Relato centro orunmila ribeirão preto

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Centro Cultural Orùnmilá Rua Orùnmilá, - Pq. Industrial Tanquinho – Ribeirão Preto – SP Tel.: 55 16 39747478/ 3021 4853 http://www.orunmila.org.br

e-mail: orunmila@orunmila.org.br

Ribeirão Preto, também chamada a ‘califórnia brasileira’, ou a ‘capital do agronegócio’, é um município do interior do estado de São Paulo, no sudeste do pais, distante 310 km da capital do estado. Ocupa uma área de 650 km² e, em 2012, estimava-se sua população em 619 746 habitantes (IBGE). Até o século XIX a região era povoada pelos índios Caiapós, e passou a receber muita gente vinda das áreas de mineração que se esgotavam e também do Vale do Paraíba que sofria a crise do café no fim do século. Segundo o “Almanach da Província de São Paulo”, edição de 1888, a população escrava de Ribeirão Preto do ano anterior: eram 784 negros e 595 negras, num total de 1379 (1). O impulso à ocupação (principalmente com estimulo à imigração) e crescimento da produção comercial na região veio com o café. Com o fim da escravidão, o governo da província passou a estimular a imigração de europeus. Em 1902, calcula-se que mais de 60% dos seus habitantes (52.929 hab. em 1902) eram imigrantes, maior parte italianos. (2) Com a crise de 1929, e do café, a expansão comercial da região passa a se caracterizar pelo cultivo da cana de açúcar, particularmente a partir da década de 1960/70, com as agroindústrias canavieiras. Atualmente a área rural desta região se caracteriza pela monotonia das enormes propriedades monocultoras de cana de açúcar. O município tem população estimada em 619 746 habitantes em 2012, segundo IBGE (3) CENTRO CULTURAL ORÙNMILÁ DE RIBEIRÃO PRETO Fundado em março de 1994, em Ribeirão Preto, no bairro do Tanquinho, o Centro Cultural Orùnmilá é uma entidade civil sem fins lucrativos que tem como


função primordial a elevação da condição humana mediante a promoção da cidadania, da busca dos elementos da identidade sociocultural, da reconquista da dignidade e da autoestima particularmente da população negra e demais integrantes das classes populares excluídos das benesses da sociedade contemporânea e marginalizados por razões socioeconômico-culturais. Desde sua fundação, o Centro Orùnmilá, pauta-se por uma filosofia que prioriza a Educação, a Arte e a Cultura como elementos fundamentais para a superação de problemas sociais, particularmente a violência e criminalidade, que envolvem crianças, jovens e adolescentes. (conforme o blog http://www.Orùnmilá.org.br/blog/?page_id=2)

Centro Cultural Orùnmilá e o Egbé Ahô Aşè Yá Mesan Orun (Comunidade de Culto ao Axé Mãe dos Nove Mundos) Na década de 1980, em um terreno no bairro Tanquinho nasceu o Egbé Ahô Aşè Yá Mesan Orun (Comunidade de Culto ao Axé Mãe dos Nove Mundos) fundado por Pai Paulo (Paulo C. Pereira de Oliveira) e Mãe Neide (Neide Ribeiro). Na década de 1990, no mesmo local, fundam o Centro Cultural Orùnmilá e em seguida o Afoşé Omó Orùnmilá (Afoxé Filhos de Orùnmilá). O vinculo com a cultura africana, particularmente a cultura yorubá, se irradia e se mescla com as necessidades que se observam na sociedade brasileira, principalmente o combate ao racismo e a desigualdade, atuando no seu entorno junto à comunidade e também nas esferas da política pública. Centro Cultural Orùnmilá e o Egbé Ahô Aşè Yá Mesan Orun - Observe-se que, apesar de coexistirem no mesmo espaço, o Centro Cultural e o Egbé Ahô não se misturam tendo suas ações independentes. A escolha em participar do sagrado depende de cada um dos participantes das atividades culturais, ou ao contrário, para os filhos e simpatizantes do Egbé Ahô atuarem no Orùnmilá.


Centro Cultural Orùnmilá O Centro Cultural iniciou com atividades (cursos, oficinas) vinculadas à tradição africana como: capoeira (carro chefe pra agregar a comunidade), dança afro, percussão. Todas as atividades eram (e ainda são, em sua maioria) desenvolvidas por voluntários, inclusive as filhas biológicas de Pai Paulo e mãe Neide: Daniela, Renata, Paula, e também participam diversos professores, mestres de capoeira, rappers, estudantes, artistas e pesquisadores. Em 1996 foi criado o Afoşé Omó Orùnmilá (Afoxé Filhos de Orùnmilá), que em 2006 passa a ser a abertura dos desfiles de carnaval de Ribeirão Preto. O Afoşé Omó Orùnmilá (Afoxé Filhos de Orùnmilá) tem um caráter social e político e enfrenta, desde seu início, dificuldades financeiras e conflitos com brancos racistas e com carnavalescos que entendem o grupo como concorrentes. Em 2006 foi aprovada uma lei municipal, determinando que o Afoşé Omó Orùnmilá abra os desfiles anuais do Carnaval de Ribeirão Preto. Mesmo após 18 anos, ainda há tentativas de desvalorizar e descaracterizar o Afoxé, embora haja mais aceitação, se comparado com o inicio. Segundo Pai Paulo, no Brasil, o Afoşé foi a primeira manifestação de cultura negra, sendo 1891 a noticia do primeiro. No percurso de atividades do Centro Orùnmilá constam cursos oficinas e aulas sobre o universo cultural iorubano, confecção de tambores. Um curso prévestibular foi iniciado em 2002, onde os professores eram todos voluntários e os alunos, em sua grande parte, oriundos de bairros distantes. Por falta de verba para custear os gastos com o curso, o projeto que durou por muitos anos, foi encerrado. O Projeto Baobá (2007) que se destinava à preparação de professores para a aplicação da Lei 10639/03, de ensino da história da África e dos afrodescendentes, era realizado junto à gestão municipal, e foi desativado na atual gestão. Também sobre ações desenvolvidas, Mãe Neide lembra a produção de cartilhas sobre Anemia Falciforme, com o apoio do Hemocentro. Esse material tem como proposta ser uma ferramenta na luta pela disseminação de conhecimento e entendimento da anemia falciforme, tanto com a população quanto com profissionais da área de saúde. Hoje, mesmo sem parcerias e com


dificuldades, o Centro Orùnmilá ainda produz e distribui este material. Renata Ribeiro de Oliveira acrescenta sobre avanços significativos na luta de Orùnmilá em Ribeirão, a exemplo de incluir no teste do pezinho em recém nascidos exame pra identificar a anemia falciforme. Após quinze anos de funcionamento, o Centro passou a incluir Movimento Hip Hop em suas ações e atividades. Esse início se deu através da então Rádio Comunitária Periferia Norte (do grupo de Rap Consciência Ex-Atual), que funcionava em um bairro próximo ao Tanquinho. Com uma programação diária de duas horas, a Rádio era exclusivamente voltada ao Hip Hop. O Centro Cultural fez uma parceria com a Rádio, que passa a funcionar no espaço de Orùnmilá, agregando à programação, produções sobre a Mulher Negra, Capoeira, e outros temas voltados a Cultura Negra, dia todo e noite. A partir dessas ações foi criado o projeto “Rapolitizando a periferia”, onde já participaram os rappers e grupos: Dexter, Gog, Hip Hop Mulher, entre outros. Com transmissão ao vivo pela Rádio Orùnmilá, o projeto tem como proposta gerar debates sobre cultura, sexismo, machismo e divulgação de música e dança. Atualmente a Radio Orùnmilá funciona na internet e está em processo de legalização. A Rádio Orùnmilá é comunitária e tem como prioridade uma programação voltada a cultura negra periférica. É aberta a todos os gêneros e atende a toda população de Ribeirão (ou até onde chega o alcance).

Ponto de Cultura – O Centro Orùnmilá em 2010, com o projeto Cultura Viva do Ministério da Cultura, cria o Ponto de Cultura Ilé Edé Dudu, que possibilita ampliar as ações culturais. O Estúdio do Centro Cultural foi montado para suprir a demanda de grupos musicais da periferia, a partir do programa Pontos de Cultura. Jovens participam de oficinas, grupos de rap, samba e outros o utilizam. Não é um estúdio comercial, é comunitário. Biblioteca temática - Renata diz que a biblioteca no Centro surge da necessidade em propor à comunidade local, pesquisadores e ao público


interno, fontes de pesquisa sobre Tradição e Cultura Africana e Afro-brasileira. Grande parte do acervo se formou através de doações. A biblioteca não tem programação e controle de acervo. É aberta ao público, mas sem direcionamento. Já houve tentativas de realizar projetos com escolas públicas, mas há resistência da Secretaria da Educação. Há alguns alunos/as e professores/as que utilizam o espaço da biblioteca, mas sem um projeto mais amplo. Ponto de Leitura temático- Ancestralidade Africana, na concepção de pai Paulo, este Ponto de Leitura tem importância na reparação pela perda da memória ancestral e uma ferramenta para acesso às questões étnico-raciais. Espera que num futuro todas as bibliotecas públicas, tenham em seus acervos, livros com essa temática. Enfatiza ainda, que por hora, o mínimo exigido, seria que as bibliotecas intituladas temáticas tenham efetivamente livros temáticos. Atuação Política - O Centro e seus representantes também tem atuado intensamente na política, participando nos Conselhos Municipais de Cultura, de Meio Ambiente, na Câmara Municipal, na Coordenadoria de Assunto Étnicos e Raciais e a Assessoria para Promoção da Igualdade Racial da Secretaria Municipal de Educação, defendendo a formulação de políticas públicas que atenda a direitos da população. Pai Paulo afirma que não há proselitismo nas ações desenvolvidas no Centro Cultural. Quando usa alguns Orisàs como exemplo em suas falas é para tratar de questões sociais, exemplo de gênero, quando se fala de Oxum, e não objetivando contar a história dela. “Não há vinculação com a prática da tradição e as atividades culturais, políticas e sociais”, completa. Em uma entrevista à Revista Djamba, pai Paulo, explica melhor: “... O Orùnmilá saiu daquela postura tradicional do Candomblé, de manutenção do sagrado e da cosmovisão, e usa esse arsenal para ir para a arena de disputa de espaço, de defesa do negro e da própria cultura e da religião, de combate ao racismo. Essa é a diferença entre o Orùnmilá e as comunidades religiosas em geral. Mas, a rigor, todas fazem política de resistência, contribuem para a


preservação da filosofia e alimentam o movimento, à sua maneira.” (Dikamba, 28.03.11, p.37) “O racismo é cultural e o combate tem que se dar no campo da cultura”, afirma em entrevista pai Paulo, que iniciou sua trajetória política na militância do movimento social negro. No decorrer de sua luta, teve como conquistas a criação de cadeiras no conselho municipal de cultura, onde o Centro Orùnmilá está à frente em: Carnaval, Hip Hop, Cultura Afro, Movimento Social e Capoeira. Sobre povos tradicionais, pai Paulo afirma que “tratá-los como grupos religiosos ou pertencentes a uma única prática é um “reducionismo” e só atrapalha na busca por políticas públicas. Outra dificuldade, que vê como uma contradição, é buscar políticas públicas enquanto religiosos. Se se exige que o Brasil seja um estado laico, não há como alcançar qualquer benefício para um grupo que se denomina religioso, ainda mais tendo no congresso políticos cristãos (católicos, evangélicos). No seu entendimento os povos tradicionais de Matriz Africana, estão hoje protagonizando ações e luta por políticas públicas. Considera que em cinco anos, esse será o novo movimento negro social, no Brasil, pois a pauta do movimento negro “tradicional” está vencida. A grande demanda vem desse povo, que hoje está reivindicando seus direitos. História e Ancestralidade O Babalorixá Paulo teve o primeiro contato com cultos ligados à cultura africana quando adolescente. Na cidade de São Paulo, no bairro do Imirim, foi iniciado no Candomblé, na Casa de Júlio Pinto Duarte, Pai Júlio de Oxum (filho de Assis Rodrigues de Queiroz, neto de Senhor Adálio de Ogunjá, de Cachoeira-BA e bisneto de Dona Paulina, que era africana). Com autorização da mãe biológica, passou a viver na Casa durante anos, e por lá permaneceu até se casar com Neide Ribeiro (conhecida como Mãe Neide ou Oyá). De volta à Ribeirão Preto, na década de 1980, ambos compram um terreno no bairro Tanquinho e assentam o Egbé Ahô Aşè Yá Mesan Orun (Comunidade


de Culto ao Axé Mãe dos Nove Mundos) e em seguida fundam o Centro Cultural Orùnmilá e o Afoşé Omó Orùnmilá. Ialorixá Neide Ribeiro, conhecida como mãe Neide, é no candomblé filha de Yansã, Oyá. Quando criança morava na cidade de São José do Rio Preto (SP), com sua família, que era segundo ela católico-apostólico-romano. Num certo período de sua infância, passou por problemas de saúde que se manifestavam com desmaios, e não houve solução clínica, apesar das consultas. Em uma das procuras, a mãe de Neide foi orientada a buscar ajuda espiritual e a primeira experiência foi em uma Casa de Tradição, de origem Bantu (Angola). Mãe Neide foi submetida a um Bori (4), e após isso não teve mais crises de desmaios. Tempos depois, descobriu através de um jogo de búzios, com um senhor de Cachoeira de São Félix (BA), que seu Orişà queria a iniciação. Foi então iniciada, na década de 1960, em uma Casa de Tradição Fon (Jeje Mahin), na Baixada Fluminense, por Babalorixá Acir Gomes de Queiroz, também filho de santo de Adálio D’Ogunjá, de Cachoeira/Bahia.. Mãe Neide diz que sua família era composta por dez pessoas, sendo: Mãe e Padrasto (ambos católicos); sete irmãos, sendo 4 homens e três mulheres. A irmã e o irmão mais velhos foram iniciados na tradição do sagrado, ao mesmo tempo em que ela. A sua mãe, mesmo católica e sem conhecimento em tradição africana, buscou ajuda para a filha e faleceu poucos meses após a sua iniciação no Candomblé (1968). Mãe Neide diz que não conheceu seu pai biológico, pois este faleceu quando tinha apenas um ano de vida. Foi criada pelo padrasto (que faleceu um ano antes da Mãe de Neide falecer), que considera como um “verdadeiro pai”, pois sempre a amparou, e a toda a família. A família paterna de Mãe Neide é da cidade de Jaboticabal (SP) e por lá é conhecida como família “festeira”, pois todos são artistas e autodidatas e realizavam a festa de São Pedro. Na cidade foi construído um teatro para que a família pudesse realizar as apresentações culturais. Mãe Neide afirma que sua avó paterna é descendente direta de africanos. Lembra que na infância, ela e os irmãos passavam as férias na casa da avó


que durante a noite contava histórias, com todos sentados ao redor do fogo (aceso na lenha do fogão). Mãe Neide diz que a sua mãe não foi criada com os pais e desconhece a história de seus avós maternos. Há mistura de raças no lado materno, enquanto o lado paterno é puramente africano. No sagrado, Iya Neide diz que não queria ser mãe de santo, mas sim apenas filha de santo. Mas, não era possível conforme orientação de seu pai de santo. E Oyá (Yansã) quis casa, porem somente mais adiante, sentiu que era possível assentar o seu Aşè. A escolha do lugar para construir o Egbé, se deu devido à semelhança geográfica com o local onde se iniciou - um lugar com muita vegetação e amplo. O lugar escolhido tinha uma linha de trem, um rio, mato e após seis meses adquiriu o terreno onde plantou seu Aşè. Com 45 anos de iniciada, em sua Casa só inicia as pessoas quando o Orişà realmente necessita, pois é contra a iniciação sem necessidade. Escolheu também permanecer na periferia, onde está o público que tem maior necessidade e demanda nos projetos que desenvolvem. Mãe Neide explica que o espaço do Egbe é o mesmo onde se desenvolvem as atividades do centro cultural. Ainda são realizadas festas e outras ações internas no Egbé Ahô, mas estas não são públicas e hoje acontecem em menor quantidade, se comparando há tempos atrás. Ya Neide coordena diversas atividades da comunidade do Axé, do Centro Orùnmilá, e do Afoxé, onde é a voz que orienta o canto. Renata Ribeiro de Oliveira é uma das filhas de mãe Neide e pai Paulo, presidente do Centro Cultural Orùnmilá, e coordena as oficinas de dança e do Afoxé. É Advogada e bailarina e desde pequena se envolveu nas atividades do Centro cultural. Como advogada atua nas demandas e processos que envolvem discriminação e racismo. Considera-se uma pessoa muito feliz, pois essa vivência a favoreceu no enfrentamento ao racismo, na valorização e aceitação de sua negritude. O envolvimento dela sempre foi uma escolha sua. (Nota) Uma interessante reportagem com entrevistas com esses coordenadores do Centro Orùnmilá, se encontra em Revista Dikamba no. 1, abr/2011, pp. 34 a 42. ISSN 2179 9032, CELACC Centro de Estudos Latino Americanos de Cultura e Comunicação, ECA_USP. Disponível para download em: http://www.usp.br/celacc/?q=node/82; http://www.usp.br/celacc/docs/2803-11_dikamba.pdf


Nossa pesquisa com o Centro Cultural Orùnmilá

Nossa equipe de pesquisa esteve em Ribeirão Preto, no período de 25 a 28/maio/2013 e foram realizados: Entrevistas com um dos coordenadores do Centro Cultural Orùnmilá, Paulo César Pereira de Oliveira, mais conhecido como Pai Paulo, Babalorixá, cofundador do Egbé Ahô Aşè Yá Mesan Orun e do Centro Cultural Orùnmilá. Além da entrevista, conhecemos alguns integrantes e os espaços do Egbé Ahô e do Centro Cultural. Nesta mesma ocasião, Pai Paulo realizou uma Roda de Conversa para compartilhar sua experiência, de visita ao continente Africano, alguns lugares de Nigéria. O evento aberto contou com a presença de integrantes do Centro cultural e do Egbé Ahô e interessados na temática. Foi entrevistado o professor Sila Nogueira, integrante do Centro Cultural e também realizamos uma roda de conversa com Mãe Neide e integrantes do Centro Cultural Orùnmilá e Egbé Ahô Aşè Yá Mesan Orun. Conversamos sobre as experiências e atividades desenvolvidas por cada um nestes espaços, bem como relação com a Tradição e importância do Ponto de Leitura. Entrevista com Silas Nogueira, Professor de História da Comunicação, Teoria da Comunicação e Teorias da Cultura; Integrante do Centro Cultural Orùnmilá. Silas apresenta seus trabalhos desenvolvidos com e a partir do Centro Cultural Orùnmilá. O seu primeiro contato se deu no período em que se preparava para ingressar no doutorado. Afirma que nesta época, já existiam as ações e atividades e para ele o Centro Cultural foi “uma de suas grandes escolas, sua maior universidade”, como aluno e como educador. O seu trabalho de doutoramento foi sobre o Centro Cultural Orùnmilá, que considera um espaço que luta pela preservação da cultura negra e um centro político porque é cultural. Segundo Silas, para o povo negro fazer cultura sempre foi fazer política e o Centro Cultural abre espaço para se falar sobre cultura, tendo como base a cultura negra. Define Orùnmilá como uma universidade: há muitas teses, pesquisas, trabalhos acadêmicos, porém muitos trabalhos realizados e entrevistas nem sempre são


creditadas. “É um ponto de cultura por excelência, pois carrega o compromisso de discutir e disseminar ideias, informações, conceitos. É um espaço que influenciou o samba, o carnaval e o rap locais”, conclui. O Centro Orùnmilá não se foca em “educação formal”. Silas define Pai Paulo como um “grande intelectual”, que pensou estrategicamente a concepção do Centro cultural, dando visibilidade e acentuando a importância dos aspectos da cultura negra, em especial a de tradição iorubana, no embate político. Sobre a entrada do Centro Orùnmilá no Conselho Municipal de Cultura (Consultivo), aponta como dificuldade a concepção de cultura dentro de um pensamento ocidental da sociedade, cuja rediscussão foi colocada em pauta neste conselho. Nesta luta, incluíram no conselho, por volta do ano de 2002/2003 cadeiras para a Capoeira, o Carnaval, o Hip Hop, os Movimentos Sociais. Em relação ao Carnaval, Silas aponta que em Ribeirão Preto, as escolas de samba estão “comerciais”, mas ainda podem ser consideradas “redutos negros”, pois as grandes agremiações são dirigidas por negros/as. O Centro discute que o Carnaval brasileiro é uma grande manifestação negra e são as escolas de samba herança dos afoxés, e não ao contrário: “As primeiras manifestações de ir pra rua são dos Afoxés, são negras, por uma necessidade de garantir que não morresse a manifestação cultural negra e para que não fosse ainda mais difícil de continuar e lutar pela permanência/ existência”. Silas fala um pouco sobre as atividades e projetos desenvolvidos no Centro Cultural, dando ênfase ao Ponto de Leitura. Considera que, embora os envolvidos nas atividades utilizassem do conhecimento tradicional, através da oralidade, havia também uma necessidade de buscar outras fontes. Esta foi uma das necessidades estimulou aos integrantes do Centro Cultural para criar uma biblioteca temática. “O Povo Negro não tem dificuldade com a oralidade e não tem preconceito para com a escrita. O livro torna-se uma referência, uma forma de disseminar informação e registrar histórias”. Para além, Silas observa que uma Biblioteca Temática é uma ferramenta que também pode auxiliar na discussão das políticas afirmativas. Para ele as ações


afirmativas são instrumentais importantes, pois grande parte dos ingressos no regime de cotas é de militantes e a tendência é problematizar o que era tratado como natural. Mas não é o fim da luta do povo negro, conclui.

Roda de Conversa com integrantes do Centro Cultural Estiveram presentes: Mãe Neide Ribeiro, Ialorixá, cofundadora do Egbé Ahô Aşè Yá Mesan Orun e do Centro Cultural Orùnmilá; Renata Ribeiro de Oliveira, presidente do Centro Cultural Orùnmilá; Robson, responsável pelo estúdio do Centro Cultural Orùnmilá; Rafael, membro do Egbé Ahô Aşè Yá Mesan Orun; e Maicon responsável pela Rádio Orùnmilá. Resumidamente, as falas de Iya Neide Ribeiro e Renata estão nas narrativas acima. Robson tinha como referência negra os amigos, que eram de movimento social negro, mas sua identidade negra só foi construída no Centro Orùnmilá, a partir de 2006. O Movimento Hip Hop em Ribeirão não lhe deu essa base política que o Centro Cultural proporciona aos jovens negros/as de periferia. Rafael é bisneto de uma ialorixá na Bahia, neto e sobrinho-neto de pessoas pertencentes à tradição africana, enquanto sua família paterna é italiana e católica. Rafael afirma que uma biblioteca temática é importante para levar conhecimento sobre a história dos Orisás. Maicon conta que chegou ao Centro Cultural através da Rádio Orùnmilá e de ouvinte passou a ser colaborador e agora diretor de programação. Diz que se identificou com o Centro Cultural onde também participa de outras atividades, e tem a responsabilidade de escrever as faixas de protesto que são levadas à frente do Afoxé Orùnmilá, durante as apresentações. Além disso, é educador e responsável pela parte técnica e de informática do Centro. Para ele o Centro Cultural Orùnmilá deu valores, pois ali encontrou a sua ancestralidade, e é o responsável por ele voltar a estudar, ter outra visão de mundo, melhorar na leitura, se formar DJ, ingressar na graduação. Maicon fala sobre o “Rapolitizando”, um evento que reúne rappers famosos e anônimos, para discutir sobre questões políticas e sociais do rap, do


movimento negro, através de seminários com a participação de jovens da periferia. A luta do Movimento Hip Hop se estende através da participação do Centro Orùnmilá no Conselho Municipal de Cultura. Ele também comenta sobre o projeto de TV Web e diz ser um projeto futuro, que pretende ter no site as obras disponíveis no Ponto de Leitura. Notas (1) Revista Cafeicultura 26/05/2006, disponível em http://www.revistacafeicultura.com.br/index.php/envia_materia.php?mat=6374 (2) Jonas Rafael dos Santos Imigração e Ascensão Social em Ribeirão Preto entre o final do século XIX e meados do XX. Disponível em http://www.webcitation.org/68UTAiXgR (3) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE) (31 de agosto de 2012). Estimativas da população residente nos municípios brasileiros com data referência em 1º de julho de 2012 (PDF). Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2012 (4) Da fusão da palavra bó, que em ioruba significa oferenda, com ori, que quer dizer cabeça, surge o termo bori, que literalmente traduzido significa “Oferenda à Cabeça”. Do ponto de vista da interpretação do ritual, pode – se afirmar que o bori é uma iniciação à religião, na realidade, a grande iniciação, sem a qual nenhum noviço pode passar pelos rituais de raspagem, ou seja, pela iniciação ao sacerdócio. Sendo assim, quem deu bori é (Iésè órìsà ). Revista Orixas, http://ocandomble.wordpress.com/2008/05/26/bori/

Bibliografia AFOXÉ: Símbolo de cultura negra e resistência – Centro Cultural Orùnmilá, em site da CEERT, 30/01/2013:http://www.ceert.org.br/noticiario.php?id=3482 FARIA, Antonio Carlos Soares. A Resistência dos Cativos em Ribeirão Preto (1850 A 1888).s/d. Disponível em http://www.baraodemaua.br/comunicacao/publicacoes/pdf/anais2010/07asresistenciadoscativos.pdf Revista Dikamba no. 1, abr/2011, pp. 34 a 42. ISSN 2179 9032, CELACC Centro de Estudos Latino Americanos de Cultura e Comunicação, ECA_USP. Disponível para download em: http://www.usp.br/celacc/?q=node/82; http://www.usp.br/celacc/docs/28-03-11_dikamba.pdf


Revista Raça, Raça Brasil :: Movimento :: 03/11/08. Disponível em http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/126/artigo114239-1.asp


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