InformANDES Outubro

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InformANDES SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDES-SN

Desenvolvimento na carreira em pauta

Brasília (DF) Outubro de 2014

Financiamento, autonomia e federalização

Docentes das Estaduais e Municipais participam de encontro e avançam no debate e indicativo de ações para o Setor das Iees/Imes do ANDES-SN. 6 e 7

Mídia Ninja

Instituições Federais de Ensino em diversas partes do país vem discutindo a regulamentação do desenvolvimento na carreira do magistério federal. 3 a 5

Informativo Nº 39

Quem deve pagar pela educação?

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acesso e permanência estudantil estão entrem as tantas frentes de luta dos movimentos sociais e sindicais que defendem a oferta universal da educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada. O

Entrevista:

financiamento estudantil subsidiado pelo governo tem levado ao endividamento de boa parcela dos estudantes em várias partes do mundo, o que tem feito alguns países rever a política neoliberal de privatização da educação superior. Na contramão, o Brasil amplia as linhas

Jorge Luiz Souto Maior, professor da USP e juiz titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí (SP), debate o aumento da criminalização das lutas e das recentes greves, entre as quais a das Universidades Estaduais Paulistas. 12 e 13

de crédito estudantil, e buscou no Prouni uma alternativa para diminuir a alarmante inadimplência e garantir o repasse de verbas públicas às empresas do setor da educação, ao invés de investir estes recursos na expansão, com qualidade, do ensino público superior. 8 a 11

Moradia: direito garantido a poucos

O direito à moradia vai além de um teto e quatro paredes. Prevê a garantia acesso a um lar, com infraestrutura e localização adequadas, com preço acessível e segurança de posse. Realidade distante para milhões de brasileiros. 14 a 16


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Editorial

Para além das eleições

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studantes se mobilizam nos quatro cantos do Brasil e do mundo contra processos autocráticos que retiram direitos e avançam na implementação da contrarreforma universitária. Enfrentam e combatem o aligeiramento e a precarização do ensino superior, técnico e tecnológico, como forma de submissão ao mercado, e a ressignificação do conceito de público, como forma de apropriação do fundo público para a sustentabilidade do setor privado. O acesso ao ensino superior privado, via financiamento estudantil, aprofunda o endividamento das famílias, a partir da ampliação da política de crédito bancário estudantil travestida de “ampliação do acesso ao ensino superior”, e garante mais um espaço de reprodução do capital, em particular dos empresários da educação. Professores universitários de diferentes estados deflagram e retomam greves no embate com processos de contingenciamento do financiamento público para a educação pública, expresso seja no congelamento de salários, seja na redução de verbas de custeio. Em reposta à campanha dos servidores públicos contra os fundos de previdência complementar, que tem resultado na baixa adesão ao Funpresp, sobretudo entre docentes das Instituições Federais de Ensino (IFE), o governo implementa um nova ofensiva, utilizando-se de práticas de assédio junto aos professores que ingressam nas IFE, como, por exemplo, ligações para seus telefones particulares. Enquanto isso, autoproclamados dirigentes sindicais disputam vagas no conselho do Funpresp como “gestores do capital”. O ANDES-SN, ao contrário, reafirma a luta pela reversão da reforma da previdência e em defesa dos direitos de aposentadoria, expressa não só em nossas ações em

Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence.

relação ao Funpresp, como também na defesa da PEC 555/2006 e do PL 4.434/2008. A prática autocrática e autoritária segue ferindo o princípio da autonomia universitária, inclusive nos processos recentes de adesão à EBSERH e de regulamentação da progressão na carreira do magistério federal nas diferentes universidades. Resultado da contrarreforma privatizante do Estado de Bresser Pereira, os processos de privatização a partir das Organizações Sociais, já implementadas em municípios e estados em vários setores – educação e saúde – e com impactos negativos nas políticas públicas, são assumidos pelo discurso oficial dos agentes do governo federal para contratação de professores universitários. O avanço desse conjunto de medidas tem como objetivo a redução da utilização do fundo público para a garantia dos direitos sociais e a ampliação da, já expressiva, transferência de recurso público para o capital financeiro. A desproporcionalidade entre percentuais aplicados em políticas públicas que representam direitos sociais e percentuais repassados para o capital, sobretudo para o capital portador de

Bertolt Brecht

juros, que já é enorme, e a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores estão em vias de serem aprofundadas. O agravamento não se dá em um vácuo de nossas ações, mas enfrenta a crescente mobilização que conta, no mês de outubro, com os desdobramentos do Encontro Nacional de Educação nos dias de luta nos estados e a manutenção e ampliação da mobilização dos docentes das federais e das estaduais. No mês do dia do professor e do dia do servidor público, comemoramos nas ruas com atos organizados em vários estados, que marcam a defesa da educação pública e a reorganização de estudantes, dos trabalhadores e das trabalhadoras da educação, cujo marco mais recente foi a mobilização do Encontro Nacional de Educação. Reorganização com o tom das palavras de ordem em defesa dos direitos dos trabalhadores que tomaram as ruas desde junho do ano passado e do ensino público de qualidade, com a aplicação imediata de 10% do PIB para a Educação Pública. Pouco mais de um ano de lutas a partir das jornadas de junho, as mobilizações que questionam a sociabilidade baseada na financeirização e na especulação têm nas lutas pela moradia um de seus eixos centrais, sobretudo nas capitais sede dos grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Assunto abordado nesta edição e também presente nas bandeiras históricas dos movimentos combativos. Nossas lutas não cabem nas urnas!

EXPEDIENTE O Informandes é uma publicação do ANDES-SN // site: www.andes.org.br // e-mail: imprensa@andes.org.br Diretor responsável: Marinalva Oliveira Redação: Renata Maffezoli MTb 37322, Mathias Rodrigues MTb 10126/PR, Paola Rodrigues e Bruna Yunes 013915 DRT-DF // Edição: Renata Maffezoli Fotos: Renata Maffezoli // Infográficos: Paola Rodrigues // Diagramação: Ronaldo Alves 5103 DRT-DF


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Seções Sindicais pautam desenvolvimento na carreira A luta pela valorização da carreira docente é estratégica para frear a mercantilização do ensino superior público e para que novos passos, em direção à reconstrução da Universidade Brasileira, sejam dados.

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o último período, os conselhos superiores e as reitorias das Instituições Federais de Ensino (IFE) vêm elaborando minutas de resolução com o objetivo de regulamentar o desenvolvimento na carreira docente. As propostas têm tratado, em sua maioria, da promoção à classe E,

com denominação de Professor Titular da Carreira do Magistério Superior (MS) e classe de Professor Titular da Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT). Essas minutas começaram a ser formuladas desde a aprovação da Lei nº. 12.772/2012, que delegou ao Poder

Executivo, através do Ministério da Educação (MEC), a competência de definir as diretrizes gerais para o processo de avaliação de desempenho para fins de progressão e de promoção, no caso do Magistério Superior, e de Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC) quando dos ocupantes de cargos da Carreira de Magistério do EBTT. A lei, na época, foi fruto de um simulacro de acordo entre o MEC, o Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (Mpog) e o braço sindical do governo, na contramão das propostas apresentadas pelo ANDES-SN e sem acordo da ampla maioria da categoria docente, que permaneceu em greve em 2012. Assim, após a promulgação da lei, que consolidou a desestruturação da carreira docente, o passo seguinte seria definir, internamente em cada IFE, os procedimentos para avaliação e evolução na carreira. Assim como a Lei 12.772/2012, que foi aprovada às pressas no Congresso Nacional, o debate interno nas IFE tem seguido a mesma lógica do atropelo. Os textos que visam regulamentar o desenvolvimento na carreira estão sendo formulados à margem do debate com a comunidade acadêmica, ou ainda, a portas fechadas nos gabinetes ou nos conselhos superiores. Segundo Francisco Jacob Paiva da Silva, um dos coordenadores do Setor das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) do ANDES-SN, o governo vem implementando um projeto de universidade que possui uma organização hierárquica, com grupos de poder que estabelecem resoluções muitas vezes sem a consulta à comunidade e, cada vez mais, isso vem ocorrendo por meio da desestruturação da carreira, que é um elemento fundamental na organização do trabalho acadêmico. Os exemplos de diferentes IFE, que já concluíram o debate em torno do tema, atestam a falta de democracia interna e o ataque à autonomia na elaboração dos procedimentos para a formulação e acompanhamento da execução da política de pessoal docente.


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Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o processo de regulamentação da carreira docente foi atropelado pela reitoria, que objetivava discutir apenas a proposta para a classe de Titular. Conforme Claúdio Ribeiro, da Associação dos Docentes da UFRJ (Adufrj-SSind), a proposta apontava que apenas aqueles que participassem da pós-graduação, continuariam progredindo. Dessa forma, o papel da Adufrj-SSind foi de tensionar a discussão junto aos sindicalizados e ao corpo docente como um todo. “Conseguimos realizar o debate de todos os níveis, porque a UFRJ ficaria com três normas separadas – a de Adjunto, a de Associado e a de Titular. Então, a gente conseguiu com que se fizesse uma progressão unitária, também das duas carreiras [EBTT e Magistério Superior]. Essa foi uma discussão muito importante, pois – apesar de terem vindo contribuições também paralelas, de diversos grupos, inclusive alguns bastantes conservadores –, o debate fez com que a universidade de certa forma refletisse sobre essas questões”, apontou. O professor Jailton Costa, da Associação Docente da Universidade Federal de Sergipe (Adufs-SE-SSind), relatou que a proposta de regulamentação da carreira da sua universidade foi enviada pelo reitor para o Conselho Superior (Consu), sem discussão junto à comunidade acadêmica, no mês de junho. Frente a isso, a seção sindical realizou diversas assembleias com ampla participação da categoria, tendo um significativo avanço na modificação de alguns pontos da regulamentação, que, de acordo com Costa, era inicialmente trágica. “Se você não tinha participado alguma vez da gestão da universidade,

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você não conseguiria progredir. A pontuação para cargo de gestão era enorme, quando comparada, por exemplo, com quem orientou uma tese de doutorado, projeto de mestrado, ou outra atividade de extensão ou de pesquisa. E o pior: aquele professor que apenas leciona ele jamais conseguiria progredir na carreira”. A professora Isabella Pedroso, da Associação Docente da Universidade Federal Fluminense (Aduff-SSind) também deixou explícito em seu depoimento a falta de diálogo em torno da construção da minuta que define os critérios de promoção para professor Titular na UFF. “Na primeira audiência realizada com a reitoria, em julho desse ano, os docentes mostraram a sua indignação frente à minuta, tanto pela disparidade da pontuação (tem uma pontuação muito grande

para a gestão, e pouca para extensão), quanto pela ausência de democracia nesse processo de elaboração”, relatou. Em algumas IFE, a categoria docente conseguiu incluir como critérios de pontuação o envolvimento do docente com o trabalho sindical, como na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e na Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Ao longo do processo de discussão, rebatemos vários critérios e ainda conseguimos a pontuação para diretores sindicais e participação sindical, ainda que, recentemente, no Cepe, já apareceram pessoas querendo recorrer da resolução, dizendo que isso precisaria ser revisto, pois participação sindical não é trabalho docente e que a Controladoria Geral da União (CGU) não concorda com essa situação”, contou Adriana Hessel Dalagassa, da Associação dos Professores da UFPR (Apufpr-SSind). Nesse sentido, Jacob Paiva da Silva apontou que “essa é uma visão estreita do que é trabalho acadêmico, ainda mais se pensarmos na atuação do ANDES-SN, que tem na sua dinâmica, não só o debate sobre a universidade, mas também sobre ciência e tecnologia, abrangendo várias discussões importantes para a sociedade brasileira”. E fez ainda uma indagação acerca das diferentes valorações definidas para o tripé ensino-pesquisa-extensão em comparação à participação sindical. “Se a extensão e o ensino, que são partes inerentes e aceitas como natureza do trabalho do professor universitário, recebem, em grande parte, pontuações pífias, você imagina como eles olham a atividade sindical? É uma visão extremamente elitista do trabalho do professor universitário”.


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Concepção do que é ser titular O coordenador do Setor das Ifes revelou também algo que está por trás das propostas que limitam as vagas para promoção docente à classe E. Segundo Jacob Paiva, “o que está implícito é justamente a constituição de um grupo dentro da categoria, um grupo minoritário, que vai galgar o nível máximo, não só do ponto de visto do prestígio acadêmico, mas também salarial. Isso tem um desdobramento de custo para o governo. Quanto menos professores galgarem o topo máximo da carreira, menos dinheiro público será investido no pagamento dos professores. Isso cria dentro da categoria uma disputa entre os pares. Já que não é para todos, eu tenho que ser melhor que o meu colega para conseguir as poucas vagas que vão estar disponíveis”. O exemplo da Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc) reafirma essa concepção. Nessa universidade, a resolução para a carreira do Magistério Superior foi aprovada com critérios mais restritivos do que aqueles contidos na própria Constituição Federal, de acordo com Mauro Titon, da Seção Sindical do ANDES-SN na Ufsc. “A concepção que prevaleceu é meritocrática e tem como base a produtividade, tendo estabelecido alguns limites dentro da ideia de que nem todos os professores podem ser professores titulares. Isso prevaleceu e já está regulamentado”, explicou. O professor Ivo Pereira de Queiroz, da Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal Tecnológica do Paraná (Sinduft-PR), contou que, ao longo do debate da carreira do Magistério

Superior, ocorreu um conflito entre os próprios docentes acerca do conceito do que é ser professor titular. “Um grupo estava interessado em apresentar os documentos, alcançar a nova condição e aumentar o contracheque. O outro grupo, através de suas ponderações, pensava que ser titular era fazer parte de um grupo de cardeais dentro da universidade, então para isso se colocavam a favor de rigor no desenvolvimento na carreira”, disse.

Caráter produtivista da avaliação Em linhas gerais, as formas avaliativas de desempenho do trabalho docente colocam o produtivismo acadêmico como critério central – ou como obstáculo - para que os professores possam evoluir na carreira, em acordo com a contrarreforma em curso para a educação federal. Muitas vezes, as diretrizes gerais que orientam a avaliação do desempenho da carreira docente não respeitam as desiguais condições de trabalho existentes em cada IFE e as diferentes necessidades de produção de conhecimento local e regional. O depoimento de Cláudio Mendonça, da Associação dos Profes s o res da Universidade Federal do Maranhão (Apruma-SSind) deixa isso claro: “A obrigatoriedade do docente em fazer parte de um projeto de pós-graduação está muito distante da realidade da Ufma, que ainda tem poucos programas de pós-graduação e tem outras necessidades”.

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Suzana Lima, do Sindicato dos Docentes do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (SindCefet-MG-SSind), apontou também a dificuldade que os professores estão tendo para progredir devido à forte exigência na área da pesquisa. “Temos muitos professores que não tem titulação, que estão lá há muito tempo, quando essa questão não era tão importante para a carreira. Só que agora é essencial”, afirmou. Essa visão extremamente tecnicista, produtivista e operacional do trabalho universitário foi sendo naturalizada, criando uma cultura acadêmica de valorização à produção, de acordo com Jacob. Isso reafirma que, sob a égide do neoliberalismo, o projeto educacional implementado no Brasil desde a década de 1990, impondo mudanças na expansão, no acesso, na permanência, na produção científica, e, sobretudo, na carreira docente, reforça a mercantilização do ensino – o que, nos últimos anos, tem afetado diretamente o desempenho da prática docente, principalmente, no que se refere à autonomia para aprender, pesquisar e socializar seus conhecimentos. Francisco Jacob Paiva da Silva pondera que mesmo que várias seções sindicais tenham conseguido levar as discussões sobre a carreira para um espaço mais democrático, dentro dos órgãos colegiados, é preciso intensificar também a luta pelo projeto de carreira docente na sua totalidade. “Nós temos que reafirmar junto aos docentes para a necessidade de voltar a discutir a carreira como um todo, como parte não só de uma carreira de magistério, mas também de um projeto de universidade atrelado a um projeto de sociedade”, finalizou.


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XII Encontro fortalece a luta dos docentes das Estaduais e Municipais Setor das Iees/Imes avança no debate sobre financiamento, autonomia e federalização

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luta por vinculação orçamentária, com mais recursos para as Instituições Estaduais e Municipais de Ensino Superior (Iees e Imes), assim como por autonomia dessas instituições, tem pautado as diversas mobilizações e greves, que se intensificaram em 2014, protagonizadas pelos docentes para reivindicar seus direitos. Para aprofundar o debate e ampliar a luta acerca destes temas, o Setor das Iees/ Imes do ANDES-SN realizou no final do mês de setembro a XII edição do Encontro Nacional do setor, que resultou em profícuas discussões e indicativos de ação para a categoria. Além de financiamento e autonomia, o evento pautou ainda a questão da federalização.

Financiamento e dívida pública O XII Encontro foi precedido de um

seminário sobre Financiamento, com a presença de Rodrigo Ávila; coordenador da Auditoria Cidadã da Dívida, e Luiz Henrique Schuch, da Adufpel Seção Sindical. (Confira boxes) O debate apontou como fundamental o domínio da composição e execução dos orçamentos de municípios, estados e União e a auditoria da dívida pública como instrumentos de luta. Reforçou, ainda, a necessidade da realização de ações coordenadas nacionalmente para fortalecer o Setor das Iees/Imes e, consequentemente, dar destaque para as pautas dos docentes.

Segundo Gean Santana, 1º vice-presidente da Regional NE3 e membro da coordenação do Setor das Iees/Imes, o principal objetivo da atividade foi instrumentalizar os docentes das Estaduais e Municipais acerca do tema, para fortalecer a luta na base da categoria. Santana enfatiza que esse debate é fundamental e estratégico para “fazer com que essa informação saia do abstrato e se transforme em algo concreto e para que se avance na luta ao encontro de uma universidade pública gratuita e de qualidade socialmente referenciada”.

pagamento de juros e amortização da dívida consome mais de 40% do orçamento federal, enquanto que todas as transferências a estados e municípios consomem cerca de ¼ disso. Ou seja, o governo gasta quatro vezes mais com poucos privilegiados detentores dessa dívida, que são principalmente grandes bancos e investidores, do que com mais de cinco mil municípios em 27 estados e o Distrito federal. Então, para começarmos a analisar a situação da educação é importante analisar a dívida pública da União, que compromete as transferências para estados e municípios.

sos que são fundamentais para melhorar as condições de trabalho e ensino das universidades públicas. Nós defendemos uma auditoria sobre a dívida, que, inclusive, já está prevista na Constituição de 88, e jamais ocorreu. Com isso, é possível desconstruir o discurso dos governos de que não há recursos. Tem sim, só que está indo para uma dívida ilegítima. Temos incentivado a formação de núcleos estaduais ou regionais da Auditoria Cidadã da Dívida, para analisar as dívidas públicas dos seus respectivos estados e municípios. Onde estão os contratos? De onde vieram essas dívidas? Elas são legais? Legítimas? Isso já tem sido feito por alguns grupos regionais, inclusive com apoio e participação de docentes ligados ao ANDES-SN. É importante que mais estados possam se juntar a essa luta, realizando estudos, eventos, seminários sobre essa temática, chamando a população para o debate.

Rodrigo Ávila Como o pagamento dívida pública afeta no financiamento da educação pública?

A dívida pública consome a maior parte dos recursos, tanto do governo federal quanto de muitos governos estaduais. O

Como se apropriar dessa discussão sobre financiamento e como ela pode contribuir para a luta do movimento docente?

É muito importante que os docentes possam analisar dívida pública, porque é exatamente ela que está tirando os recur-


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Luiz Henrique Schuch Qual é a importância de se nacionalizar, ter uma pauta única no setor das Estaduais e das Municipais?

Se observarmos que todas as esferas federadas são condicionadas, objetiva e subjetivamente, a assumir um modelo que é avesso à educação pública, aos direitos dos servidores públicos e aos direitos dos professores, as lutas locais acabam batendo no teto e esse teto é o conceito nacional e internacional que tem sido exposto. Nesse aspecto, é fundamental uma articulação dentro dos programas locais, mas combinada a um movimento que aconteça ao mesmo tempo, com um mesmo tema, em todos os estados e nacionalmente, para que se transforme numa construção organizada para possibilitar essa disputa. Apresentar para a sociedade uma disputa de modelos, inclusive com a possibilidade de a própria sociedade fazer a opção entre esses modelos. É preciso a articulação

Financiamento, democracia e federalização Na abertura do encontro, Paulo Rizzo, presidente do ANDES-SN, lembrou a greve das universidades cearenses, em curso para cobrar do governo o cumprimento do acordo que previa a realização de concursos públicos. Citou também a greve das universidades paulistas, que durou quatro meses e, depois de muita mobilização, conseguiu assegurar o reajuste antes negado pelas reitorias e pelo governo. O presidente do Sindicato Nacional ressaltou que está em curso no Setor da Educação Superior a reforma gerencial, que impacta tanto as instituições federais quanto as estaduais e municipais, cujas expressões mais contundentes são o projeto de autonomia das universidades, como a privatização dos Hospitais Universitários Federais por meio da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), e também a ideia de criar uma Organização Social (OS) para contratar professores via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O encontro teve sequência com o debate “Federalização, financiamento federal e Iees/Imes”, com a presença de Luiz Fernando Reis, da Associação dos Docentes da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Adunioeste – Seção Sindical do ANDES-SN) e Epitácio Macário, um dos coordenadores do setor e 2º

nacional também na construção sindical, na construção na base, entre aqueles que fazem a educação no dia a dia.

Nesse sentido qual é o papel do ANDES-SN e das suas seções sindicais?

É maior do que nunca. Se compreendermos que é uma disputa de paradigmas, de como o Estado vai funcionar para a educação, o ANDES-SN é o espaço nacional de articulação desses movimentos, que acontecem desde o local de trabalho, em cada canto desse país, onde se organizam as universidades estaduais e municipais, mas que têm que ter uma expressão nacional na sua pauta central, na sua grande disputa. Então, o Setor das Estaduais e Municipais, às vezes parece ser secundário, uma vez que o patrão é local e, no momento da crise, a luta de classes se dá diretamente com o governador, o secretário de educação, e o esforço sindical é muito localizado. Neste momento,

vice-presidente do Sindicato Nacional. Foi realizado também um painel com a exposição de representantes de seções sindicais do Setor, que apresentaram as formas de financiamento das universidades e as estratégias de luta em seus respectivos estados. As discussões sobre financiamento avançaram em torno das lutas pela vinculação e aumento de verbas para as universidades estaduais e municipais, do aprofundamento dos estudos sobre as contas públicas dos estados e municípios

o que nós entendemos é que duas coisas, a mobilização local e a articulação nacional, vão ter que funcionar juntas ou vamos chegar a um patamar em que acumularemos derrotas cada vez maiores e sem condições de fazer a luta contra hegemônica ao modelo que está sendo imposto.

para enfrentar governos em mesas de negociação e da necessidade de combater o sistema da dívida pública no país. Em relação à democracia e autonomia, foi reforçada a importância da luta por estatuintes exclusivas, soberanas e democráticas nas universidades e da defesa da eleição direta para todos os cargos dirigentes das instituições estaduais e municipais. No que diz respeito ao debate sobre a federalização de Iees ou Imes, foi constatada a necessidade de aprofundar as discussões sobre o tema, a partir de estudos, incluindo-se a questão do financiamento federal às instituições. Epitácio Macário ressaltou que o encontro deixou dois desafios centrais para a categoria, que são acumular conhecimentos sobre os temas debatidos e usá-los para o enfrentamento na luta cotidiana. “Um dos resultados do encontro é percebermos a necessidade de criarmos uma cultura de estudo sobre os dados orçamentários dos estados e municípios. Outro é que precisamos aumentar o debate sobre a federalização das nossas instituições, pois já vem ocorrendo um processo de sobreposição de universidades federais sobre estaduais e municipais a partir da expansão, que faz com que os governos e prefeituras criem justificativas para diminuir o investimento”, concluiu o 2º vice-presidente do ANDES-SN.


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Matéria Central

Luiz Nabuco/Aduff-SSind

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Quem deve pagar pela educação?

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uem deve pagar pela educação superior? Ela deve ser oferecida por quem? A quem? Essas três perguntas abrem um enorme debate, que há décadas toma conta da agenda dos governos e dos movimentos sociais ligados à educação. Por um lado, aqueles que defendem o mercado e o lucro acima de quaisquer interesses sociais coletivos dizem que a educação deve ser paga por quem dela usufrui, oferecida por quem quiser investir nela, e proporcionada apenas a quem pode pagar por ela. Por outro lado, os movimentos sociais que defendem a educação pública afirmam que esta deve ser gratuita, mantida e oferecida pelo Estado, o qual deve proporcionar acesso universal. Uma das vertentes dessa disputa constante de projetos de educação superior é, especificamente, o financiamento. No Brasil, por exemplo, há tanto instituições públicas e gratuitas, quanto particulares em que se paga para estudar. Há também um novo formato, cada vez maior, que é o de instituições particulares que recebem do governo isenções fiscais para abrir vagas “gratuitas”, ou empréstimos, a serem pagos pelos estudantes depois de concluir a graduação - consequências

do Programa Universidade Para Todos (Prouni) e do Programa de Financiamento Estudantil (Fies), que se massificou e passou a ser uma das principais opções de acesso à universidade, desde de 2010. Mas, enquanto no Brasil os empréstimos dados pelo governo para estudantes se formarem em instituições privadas são crescentes, em outros lugares do mundo já se pensa em inverter a lógica de financiamentos semelhantes. É o caso de Chile, Estados Unidos e Reino Unido, onde as movimentações políticas apontam para a necessidade de repensar o esquema montado para o acesso à educação superior, que tem como reflexo o endividamento de parcela da população, a partir do financiamento estudantil em instituições particulares.

prevalece. Há universidades públicas e privadas, mas nenhuma é gratuita. Para se formar é necessário pagar, e bastante. Na Universidade de Virgínia, que é pública, cobra-se em US$ 23 mil anuais por estudante (R$ 55 mil, aproximadamente,

O financiamento estudantil pelo mundo Os três países podem ser citados como exemplos históricos e ainda atuais do projeto de educação superior financiada por empréstimos estudantis. Nestas nações, não há, salvo raras exceções, quaisquer possibilidade de um estudante se graduar gratuitamente. Nos Estados Unidos, o modelo liberal

Fonte: Comitê de Contas Públicas do Reino Unido, MEC, INEP, Forbes e Ceppe-Chile


que incluem os custos com alimentação, hospedagem, etc.). Já a Universidade de Harvard, privada, tem custos que giram em torno dos 50 mil dólares anuais (cerca de R$ 120 mil). A impossibilidade de estudar gratuitamente faz com que as famílias estadunidenses busquem o financiamento desse valor com o Estado e com o setor privado. No entanto, os resultados dessa grande inversão indireta de dinheiro público em créditos estudantis têm se mostrado cada vez mais falha. De acordo com a revista Forbes, no ano de 2013, cerca de dois terços dos estudantes universitários estadunidenses estavam em dívida com seus financiadores. A média dessa dívida era de US$ 26 mil (R$ 62 mil), e um décimo dos estudantes devia mais do que US$ 40 mil. O valor total das dívidas estudantis era de US$ 1,2 trilhão, sendo US$ 1 trilhão proveniente de empréstimos públicos. A solução para este grande rombo, debatida pelos estadunidenses, no entanto, não atinge a raiz do problema. O Instituto para Acesso e Sucesso na Universidade (Ticas, em inglês) propõe uma reforma no modelo de financiamento estudantil, buscando diminuir o endividamento dos estudantes. Porém, a reforma é baseada apenas no “maior acesso à informação sobre os créditos e as dívidas” e na simplificação das taxas e dos processos de aplicação para conseguir o financiamento. Não se questiona, por exemplo, o fato do valor anual gasto pelo Estado com empréstimos estudantis (US$ 107 bilhões) ser praticamente o dobro da verba desti-

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Michael James Shaw/Creative Commons

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nada anualmente para a manutenção das universidades públicas (US$ 62 bilhões). Nem se pondera a possibilidade de inversão dos gastos com empréstimos em investimento nas universidades com a perspectiva de tornar o acesso gratuito. Ou seja, a solução proposta é a simplificação do mesmo modelo que levou os estudantes estadunidenses à inadimplência, e não o rompimento com esse modelo de financiamento. Esses questionamentos foram feitos na Alemanha e resultaram na extinção da cobrança no ensino superior público. No dia primeiro de outubro desse ano, a Baixa Saxônia se tornou a última unidade federativa alemã a abolir o pagamento taxas em suas universidades. A não gratuidade do ensino superior por lá era recente.

Em 2006, a justiça alemã decidiu que a cobrança de taxas limitadas, combinadas com empréstimos, não era conflitante com o compromisso do país pela educação universal. A mudança, entretanto, mostrou-se antipopular. A secretária de Ciência e Tecnologia da Baixa Saxônia, Gabrielle Heinen-Kjajic, ressaltou, durante o ato de abolição das mensalidades no estado que o povo alemão não quer que o acesso à educação superior dependa da riqueza dos pais dos estudantes ou de empréstimos que endividam a população. A mudança alemã também evidencia a falência do projeto liberal do acesso pago, ou subsidiado, à educação superior, pelo menos na Europa Ocidental. Entre os maiores países do continente, apenas o Reino Unido não oferece educação superior gratuita. E, por lá, o endividamento estudantil também está em voga. Recentemente, o valor da anuidade pago para estudar em uma universidade foi contabilizado em cerca de £ 9 mil, o equivalente a R$ 34 mil. No entanto, a cobrança que deveria ser uma medida para economizar recursos públicos, acabou por fazer o inverso. Por conta do não pagamento de parte das dívidas estudantis, os cofres públicos do Reino Unido estão perdendo todas as reservas monetárias feitas a partir da mudança do valor cobrado como anuidade. E mais, conforme o Comitê de Contas Públicas do país, a dívida estudantil chega a £ 46 bilhões (R$ 177 bilhões), e estima-se que cerca de 40% dela nunca será paga - o que significa hoje um valor próximo a £ 18 bilhões (R$ 69 bilhões). Ou seja, além do sistema de financiamento fazer com que os estudantes paguem um alto valor para cursar o ensino superior, ele também tem gerado ao país os mesmos proble-


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Matéria Central afirmou que os chilenos querem “passar de um sistema educacional regulado pelo mercado para uma regulação estatal, que situe a educação como direito social, que deve ser igual para todos, independente da sua situação social”. A presidente do Chile, Michele Bachelet, tem aceitado parte das reivindicações do movimento estudantil, e afirmou recentemente à imprensa que deve levar ao parlamento um projeto de reforma educacional que acabaria com o caráter mercantilista e endividador da educação superior do país.

Martin Bernetti

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No Brasil

mas financeiros que supostamente sua implantação combateria. No Chile, o endividamento estudantil também é um problema crescente, mas as recentes mobilizações massivas de estudantes podem demonstrar um caminho de superação. Protótipo da implantação do neoliberalismo no mundo, o país não deixou sua educação passar incólume. Durante a ditadura empresarial-militar de Augusto Pinochet (1973-1990) foi realizada uma Reforma Educacional em 1981, que transferiu o poder da educação básica aos municípios e, ao mesmo tempo, transformou os investimentos públicos na educação superior em pagamentos às universidades de acordo com o número de alunos matriculados. Esse modelo neoliberal de educação, o mais antigo de nosso continente, aponta para dados alarmantes. Entre os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), composta basicamente por países da Europa Ocidental, e da qual o Chile faz parte, os chilenos são quem mais gastam com educação privada, 78% de tudo que é investido em educação superior no país, muito acima da média dos demais países da organização

(31%). Isso se dá por causa da reforma de 81, que criou o sistema de subsídios públicos à educação superior privada. Além disso, em 2005 foi realizada uma nova reforma, que permitiu a disponibilização de créditos estudantis particulares, o Crédito com Aval do Estado (CAE). Com alto endividamento por conta do financiamento estudantil e nenhuma instituição que ofereça educação superior gratuita no país, os estudantes chilenos foram às ruas reivindicar mudanças. Sob gritos de “vai cair a educação de Pinochet”, há oito anos eles realizam manifestações multitudinárias, com destaque para os anos de 2006 (Revolta dos Pinguins) e 2011, e exigem, por meio da Federação dos Estudantes da Universidade do Chile (Fech), uma reforma que dê caráter público à educação superior chilena. Juan Eduardo García-Huidobro, estudante da Universidade Alberto Hurtado Osuah e militante da Fech, apontou, durante uma mobilização realizada no último mês de agosto, que a proposta estudantil serve para “combater a desigualdade educacional, a segregação e a crise da educação pública, tendo como desafio superar uma grande dívida social”. Ele também

De acordo com o Censo da Educação Superior de 2013, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 74% das matrículas do país são em instituições privadas. O Fies tem peso importante nesse número, e seu crescimento deve evidenciar, ainda mais, a disparidade entre as matrículas em instituições públicas e particulares. Somente no ano passado, o programa teve 556 mil contratos de bolsas assinados. Considerando o universo de 2 milhões e 700 mil matriculados no ensino superior no ano, esses contratos representam cerca de 20% dos ingressantes em 2013. O custo do Fies em 2013 foi de R$ 7,5 bilhões em investimentos diretos, segundo o Portal da Transparência. Comparando o valor do investimento no programa com o orçamento de algumas universidades federais – que, cabe ressaltar, ao contrário do Fies, utilizam esse dinheiro para investir no tripé ensino-pesquisa-extensão e na assistência estudantil – percebe-se o tamanho do investimento de dinheiro público em educação privada. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, recebeu cerca de R$ 2,5 bilhões, um terço do valor destinado ao Fies. Já a Universidade Federal de Alfenas (Unifal), como aproximadamente sete mil estudantes, está na outra ponta das estatísticas orçamentárias e recebeu cerca de R$ 150 milhões no ano, 2% do valor investido no Fies. Porém, ainda que o Fies tenha ganhado tamanho e importância nos últimos anos, o Prouni também tem grande peso nas matrículas de estudantes de baixa renda em instituições particulares de ensino superior com dinheiro público. O Prouni é um programa de governo que isenta as instituições de impostos em troca de vagas. “O Prouni foi o meio que o governo encontrou de fazer o repasse direto de dinheiro pú-


Matéria Central blico para as empresas do ramo educacional, diminuindo o risco que outros países correm, com a privatização da educação, de se criar uma bolha financeira nessa área, o que pode aprofundar a crise do capital mundial, como se prevê que deve acontecer nos próximos anos nos Estados Unidos”, ressalta Paulo Rizzo, presidente do ANDES-SN. Segundo Rizzo, com o programa, criado como uma operação de salvamento do setor privado diante da alarmante inadiplência, a lógica de repasse de dinheiro público para instituições particulares permanece, mas essa transferência é feita de maneira direta, sem que o dinheiro das mensalidades passe pelas mãos dos estudantes – e sem que os estudantes paguem esse valor ao governo após se formar. De acordo com Ministério da Educação (MEC), o Fies e Prouni juntos são responsáveis por 31% do total das matrículas no sistema privado de ensino superior (1,66 milhão de estudantes). “A justificativa para manter esses programas e não investir esse dinheiro no público é uma soma de fatores. Primeiro, a necessidade de preencher tabelas, de ter estatísticas que mostrem que aumentou o acesso à educação superior no país. Depois, o interesse do setor privado em lucrar. Ainda somam-se o aspecto populista na criação massiva de vagas, ainda que sem qualidade, e um Congresso Nacional privatista”, aponta Otaviano Helene, docente da Universidade de São Paulo (USP).

Endividamento à brasileira O forte endividamento estudantil nos países citados e a inadimplência que o acompanha podem ser presságios de um futuro não tão distante no Brasil. Em setembro de 2014, a empresa de serviços financeiros Morgan Stanley divulgou relatório no qual aponta preocupação para o crescimento da inadimplência dos estudantes favorecidos pelo Fies, que pode chegar a 27% em 2017. Segundo o relatório, a inadimplência dos empréstimos deve começar a aparecer em 2015, já que o programa se massificou em 2010, e os pagamentos são feitos apenas depois do término da graduação. Para Lucas Brito, militante da

Assembleia Nacional dos Estudantes Livre (Anel), o problema do Fies não é apenas o endividamento, mas também o programa ter a concepção de educação como mercadoria. “A universidade tem que ser pública, e para todos. O Fies parte de uma lógica equivocada de transferência de recursos públicos, ainda que de maneira indireta, por meio de empréstimos, para as instituições particulares. Temos é que estimular as universidades públicas, com mais recursos, para que Fonte:MEC/Valoreconômico todos aqueles que queriam cursar o ensino superior o possam fazer”, afirma o estudante. Já Deborah Cavalcante, diretora da União Nacional dos Estudantes (UNE) pela Oposição de Esquerda, ressalta a importância da aplicação imediata de 10% do PIB na educação pública para reverter o cenário de “endividamento em massa da juventude, a exemplo de outros países que foram laboratórios de aplicação do neoliberalismo, com direitos sociais transformando-se em mercadorias de alto custo”. Ela também cita a imediata aplica-

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ção de R$ 2,5 bilhões no Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), para “que os estudantes consigam garantir uma boa formação no ensino superior brasileiro”. A 2ª vice-presidente da Regional Norte II do ANDES-SN e uma das coordenadoras do Grupo de Trabalho de Políticas Educacionais (GTPE), Olgaíses Maués afirma que a superação da inadimplência e dessa barreira financeira deve se dar com a expansão da educação superior pela via pública. “A superação dessa questão é por meio da expansão democrática da educação superior pela via pública e, como medida emergencial, por meio de instituição de programas de inclusão social que possam atender à demanda reprimida que se tem para esse nível de ensino, que hoje atende menos de 15% dos jovens na faixa etária de 18 a 24 anos”, diz a docente. A coordenadora do GTPE do ANDES-SN também ressalta a importância da inversão da lógica do investimento de recursos no país, citando a dívida pública. “A questão de recursos é de prioridade. Enquanto o governo reservar cerca de 45% do PIB para pagamento da dívida e 5% para a educação, os setores sociais ficarão somente com as sobras e essa situação perdurará. Nossa luta é, após a aprovação do PNE, ainda maior, pois precisamos garantir que os recursos públicos sejam destinados à educação pública”, conclui Olgaíses.


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Entrevista

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Daniel Garcia/Adusp

orge Luiz Souto Maior é professor de direito do trabalho na Universidade de São Paulo (USP) e juiz titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí, cidade localizada a 60 km da capital do estado. Conhecido por suas decisões em favor dos trabalhadores e contrárias à flexibilização da legislação trabalhista, Souto Maior também tem ganhado destaque ao defender o direito de greve e criticar a criminalização dos movimentos sociais e sindicais. Nessa entrevista ao ANDESSN, o docente e jurista debate o aumento da criminalização das lutas e das greves, entre outros temas. ANDES-SN: Como você vê o recente período de aumento da criminalização de movimentos sociais no Brasil?

Jorge Luiz Souto Maior: Não é de hoje

que, no Brasil, a questão social é tratada como “caso de polícia”, conforme expressão utilizada pelo ex-presidente Washington Luís na década de 20. Essa mentalidade passou pelos mais variados governos. Para se ter uma pequena ideia, na Constituição de 1937 a greve foi declarada recurso antissocial nocivo ao trabalho e ao capital, e incompatível com os superiores interesses da produção nacional. O fato é que, como já advertira Octavio Ianni, no Brasil, “em geral, os setores sociais dominantes revelam uma séria dificuldade para se posicionar em face das reivindicações econômicas, políticas e culturais dos grupos e classes subalternos”. Muitas vezes reagem de forma extremamente intolerante, tanto em termo de repressão como de explicação. O aumento da repressão é, portanto, apenas um reflexo do aumento da luta social, fruto do fortalecimento da consciência de que a mobilização política é essencial para a concretização dos direitos sociais, com o impulso dado a partir de junho de 2013.

ANDES-SN: O que é um estado de exceção?

JLSM: Sob o argumento de preservar a ordem e de fazer valer a lei, o Estado tende a reprimir toda ação humana que ponha em risco o projeto capitalista, mesmo que isso signifique desprestigiar, em concreto, os próprios fundamentos teórico-filosóficos que embasaram aquele modelo de socieda-

de de cunho liberal e que, inclusive, foram integrados à própria ordem jurídica. Essas contradições, no entanto, não são desafiadas porque o próprio Direito as integra de ponto de vista de uma racionalidade que tende a ser atomizada. As relações desiguais e injustas tendem a ser vistas de forma localizada e episódica, sendo que não raro entende-se a própria vítima como culpada pela situação. No extremo, ou seja, quando a situação social gera o risco de total desarranjo, implicando em guerra civil interna, a própria ordem constitucional organiza o modo como o governante, a quem, então, se conferem poderes amplos, atuará sem a completude dos limites da ordem jurídica, tudo em nome da recomposição da situação pretérita. Há, portanto, na formação do estado de exceção, previsto na própria ordem vigente, uma lógica de continuísmo, que faz da exceção um apêndice da própria regra. Enquanto a ordem jurídica reflete quase que exclusivamente os interesses burgueses, o estado de exceção se vislumbra apenas nos momentos de crise institucional, permitindo-se até identificar e justificar a exceção, que tem nome: estado de sítio. Na Constituição brasileira, o mecanismo de exceção está previsto nos artigos 137 a 139. Esse conjunto de noções nos conduz à compreensão de que o estado de exceção, para o desenvolvimento do modelo de sociedade capitalista é, na verdade, uma constante, variando apenas na intensidade, sobretudo quando visualizamos a realidade do ponto de vista da classe operária. Como dito por Walter Benjamin, “A tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de exceção em que vivemos é na verdade a regra

geral”, ou como expressa Gilberto Bercovici, assiste-se, historicamente, a um “estado de exceção permanente” – grifou-se. No estado de exceção permanente, a ordem jurídica vale episódica e seletivamente, na conveniência da preservação da ordem estabelecida, que, no capitalismo, coincide com os interesses da classe dominante, que detém os meios de produção ou que a ela se integra pela transferência de parcela relevantes da riqueza produzida para a formação de novas relações de exploração do trabalho, criando um teia de interesses que geram maior estabilidade reacionária ao sistema.

ANDES-SN: Como se insere a tentativa de “regulamentação” de greves nesse cenário? E o aumento da judicialização de greves? JLSM: Como forma de evidenciar ainda

mais o estado de exceção na vivência prática das relações de trabalho. Lembre-se do que se tem verificado nas greves. Se os trabalhadores em greve, ao promoverem um piquete, atingem o direito de ir e vir de alguém, ou enfrentam, de alguma forma, o direito de propriedade, a polícia, por intermédio de ação judicial, é chamada a agir. Comparecendo ao local, tratam de dispersar a mobilização, fazendo valer em concreto os direitos contrapostos aos direitos perseguidos pelos trabalhadores, mesmo que dentre eles se insiram direitos liberais clássicos como a liberdade de expressão, o direito de manifestação e o direito à integridade física - dado que muitas vezes a dispersão se dá pelo uso da força. Os trabalhadores se veem impedidos de exercer o direito de greve na forma eleita,


mesmo que esta seja uma garantia constitucional. Enquanto isso, o descumprimento da lei pelo empregador, que pode ser, em caso hipotético, o não pagamento de salários, que é um bem necessário à sobrevivência, não desafia a ação policial, tendo os trabalhadores que buscar o seu direito, se quiserem, pela via do processo, na forma já declinada. O importante, para a preservação dessa ordem de exceção permanente, é que as contradições não sejam reveladas. A fórmula básica para o desenvolvimento de uma racionalidade reacionária é a de tratar os fenômenos sociais de forma pontual e descontextualizados da história, destacando apenas os aspectos que possam justificar o resultado que se pretenda para preservação do “status quo”.

ANDES-SN: A greve da Universidade de São Paulo (USP) passou por um processo intenso de tentativa de criminalização. Como você avalia a posição da justiça do trabalho no caso? JLSM: A última greve da USP trouxe vá-

rias lições e muitas conquistas para a classe trabalhadora. O primeiro ato do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) foi destituir toda a sua diretoria. A greve foi gerida por um comando de greve, votado em assembleia, que se reunia diariamente. A comissão de greve da Associação dos Docentes da USP (Adusp – Seção Sindical do ANDES-SN), também eleita em assembleia, organizou vários atos, protestos, debates, textos, panfletos... Na busca de intensificar os ataques, a Reitoria, mesmo descumprindo obrigação constitucional de reajustar os salários, ou seja, mantendo a lógica de um reajuste zero, se valeu da via judicial, mas a estratégia foi frustrada seja pela forma como a greve estava organizada, seja pela impossibilidade mesmo de se declarar ilegal uma greve motivada pela ausência de reajuste. Foi bem aí que se revelou para o Judiciário toda a intransigência da USP. A força e a organização do movimento, além da consistência das reivindicações, contrapostas à postura autoritária da direção da universidade, foram decisivas na avaliação jurídica da greve, cuja declaração de ilegalidade foi negada de plano, utilizando-se a juíza do próprio argumento retórico que a reitoria havia utilizado perante a mídia de que a greve era fraca e ninguém na universidade a estava sentindo. As partes foram conduzidas, então, à negociação, onde as posições jurídicas do Desembargador David Furtado Meirelles, tendentes

à compreensão constitucional do direito de greve, recusando, por exemplo, o corte de ponto, foram favorecidas, novamente, pela falta de diálogo e de transparência do administrador da USP, que ao mesmo tempo em que se sentava à mesa de negociações no Tribunal de São Paulo se dirigia à Brasília com o objetivo de obter do Supremo Tribunal Federal (STF) uma decisão que lhe autorizasse cortar o ponto dos grevistas e com isso gerar sofrimento aos trabalhadores e derrotar o movimento. Mas ouviu do Supremo, mais uma vez, que o corte de ponto não é instrumento para se furtar ao diálogo. O resultado foi que a compreensão da relevância da greve avançou bastante, tendo

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ficado à mostra o quanto a ordem jurídica e o próprio Judiciário têm sido utilizados pelos patrões para evitar o diálogo com os trabalhadores e, em concreto, eliminar o direito de greve. A greve da USP foi, assim, um marco extremamente positivo para o conjunto da classe trabalhadora e para o Judiciário trabalhista, devendo-se muitos dos méritos ao poder de organização e da consciência de todos que se mobilizaram na greve, que foi sim histórica, queiram, ou não, alguns que ainda não compreenderam o seu alcance, até porque não conhecem o seu contexto fático, relatado aqui de forma extremamente resumida. Daniel Garcia/Adusp

Entrevista

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Movimentos Sociais

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Mais que um teto e quatro paredes

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direito à moradia vai além de um teto e quatro paredes. É o direto de qualquer pessoa ter acesso a um lar, com condições de se proteger do frio ou do calor, que tenha infraestrutura, em uma localização adequada, por um preço acessível e ainda com segurança de posse. Porém, essa realidade está longe para milhões de brasileiros, conforme pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro (FJP) relativa ao ano de 2012, em que se revelou que há um déficit habitacional no país de 5,792 domicílios. No ano anterior, o déficit correspondia a 5,889 milhões. O déficit habitacional é um número que leva em conta o total de famílias em condições de moradia inadequadas. Ele é calculado a partir da soma de quatro componentes: domicílios precários, que são as habitações improvisadas (imóveis comerciais, debaixo da ponte e viadutos, carro abandonado, etc.); coabitação familiar, quando duas ou mais famílias habitam a mesma casa e desejam constituir um novo domicílio; ônus excessivo com aluguel urbano, famílias que ganham até três salários mínimos e gastam 30% ou mais de sua renda com aluguel; e adensamento excessivo de domicílios alugados, domicílios em que o número médio de moradores por dormitório é maior do que três.

O déficit habitacional no Brasil é um problema a ser enfrentado. Segundo Paulo Rizzo, urbanista, arquiteto e presidente do ANDES-SN, a moradia é um direito básico para a sobrevivência. “Ela [moradia] é um direito, assim como para viver é necessário se alimentar, ter acesso a transporte, saúde. O direito à moradia não é só ter um teto, é preciso está relacionado ao direito à cidade, que é a luta ao direito do usufruto da cidade, o viver na cidade”, explicou. “As politicas públicas tratam a moradia como um mero abrigo”.

Lei A moradia adequada foi reconhecida como direito humano em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aceito e aplicável em todas as partes do mundo. No Brasil, o direito à moradia foi defendido pela primeira vez na Constituição Federal de 1988, que tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. De acordo o texto da Constituição, o Plano Diretor é obrigatório para municípios com mais de vinte mil habitantes de cada cidade, que define a política urbana e a função social de cada imóvel. A Carta Magna diz ainda que cabe ao Poder Público

municipal exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, o aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de parcelamento ou edificação compulsórios. Para regulamentar a política urbana brasileira em âmbito federal, em 2001 foi aprovada à lei ordinária do Estatuto da Cidade. Os princípios básicos são o planejamento participativo, a função social e a ideia das cidades sustentáveis. Além de definir uma nova regulamentação para o uso do solo urbano, o Estatuto prevê a cobrança de IPTU progressivo de até 15% para terrenos ociosos, a simplificação da legislação de parcelamento, o uso e ocupação do solo, de modo a aumentar a oferta de lotes, e a proteção e recuperação do meio ambiente urbano. Conforme Paulo Rizzo, o Estatuto da Cidade, teoricamente, “é uma lei muito bonita”, mas na prática ela não funciona. “Os planos diretores no Brasil são definidos a partir dos interesses privados, pois se exclui uma parte da sociedade. Ao invés de conter a especulação imobiliária, ele a reforça. O solo urbano para cumprir uma função social tem que ter uma utilização, o que não acontece no Brasil onde o direito a propriedade esta acima de qualquer direito”.


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Movimentos Sociais Especulação imobiliária A especulação imobiliária consiste na aposta do valor futuro de um determinado imóvel, desde uma sala comercial até um terreno vazio, sem intenção de utilizá-lo para nenhuma finalidade específica. Rizzo explica que a especulação imobiliária faz com que a população de mais baixa renda more cada vez mais longe ou em ocupações de terras em áreas de riscos. “Se admite o não uso da terra, que é o especulativo. As pessoas investem em terra e ficam aguardando a valorização dela, que se dá pelo investimento de toda a sociedade. E as prefeituras têm levado recursos em áreas já valorizadas, para valorizar ainda mais esses espaços”. Em decorrência desse processo, atualmente, há centenas de ocupações urbanas no Brasil, com maior ênfase na capital paulista, de acordo com Guilherme Boulous, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). “No último período elas [ocupações] têm se concentrado em São Paulo com mais intensidade. O que não quer dizer que não ocorram em outros lugares. Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Fortaleza e Rio de Janeiro, por exemplo, registraram importantes ocupações entre 2013 e 2014. Em São Paulo, as coisas estouraram com mais força por várias razões, em especial pelo brutal aumento dos aluguéis e também pelo fato do Movimento ser mais antigo e amplo aqui”, explicou. O MTST surgiu em 1997 com o objetivo de organizar trabalhadores nas periferias urbanas em luta por moradia digna. Ele explica que embora a moradia seja um direito, ela não é assegurada pelo Estado aos mais pobres. “O papel cumprido pelo Estado - com destaque para o Judiciário - é atacar e criminalizar aqueles que se levantam para lutar por moradia. Os despejos violentos no país são rotina. Normalmente conseguem por via judicial, dado o conservadorismo e elitismo do Judiciário. Mas quando não conseguem, ainda tem na manga a carta da barbárie. São os incêndios criminosos em favelas e ocupações, que têm servido como forma alternativa e perversa de despejar comunidades”. As ocupações de imóveis abandonados nas grandes cidades são compostas, essencialmente, por famílias com renda mensal menor que dois salários mínimos (valor do salário mínimo no país é de R$ 724,00), e emprego precário, conforme o coordenador do MTST. “Estão enforcados pelo aluguel, ou em coabitação com outras

famílias num mesmo imóvel, ou ainda em áreas de risco”, disse. Para Boulous, a luta por moradia esbarra hoje muito mais na questão da terra do que no financiamento para construção. “A terra urbana está sobrevalorizada. Terra em São Paulo, Rio de Janeiro ou outras capitais importantes vale ouro. E os programas oficiais não tocam neste ponto, que é o essencial”, afirmou. Eblin Farage, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Favelas e Espaços Populares (Nepef), explicou que nos últimos 15 anos ocorreu um aceleramento do processo de reocupação do espaço urbano. “Há todo um processo de transformação das cidades para atender os interesses do capital. A especulação imobiliária, a mais perceptível, em que áreas centrais abandonadas pelo poder público estão sendo revitalizadas servindo aos interesses da burguesia. E a preparação desses espaços para os megaeventos, como a Copa do Mundo (2014) e as Olímpiadas (2016). Tanto a especulação, como essa preparação, geram a remoção indireta ou a chamada expulsão branca.” A professora afirmou que existe uma ação direta do Estado de retirar esses trabalhadores, a população mais empobrecida, das aéreas centrais com a justifi-

Fonte: Relatório FJP

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cativa do investimento em infraestrutura. “A maior parte das obras não serve aos interesses dos trabalhadores, porque elas não significam obras para o transporte público ou quando são, não chegam a bairros mais periféricos”, o que segundo ela, privilegia a especulação imobiliária na revitalização de prédios comerciais, construções de áreas de lazer, e que não beneficiam o trabalhador.

MCMV Em 2009, para tentar diminuir o déficit habitacional, o Governo Federal lançou o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), programa que financia moradias para famílias com renda de até R$ 5 mil por mês. “O Minha Casa Minha Vida construiu 1,7 milhão de casas desde 2009. Mas há um dado inacreditável: o déficit em 2008 era 5,3 milhões de famílias e hoje é de 5,8 milhões. Ou seja, não basta construir casas. Nesta política só ganham as construtoras. É preciso reverter a política que produz diariamente novos sem-teto”, afirmou Guilherme Boulos. Eblin Farage elucidou que o processo de expulsão dessa população das áreas nobres se dá na medida em que a urbanização avança. “Esses trabalhadores são mandados para espaços, inclusive,


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mais próximos das indústrias, na medida em que elas saem dos centros urbanos. O Estado está presente, mas com uma política direcionada para os pobres. É o que chamamos de política de pobre para pobre. O Estado oferta tudo de baixa qualidade e muito aquém da demanda. Tem escola na periferia? Tem, mas ela fica abaixo da demanda que existe e é de baixa qualidade. Ela não tem estrutura, não tem investimento profissional”. Boulos explicou que a cada moradia que se constrói são produzidos novos sem-teto, na mesma proporção, pois “não há política urbana que enfrente a especulação”. Ele também chama atenção para o ônus excessivo com o aluguel que corresponde a 45% do total do déficit habitacional. “Esse item explodiu nos últimos anos, porque não há um controle da especulação imobiliária”. São 2,6 milhões de brasileiros que se enquadram nessa situação. Já as casas construídas para os pobres, de acordo com ele, acabam sendo vendidas para quem tem um pouco mais de renda, porque as famílias de classes mais baixas, com orçamento apertado, não conseguem assumir o financiamento. Conforme Guilherme Boulos, não se resolve o problema da moradia no país só construindo casas. “É preciso uma mudança profunda na política urbana do Brasil, uma verdadeira Reforma Urbana. Enquanto a política urbana estiver nas

Movimentos Sociais

Fonte: Relatório FJP

mãos do setor imobiliário - construtoras, incorporadoras e proprietários de terra o valor da terra continuará aumentando e as pessoas continuarão sendo expulsas para regiões ainda mais periféricas por não conseguirem pagar aluguel”. Para o presidente do ANDES-SN, Paulo Rizzo, é preciso exigir do Estado políticas reais de combate à especulação imobili-

ária para baixar os preços dos terrenos e imóveis na cidade e uma maior produção de moradias subsidiadas. “E, excepcionalmente, tem que ter aumento de salário, para que os trabalhadores consigam ter acesso a tudo que é necessário na sua vida. Eu não sei de nenhuma solução de moradia ou da reforma agrária que tenha sido feita sem luta”.


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