que eu peguei da barraca está vibrando no meu bolso, um som inconfundível. Eu sei que os Mogadorianos estão perto. Eu tenho que chegar primeiro. Eu tenho. Eu chego a uma clareira na floresta. A cabana onde Hannu e seu Cêpan viviam está bem aonde eu me lembrava. Meus olhos se fecham pra enxergar na escuridão. Então eu vejo a diferença. A clareira e a cabana estão completamente soterradas por fuligem e cipós. Metade da entrada da cabana foi explodida, e o telhado tomba sobre a parte da parede que foi explodida. O lugar onde Hannu usava para treinar e ter aulas estão soterrados e eu mal posso descrever o que é agora. “Desculpe-me”, vem uma voz da floresta. Um se emerge das arvores. “Você se desculpa do que?”, estou confuso, ofegando. E meu pé dói da corrida. Então cai a ficha. “Não estou sonhando”, eu digo. Um confirma com a cabeça. “Nem”. “Você me trouxe aqui”, as palavras escapam da minha boca antes que eu possa entender o que eu falei. Mas eu posso dizer que estou certo de acordo com a expressão em seu rosto: ela entrou na minha consciência enquanto eu dormia, me trazendo para o local da morte de Hannu. Ela nunca havia feito isso antes. Eu não fazia nem ideia de que ela era capaz de fazer isso. Mas ela está sendo tão intimista comigo ultimamente que eu não deveria ficar surpreso. “Você me trouxe à força”. “Desculpe-me, Adam”, ela diz. “Mas eu precisava que você voltasse aqui, para te lembrar...”. “Bem, não funcionou!”, estou confuso, bravo com a manipulação de Um sobre mim. Mas assim que eu digo, eu sei que é mentira. Funcionou. Minha adrenalina está alta, meu coração bate forte, e eu sinto: a importância crucial do que eu tentei e falhei alguns meses atrás. A ameaça do meu povo ainda paira para a Garde e para o resto do mundo. Eles têm que ser parados. Eu me viro, e então Um pode ver a expressão de duvida na minha cara. Mas nós compartilhamos uma mente, não tem como eu esconder dela. “Eu sei que você sente isso também”, ela diz. Ela está certa, mas eu vou adiante, aquela sensação de que eu estou sendo chamado eu ignoro aqui no Quênia. As coisas estavam começando a ficarem boas novamente. Eu gosto da minha vida no Quênia, eu gosto de fazer a diferença, e até Um me arrastar aqui para esfregar no meu nariz a cena da morte de Hannu, foi fácil pra eu se esquecer da guerra que está vindo. Eu olho pra ela com um movimento na cabeça. “Eu estou fazendo um bom trabalho, Um”, “Estou ajudando as pessoas”.


“Está”, ela diz. “Que tal pensar em excelente? Você poderia estar ajudando a Garde a salvar o planeta! Além disso, você realmente acha que os Mogadorianos vão poupar esse planeta após realizarem seu ultimo plano? Você não percebe que nenhum trabalho que você faz no acampamento será em vão se você não se juntar a luta para parar seu povo?”. Percebendo que suas provocações estão fazendo efeito, ela chega mais perto. “Adam, você pode ser muito melhor”. “Eu não sou um herói!”. Eu choro e minha voz está rouca na minha garganta. “Eu sou um fracote! Um defeito!” “Adam”, ela implora, sua voz rouca agora também. “Você sabe que eu gosto de te provocar, e eu realmente odeio por você ter uma cabeça grande ou coisa do tipo. Mas você é um em um milhão. Um em dez milhões! Você é o único Mogadoriano que já se atreveu a desafiar a autoridade Mogadoriana. Você não tem ideia de como você é especial, quanto útil você poderia ser!”. Tudo o que eu sempre quis era que Um me visse como especial, como um herói. Eu queria poder acreditar nela agora. Mas eu sei que ela está errada. “Não, a única coisa especial em mim é você. Se o Dr. Anu não tivesse me posto em seu cérebro, se eu não tivesse ficado vivendo por três anos dentro de suas memórias... Eu seria o Mogadoriano que matou Hannu. E eu provavelmente estaria orgulhoso disso”. Eu olho pra expressão de Um. Ótimo. Eu penso. Estou convencendo ela. “Você foi um membro da Garde, tinha legados”, Eu digo. “Sou apenas um magrelo, fraco exMogadoriano. O melhor que posso fazer é sobreviver. Eu lamento”. Eu viro pra trás e sigo por uma longa caminhada de volta ao acampamento. Um não me segue.


CAPÍTULO DOIS Depois de minha cansativa corrida no meio da noite à cabana de Hannu, eu planejo acordar junto com os outros voluntários no começo da manhã. “Olha só pra você, acordando cedo”, brinca Elswit. “Certeza que você quer cortar seu sono da beleza?”. Eu quase respondo a provocação de Elswit, o chamando de príncipe como os outros trabalhadores o chamam algumas vezes. Ele ganhou esse apelido quando ele chegou aqui com um monte de coisas exageradas, nenhuma mais ridícula que um par de pijamas exageradamente luxuoso. Ninguém faz piadas sobre ele na sua frente: ele também trouxe um notebook de ponta, com a mais recente tecnologia de computadores, um aparelho que ele nos deixa usar, e que ninguém deseja deixar de usufruir dele. Assim que me troco, noto que Um não está em nenhum lugar visível. Ela normalmente acorda primeiro que eu, e fica por ai. Eu acho que ela está de mau humor por causa de nossa briga ontem à noite, na floresta. É isso, ou ela simplesmente desapareceu por alguns momentos. Ela faz isso algumas vezes. Uma vez eu perguntei isso a ela: “Aonde você vai quando não está aqui?”. Ela me deu um olhar critico: “Lugar nenhum”, ela disse. Nós vamos pra fora para começarmos a fazer nossos deveres, mas apenas encontramos chuva. É bom para o vilarejo, mas significa que o projeto de água será interrompido por um dia: o solo dificulta muito o trabalho quando está molhado. Então depois de nossas tarefas, Marco, Elswit e eu temos a tarde livre para conversarmos, ler ou escrever cartas. Pergunto a Elswit se eu posso usar o notebook por uma hora. Ele rapidamente diz que posso. Elswit pode ser um príncipe chato, mas é generoso. Eu levo o notebook para a cabana e começo a olhar nos sites de noticias. Quando eu pego o notebook dele, eu sempre pesquiso sobre atividades Lóricas ou Mogadorianas. Eu posso ter me removido da batalha, mas eu ainda estou curioso sobre o que acontece com a Garde. Não há noticias hoje. Eu olho novamente pela cabana, para ter certeza de que estou sozinho, então eu abro um programa que eu criei e instalei no computador de Elswit. Eu hackiei o meio de comunicação de Ashwood Estates, minha primeira casa, e criei um programa que recebe os e-mails da Ashwood. Eu desejaria poder dizer que eu fui forçado a fazer isso. Mas a verdade é que o meu real motivo é tão patético que eu preferia morrer a discutir com Um: Eu só quero saber se a minha família sente minha falta. Minha família. Eles pensam que eu estou morto. A verdade é que, eles de fato devem estar felizes com isso. Eu passei metade da minha vida num esconderijo em Virginia chamado Ashwood Estates, onde verdadeiros Mogadorianos vivem em casas normais do subúrbio, usando roupas normais americanas, vivendo sobre nomes americanos, vivendo em vista. Mas abaixo do solo, onde os humanos não podem ver, se espalha vários laboratórios com equipamentos alienígenas, onde verdadeiros Mogadorianos planejam como conquistarão o Universo inteiro. Como filho de um lendário Mogadoriano guerreiro Andrakkus Sutekh, eu era esperado para ser um guerreiro vitorioso nessa guerra sombria. Eu fui listado em um experimento de extração de memória do primeiro lorieno caído, a garota conhecida como Um. O plano era usar as informações das memórias contra o povo dela, para nos ajudar a exterminar o resto de sua raça. A transferência de mente foi bem sucedida: eu fiquei três dias em coma, presos dentro das memórias da loriena morta, vivendo pelas suas mais felizes e mais tristes lembranças como se fossem minhas. Consequentemente, eu acordei do coma. Mas eu voltei pra minha vida Mogadoriana diferente, com uma angustia sobre derramamento de sangue inocente, um pouco de simpatia com a loriena morta, e com o fantasma de número Um me seguindo pra todo lado. Na primeira de minhas traições, eu menti para meu povo, dizendo que o experimento tinha falhado, e que eu não tinha nenhuma lembrança da consciência de Um. Eu tentei voltar ao normal, ser um Mogadoriano com sede de sangue. Mas com Um me seguindo, sendo uma voz em minha cabeça ou uma visão ao meu lado, se tornou impossível assistir meu povo destruindo a raça Lórica.


Eu me tornei um traidor, trabalhando contra os esforços do meu povo. Eu tentei salvar o terceiro lorieno que estava marcado para morrer. O numero três morreu assassinado pelo meu pai em minha frente. Apesar dos meus patéticos esforços, eu falhei em salvá-lo. Exposto como traidor, eu fui atirado de uma ponte por Ivanick, e deixado para morrer. Em toda a minha espionagem eletrônica, eu não fui capaz de receber nenhuma comunicação de minha família. Talvez isso seja uma coisa boa. Alguma coisa me diz que isso só feria meus sentimentos. Obviamente todas as comunicações oficiais de Ashwood Estates estavam alem da minha habilidade com computadores, mas os sinais de Ashwood Estates não foram muito difíceis de serem identificados. Apenas um som ou gesto sobre as armaduras Mogadorianas eram pra eles sinais de obediência. Mas como um menino Mogadoriano eu sabia que os adolescentes quebravam as regras dos seus pais e usavam os computadores para falar de coisas que tecnicamente eles não poderiam falar. Não que eles deixavam escapar coisas importantes. A conta que eu criei está cheia de emails tediantes, e conversas que não tem nada a ver com os Mogadorianos. Mas da última vez que eu chequei ele, eu fui capaz de capturar as conversas de um Mogadoriano verdadeiro de boca grande, Arsis. Aparentemente, o jovem Arsis não foi rebaixado dos treinos de combate para ser um assistente de laboratório. Arsis está tão ansioso para obter informações sobre o combate, que tudo o que ele faz é falar bobagens com um amigo dele da sua outra unidade, contando tudo o que ele faz e vê no laboratório, tudo na esperança de que seu amigo conte o que acontece lá. Seu amigo não ajuda muito, mas eu fui capaz de entender algumas coisas que estão acontecendo em Ashwood. Arsis: É tão chaaaaatooo. Outro dia intero guardando a porta do laboratório do Dr. Zakos. Aparentemente eles pegaram humanos para testar em suas máquinas. Eu não sei se eles tão sendo torturados ou coisa do tipo, porque eu não sou permitido lá dentro...

Sinto pena por Arsis ter uma gramática grossa e tão horrível. É pior que a do Ivan. Eu nem sabia que uma coisa dessas podia ser possível. Mais a baixo na descrição, eu descubro outro detalhe: Arsis: resta apenas um, e eu acho que ele nem está acordado, apenas preso nas maquina que drenam seus célebros por informação. Dr. Zakos acha que a tecnologia vai ajudar mais em alguns anos, e eles vão ter acesso total nos célebros deles. Que seja. Já faz uma semana que tudo o que eu faço é limpar o laboratório.

Nunca ouvi falar sobre o Dr. Zakos. Pergunto-me se ele é o sucessor do Dr. Anu. Pergunto-me também se há alguma ligação entre essas drenagens de cérebros para melhorar a tecnologia que eles tentaram quando me prenderam nas memórias de Um. Apenas me pergunto. “O que está fazendo?” Assustado, noto que um está parada ao meu lado na cama, com um gemido em sua voz. O mais rápido que posso fecho o programa que eu criei e desligo o computador. Com um tom ameaçador ela diz: “Escondendo segredos agora?”. “Nós compartilhamos um cérebro”, eu digo. “Não há como eu esconder alguma coisa de você, mesmo que eu queira”. Ela se aquieta por um momento, sem dúvida processando tudo o que eu aprendi na minha espionagem. “Responda-me isso”, ela diz. Coloco as mãos pra cima. Rendido. “Se você está tão determinado há não se envolver, então porque fica fuçando por ai?”. É uma boa pergunta, mas eu ignoro. “Só porque eu estou curioso, não significa que eu queria fazer alguma coisa”, eu pego o computador e saio da cama, “tenho que devolver isso pro Elswit”.


Eu paro no meio da porta. Um tem um olhar pensativo e inescrutável em seu rosto. A única coisa que eu posso dizer é seu desapontamento sobre mim. “Desculpe Um”, eu digo. “Minha resposta ainda é não”.


CAPÍTULO TRÊS A chuva finalmente parou no meio da noite, então na manhã seguinte depois das tarefas, eu, Marco e Elswit voltamos para a vila no jipe e continuamos nosso trabalho no poço. Está úmido, o que nos limita e dificulta o trabalho. Como resultado, fico tão intertido no trabalho que eu não notei a ausência de Um até o meio do dia. Eu não tenho sua tagarelice habitual para ajudar a passar o resto do dia, mas eu estou meio que aliviado por ela não estar por perto. Ainda estou assustado com o olhar de desapontamento que vi no rosto dela ontem, e eu mereço ficar um pouco fora do seu julgamento. Depois do trabalho, eu e Elswit fazemos um jantar delicioso, e então nos juntamos aos outros amigos do acampamento para um jogo de baralhos na barraca de recreação. Lá pras dez horas, eu volto pra cabana. Marco já está embaixo das cobertas, dormindo. Eu tiro minha roupa quietamente e eu me cubro também, sabendo que Um ainda está ausente. Não é do tipo dela desaparecer por tanto tempo. Eu olho pelo quarto, olhando pra ver se ela não está em algum canto, se escondendo, mas ela não está à vista. “Um?” eu sussurro o mais baixo que eu posso. “Tá ai?” Sem resposta. “Vamos Um”, um pouco mais alto dessa vez. “Cara” é o Marco, “to tentando dormir”. Ouvindo o Marco falando “cara” com seu sotaque italiano engraçado é normalmente um motivo de piada pra mim e pros outros caras do acampamento. Mas ser pego falando com minha amiga invisível, eu fica paralisado. “Desculpe, amigo” eu digo, corando, irritado com Um por me fazer erguer o tom de voz. Eu ainda estou na expectativa de vê-la entrando pela porta, rindo de mim por estar falando “comigo mesmo”. Mas ela não está em lugar algum. Eu tento dormir, tossindo e me virando assim que o quarto se enche com os outros caras do acampamento, um por um, mas o sono não vem. De todas as idas e vindas de Um, eu nunca havia passado um dia todo sem ver ela – não desde o dia em que eu fiquei três anos perambulando pela sua memória. Ela sempre esteve por perto. Entretanto, eu desisto de tentar dormir. Eu visto meus shorts, ponho minhas sandálias, e vou para fora da cabana, em direção aos fundos. Está surpreendentemente frio e eu coloco minhas mãos no meu peito pra me aquecer. Está escuro aqui fora, mal iluminado pela luz da lua e por uma lâmpada que esta perto da janela, e minha visão demora alguns minutos pra entrar em foco. É quando eu a vejo, um fantasma sem foco perto da árvore de baobab no centro do quintal dos fundos. Eu me aproximo devagarzinho: “Um?”. Ela olha pra mim. Eu não posso dizer se tem alguma coisa a ver com a Lua, mas tem alguma coisa estranha no jeito que ela me olha: é como se ela estivesse em foco, e ao mesmo tempo sem foco. Ela fica em silêncio. “Para com isso, não tem graça”. “Ah”, ela diz rindo amargamente. “Eu concordo, isso não tem graça mesmo”. Eu posso dizer pela sua voz que ela esteve chorando. “Eu não queria que você me visse assim”, ela fala. Agora estou assustado. “Ver você como?” Olhando mais de perto eu percebo o que ela quis dizer. Sua pele, seu ser por inteiro, está estranhamente leitoso, quase transparente. Eu posso ver por entre ela. “Eu continuo desaparecendo”, ela desabafa. “Ultimamente vem tirando toda minha energia para me manter visível”. Estou quieto, com medo de falar. Mas também estou com medo de ouvir, medo do que ela possa dizer depois. Ela vira pra mim, olhando diretamente pros meus olhos. “Se lembra de quando eu disse pra você que eu ia pra lugar nenhum quando eu desaparecia?”


“Sim, mas eu achei que você só estava sendo misteriosa...”. Ela balança a cabeça, com os olhos cheios de lagrimas. “Eu estava sendo literal, na verdade”. Agora ela chora um pouco. “Cada vez, posso-me sentir ficando mais fraca. Menos real. Continua acontecendo e eu ainda posso lutar contra, mas está ficando difícil. É como se eu estivesse morrendo novamente”. Ela fecha seus olhos. Quando ela faz, ela desaparece e aparece novamente, e eu desesperadamente posso ver o casco da árvore atrás dela. “Bem,” ela diz abrindo seus olhos novamente. “Dr. Anu nunca disse que isso iria durar”. “Um”, eu começo. “O que você está falando?”. Eu faço a pergunta mesmo sabendo que uma parte de mim – a parte Um de mim – já sabe a resposta. “Minha existência... nós... isso...”, ela gesticula entre o espaço vazio entre nós. “Você está me esquecendo, Adam”. “Isso é impossível, Um. Eu nunca irei esquecê-la”. Ela sorri com tristeza. “Eu sei que você sempre se lembra de mim. Mas não é disso que eu estou falando. É uma coisa lembrar que eu existi, e outra eu estar continuar dentro de você”. Eu movo a cabeça e viro pra trás, sem seguir, sem disposição para ouvir. “Já faz bastante tempo desde que nos unimos no laboratório do Dr. Anu. Muito tempo, eu acho. Estou cansada. O jeito que nós somos, o jeito que nós nos falamos, o jeito que eu me sinto viva mesmo depois de ter sido morta anos atrás. Talvez esquecendo seja o jeito errado de fazer isso. Mas de qualquer jeito que você queira chamar, isso não foi feito para durar por muito tempo. Está acabando”. Vendo que estou ficando desapontado, ela tenta ser casual. “Nós dois teremos que aceitar isso. Meu tempo está acabando”. “Não”, eu digo tentando não acredita na verdade. Mas quando eu me viro novamente pra ela, ela já tinha sumido. Depois dessa noite cansativa, procurando por Um e voltando sozinho pra cabana, eu me arrasto pra fora da cama. Eu escovo meus dentes, me visto, termino meus deveres matinais. Eu trabalho na vila debaixo do sol escaldante. Que escolha eu tenho? Não é uma coisa que eu possa perguntar pro Marco: “Ei, Marco, alguns anos atrás eu acordei de um coma de três anos, onde eu vivi na mente de uma garota alienígena já morta, e ela vem sendo minha companhia constante desde então. Mas agora ela está morrendo... Tem como você cobrir meu trabalho por hoje?”. Não iria cair bem mesmo. Então eu mexo meus dentes e continuo. Um não está tão assustada como esteve ontem. Eu a vi quando acordei, mas ela se manteve distante, e ela está andando pela ponte quando eu volto da vila, se sentando atrás da mesma árvore de ontem à noite. “Não”, ela diz, no momento em que eu ando em sua direção. “Por favor, sem olhinhos de filhote de cachorro”. “Um...”, eu começo. “Estou bem”, ela diz me interrompendo. “Ontem só foi um dia ruim. Eu tenho certeza de ainda me restam mais algumas semanas”. Estou mudo, de coração partido. “Você tem um jantar pra preparar”. Jantar? Quem é que liga pra um jantar enquanto eu tenho poucos dias com ela? “Você tem que ir, Elswit está dando espiadas engraçadas ao ver você conversar com uma árvore”. Ela ri, mandando-me sair com as mãos. “Vá”. Eu vou até a cozinha. Enquanto nós cozinhamos, Elswit me conta histórias de sua infância rica de desventuras, antes de se dedicar ao trabalho. Normalmente, eu acho as histórias dele incríveis, mas minha mente continua a pensar em Um, sentada em baixo da árvore. Esse acampamento, essa vila... esses lugares têm sido meu santuário nos últimos meses, e se tornou fácil pra mim imaginar um futuro feliz aqui. Mas quando eu olho pelo campo pra ver Um, eu imagino o que esse lugar significa pra ela. Enquanto seu povo está lá fora, lutando pela sobrevivência, ela está presa aqui com suas últimas horas, simplesmente porque eu achei um lugar que me faz sentir seguro. Eu percebo que pra ela esse lugar não é uma casa. É um cemitério.


CAPÍTULO QUATRO Eu me estico pra trás no meu acento de avião, olhando para o passaporte em minha mão enquanto o jato está sobrevoando algum lugar no Oceano Atlântico: ADAM SUTTON. Na foto, estou sorrindo, o dente que eu perdi na luta com Ivan é um buraco preto no meu sorriso. Olhando pra foto do Adam Sutton sorrindo ninguém nunca imaginaria como assustado eu estou, o risco doido e insano que eu estou correndo agora. Elswit está sentado perto de mim, com os fones de ouvido, assistindo alguma coisa no seu tablet, enquanto meche o joelho inquietamente. Isso é irritante, mas não posso reclamar, Elswit apareceu pra mim em boa hora. Eu nem tive que inventar uma mentira pra convencer ele. Eu apenas disse que minha família estava em crise, e que por isso eu precisava voltar aos Estados Unidos. Ele disse que era tudo o que ele precisava saber: ele me levou à baixada americana em Nairóbi, pagou pelo meu mais novo passaporte, e me arrumou um lugar no jato particular do pai dele, já planejado pra trazer ele de volta ao norte da Califórnia, para sua festa de aniversário. Se eu já não tivesse uma identidade americana, nada disso teria dado certo. Felizmente meu pai, “Andrew Sutton”, nunca se incomodou em dar queixa do meu desaparecimento. Eu me pergunto se quando eu usei o meu passaporte novamente, se houve algum alarme no quartel Mogadoriano, mas eu acho que isso não faz nenhuma diferença. Quando eu aparecer em Ashwood Estates, eles vão tentar me matar ou não. Saber que eu estou a caminho não irá fazer diferença alguma. Nós paramos em Londres para reabastecer, nossa segunda parada. Agora estamos no ar novamente, próxima parada, Virginia, onde me despeço de Elswit. Nesse ponto nada além de uma corrida de taxi irá ficar entre mim e meu inesperado confronto com minha família em Ashwood. Eu me abaixo mais ainda no meu assento, esperando ansioso minha chegada. É isso, eu digo. Não preciso dizer nada mais: Um sabe o que eu estou pensando. Estou prestes a ver minha família novamente depois de meses. Eu espero ser recebido como traidor. Talvez eu seja executado por traição: morto onde eu estiver, ou talvez comido por um Piken. Mogadorianos não tem protocolos individuais por traição, opiniões diferentes eles não tem muito problemas, mesmo que, haja experiência junto. Eu sei que minha única esperança é convencer o General que eu tenho mais valor para ele vivo do que morto. “Você não tem que fazer isso”, ela diz, com uma expressão culpada, preocupada em seu rosto. “É perigoso, quando eu disse sobre aceitar as causas, eu não quis dizer isso...”. Isso é o que nós temos que fazer, eu digo. Eu falo com mais segurança e confiança do que eu sinto. Mas eu não tenho outra escolha: não posso perdê-la. “Assim que pousarmos, não precisamos ir à Ashwood, podemos ir a qualquer outro lugar, em busca dos outros lorienos...”. Que se dane os outros, eu digo. Mesmo meu plano sendo vago, eu sei que minha única chance de salvar Um, de mantê-la ao meu lado, fica em algum lugar nos laboratórios abaixo de Ashwood Estates. Eu não estou fazendo isso por eles. “Eu sei”, ela diz. “Você está tentando fazer isso pra me salvar, pra tentar achar algum jeito de manter viva. Você acha que se voltar, você talvez ache alguma coisa nos laboratórios. E talvez meu corpo ainda esteja lá, talvez você possa refazer a transferência das mentes, me restaurar, me comprar mais alguns anos”. Ela morde seu lábio, preocupada com o risco que estou correndo. “Acho que há muitos talvez pra você arriscar sua vida”. Ela está certa. Mas eu não tenho escolha: sem Um, eu não sou nada. Mesmo que 1% de dar certo esse plano, vale a pena tentar. No taxi a caminho de Ashwood Estates, meu medo é como uma pontada no estômago, empurrando pra cima. Estamos chegando, talvez menos de dez minutos. Nove minutos. Oito minutos.


Eu peço para o motorista parar na guia da rodovia, eu corro pro meio da grama alta no canto da rodovia e jogo fora o pouco que eu comi desde que sai do Quênia. Eu espero um pouco. Pra respirar, para olhar através da grama os montes distantes. Eu sei disso: essa é minha última chance pra fugir. Então eu ceco minha boca e retorno para o carro, agradecido por Um não estar aqui pra não me ver nesse estado. “Tá tudo bem garoto?” – o motorista me pergunta. Eu confirmo com a cabeça. “Tô”. Ele também acena com a cabeça e continua a viagem. Seis minutos. Cinco minutos. Chegamos ao subúrbio que fica ao redor de Ashwood Estates. Lanchonete são interseções para as cidades de classe média, e também para os condomínios fechados indistinguíveis de Ashwood Estates. O lugar perfeito pra se esconder. De cima somos apenas mais um subúrbio: ninguém iria imaginar a cultura estranha dentro daquelas mansões luxuosas, os planos para a destruição mundial sendo planejados em baixo. Em todos meus anos de Ashwood Estates nunca fomos incomodados pelos policias locais mesmo em momentos suspeitos. Vendo os portões de Ashwood da rodovia, eu me sinto estranhamente maravilhado que muros e portões sempre foram um jeito simples e efetivo para não chamar a atenção na América. Eu peço pro motorista me deixar na beira da rodovia, pagando pra ele o último dinheiro que Elswit gentilmente me deu pra eu voltar pra casa. Eu me aproximo do interfone do portão de entrada. Não há o que temer. Eu paro diante da câmera de segurança e pressiono o botão da minha casa e olho diretamente para a câmera. Cada casa tem uma câmera e um interfone próprio. Eu serei identificado imediatamente. “Adamus?” – é a minha mãe. A voz dela treme a cada silaba, e com o som disso minhas pernas quase despencam. Eu sei que ela é um monstro. Ela não quer nada mais do que a destruição da raça Lórica inteira e a dominação desse planeta inteiro. Mas o som da voz dela me acerta: eu senti falta dela, mais do que eu percebi. “Mãe”, eu digo, lutando pra manter minha voz firme. Mas ela desligou o interfone. Ela provavelmente ativou algum alarme. Notificou o General. Dentro de alguns minutos estarei preso, ou jogado em uma jaula de pikens... “Adamus?!” Sua voz novamente. Mas não está vindo do interfone. Eu olho pelo lado do interfone e vejo minha mãe a distancia pelo portão. Ela saiu correndo de sua casa no alto da colina. Ela está com uma roupa de verão, vindo em minha direção. “Brava? Confusa?” – Eu me preparo para a aproximação dela. “Adam” – ela chora, chegando cada vez mais perto, seu sapato em batendo contra o asfalto. Antes de eu perceber, ela abriu o portão rapidamente e se jogou nos meus braços, me abraçando, chorando. “Meu menino, meu herói caído... você está vivo.” Estou paralisado. Ela não está brava. Ela me ama.


CAPÍTULO CINCO Estou sentado no sofá da minha sala de estar, tomando uma limonada que minha mãe trouxe pra mim. Ela ta falando como uma tempestade, e eu estamos tomando cuidado pra não interromper: preciso prestar atenção com cautela, pra poder descobrir o que aconteceu aqui antes de eu contar minha história. “Eu não acreditei neles...” ela dizia, se sentando perto de mim e pondo sua mão no meu joelho. “Eu não podia acreditar neles”. Eu tomo mais um gole, pra me comprar tempo. Não podia acreditar neles sobre o quê? “Eles me contaram tudo e eu sabia que tinha acontecido, mas eu não acreditei, eu sabia que você não poderia estar realmente morto”. Ahh, ela não podia acreditar nessa parte. “Eu sempre soube que combate físico não era um dom seu. Eu contei a seu pai mil vezes que você se encaixaria melhor em um grupo de táticas, mas ele estava determinado a seguir a tradição, e insistia que nós não diferenciávamos estratégia e combate. Todo mundo deve lutar na guerra, mas quando ele me contou que você tinha sido morto, que aquele lorieno nojento tinha te jogado de precipício, era como se meus piores medos vissem a realidade”. Minha mente está confusa. Foi meu irmão adotivo que me jogou do precipício, sobre a ordem aprovada pelo meu pai. Eu não fui morto por um lorieno... eu me juntei a eles. “Eles disseram que te procuraram em todo canto...” Mentira. Me deixaram para morrer. “... que eles estavam de coração partido como eu...” Mais mentiras. “Mas eles não haviam achado seu corpo, e isso me deixou com um pingo de esperança. Eu sabia que você de algum jeito havia sobrevivido”. Ela me abraça novamente. Isso toma todo meu esforço pra receber o abraço dela traindo a raiva dentro de mim. Eu esperava voltar pra casa pra um grupo de especialistas Mogadoriano, mas eu voltei como um soldado caído. “Não”. Era a voz dele. Minha mãe e eu nos viramos para ver meu pai no vão da porta, boquiaberto pelo choque. “Ele voltou pra nós”, minha mãe exclama. “Nosso garoto está vivo!”. Eu nunca na minha vida tinha visto o General sem palavras, mas lá está ele, chocado demais pra falar. De repente minha ficha caiu. Meu pai mentiu pra minha mãe. Meu pai mentiu pros outros Mogadorianos. Quer seja pra proteger seu ego da desgraça, ou pra manter sua autoridade como General, ou ambos, ele fabricou uma morte honrosa pra mim. Ninguém aqui, exceto meu pai – e Ivan, onde quer que ele esteja – sabem que eu me traí a causa Mogadoriana. Eu tenho apenas um momento pra agir, para interpretar o silêncio súbito do meu pai, e usar isso como uma vantagem. Eu saltei do sofá e dei um abraço nele. “Eu estou vivo, pai”. Eu sinto o seu corpo inteiro enrijecer de desgosto, mas eu continuo com minha astúcia. “Eu voltei pra casa”.

Conto a eles uma história sobre minha volta à Ashwood. Lavado no fundo do penhasco, sendo resgatado por um local e a minha recuperação no campo de ajuda. Eu ajustei a verdade cautelosamente, dizendo que meus amigos humanos eram tolos, alegando que eu praticamente obriguei Elswit a me trazer de volta aos Estados Unidos, me fazendo de bom Mogadoriano que eu já não sou, mas esta versão está perto o suficiente da verdade. E eu sei que isso é o que eles precisam ouvir. “Eu tive que voltar pra te ver”, eu concluo. “Para continuar servindo à causa”.


Eu me esforço para conseguir olhar fixamente nos olhos do meu pai. Isso toma todo meu esforço pra não vacilar, assim como eu sei que ele está se segurando pra não por a xícara de café na mesa e me estrangular. Na cozinha, o cronometro toca. Minha mãe, cacarejando sobre minha fuga heroica, nos dá licença pra ver porque o cronometro tocou. “Então...” eu digo pro meu pai, esperando sua reação. Ele não diz nada, mas pula em cima de mim, juntando minha camisa no seu punho, e me levanta do chão. Eu fico a alguns centímetros do chão, quase sufocado pela sua força. Seu rosto, ficando mais vermelho a cada segundo. “Diga-me porque eu não devo quebrar seu pescoço nesse instante”. “Se você quisesse que a verdade viesse à tona, quisesse que as pessoas soubessem como eu falhei pra você, você não teria se preocupado em mentir pra todo mundo”. Minha gola está começando a me sufocar. Mas eu continuo a falar com esforço. “Como você convenceu Ivan a manter seu segredo?”. Ele ignora minha pergunta. “Se você pensa que fazendo isso comigo irá ter manter salvo, você está totalmente enganado. Se eu te matar agora, a única pessoa que eu terei de contar a verdade será sua mãe”. Ele me agita violentamente. “Ela aprenderia a se acostumar, ela não terá escolhas”. Meu coração dispara. Eu sei que ele está falando a verdade. Ele pode me matar. Ele quer me matar. “Desculpe-me, General”. Canalizando meu medo mortal, eu digo com lágrimas de arrependimento nos meus olhos. “Desculpe-me General”. Ele me olha com um novo olhar: a percepção de ver seu filho implorando pela vida é difícil pra ele como ver seu filho se rebelando à causa. Eu sei que minha nova tática é tão perigosa quanto à outra: ele pode me matar tanto por desgosto quanto por ansiedade. Mas eu continuo. Esse é a único risco que eu tenho. “Eu falhei com você e com meu povo. Eu sou um covarde. Eu não tenho a habilidade de matar. No campo de batalha eu... eu não consigo ver o derramamento de sangue”. Meu pai solta minha camisa e eu caio com força no chão. “Eu sabia que voltar seria um risco, que haveria a possibilidade de eu ser julgado e executado como traidor. Mas eu também achei que valeria a pena”. “Por quê?” “Porque”, eu digo, pausando para um momento dramático, mexendo os meus pés. “Eu pensei que você me daria uma chance para cobrir meus erros”. “E como você pretende fazer isso?” Eu olho minha camisa e olho pra ele com o olhar mais fixado e sem piscar que eu posso fazer. “Com clareza, dá pra perceber que eu não tenho habilidades pra ser um guerreiro. Eu não sou o Ivan”. E com isso, meu pai deixa escapar um movimento de discórdia. “Filho, você não tem valor nem para ser comparado ao seu irmão, Ivanick”. “Mas eu sou muito melhor com táticas e Ivan nunca teria passado nos seus estudos anteriores se eu não estivesse lá pra fazer o dever de casa dele”. O General nem olha mais pra mim: ele está olhando fixamente pra cozinha, sem duvida se preparando para a explicação que ele terá de dar a minha mãe quando ele me matar. Eu posso ver que estou perdendo ele. Ainda fazendo pressão, tentando fazer meu desespero não transparecer. “Eu encontrei a número Dois primeiro, lá em Londres, bem antes de o seu time inteiro localizar ela no exato local. E no Quênia eu achei a número Três antes do Ivan. Eu não os matei, mas fui eu quem os achou primeiro. O posso ser um dos seus melhores rastreadores se você apenas me der mais uma chance...”. Meu pai se aproxima de mim novamente, me agarrando pela garganta dessa vez. Eu não posso respirar. É agora, eu penso, é o fim. “Uma semana”, ele diz. “Eu te darei uma semana pra você me mostrar o que você pode fazer”. Ele me larga. “E se você falhar em fazer um milagre pra mim durante esse tempo...” Eu posso ver pelo seu olhar que ele espera que eu termine seu discurso. “Você me mata”. O seu olhar me mostra que eu acertei. Eu faço um sim com a cabeça, aceitando seus argumentos.


CAPÍTULO SEIS Eu deito na minha velha cama, no meu velho quarto, mirando a parede. Eu fiquei surpreso de encontrar tudo como eu havia deixado, quase esperando que eu fosse estripado em seguida da minha “suposta”. Eu acho que minha mãe venceu aquela batalha com o General. Eu tento ficar confortável. Depois de meses dormindo naquele acampamento, meu travesseiro caro deveria estar inacreditavelmente macio e fofo. Mas ele parece estar cheio de pregos. Depois de um jantar com um ar estranho, durante o qual meu pai e eu fingíamos estar contentes com a minha volta, agora que estou sozinho em meu quarto, eu deixo minha guarda abaixar, e paro de fingir o sorriso falso. Eu estou exausto e com medo. Mesmo se eu de alguma maneira eu evitar minha morte no prazo de uma semana que o General me dera, não significa que eu irei conseguir entrar nos laboratórios. E mesmo se eu conseguir, não significa que eu irei encontrar uma solução pra salvar Um. E mesmo se eu conseguir salva-lá, eu não tenho nem ideia de como vou fazer pra me salvar, muito menos de como eu vou sair daqui de Ashwood quando eu tiver cumprido meu dever. Eu preciso pensar em alguma coisa, porque agora nem a ameaça de morte não parece a pior coisa do mundo. Passar pelo teste do meu pai e ser “permitido” a ficar neste lugar tenho que indefinidamente manter minha imagem de um Mogadoriano leal, parece ser o destino mais assustador de todos. “Aquilo foi difícil de ser visto”. Um aparece parada na porta. Eu expiro grato pela sua presença. “Não percebi sua presença”. Ela vem em minha direção e se senta no pé da cama. “Eu me segurei. Tento ficar longe do seu campo de vista. Sei que você precisa de foco agora”. Ela me olha com um olhar de afeição. “Atuação de uma vida, huh?” “Você que diz”. Ela me olha com um olhar culpado, preocupada com minha segurança. “Você tem certeza que eu mereço isso?”. Eu tento fazer um sorriso de confiança. “Definitivamente”. A porta do meu quarto se abre e minha irmã Kelly entra. Surpreso, eu dou um pulo da cama. “Então você voltou mesmo”, ela diz, me olhando dos pés a cabeça. “Sim”, eu digo. Eu não tenho certeza se eu deveria corre e confundir ela. Eu decido esperar o que vai acontecer. “Bem, isso é bom, eu acho”. “Você não estava no jantar”. Durante o jantar meu pai explicou que o Ivan foi promovido pra uma nova posição em algum lugar no sudeste – novidades que me fizeram sentir aliviado e eu tive que cobrir minha boca pro meu pai não ver como eu estava feliz – mas não tinha dado nenhuma explicação pra ausência da Kelly. “Me atrasei. Estou participando de um programa depois da escola na enfermaria agora”. Enfermaria é o que alguns de nos chamamos o lugar onde os Pikens ficam no subsolo. Os Pikens são criados nos laboratórios lá de baixo, e treinados para combate. “Eu acho que me tornarei treinadora depois que eu me graduar. Eles dizem que eu tenho o jeito pra coisa”. “Oh”, eu respondo. “Que incrível”. Não posso acreditar o quão bobo eu pareço por estar com medo da minha irmã mais nova, uma criança. “Que seja”, ela diz. “Mas escute. Parabéns pela sobrevivência e tal, e por ter voltado pra casa. Mas, você sabe que ter você morto já foi muito confuso. Agora eu tenho que explicar pros meus amigos que meu irmão perdedor voltou. Você está basicamente arruinando minha vida”. Estou impressionado com sua sinceridade, porém eu entendo. Na sociedade Mogadoriana, morrer em combate não é prestigioso como é na maioria das culturas humanas. E falhar em combate e sobreviver é dificilmente melhor do que ser um traidor. O alivio da minha mãe por eu não ter morrido não vai ser compartilhado pela minha irmã... ou por qualquer outro em Ashwood. “Eu só estou te dizendo que quando eu te ignorar na frente dos meus amigos, não enlouqueça, ok?”


“Tudo bem”, eu digo. “Beleza então”, ela responde. Ela sai sem me dar uma “boa noite”, muito menos com um abraço. Eu olho desesperado pra Um. Ela rapidamente cobre sua expressão de pena com um dos seus melhores, sorriso sarcástico. “Bem vindo, Adamus” ela diz.


CAPÍTULO SETE Uma criança um pouco mais velha do que eu chamada Serkova veio me buscar de manhã. De acordo com o General, ele é um garoto prodígio na seção de Mídia de rastreamento e segurança. Meu pai o designou pra me buscar e me por pra trabalhar. Nos fomos de elevador para o complexo do subsolo juntos. Ele me olha por um bom tempo. “Ouvi que você escapou por um fio no Quênia”. “Sim”, eu digo com timidez. “E agora você anseia por uma posição de rastreador?” “É esse o plano!”, eu respondo. Ele bufa. Serkova tem a verdadeira aparência de um true born, e tem algo muito estranho no seu nariz horrivelmente feio que o deixa mais feio ainda quando ele bufa. “Eu não sabia que estávamos na onda de dar a soldados caídos uma segunda chance”. Ele se vira e me olha. “Acho que há exceções para o filho do General”. A porta do elevador se abre e nós caminhamos rapidamente para o centro do complexo do subsolo. A cúpula e a orbe de luz florescente dão à sensação de um lugar – maciçamente – feito de átrio. True Born e Vat Born caminham rapidamente por todo lado, entrando e saindo de túneis que dão no centro. Eu os vejo reagirem à minha presença: os True Born evitam meu olhar, enquanto os Vat Borns zombam de mim com clareza. As noticias voam, mesmo aqui em baixo. Nós vamos em direção aos tuneis sudeste e nordeste para ir para o túnel noroeste. Com exceção da sala do General, eu nunca fui permitido a acessar nenhum dos outros túneis antes. Mas é muito obvio que os túneis levam em direção dos campos de treinamento de combate, e pra outra direção levam às lojas de armas e às beliches para os Vat Born. Nós estamos no terceiro túnel, em direção aos laboratórios R+D e ao centro de Mídia de rastreamento e segurança. Eu me esforço para não arrumar encrenca com o Serkova. É obvio que ele não gosta de mim e muito menos do trabalho tediante de ser minha babá. “Qual é o seu problema comigo?”, eu gentilmente quero saber: o olhar do Mogadoriano se tornou extremamente diferente pra mim. “Então, eu estou recebendo uma segunda chance”. “Por que você deveria se importar?”. Serkova se vira pra mim, com um sorriso desdenhoso em seu rosto. “Você acha que não sou capaz nessa idiotice como tem que ser no campo de batalha?”. “Agora estamos sendo forçados a ensinar um soldado que falhou em batalha. Então, na próxima vez que eles disserem que nós apenas somos rastreadores porque somos bons o suficiente, eles estarão certos. Tudo graças a você”. Ótimo. Eu o sigo para o centro de Mídia de rastreamento e segurança de segurança, uma sala larga iluminada apenas pelas luzes dos monitores de mais ou menos vinte computadores espalhados pela sala. Ninguém nos olha e Serkova me leva para o meu computador. Graças a sua explosão, eu não quero saber por quê. Ele me explica o que temos que fazer no trabalho, e depois se sentou no computador do lado do meu. “Boa sorte, Adamus”, ele diz, com um sarcasmo evidente, e começa a trabalhar. Eu viro pro meu monitor. Um fluxo constante de links rola na minha tela, textos codificados. A estrutura principal Mogadoriana cobre canais de TV a cabo e satélites, transmissões de rádios, e todo canto da internet, 24/7. Certa quantidade de links é eliminada automaticamente quando chegam a nossas telas: histórias de interesses humanos são eliminadas com antecedência, como a maioria são artigos ou segmentos dedicados ao EUA, ou política econômica internacional. Mas uma maioria significativa do que resta – previsão do tempo, coberturas de desastres naturais – tornam nossas telas como verdadeiros gêiseres de hiperlinks. Nosso trabalho é vasculhar os links em nossos respectivos computadores, movendo os links que não são de interesse Mogadoriano para o diretório “Descartar”, enquanto jogar o material que possa ter utilidade Mogadoriana para o diretório “Investigar”, que vai ser acessado pessoalmente pelo líder dos rastreadores antes de ser movido para o diretório de descarte ou enviados para o comandante do quartel.


Também devemos marcar e pontuar o material que enviamos para “Investigar”, de acordo com o nosso julgamento de sua possível relevância com “PV” para “Possível valor”; “AP” para “Alta prioridade” e “EAP” para “Extrema alta prioridade”. Itens com a classificação “EAP” também são enviados diretamente para os rastreadores analisarem pessoalmente. Ultimamente, se algum de nós persuadirmos o quartel com itens com legitimo sinal de atividade da Garde, os times respectivos serão despachados. Todos os três lorienos mortos foram encontrados com a ajuda de algum rastreador daqui. Mas, sem contar a nossa importância, somos apenas macacos primitivos. Coisas excitantes como: obter informações valiosas ou o combate em si, acontece fora do nosso alcance de visão. Não que esse seja um trabalho fácil. Dentro de alguns minutos lutando através dessa tela de atualizações de dado, eu sinto falta da simplicidade e da clareza do meu trabalho no Quênia. Indo em todos os lugares na internet – da história de quíntuplos nascidos em Winnetka, Illinois, para um vídeo de qualidade ruim de um insurgente sírio – sem se envolver no que eu estou lendo e vendo é um desafio – e depois de apenas vinte minutos de olhos arregalados para o monitor, eu começo a sentir meus olhos como se eles estivessem sangrando. E então fica pior. No final da primeira hora, um pequeno sino digital soa, e um guia aparece no lado superior direito do meu monitor. Meu coração dispara. “Ah é”, diz Serkova, sorrindo pra mim sem tirar os olhos do seu monitor. “Nós somos classificados de hora em hora”. Nossos resultados individuais são tabelados no final de cada hora e é transmitida para todos os terminais. Números de descartes, de investigação, são graduados de acordo com a apuração obtida. Lá estou eu, na parte inferior do monitor, no último lugar: vinte e sete descartes, seis para investigação, e pontuação total de 71% no rank. Procuro pela pagina o rank do Serkova, e lá esta, em segundo lugar, com oitenta e dois descartes, treze para investigação, com uma pontuação total de 91% no rank. Eu vou precisar ser bem mais rápido. “O que era que você tava dizendo pro seu pai?”, pergunta Serkova. Estou demasiado distraído para responder. Eu preciso melhorar minha pontuação, e eu percebo a habilidade de Serkova para trabalhar e me perturbar ao mesmo tempo. “Algo como o tanto que você é melhor como rastreador do que nós?”. Ugh. O General não só me deu uma tarefa impossível, na qual minha falha causará minha morte, como também ele tem envenenado meus colegas de trabalho dizendo que eu sou melhor do que eles no rastreamento. Mas eu não me incomodo em responder: eu não tenho tempo. Eu volto a trabalhar, lutando contra meu próprio espanto. Uma das razões pelas quais eu manipulei o General pra ele me por aqui na zona de rastreamento é porque eu achava que eu teria tempo para usar meu computador para invadir os servidores dos laboratórios adjacentes, fuçar na pesquisa do Dr. Zakos. Eu sei que a única esperança de Um está naqueles arquivos. Mas se eu não subir no ranking logo, que meu pai poderia justificamente encerrar o nosso acordo: Eu seria morto antes mesmo de tentar salvar Um. Eu tenho que melhorar minha pontuação. Eu procuro trabalhar mais rápido. O truque, eu aprendi, não é preciso processar nem um dado que eu encontro. Em vez disso, eu deixo minha consciência trabalhar por mim no vídeo ou documento, depois eu o julgo sem pensamentos ou razão. Basicamente o truque é aceitar que eu sou apenas uma peça de um computador. Finalmente, eu sinto que peguei o jeito. Na hora seguinte do ranking, eu havia subido duas posições. E depois, na hora seguinte, eu estava na posição treze de vinte. “Sorte”, diz Serkova. Olho com um olhar feroz pra ele. Eu sei que não estou aqui para competir com esse idiota, mas eu não consigo: a vontade de derrubar ele, eu fico concentrado nisso. Mais tarde, eu subi para a posição onze. Eu percebo que eu dei o máximo de mim o dia todo e que então, eu mereço cinco minutos de intervalo. Eu rapidamente saio da página dos hyperlinks, e tento acessar os servidores da central.


Mas fazer pesquisas com um relógio apitando em cima da minha cabeça, e ela fica desconcentrada. Eu entro no campo de pesquisa com frases do tipo “transferência de mente”, “Dr. Anu” e “Dr. Zakos”, mas todas elas me levam para áreas restritas no servidor, e eu não tenho tempo para invadi-las. Eu tento ser mais especifico. Lembrando-me do que Arsis disse sobre humanos nos laboratórios, eu faço uma pesquisa para “cativeiros de seres humanos”. Em vez de me direcionar para nada sobre as pesquisas do Dr. Zakos e Dr. Anu, sou direcionado para alguma coisa interna, a alguma coisa nova da política sobre humanos capturados. “Quando possíveis humanos suspeitos de ajudar e proteger a Garde, deverão ser levados e presos na base do governo, em Dulce, Novo México”. Uma base governamental? O que o governo dos EUA poderia querer ter alguma haver com os Mogadorianos? Eu fecho a página agora. É interessante – mas não irá me ajudar na salvação de Um. Antes mesmo de eu ter uma nova chance de começar outra pesquisa, meus cinco minutos acabam. Eu volto para o meu trabalho. Previsivelmente, neste curto espaço de diversão me custou, e minha posição no ranking cai a cada hora. Lamentavelmente, eu percebo que não terei mais “pesquisas” por hoje. Nós terminamos às dezenove horas, substituídos pelo pessoal do turno noturno, que vão trabalhar até às sete da manhã do dia seguinte. Meu corpo está dolorido por ficar sentado e sem fazer exercícios o dia todo, e meus olhos parecem que foram lavados com areia. Eu terminei o dia na posição onze. “Nada mal”, admite Serkova, se levantando de sua cadeira. “Mas quase nada comparado ao que você prometeu ao General”. Ele está certo. No meio de um grupo de vinte, eu não posso ser qualificado como um expert nas pesquisas. Eu apenas espero que meu ranking seja suficiente para me dar mais um dia de vida. Eu ando pelo túnel sozinho, voltando para a cúpula. Estou muito cansado, mesmo para espiar pelos outros túneis. “Arsis! Seu inútil idiota!” Arsis! O assistente técnico idiota dos laboratórios! Avançar com minha espionagem secreta era a última coisa na minha mente até eu ouvir aquele nome. “Desculpe-me doutor”. Eu dou a volta no corredor e vejo uma porta entreaberta, que leva a um dos laboratórios. Dentro do laboratório branco, um doutor incrivelmente alto tem um jovem guarda contra uma parede, apontando pra ele um dedo indicador bravo. “Essas amostras eram para serem refrigeradas na temperatura subzero! Você as pôs no freezer normal”. “Desculpe-me, senhor”. O garoto é educado e dócil, nada como eu o imaginava pelas suas postagens no IM. O doutor o comanda com severidade. “Reveja as amostras das nossas culturas restantes, e faça certo dessa vez. Você pediu para ser confiado para um serviço mais importante; agora mostre que você pode fazê-lo corretamente”. “Sim, doutor”. Arsis se mexe rapidamente para refazer seu trabalho. Eu fico olhando para o Dr. Zakos, em seu laboratório enorme. Esse é o homem que talvez possa salvar a vida da minha única amiga. Ele me pega observando-o. Merda. Ele olha ferozmente para mim. Eu não tenho tempo para me virar e ir embora, nem para pensar em algo rápido. “Doutor Zakos?” – eu digo, decidindo falar com ele. “Sim?” Ele me olha com um olhar confuso. Eu dou um passo adentro do laboratório. “Sou Adamus Sutekh. Filho do General Sutekh”. Ele olha para mim, evidentemente suspeitando. “Eu queria me encontrar contigo”, eu prossigo, “porque meu pai me falou muito do seu incrível trabalho”.


Eu observo Dr. Zakos corar de orgulho. Mesmo os Mogadorianos tem sua vaidade. Um ponto fraco muito explorável. “Estou grato pelo General estar satisfeito”, diz o doutor, fazendo uma reverência involuntária. “Na verdade eu era uma cobaia no experimento do seu predecessor”, eu continuo. “O trabalho que ele fez com o primeiro membro caído da Garde... o transplante de memória...”. “Ah, mas é claro”. Ele balança a cabeça. “O experimento do Dr. Anu foi uma falha deplorável. Tenho certeza de que a tecnologia da transferência de memória em que estou trabalhando é muito improvável, mesmo se eu tivesse a permissão de usá-la”. Estou confuso. Zakos continua falando, olhando para mim com muito mais interesse agora. Eu me esforço para manter uma expressão neutra. “Você está dizendo que o procedimento poderia ter mais sucesso agora?”. Ele afirma com a cabeça. “Essa é minha teoria”. “Como isso é possível? Eu achei que o procedimento deveria ser feito logo após a morte do sujeito”. Ele mexe a cabeça curiosamente, ignorando minha pergunta. “Onde você esteve desde o procedimento?”. “Na África,” eu o digo. Eu não quero entrar em muitos detalhes sobre o que eu tenho feito desde a última vez que eu estive com os Mogadorianos. Mas o doutor parece aceitar minha resposta sem questionar. “E você sofreu algum... efeito colateral devido ao procedimento em que você foi submetido?”. Eu tento ser sarcástico. Só aquele pequeno coma. Mas eu me controlo. “Nada mais do que aquilo que você já sabe”. As engrenagens parecem estar rodando dentro de sua cabeça enquanto ele me olha de cima a baixo. “É uma possibilidade,” ele brinca, quase para si mesmo. “As partes neurológicas da Garde estão dormentes há algum tempo para tentar a transferência com outra pessoa. Mas com a cobaia original – do procedimento original -...”. Eu não consigo me conter. “Do que você está falando? Qual Garde? Você não pode querer dizer ela.” Dr. Zakos apenas da um sorriso, e anda em direção à parede do laboratório, que está coberta com mais ou menos dez pisos quadrados. Ele coloca sua mão sobre um painel de controle de metal perto da parede e faz uma sequência elegante de gestos com as mãos em direção ao painel. Com um barulho hidráulico repentino, um dos pisos sai da parede, abrindo como um compartimento, jorrando vapor criogênico. É como uma sala de necrotério. Ele olha fixamente com orgulho para o que jaz abaixo. “Dê uma olhada”, ele me diz. Eu me aprofundo mais adentro do laboratório, espiando sobre o compartimento. “Perfeitamente preservada”. Eu não acredito nos meus olhos. Ela nem parece morta: parece até que ela está apenas dormindo. Minha melhor amiga do mundo inteiro. Um.


CAPÍTULO OITO Um me mantém acordado metade da noite, me bombardeando com perguntas que eu não consigo responder: sobre os experimentos do Dr. Zakos, sobre o que ele disse sobre ele poder fazer o download com sucesso de todas as memórias dela, sobre o que ele disse sobre o corpo dela estar perfeitamente preservado. “Bem, você continua morta”, eu digo. “Uh? Menos sinceridade, por favor,” ela diz, sorrindo. Estou na minha cama. Ela está sentada no canto da porta do meu quarto, no chão. “Desculpe-me,” eu digo. Estou um pouco confuso. Ver ela num flash como agora, e depois gelada em um laboratório, me deixou triste mais do que eu esperava. Ela tem sido minha companheira constante por anos agora, mas a visão do seu corpo me trouxe de volta e eu percebo como tenebrosa é sua vida agora. “Você notou?” – pergunta Um. Voltando para seu questionário de especulações. “Havia pelo menos dez compartimentos na parede. Se lembra do que aquele garoto, Arsis, disse em suas postagens? Sobre os humanos serem capturados para dar informações? Você acha que eles estão sendo mantidos preservados lá também?” Eu entro na mente de Um. Ela não estava presente até que eu tivesse terminado de ler as postagens, e ela definitivamente havia sumido quando eu estava no laboratório do Dr. Zakos. Ela percebe meu olhar maravilhado. “Que foi?”, ela diz. “Você já sabe que sua mente é um livro aberto para mim. Só porque eu não estou presente quando as coisas acontecem, não significa que eu não possa ver quando eu voltar”. E do nada, ela volta para seu interrogatório. “De qualquer jeito, se eu estive tão bem preservada, isso significa que provavelmente possamos nos conectar novamente e jogar minhas memórias em você mais uma vez. Quero dizer, eu sei que eu sou bonita, mas eu não acho que o Dr. Zakos vem me preservando pela minha beleza. Ele deve ter feito isso para manter as memórias em meu cérebro, tipo, mantê-las frescas”. Ela faz um movimento com a cabeça, se impressionando com sua linha de raciocínio. “Precisamos voltar para aquele laboratório”. Olho para longe dela. “Um, eu preciso dormir um pouco”. É madrugada, e eu terei de estar no trabalho em quatro horas. Um está em silêncio. “Se eu estragar a oportunidade do trabalho, estou morto. E se eu morrer, você morre, e todo esse plano do laboratório vai por água abaixo. Ok?”. Eu olho pra ela, mas ela sumiu. Ocorre-me que eu nunca sei se essa desaparição será a última. Um dia ela desaparece, como agora, e eu espero ela reaparecer... Mas ela não reaparece. Por tudo que eu sei, eu a vi pela última vez. Eu forço meu rosto contra o travesseiro e tento dormir. Eu chego a meu computador na manhã seguinte grogue e de olhos turvos, temendo as próximas doze horas. Eu me sento perto de Serkova e mergulho no fluxo de dados. Apesar da minha cabeça confusa, eu subo um posto no ranking na primeira hora. Mas com o esgotamento subindo em mim, eu posso sentir meu rendimento cair. Faltando quinze minutos pra hora seguinte, eu sei que estou voltando para o começo. Então eu uso um pequeno truque. Para mais ou menos cinco links que eu realmente vejo, eu automaticamente jogo um para o diretório “Descarte”. Eu sei que meu percentual provisório terá um aumento, mas o que eu posso dizer é que ele ainda é baixo no ranking geral comparado com o diretório “Descarte” com o “Investigar”. Usando essa técnica eu subi para ranking seis na última hora, com setenta e três descartes, e dezessete investigados. Minha apuração provisória é 73%, mais baixa do que o da última hora, mas não o suficiente para levantar as bandeiras vermelhas. Eu posso ver o sarcasmo de Serkova. Eu não me incomodo de esconder o sorriso.


Eu passo o dia assim, disputando contra Serkova. Desistindo de encontrar um tempo para fazer pesquisas, eu uso o trabalho para me distrair de qualquer coisa: da situação perigosa de Um, do trabalho estranho do Zakos no laboratório, do meu odiado pai, até mesmo do significado do trabalho que eu estou fazendo. Meu único objetivo é passar o Serkova em pelo menos uma hora. Meu último rank do dia é dois. Bem a frente de Serkova, três. “Melhor ter sorte amanhã, Serkova”. Eu digo, com um claro sorriso falso. Ele joga uma praga em mim e sai do laboratório. Depois do trabalho, eu vou para o meu quarto para tomar banho antes do jantar. Minha mãe me disse que Kelly não está jantando conosco de novo por causa do seu estágio na Enfermaria. Certo. Eu sei o verdadeiro motivo: ela não quer se sentar na mesma mesa que eu. Mas nem mesmo isso pode me deixar pra baixo: combater Serkova, mesmo que uma vez, é uma vitória enorme. Eu me encontro subindo as escadas, pulando os degraus de três em três. Eu abro a porta do meu quatro, esperando encontrar Um. Eu mal posso esperar para contar pra ela sobre Serkova. Quando eu entro, vejo seus pés perto da cama. “Um?” Eu chego mais perto. Ela está deitada de costas sobre o tapete. Boca e olhos abertos. Ela parece de vidro, e sua pele está leitosa como estava embaixo da árvore de baobá, só que muito, muito pior. “O que aconteceu?” eu agacho no chão ao lado dela. Ela está quieta. “Um?”. Depois de um minuto em silêncio, ela responde: “Nada”. Seus lábios quase não se moveram e sua voz está rouca. “O que acontece é que cada vez fica pior”. Seus olhos nadam na sua cabeça procurando por mim. Seu olhar finalmente encontra o meu. “É tipo, o que é mais escuro na escuridão, entende?”. “Entendo” – digo. Mas eu não entendo. Ela está passando por um momento do qual eu não tenho experiência. Ela está passando pelo Fim. Eu ouço minha mãe me chamar para o jantar. Eu olho para Um. “Eu vou ficar com você”. “Não”, ela diz. “Você deve ir”. Os olhos dela voltam para o teto enquanto ela fica ali, ora visível, ora invisível. De coração partido, eu saio. Meu pai se junta a mim e a minha mãe para o jantar. Ele mal fala, exceto para perguntar para minha mãe – ele tem um apetite de um verdadeiro soldado – e para nos contar novidades sobre Ivan. “O superior dele diz que Ivan está fazendo um excelente trabalho, diz que está trabalhando como se fosse um General”. “Isso é maravilhoso”, minha mãe diz radiante de aprovação. “Ele sabe das novas sobre Adamus?”. Meu pai e eu trocamos um olhar rápido e inquieto. Meu pai apenas diz com desprezo: “Não”. “Por que não?” ela diz, olhando de um para outro. “Acho que ele ficaria feliz em saber que seu irmão está vivo”. “Adamus não é irmão de Ivanick”, meu pai diz, silenciando ela. Tecnicamente isso é verdade – Eu sou o filho biológico deles, e Ivan foi adotado, criado pelos meus pais. Dizer que eu não sou irmão de Ivan é o jeito que meu pai encontra de dizer que eu não mereço ser honrado com tal coisa, que eu sou menos filho deles quanto Ivan. Meu pai vai para a cozinha, deixando eu e minha mãe num estranho silêncio. A verdade é que, eu estou dão triste com o agravamento do caso de Um, que eu não me importo com os problemas da minha família. “Você mal tocou em seu prato, Adamus”, minha mãe olha pra mim com preocupação. “Há alguma coisa te incomodando?”.


A pergunta é tão ridícula, dadas às circunstâncias, que eu quase dou risada. Eu quase disse “Sim, mãe. Tudo está me aborrecendo”, mas eu me contenho. Eu ouço a voz de Um como na noite passada: “Nós precisamos voltar naquele laboratório”. Ela está certa. Ela está sumindo tão rápido que eu preciso convencer o Dr. Zakos tentar o procedimento novamente se ela tiver qualquer chance de sobrevivência. Mas como eu convenço meu pai a me deixar ir, para garantir a minha saída do posto temporário do centro de vigilância? “Adamus?” “Estou apenas com medo”, eu digo. Eu não sei aonde isso vai dar, mas eu vejo talvez uma nova saída. “Com medo?”, minha mãe pergunta. “Com medo do que?” “Do pai. Estou com medo de que ele me faça...”, minha voz desaparece drasticamente. Eu tento fazer o olhar mais aflito, tipo fantasmagoricamente medonho, que eu posso. “O que você está falando -“ Então eu desabafo. Eu explico para minha mãe que eu fui ao laboratório do Dr. Anu outro dia, e seu sucessor disse que poderia fazer o transplante de mente novamente. “Ele diz que vai funcionar dessa vez. E que eles não podem fazer com mais ninguém, tem que ser eu. E eu estou com medo, eu não quero voltar ao laboratório para ser ligado a um monte de máquinas. Estou com medo de entrar em outro coma profundo, ou... ou pior!”. Ponho lágrimas nos meus olhos. “Ele diz que pode desenterrar informações da Garde se eles refizerem, e eu acho que o General vai me fazer repetir...”. “Oh, Adamus, duvido muito disso –” Eu a interrompo, mais alto dessa vez. “Mas ele vai! Se ele descobrir, tenho certeza que vai!” Então eu ouço sua voz, vindo de trás de mim. “Se ele descobrir o que, exatamente?” É o General. Mordeu minha isca.


CAPÍTULO NOVE “Sente-se, sinta se em casa”. Dr. Zakos posicionou uma cadeira larga no centro da sala e gesta para eu adentrar. Nervoso, eu me sento. “Eu fiquei encantado de ouvir do seu pai ontem à noite” ele diz, andando pelo laboratório, colocando os monitores em seus lugares, iniciando vários equipamentos medicinais assustadores. “Mas com o curto prazo, talvez demore um pouco enquanto eu ligo todos esses equipamentos”. Eu posso dizer que ele está ansioso para usar esses equipamentos em mim. Adamus, o rato de laboratório mogadoriano. Eu me afundo na cadeira, tentando ficar confortável enquanto o Dr. Zakos prepara tudo. Eu deveria estar feliz: meu plano está dando certo. Eu deliberadamente deixei meu pai ouvir que eu não queria ser usado nas experiências de transferência de memórias do Dr. Zakos, e então ele ligou para Zakos nos minutos seguintes, permitindo a ele seguir em frente e me plugar no cadáver de Um novamente. O General ainda me odeia, e me vendo fraco e com medo, como eu menti na mesa de jantar, deu sua consciência escassa qualquer licença que precisava para arriscar minha vida de novo no laboratório. O General é livre para me odiar. Eu também o odeio. E agora que eu sucedi em fazê-lo morder a isca, meu ódio tem uma nova profundidade, uma nova dimensão: Eu o desmoralizei. As máquinas começam a fazer barulhos. Estou com medo do que possa acontecer enquanto eu estiver dentro das memórias, mas eu afasto esse pensamento. Mais do que tudo, estou aliviado em saber que Um pode ter uma chance de sobreviver. Se a tecnologia avançou, talvez eu possa passar pelo procedimento ileso, e ainda salvar Um durante o procedimento. “O equipamento de transferência vai demorar vinte minutos para ficar no ponto”, Zakos anuncia. Eu assinto com a cabeça, e observo o doutor se aproximar do painel de aço ao lado do compartimento do corpo de Um. Ele pressiona alguns botões e o compartimento se abre como aconteceu antes. De onde eu estou sentado eu não posso ver o corpo de Um. Dr. Zakos pressiona mais alguns botões na borda do compartimento de Um, depois pressiona mais alguns no painel novamente. O compartimento se fecha. “Você não precisa...” – então me calo antes de chamá-la de Um. “Você não precisa conectar o corpo a mim?” “Não”, ele diz com um orgulho profissional. “Tudo do que preciso está ligado ao terminal principal”, ele diz apontando para o monitor maior. “Tudo ao lado do compartimento hidráulica é controlado por aqui: escaneamento cerebral, batimentos cardíacos, protocolos de preservação...” “Você tem outros corpos aqui?”, eu pergunto. “Sim”, ele me diz. “Alguns. A maioria é de mortais não afiliados que eu usei em experimentos. O resto deles são os Recepcionistas”. Zakos, absorto sem saber que eu sou um traidor da causa, dos Mogadorianos, me explica que quando os Lorienos vieram para a Terra para se esconderem dos Mogadorianos, eles fizeram contato com alguns humanos. Os Mogs capturaram esses mortais quase dez anos atrás e os subordinaram a diversos interrogatórios. Entretanto, os Mogadorianos não sabiam quase nada sobre a psicologia terrestre ou os comportamentos por trás dela, e nesses pontos as nossas técnicas de interrogatório eram mais cruéis. Alguns desses “Recepcionistas” cederam rápido ao interrogatório Mogadoriano – mais foi rapidamente descoberto que as informações que eles deram sobre a localização dos Lorienos, sobre o que eles contaram aos Recepcionistas – eram frequentemente quebradas. Por causa disso, meu povo começou uma pesquisa ainda em andamento empenhada que usa complexos mapeamentos cerebrais tecnológicos, para encontrar com mais certeza os significados das informações extraídas. Em outras palavras, preferindo não perguntar, nós tentamos encontrar uma maneira de pegar essas informações. “E, na realidade, a experiência do Dr. Anu com você foi um desdobramento dessa pesquisa. Infelizmente ela falhou, mas eu fiquei intrigado. O procedimento que você esta prestes a fazer, nada mais é do que um enorme requinte ao seu trabalho”. Eu posso dizer que Zakos acha que essa pequena história esta completa, mas eu quero saber mais.


“E você manteve esses Recepcionistas vivos o tempo todo?” Zakos esboça um sorriso alegre. “Não exatamente. Nós investigamos os cérebros deles tão completamente tentando extrair informações sobre os Gardes, que um deles acabou morrendo. Claro que nós mantemos os outros preservados, até aonde a nossa tecnologia permite –”. “Quem sobreviveu?” – eu o interrompo, guiando-o de volta para a informação que eu sei que Um vai querer, se ambos de nós poderíamos sobreviver ao procedimento. Dr. Zakos olha pra mim com um silencio por um momento. Então eu me preocupo, pensando que ele começou a desconfiar. Invés disso ele levanta a sobrancelha inquietamente. “Quer ver?” Ele se desliza até um painel perto de outro compartimento, e a abre. Depois de a fumaça acabar, eu levanto meu pescoço para ter uma visão melhor. Eu vejo um bonito homem velho congelado. A sua pele é um branco chocante por ter ficado congelado por tanto tempo: é praticamente a cor da pele dos vatborn. Mas por outro lado ele parece saudável. Seus olhos estão fechados. “Só um momento”, pressionando alguns momentos na borda do compartimento. Zakos se inclina sobre o homem. “Malcolm Goode?” ele diz se dirigindo gentilmente ao homem. “Como você está se sentindo?” Malcolm Goode abre os olhos. Eu sinto um calafrio, uma onda de náusea e tristeza por esse pobre humano, trancado em um compartimento congelado por anos sem fim. “Olá” – ele diz olhando para o Dr. Zakos com uma expressão de ingenuidade e confiança absoluta. Parece que ele não ideia de quanto tempo passou, ou que fizeram com ele. “Eu acho que esqueci onde eu estou”, ele diz, sorrindo inocentemente. “Você poderia me dizer onde estou?”. Dr. Zakos apenas responde com um sorriso. “Bem”, ele diz olhando pra mim. “Você já deve ter alguma ideia”. E com isso ele vai ao painel, pressiona os botões, e Malcolm é induzido – por fios ou química – ao sono profundo. Mas não antes de ele fixar em mim um olhar assombrado. Começou. Primeiro é só um vazio, uma escuridão tão escura que por um momento me pergunto se é isso que Um sente quando desaparece. E então explosões de luz acontecem com um estalo estático, e então me encontro dentro das memórias de Um. Eu olho em volta, me orientando. Estou em uma cabana de madeira, minha cabeça perto do colchão. Através das rachaduras nas tábuas, eu vejo água corrente: um rio. O Rio Rajang. “Eles estão chegando”. Eu viro para ver Hilde, a Cêpan de Um. Ela está olhando fixamente por um tira na porta, pronta para lutar. Ela corre para mim, me chacoalhando, me tirando da cama. É quando eu percebo que eu não sou apenas um espectador nas ultimas memórias de Um como eu fui durante muito tempo na sua consciência. Eu fui ligado diretamente a suas experiências. O fantasma de Um não está à vista. Estou completamente fundido a ela: todos os pensamentos, todos os sentimentos. A umidade dentro da cabana. O suor escorrendo pela minha costa. Eu posso sentir o olhar de Hilde em mim, inspecionado a minha disponibilidade para o combate. “Não estou pronto”, eu penso. “Estou assustado”. O grupo de ataque mogadoriano chuta a porta e Hilde entra em combate. Ela desvia de uma faca de um dos Mogs, e enquanto Mogadoriano gira em torno dela para recuperar seu balanço, ela esmaga sua traqueia com um único golpe. Enquanto ele agoniza ela vira rapidamente para outro Mog, rapidamente acertando seu pescoço. Estou paralisado pelo medo para me mover. Eu sei o que vai acontecer agora. Hilde esta prestes a morrer. Meu coração grita. Eu amo essa mulher com todos os sentimentos de Um.


Outro Mogadoriano ataca. Hilde vira-o de costas. Mas esse Mog é mais rápido que os outros. Ele agarra sua arma e atinge Hilde no peito. Tudo fica vermelho. Toda a ansiedade de Um, o choque, e a raiva pela perda de sua Cêpan – minha Cêpan – invade meus pensamentos. Não, não é verdade, eles não fizeram isso. É minha culpa, eu falhei - como pude? Esses são os pensamentos de Um, mas eu posso senti-los, ouvi-los, como se fossem meus. Eu a quero de volta. Eu a quero de volta. Não, não, não! Alguém tem que pagar e eles vão me pagar por isso. Nossa combinação de fúria começa. Eles vão pagar, eles vão pagar, nós vamos fazê-los pagarem. Então eu sinto. Alguma coisa rasgando dentro de mim, alguma coisa tão inteiramente nova, porém estranhamente familiar que é quase engraçado eu não ter notado isso antes, que precisou dessa crise para que eu notasse. O chão começa a tremer, um estrondo forte vindo debaixo dos meus pés, mas também vindo de dentro de mim. E enquanto meu coração canta – eles vão pagar, eles vão pagar – tudo fica preto e– Sombras. Mãos se movendo na frente do meu rosto, luzes fluorescentes inundando a escuridão. Estou de volta ao laboratório do Dr. Zakos. Ele está xingando, rançando os eletrodos da minha cabeça, ajustando o painel em que eu estou conectado. “O que houve?” – eu pergunto. Eu ainda estou confuso com a experiência que acabei de ter. A transferência de memória foi caótica, turbulenta, mas havia algo que eu estava no entendimento, dentro da memória, que parecia ser coisa grande. Mas agora eu estou de volta. Acabou. “Seus batimentos cardíacos estavam muito altos, mais do que eu havia esperado. Se tivesse continuado...” Ele começa a xingar novamente. Eu me sento na cadeira. Ele fixa seu olhar em mim. “Você é capaz de se lembrar de qualquer coisa?” Eu faço que não com a cabeça. Claro que eu estou mentindo. Além do que eu presenciei, eu já tenho uma sabedoria intima sobre a psicologia Lórica, o relacionamento entre o Garde e seu Cêpan. Eu tenho a história completa de Um queimando na minha cabeça. Eu tenho isso desde o primeiro procedimento. Ele aumenta a intensidade do seu olhar em mim. Ele parece frustrado, seu cabelo está úmido com suor, mas isso não o torna menos assustador. “Eu sei que está ai dentro”, ele conclui. Eu sinto frieza em sua voz. “Você pode não lembrar enquanto está consciente, mas eu sei que está ai dentro do seu cérebro. E eu sei que eu posso pegá-las”, ele diz. O jeito que ele fala, é como se ele tivesse falando com ele mesmo. “Nosso conhecimento com a psicologia Mogadoriana é bem maior do que nosso entendimento sobre a psicologia Lórica ou terrestre. Com o meu mapeamento neurológico, eu posso fazer o que Anu não pôde. Coletar as informações do seu cérebro e mandá-las direto para meu disco rígido, através de cabeamentos”. Ele começa a olhar para mim. Eu me sinto estranhamente exposto, como um objeto. “Mas para isso”, ele diz, “eu preciso da permissão do seu pai para matá-lo”.


CAPÍTULO DEZ Eu me dispensei de acabar o meu dia na Unidade de Vigilância. Eu não tenho forças em mim, meu ranking está caindo em queda livre. Dezesseis, vinte, vinte e um, último lugar. Eu sei que o Dr. Zakos imediatamente reportou que o procedimento falhou novamente para o meu pai, mas eu duvido se ele se arriscou de lançar sua ideia mentalmente louca de me matar para o General. Eu tenho mais dois dias restantes no laboratório antes da decisão do meu pai para a minha sobrevivência. Ou ele vai me executar, ou ele vai me considerar novamente que eu acredito na causa e vai me permitir no trabalho na Unidade de Vigilância. Que alegria. Depois do laboratório tem outro jantar miserável. O General está ocupado na sua sala de instruções, então só é eu, minha mãe e Kelly. Minha irmã se recusa até em apenas me olhar. Quando minha mãe vai para a cozinha, eu viro pra ela, e tento começar uma conversa. Nós não se vemos tão perto desde o transplante de memória, quase cinco anos atrás. Eu me pergunto se ela sequer se lembra daquela época, quando ela odiava Ivan por ficar provocando ela, e parecia que ela me adorava, seu gentil, o mais velho. “Não tenho visto você pelos túneis”, eu digo. “Como vão as coisas na Enfermaria?” Ela está em silêncio, mastigando sua comida devagar e olhando fixamente para a sua frente. É difícil acreditar que uma menina de quatorze anos poderia ser tão cheia de ódio. “Kelly me desculpa se está te envergonhando o fato de eu ter sobrevivido e que você tenha que explicar que seu irmão caído voltou –” “Ivanick me contou”, ela diz, me olhando de repente. “Ele me disse a verdade sobre você. Eu sei que a mãe não sabe. Você é um traidor”. Meu estomago se revira. Eu sinto como se eu pudesse vomitar meu jantar inteiro. “Então você pode parar de tentar se desculpar comigo. Não vai acontecer.” Ela se levanta da mesa, e sai da sala de jantar. “Eu queria que você estivesse morto”, ela completa, antes de subir correndo as escadas e batendo a porta com o pé. “Boa noite para você também”, eu digo, rindo miseravelmente para mim mesmo. Depois do jantar eu subo para o meu quarto. Um não está aqui. Eu não a vejo desde a noite passada. De alguma maneira, isso não me surpreende. A transferência de memória começou tão rápida quanto terminou que eu fico em duvida se eu fiquei tempo suficiente para ela se estabilizar em minha consciência. Talvez aquela coisa que eu senti que eu estava quase entendendo – era como eu poderia mantê-la viva dentro de mim. É engraçado pensar que o Dr. Zakos pensou que ele se livrou do General protegendo a minha vida. Se ele tivesse me matado, provavelmente ganharia uma medalha do General. Não tenho mais nada para fazer. Vou dormir cedo hoje. Sem sono na cama, eu considero a ironia triste da minha atual situação. Eu voltei para casa para salvar minha única amiga no mundo, mas eu não a salvei ainda, assim como não salvei Hannu. Se ela não se foi para sempre, irá em breve. E agora eu estou preso aqui. Preso. Sozinho. Mais um dia inconstante no trabalho. Eu estou pulando do ranking trigésimo para o décimo quinto. Patético. Eu deixei para trás meu truque. Porque me incomodar em impressionar alguém com os meus rankings, afinal? Então, na verdade, eu investigo cada link que aparece no monitor, mesmo que diminua minha produtividade. Pelo menos é mais interessante do que jogá-los de uma pasta para a outra. Eu clico em um dos links. Esse leva a um fórum dedicado a leitores de uma publicação chamada “Eles estão entre nós”. A estrutura principal dos Mogadorianos isolou como ameaça uma postagem intitulada “PRÓXIMA PUBLICAÇÃO?” – postada pelo usuário TWAUFAN182. Um diálogo se desenrola quando eu clico nele.


Por favor, eu li a edição #3 do EEEN muitas vezes. Por favor, me diga quando a próxima publicação vai sair? Obrigado! – TWAUFAN182 Desculpe TWAUFAN182. Não há previsão para a edição #4 ainda, mas fique sabendo que temos muito conteúdo para ela. Obrigado por ler – ADMIN O que? Que conteúdo? Vc ñ pode dexar a gente esperando assim! Desembucha! – TWAUFAN182 Vamos lá cara, nos dê uma pista! – TWAUFAN182 Faz semanas que não há atualizações neste fórum! Ele está morto! R.I.P. LOL – TWAUFAN182 Isso foi postado um ano atrás. Então, surgiu uma nova postagem hoje de manhã... Desculpe. Estive ocupado. Nós fizemos contato definitivamente extraterrestre. Verdadeiros MOGS em cativeiro - ADMIN Eu fico ofegante. Há humanos por ai que conseguiram capturar Mogadorianos? Ou que, pelo menos, acham que capturaram Mogadorianos? Eu sei pela primeira vez que esse é um link que passa pelo meu monitor que vale a pena mandar para “EAP”. Eu clico no link e o arrasto cima do diretório de investigação... e então eu paro. Porque eu alertaria os mogs em relação à localização desses humanos? Humanos que sem duvida vão ser capturados por Mogadorianos e vão ser mortos? Eu posso ficar em problemas se eu descartar o link – com certeza há algum dispositivo para restaurar links excluídos por engano, mas porque eu ajudaria esses Mogadorianos bastardos? Descartando esse link, eu vou salvar vidas humanas... ou pelo menos atrasar a máquina matadora dos Mogs por alguns minutos. Vale a pena. Eu não me importo se eu vou morrer ou se eu vou viver. Se Um se foi, e se eu estou preso nessa sociedade vil, porque eu lutaria para viver? O prazer de superar Serkova desapareceu. Eu clico em Descartar. Eles virão por você. Lá no fundo, eu sei que eu vou colher o inferno pelo o que eu fiz. Mas eu não me importo. Foda-se os Mogadorianos. Eu começo a descartar todos os links que aparecem na minha tela, o mais rápido que eu posso. Não há limites de link que são enviados para um único monitor – quanto mais links, melhor seu ranking – por isso eu sei que eu descartei mais de trezentos links. Eu estou fazendo uma bagunça espetacular no sistema deles. O relógio soa para o fim da ultima hora. Quantos links sem valor eu posso descartar até que meus companheiros me descubram? Falando nisso, até quando minhas evidencias de traição não serão descobertas? Estou animado. O rank da ultima hora aparece na tela. Eu descartei 661 links. Não investiguei nenhum. Meu rank hilário é a posição décimo primeiro. “Que diabos, Adamus?” – Serkova grita pra mim. Os outros se viram para me olhar, todos paralisaram. Ninguém sabe como reagir ao meu colapso total. “Você pirou?” Eu sorrio para Serkova, tonto pelo meu estranho comportamento. “Sim, talvez eu esteja”. E então um alarme soa. Eu ouço as marchas dos passos pesados se aproximando: soldados enviados do Quartel General. “Você merece pelo que fez”, diz Serkova, guspindo em mim. Eu fujo. Eu espio para o túnel noroeste, para ver os soldados vindo, liderados pelo General: eles parecem irritados. Se eu vou sair, eu vou sair estourando. Eu corro em direção aos guardas correndo, e então paro em frente do laboratório do Dr. Zakos. “E ai papai?” - eu digo, provocando o General. “Eu fiz alguma coisa errada?”.


“Você sabe o que fez”, ele grita pra mim. Ele gesticula para os guardas me prenderem. Eu resisto, mexendo minhas mãos freneticamente, gritando o mais alto que posso. Os Mogadorianos mal sabem como reagir a minha resistência. Eu posso sentir meu pai se envergonhando. Os guardas conseguem-me subjulgar, mas o tumulto atraiu a atenção do Dr. Zakos. Ele vai pro Hall, enquanto os guardas começam a me arrastar para longe, provavelmente para saciar algum piken faminto com meu corpo. Por um momento eu me preocupo se eu estraguei meu plano, mas então eu ouço a voz do Zakos, chamando lá do Hall. “General! Espere!” Meu pai para, querendo ouvir o que o doutor tem a dizer. “Talvez eu esteja sendo ousado... mas eu posso usar a vida do seu filho para algo útil”.


CAPÍTULO ONZE Eu estou de volta na cadeira. Zakos convenceu meu pai a permiti-lo a fazer um procedimento rápido de transferência de memória entre eu e Um. O procedimento vai ser tão intenso que vai me matar, vai literalmente fritar meu cérebro. Mas Zakos garantiu para o General que ele será capaz de fazer o download das memórias que transferidas de Um para o meu cérebro, depois da minha morte. “Se o seu filho tem o desapontado em vida, pelo menos ele pode ser útil na morte”. Zakos garantiu pro meu pai que mesmo se o conteúdo extraído da memória for de pouca importância, isso será um passo largo para a tecnologia Mogadoriana. “Você não precisa se vender difícil, Zakos”, eu digo ainda preso pelos guardas. Eu viro para meu pai, com um sorriso imprudente. “Não é, papai? Ele tinha na lista dele “Matar o Adamus”, não tinha?”. Meu pai nem olha pra mim. Ele faz um movimento com a cabeça pros guardas me soltarem, e então se vira para o doutor. “Os resultados na minha mesa amanhã de manha”. Estou no laboratório desde então. Guardas monitoram as portas, mas eu não estou sendo vigiado por ninguém, a não ser por Zakos. Aonde tenho que ir? Como eu posso escapar? Como a minha pequena demonstração no pátio mostrou, eu não guento contra os soldados Mogadorianos. Nem meu pai ou minha irmã vieram me visitar nas ultimas horas. Mas minha mãe se aventurou para me trazer uma refeição, pelo menos. Ela entrou no laboratório algumas horas atrás, com duas bandejas de pão fresco enrolados em um pano e uma vasilha de plástico com sopa. Então, vendo que não tinha nenhum lugar apropriado para por as vasilhas, ela silenciosamente colocou as vasilhas no conter do laboratório. Então ela se virou pra mim, com sua mão na porta. “É verdade?” – ela pergunta. “Sobre o que?” eu pergunto ansioso. Eu queria que ela dissesse. “Que você traiu a causa Mogadoriana”. Eu imagino que meu pai contou tudo pra ela. “Sim”, eu digo. Sem dizer nada, ela sai. Momentos depois, enquanto eu seguro o pão ainda quente na minha mão, eu percebo que a ultima comida caseira seria a ultima coisa materna que ela fez por mim. Eu jogo no lixo. Agora Zakos está me preparando para o procedimento. Ele encheu uma seringa com algum tipo de anestésico, explicando que desta vez ele vai me deixar inconsciente antes do procedimento começar, o que deve dar pra ele uma precisão no mapeamento neurológico. Logo vai começar, e então eu vou me juntar a Um em suas memórias, e então eu vou morrer. Zakos abre o compartimento de Um, para fazer mais algumas preparações antes do procedimento começar. Eu penso em Um e em todos os Recepcionistas nos compartimentos. “Dói?”, eu pergunto. “Oi?” – ele está absorto em suas preparações. “O que você fez com todos os Recepcionistas, mantendo-os vivos, usando o cérebro deles para pegar informações durante todos esses anos?” “Ah, na verdade, eu nunca pensei nisso”, ele diz. “Sim, eu diria que dói bastante”. Só então eu ouço sua voz. “Você não vai dexar mesmo ele fazer isso com você, vai?” – eu viro e vejo Um, do lado da minha cadeira. Eu me perguntei se eu ainda a veria antes de eu morrer, ou se ela já havia desaparecido totalmente. Eu realmente não tenho escolha, eu digo. Estou preso aqui. Ela se inclina no conter do laboratório. “Você sempre teve escolhas. Você teve a chance de estragar tudo no trabalho hoje, fazer seu pai cair na isca para senteciar-lhe a morte, para fazer com que Zakos ouvisse para você acabar aqui...”


Eu tinha medo de você já ter sumido. Eu não pude pensar em nada mais. Eu perdi a esperança, descobri que te perderia de qualquer jeito, e que poderíamos pelo menos – “Nos ver pela ultima vez?” ela diz, terminando o meu pensamento. Ela me da um sorriso torto. “Que fofo”, ela diz. “Mas essa não foi a verdadeira razão que fez você ficar histérico hoje”. Ela está certa. Esse não foi o motivo pelo qual isso tudo começou. No momento, eu simplesmente não podia delatar os humanos para o meu povo. Aquela foi a única vez que o trabalho que eu fazia no Centro de vigilância iria realmente ajudar os Mogs a machucar os outros, e eu não pude concordar. Nas ultimas semanas que eu tive a chance de correr algum risco doido, mas aquela foi a primeira vez que eu agi sem um plano, sem saber quais seriam as consequências. Um, eu digo. Nem eu sei o porquê eu fiz o que eu fiz. Ela não me responde imediatamente, mas invés disso se vira para as compartimentos, cruzando os braços, eu posso ver uma ideia se formando em sua cabeça. Depois de um momento, ela se vira para mim e me encara com um olhar fixo. “Não se preocupe, Adam”, ela diz. “Você vai saber. Vendo que você não vai a lugar algum,” ela diz se inclinando perto do meu ouvido. “Você não quer sair daqui balançando?” Eu olho pra ela, confuso. “Um salto gigante para a tecnologia Mogadoriana”, ela sussurra, lançando um olhar para as compartimentos onde os corpos dos Recepcionistas estão. “É isso o que você realmente quer para ser seu legado?” Chegou a hora. Estou na cadeira, conectado ao painel de Zakos através de um monte de cabos e fios. A máquina que ira me plugar de volta às memórias de Um já está fazendo barulho. “Os parâmetros estão a postos”, Zakos diz, “só irá levar um momento depois de administrarmos o anestésico para começarmos a trabalhar”. Ele gesticula para uma seringa de uma bandeja próxima a mim. A seringa não tirou minha atenção, por enquanto. Ele se aproxima, elevando-se acima de mim na minha cadeira. Então ele segura minha mão esquerda contra o braço da cadeira e começa a puxar a cinta por sobre o meu pulso, eu sei que apenas tenho um segundo para agir. Eu tiro minhas mãos do cinto e me solto, saltando, e pegando a seringa e encravando-a na garganta de Zakos antes que ele possa fazer qualquer movimento. Ele me soca desesperadamente, fazendo contato com o meu rosto, mas é tarde demais: Eu já apertei o êmbolo. Ele cambaleia pra trás tonto, as drogas já fazendo efeito no seu corpo, e então ele cai no chão. Eu arranco o cinto da minha mão esquerda e fico de pé. “Por quê...” – ele diz confuso com o que eu fiz. “O que você possivelmente poderia realizar...” Então ele desmaia. Eu corro para a porta do laboratório, e o mais silencioso possível, eu tranco-a por dentro. Eu tenho sorte que o Dr. Zakos não derrubou nada no chão durante sua queda: qualquer barulho teria chamado a atenção dos guardas lá fora. Porém eu sei que o que eu vou fazer, vai ativar os alarmes, chamando a atenção deles. Não vão demorar a destrancar a porta. Mas tudo bem. Eu só preciso de pouco tempo. “Deixe-me”, eu ouço. É a voz de Um. Ela controla meus movimentos, igual quando ela sequestrou meu corpo na floresta. Eu sou um espectador do meu próprio corpo, assistindo enquanto minhas mãos dançam elegantemente sobre o painel. Eu me sento na cadeira, recoloco alguns eletrodos e me agarro nos braços da cadeira. Eu viro para um ultimo olhar a parede atrás de mim, enquanto todos os compartimentos abrem fazendo muito barulho de uma vez, um coro hidráulico, expelindo os corpos. Todos, exceto o compartimento de Um, que ainda está ligado a mim pelo painel. Expostos ao ar livre, os corpos serão inúteis a qualquer tipo de experimento mogadoriano dentro de alguns minutos.


É uma sabotagem elegante. Mas vai manter os mogs longe de fazerem o download de qualquer informação dos Recepcionistas mortos, e deve atrasar a pesquisa de Zakos por mais alguns anos. A máquina que está ligando minha mente a de Um começa a fazer um barulho alto. Eu usei todo o anestésico em Zakos, então eu acho que isso vai doer. Mas eu sei que Um tem um plano pra mim, e não envolve morte. É quando eu vejo Malcolm Goode, levantando do seu compartimento. “Um?” – eu a chamo, nervoso. No momento da confusão, eu nem pensei no que aconteceria com Malcolm, o único Recepcionista sobrevivente. Eu assisto enquanto ele se perde nos cabos que estão conectados a ele. Suas pernas, não utilizadas por anos, o fazem perder o equilíbrio. Ele prende seu olhar em mim. Ele é quase três vezes mais velho que eu, mas ele parece uma criança perdida. A voz de um soa em meu ouvido: “Não se preocupe com ele. Ele vai ficar bem”. E então a dor começa. Estou ligado de volta ao momento da morte de Hilde, a explosão da arma mogadoriana explodindo seu peito bem na frente dos meus olhos. Hilde cai de joelhos na minha frente. Minha visão fica vermelha, depois laranja e então roxa. Tudo está muito mais rápido, mais alto do que antes, pulsando e zunindo. Os pensamentos de Um estão gritando na minha cabeça novamente: Não, não pode ser! Eles não fizeram isso! É tudo minha culpa, eu falhei. Como eu pude? Eles vão pagar, nós vamos nos vingar. Eu sinto de novo, aquela sensação de alguma coisa puxando dentro de mim. Certo, certo, assim vai ser, tão simples. O chão começa a tremer, um estrondo forte começa a surgir abaixo dos meus pés e ao mesmo tempo dentro de mim, enquanto meu coração grita nós vamos nos vingar, nós a vingaremos, ele VÃO pagar! As paredes da cabana começam a tremer. Uma onda de energia explode pelo chão. É um poder tão forte e absoluto do que qualquer coisa que eu já vi, e está explodindo dentro de nós. Através da minha visão embaçada, eu vejo as paredes da cabana explodirem, e eu vejo quatro soldados mogadorianos serem arremessados para fora da minha vista pela força que vem de dentro de mim. Assim que a poeira abaixa, eu olho para as minhas mãos, para as minhas pernas. Eu esperava ver o corpo de Um, de que o poder veio de dentro dela. Mas eu não vejo o corpo dela. Eu vejo o meu corpo. “Está feito,” eu ouço. É a voz de Um. Eu viro surpreso, e vejo que eu não estou mais na cabana na Malásia. Estou naquela praia californiana maravilhosa. Nosso lugar. Um se senta na areia, me esperando. “Bem legal né?” Eu concordo boquiaberto com o puro poder do Legado de Um. “Venha se sentar comigo. Não temos muito tempo”. Eu desmorono ao seu lado, ainda sem fôlego. É perfeito: o sol morno em mim, a areia nos meus pés. E o melhor de tudo, Um está aqui, bem ao meu lado. Do outro lado do mar, há uma tempestade turva, as nuvens escuras como tinta. Mas ainda estamos no sol. Um me toca. Nesse lugar, eu posso sentir. Eu a olho e a toco também. Estamos ombro a ombro, olhando para a tempestade que se aproxima. “Realizamos o que queríamos,” ela diz. “Está na hora de eu partir”. Eu viro pra ela. Do que ela está falando? Ela morde os lábios, olhando para mim, desculpando-se. “Você percebe que isso nunca foi sobre salvar minha vida, né?” Meu coração afunda para meu estômago, mas eu não sei por que. “Claro que era”, eu digo. “Você acha que eu voltei e enfrentei minha família, passei por tudo aquilo sem nenhum motivo? Eu estava tentando salvar você”. “Nunca houve algum jeito de me salvar. Uma parte de você sabia disso”.


“Eu não entendo”. “Nós precisávamos ajudar a Garde”. Ela desvia o olhar, como se isso fosse difícil para ela dizer como para eu ouvir. “Mas depois de você enfrentar Ivan, você sentiu que não teria nada a oferecer para a Garde. Você disse que era fraco, magrelo, que você não era a herói que eu sou. Que você não tinha nenhum poder”. “Mas agora você tem”. O seu legado. Ela... transferiu para mim? Eu posso ficar com ele? “Desculpe-me por enganá-lo, Adam. Mas você precisava chegar a esse ponto. Se você não tivesse voltado aqui, uma parte de você ainda estaria ligada a sua família, ao seu povo. Você viu o pouco que eles te valorizam, o quão pequeno eles valorizam a não ser o derramamento de sangue e guerra. Agora você está pronto para lutar com a Garde, para realmente lutar contra seu povo”. Não. Eu me afasto, minha mente girando. “Por favor, Adam. Use meu legado para o bem”. Além do mar, sombras dançam e crepitam e contorcem nas nuvens. “Um,” eu declaro ”por favor, pare”. “Assim é como deve ser. Lá no fundo você sabia de tudo, Adam. Eu não sou real. Eu nunca fui real”. Ela se vira para a tempestade, para o trágico filme de sua morte dançando nas nuvens. A espada de algum Mogadoriano sem rosto a penetrando pelas costas, surgindo pelo seu estômago. O sopro da morte. “Bem no fundo você sabia. Eu estava morta esse tempo todo”. Eu olho pra Um. Ela é minha melhor amiga. Ela é tudo pra mim. Ela muda para a cena de sua morte e olha pra mim. “Você me criou, me fez de suas memórias, para que você não precisasse passar por isso tudo sozinho”. “Isso não é possível. Você é tudo o que eu tenho”. Ela sorri. “Não. Você tem a si próprio. A coragem que você teve ao se rebelar contra seu próprio povo, a coragem que você teve para voltar aqui, arriscando sua vida para pegar o poder que você precisa para se tornar um herói... isso sempre foi você”. Um nunca havia falado sobre mim com tão clareza. Eu deveria estar lisonjeado, mas eu estou com medo. Eu vou perdê-la. “Eu não posso ficar sozinho”. Eu me sinto patético, expondo meus medos e fraquezas totalmente para Um. Mas eu estou desesperado. Eu já perdi muito para perdê-la também. “Adam, a parte de ficar sozinho acabou. Eu te prometo”. “Um” eu digo - meus olhos se enchendo de lágrimas. “Eu te amo”. Ela sorri, e então se aproxima para tocar minha bochecha. Ela também chora agora. “Se eu vivesse, eu acho...” – ela diz, “eu acho que você amaria”. Ela me beija e se despede com um “adeus”. E então ela se vai para sempre.


CAPÍTULO DOZE Há uma forma na sombra, movendo-se ao meu redor. Eu vejo o céu. Estrelas acima. A forma está movendo os meus membros. Descansando minha cabeça em um monte de terra fofa. Água pura em meus ferimentos. Forçando-me a beber. A pele da forma é branca como a lua. “Malcolm”, eu digo. “Sim”, ele responde. Ele ri agachado ao meu lado. “Eu sou o Malcolm. Eu me lembro disso agora”. Eu me sento, esperando me encontrar ainda preso no laboratório, apesar do céu. Apesar das estrelas. Mas nós estamos em uma selva, em um campo na borda de uma floresta. “Eu te carreguei o mais longe que eu pude. Daí eu precisei descansar”. Ele suspira, tomando um pouco de água. “Mas temos que nos mover logo”. Estou perplexo, completamente confuso. Como escapamos? Malcolm percebe minha expressão. “Eu acordei no laboratório. Havia Mogadorianos nas portas, tentando entrar. Aquele doutor estava no chão, e você... você estava tendo convulsões. E então, assim que os Mogs entraram pelas portas, houve...” Ele para, rindo de alegria. “Houve um terremoto”. Assim que eu recupero a força, nós começamos a ir a pé para dentro da floresta, dos pastos, das fazendas, viajando principalmente à noite, para escapar de possíveis detecções. Nós fomos para o oeste, tentando por o quanto de espaço possível entre nós e os restos do que sobrou de Ashwood Estates. Fora de Ashwood, com apenas o céu para medir o tempo, dias e noites passam muito depressa. Eu perdi o rastro das horas, do dia da semana, de quanto tempo que estamos na estrada. Dez dias? Doze dias? Eu paro de medir o tempo com números, contando invés disso o cenário que muda a paisagem. Malcolm eventualmente explica que o terremoto causou grande dano à Facilidade Subterrânea. Ele diz que foi um milagre ele ter conseguido nos tirar das estruturas que estavam desmoronando, sem sermos machucados. Ele diz que era como se tudo estivesse caindo ao nosso redor, mas nunca em nós – quase como se aquilo estivesse criando uma saída para nós a cada passo que ele dava. Ele acha que os Mogs estão de mãos cheias com as reconstruções, que há uma grande chance de eles estarem pensando que nós dois não sobrevivemos à devastação. Mas ele acha que devemos continuar andando, por segurança. Eu concordo. Nós acampamos em um galpão sem uso à beira de uma fazenda de tabaco. Meus membros estão cansados da nossa constante viajem, mas meus cortes e ferimentos estão começando a cicatrizarem. Malcolm observa eu esfregar um dos meus piores cortes. “Foi um milagre você não ter se ferido mais gravemente”. Ele move a cabeça, pensativo. “Foi um milagre nós dois não termos sido mortos. E foi um milagre maior o terremoto ter acontecido, em primeiro lugar. Se não tivesse, não teríamos sobrevivido”. Agora é a melhor hora para contar a ele. “Não foi um milagre”. Ele para de fazer o que estava fazendo, e me olha curiosamente. Eu não usei o legado de Um desde o dia em que eu o usei para destruir o laboratório. Mas eu sei que ele ainda está dentro de mim. Eu posso senti-lo, aninhado, pulsando, esperando para eu usá-lo. Eu fecho meus olhos e me concentro. O chão abaixo de nós se ergue em ondulações, as paredes do galpão balançam. Algumas ferramentas enferrujadas, penduradas por ganchos, caem da parede fazendo barulho para o chão. Não é nada importante, apenas um tremor: eu apenas queria me testar, e mostrar ao Malcolm meu dom. Malcolm está petrificado, com os olhos esbugalhados. “Isso foi incrível”. “É um Legado, um presente lórico”.


Malcolm olha pra mim com um de seus olhares confusos. “Você sabe sobre os lorienos?” – eu pergunto. Eu ainda não sei do que ele se lembra, do quanto ainda resta em seu cérebro. “Eu sei um pouco”, ele diz. “Minha memória, ela tem... fragmentos”. Ele suspira pesadamente, claramente frustrado. “Estive trabalhando nela. Tentando me lembrar de tudo. Mas do que eu mais me lembro é a escuridão”. “A escuridão?” – eu pergunto, mas ao mesmo tempo em que as palavras saem da minha boca eu percebo o que ele diz. A escuridão do compartimento do laboratório. Todos aqueles anos em um coma induzido, ligado a maquinas, tendo seu cérebro drenado para informações. Eu me arrepio. “Quando eu tento invocar uma memória, é como se eu tivesse que voltar na escuridão para encontrála. Eu tenho que voltar anos atrás para lembrar nada”. Ele ri, com um tom de amargura. Eu nunca havia ouvido em sua voz antes. “Mas há algumas coisas de que eu me lembro de que eu não tenho de lutar para lembrar. Coisas importantes”. Malcolm fica quieto, perdido em pensamentos. Antes que eu o pressione a responder, ele muda de assunto. “Você disse que ganhou legados lóricos”. Ele se inclina pra frente. “Então você não é um lorieno?” Eu dou um gemido. “Você achou que eu era lorieno?” Ele confirma com a cabeça. “Sim. Era isso ou você era um cara mantido em cativeiro como eu”. “Não”, eu digo meio nervoso. “Eu não sou humano. Tampouco Lorieno”. Eu temia de contar a verdade pra ele. Como ele vai reagir ao saber que eu sou da mesma espécie que prendeu ele e o manteve em cativeiro torturando ele por anos? Mas eu sabia que eu teria que contar de um jeito ou de outro. Eu acho que essa é a melhor hora. “Eu sou um Mogadoriano”. Aquele olhar esbugalhado de novo. “Se eu soubesse disso”, ele diz “eu provavelmente teria deixado você no laboratório”. Uh-oh. Então ele começa a rir. Então, sem eu perceber, estou rindo também, e depois eu começo a contar minha história pra ele. Malcolm e eu desenvolvemos uma rotina, dormindo de dia e caminhando a noite. Nós andamos pelas florestas e fazendas a procura de comida. Nós atravessamos montanhas, córregos e rodovias. Nós vivemos assim por semanas – meses? Eu realmente perdi o rastro do tempo. Quando estamos em montanhas remotas, longe de casas e rodovias, nós treinamos. Malcolm não tem experiência com Legados, nem eu. Força bruta com meu poder recém-descoberto não é problema: Eu estive perto de realmente dizimar Ashwood Estates – literalmente – em meus sonhos. Mas meu controle e precisão precisam de treino. Então nós focamos nisso. No treino de hoje Malcolm fica do outro lado do campo. Quando ambos estamos prontos, nós acenamos com a mão. Hora do treinamento. Eu olho fixamente pelo campo até Malcolm, mapeando mentalmente a distância entre nós. Ele colocou pedras nos topos da cerca dentre eu e ele; para cada pedra derrubada será somado pontos. É fácil enviar minha onda sísmica de forma indiscriminada, derrubando tudo em seu caminho, mas ele quer que eu derrube só as que estão na área entre nós, apenas essas. Ele diz que essa prática vai aumentar minha precisão. Eu foco no local a onde ele está até todo o resto desaparecer. Então eu libero meu poder. Há dias em que eu nem consigo alcançar Malcolm, onde o máximo que eu consigo alcançar com meu Legado são dez metros à minha frente. Há dias que a distância não é nada, e eu descontroladamente exagero, derrubando árvores cinquenta metros de distância da posição de Malcolm. Algumas vezes eu acerto o ponto com precisão, e o chão debaixo dele treme com delicadeza. Quando isso acontece, ele me fala pra eu sustentar essa força. Mas algumas vezes a intensidade do meu poder sísmico é tão intensa que eu perco o controle e o chão emerge de baixo dele, arremessando ele a alguns metros de altura. Ele sempre é paciente, e é gentil quando eu perco o controle. O que me faz mais feliz quando eu consigo realizar perfeitamente tudo nesse jogo que nós criamos, fazendo a terra tremer em baixo dele sem


mover ele de lugar. É preciso um controle extraordinário, e um esforço mental maior ainda, que as vezes acabo os treinos com uma pequena enxaqueca, mas vale a pena ao ver a expressão de orgulho no rosto dele. Meus pais me deserdaram. Eu não acredito que meu pai um dia me amou. Eu nunca iria ter o mesmo tipo de amor incondicional humano pelos meus pais que eu li em livros e vi em programas na televisão. Durante os três anos que eu passei na mente de Um, eu vi sua relação com Hilde, que era muito próxima, e eu fiquei com ciúmes. Elas lutavam o tempo todo, mas de qualquer jeito elas se amavam. Hilde treinou e cultivou os talentos de Um, incentivava ela quando ela conseguia. Desde que eu testemunhei isso, eu ansiava por algo parecido. Um mentor. E agora eu tenho um. Um me prometeu que eu não ficaria sozinho. Ela tinha razão. Nossa rota pelo país se tornou uma jornada zig-zag, para podermos escapar da detecção dos Mogs. É tão desordeira que eu não sei pra onde estamos indo, ou se Malcolm tem algum destino em mente. Eu gosto disso. Eu me sinto livre, como eu me sentia no Quênia. Mas eu sei que agora nós definitivamente vamos precisar de um plano, pensar em algum jeito de se comunicar com o restante da Garde. Poderei me assustar com o derramamento de sangue, e temo que eles me rejeitem pelo fato de eu ser um Mogadoriano, mas não posso deixar de ficar animado com a perspectiva de conhecer meus novos aliados. Depois de uma longa viagem durante a noite, nós acampamos em um pequeno bosque na orla rural de Ohio. Malcolm entrega tanto tempo de si em nossos treinamentos que eu resolvi retribuir o favor, geralmente estabelecendo dias de sono. Eu treino ele. Eu faço perguntas pra ele sobre seu passado, tentando estimular sua memória. Eu sei que é frustrante, mas ele nunca vai recuperá-las sem treinamento. Então eu o pressiono por detalhes. “O que aconteceu antes da escuridão?” – Eu pergunto hoje à noite. Ele está olhando para o chão. “Eu odeio isso”. “Eu sei”, eu digo. Ambos estamos mentalmente exaustos pelos treinamentos, e eu sei que nenhum de nos quer continuar com isso, mas é preciso. “Estou cansado”, ele diz, estendendo-se na terra. “Eu realmente não lembro”. “Vamos lá, uma coisinha”, eu digo. “Diz-me apenas uma coisa que você se lembra de antes de ser capturado pelos Mogs”. Ele está quieto. “Malcolm, você já me disse que há uma coisa importante que você se lembra. Uma coisa que você nem faz esforço para se lembrar”. Eu acho que consigo convencê-lo disso. “Apenas me diga essa coisa”. Ele vira pra mim com uma expressão séria. “Meu filho. Eu me lembro do meu filho”. Whoa. Eu não fazia ideia de que ele tinha um filho. “Os detalhes de como eu fiz contato com os lorienos... de como eu fui capturado pelos Mogs... essas coisas estão voltando em minha mente, mas elas estão confusas. Mas eu me lembro de tudo da minha vida em Paradise”. Ele sorri. “Eu me lembro de tudo sobre o Sam”. “Você quer vê-lo?” – eu pergunto. “Claro que sim. É por isso que eu estou nos levando de volta pra minha cidade natal”. Ele olha pra mim, realmente preocupado da maneira de como eu irei reagir. Estou paralisado. “É aonde ele vive?” “Bem, não posso ter certeza de que ele ainda está por lá, mas eu ainda acredito. É apenas um ou dois dias de viagem daqui”. Estou confuso. Eu achei que estávamos apenas fugindo dos Mogs, mas esse tempo todo Malcolm esteve nos levado para sua casa. “Mas nossa jornada tem sido tão aleatória”. “Eu ainda estou tentando afastar os Mogadorianos de nós. Que continuemos a evitar a detecção, agora é mais importante, porque estamos perto de Sam”. Ele se senta, me olhando solenemente. “Você não precisa vir para a cidade comigo. Pode ser perigoso. Pelo que sei, os Mogs devem estar esperando por mim lá”.


Malcolm olha pra mim, esperando minha reação. Sob seu olhar, eu sinto isso: aquela pontada de medo familiar em meu estomago. Mas agora há uma coisa diferente em mim. Eu tenho o Legado de Um – meu Legado. Eu não me sinto fraco e sem poder como eu costumava me sentir. Eu me sinto com vontade de ver o quanto eu sou capaz agora. Meses atrás, Um tentou me convencer a apoiar a causa Lórica e eu empaquei. Eu achei que era um truque psicológico para me fazer sair do acampamento. Mas eu não preciso de muita persuasão de Malcolm. “Vamos lá” – eu digo. Paradise, Ohio – uma cidade clássica do interior. A harmoniosa mistura de vida rural e urbana, muito diferente das mansões bregas de Ashwood Estates. Andando com Malcolm pela rua que leva para a cidade, indo para o lado das árvores para ficar fora de vista, eu respiro fundo. Sim, eu gosto daqui. Assim que começamos a ver a rua principal de Paradise, Malcolm começa a nos afastar da cidade, nos levando para a floresta. Nós caminhamos por um quilômetro pelas árvores. Nós passamos por casas na floresta – alguns barracos – mas nós evitamos todos eles, se esquivando pela floresta para evitar ser visto por qualquer um. “Como ele é?” – eu pergunto. Enquanto viajávamos, eu contei pra Malcolm tudo sobre mim – sobre como o filho de um General Mogadoriano respeitado se tornou o traidor que eu sou – mas ainda há muito sobre Malcolm que é um mistério pra mim. Algumas vezes eu penso que é porque ele não gosta de pensar sobre si mesmo. Ainda andando em frente, Malcolm sorri tristemente. “Eu não sei”, ele diz. “Você quer dizer que não se lembra?” “Não, não é isso. Minhas memórias sobre Sam não sumiram. É só que –” Ele para. “Eu não posso dizer como ele é agora, não tendo ficado tanto tempo longe. Eu perdi tudo. Ele era só um garotinho quando eu fui capturado. Ele era inteligente e gentil. Um menino incrível. Esse era o Sam”. “O que vai acontecer quando nós o encontrarmos?” A expressão em seu rosto escurece. “Eu só preciso ver ele. Saber que ele está bem. Você e eu estamos marcados de morte pelos Mogs. Eu sei que eu não posso ser um pai decente pra ele sob essas condições, mas eu preciso vê-lo pelo menos mais essa vez. Depois...” – ele diz. Eu termino sua frase: “Depois disso vamos voltar a nos esconder” Malcolm move a cabeça. “Não será seguro para nós ficarmos parados em um lugar só”. Eu sinto uma pontada de alivio com esse pensamento. “Estamos chegando”, ele diz. Eu vejo uma casa à frente, no meio das árvores. “E aqui estamos”, ele diz. À medida que caminhamos, a textura da terra sob nossos pés começa a mudar. Eu olho pra baixo. Está queimado. Cicatrizes. Eu fico atento, pronto para atacar. Quanto mais perto chegamos, pior fica. Mais terra chamuscada, mas árvores derrubadas. Houve uma batalha aqui. “Malcolm”, eu digo. “Os Mogadorianos estiveram aqui”. É claro que ele já percebeu. Ele está correndo em direção a casa. Eu mantenho o passo atrás dele, preocupado para onde estamos correndo. Mas quando ele chega à porta lateral da casa e começa a bater, e uma mulher com olhos chocados aparece, eu paro de correr. Malcolm não me deu nenhuma instrução, eu não tenho ideia do que esteja acontecendo. Eu volto. Malcolm segura a mulher pelos ombros, falando com ela, fazendo perguntas. A expressão de choque e de surpresa da mulher começa a desaparecer, dando lugar a outra coisa. Ansiedade.


Ela bate nele. Bate de novo. Depois ele fica parado, recebendo cada golpe. Eu não posso ouvir da onde eu estou, mas eu sei o que ela está dizendo: “Onde você esteve? Onde você esteve? Onde você esteve?”. Ela cai de joelhos na varanda e começa a soluçar. Alguns minutos depois, Malcolm faz o mesmo. Eu espero. Faz uma hora que os dois estão lá dentro agora. Nós trocamos um olhar antes de ele entrar com ela. Eu concordei com ele, e disse que ficaria bem aqui fora. Estou ansioso, chutando a terra chamuscada, tenso. A julgar pelos rastros, da terra queimada, não faz muito tempo em que o conflito aconteceu aqui. Pode haver Mogadorianos por perto. Eu tenho o Legado de Um agora, eu lembro pra mim mesmo. Mesmo se eu ficar cara a cara com os Mogs, eu não sou fraco mais. Eu posso revidar. Quanto mais o tempo passa, mais eu fico preocupado com Malcolm. Depois de tudo o que passamos chegar aqui e descobrir que algo aconteceu com seu filho seria devastador. Ele finalmente surge na varanda. Ele anda com determinação, passa por mim e vai em direção à floresta. Tudo o que ele diz é “Venha”. Eu o sigo pelo quintal em direção a um poço de pedra largo. “Está aberto”, ele diz, mexendo a cabeça. “E daí?” eu pergunto – “Malcolm, você precisa me dizer o que está havendo”. Sem responder, Malcolm desce no poço e desaparece. Novamente, eu o sigo. Eu desço por uma escada estreita e, alguns segundo depois estou no fundo do poço. “Malcolm?” – eu o chamo. Sem resposta. Eu sigo por outra passagem estreita, que devagar me leva a uma sala. Uma grande lâmpada de halogêneo está iluminando a sala. Malcolm a segura, e anda pela sala. Eu sigo o feixe. Paredes nuas, alguns computadores no canto. Há uma prateleira com garrafas de água e comida em conserva – assustado com o que vejo, eu suspiro. Contra a parede, perto de mais para eu tocar, há um esqueleto gigante. A cabeça do esqueleto está abaixada em um ângulo de dignidade. Mas ainda sim é um crânio, com órbitas vazias profundas apontando direito pra mim. “Os Mogadorianos não entraram aqui”, ele diz. “Se eles tivessem, não teriam deixado isso desse jeito. Eles teriam destruído o esqueleto, ou o pegado. Mas o poço estava aberto. Alguém esteve aqui”. Malcolm continua a bisbilhotar a câmara. “O tablet sumiu. Ele deve ter vindo aqui, e depois...” “Malcolm”, eu sussurro, esperando que ele se acalme e me conte tudo. “Eu estou no escuro aqui” – “Quase que literalmente”. Ele ignora minha piada. “Minha esposa viu Sam com outras crianças; ela disse que houve uma batalha. Pelo o que ela descreveu aquelas outras crianças tinham de serem membros da Garde. Sam estava com eles, lutando do lado deles”. Eu fico aliviado e excitado de saber que a Garde esteve aqui há pouco tempo. A Garde. Meu povo. Meu novo povo. “Na minha ausência, eu acredito que ele continuou a fazer o que eu fazia, e se machucou na luta contra os Mogs, e agora... ele se foi”. Malcolm olha pra mim com um olhar assustador em seu rosto. “Meu filho Sam se foi”. A esposa de Malcolm não vai o deixar entrar na casa novamente. Ela esta muito brava. Como resultado, nós tivemos de acampar no poço no subsolo dele, se esticando no chão de pedra. Dormi em alguns lugares muito estranhos durante essa jornada com Malcolm, mas nunca enfrentei um desafio de dormir em baixo do nariz de um esqueleto de dois metros.


Malcolm explica que sua esposa está esmagada de tristeza pelo sumiço de Sam. Ela está tão irritada com Malcolm por ele ter desaparecido, ficando tudo pior quando ele aparece duas semanas após Sam desaparecer – muito tarde para salvar ele. Ela culpa Malcolm por qualquer coisa que possa ter acontecido com Sam. E ele diz que ela tem razão em culpá-lo. “É minha culpa. Eu estava tão excitado para fazer contato com os Lorienos, que eu nem pensei nas consequências. Quando eu vi do que os Mogadorianos eram capazes, eu percebi que meu papel de Recepcionista poderia por minha família em perigo, mas já era tarde demais. Antes de fazer qualquer coisa para protegê-los, eu fui raptado”. Malcolm diz que, assustado com o desaparecimento dele, Sam começou a desvendar alguns dos mistérios sobre a invasão Mogadoriana. E a partir disso, de alguma forma, ele fez conheceu a Garde. E que algum tempo depois, nessa batalha, ele foi capturado pelos Mogs e está morto, ou mantido em cativeiro. Quando ele diz isso, minha mente volta atrás para o memorando que eu encontrei enquanto eu bisbilhotava as coisas em Ashwood Estates. O memorando já tinha um ano, quando declarou que todos os prisioneiros Mogadorianos foram levados para a base em Dulce, no Novo México. Se Sam foi capturado algumas semanas atrás, há uma grande chance de ele estar preso lá. Eu olho para Malcolm, esticado no chão de costas para mim. “Malcolm”, eu digo. Ele se vira e olha pra mim. Eu posso ver pelo seu olhar que ele está perdido, mas com esperança e alivio. Claramente a procura pelo seu filho é o seu objetivo desde que ele saiu de Ashwood Estates. “Eu acho que eu sei onde seu filho está”.


CAPÍTULO TREZE Eu fico atrás de Malcolm enquanto ele abre a porta da garagem. Dentro, coberto de poeira, há um velho Chevy Rambler. “Eu não acredito que ele ainda está aqui”, ele diz, mergulhando dentro do carro pela porta do passageiro. Estamos em um armazém na periferia de Paradise. Malcolm explica que pagou adiantado muitos anos por essa vaga de garagem, mantendo o carro abastecido e preparado para uma emergência, assim ele pode sair da cidade rapidamente, sem precisar parar para fazer esses serviços. Na verdade, ele estava vindo para essa garagem quando ele foi abduzido pelos Mogadorianos anos atrás. Estou impressionado pelo jeito de como ele se lembra disso. “Suas memórias estão voltando”. “É”, ele diz, rindo maliciosamente. “Parecem estar. Deve ser por causa dos seus questionários irritantes”. Eu rio enquanto ele se vira para o porta luvas do carro, tirando alguma coisa. Ele segura para fora do carro, para que eu possa ver. Um par extra de óculos de grau. “Que sorte”, ele diz triunfalmente. Ele limpa o vidro com a camisa e os coloca na cabeça. Ele se senta no banco do passageiro, e me encara pelo para-brisa. “Eu não posso lhe explicar como é bom ver tudo com clareza novamente. Faz tanto tempo”. Ele deixa escapar um suspiro de felicidade. “Incrível”. “Eu nem sabia que você precisava de óculos”. “Pelo tempo!” – ele diz. “Essa é a primeira vez que eu vejo de seu rosto sem estar embaçado”. Ele olha pra mim. “Eu posso ver definitivamente a coisa Mogadoriana agora. É, alguma coisa malvada em seu rosto”. Eu rio. Provocando-me pelo fato de eu ser um Mog se tornou uma brincadeira entre nós. Essa brincadeira é só mais uma prova de como Malcolm me aceitou. “Tanque cheio?” – eu pergunto. Ele se endireita, liga o motor, olhando como uma coruja quando o medidor de gasolina sobe. Quase cheio. Ele desliza para o volante enquanto eu dou a volta no carro e sento no banco do passageiro. Estamos indo para o Novo México. “Está pronto pra isso?” – ele pergunta. “Nem um pouco”, eu respondo. “É”, ele diz. “Eu também”. E então viajamos. Se não estivéssemos viajando as escuras, para não sermos detectados pelos Mogs, poderíamos ter chegado ao Novo México em três dias. Mas por causa disso, a viajem durou mais ou menos uma semana. Eu não me importo com o temo extra. Sentado ao lado de Malcolm, no banco de passageiro, me ocorre que talvez estejamos indo para nossa própria morte. Que como eu disse adeus a Um, eu talvez tenha de dizer adeus a Malcolm também. Bem quando eu achei que havia encontrado uma figura de um pai, eu agora embarco na missão que pode ser suicida para ambos. Eu não posso ser o filho de Malcolm. Ele já tem um filho, e – para pior, ou melhor, eu já tenho um pai também. Mas eu posso ajudar a salvar Sam. Eu me lembro do que Um me disse, que ela me queria como um herói, para fazer “grandes coisas”. Bem, ao que parece o que torna você um herói não é a gloria ou a recompensa, mas sim o sacrifício. Eu ainda estou inseguro se estou pronto pra isso. Eu estaria feliz se essa viagem de carro durasse para sempre. Mas logo, logo, cruzaremos a fronteira do Novo México, e estaremos a apenas algumas horas da base. Uma grande parte de mim não quer ir à procura de Sam. Se eu não posso ter uma vida normal, eu quero ficar com Malcolm, vivendo nas orlas da sociedade se escondendo dos Mogs. Mas eu sei que isso não é possível.


Eu sei que o que estamos fazendo é o correto, é o que deve ser feito. Estamos nos cercados da base em Dulce. Estacionamos no deserto ao entardecer, e atravessamos a areia ainda quente em direção a cerca eletrificada, o que é um quilometro e meio da base em si. Malcolm diz que sabe como encontrar a base, pelas suas buscas em seus tempos alucinados a procura de aliens, bem antes de ele saber qualquer coisa sobre os Lorienos ou os Mogadorianos, quando sua consciência sobre extraterrestres se limitava a boletins de conspiração e inúmeras visões de Contatos Imediatos do Terceiro Grau. A base em Dulce era um para-raios de especulações malucas sobre o encobrimento governamental sobre vida extraterrestre. A ironia, ele diz, é que todas aquelas especulações devem ter antecedido os contatos de seres humanos com outros seres por muitos anos. Até recentemente, aqui era provavelmente apenas mais uma base militar. “Acho que eu e meus amigos malucos estávamos à frente de todos no nosso tempo”, ele brinca. Nós nos agachamos, imaginando que há câmeras de vigilância espalhadas pro toda a grade. Nós nos aproximamos pela extremidade traseira da entrada da base. Malcolm acha que a segurança pode ser um pouco mais difusa nessa parte da base. De todas as coisas que Malcolm se lembra nos boletins antigos, sem contar a pesquisa que fizemos na internet em um café vindo para cá, estamos vindo as cegas. Malcolm pega um par de binóculos que trouxemos no carro e começa a examinar a propriedade. Após alguns momentos, ele me cutuca, apontando para uma torre com um relógio, há alguns metros de distancia da grade. Olhando pelo binóculo, eu posso ver um gerador a alguns metros de distância da torre. Nós só podemos espera que aquele gerador seja responsável pela cerca e pelos portões. Se eu conseguir destrói-lo com o meu Legado, será nossa única chance de entrar. “A torre deve estar a uns trezentos metros de distância... não, quatrocentos metros de distância”. “É”, eu digo. Eu começo a esfregar minhas mãos, um pequeno ritual pré-Legado que eu criei. Não faz sentido algum eu aquecer minhas mãos antes de usar o Legado, não vai ajudar em nada – pois o poder vem de dentro de mim, do meu núcleo, não das minhas mãos – mas se tornou um habito agora. “Isso é como três campos de futebol, Adam. Nunca treinamos para isso”. “Eu consigo”, eu digo confiante. Eu não me sinto tão confiante como eu disse, mas fingir que estou confiante ajuda a diminuir meus medos. Eu alcanço meu interior, olhos focados estreitamente na área onde o gerador e a torre estão. O truque, eu descobri, é a ansiedade. E tem de ser a minha própria. Nas primeiras semanas eu era capaz de ativar o Legado pela raiva de Um em relação à morte de Hilde, mas sua eficácia diminuiu. Eu precisava encontrar minha própria raiva. Então agora eu penso em Kelly, tão envergonhada de mim que nem falava comigo. Eu penso em minha mãe, que me deixou para morrer em um laboratório. Eu penso em Ivanick, suas mãos em minhas costas, me empurrando naquela montanha. Principalmente, eu penso no meu pai: por ter levado o sopro da morte à Hannu. Sentenciando-me a morte. E mais um milhão de pequenas injustiças que ocorreram durante minha vida inteira. Eu odeio todos eles. Eu odeio tudo o que eles acreditam. E então eu sinto meu poder, minha força, correndo em baixo do chão, à procura da torre. Como uma mão de pedra gigante, com os dedos curvados para cima. Ai está ele. Eu o deixo entrar em ação. O chão abaixo de mim e de Malcolm ainda está intacto, mas eu posso ver a torre tremer, emergindo com a tremenda força. O gerador, separado do terreno, solta faíscas. E então a torre desmorona. Malcolm se vira pra mim, chocado, maravilhado, orgulhoso. Ele sorri. “Touchdown”, ele diz.


CAPÍTULO QUATORZE Nós passamos pela grade, não mais eletrificada. Nós sabemos que a destruição da torre e do gerador deve ter chamado à atenção dos guardas da base, e de fato, estamos pensando nisso para sermos capazes de correr sem interferência. Se eles estiverem muito distraídos com o pequeno incidente, para manter suficiente cobertura naquele perímetro, temos uma chance. Nosso otimismo compensa. Nós chegamos perto da base sem ninguém nos ver. A maioria dos guardas foram atraídos para a torre, se eles realmente acham que há uma violação naquele perímetro, eles provavelmente acham que ocorreu por todo caminho até lá. Então eu paro. No outro lado da base, se alastrando pra lá do horizonte, há um caos tremendo. Barulhos. Explosões. Fumaça. Barulho de tiros. Eu me viro para o Malcolm. “Teste de armas?” Malcolm balança a cabeça. Alguma coisa está acontecendo lá. Alguma coisa grande. Eu tenho uma fisgada estranha. Alguma coisa dentro de mim me diz que a Garde está aqui. “O que você acha que é?” – Malcolm pergunta, pensando em estar tendo o mesmo raciocínio que o meu. “Eu não sei. A base é gigante. Se algum tipo de batalha está acontecendo do outro lado, isso explica que eles possam estar espalhando seus recursos. Mas nós seremos capazes de pegá-los no final do jogo deles, quando já estivermos lá dentro”. Ele retoma sua marcha para a traseira da base. Eu o sigo. Nós nos posicionamos atrás de um Humvee estacionado ao lado da entrada. Nós ainda podemos ouvir os barulhos do caos distante, explodindo do outro lado da base. Nós esperamos um pouco enquanto alguns soldados saem voando da porta, correndo em direção ao Humvee. Eu me pergunto se ele foi despachado para a outra base, como disse Malcolm. Como um raio, Malcolm o espreita. Eu nunca tinha visto Malcolm em combate antes. Claramente ele nunca fez isso, mas ele estava em vantagem por dois motivos: primeiro que o soldado estava distraído, na pressa. Segundo e mais importante, Malcolm sabe que ele está ficando mais perto do seu filho, e sua determinação para salvar Sam aumenta. Malcolm oscila descontroladamente, um ataque descoordenado que, no entanto, pega o jovem soldado desprevenido. Malcolm nocauteia o soldado. Nós o arrastamos para trás do Humvee, e Malcolm arranca um cartão de acesso do peito dele, e então ele pega a arma do garoto por precaução. “Caso precisarmos”, ele diz, olhando estranhamente para a arma. Eu posso ver a hesitação em seu rosto: ele não quer matar ninguém. Eu sei que ele está confiando em mim para eu usar meu Legado com precisão para que ele não precise usar a arma. Nós pulamos para dentro da porta. Malcolm passa o cartão no painel de acesso. Depois de um segundo, uma luz verde brilha e tranca se abre. Nós respiramos fundo e abrimos a porta. É pior do que eu imaginava. Um longo corredor aparece a nossa frente, levando a uma pequena alcova com um funcionário de recepção. Há pelo menos cinco soldados na área e seis ou sete outros tipos de Mogs militares. E todos eles se viraram juntos, olhando pra nós. Um dos soldados grita “Eles estão vindo dos dois lados” – ele acredita que nós somos parte da invasão do outro lado da base. Eu não tenho tempo para considerar isso, e eles já mandaram explosões de fogo na minha frente, rasgando o chão do corredor ao meio. E outro tiro. E mais um. Soldados e trabalhadores perdem o equilíbrio ou caem no instante em que nós corremos pelos escombros. Eu sei que eu estou causando dor e ferimentos, eu posso pelo menos dizer que estou salvando eles de morrerem com arma de fogo. Mais importante: estou mantendo Malcolm a salvo.


Nós damos a volta na alcova por trás da mesa do recepcionista, apenas para sermos confrontados por mais soldados. Eu deixo outra onda sísmica entrar em ação, jogando-os direto para as paredes, impedindo-os de respirar, quebrando ossos. Eu tremo por dentro pelo o que eu fiz, assim como eu sinto uma alegria por estar usando meu poder. Eu não fazia ideia de que era capaz de atingir tremenda força. Malcolm mergulha para a mesa, virando-a em meio aos escombros, lutando para se esconder e ao mesmo tempo manter a mão levantada, atirando. Eu cerco Malcolm. Ele procura por um mapa da base, ou alguma coisa que nos de a pista de onde Sam pode estar preso, enquanto eu fico de olho nos soldados derrotados, pronto para atirar em qualquer um que tentar levantar. “Achei”, ele diz, folheando um grande fichário. “Rápido”, eu digo, ainda observando os soldados no chão, com o punho levantado. Um soldado se arrasta para a parede, tentando respirar. Nós nos encaramos quando ele alcança a arma. Eu balanço minha cabeça. Não. Ele olha pra mim, confuso, pedindo ajuda. Ele viu do que eu sou capaz de fazer. Para meu espanto e alegria, ele coloca uma mão para cima, e com a outra, ele joga a arma longe. “Há uma zona com celas na Ala E, por aqui”, aponta Malcolm, me mostrando o caminho. “Mas há outra zona de celas do outro lado da base”. Malcolm continua a procurar nas folhas seguintes. Ele está confuso, não sabe para onde devemos ir. Eu posso vê-lo perdendo a esperança. Quanto mais perto chegamos de Sam, maior o desafio, o menor deslize pode acabar com tudo. “Há também salas de interrogatório na Ala C. Ele poderia estar lá”. Malcolm franze a testa. “Ele pode estar em qualquer lugar”. Vendo o estado em que Malcolm está, eu sei o que eu devo fazer. Eu salto em direção ao soldado, agarrando ele pelo colarinho. Ele choraminga ao meu toque. “Estamos procurando por um prisioneiro. Sam Goode. Onde ele está?” O soldado morde os lábios, fecha os olhos. Se render é uma coisa, mas dar informações para invasores é uma coisa que ele não quer fazer. “Diga-me”, eu digo, tentando manter a calma. Ele mantém o silêncio. Eu começo a chamar meu Legado, bem abaixo dos nossos pés. Ele suspira. “Diga-me”, eu repito. Eu aumento a força da onda sísmica, e o concreto abaixo se parece liquido, quebrando e oscilando abaixo de nós. Eu mantenho a intensidade, mas é uma sensação terrível, tanto pra mim quanto pra ele. “Conte-me ou eu vou destruir esse chão, que vai nos mastigar e nos mandar para o inferno”. Ele choraminga novamente, lágrimas saindo dos olhos. Eu aumento a intensidade. “ALA C!” – ele grita, desistindo. “Ele está na Ala C! Ele estava sendo mantido longe dos outros. Ele é o único prisioneiro naquelas celas!” Eu solto ele, e o soldado cai de joelhos, chorando. Eu sei que eu fiz uma coisa terrível, humilhando completamente um adversário que já havia se rendido. Mas não há tempo para me culpar. Eu viro para Malcolm. “Ala C!” – eu grito. Aliviado, ele joga a mesa pro lado e corre em direção da porta da direita. Depois de olhar novamente os soldados derrotados, eu me junto a ele. Nós entramos em outro longo corredor. “Espere!” eu grito. Eu me viro para a porta que nós entramos. A última coisa que queremos é que um soldado daqueles levante e nos siga, e nos enfrente novamente. Então eu uso meu Legado na porta, e derrubo a estrutura de pedra. A passagem fica completamente obstruída pelos escombros. Isso deve atrasá-los. Nós começamos a correr pelo corredor que parece ter um quilometro. O túnel fica cada vez mais estreito e mais escuro a cada vez que nos aproximamos do final.


Nós finalmente chegamos à porta trancada. Ou o soldado de quem roubamos o cartão de acesso não tinha permissão nessa área, ou algum tipo de segurança interna não nos permite usar o cartão. “Se afaste”, eu digo formando uma ideia na cabeça. Eu alcanço o chão abaixo da porta. Eu nunca tive que usar meu Legado com tanta precisão, e essa tentativa cria uma enxaqueca muito forte. Eu forço a terra a emergir bem abaixo da estrutura da porta. O chão emerge e a porta cai em pedaços pelo chão. Não é uma entrada perfeita, pois temos de pular os escombros – mas funciona. Nós paramos do outro lado da porta. Estamos na sala de armamentos da base, um armazém – cheio de containers. Julgando pelos símbolos nas caixas, elas contêm explosivos poderosos. Eu nunca teria usado meu poder se eu soubesse o que havia atrás da porta. Temos sorte. Malcolm agarra minha mão, me levando a frente pela sala. Nós chegamos a uma burficação de portas. Malcolm tenta usar o cartão, que desta vez funciona. “Sorte!” – ele diz. “Aquele soldado não deveria ter acesso naquela área”. Nós passamos pela porta e entramos em uma prisão grande, fria e estranhamente úmida. Agora que sabemos que há outra entrada, nós sabemos que outros soldados virão logo. Temos de ser rápidos. Nós corremos ao longo do corredor, e passamos por celas e mais celas vazias e começamos a gritar o nome de Sam. Eu ouço alguma coisa, um farfalhar acima. Eu corro para Malcolm, subimos uma escada, e começamos a procurar nas outras celas. Eu chego até a cela de Sam. As suas mãos estão agarradas nas barras da sua cela, olhos piscando contra a luz do corredor. Ele parece que foi jogado no inferno. Estou mudo. “Quem é você?” – ele diz, suspeitamente, indo pra dentro da cela. “O que você quer?” Ele sabe que eu sou um Mogadoriano. “Estamos aqui para ajudar”, eu começo. Mas explicações não são necessárias. Malcolm aparece atrás de mim e se joga na porta da cela do seu filho. Sam olha pra ele, mudo. “Pai?!” ele pergunta – incrédulo. “Estou aqui Sam. Eu voltei”. Isso não é da minha conta. É entre Sam e seu pai. Eu me afasto da cela devagar. Sozinho de novo. É quando eu ouço. Alguma coisa que eles não ouviram: o som da marcha Mogadoriana. Olhando para o corredor, eu vejo soldados aparecendo de vários lugares. Pior, não são humanos. São Mogs. “Pessoal”, eu digo, chacoalhando o ombro de Malcolm. “Temos companhia”. Eu ajo sem pensar, puxando Malcolm para longe da cela e gritando para Sam se afastar da porta. “Fique no meio da sala e proteja sua cabeça!”. Sam esta confuso, inseguro do que eu estou prestes a fazer, mas ele é esperto o suficiente para perceber que explicações não são necessárias: ele rapidamente faz o que eu pedi. Eu seguro as barras da cela com minhas mãos, enviando as ondas para a parede dentro da cela. Então eu uso meu Legado. A parede atrás de Sam desmorona. Mas essa estrutura está interligada e o impacto envia estilhaços para o chão abaixo de Sam. O chão da cela é destruído, com pedaços de escombros voando pelo corredor. Sam cai pra frente e Malcolm e eu somos jogados contra as grades das outras celas. Os Mogs estão se aproximando. Eu viro para a cela, onde a poeira está começando a se estabilizar. Há agora uma saída para Sam, no outro lado. “Vão!”, eu digo – “Corram!” Sam se levanta do chão, olha pra mim e faz o que pedi. Eu olho em volta. O chão da cela está com fissuras, e as barras das celas estão emperradas o suficiente para nós atravessarmos com muita dificuldade. Os Mogs cercaram a ala toda agora – deve haver no mínimo trinta deles, com mais a caminho, e eles já estão indo para o segundo andar, para onde nós estamos.


Malcolm finalmente passa pelas barras, agora é minha vez. “Rápido”, ele suplica. Eu olho para a tropa Mogadoriana que se aproxima. Na frente, no comando da tropa, eu vejo Ivanick. A única pessoa nesse mundo que eu tenho medo além do meu pai. O General disse que ele foi promovido, que ele estava trabalhando no sudeste. E aqui está ele. Meu sangue esfria. Eu começo a atravessar as barras, e então eu paro. “O que você está fazendo?” – Malcolm grita – “Adam?!” Eu percebo que eu não vou conseguir atravessar as barras. Se Malcolm e Sam forem ter uma chance de escapar dos Mogs um de nós vai ter de atrasar os Mogs. Eles não vão parar de caçar Sam e Malcolm a não ser que alguém os pare. Além disso, eu não quero apenas se virar contra meu povo agora, eu quero matá-los. “Vá!” eu digo. “O que?! Adam, não!” “Vá com seu filho! Agora!”

Eu posso ver os olhos de Malcolm, para a expressão de terror no seu rosto quando ele percebe o que estou dizendo, o quanto ele se importa comigo. Mas eu também sei que ele tem uma responsabilidade maior com seu filho do que comigo. Depois de mais um momento de hesitação, ele se vira e desaparece pela passagem na parede da cela. Eu me viro para os Mogs que se aproximam. Eles diminuíram a velocidade, mas eles empunham as armas. Eles estão vindo pelos dois lados do corredor, me cercando. Eu observo a ala. As escadarias estão cheias, o primeiro andar está repleto de Mogs, ou seja, as duas rotas estão bloqueadas. Eu tenho uma chance: ser capturado, ou sair balançando. Eu aponto meu legado para o canto em um grupo de Mogs e o ativo. A ala toda treme, e o corredor fica sem paredes, derrubando todos os Mogs abaixo. Eu me espremo pelo corredor o máximo que eu consigo, virando para o outro lado da sala, usando o Legado novamente. Não há caminho de volta para a cela agora. Estou encostado na grade, ainda seguro. O andar abaixo está repleto de Mogs. Alguns soldados estão apenas lutando por precaução, mas outros estão vindo com vontade, desviando dos escombros como acrobatas. Estão chegando. Eu poderia explodir o corredor novamente para machucar os Mogs, mas isso não garante minha vida. Minha situação está tão sem esperança que eu rio. “Adamus”, eu ouço. Eu olho pra baixo, para os Mogs no andar de baixo, todas as armas apontadas para mim. Entre eles se encontra Ivanick, me encarando. Sua expressão é fria, sem dó. Não há surpresa nenhuma da parte dele a me ver aqui, sob essas circunstâncias. “Há quanto tempo”, ele diz. Eu sei que eu só comprei alguns minutos para Sam e Malcolm, mas eu espero que ajude. Estou pronto para enfrentar qualquer coisa que entrar no meu caminho agora. “Você ganhou algum poder Adam. É impressionante. Eu tenho certeza que o Dr. Zakos ou qualquer um dos nossos cientistas adorariam te estudar. Se renda agora e talvez possamos fazer alguma coisa. Você pode ser uma cobaia ou coisa do tipo. Eu sei que você gosta disso”. É estranho ver Ivan promovido para líder da tropa. Ele realmente não cérebro pra isso. Mas cérebros não são contados como vantagem para os Mogs. “Quero dizer”, ele diz com um pequeno sorriso, “claro que vamos matá-lo depois que terminarmos”. Eu me apego às barras. Os Mogs estão chegando perto, apenas esperando a ordem para atirar. “Você é inútil em negociações”, eu digo. Ivan ri. “Bem, o que mais você vai fazer? Pelo que vejo você está sem opções. É o momento se renda ou morrerá”. De jeito nenhum eu vou deixa-los me capturar. Saia balançando.


Eu olho para a parede perpendicular ao corredor. A sala de armamentos está atrás dela. Eu tenho uma ideia. “Isso não é exatamente verdade, Ivan”. Eu uso minha mente: cem metros, duzentos metros, trezentos metros. Eu paro. Alcancei. Eu vejo Ivan, me encarando. Sua expressão mudou de orgulho para medo. Não há como ele saber como meu Legado funciona, mas ele me conhece bem para ler minha expressão: Eu vou nos matar. “Isso mesmo” – eu digo – “A sala de armamento”. “De jeito nenhum”, ele diz. “Você não faria. Você é Adamus. Filho do General Andrakkus Sutekh. Você não pode matar um de nós, muito menos todos nós”. Eu sorrio pra ele. Observe-me. Eu deixo outra onda sísmica pulsar, apontada direto pra baixo do chão da sala de Armamentos. Apenas há algum momento após a onde deixar meu corpo, meu Legado causa uma grande explosão. Há uma explosão ensurdecedora, aço e concreto voando para todos os lados. Ao meu redor eu vejo corpos de Mogadorianos sendo estilhaçados. A base inteira começa a desmoronar a minha volta. O chão onde as barras estão despedaça e eu voo para baixo e no baque quase fico inconsciente. Meus ouvindo estão zunindo, meus olhos quase cegos pela poeira, eu viro meu pescoço e vejo os escombros matar Mog por Mog. Toda a base está se destroçando a nossa volta. Do chão eu vejo Ivanick, com o pescoço quebrado. Morto. Mogadorianos gritam ao meu redor. Para minha própria surpresa, eu gosto desse som. Alguma coisa pesada bate no meu ombro, batendo minha cabeça contra o chão, me prendendo. Eu não posso me mover, e eu estou muito assustado pra saber sei foi um corte de raspão ou se foi um ferimento muito grave. “Pra que manter o controle agora?” – Eu penso. “Há mais de onde isso veio”. De fato há: concretos caindo, de todos os lados. Enquanto toda a estrutura desmorona e cai sobre nós, eu sei que eu tenho apenas mais alguns momentos de consciência. Mas eu não estou com medo. Eu sobrevivi da minha queda do penhasco. Eu sobrevivi em Ashwood Estates. E eu nem estava consciente, e Malcolm me disse alguma coisa sobre eu estar protegido, e que foi isso que nos manteve a salvo até sairmos de lá. O terceiro tempo é o charme. Pode ser apenas exaustão, ou delírio, mas eu acredito que eu vou sobreviver. Que meu objetivo final está em algum lugar além dessas paredes. O melhor de mim ainda está por vir. Eu vou sobreviver.

TRADUÇÃO DE JONATHAN DELLI COLLI. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS PARA PITTACUS LORE.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.