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ANO II # 06 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA afrobrasilidades & afins | omenelick 2º ATO | 1


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ANO II CAPÍTULO I ONDE ENCONTRAR

A SUA REVISTA LIVRARIA SUBURBANO CONVICTO RUA 13 DE MAIO, 70, 2º ANDAR, BIXIGA CASA DA PRETA RUA INÁCIO PEREIRA DA ROCHA, 293 VILA MADALENA 1 DA SUL RUA 24 DE MAIO, 62, LOJA 40, CENTRO MATILHA CULTURAL RUA REGO FREITAS, 542, CENTRO ATELIÊ OÇO PRAÇA CARLOS GOMES, 115 LIBERDADE CRESPOSIM RUA 24 DE MAIO, 116, LOJA 13, CENTRO CENTRO CULTURAL MONTE AZUL AV. TOMÁS DE SOUZA, 552 JD. MONTE AZUL AÇÃO EDUCATIVA Rua General Jardim, 660 Vila Buarque

apoio

Já se vai um ano desde o lançamento da edição 00 da revista O Menelick 2º Ato – Afrobrasilidades & Afins. Desde então, mesmo sufocados cotidianamente por uma avalanche de novidades e possibilidades digitais, continuamos abrindo mão das comodidades tecnológicas e valorizando o valor afetivo que o papel exerce sobre nós. Sustentada por uma proposta gráfica ousada, jovem e com um conteúdo editorial que privilegia a mais nobre arte do jornalismo, a reportagem, esta voltada às manifestações artísticas e culturais que dialogam com o universo afro, popular e urbano, publicamos os seis primeiros números da revista. Não demorou muito para que o formato de bolso, agradável ao tato, bem acabado e colorido, com textos sérios, inéditos e com os quais nos informamos e, principalmente, nos identificamos, caíssem no gosto das pessoas. Embora nosso principal propósito seja a informação, a reflexão e o aprendizado através do texto, é inegável dizer que a revista tornou-se conhecida (mesmo que em um universo pequeno) especialmente por sua proposta estética. Trezentos e sessenta e cinco dias depois acreditamos que este ciclo estético que iniciamos em maio de 2010 se encerrou. Obviamente a essência e a missão da revista continuam as mesmas, bem como os ideais de falar com e para os nossos, como quis o poeta Deocleciano Nascimento, que em 1915 fundou a pedra fundamental do nosso projeto, o jornal O Menelick. É por isso que protagonistas cultuais, movimentos e produções artísticas essenciais no processo de construção e consolidação da identidade negra no Brasil (e no mundo) vão continuar ocupando nossas páginas. Mas esteticamente inauguramos uma nova fase, que marca a entrada do ano II da revista. Optamos agora por uma proposta gráfica alinhada ao tribalismo africano, ao construtivismo russo, privilegiando as linhas retas e os espaços vazios, buscando dentro das nossas possibilidades, a vanguarda desta honrosa trajetória que imprensa negra brasileira construiu ao longo dos anos. Como você deve bem ter reparado, a revista também cresceu: em tamanho e em conteúdo. Esperamos ter lhe surpreendido. Positivamente, é claro. Seja bem vindo ao segundo ano da caixa preta do jornalismo cultural afro, popular e urbano brasileiro. Boa leitura. Equipe O MENELICK 2º ATO afrobrasilidades & afins | omenelick 2º ATO | 3


O B M O L I QU s omenelick

e gu n d o a t o

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Nabor Jr. Jornalista e fotógrafo. omenelicksegundoato.blogspot.com

Cristiane Gomes Jornalista. decrisumpouco.blogspot.com

Alexandre Bispo Curador e crítico de arte. O Menelick 2º Ato

Renata Felinto Pesquisadora e artista plástica. renatafelinto-coisasdaarte.blogspot.com

Eliza Capai Jornalista e videomaker itinerante. elizacapai.com Sidney Santiago Ator e membro-fundador da Cia. Os Crespos. sidneysantiago.com.br

Indira Nascimento Estudante de jornalismo. indira@coletivoamoras.com.br Valéria Alves Cientista Social, pesquisadora e produtora cultural. alvesvaleria@yahoo.com.br 4 | omenelick 2º ATO | afrobrasilidades & afins

é uma publicação trimestral da MANDELACREW COMUNICAÇÃO E FOTOGRAFIA Rua Roma, 80 – Sala 144 - São Caetano do Sul / SP CEP: 09571-220 - Tel.: (11) 9651 8199 DIRETOR Nabor Jr. | MTB 41.678 omenelick2ato@gmail.com Comercial Maria Cecília Braga omenelick2ato@gmail.com CONSELHO EDITORIAL Nabor Jr., Cristiane Gomes, Alexandre Bispo e Renata Felinto. Projeto Gráfico e Diagramação Gil Fuser CAPA | Foto MANDELACREW Tiragem 2 mil exemplares Distribuição GRATUITA em galerias de arte, centros culturais, shows, festas, feiras, festivais, casas noturnas, lojas e zonas de conflito.

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ÁFRICA pretos, pardos Brancos, Capai os • Eliza e colorid

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CABELOS NEGRO CABEÇA DE spo Bi re Alexand

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A LITERATUR LIFE ER FUCKING TH THIS MO Nabor Jr.

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música NDO JOÃO DESVENDA Nabor Jr.

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música OSSO DURO es Cristiane Gom

MEMÓRIA PAULA BRITO ADMIRÁVEL Valéria Alves

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S O L E B C

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O L E B A

C O Por Alexandre Bispo Fotos MANDELACREW, Paola vianna e arquivo

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A G E N O A N

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na cultura

capilar

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certo que seria impossível, aqui, em poucas linhas, contar a história do cabelo. Essa tarefa não terminaria nunca, pois a quantidade de histórias é tão grande quanto a população atual de vivos no planeta, cerca de 7 bilhões. Mesmo depois de mortos nossos cabelos podem dizer muito sobre a sociedade que vivemos, pois eles ficam como fatos físicos de tempos passados. Os egípcios, por exemplo, deixaram vestígios capilares fundamentais para compreendermos seu passado no continente africano. E eles gostavam tanto de cabelos que apesar de os rasparem sempre, usavam perucas elaboradas. Ao contrário de antigos povos como os sumérios, hebreus, babilônios e gregos, os egípcios deixavam o cabelo crescer em períodos de viagem ou luto. Cabelos e unhas crescem um pouco mesmo depois que morremos. É conhecido o mito bíblico de Sansão, que teve os cabelos cortados por Dalila e perdeu as forças vitais, a virilidade sexual. Os cabelos podem ter tanta força no sentido simbólico que, não raro, expressaram e expressam sacralidade (como entre os rastafári no qual os dreadlocks estão associados à religião), pureza, sujeira, além de serem usados em protestos contra governos ou valores sociais vigentes, e também em apoio a um regime totalitário. Na Alemanha da 2ª Guerra Mundial, os militares usaram cabelos super curtos, enquanto que aos judeus, a imposição de raspar o cabelo recaiu até mesmo sobre as mulheres. Os cabelos podem dar forma corporal a um movimento social e político, como por exemplo, os Black Panters, movimento social afroamericano muito ativo entre os anos de 1966 e 1982. Eles difundiram os Black Powers, cujo símbolo capilar é a filósofa socialista Angela Yvonne Davis (1944). Assumir o volume dos cabelos crespos se constituiu naquele país como uma atitude política diante da opressão racial e social branca nos EUA. afrobrasilidades afrobrasilidades& &afins afins||omenelick omenelick2º2ºATO ATO||7 7


No Brasil, o Movimento Negro, com forte expressão a partir de 1975, terá uma cultura capilar de afirmação, quando muitas pessoas assumiram os cabelos crespos como um dado positivo da experiência racial, produzindo uma diferenciação estética contra a opressão e imposição de cabelos curtos para homens e alisado (com técnicas agressivas) para mulheres. É nessa esteira de denúncia do preconceito e assunção de um orgulho racial e étnico que um dos hinos

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afirmativos da textura crespa vai surgir. “A verdade é que você tem cabelo duro”, dizia Sandra de Sá (1955) em Olhos coloridos, de 1980, em canção do compositor Macau, pioneiro do movimento Black Power no Rio de Janeiro. No refrão ela diz “Sarará crioulo, Sarará crioulo”. Nesta canção política e poética, a cantora embalou muitas cabeças orgulhosas do cabelo crespo e arruivado, o sarará. Esses e muitos outros cabelos foram amplamente exibidos em bailes, grandes galerias e nas ruas das cidades brasileiras. A necessidade de afirmação na época tinha a ver com um contexto de repressão dos negros no país, mergulhado na ditadura militar. A repressão dos negros nesse contexto não era algo novo, uma vez que a opressão contra essa população já vinha de séculos atrás. Atualmente essa opressão encontra outras formas de manifestar-se, uma delas é a invisibilidade histórica de homens e mulheres negras em livros didáticos, nas artes visuais, nos meios de comunicação etc.

Asiáticos, brancos e negros Foi a partir de 1859, com o lançamento de As origens das espécies, do cientista britânico Charles Darwin (1809-1882), que uma explicação revolucionária sobre as origens da espécie humana surgiu. Para Darwin


nós éramos culturalmente diferentes, mas semelhanças cruciais mostravam que tínhamos um ancestral comum. Éramos iguais e as diferenças físicas tinham relação com a hereditaridade e as capacidades de adaptação ao planeta. Na Europa, a manipulação do termo raça identificou os negros com o ancestral comum, macaco, de forma negativa. Foi assim que a cor da pele, a textura do cabelo, os traços fisionômicos serviram de base para separar os ditos superiores brancos dos inferiores negros e, mais tarde, outras pessoas consideradas inferiores como judeus, ciganos e homossexuais. Como disse Chico Science (1966-1997) “Indios, brancos, negros e mestiços, nada de errado em seus princípios. O seu e o meu são iguais correm nas veias sem parar”.

cabelo cacheado, brilhante, cheio, longo e perfeito, um tanto distante dos cabelos da mulherada negra. Como disse Lamartine Babo (1904-1966), e os Irmãos Valente O teu cabelo não nega mulata porque és mulata na cor. Richarlison (1982), ex-jogador do São Paulo, negro, gay assumido, fez enquanto estava no clube, um aplique nos cabelos e foi forçado a retirá-lo voltando a usar o comum cabelo bem curto, feito à máquina para agradar torcedores, diretoria e companheiros de bola. Sua atitude diante da pressão lembra a letra da marchinha Cabeleira do Zezé, quando no refrão diz: “Corta o cabelo dele!”. No Egito antigo usar um aplique como o do jogador não teria qualquer problema.

Se o cabelo é crespo a pele é da cor do pecado?

Liso e macio?

Quem assistiu a novela Da cor do pecado, exibida em 2007, terá um exemplo notável, de como noções equivocadas de raça, estão atreladas a concepções preconceituosas de cor. A personagem principal, Preta, mulher jovem de pele escura e cabelo crespo, interpretada por Taís Araujo tinha a cor do pecado. Nesse sentido a mulher negra foi associada a uma sexualidade originalmente pecadora. Nas propagandas que faz, Taís nunca aparece com seu cabelo natural e, não raro, o que é vendido pela publicidade é o

Mas será que alisar o cabelo faz perder a raiz negra ou mestiça que temos? Alisar o cabelo é algo positivo, desde que não façamos isso para negar a história que trazemos no proprio corpo e, com a qual vivemos cotidianamente. Contudo, sabemos que certos setores da sociedade condenam os cabelos crespos, rebeldes, duros. Ruim para esses setores, que não abrem as portas à ampla realização da democracia igualitária que valoriza as diferenças. A saída porém, para os quem tem cabelos fora dos padrões estabelecidos, não é só “tratamento

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de choque”, “escova progressiva”, “definitiva” “japonesa”, ou cabeça raspada. As dificuldades enfrentadas por quem não tem os cabelos ditos “sexy” e desejáveis não são poucas, mas as teconologias estão aí para afirmar o que temos ou para remodelar completamente a textura, a forma, o volume. Para o caso masculino, parece estar fora de cogitação, ao menos para alguns, colocar apliques como Rycharlison fez, mas alisar o cabelo para os homens pode ser uma estratégia interessante. A cabeça raspada também é uma forma de exibir os cabelos, o que pode ter algo de negação, mas também de praticidade. Se os egipcios estão no continente africano e seus antigos ancestrais raspavam o cabelo, não era por motivo de negação da textura crespa, creio eu. É fato que adoravam usar perucas e não arriscaria dizer que seus olhos fossem coloridos. Qualquer coisa, na hora de decidir o que fazer com seus cabelos de raízes históricas profundas seja flexível, mas proteste e, diga o que Chico César disse na música Respeitem meus cabelos, brancos (2002): Se eu quero pixaim, deixa Se eu quero enrolar, deixa Se eu quero colorir, deixa Se eu quero assanhar, deixa Deixa, deixa a madeixa balançar

LEIA Beleza pura: símbolos e economia ao redor do cabelo do negro. Ângela Figueiredo Dissertação (mestrado em Antropologia) UFBA 1994 Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte. Nilma Lino Gomes Tese (Doutorado em Antropologia Social) FFLCH/ USP 2002 O teu cabelo não nega? Um estudo de práticas e representações sobre cabelos Patrícia Gino Bouzón Dissertação (mestrado em Antropologia Social) UFF/ RJ 2004

ACESSE lecoil.tumblr.com

CIA. DAS TRANCAS Cursos de dreads, tranças e mega hair (11) 3462-1229 ciadastrancas.com.br

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A C I S Ú M

Por Indira Nascimento Fotos MANDELACREW

DIAS MELHORES A última entrevista de Dexter antes da liberdade plena A tristeza, a solidão e as condições quase subumanas que rondam o falido sistema carcerário nacional deixaram de ser a sua morada. Ao menos fisicamente, o amargo cotidiano dos presídios brasileiros não mais lhe pertence. As limitações para sair, entrar, comer, ver o sol, a família e os amigos, igualmente ficaram para trás, trancafiadas entre as gélidas paredes de concreto e aço que cercam o presídio de Hortolândia, região metropolitana de Campinas, seu antigo endereço. Aos 37 anos, Marcos Fernandes de Omena, vulgo Dexter, “o oitavo anjo”, conforme estabelecido pela justiça paulista no último dia 20 de abril, pagou sua dívida com a

sociedade brasileira e é um homem livre. Após 13 anos encarcerado (período em que formou e, posteriormente, se desligou do grupo de rap 509-E, nascido dentro do Carandiru, e em que compôs músicas que se transformaram em hinos da juventude pobre e negra do Brasil), o rapper hoje goza as coisas simples da vida, a liberdade plena e concreta e uma agenda lotada de shows, palestras, entrevistas e outros compromissos profissionais. Pouco antes de sentenciada esta nova realidade que o cerca, no dia 16 de abril, ainda em regime semi-aberto, Dexter nos concedeu uma entrevista. A última como um homem exilado, como diz o seu excelente álbum Exilado Sim, Preso Não (2005). afrobrasilidades & afins | omenelick 2º ATO | 11


Enquanto aguardava a participação que faria em um evento próximo ao largo do Paissundú, no centro de São Paulo, Dexter - acompanhado da esposa, Patrícia Omena (com quem está há 10 anos) - falou sobre sonhos, música, educação, a revolução vinda das periferias e o sistema carcerário: “Os atrativos dentro da prisão são totalmente degenerativos. O sistema não recupera ninguém, a pessoa tem que criar uma força interior, porque só depende dela mesmo. Mas tenho comigo que o dia de amanhã pode ser bem melhor!”. Mal sabia o rapper que quatro dias depois desta declaração ele e a liberdade enfim se cruzariam. O dia melhor chegou. OMENELICK2ºATO - Quem era o Dexter há 13 anos e quem é o Dexter hoje? DEXTER - Eu diria que a mesma pessoa. O mesmo caráter, a mesma gana. Só que com muito mais vontade de vencer hoje. Eu quero viver! Eu quero poder criar meus filhos, quero poder ser um bom esposo. Claro que eu sou um ser humano e erro pra caramba, mas eu quero ser um bom amigo para meus amigos, eu quero ser um cara comum, peço sempre a Deus para nunca me deixar ser um cara altivo, e preservar coisas que não são minhas, tá ligado? Claro que conforme os anos vão passando a gente vai ganhando experiência, decepções, frustrações e aprendendo a lidar com tudo isso. E essa somatória vai amadurecendo a gente. E o que fica mesmo é a lição de vida de cada um. OM2ºATO - Chegou a pensar em desistir do rap? DEXTER - Pensei, pensei. É muito difícil né...você estar lá dentro e não poder fazer o que ama fazer efetivamente, que é cantar, estar com o público é muito difícil. Me faltava isso. E muitas vezes por muitos motivos eu pensei em desistir. Eu pensei já era mesmo! Mas eu sempre tive um Deus maravilhoso que me guia, e minutos depois destes pensamentos ele me fortificava ainda mais. Pensar é natural por que somos humanos, mas desistir mesmo, aí é outra fita né. OM2ºATO - Você fala muito em revolução. No lance da periferia ocupar espaços na sociedade e tal. A revolução será televisionada? 12 | omenelick 2º ATO | afrobrasilidades & afins

DEXTER - O rap contribui muito para isso, assim como o Movimento Negro também, mas eu acho que a gente tem que estudar. Para mim, o rap é a válvula de escape para muitos problemas que a gente tem dentro da periferia, mas o estudo é a formação. Mas eu falo de revolução de uma forma geral, não adianta a gente querer revolucionar a casa dos outros, sendo que a nossa casa está toda bagunçada. Então é isso, acho que a gente tem que centralizar nossos pensamentos, ter um objetivo na nossa vida, o futuro está aí e nos espera. Todo mundo sonha em casar, ter filhos, ter uma casa... A revolução tem que começar primeiro dentro de você. Se você é preto você tem que se valorizar como tal, se você é branco você têm que entender que você também tem certa responsabilidade de fazer com que o futuro seja mais ameno. O mundo tá muito louco, as pessoas estão usando muita droga, o crime está em ascensão, às pessoas são frias, ninguém se cumprimenta mais eu já falei disso na música “Salve se quem puder” eu gostaria que o mundo fosse diferente. OM2ºATO - Guarda alguma magoa do Rap? DEXTER - Não, o rap só fez bem pra minha vida. O rap é um grande amigo que eu tenho. O rap salvou minha vida, salvou muitas pessoas da minha geração. Fez com que as pessoas da minha geração fossem aprender, fossem estudar, fossem aprender a falar corretamente, ou o mínimo pelo menos. Como ter mágoa? Não, tudo o que têm de ruim no rap, foram às pessoas que colocaram. Mas a essência do rap é maravilhosa, o rap faz parte de uma cultura que salva o bem mais valioso de uma pessoa, salva a vida. A partir do momento que você para pra prestar atenção em verdadeiras músicas de rap, você se transforma. Têm músicas que te colocam dentro da cena, é como se fosse um filme, assim como: “Um homem na estrada”, dos Racionais, “Brasília periferia”, do Gog, “Gente Visita”, do Realidade Cruel,“Soldado do Morro “ do Bill, “Senhor tempo Bom”, do Thaide, são musicas que te colocam dentro da situação, e você se transporta pro local, isso é rap de verdade. Primeiro tem que ter rima e depois uma construção muito loca daquela história que você quer contar. Aprendi isso com o Brown, não que ele tenha me dito, mas ouvindo as músicas dele eu percebi. E eu percebi que consegui alcançar essa medida quando depois de oito anos eu ouço “Oitavo anjo” e “Saudades mil” nas rádios. A letra boa fica né.


OM2ºATO - E o que você acha deste “novo rap”, com esses “novos rappers” que chegaram a televisão, a grande imprensa? DEXTER - É fato que o rap é uma música revolucionária. E isso não vai mudar, nem tem que mudar. Mas agora estão dizendo ai que o rap virou pop (risos). Eu acho que o Rap é pop no sentido de ser popular né, de ser do povo mesmo. Mas em outro sentido acredito que não, e nem tem que ser também. Sempre que penso nisso, penso na Banda Calypso, não sei por quê. Ou será que eu sei... Foi um fenômeno, mas hoje cadê a Joelma, cadê o Chimbinha? Veja bem, não estou dizendo que sou contra você ir a TV. Eu acho que a gente deve selecionar as coisas. Eu já fui a Rede Globo, ou melhor, a Rede Globo já veio até mim. Dos novos eu ouvi pouca coisa, porque estava fazendo muita coisa e não tive tempo de esmiuçar o trabalho do pessoal. Mas eu conheci a Flora (Matos), menina educada. O Emicida eu ouvi pouca coisa, mas lembro de certa vez ele dizer que ouviu 509-E e que foi referência para ele. Mas é isso, não adianta eu querer representar a playboysada que não vai dar certo. Acho que cada um é cada um. E eu sou um cara da rua e continuo com a mesma essência, eu não tenho essa de temática para disco, não fico inventando métrica, nem flow, nem gosto disso. OM2ºATO - Algum recado para quem ainda vai ficar exilado por mais algum tempo? DEXTER - Seja perseverante, acredite na palavra de Deus por que ela nunca volta vazia. Tenha fé. É difícil isso dentro da prisão, por que na prisão você não tem nada a não ser a vontade de vencer. Os atrativos dentro da prisão são totalmente degenerativos. O sistema não recupera ninguém, a pessoa tem que criar uma força interior, por que só depende dela mesma. Então que vocês sejam fortes. E acreditem que tudo é possível por que o dia de amanhã pode ser bem melhor! A canção “Como vai seu mundo” retrata bem essa ótica. Mas eu só quero que todos tenham paz. Eu acredito que Deus tem poder pra mudar isso, mas acredito que a gente também tem. E um mundo melhor só depende de nós.

8o ANJO oitavoanjodexter.blogspot.com

ASSISTA Entre a luz e a sombra Direção Luciana Burlamaqui Com Afro-X, Dexter e Sophia Bisilliat. 2009

O CRIME NaO COMPENSA 28 de janeiro de 1998 Acusado de homicídio (art. 121) e assalto à mão armada (art. 157) inicia sua pena no presídio do Carandiru, em SP. 30 de dezembro de 2008 No presídio de Hortolândia, ganha o benefício da prisão semi-aberta. 20 de abril de 2011 Após 13 anos exilado, ganha a liberdade plena.

DISCOGRAFIA DEXTER Exilado Sim, Preso Não (2005) Dexter & Convidados (2009)

DISCOGRAFIA 509-E Provérbios 13 (2000) MMII DC (2002 Depois de Cristo) (2002)

LEIA A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA EM omenelicksegundoato.blogspot.com afrobrasilidades & afins | omenelick 2º ATO | 13


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ADMIRáVEL PAULA BRITO 150 anos da morte do primeiro editor brasileiro

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Por Valéria Alves Durante a Regência (1831-1840), quando D. Pedro II teve sua maioridade penal proclamada em consequência da abdicação de seu pai, D. Pedro I, os brasileiros estavam insatisfeitos com o país. O cenário político estava dividido entre os Farroupilhas e os Caramurus. Os primeiros faziam oposição ao governo liberal moderado, representavam os interesses das camadas urbanas, defendiam a descentralização do poder e a autonomia administrativa das províncias. O grupo era composto, em sua maioria, por pessoas menos favorecidas economicamente, profissionais liberais, jornalistas, escritores e artistas. Os membros do partido Caramuru lutavam pela volta de D. Pedro I ao poder, além disso, eclodiram no Brasil diversas rebeliões organizadas e planejadas por negros escravos, entre elas a Revolta dos Carrancas (1833, em Minas), a Revolta dos Malês (1835, em Salvador) e a Revolta de Manuel Congo (1838, no Rio de Janeiro). Neste cenário a Tipografia Fluminense de Brito & Cia. atua como fábrica de jornais e pasquins esquentando a guerra política, tornando-se ponto de encontro de intelectuais, artistas e políticos, um espaço de sociabilidade que reunia pessoas de diferentes posições políticas, entretanto, na tipografia, os conflitos partidários cediam lugar à literatura e à arte. Francisco de Paula Brito (Rio de Janeiro, 1809-1861), ou simplesmente Paula Brito, como gostava de ser chamado, deu início ao movimento editorial brasileiro. Homem negro de origem modesta e sem instrução formal foi o precursor da imprensa e do mercado literário no Brasil. Tipógrafo, livreiro e poeta, tornou-se o editor preferido da elite carioca e o principal editor da sua época. Sua livraria foi associada ao Movimento Romântico. Reuniam-se em sua loja os romancistas Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida, José de Alencar, Gonçalves Dias, o compositor do hino nacional brasileiro Francisco Manuel da Silva, Casimiro de Abreu, atores como João Caetano, os jornalistas Firmino Rodrigues e Joaquim de Saldanha. A arte, a política e a literatura tiveram papel fundamental na vida de Paula Brito. Considerado o primeiro empresário negro do Brasil, fundou em 1850 a Typographia Dous de Dezembro, também foi pioneiro ao publicar literatos brasileiros 14 | omenelick 2º ATO | afrobrasilidades & afins

remunerando-os por isso. Ao todo foram 372 publicações que serviram de porta vozes do movimento literário durante o período romântico.

ALGUNS ESCRITORES BRASILEIROS EDITADOS POR PAULA BRITO CASIMIRO JOSÉ MARQUES DE ABREU AS PRIMAVERAS (1º EDIÇÃO/ 1859) JOSÉ MARTINIANO DE ALENCAR A NOITE DE SÃO JOÃO (1860) JOAQUIM MARIA MACHADO DE ASSIS DESENCANTOS (1º EDIÇÃO/ 1861) QUEDA QUE AS MULHERES TÊM PARA OS TOLOS (1º EDIÇÃO/ 1861)

Negro de cor” Embora não pertencesse ao Movimento Abolicionista, Paulo Brito ressaltava sua posição contrária à escravidão. Membro dos Farroupilhas, era defensor da igualdade racial e da garantia dos direitos civis. O editor, através de versos e prosas, usa seus pasquins para mostrar seu descontentamento com os ideais políticos que estavam surgindo no mundo e para inserir no debate a questão racial e torná-la pública. Em setembro de 1833 Paula Brito lança o periódico O Homem de Cor, que mais tarde passou a se chamar O Mulato ou Homem de Cor. Escrito por um mulato chamado Lafuente e por outros mestiços dedicados à luta contra o preconceito racial, aclamavam em seus escritos a igualdade e o direito de todo cidadão brasileiro a ocupar cargos públicos civis e militares, sem distinção de cor. Um homem à frente de sua época, Paula Brito percebe a importância e a força do público feminino e, em 1832, redige e publica a pioneira revista feminina A Mulher do Simplício ou A Fluminense Exaltada. Mas é no periódico A Marmota (1849-1864) que o editor, embora salientasse que este era um jornal de entretenimento e diversão, expressa de maneira mais solta e contundente


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sua relação com a sociedade em que vivia, seus costumes, religião, comércio e as relações morais e éticas

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Sociedade Petalógica

Nos fundos da casa de Paula Brito nasceu em uma tarde a Petalógica, sociedade sem estatutos onde toda fantasia era permitida. A palavra “Petalógica” vinha de peta, mentira, mas, naqueles dias românticos supunham-na derivada de “pétala” os não iniciados que dela ouviam falar. João Caetano ria! As petas da Petalógica! Machado ria! “ cuidavam muitos! – Diário do Rio de Janeiro, 11 de setembro de 1864 Machado de Assis foi um ilustre frequentador da Sociedade Petalógica. Durante muito tempo foi funcionário da tipografia e, aos 22 anos, teve seu primeiro poema A Palmeira, publicado no jornal A Marmota Fluminense, de Paula Brito que, passa a ser seu editor. Francisco de Paula Brito foi, sem dúvida, um artífice das letras, criativo e inventivo valorizava a literatura e a arte como nenhum outro da sua época. Considerado como um homem inteligente e apreciado por sua amabilidade, rompe as barreiras da cor e da pobreza para entrar na história como o primeiro editor negro e o principal articulador do mercado editorial brasileiro.

SAIBA MAIS EM omenelicksegundoato.blogspot.com

LEIA Vida e obra de Paula Brito Eunice Ribeiro Gondim Livraria Brasiliana Editora 1965

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Paula Brito foi o fundador da Sociedade Petalógica, um clube literário que funcionava nos fundos da casa do editor e que promovia além da discussões políticas, encontros entre poetas e músicos em saraus regados a Lundus e Modinhas. Reuniam-se em torno dessa sociedade jovens talentos das letras e diversos personagens de diferentes classes sociais, inclusive o mulato Teixeira e Souza que teve o primeiro romance brasileiro O filho do Pescador (1843), publicado por Paula Brito. Vale reler um breve relato sobre a Petalógica escrito pelo escritor e historiador Manuel José Gondin da Fonseca (1899 – 1977), e relembrado pelo escritor Oswaldo de Camargo (1936), em Um Negro Histórico:

THIS MOTHER FUCKING LIFE Em Fela: Esta Vida Puta, Carlos Moore revela o homem por trás do mito Por NABOR JR / FOTOS CHICO e ARQUIVO

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riado nos anos 70 pelo músico e pan-africanista nigeriano Fela Anikulapo Ransome Kuti (1938-1997), o Afrobeat (miscelânea de riffs do Jazz, do Funk, do Highlife, do Rock Psicodélico, aliado a música yorubá e aos batuques da percussão africana) fez do artista o maior músico africano do século XX. Com todo respeito aos trabalhos prestados por nomes como Miriam Makeba, Youssou N´Dour e Cesária Évora. Aparentemente despretensioso, o dançante ritmo que o extravagante músico concebeu era, ao mesmo tempo, capaz de ser puro entretenimento e energia, induzindo o público a um total estado de transe, como também visceralmente político, incentivando-o a refletir. Canções como: Coffin for Head of State (Caixão para um Chefe de Estado), Colonial Mentality (Mentalidade Colonial) e Teacher, Don´t Teach Me No Nonsense (Professor, não me ensine absurdos, provam essa característica. afrobrasilidades & afins | omenelick 2º ATO | 15


THIS MOTHER FUCKING LIFE foi o nome que Fela sugeriu para o livro.

Carlos Moore foi amigo de Fela. O conheceu em 1974 na Nigéria, quando participava do Festival Mundial das Artes Negras

A vulcânica mistura concebida por Fela, entre o até então novo e vigoroso instrumental e as composições políticas, renderam-lhe fama, popularidade e algum dinheiro. Mas trouxeram também seguidos anos de constantes confrontos com regimes corruptos e repressivos da Nigéria, além de espancamentos, torturas e prisões. A conjunção desses fatores, aliada ao estilo de vida excêntrico do artista, transformaram Fela em um mito. É justamente na transposição do mítico para o real que a biografia autorizada Fela: Esta Vida Puta, do etnólogo e crítico social cubano Carlos Moore, lançado em junho no Brasil, torna-se fundamental para aqueles que desejam não apenas conhecer o homem por trás do artista, como também o conturbado momento político que assolou a África entre os anos de 1960 e o fim dos anos 80 (período que marcou a independência de mais de 30 países do continente). Narrado em primeira pessoa, o livro é resultado de mais de 15 horas de entrevistas e conversas entre o autor e o músico, tanto na misteriosa República Kalakuta - comunidade alternativa criada por ele em Lagos, onde vivia com seus amigos, músicos e esposas - como em Paris, onde os dois se encontraram durante uma excursão de Fela, em 1981. A publicação mostra Fela, por ele mesmo revelando por trás do artista de retórica contundente um ativista político corajoso, pan-africanista militante, um grande pensador, espiritualista ferrenho, de modos excêntricos e atitudes muitas vezes ingênuas. 16 | omenelick 2º ATO | afrobrasilidades & afins

A narrativa informal, solta e reveladora, que a cada capítulo se mostra mais instigante, nos apresentando as fragilidades e pensamentos do ser humano Fela Kuti. Os capítulos Ofa Ojo I e II e as entrevistas com 15, das 27 mulheres com quem o músico se casou de uma só vez, são o ponto alto do livro, que peca pelas poucas e boas imagens do músico e da famosa República Kalakuta. Nada porém que afete o produto final ou as intenções da obra que, muito mais do que apresentar o homem Fela Kuti, claramente objetiva eternizar a mensagem política de uma África livre deixada pelo nigeriano. Fela: Esta Vida Puta é o mais contundente e rico material acerca da vida do homem Fela Kuti e por isso, imprescindível para a compreensão das questões do Mundo Negro e do pensamento do militante social e pan-africanista que revolucionou a música africana e influenciou milhares de pessoas ao seu redor.

Fela: Esta Vida Puta foi originalmente publicado na França, em 1982, com o título Fela, Fela: Cette Putain de Vie, e na Grã-Bretanha, nesse mesmo ano, como Fela, Fela: This Bitch of a Life. Foi a primeira biografia de um artista africano.

LEIA FELA: ESTA VIDA PUTA Autor: Carlos Moore Editora: Nandyala Belo Horizonte, 2011


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a/ é a carne negr ta do mercado ra ba s o” ai aç m br e “A carn esse país no ia segurando ór st hi z fa e z que fe lo Yuka, Carne, de Marce letra da música A a o, Soares zã a ra Elz de de Cheia mosa na voz on Capellette, fa ils ro da W co e e o rg sa Jo os u Se 2002), engr ix ao Pescoço/ e tem am er tiv os (álbum do Cocc dentes de african en sc de , os e qu importância cultural brasileira o da identidade çã tru ns co e . ão veria - na formaç lorizado como de fato não seja va ainda que esse rne retrógada, a ca r de uma minoria da la lpa mu ao ão eir to ld es Indig gnon do ca nsarmos, o filet mi pe s m ma be a, se rn é, de a mo negr a nacional produção ar tístic e a rn é e ca qu ou al “S ur . ult ar tic até queim engasga e pode da”, em alguns casos segurar minha on u, me o r ze fa de nta co Ell dura, e dou ntista e atriz en ositora, instrume mp co , ra er! nto ca dispara a Osso duro de ro rne de primeira. Ca . os an 28 de Oléria, isso, uma cor. Eu sou em apenas como ve me do en as viv sso tá pe “As ssa geração tras coisas. A no ou ar fic ém mb nte ta ge s a ma Não dá pr racial no país. i fo ue ng sa ito outra realidade eu, porque mu tec on ac da na neu ca fingindo que sse cantar o que que hoje eu pude a”. an gr a nh derramado pra mi de estou, ter a on s ço pa es os to, ocupar entre Taguatinga Chaparral, região no da ia de cr e a Nascid asília, Ellen, dona es satélites de Br ad cid er , ia qu al nd qu ilâ e Ce acima de e de um carisma te ten en po id z vo nte a me um m ser facil rísticas que pode m be a um z fa suspeita (caracte vivo), performances ao netificadas em suas ces da música an nu tes en fer di de ra O stu UT mi sucedida S SU E CO lo jazz, afoxés omes / FO TO rap, passando pe G ao a mb sa do ristiane o Por C gra, ind e soul. uturnê por São Pa abril, em rápida de s , mê o ico bl im pú últ No Pompéia. O operia do SESC epr de r lhe lo, ela lotou a ch ela mu ura e a voz daqu vidrado com a fig coro as músicas em u nto ca so largo, ra sença forte e sorri é o tipo de canto , definitivamente, ta. vis r se da ar tista. Ellen isa ec pr a, do que ser ouvid reque muito mais tece em suas ap on ac e qu o çã ra vib sa en de int a ja Sentir ra quem dese fundamental pa sentações é algo fato, conhecê-la.


“Ellen é o tipo de cantora que muito mais do que acontece em que ser ouvida suas apresentaç , precisa ser vi ões é algo fund sta. Sentir a in amental para tensa vibração quem deseja de fato, conhecêla.” A desenvoltura co m que canta, toc a e int erage em seus sh vem de berço. “Q ows uando criança, E ela a encontrou meu pai atacav ainda na universi fona e eu e meus a na sandade: a banda Pr irmãos brincávam utu . “Essa galera é et. os de fazer ganz meu chão. Princ arroz, batendo na á com ipalmente quando s tampas nas pa fa lo de or igens, de como nelas”, lembra. comecei. È por ca Apesar da forte usa da Pauinfluência paterna linha (Paula Zimb , a música não fo res, contra“E u te i nh o um a no çã a sua primeira op baixista da Pret. o de co nt in ui ção profissional utu) que toco ce na . Ac re di to da de da qu e fa la re i ai na vida. A insta minhas própria nd a po r m ui bilidade de viver ta s vo ze s e a s músicas. Ell en fa la rá po da ar te no Bras Es sa banda me de r m ai s te m po qu e eu . M ui ta il era algo que u mais exs ba se s qu e m a e su ste nt am assombrava. At periência e segu te nt o pa ss ar eu é concurso para pr a el a qu e, ra nça. Sou ap es ar da po id ad e, te m um policial pensou muito sortuda, po uc a a vi vê nc ia e um em fazer. rq ue as cana se ns ib ili da de qu e ul tra pa toras ficam a vid ss am a m ús ica a procurando ”, Go g. Mas o amor pela bandas e eu ten ar te falou mais ho duas”. A alto. A entrada outra banda no “V i e co m prov ei qu e é ca definitiva no so é o gruum gr an de ta mundo da músic po Soatá do Pará Ela fa z M PB co le nt o. a aconteceu, , qu m ra p. Ela ca e mistura nt a, to ca e rim porém, por outra carimbó, funk e É co m pl et a. E a. via. Durante o rock. O resuliss o é da ho ra ”, Ed i Ro ck . curso de Ar tes Cê tado desta misc elânea musical nicas na Universidade de Bras poderá ser ouvid ília, entre os anos o no segundo de 2003 e 2007 len foi convidad trabalho de Ell , Ela a substituir um en int itu (o primeiro, la do Peça, foi lançad ator em um grup universitário cham o em 2009), prev o teatral ainda este ano. ado A Compan ist o para sair Um prato cheio, hia dos Sonhos rodou o norte e , que com carne de pr o nordeste do Br Um banquete af imeira. robrasileiro as ma asil, em 2004. período, entre um Nesse rgens do Lago Pa a apresentação ranoá. e outra, para re os membros do laxar, grupo costumava m ir aos bares gião onde estava ACESSE da rem se apresentand o, e não rarame w havia uma band ww.ellenoleria nte .com a tocando. Era ne sses lugares que dava suas palhi Ell en nhas. “Rolaram DISCOGRAFIA coisas muito cabu nessas canjas. Co losas mecei a sentir qu Peça (2009) e al go cendo e de fato tava aconteentendi que eu go stava muito de fa aquilo porque eu zer LEIA MAIS DEC me conectava co LARACOES DA m a minha ar te uma forma muito om CANTORA EM de enelicksegund direta. Voltei pra oato.blogspot.c Brasília decidida om cantar. Comecei a então a procurar uma banda”. 18 | omenelick 2º ATO | afrobrasilidades & afins


r f a

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uando se pensa em uma possível moda que possamos chamar de afro ou de afro-brasileira, provavelmente, vem a cabeça de muitas pessoas as vestimentas confeccionadas em tecidos multicoloridos, com estampas geometrizantes ou repleta de símbolos abstratos e feitas a partir de cortes amplos, largos. Bem extravagante como, de acordo com o senso comum, é o povo africano e, portanto, o afro-brasileiro. Talvez sim, possa ser isso. Porém, dois dados são muito pertinentes para se pensar sobre essa moda afro. O primeiro é que, em geral, estes tecidos são produzidos em países como Holanda e Bélgica e, inicialmente, foram idealizados para atender ao mercado indiano sendo, posteriormente, oferecidos aos africanos e indo ao encontro do gosto estético de algumas populações africanas. O outro é que estas roupas que povoam o imaginário de vestimenta afro-brasileira são africanas, da África, e nós não somos africanos por mais que haja um coro reforçando esta ideia. Quando se pensa em Brasil não se deve perder de vista a questão da diáspora africana, ou seja, o espalhamento do povo africano pelo mundo, se amalgamando às outras populações, de africanos ou não, se “antropofagizando”, se urbanizando. Desta maneira, para se pensar em uma moda afro no Brasil, entre as suas várias possibilidades de interpretações, se devem considerar a população negra que vive nas cidades, nos grandes centros urbanos, na periferia ou não, que trabalha, estuda, sai para curtir a noite, se locomove de ônibus, carros, metrôs e trens e que observa na paisagem circundante pessoas em situação de rua, prédios, casas, fábricas, comércios, muros, favelas, abandonados ou não, e interferidos pela arte (ou

não arte) feita em spray e cartazes. Jaergenton de Souza Correa, ou somente Jaergenton, traz estas questões na sua mente e na maneira como se veste desde os seus 13 anos de idade, além de refletir sobre uma afrodescendência que se materialize em vestimenta. Hoje, ao observar a sua produção é nítido que tenha atingido este objetivo de chegar a uma vestimenta confortável, que dialoga com a matriz africana sem intencionar ou se remeter literalmente à África, que traz a referência da urbani(ci) dade por meio da paleta de cores (cinzas, preto e terrosos) e que pode ser usada sem maiores ressalvas em ambientes diversos, de uma festa ao local de trabalho, sendo esta uma das preocupações do estilista e artista plástico. Nascido em São Paulo, família original do bairro de classe média Jardim Bonfiglioli, localizado na Zona Oeste, nos arredores do Butantã, o estilista é filho de costureira e sempre se interessou pelos tecidos. Diz que uma de suas brincadeiras era amarrar e criar formas a partir dos retalhos das costuras de sua mãe, ainda que ela não gostasse tanto que seus cinco filhos (ele é o único homem) circulassem pelo espaço de costura porque, afinal, as crianças poderiam sujar as roupas dos fregueses. Curiosamente nenhuma de suas quatro irmãs se interessou por este ofício. Remontando o momento em que seu olhar despertou para a observação das roupas como algo que poderia ser original, surge o nome do rapper MC Hammer que estourou na transição dos anos de 1980 e de 1990 com hits como U Can’t Touch This’. Quem não se recorda das suas calças que mostravam a cintura demarcada, o cavalo (parte da afrobrasilidades & afins | omenelick 2º ATO | 19

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a e a A r E i R e R O l i C s n o a t r n e b g e r b e a r J ou

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Por Renata Felinto / Fotos MANDELACREW


calça localizada na virilha) baixo e as pernas se afunilando a maneira de uma calça emprestada do Aladin? A partir dessa fase, Jaergenton, como muitos de nós, passou a se questionar em relação à falta de informações e referências sobre o papel da população africana e de seus descendentes na história de nosso país, especialmente no que se refere aos conteúdos ensinados nas escolas. Notou muito jovem esta invisibilidade agressiva que fere o fortalecimento e direito de autoconhecimento dos afrodescendentes em nosso país. Assim, além de se interessar pela pesquisa destes assuntos, é neste momento que ele passa a pensar nas roupas que veste (calça jeans e camiseta branca, de modo geral), e como elas são padronizadas e não representam parte de sua identidade. A primeira peça diferenciada que incorpora ao seu guarda-roupa é uma túnica (bata preta) feita por sua mãe e abandonada por uma freguesa. Aproxima-se, então, da cena hip hop e “charm” da cidade freqüentando lugares antológicos cujos bailes eram promovidos por grupos como “Chic Show”. Nestes espaços, especialmente no Clube da Cidade, próximo à Estação Marechal Deodoro do metrô, importante espaço de festas “Black” ao se pensar na cena negra paulistana dos anos de 1990, se depara com negros e negras lindos, perfumados, reunidos em grupos e que também buscavam uma forma de valorizar uma estética afrodescendente, ainda que de maneira inconsciente e não militante. As maquiagens, as roupas, os cortes de cabelos, as músicas dançadas, mesmo com marcada referência afrodescendente norte-americana imprimiam a estes espaços e aos seus freqüentadores o sentimento de coletividade negra, fortalecida pela adesão estética a elementos comuns e com importante papel na forja de uma identidade negra, urbana e paulistana. São os “tempos bons que não voltam nunca mais” ao qual Thaide e DJ se referem na letra da música “Sr Tempo Bom”. Já produzindo as suas próprias roupas Jaergenton passa a freqüentar estes bailes e a enfrentar os olhares de curiosidade, zombaria e de admiração dos transeuntes durante o percurso para chegar às festas. A determinação desenvolvida durante a época em que praticava atletismo foram e são fundamentais em sua trajetória e nas reações de enfrentamento às situações como estas. O que era esquisito ou feio para alguns foi visto como original e belo para os colegas e amigos de baile e de dança que passaram a pedir que ele cosesse vestimentas semelhantes para ele. Passou a receber encomendas feitas por pessoas da comunidade negra, po20 | omenelick 2º ATO | afrobrasilidades & afins

rém, de segmentos muito distintos, não se restringindo assim, ao público que freqüentava os bailes Black. Aprimorou em um curso promovido pelo SENAC durante um ano. Em vez de cursar Moda na Faculdade Santa Marcelina, que tem seu curso reconhecido como o melhor do país e de onde saíram nomes como Alexandre Herchcovitch e Fábia Bercsek, preferiu cursar Artes e ampliar o seu leque de referências e de conhecimento. Porém, num lugar com um monte de pessoas antenadas para a questão da moda, não só as roupas produzidas por ele e que usava em seu cotidiano chamaram a atenção, mas também a descoberta de que ele era já um estilista. Convidado a realizar uma apresentação de suas criações em um espaço que, normalmente, era utilizado para apresentação de trabalhos de conclusão de curso, já no segundo ano da graduação em Artes realiza um desfile em formato de sarau que se contrapôs ao padrão dos desfiles ocidentes com passarela em linha reta ou “T”, e ainda, trouxe poesia, música, reflexão e provocação acerca dos padrões de beleza vigentes e propagados, incluindo apontamentos voltados à questão da acessibilidade nas vestimentas, desfilaram: uma moça de formas arredondadas e dois homens, sendo homem com uma das pernas amputadas. Com este trabalho de extrema autenticidade, além dos vários elogios recebidos, também conquistou um bom emprego na própria faculdade no qual ficou até a finalização da graduação. A apresentação lhe rendeu um convite para apresentar a sua produção no Parque da Luz e várias agências de modelo ofereceram seus agenciados para desfilar as suas criações, desde a HDA (especializada em modelos negros) até a poderosa Elite. A cidade e as suas características decorrentes de uma industrialização e crescimento exacerbados são um dos elementos que alimentam a criação de Jaergenton. Neste sentido, ele diz que pensar esta roupa que traduz parte deste espírito também é incorporar soluções de vestimentas de literais morados da cidade, da rua. O artista e arquiteto austríaco Hundertwasser (1928-2000), é uma de suas referências e concebeu o conceito das “Cinco Peles”, sendo a primeira a epiderme, a segunda o vestuário, a terceira a casa do homem, a quarta o meio social e a identidade e a quinta o meio global, a ecologia e a humanidade, propondo assim, um pensamento que não separa o homem de seu meio. Jaergenton pensa na vestimenta urbana também como segunda e terceira peles, especialmente no caso dos moradores de rua, na medida em que a roupa deles passa


a ser “casa” também, protegendo do calor e do frio, mas também do mundo. Ao incorporar este conceito, Jaergenton também lança mão de tecidos encorpados, por vezes, aparentemente pesados para compor suas criações. E por falar em tecidos, ele raramente utiliza um tecido do jeito que ele foi comprado. Antes ele costumava pintá-los antes de costurar as roupas. Hoje ele interfere neles a partir de manchas, desgastes feitos com máquinas (como as usadas por odontologistas), dentre outros recursos para dar às suas roupas a idéia de abandono, deterioração e fuligem que permeiam o cotidiano de quem vive na cidade de São Paulo. E por falar em abandono, um dos temas que o estilista e artista plástico vem pesquisando recentemente são os lugares abandonados da metrópole, realizando uma espécie de arqueologia dos imóveis fantasmas que existem em quantidade considerável por aí. Ele acredita que os conceitos que norteiam a sua produção já estão fechados, ou seja, se durante a adolescência pesquisava intensamente sem saber exatamente a que conclusão chegaria, agora sabe o que quer transmitir através de sua moda “afro-antropológica-urbana”. Pensa, inclusive, em dimensões educativas desta vestimenta com a qual o consumidor deve se identificar para usá-la e não fazê-lo simplesmente por que é desta ou daquela grife. Neste sentido, acredita que se um jovem da periferia se influenciar por suas criações e idealizar algo parecido com uma costureira de seu bairro, que isso não seria um plágio, mas sim uma conquista porque seria a propagação e reverberação de suas idéias, construídas ao longo de 20 anos. Hoje com 34 anos, recusando fazer parte do grande circo da moda brasileira que inclui eventos de dimensões gigantescas como a São Paulo Fashion Week, Jaergenton se prepara para divulgar suas produções via redes sociais e continuar as suas criações com uma agulha na afrodescendência, a tesoura na cidade e o tecido na originalidade.

Para Ler: Hundertwasser: o pintor das cinco peles, Pierre Restany Editora Taschen São Paulo, 2002

Yinka Shonibare (1962) O artista inglês criado na Nigéria, Yinka Shonibare explora questões de raça e de classe através de uma série de linguagens que inclui a moda. Ele usa tecidos feitos na Europa, porém conhecidos mundialmente como africanos por terem caído nas graças das populações locais, para coser indumentárias vitorianas. Explora assim as relações de identidade entre africanos e europeus na contemporaneidade via construção do gosto estético.

JAERGENTON CORREA HAGADIMA E DESPIG - Ateliê Arte e Educação Projetos Culturais & Vestimenta Afro Contemporânea hagadimae@gmail.com

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RENATA FELINTO VESTE VESTIDO DE ARRASTÃO DE ALGODÃO E DESPIG LEG

EDSON FELINTO VESTE COLETE WAFER COM BOLSOS SOBREPOSTOS E BATA DE ARRASTO DE ALGODÃO ARIANE XAVIER VESTE BLUSÃO DE MOLETON COM EMBORNAL DUPLO ACOPLADO 22 | omenelick 2º ATO | afrobrasilidades & afins


NABOR JR. VESTE MACACテグ DESPIG-BRIM ENTALHADO

CELISA CAMPOS VESTE VESTIDO DESPIG-BRIM ENTALHADO afrobrasilidades & afins | omenelick 2ツコ ATO | 23


A C I S

Desvendando

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Por NABOR JR Fotos FREDERICO MENDES / ARQUIVO

O poeta analfabeto que fascinou a burguesia carioca

“Modernizar o passado é uma evolução musical”, eternizou o cantor e compositor olindense Chico Sciense (1966 - 1997) na música Samba Makossa, presente no essencial Da Lama ao Caos (1994).

Í

cone do manguebeat (movimento musical surgido no início da década de 90 no Recife, e que mistura ritmos regionais como o maracatu, rock, hip hop, funk e música eletrônica), o pernambucano levou ao pé da letra o discurso presente na canção e, não apenas modernizou o tempo transposto como aprofundou-se, compreendeu e respeitou o rico passado musical brasileiro antes de transmiti-lo as novas gerações. Eclética e bem sucedia mistura de ritmos dos seus álbuns comprovam isso. Também foi modernizando o passado que no início dos anos 2000, durante uma apresentação do grupo carioca Forroçacana, liderado pelo multinstrumentista Duani Martins, que tomei contato com a obra de João Batista do Vale (1934 – 1996).

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pulsante e explosiva música Morena do Grotão (composta por João em parceria com Zé Cândido),


revestida por uma linguagem mais dançante e percussiva, saiu da garganta do versátil músico direto para os meus ouvidos como uma bala de canhão. Fiquei hipnotizado. Quem era aquele sensível compositor capaz de traduzir tal qual o sofisticado baião político-social de Luiz Gonzaga e o samba de breque da música nordestina de Jackson de Pandeiro, a refinada simplicidade da poética e transcendência rítmica do cancioneiro nordestino? Descobri um sujeito tímido, sertanejo do norte, escuro como a noite. Neto de escravos, semi-analfabeto (apesar de exímio compositor, não sabia escrever, assim guardava músicas e letras na cabeça) e de hábitos simples: vivia andando descalço e não eram raras a vezes que circulava sem camisa. Enquanto a maioria dos compositores da chamada música nordestina explorou o drama da seca, João do Vale cantou as desigualdades sociais, foi pioneiro em abordar, sem demagogia, o tema da reforma agrária: “É só me dar terra pra ver como é que é / Eu planto feijão, arroz e café... Eu sou bom lavrador / Mas plantar pra dividir / Não faço isso mais não” (Sina de Cabloco, com Jocastro Bezerra de Aquino). Nascido na cidade de Pedreiras (cantada em verso e prosa em músicas como Morena do Grotão e Pisa na Fulô), interior do Maranhão, em 1934, João, do Vale no nome, mas do povo em sua rica poesia, era o quinto filho de uma família de oito irmãos. Freqüentou a escola até o terceiro ano primário, quando teve de interromper os estudos – não para trabalhar, mas para ceder lugar ao filho de um coletor recém-nomeado para trabalhar em Pedreiras. “Na época em que cursava o primário, foi nomeado um coletor novo para Pedreiras. Ele levou um filho em idade escolar. Tinha uns trezentos alunos, mas escolheram logo eu para dar lugar ao filho do homem. Hoje eles botaram rua com meu nome, me homenageiam, só para desmanchar o que fizeram... Mas nem Deus querendo eu esqueço” relembrou o artista durante uma entrevista. A escola, ou falta dela, não foi capaz de impedir que João, formado na vida, transformasse em arte as dificuldades do sertanejo pobre (trabalhou de forma única as palavras, deixando fácil para o ouvinte o esclarecimento de suas idéias), realidade esta que tão bem conheceu: “Eu vendia pirulito, arroz doce, mungunzá / Enquanto eu ia vender doce, meus colegas iam estudar”. (Minha História). Autor de grandes sucessos da música popular brasileira como: Carcará, Pisa na Fulô, Coroné Antônio Bento, Estrela Miúda, Na Asa do Ven-


"Perguntei a natureza e ela não me respondeu não. Se não é seca é fazendo daquela gente, bravo, forte e robusto, ter que estender 1950, 10% da populaÇÃo do PiauÍ vivia fora da sua terra natal, 13% 15% da Bahia, 17% de Alagoas. O problema? Fome. Enquanto isso com 40 pedras de águas marinhas brasileiras era dado a rainha

to, No Pé do Lajeiro, o artista, apesar de desconhecido do grande público, é reverenciado por ícones da classe artística nacional. Entre eles estão nomes como Chico Buarque, Fagner, Bibi Ferreira, Nara Leão e Ferreira Gullar. “João do Vale é uma árvore frondosa, onde cada um vai e colhe um fruto”, disse certa vez Chico Buarque, que em 1981, ao lado dos amigos Fagner e Fernando Faro, produziu o álbum João do Vale convida (com as participações de Nara Leão, Tom Jobim, Gonzaguinha e Zé Ramalho). Em 1982, o mesmo Chico Buarque gravou um disco ao lado de João e, em 1994, voltou a reverenciar o amigo, reunindo artistas para gravar o disco João Batista do Vale. João do Vale começou a trabalhar ainda menino (ajudava em casa vendendo balas e doces feitos pela mãe). Aos 13 anos mudou-se com a família para São Luís, onde participou de um grupo de bumba-meu-boi já compondo versos. Aos 14 veio morar no Sul – sonhava com o Rio de Janeiro. Como seus pais não o deixariam partir, fugiu de trem para Teresina onde arranjou emprego como ajudante de caminhão. Viajava de Fortaleza a Teresina, um dia chegou a Salvador,

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enchente, a mão. Em do Ceará, um colar Elizabeth”

primeira cidade grande que conheceu, e em seguida foi para Minas Gerais. Chegou ao Rio de Janeiro, de carona, aos 17 anos e foi ser ajudante de pedreiro. Com músicas e letras na cabeça (uma vez que não sabia ler nem escrever) começou a freqüentar as rádios cariocas com a intenção de mostrá-las a artistas. Em 1950, conseguiu que Zé Gonzaga (irmão de Luiz) gravasse Cesário Pinto, que faria sucesso no nordeste. E em 1953, foi apresentado a uma das “rainhas do rádio”, Marlene, que gravou Estrela Miúda que, tocada nas rádios, fez sucesso no Rio. João contaria depois que, ao ouvir a música no rádio, comentou com os colegas de trabalho, na obra, que era uma música de sua autoria. Eles duvidaram e lhe disseram que o sol quente estava prejudicando seu juízo. Dois outros períodos foram muito marcantes em sua carreira. No início dos anos de 1960, conheceu Zé Kéti que o levou para se apresentar no ZiCartola, bar-restaurante de Cartola e Dona Zica que reunia artistas e músicos. Lá foi convidado a participar do show Opinião, ao lado de Zé Kéti e Nara Leão. Idealizado por Vianinha (Oduvaldo Viana Filho), Paulo Pontes e Armando Costa e dirigido por Augusto Boal, o show Opinião estreou em dezembro de 1964, foi assistido por mais de 25 mil pessoas só no Rio de Janeiro, e levado a outros estados, constitui-se num marco de resistência artística ao regime ditatorial vigente no país. Este show, que lançou também Maria Bethânia (que substituiu Nara), com sua marcante interpretação de Carcará, foi relançado anos depois em 1975, com Zé Kéti e Maria Medalha, sob direção de Bibi Ferreira.


Apesar de o show Opinião representar o seu grande momento como compositor, a melhor fase da vida do artista ocorreu no final dos anos 70, quando ele foi o mestre-de-cerimônia da casa de shows Forró Forrado, na Rua do Catete, no Rio de Janeiro. Chico Buarque, Luiz Gonzaga, Elza Soares, Jackson do Pandeiro, Miúcha, Moreira da Silva, Clementina de Jesus, Clara Nunes, Jamelão, Djavan e até a trovadora argentina Mercedes Sosa se apresentaram na casa a convite de João. Vivendo com uma pensão de cinco salários mínimos e de direitos autorais, em 22 de novembro de 1996, já com a saúde bastante debilitada, o músico sofreu seu segundo acidente vascular cerebral (o primeiro aconteceu em 1987, quando ficou internado por dois anos para tratar da semi-paralisia do lado direito do seu corpo). No dia 4 de dezembro teve o seu terceiro e fatal derrame, o que o levou ao coma. E no dia 06 de dezembro de 1996, sexta-

NOVAS VERSOES Maria Bethânia e Chico Buarque que nos perdoem, mas é do grupo de percussão corporal Barbatuques, a mais brilhante releitura do grande clássico de João do Vale, a música Carcará. Gravada em 2005, no álbum O Seguinte É Esse, a fulminante versão é a mais pura representação da vitalidade da música popular brasileira. Letra, melodia e a característica intensidade percussiva do povo tupinquim ali estão representados com pujança. Destaque também para a interpretação de Pé do Lajeiro, na voz da cantora e compositora carioca Teresa Cristina, que e em parceria com o Grupo Semente, gravou a música no disco Delicada (2007).

-feira, às 13h30min, com falência múltipla dos órgãos, morria João Batista Vale, o poeta do povo. As músicas de João, que narram a história da sua infância pobre no Maranhão, da vida de migrante no Sudeste, o prazer pelo forró e, sobretudo, o orgulho da cultura nordestina, continuam vivas e seguem influenciando artistas em todo o país.

FORRÓ FORRADO

A melhor fase da vida do artista ocorreu no final dos anos 70, quando ele era o mestre-de-cerimônia da casa de shows Forró Forrado, na Rua do Catete, no Rio de Janeiro. Chico Buarque, Luiz Gonzaga, Elza Soares, Jackson do Pandeiro, Miúcha, Moreira da Silva, Clementina de Jesus, Clara Nunes, Jamelão, Djavan e até a trovadora argentina Mercedes Sosa se apresentaram na casa a convite de João.

DISCOGRAFIA João Batista do Vale BMG Ariola/ 1995 João do Vale CBS/ 1981 Show Opinião – Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale Philips/ 1965 O Poeta do Povo Philips/ 1965

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A C I r f á

Brancos,

pretos, pardos

e coloridos

Te xto e fotos Eli za Capai

F

oram 45 minutos para cruzar de um mundo para outro. Subi num barco na terra do colonizador – na Península Ibérica – e desci do outro lado do Mediterrâneo – África! O desejo do começo da viagem era um pouco inocente: queria ver se me identificava com as tais raízes africanas. Sou uma brasileira amarelada: avô italiano, não sei quem português… mas foi sempre o bisavô da avó, um negão de quem nada se sabe, que me orgulhou mais na genética familiar. Com o sangue dele me joguei no samba, capoeira e nesta viagem de quase sete meses pela África.

conhecia. A semelhança com o Brasil tem origens claras. Os portugueses chegaram nas ilhas desabitadas e desérticas quarenta anos antes de pisarem em Porto Seguro. Ali eles criaram um entreposto onde reuniam escravos e ensinavam um pouco de português para vendê-los melhor na Colônia Brasil. O arquipélago se orgulhava de ser o filho africano preferido de Portugal e cresceu escutando do pai que eram “brancos de segunda” ou “pretos de primeira”: por lá, ser branco virou símbolo de status.

Depois do Marrocos, Cabo Verde. Chegar lá foi quase como pisar na Bahia: cores, sorrisos, sonoridades que já

Ao contrário de nós que crescemos falando só português, verdade? Pois, eu escutava uma entrevista que

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Assim, a miscigenação se deu como bem conhecemos, mas a língua teve caminho diferente. Em Cabo Verde, o português é estudado na escola, mas a língua materna é o crioulo.


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havia acabado de gravar quando um amigo cabo verdiano chegou perto e comentou: “ela está a falar em brasileiro!”. “Como?”, retruquei confusa... “Tas a ver, ela fala ‘a gente’...” e assim ele foi pontuando expressões derivadas do português mas que são... ‘brasileiro’ até concluir: “ela deve assistir a muita telenovela”. Assim a semelhança entre o lá e cá que se inicia nos tempos coloniais é hoje estendido pela presença forte da TV Globo e da Rede Record que ‘ensina’ nossos primos a falar a nossa língua e entender o nosso mundo. Com o sentimento de pertencer, de entender o outro, cruzei para o Mali. Sob os 41 graus esperava um ônibus numa “tipo rodoviária”: era uma rua de barro bem seco com um ônibus onde por umas três horas foram subindo caixas e trochas para a viagem. Embaixo se vendia de tudo: pilha, leque, pinça, desodorante... Num momento as crianças fizeram um roda ao meu redor: elas brincavam e me olhavam até que a mais miudinha começou a franzir a sobrancelha. Ela dava passinhos para trás, sem tirar o olho de mim, sem tirar o olho da branca... Ela foi andando até não poder mais com aquele ser tão esquisito... e então virou e saiu chorando. Esta cena se repetiu algumas vezes e em Pais Dogon, onde o tal ônibus me levou, eu era apenas uma humana desmelaninada. As pessoas me perguntavam: “de onde você é?” “Do Brasil”. “Ahhhh.... da Europa” respondiam. “Não, Brasil: futebol, Ronaldinho, Lula, samba”. “Europa!” Acostumada a viajar pela América Latina, entre os hermanos, ali eu vivia uma sensação absolutamente desconhecida: eu era a colonizadora, o meu inimigo histórico. Eu já não tinha 30 | omenelick 2º ATO | afrobrasilidades & afins


nenhum tatataravô negão, nenhuma ginga, nenhum samba. Eu era só a branca. Ponto. O desconforto de não ser entendida nem me ver nas mulheres com que falava chegou num abismo onde eu jamais havia estado. Um dia conversando em Pais Dogon Hawa, a segunda esposa da casa onde eu estava hospedada me perguntou: “mas lá onde vocês brancos moram tem luz, tem pia, tem fogão... vocês não tem trabalho nenhum, né?” Naquele momento eu paralisei e entendi que a incompreensão era de mão dupla e que eu não conseguiria explicar – não em francês – que eu não acordava as 6h da manhã para tirar água, depois pilava grãos, preparava comida para o marido como ela... mas que eu escrevia um milhão de e-mails por dia, as vezes perdia a noite editando, fazia reuniões, ficava presa no trânsito... Cheguei na capital Bamaco com um mal estar de quem pela primeira vez encontra um pré-conceito se formando dentro. Lá conheci a socióloga Awa Meite, desabafei e ela disse: “Eu acho que cada sociedade tem que fazer a sua própria análise: eu entendo que seja difícil entender a poligamia, a circuncisão, o fato de que as mulheres trabalhem muito mais do que os homens... mas quando eu vou a Europa e vejo a quantidade de mulheres que vivem sozinhas, que criam seus filhos sozinhas... eu também acho estranho”. Eu ali viajando sozinha, trabalhando sozinha por um segundo me vi com os olhos de Awa e também achei muito estranho o nosso mundo moderninho. afrobrasilidades & afins | omenelick 2º ATO | 31


Digerindo a troca de papéis – colonizada, colonizadora - pousei na África do Sul, na terra onde os ‘homens civilizados’ fizeram uma das maiores crueldades do mundo. Na postura de muitos negros ainda se vê a segregação: ombros encolhidos e tom de voz baixo. Eu, que nos últimos meses era vista como colonizadora, me envergonhava mais que nunca de meus antepassados europeus. Para entender melhor a história segui para o Museu do Apartheid. A curadoria dele – sensacional! - é feita como nos tempos do regime: bancos só para brancos, entradas separadas para os ‘puros’ e para os pretos e coloridos. Paguei então o meu tíquete, recebi uma olhada do negro que cobrava e que então me entregou o meu bilhete de entrada. Nele li “não branca”, peguei a porta direita da entrada do Museu – “black and coloured” - e voltei, então, a ser brasileira.

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COLABORE Eliza Capai viajou por quase sete meses pela Africa passando por Marrocos, Cabo Verde, Etiópia e Africa do Sul. Do caminho ela gravou 40 horas de material e várias entrevistas com mulheres das mais diferentes culturas, cores e realidades. O material será editado como um longa metragem que discutirá as possíveis mulheres contemporâneas, identidade e as relações que estabelecemos com os Outros/ Outras. Para bancar o roteiro e edição do documentário o projeto “Africanas” esta sendo financiado coletivamente: a partir de R$ 15 reais qualquer pessoa pode doar e receber prêmios exclusivos em troca. Para ajudar a contar esta história e dar voz a estas mulheres acesse www.movere.me e clique em Africanas.


ascida da união do bugre Antônio Maria de Jesus, um mascate que ajudou a construir Brasília, e da cozinheira Maria da Luz Kubishec, bela negra retinta de cabelo puma, Maria da Paixão de Jesus, dama da resistência da arte no sudeste, nasceu em 3 de março de 1953, na cidade de Bocaiúva, nas Minas Gerais. Num sistema escravocrata, a menina Paixão cresceu com muitas responsabilidades: cuidar dos irmãos mais novos, ser dama de companhia, bordadeira, cozinheira e ainda gritar leilão para igreja aos sábados. Na época em que já se tornava uma mocinha, recebeu a educação francesa do “servir sem fazer barulho”, o que a possibilitou ser professora de catecismo na fazenda onde residia e ter proximidade com a casa grande. Foi assim que teve acesso a jornais mensais que vinham de São Paulo, tornando-se fanática por leitura. Os anos vão passando, a menina que canta na capela é convidada a solar na banda da cidade, alegrando os bailes carnavalescos da época nos salões para a burguesia local. Como uma roupa que já não lhe serve, um sapato que aperta o calo, Bocaiúva estava pequena demais para satisfazer os sonhos e desejos da menina que já era quase mulher. Durante uma de suas aulas de catecismo, lê na manchete do jornal Diário da Noite, na coluna de Wilton Viana, na página do meio: “Precisa-se de cantores e bailarinos, homens e mulheres, para fazer tribo na peça Hair, em São Paulo”. Ela, decididamente, fez sua trouxa, comunicou a família, juntou alguns cruzeiros e, antes da partida, ouviu de seu pai: “Viva seu sonho, porque Brasília pra mim foi muito bom”. Diante da despedida feliniana ela rompeu o cordão e tomou o último ônibus em direção a cidade de São Paulo. Dez horas de viagem, alguns poucos cruzados e lá estava ela diante da banca de jornais do antigo Teatro Aquarius, no Bexiga . A artista Maria da Paixão de Jesus nasceu para o mundo neste exato momento. Ela cantou e na entrevista foi sincera, dizendo que veio de Minas Gerais,

era virgem e gostaria de permanecer, não tinha lugar para ficar na cidade e amava cantar. Aprovada no teste, através da articulação de Ademar Guerra (1933 – 1993) e Altair Lima (1936 – 2002), no mesmo dia ficou sabendo que ficaria hospedada na casa do russo Eugênio Kusnet (1898 – 1975), ator, diretor e professor de teatro radicado no Brasil, em troca cozinharia e faria companhia a sua família. Neste mesmo ano, entre exaustivos ensaios, leu toda a história do teatro ocidental através da biblioteca da família Kusnet e estreou Hair, em outubro de 1969. Consolidando-se entre todos os desafios da artista negra no país, ela esteve em todos os sucessos teatrais dessa década: Gospel, Morte Vida Severina e, posteriormente, na Ópera do Malandro, onde deu vida ao personagem Jussara Pé de Anjo. Em mais de trinta anos de carreira a palavra superação e mobilidade estão ligadas à sua trajetória. Paixão atuou em mais de dez novelas, foi uma das primeiras atrizes negras na posição de garota propaganda, crooner da Boate do Sargentelli, White face na montagem teatral A Moreninha, fundadora da Banda Barraco 37 (que existiu entre os anos de 1983 a 1990), Secretária de Cultura do Município de Osasco (nomeada por Ana de Holanda). Nos anos 80, foi porta voz da luta por visibilidade da população negra, idealizadora do Projeto Zumbi na Praça da Sé e, nos anos 90, por dificuldades financeiras, tornou-se modelo vivo. Em 2003 integra o elenco do seriado Turma do Gueto. Mas devido à instabilidade e ao pouco espaço que ainda existe para as atrizes negras na cena contemporânea tem a idéia de fazer lanches naturais e vender de porta em porta na cidade de Osasco, onde reside. A trajetória de Maria da Paixão de Jesus é inscrita e inscreve a saga de mais uma brasileira agoniada que fez e faz a diferença em nossos dias. afrobrasilidades & afins | omenelick 2º ATO | 33

R E T R A T O S

N

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Por Sidney Santiago

E S P E L H O S

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A Ç N A D

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África do Sul. Fim do século XIX. A descoberta de minas de ouro e de diamantes pelos colonizadores britânicos faz explodir a luta pelo controle da riqueza mineral do país. Homens são brutalmente arrancados das mais variadas comunidades para servirem de mão de obra barata (para não dizer escrava) nas minas de ouro sul-africanas.

cantam

Amontoados em ambientes insalubres, marcados pela umidade e escuridão, eram acorrentados aos seus postos de trabalho e proibidos de falar uns com os outros. Não raramente permaneciam com água pelos joelhos e por causa disso apanhavam todo o tipo de enfermidades. O resultado, obviamente, era uma baixa produtividade. Para minimizar os impactos negativos na extração do ouro, os colonos resolveram providenciar botas de borracha aos trabalhadores das minas. Foi então que diante da intrínseca relação do africano com o corpo e a música, os mineiros perceberam que gritos, cantos, palmas e o batuque em suas botas poderiam ser usados como ferramenta para se estabelecer um diálogo sem que houvesse a necessidade do idioma. E aqueles homens que lutavam por uma vida melhor para suas famílias se dedicando à situações difíceis de trabalho, sem saber, estavam criando uma rica, complexa e vigorosa dança tradicional: o Gumboot. Gumboot quer dizer botas de borracha, item tão importante nessa dança que está em seu próprio nome. Ao identificarem essa possibilidade, os mineiros sul-africanos começaram a aperfeiçoar os movimentos e sons em seus momentos de descanso, fora da mina, ou seja, nos alojamentos. Era para lá que levavam as botas e as correntes para que pudessem aprimorar sua comunicação. “O Gumboot nasceu de uma luta afrobrasilidades & afins | omenelick 2º ATO | 35


pela sobrevivência e depois, nos alojamentos, se transformou em uma dança propriamente dita, uma forma de diversão para aqueles trabalhadores”, conta Rubens Oliveira, diretor do grupo Gumboot Dance Brasil e precursor da dança em terras brazucas.

“O som que sai das botas não é apenas melodia bonita, é grito, é choro, é saudade, é sofrimento por não poder falar, é revolta e esperança também”. Janette Santiago Hoje, o trabalho nas minas na África do Sul já não existe mais. Consequentemente, o Gumboot como mero instrumento de comunicação também não. Porém, a dança segue viva e forte sendo até ensinada para crianças em algumas escolas do país. Do século XIX das minas até o século XXI da modernidade, muitas coisas se transformaram. Atualmente as mulheres podem dançar o Gumboot, o que em sua origem era proibido, já que apenas

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os homens eram designados para o trabalho nas minas. Mas se alguns princípios do Gumboot foram se transformando em dois séculos de existência, a essência da sua origem ainda pode ser vista no corpo dos dançarinos contemporâneos. A coluna curvada, as pernas dobradas e altas, rentes ao peito, a mão aberta batendo na bota para causar um volume alto. Todos esses movimentos não são impunes. Foram criados e adaptados diante da realidade daqueles trabalhadores.

BRASIL Em 2005, Rubens Oliveira então integrante da Companhia de Dança Ivaldo Bertazzo (onde começou sua carreira de dançarino) conheceu um grupo de bailarinos sul-africanos, os Kholwa Brothers, que estavam desenvolvendo um trabalho de formação com a Companhia dentro do processo de criação do espetáculo Milágrimas. Por três meses, o especialista em cultura sul-africana Derik Mlamboo, ministrou aulas básicas de Gumboot para a Companhia. Foi amor à primeira vista


e Rubens mergulhou fundo nessa paixão. “Eles voltaram outras vezes aqui no Brasil e em todas elas, lá estava eu no hotel quase que 24 horas aprendendo com eles e, claro, ensinando coisas daqui”. Desde então, Rubens não parou mais de pesquisar sobre a dança das botas de borracha, até que em 2009 criou o Gumboot Dance Brasil. “O Gumboot me remete à uma força visceral. Ele entrou no momento certo em minha vida. A sensação que eu tenho é de que eu faço isso desde sempre. Acho que em meus ancestrais deve ter tido algum Gumboozeiro”, reflete Rubens. O grupo conta com 12 bailarinos, Dias após as apresentações do homens e mulheres, nem Gumboot Dance Brasil, Rubens todos profissionais da dan- embarcou rumo a África do Sul ça (nele há uma psicóloga, pela primeira vez. “Isso é imum professor de educação portante pra mim. Vou beber física, jornalista, músico), na fonte e sentir. Meu sonho mas unânimes na admira- é poder entrar em uma mina ção do vigor, da força e da e sentir aquela energia e criar vibração que o Gumboot mais referências”.

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representa. “O mais gostoso é ver diferentes corpos desenvolvendo esse trabalho. Cada uma dessas pessoas traz uma referência corporal distinta”, acredita Rubens. “No início pensei que não daria conta. O Gumboot é uma dança que exige uma resistência física muito grande, além da concentração e coordenação”, conta a dançarina Janette Santiago, integrante do grupo e que, sim, deu conta de representar o vigor dessa dança

A as apresentações, é verdade, já passaram, mas as lentes dos fotógrafos Bruno Thomaz e Rodrigo Melleiro, para nossa sorte, captaram as sombras, os gestos, a luz e a energia do sinuoso balé percussivo do Gumboot. Um ensaio pesado. Uma verdadeira pisada com bota de borracha.

Os dois anos de pesquisa do Gumboot Dance Brasil resultaram na criação do espetáculo Yebo (que significa “sim, vamos” uma das palavras mais usadas pelos líderes das minas), que estreou no começo do mês de junho, na Sala Crisantempo, em São Paulo, com sessões disputadíssimas. Foram duas únicas apresentações e muita gente ficou de fora. Além dos bailarinos, o espetáculo contou com a participação da banda paulistana Afro Electro, que desenvolve uma pesquisa de musicalidade africana. Foi a primeira vez que um espetáculo somente de Gumboot foi apresentado no Brasil. E que espetáculo! Yebo quis (e conseguiu) recriar a atmosfera rítmica e poética do ambiente sombrio das minas sul-africanas do século XIX.

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CLICK gumbootdancebrasil.blogspot.com myspace.com/afroelectro

VEJA O ENSAIO FOTOGRáFICO DO GUMBOOT DANCE BRASIL omenelicksegundoato.blogspot.com


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