InformANDES SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDES-SN
Ditadura militar deixa marcas nas universidades brasileiras
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á meio século, iniciava-se um período sombrio e sangrento da história do Brasil. A ditadura empresarial-militar, que durou 25 anos e teve impacto nefasto na vida de milhares de brasileiros, também deixou suas marcas na Educação pública. Além da perseguição, tortura e assassinato de diversos representantes da comunidade acadêmica, nesse período teve início a implementação do projeto de expansão do ensino do superior via privatizações, que continua sendo intensificada a partir da década de 90 pelos sucessivos governos. 8 a 11
Informativo Nº 33 Brasília (DF) Abril de 2014
Estaduais e Municipais têm Dia Nacional de Mobilização em maio 3 Levantamento do Dieese demonstra defasagem no poder de compra dos professores das IFE 4 e 5 Etapas preparatórias regionais fortalecem construção do Encontro Nacional de Educação 14 e 15
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Editorial
Trecho de Romanceiro da Inconfidência Cecília Meireles Fala inicial Não posso mover meus passos, por esse atroz labirinto de esquecimento e cegueira em que amores e ódios vão: - pois sinto bater os sinos, percebo o roçar das rezas, vejo o arrepio da morte, à voz da condenação; - avisto a negra masmorra e a sombra do carcereiro que transita sobre angústias, com chaves no coração; - descubro as altas madeiras do excessivo cadafalso e, por muros e janelas, o pasmo da multidão.
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ecorridos 50 anos do golpe que instaurou no país uma Ditadura Militar Empresarial por 20 anos, é preciso cobrar a verdade sobre os fatos que envolveram as forças armadas do país, com destaque para a cúpula que manipulou o Estado brasileiro em nome da defesa da democracia e pelo afastamento da ameaça comunista. O Golpe de 64 foi preâmbulo para o estabelecimento de ditaduras - além da brasileira e mais ferozes ainda - no Chile, na Argentina e no Uruguai, que organizaram um quadro de perseguições, assassinatos e desaparecimento de milhares de cidadãos, a maioria jovens idealistas que buscavam um novo modelo de sociedade, de vida e de organização político-econômica. A Lei da Anistia aprovada em 1979 denotava um regime obsoleto, em franco declínio e atolado em contradições, sob a mira da pressão popular e dos movimentos sociais vigorados. Espertamente, porém, os militares e sua elite política, usando o princípio da “mão dupla” fizeram aprovar uma lei que beneficiava os torturadores e os praticantes de crimes de lesa humanidade, igualados ao sabor da lei àqueles que lutaram pela democracia e pela restauração das liberdades e que foram asfixiados pela força dos tanques, das baionetas e de uma cruel repressão. Essa atitude de encobrimento da verdade que permite a
torturadores confessos circularem sem qualquer restrição, como se fossem patronos da democracia, não pode mais ser tolerada. Pouco citado, há ainda um número incontável de personagens que favoreceram o regime militar, procuraram dar-lhe rastro e legitimá-lo, sem esquecer os políticos que serviram ao regime e hoje continuam muito próximos do poder. A busca da verdade é o parâmetro a seguir. Os arquivos da ditadura têm que ser revelados, esmiuçados, permitindo que se reescreva a história do Brasil. A redemocratização do país não se completará enquanto não tivermos a palavra final sobre esse momento de nossas vidas. E os que praticaram crimes não podem ficar acintosamente impunes. É inadmissível que esses fatos se repitam. A juventude tem que conhecer, tem que aprender e saber todas as artimanhas que se fazem para impedir a caminhada dos que defendem princípios comprometidos apenas com o poder autêntico que nasce do trabalho e de quem o faz. E assim contrapor-se com força e determinação ao que lhe é imposto pelo movimento civilizatório imperial: de eterna repetição e mimetismo de ideias, que anulam a criatividade cultural, e da submissão servil às conveniências de mercado. Temos o direito de saber e definir como reescrever essa história. A ela caberá fazer a justiça final.
EXPEDIENTE O Informandes é uma publicação do ANDES-SN // site: www.andes.org.br // e-mail: imprensa@andes.org.br Diretor responsável: Luiz Henrique Schuch Redação: Renata Maffezoli MTb 37322, Nayane Taniguchi MTb 8228 e Mathias Rodrigues // Edição: Renata Maffezoli Fotos: Renata Maffezoli // Diagramação: Ronaldo Alves 5103 DRT-DF
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Movimento Docente
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Universidades Estaduais e Municipais têm Dia Nacional de Luta no final de maio
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Dia Nacional de Lutas de 2014 do Setor das Instituições Estaduais e Municipais de Ensino Superior (Iees/Imes) do ANDES-SN será em 28 de maio. A data foi definida no 33º Congresso do Sindicato Nacional, realizado em fevereiro, em São Luís (MA). O dia será marcado por paralisações e atividades de mobilização em universidades de todo o país, em defesa do financiamento e autonomia nestas instituições. No início de abril, representantes do Setor de várias partes do Brasil se reuniram em Brasília e avaliaram que há um crescimento na mobilização das universidades para o Dia Nacional de Luta ao longo dos anos, e que a data se consolidou como um momento de luta por conta das ações realizadas pelas Seções Sindicais. O mês de maio é o escolhido para a intensificação das mobilizações, pois compreende o período em que os chefes dos poderes Executivos estaduais e municipais devem encaminhar aos Legislativos a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano subsequente. Neste ano, as Seções Sindicais deverão realizar panfletagem nos pórticos das universidades, debates, audiências públicas e visitas às Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. No estado do Rio de Janeiro, as atividades do Dia Nacional de Luta serão parte do processo de campanha salarial dos docentes estaduais. Segundo Juliana Fiúza, 1ª tesoureira da Associação dos Docentes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (AsduerjSSind), a categoria já realizou uma paralisação e deve realizar outra antes do dia 28. “Como a Uerj fecha durante a Copa do Mundo, estamos acelerando as lutas aqui. Estamos há 12 anos sem
reajustes, e com 80% de perda salarial”, afirmou Juliana. Já na Bahia, além da paralisação aprovada nas assembleias docentes das quatro universidades estaduais, serão realizadas outras atividades. Gean Santana, 2º vice-presidente do ANDES-SN, aponta que os docentes estão mobilizados. “As atividades ainda estão sendo discutidas no âmbito do Fórum das ADs, podendo ser desde a audiência pública, com ato na governadoria e na assembleia legislativa, até o bloqueio da principal avenida de Salvador, precedida de panfletagem nos campi”, diz. Em São Paulo, as Seções Sindicais estão se articulando junto aos técnico-administrativos para pensar a atuação no Dia Nacional de Luta, que coincide com o período de data-base das categorias. Paulo Centoducatte, presidente da
Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Campinas (Adunicamp-SSind), conta que a data deve ser marcada por uma manifestação ou uma audiência pública na Assembleia Legislativa, e na pauta estará a questão do financiamento das universidades estaduais paulistas.
Importância da luta no 28 de maio
O Dia Nacional de Luta tem a intenção de sensibilizar as comunidades acadêmicas das universidades estaduais e municipais sobre a importância de reivindicar orçamentos adequados, que possibilitem a manutenção de ensino, pesquisa e extensão de qualidade e socialmente referenciados. Nas mobilizações de 28 de maio, também se buscará ampliar o debate e a conscientização sobre os reflexos do produtivismo nas condições de trabalho dos docentes. “As concepções produtivistas e mercadológicas, que são estranhas ao fazer acadêmico, acabam trazendo para o trabalhado docente consequências nefastas como competição no ambiente de trabalho, adoecimento, assédios aos colegas, entre outros”, afirma Gean Em Defesa do Financiamento e da Autonomia Santana. O 2º vice-presidente do ANDES-SN também lembra a importância dos debates e mobilizações sobre a autonomia e a democracia interna das instituições de ensino. “Não adianta termos mais verbas se a definição de como utilizar esses recursos não forem realizados no âmbito Iees/Imes. Além disso, não adianta termos orçamento e autonomia se não tivermos democracia interna para discutirmos, coletivamente, como serão aplicados os recursos, através do orçamento participativo, por www.andes.org.br exemplo”, conclui.
Dia Nacional
de Mobilizacao das Iees/Imes 28 de Maio
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Movimento Docente
Salário dos docentes federais segue defasado Em março de 2015, data da última parcela de reajuste, poder de compra de grande parte dos docentes das IFE será menor que em 2010
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m novo estudo elaborado pela subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no ANDES-SN mostra a grande perda de poder aquisitivo que os docentes das Instituições Federais de Ensino vêm amargando ao longo dos anos. Apesar dos reajustes anunciados pelo governo, os salários seguem defasados, e, mesmo em de março de 2015, quando entrará em vigor a última parcela da alteração feita pela Lei 12772, o poder de compra de grande parte da categoria permanecerá abaixo do patamar de julho de 2010, data em que passou a vigorar a última tabela da Lei 11.784/2008. O levantamento comprova que a remuneração continua corroída pela inflação e
que o reajuste, tão alardeado pelo governo federal em 2012 e parcelado em três anos, não recompõe o poder aquisitivo da categoria, muito menos reflete em ganho real para os professores. O estudo apresenta cenários comparativos mês a mês e analisa o reajuste no período em contrapartida com a inflação acumulada. Para as projeções futuras, é utilizada a média mensal da inflação registrada nos últimos 30 meses. As projeções tomam por base os índices inflacionários ICV/Dieese e IPCA/Ibge e foram realizadas tanto para os docentes do Magistério Superior quanto para os do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (Ebtt). Nos dois casos, as variações são semelhantes.
“Pior que a diferença pontual entre o salário de julho de 2010 e o de março de 2015 é o enorme montante que foi sendo retirado ao longo dos anos do bolso dos professores e que não aparece nos números que o governo apresenta. No levantamento, podemos perceber picos de recuperação do poder de compra, que correspondem com os meses dos reajustes, que são corroídos já no mês seguinte”, comenta Luiz Henrique Schuch, 1º vice-presidente do ANDES-SN. O diretor do Sindicato Nacional lembra que a remuneração percebida pelos docentes em 2010 já era muito criticada por ser nitidamente insuficiente e radicalmente discriminada, se comparada a outras categorias do serviço público fe-
Salário Nominal e Variação do Salário Real - 01.07.2010 a 28.02.2015 (ICV-DIEESE)
Associado 1 – Doutor (DE)
Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais). Elaboração: Subseção ANDES SN – DIEESE. Obs.: Salário nominal contratado em 1/7/2010 = 100. Salário de julho, considerando-se inflação do próprio mês = salário real = 99,86. No mês de março de 2015 considera-se a posição do salário no primeiro dia do mês. O cálculo da evolução salarial dos professores considera a inflação acumulada no período em análise (01.07.2010 a 28.02.2015). Para se calcular a inflação de abril de 2014 em diante utilizou-se a média mensal da inflação registrada nos últimos 30 meses (outubro de 2011 a março de 2014).
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Movimento Docente
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Salário Nominal e Variação do Salário Real - 01.07.2010 a 28.02.2015 (ICV-DIEESE)
Adjunto 4 – Mestre (DE)
Fonte: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais). Elaboração: Subseção ANDES SN – DIEESE. Obs.: Salário nominal contratado em 1/7/2010 = 100. Salário de julho, considerando-se inflação do próprio mês = salário real = 99,86. No mês de março de 2015 considera-se a posição do salário no primeiro dia do mês. O cálculo da evolução salarial dos professores considera a inflação acumulada no período em análise (01.07.2010 a 28.02.2015). Para se calcular a inflação de abril de 2014 em diante utilizou-se a média mensal da inflação registrada nos últimos 30 meses (outubro de 2011 a março de 2014).
deral com menores exigências em termos de capacitação e dedicação exclusiva. “Mesmo tomando-se esta referencia rebaixada, o espaço marcado entre as linhas vermelha e azul nos gráficos demonstra o poder aquisitivo que tem sido retirado do bolso dos professores durante todo esse tempo”, explica Schuch.
Exemplos Bons exemplos da pesquisa realizada pelo Dieese são as situações dos docentes, em regime de Dedicação Exclusiva, adjunto IV Mestre, e associado I Doutor, que são representativas de grande parte da categoria. “Os gráficos indicam o comportamento do poder de compra dos salários dos professores entre julho de 2010 e março de 2015. Em março de 2015, quando entrará em vigor a última parcela da alteração feita pela Lei 12.772, o poder de compra dos salários, em várias situações, fica abaixo do observado em julho de 2010, indicando perda salarial. Se a inflação bater o teto da meta, 6,5%, a tendência é que essa perda fique um pouco maior, pois no caso do IPCA, a
média que calculamos (0,50%) ficou um pouco abaixo da média do teto (0,53%), e bem próximo da média do ICV (0,54%)”, detalha Sérgio Lisboa, técnico do Dieese responsável pelo levantamento. O especialista explica que a linha que sobe e desce nos gráficos indica o poder de compra dos salários com o passar do tempo, que cai em razão do processo inflacionário e se recupera quando há os reajustes.
Ação política Os dados levantados pelo Dieese são reveladores e permitem uma leitura crítica sobre a desestruturação que vem sendo imposta à carreira docente nos últimos anos, denunciada e combatida pelo ANDES-SN. “Além disso, joga luz sobre a cortina de fumaça criada pela propaganda oficial em torno de índices em algumas linhas de tabelas, compostas por valores nominais, para vigorar somente em tempos depois e possibilita compreender melhor quais as razões subjacentes para esses reajustes pontuais, pactuados à revelia de grande parcela da categoria, que não
atendem à reivindicação de valorização do salário real, ‘rifam’ segmentos da categoria, especialmente os aposentados, e fragilizam os direitos todos”, observa Schuch, ressaltando ser fundamental a ampliação da consciência dos professores sobre essas manobras. O diretor do Sindicato Nacional ressalta ainda que o levantamento elaborado pelo Dieese é um instrumento indispensável na luta em defesa dos direitos dos professores, pois permite uma apresentação objetiva da realidade denunciada pelo ANDES-SN, para a disputa da opinião pública e também para a argumentação nas mesas de negociação com o governo federal. “Outras prioridades governamentais colocam a educação pública sob a égide da escassez, impondo limites à carreira, desconstituindo os conceitos, as relações e os vínculos, discriminando segmentos da categoria, de forma a manter o discurso político dos governantes sem impacto financeiro. Isto é, sem que aumente o montante real de salário que vai para o bolso do conjunto dos professores”, argumenta Schuch.
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Mundo do Trabalho
Agenda intensa de mobilizações amplifica a luta dos SPF Servidores públicos federais se inserem nas atividades propostas pelo Espaço de Unidade e Ação e integração ganha reforço com a realização de encontros, atos e paralisações promovidos pelas entidades que compõem o Fórum
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intensa agenda de lutas realizada ao longo do primeiro trimestre, ampliada a partir de abril deste ano, tem resultado na consolidação da mobilização dos servidores públicos federais (SPF) em todo o país. Plenárias, assembleias, encontros, atos e paralisações reforçam a integração na busca pelo atendimento da pauta de reivindicações protocolada pelo Fórum das Entidades Nacionais dos SPF em janeiro de 2014, no Ministério do Planejamento (Mpog). “Percebemos um crescimento no quadro da mobilização das várias categorias que compõem o serviço público federal no mês de abril ao compararmos com os outros meses. Mais categorias se mobilizaram, com atividades aglutinadoras nas bases, e produziram materiais específicos das suas lutas”, avalia o 1º vice-presidente da Regional Nordeste II do ANDES-SN, Josevaldo Cunha. Para o diretor do Sindicato Nacional, houve um salto na qualidade das atividades propostas para fortalecer a mobilização, tanto na base do ANDES-SN quanto na de outras categorias que compõem o Fórum. De acordo com Cunha, as informações divulgadas durante as reuniões do Fórum dos SPF indicam ainda o aumento da mobilização no Judiciário, dos servidores federais ligados à Fenajufe; da Saúde e Previdência, organizados na Fenasps; e de setores da Condsef. “Os servidores do Ministério da Cultura entraram em greve. Há um calendário de mobilização em outros vários segmentos. Os servidores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Asfoc-SN, tem aumentado a
quantidade de atividades relacionadas à mobilização, com reuniões e assembleias por todo o Brasil”, exemplifica. Em plenária marcada para o início de maio, a greve volta a ser pauta de discussão na Condsef. Segundo o diretor do ANDES-SN, a Assibge também realizou atos e protestos cobrando respostas do governo federal para a pauta geral dos SPF e específica dessa categoria. “Estas iniciativas se articulam e a disposição aumenta para cobrar do governo o atendimento às reivindicações dos SPF, além de dar um bom caldo para que em maio hajam definições após a marcha que será realizada no dia 7 e plenária dos SPF, com um quadro mais atualizado das mobilizações, para uma possível definição sobre a greve dos SPF em 2014”, acrescenta Cunha. A postura do governo tem sido a indiferença em relação às reivindicações, apesar das denúncias crescentes acerca da falta de valorização dos servidores, do alto índice de precarização em vários setores e da falta de investimento para garantir o acesso à educação, saúde, transporte e outros serviços de qualidade. “O governo até agora não se manifestou em relação
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Mundo do Trabalho
à Campanha dos SPF de 2014, e nem deu respostas convincentes em relação à pauta protocolada em janeiro deste ano”, acrescenta Cunha. As dezenas de entidades que compõem o Fórum também têm se organizado para integrar em seus calendários as atividades propostas pelo Espaço de Unidade e Ação, deliberadas durante encontro nacional realizado em março, que reuniu 2,5 mil representantes de movimentos sindicais, sociais, populares e estudantis, e definiu ações de mobilizações importantes, como o ato no Dia Nacional Contra as Remoções da Copa, marcado para o dia 15 de maio (confira box). Na ocasião, também foi aprovado o manifesto “Vamos voltar às ruas - Na Copa vai ter luta”. “Acreditamos que o ato do dia 15 de maio irá contribuir ainda mais para a elevação da mobilização e para pressionar o governo a dar uma resposta. O conjunto de atividades definidos no encontro do Espaço de Unidade e Ação é uma boa ferramenta para dialogar na questão dos recursos públicos que estão sendo gastos com a Copa do Mundo em detrimento da saúde, educação, segurança, emprego, e também em termos de discussão e mobilização com o conjunto dos SPF considerando a campanha de 2014”, explica Cunha.
Educação A greve já marca a agenda de lutas no setor da educação, e o tema está na pauta de todas as Seções Sindicais e das reuniões do setor das Ifes do ANDES-SN. A Fasubra e o Sinasefe deflagaram as paralisações por tempo indeterminado em 17 de março e 21 de abril, respectivamente. “Nestas
duas categorias, intensas greves cobram espaço para dialogar com o governo e uma agenda de negociação, tendo como referência as pautas específicas protocoladas pelas entidades. No ANDES-SN há um forte processo de mobilização, com a realização de paralisações, rodadas de assembleias na base e reunião do setor para a última semana de maio, na qual há a expectativa de definição sobre a greve em 2014 nas instituições federais de ensino”, afirma Cunha. Durante audiência pública realizada na Câmara dos Deputados no dia 24 de abril, a postura do governo em relação a não abertura de negociação com os técnicoadministrativos em greve foi duramente criticada por parlamentares, que ainda manifestaram apoio ao movimento. Na ocasião, Paulo Henrique Rodrigues dos Santos, coordenador-geral da Fasubra, reforçou que a categoria em greve tem buscado, insistentemente, a abertura do processo negocial. “A postura do Mpog é inaceitável, e é inadmissível que o MEC não tenha recebido ainda o Comando Nacional de Greve e a Fasubra para discutir nossas reivindicações. A ausência de uma agenda representa a falta de respeito. A greve continua e irá crescer caso não haja mudança de postura por parte do governo”. O dirigente ressaltou ainda a importância do reconhecimento dos técnicos administrativos na construção e no fortalecimento das Instituições Federais de Ensino, afirmou que a paralisação se insere na luta pela defesa da universidade pública, fez duras críticas à postura do governo federal em relação às reivindicações dos servidores, e denunciou a pressão e a ameaça por parte dos gestores das instituições por conta da greve. Em greve desde o dia 21 de abril, a paralisação do Sinasefe já tem participação de diversas seções sindicais, em quase todos os estados do país. “Até agora o governo não sinalizou a abertura do diálogo. Acreditamos que o processo no Sinasefe é irreversível e tende a crescer. A expectativa é que a adesão ultrapasse a marca dos 70%”, afirma Alexandre Fleming, coordenador-geral do Sinasefe, que acrescenta: “pela primeira vez as escolas militares votaram de forma unânime pela greve por tempo indeterminado. Agora serão realizadas assembleias de base nessas escolas para encaminhar o processo, mas simbolicamente foi um ato extremamente positivo”. Para a segunda quinzena de maio, está prevista a realização de uma assembleia para precisar as informações acerca do movimento nacional.
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Espaço de Unidade e Ação define Calendário de Mobilizações A organização das manifestações foi iniciada em abril, com a realização de plenárias nos estados. ↘ Abril: ▶ Ato nacional contra a criminalização das lutas,
dirigentes e ativistas, da população pobre e de periferia, vinculado ao aniversário dos 50 anos do golpe militar de 1964.
↘ 28 de abril: ▶ Dia de luta e denúncia dos acidentes de trabalho. ↘ Abril e maio: ▶ Jornada de lutas convocada por vários segmentos do movimento popular para defender o direito à cidade (moradia, transporte e mobilidade, saneamento, etc.).
↘ 1º de maio: ▶ Dia Internacional do Trabalhador/a _
organização e participação em atos classistas.
↘ 1º a 3 de maio: ▶ I Encontro de Atingidos por Megaeventos e
Megaempreendimentos (Belo Horizonte - MG).
↘ 15 de maio: ▶ Dia Internacional contra as Remoções da Copa. ↘ 12 de junho: ▶ Abertura da Jornada de Mobilizações “NA COPA
VAI TER LUTA”, com grandes mobilizações populares em todas as grandes cidades do país.
Período dos jogos da Copa: ▶ Realização de manifestações nos estados
conforme definição dos encontros e plenárias estaduais.
↘ 15 e 16 de julho: ▶ Mobilizações contra a Cúpula dos BRICS
(Fortaleza - CE).
A agenda de luta do setor da Ifes do ANDES-SN tem previsto dois ciclos de assembleias na base: de 12 a 16 de maio, com a inclusão de pautas locais junto às reitorias, e dias 22 e 23 de maio. “Faremos uma paralisação no dia 21 de maio, data da próxima reunião entre o MEC e o Sindicato Nacional, e entre os dias 24 e 26 será realizada a reunião do setor das Ifes, que terá entre as pautas a greve para este ano”, conclui o diretor do ANDES-SN.
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Matéria Central
Repressão e privatização: as uni Com colaboração da Adufpa SSind, Aduff SSind e Sedufsm SSind
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á 50 anos iniciava-se um período sombrio e sangrento da história do Brasil. Militares e civis, articulados com o poder econômico internacional, organizam um golpe, tirando o presidente João Goulart do poder e iniciando uma ditadura que duraria 25 anos. Durante a ditadura empresarial-militar, milhares de pessoas foram privadas de direitos, perseguidas, presas, torturadas e assassinadas. Mas, não bastassem as violações de direitos humanos, também começaram a ser impostas as bases de um projeto de sociedade, tanto econômico quanto social, que não poderia deixar de lado a educação. Nessa reportagem especial do InformANDES, será analisado o papel da ditadura empresarial-militar dentro das universidades. Desde a repressão à organização política de professores, servidores e estudantes, até a imposição de um projeto de educação que fosse aceito pelos grandes financiadores do regime.
O golpe na educação
Divulgação
Duas semanas depois do golpe empresarial-militar, em 15 de maio de 1964, os ditadores escolheram quem comandaria a educação brasileira: Flávio Suplicy de Lacerda, que tinha sido reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Lacerda, que seria ministro por dois anos, começava a abrir caminho para a construção de um projeto de universidade cujos fundamentos, infelizmente, até hoje disputam espaço se apresentando como solução para a educação brasileira, ainda que de maneira maquiada. Para os ditadores e para o ministro Lacerda, era hora de transformar as
universidades brasileiras em grandes escolões tecnocráticos, e não mais espaços de debates, de busca pelo conhecimento, e de mobilizações sociais - algo que não agrada a um regime totalitário. O caminho apresentado pelos ditadores seria traçado por meio de acordos do Ministério da Educação (MEC) com a Agência dos Estados Unidos pelo Desenvolvimento Internacional (USAID, em inglês), conhecidos como Acordos MEC-USAID. Atacando todos os níveis da educação, o projeto diminuía carga horária de matérias de ciências humanas, tornava obrigatório o ensino de inglês e buscava iniciar a privatização do ensino superior. A educação brasileira, segundo os acordos, deveria ser focada na técnica e servir às transformações do mercado de trabalho. Para as universidades, propunha uma reforma, com a ajuda de consultores estadunidense, que priorizasse as ciências naturais e exatas e que fosse referenciada nas demandas dos empresários nacionais e estrangeiros, buscando, segundo o presidente Castelo Branco, “servir ao desenvolvimento nacional”. “Quando houve o golpe, os militares tinham a preocupação em fazer uma conformação da universidade ao processo político deles. Os acordos MEC-USAID são para fazer a reforma, estabelecer campi de
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na de alguma forma acrítica. A reação aos acordos foi fortíssima. Professores e estudantes afirmavam que a reforma era, na verdade, uma intervenção imperialista para modelar a educação às demandas do capitalismo, dentro da ordem mundial, subjugada às grandes potências econômicas. A União Nacional dos Estudantes (UNE), que fora colocada na ilegalidade por Lacerda, foi o bastião da resistência aos acordos, e o projeto da ditadura que buscava calar as mobilizações nas universidades aca-
bou por fazer com que mais pessoas se levantassem contra o regime. O próprio Lacerda, que já não era mais ministro da educação, teve um busto seu arrancado do pátio da UFPR e arrastado pelas ruas de Curitiba em 1968, em um ato que marcou a resistência contra os golpes da ditadura na educação. Os estudantes da UFPR ainda conseguiram impedir a realização do vestibular da universidade nesse ano, em protesto contra a possível privatização das instituições de ensino superior. Divulgação
universidades a certa distância das cidades e da política. Eles propõem uma integração num processo de associação a um novo patamar que o capital estava adquirindo naquele momento”, afirma Márcio de Oliveira, um dos membros da Comissão da Verdade do ANDES-SN e secretário-geral da entidade. Rafael Vieira, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e também integrante da Comissão da Verdade do ANDES-SN, aponta alguns impactos da ditadura que modificaram a dinâmica da universidade e estão no tempo presente. Um deles é o caráter privatista da universidade e a ênfase em um ensino tecnicista. “Geralmente o saber que é produzido passa a ser modelado de acordo com o jogo das forças produtivas e aos processos de acumulação do capital”, explica. Outro aspecto apontado por Vieira seria a universidade estar submissa a procedimentos antidemocráticos, e por conta disso também se tor-
Lacerda, 50 anos depois Em primeiro de abril de 2014, estudantes da Universidade Federal do Paraná (UFPR) repetiram o protesto de 1968, arrancando novamente o busto do ex-reitor e ex-ministro da educação Flávio Suplicy de Lacerda do pátio da reitoria da universidade. O ato teve como intenção mostrar que muitas amarras da ditadura ainda prendem as universidades brasileiras, e teve grande repercussão dentro da UFPR. Montagem/Divulgação
Cedida pelo Sinasefe
iversidades durante a Ditadura
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A repressão nos corredores das universidades
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Quando a efetividade das proibições a respeito do que pode ser lido, pensado e ensinado não é o suficiente, a opção de um regime autoritário é a de aumentar sem limites a repressão. As universidades não fugiram a essa regra durante a ditadura empresarial-militar brasileira, e foram
palco de tristes episódios no período. Perseguições políticas, prisões arbitrárias, demissões, proibição de reuniões e de leituras de livros foram comuns em espaços que deveriam ser de troca de conhecimentos e de formulações coletivas. Márcio de Oliveira aponta três importantes braços da repressão nas universidades. Para ele, as assessorias dos
A resistência de professores, estudantes e movimentos sociais durante a ditadura empresarial-militar conseguiu impedir a privatização das universidades públicas. Porém, projetos de privatização da educação pública seguem aparecendo, sejam explícitos – que apontam para o pagamento de mensalidades – sejam implícitos, como a privatização maquiada por meio de financiamento privado das instituições. Márcio de Oliveira aponta que os cursos pagos e os inúmeros programas de recursos repassados bilateralmente para as instituições por empresas privadas são heranças do projeto educacional imposto pela ditadura nas universidades. O secretário-geral do ANDES-SN ainda lembra que a ideia de uma educação tecnicista de base, na qual apenas uma elite possa ter acesso ao ensino superior de excelência, continua vigente e em debate nas universidades brasileiras.
Divulgação
Privatização
órgãos de repressão que atuavam nas instituições de ensino, junto com atos institucionais e decretos dos ditadores e com a nomeação de reitores a bel-prazer dos governantes eram fundamentais para a repressão de estudantes, professores e servidores universitários. “Eram proibidas reuniões. Tudo tinha que ser comunicado. Eram proibidos determinados livros. Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde eu dava aulas, uma professora foi cassada. Ela era antropóloga e começou a discutir em aulas tabus, incestos, e tinha amizades no movimento de esquerda, e isso bastou para ela ser cassada. Era uma repressão de ideias também”, contou Oliveira. A censura às gráficas, editoras e jornais também atingiram as universidades, e geraram táticas de mobilização para contornar a repressão. Um dos fundadores da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Pará (AdufpaSSind), Roberto Ximenez, também lembra sobre o tema da proibição intelectual nas universidades. Ele explicou que para burlar este cerceamento foram criadas gráficas clandestinas que reproduziam obras de Karl Marx, Antônio Gramsci, Rosa de Luxemburgo, entre outros teóricos considerados subversivos à época. Já no Rio Grande do Sul, o hoje professor aposentado da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Julio Cezar Colvero, também sofreu com a repressão do regime no ambiente acadêmico. O gaúcho, militar afastado a força do exército pelos ditadores, foi estudar na UFSM depois de ficar preso no navio Raul Soares, em Santos (SP), em condições degradantes que geraram fragilizações físicas e mentais das quais guarda sequelas até hoje. A passagem pelo curso de administração não foi das mais fáceis. Um colega de aula, ao saber que Julio Colvero, na condição de sargento, havia sido preso pela acusação de "subversivo", fez uma denúncia ao órgão de investigação ligado
Matéria Central truir a pessoa, iam pelas beiradas. Sua família ficava nervosa pela pressão do regime. Não tinham uma argumentação sólida e ainda assim fomos considerados culpados pelo primeiro juiz que julgou, só sendo absolvidos depois”, contou Márcio de Oliveira.
A ditadura acabou, mas algumas amarras da repressão e do projeto de educação formulado naquele contexto ainda não foram rompidas. A criminalização de movimentações políticas dentro da universidade, ainda que de uma maneira bem menos autoritária, por meio de processos administrativos, continua. Vários fundamentos do projeto educacional marcado pelos acordos MEC-USAID ainda são preconizados pelos governos, de forma fatiada, maquiado, e com outra retórica. As políticas para o ensino superior que vem no bojo da contrarreforma do estado defendida pelos governos desde os anos 90, por exemplo, carregam consigo muitos traços do projeto que os movimentos sociais, que lutam em defesa da educação pública, repudiam desde os acordos MEC-USAID, tais como a privatização do espaço público com preponderância de fundações ou empresas que operam em regime de mercado, a redução educativa ao papel de insumo da economia, a transferência de recursos públicos as empresas que vendem serviços de ensino, a precarização e terceirização do trabalho docente e técnico e a ideia de massificação por meio do aumento da relação professor-aluno (RAP), que rompe com o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
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As amarras que ainda não foram rompidas
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ao regime militar que havia dentro da universidade (ASI- Assessoria de Segurança e Informação). Naquele momento ele relata que teve apoios fundamentais para que o caso não seguisse adiante e assim pudesse se manter estudando. Em 1972 conseguiu concluir a faculdade e anos depois passou em um concurso para se tornar professor da instituição. Márcio de Oliveira também sofreu com a repressão e a perseguição política. Ironicamente, o professor que colocava o marxismo no programa de suas disciplinas na década de 70, assistidas de perto por agentes do regime, apenas foi considerado subversivo depois da Lei da Anistia. “Eu dei aula e nunca deixei de falar certas coisas, pra não acharem que estava aprontando de forma secreta. Eu dava aula de marxismo, mas procurava sempre tratar como mais um tema. Eu não chamava os militares de golpistas eu não era doido - mas falava que era um governo autoritário, com leis de exceção, não reconhecido por órgãos internacionais”, afirma Oliveira. Em 1981, durante uma visita do presidente João Baptista Figueiredo a Ouro Preto (MG), um militante foi preso pela acusação de carregar explosivos para tentar matar o ditador. Como ele seria julgado em Juiz de Fora, a Associação dos Docentes de Ensino Superior de Juiz de Fora (APES) se reuniu para declarar solidariedade ao preso político. “Mas, ao invés escrevermos uma carta tranquila, usando as prerrogativas da Lei da Anistia, fizemos uma nota chamando a prisão de palhaçada. A APES foi acusada de subversão, e eu, presidente da entidade, de chefe da subversão. Foram dois anos de acusação. Quando não conseguiam des-
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Distribuição de matrículas em instituições públicas e privadas 80% Privadas
70%
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60% 50% 40% 30% 20% 1960
Públicas 1970
1980
1990
2000
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*Quadro extraído do artigo “Como foi e é construída a privatização do ensino superior no Brasil” – de Otaviano Helene para o portal Correio da Cidadania
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Entrevista
Para que não se esqueça, para que não mais aconteça!
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professora Ana Maria Ramos Estevão é uma das muitas pessoas que lutaram contra a ditadura empresarialmilitar no Brasil e que hoje integram a base do ANDES-SN. Estudante secundarista à época do golpe, Ana foi perseguida, presa e enfrentou os porões da ditadura por três vezes, quando já era estudante da Faculdade de Serviço Social de São Paulo e militante da Aliança Nacional Libertadora. Uma das integrantes da Comissão Nacional da Verdade do Sindicato Nacional e também da Coordenação do Grupo de Trabalho Políticas Educacionais da entidade, a 1ª vice-presidente da Regional SP do ANDES-SN conta um pouco sua experiência durante os anos de chumbo e fala da importância da participação ativa dos docentes tanto na Comissão Nacional da Verdade do sindicato quanto na constituição e fortalecimento das Comissões Locais nas Seções Sindicais. “Multiplicar estas Comissões é resistir aos ataques da direita, contribui para formar uma opinião na sociedade com forças suficiente para passar por cima da lei de Anistia naquilo que se refere aos crimes de lesa humanidade”, explica Ana Estevão. Confira: Você já participava de algum movimento social ou político quando se deu o golpe militar?
Ana Maria - Quando o golpe aconteceu eu tinha apenas 15 anos, mas minha família, especialmente meu pai, acompanhava de perto tudo que acontecia na politica. Lembro-me perfeitamente das marchinhas militares tocando nas rádios, de meus pais nos proibindo de falar qualquer coisa que parecesse política, do clima de medo e de insegurança que pairava no ar. Em 1967, quando cursava o colegial no Instituto Metodista de São Paulo, participávamos como estudantes secundaristas de todas as manifestações, passeatas, atos. Tínhamos contato com vários militantes da esquerda do movimento universitário ligados à Igreja Metodista, que ofereciam formação política aos estudantes do Instituto Metodista e da Faculdade de Teologia de São Bernardo.
Como era o ambiente universitário naquele período?
AM - Quando entrei na Universidade Federal de São Paulo, em 1969, já tinha recém acontecido o Ato Institucional número 5, o decreto 477 estava em vigência. Os Centros Acadêmicos, que eram espaços legítimos e independente de lutas, protesto e representação dos estudantes, tinham sido fechados
e se tornado Diretórios Acadêmicos, órgãos estudantis controlados e financiados pelas direções das faculdades, que só tinham permissão para atividades culturais e recreativas. Já toda a liderança do Movimento Estudantil tinha sido presa – boa parte no Congresso de Ibiúna -, ou estava na luta clandestina. Mesmo assim usávamos a infraestrutura dos Diretórios para fazer política, rodar panfletos, conseguir dinheiro com festinhas e bailes para patrocinar a luta (armada ou não).
Em que ano e situação se deu a sua prisão?
AM - Fui presa pela primeira vez em julho de 1970, na república em que eu morava, na Avenida Liberdade, em São Paulo. Foram presas comigo duas amigas – uma delas tinha envolvimento com a ALN e o ex-presidente da União Estadual dos Estudantes, que tentou fugir e foi baleado pelos policiais da OBAN. Fui solta em março de 1971, após comparecer à 2ª Auditoria Militar de São Paulo para prestar depoimento no processo geral da ALN. Fui presa de novo em julho de 1972 e agosto de 1973. Nas duas últimas vezes sofri apenas tortura psicológica.
Como foi voltar para a universidade depois dessas experiências?
AM - Todas as vezes que fui presa perdi o
ano, o curso naquela época era anual, mas sempre que saía retornava para faculdade e sempre tive o maior apoio e respeito dos meus colegas de curso. Neste tempo, com o movimento estudantil completamente desbaratado e sob o regime do terror policial, ainda assim havia muita resistência através da solidariedade manifesta aos ex-presos políticos. Busquei também refugio na Igreja Presbiteriana com o Reverendo Jaime Wright, que me acolheu, garantiu minha permanência na faculdade (com uma bolsa de estudos) e conseguiu uma bolsa para que fosse estudar um tempo em Paris, no Instituto ligado ao Paulo Freire. Quando voltei, em 1974, já no período Geisel, da distensão lenta, gradual e segura, apesar do medo, fui militar no movimento operário de Osasco, juntamente com o pessoal da Ação Católica Operária. Terminei o curso em dezembro de 1976.
Como você avalia a Lei da anistia no Brasil?
AM - Quem fez a proposta da Lei, no caso, foi o Estado brasileiro. Foram os militares que propuseram – a ideia é do General Golbery do Couto e Silva, que também era do grupo, da camarilha da ditadura. Então, esse é o primeiro viés da nossa anistia: ela não é um movimento nascido do conjunto da sociedade brasileira. O que está se exigindo acaba sendo resolvido de cima para baixo,
Entrevista
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através de um processo de acomodação, de concessão. Então a minha concepção de anistia é muito maior que isso que está aí. É semelhante ao que se fez no Chile: põe o Pinochet na cadeia e põe os que sobraram na cadeia. A anistia tinha que ser uma coisa muito mais “ampla, geral e irrestrita” mesmo. A partir da proposta das bases. A anistia que a gente tem é a anistia que foi possível. É parte do processo brasileiro isso, é o máximo de consciência possível do conjunto da sociedade em 1978. Veja como a coisa do caráter popular, do movimento, vem depois que morrem Manuel Fiel Filho [operário morto pela ditadura em 1976], Vladimir Herzog e Santo Dias da Silva, que era dos movimentos da Igreja Católica, também um líder operário. Precisaram morrer três pessoas para que houvesse a anistia, não foi só concessão, foi luta também, foi conquista. Torta, esquisita, mas foi conquista, e que a gente não pode esquecer, que aparece também como concessão.
Você depôs à Comissão da Verdade?
AM - Sim, em São Paulo, na Presidência
da República, mas meu depoimento foi apenas no que se referia aos metodistas presos e/ou perseguidos. Fiz depoimentos na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, na Comissão da Secretaria da Justiça de São Paulo, e vários outros, já perdi a conta das entrevistas a jornais e revistas do Brasil a fora. Sempre que me chamam eu vou, acho que é parte da minha militância, devo isso às gerações que vieram depois de mim.
Como foi a experiência?
AM - Quando é para relatar tortura é muito difícil, mas quando é para fazer a memória da resistência e da luta é bem melhor.
Qual a importância da criação de uma Comissão da Verdade dentro do Sindicato Nacional?
AM - Esta Comissão tem por função dar visibilidade às consequências do golpe militar para a Educação e para os docentes que foram perseguidos, exilados, presos, mostrando o quanto nos afetou o período de obscurantismo intelectual e de censura ao pensamento e à liberdade de expressão.
Como ela vem atuando?
AM - Estamos fazendo um levantamento inicial de casos de docentes que sofreram perseguição e atuando em conjunto com Comissões da Verdade de outros movimentos e entidades da categoria relacionados à educação.
Porque as Seções Sindicais devem organizar suas Comissões locais?
AM - Para que não se esqueça, para que
nunca mais aconteça! O aparato repressivo continua montado, a cultura anticomunista também. Multiplicar estas Comissões é resistir aos ataques da direita, contribui para formar uma opinião na sociedade com forças suficiente para passar por cima da lei de Anistia naquilo que se refere aos crimes de lesa humanidade. Essa luta inclui todos os setores da sociedade que reivindicam justiça, democracia e direitos humanos.
Qual expectativa e possibilidade de avanços?
AM - Acredito que se formos esperar pelas comissões oficiais do Estado, o avanço será muito pequeno. Cabe às entidades de classe, combativas e de esquerda garantir que este processo seja o mais eficaz possível, que os crimes cometidos pelo aparelho
repressivo de Estado burguês sejam investigados, julgados e punidos e que toda a verdade sobre este período venha à luz.
Qual a contribuição da CNV do ANDES-SN para o processo investigação e punição dos crimes da ditadura?
AM - Contribuir para que este movimento em direção à memória e à verdade não termine no dia 14 de dezembro, mas que ele se prolongue pelo tempo necessário.
Como os docentes podem contribuir e qual a importância da contribuição daqueles que vivenciaram esse período para a Comissão da Verdade do ANDES-SN? AM - Os docentes podem entrar em con-
tato com a Comissão, através de suas Seções Sindicais para apresentar seus relatos de perseguição e participar da luta geral.
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Encontro Nacional de Educação
Plano da Sociedade Brasileira para a Educação será retomado em Encontro Nacional Entidades da educação, movimentos sindicais e sociais fazem encontros preparatórios para fortalecer a construção do Encontro Nacional de Educação que será realizado entre 8 e 10 de agosto, no Rio de Janeiro
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m contraponto ao Plano Nacional de Educação (PNE) que está prestes a ser votado no Plenário da Câmara dos Deputados, após aprovação em Comissão Especial no último dia 6, e às políticas que fragilizam a educação pública, implementadas por sucessivos governos desde o período da ditadura empresarial-militar, o ANDES-SN, juntamente com
movimentos sociais, entidades sindicais e estudantis, tem concentrado esforços no fortalecimento do Encontro Nacional de Educação (ENE), ampliando as discussões e mobilizações a partir da realização de encontros preparatórios por todo o país. “É tarefa central rebater o PNE do governo com uma proposta alternativa de educação pública para fortalecermos
os interesses e mobilizações da classe trabalhadora, construindo em conjunto uma agenda de lutas para a educação brasileira”, ressalta o diretor do ANDESSN e um dos coordenadores do Grupo de Trabalho Política Educacional (GTPE), João Negrão. A luta pela educação pública é pauta permanente dos movimentos sindicais e sociais, reforçada por iniciativas como o ENE, que possui entre seus objetivos a defesa de uma proposta alternativa de educação para o Brasil que preserve os princípios do PNE da Sociedade Brasileira, no método e no conteúdo. “Assim garantimos a ampliação de recursos para a educação pública, a valorização do docente, e a universalização do direito ao conhecimento, à cultura e à ciência”, explica João Negrão. O principal desafio do Encontro Nacional é confrontar o projeto educacional dominante, colocado em prática ainda na ditadura a partir dos Acordos MEC-USAID firmados entre o Ministério da Educação e a Agência dos Estados Unidos pelo Desenvolvimento Internacional, com medidas que visavam a mercantilização da educação pública em todos os níveis, dando início ao processo de privatização da educação no país. A continuidade da aplicação deste modelo, com consequências profundas e nocivas que ainda perduram, se deu com os governos que sucederam a ditatura, e foi intensificada a partir da década de 90, com o neoliberalismo e a priorização do capital. De acordo com o diretor do Sindicato Nacional, o Encontro também fará discussões sobre a responsabilidade do Estado com a educação pública em relação ao financiamento, acesso, manutenção, condições de trabalho e ensino, permanência dos estudantes, entre outros aspectos. “A gente precisa colocar para a sociedade que o Estado não tem cumprido e respeitado o preceito constitucional de que a educação é direito de todos e seu dever, pelas iniciativas do próprio governo federal,” afirma.
Encontro Nacional de Educação Os encontros preparatórios ao ENE, realizados ao longo de primeiro semestre até agosto, estão pautados em sete eixos centrais (confira no box), definidos no Comitê Executivo Nacional da Campanha dos 10% do PIB para a Educação Pública,
Já! “Os encontros [preparatórios e nacional] têm um papel aglutinador em torno da luta dos trabalhadores, com foco na questão da educação. Está é uma iniciativa fundamental por ser mais um passo na construção da unidade da classe traba-
Eixos centrais - O Encontro Nacional de Educação defende: Financiamento da Educação Pública:
a Educação deve ser pública e gratuita, em seus diferentes níveis e modalidades, pois é um direito inalienável da população brasileira, garantido pela Constituição – e não um serviço ou uma mercadoria -, instituindo-se em obrigação do Estado, que deve provê-la. Dessa forma, é essencial o investimento anual e imediato de, no mínimo, 10% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, em educação pública e gratuita, em todos os níveis.
Democratização da Educação:
a democracia interna deve ser garantida estruturalmente nos mecanismos de decisão, controle e gestão como também deve ser preservados os padrões nacionais mínimos de salário, condições de trabalho e acesso à capacitação. Os mecanismos de avaliação deverão ser plenamente democratizados, como condição para evitar a subordinação à lógica do mercado ou ao clientelismo político.
Acesso e Permanência:
é obrigação do Estado e garantia do acesso ao sistema educacional de forma universal. Uma política de Estado para a educação deve ser priorizar a criação e manutenção de sistemas e instrumentos que permitam, a estudantes de qualquer nível de ensino, condições de alimentação, transporte, moradia e disponibilidade de material de estudo.
Passe livre e Transporte Público:
a reivindicação de passe livre e transporte público de qualidade constitui-se em luta não somente do movimento estudantil, mas de toda a classe trabalhadora brasileira contra a predominância das empresas privadas na gestão do transporte público. O Passe Livre para os estudantes deve fazer parte de uma política coerente de acesso e permanência.
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lhadora e um momento de unir forças”, ressalta o diretor do ANDES-SN, ao falar sobre a importância da participação nas atividades propostas pelo Encontro, que integram várias entidades e setores da sociedade.
Eixos centrais - O Encontro Nacional de Educação é contra: Privatização e Mercantilização da Educação das creches à PósGraduação: a qualidade do ensino público promovido pelo Estado expressa as desigualdades econômico-sociais que têm caracterizado a realidade brasileira. O descompromisso do Poder Público, sobretudo no que se refere ao financiamento da educação, resulta na expansão privada e agrava o caráter elitista e excludente do sistema de ensino vigente no país. A superação desse quadro conduz à necessidade de redefinição da política educacional da educação infantil à pós-graduação. Aspecto essencial para tal definição consiste no estabelecimento, a partir do poder normativo e fiscalizador do Estado, de um padrão de qualidade para a educação brasileira que elimine as distorções e assegure uma produção cultural, artística e científica verdadeiramente criadora, conforme as aspirações da sociedade brasileira.
Precarização as Atividades dos Trabalhadores da Educação: as condições de trabalho dos profissionais da educação vêm sendo degradadas deliberadamente, desde há muito, por mecanismos de precarização, que vão desde a não contratação de professores e técnicos em quantidade suficiente até a implantação de programas de expansão inconsequentes, que não atendem às reais necessidades da população. Essa realidade desnuda as ações do governo de descaso e descompromisso com a educação pública e o atrelamento a setores privados com políticas mercantilistas para a educação.
Avaliação Meritocrática na Educação: a avaliação de caráter produtivista proposta pelos governos tende a ser um dos principais instrumentos para a implantação do modelo privativista e empresarial ao qual tentam submeter às instituições de ensino. O modelo de avalição defendido pelo ANDES-SN tem como referência principal a avaliação de todo o processo de ensino/aprendizagem, como os projetos de educação, institucional e pedagógico, as condições de trabalho e estudo.
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Aposentadoria
Vitória: servidores têm reconhecido direito à aposentadoria especial Em votação unânime, Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu que as normas aplicáveis ao Regime Geral de Previdência Social sejam estendidas aos servidores públicos
A
pesar das manobras do governo que tentaram obstruir o direito constitucional à aposentadoria especial aos servidores públicos que trabalham em ambientes insalubres, com a publicação de normas nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu este direito à categoria, por meio de votação unânime, no dia 9 de abril. “A edição da súmula deve ser recebida como relevante avanço na luta pelos direitos previdenciários dos servidores públicos”, avalia a Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN. O STF determinou, por Súmula Vinculante, que as normas aplicáveis ao Regime Geral de Previdência Social deverão ser utilizadas para a concessão de aposentadoria especial aos servidores públicos submetidos a condições especiais de trabalho, expostos a agentes insalubres. “Essa Súmula significa que, a partir de agora, o professor que tenha tempo de trabalho em condições insalubres poderá, assim como o trabalhador da iniciativa privada, se aposentar com tempo diferenciado”, explica a advogada da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN, Marcelise Azevedo. Ela esclarece que já existe uma determinação constitucional, mas não há a regulamentação. “Logo, mesmo com a vitória das entidades após a decisão do STF, é necessário continuar a luta no âmbito legislativo”, ressaltou. De acordo com Assessoria Jurídica Nacional do ANDESSN, “a expectativa é que a nova Súmula Vinculante sirva para construir, em conjunto com a Administração, uma regula-
mentação igualitária para os servidores públicos, que desde 1988 não possuem uma lei sobre a aposentadoria especial. Em termos práticos, tornou desnecessário o ajuizamento prévio de mandado de injunção pelo servidor para análise de seu pleito”, explica. Em 2008, o STF julgou o Mandado de Injunção 880 (MI) e reconheceu, à época, o direito constitucional à aposentadoria especial aos servidores públicos que trabalham em ambientes insalubres, a partir do mesmo critério utilizado para os trabalhadores regidos pela CLT. No entanto, vários órgãos dos governos e administrações das Instituições Federais de Ensino deram diferentes interpretações e criaram obstáculos para dificultar que este direito fosse garantido. “Os docentes devem procurar suas Seções Sindicais para saber qual interpretação é dada à questão em seu local de trabalho frente a esta recente posição do STF”, recomenda o 1º vice-presidente da Regional Rio de Janeiro e um dos coordenadores do GTSSA, Walcyr de Oliveira Barros, que acrescenta: “por conta da falta de regulamentação e por incursões normativas por parte do governo federal para retirar direitos, havia brecha para que tal condição fosse negada em várias instituições. Entretanto, existem universidades que já reconhecem o direito e o aplicam, então é preciso verificar caso a caso”, diz. O diretor do Sindicato Nacional lembra que o direito vale tanto para os docentes
na ativa quanto para os aposentados que tenham trabalhado em condições insalubres, pois estes podem ter se aposentado em situação pior, por conta do não reconhecimento à época da aposentadoria especial. “Caso as administrações demonstrem resistência em reconhecer a conversão do tempo especial garantida pelo STF nesta última súmula, a Assessoria Jurídica do Sindicato estará atenta e pronta para apresentar as medidas judiciais necessárias para defender esse direito”, ressalta Oliveira.
ANDES-SN na luta por direitos Para orientar os docentes em relação ao MI 880 e às questões relacionadas à aposentadoria especial, o ANDES-SN divulgou, em outubro de 2013, um documento com informações sobre as controvérsias geradas pelas reinterpretações e pelos obstáculos criados pelo governo para dificultar a garantia da aposentadoria especial em casos de insalubridade aos servidores públicos.
Aposentadoria especial no serviço público A aposentadoria especial, prevista no artigo nº 40 da Constituição Federal (CF), nunca foi regulamentada no serviço público. Depois de um longo período de judicialização, uma vez que tanto a Advocacia Geral da União e os Departamentos de Pessoal negavam o reconhecimento posterior à data de edição do Regime Jurídico Único, o STF reconheceu tal direito aos servidores públicos, a falta de regulamentação, e, nessas condições, definiu a utilização das regras do trabalhador celetista, no MI 880. Após a decisão do STF, vários servidores conseguiram o direito ao cálculo diferenciado para tempo de aposentadoria, considerando as condições insalubres e nocivas à saúde a que estavam submetidos, e aqueles que ainda estavam na ativa passaram a receber abono permanência, contando tempo especial.