InformANDES SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDES-SN
Informativo Nº 66 Brasília (DF) Janeiro de 2017
Defesa dos direitos de aposentadoria marca início das lutas em 2017
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o último mês de 2016, o presidente Michel Temer enviou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, que institui uma nova contrarreforma da Previdência, retirando direitos de aposentadoria de grande parte dos trabalhadores brasileiros, para seguir pagando juros e amortizações da dívida pública.
Cuiabá sediará o 36º Congresso do ANDES-SN, instância máxima de deliberação do Sindicato Nacional, onde docentes debaterão educação, condições de trabalho, a conjuntura e os desafios para a classe trabalhadora. 3
Se a PEC for aprovada, o brasileiro terá que contribuir por 49 anos para receber a aposentadoria integral, e a pensão por morte será reduzida pela metade. Este não será o primeiro ataque à Previdência Social. Desde a promulgação da Constituição, em 1988, o sistema previdenciário brasileiro vem sendo desmontado, sob o constante argumento de déficit, para favorecer o Capital. 8 a 11
Trabalhadores chilenos travam luta pelo fim dos fundos de pensão, instituídos pelo governo ditatorial de Pinochet, e em defesa de uma previdência pública, universal e por repartição.
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Em entrevista, Eblin Farage, presidente do ANDES-SN, fala sobre a conjuntura e destaca a necessidade da unificação da luta, diante dos ataques sofridos e das ameaças aos trabalhadores no Brasil.
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Editorial
O centenário da Revolução Russa, o cinquentenário do assassinato de Che Guevara e os desafios de 2017
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m 2017, os trabalhadores e trabalhadoras do mundo comemoram o centenário da Revolução Russa e o legado do grande líder revolucionário Ernesto Che Guevara, assassinado há cinquenta anos. A Revolução de Outubro de 1917 mudou os rumos da história, concretizando as possibilidades de tomada do poder pela classe trabalhadora e enchendo de esperança e otimismo a luta dos trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo. Por outro lado, o sucesso da Revolução Cubana, no final dos anos 50, abria um novo horizonte para os países subdesenvolvidos, em particular na América Latina, no combate ao imperialismo estadunidense, tendo Che Guevara e Fidel Castro como grandes lideranças, inspiradoras de diversos movimentos revolucionários na segunda metade do século XX. A queda do muro de Berlim não significou o triunfo do capitalismo com previram alguns apologistas do capitalismo. Pelo contrário, vivenciamos e assistimos o crescimento em países da Europa, África, Américas e Ásia de lutadores e lutadoras identificados com o sindicalismo de lutas e com a necessidade de transformação social, como no caso da Rede Sindical Internacional de Solidariedade e Lutas, ferramenta comum internacional, que congrega várias organizações de caráter
anticapitalista, autogerido, democrático, ambientalista, autônomo em relação a governos e patrões e internacionalista – da qual a CSP-CONLUTAS, a nossa central, faz parte. Cem anos após a Revolução Russa e cinquenta anos após a morte de Che Guevara, os desafios para a classe trabalhadora e juventude no Brasil e no mundo são imensos. O recrudescimento conservador e os ataques aos direitos sociais dos trabalhadores e trabalhadoras, aqui e acolá, devem ser enfrentados com a mesma determinação dos revolucionários do século passado. As lutas empreendidas em 2016 irão se acirrar nesse ano com as contrarreformas da Previdência e Trabalhista, e os cortes orçamentários criminosos, como por exemplo, o corte de quase 90% do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações levada a cabo por meio de uma manobra do Congresso Nacional. Por isso, devemos continuar construindo a greve geral, em unidade com os vários setores da classe. Não por ironia do destino, o ano de 1917 é também o momento da primeira greve geral no Brasil, na cidade de São Paulo, construída com a adesão e solidariedade de toda a classe trabalhadora da cidade, que transforou-se em uma mobilização das mais abrangentes e longas da história
do Brasil, determinada pela insatisfação das massas, com desdobramentos vitoriosos. É nesse contexto de ataques e resistências, de memórias e novas construções internacionalistas de organização da classe trabalhadora, de enormes e perenes contradições que envolvem a realidade, que os militantes do ANDES-SN irão se reunir em Cuiabá, para realizar o seu 36º Congresso, armando-se para a luta nos mais diversos fronts, lembrados pelo “velho” Marx que os trabalhadores nada têm a perder em suas lutas e revoluções, a não ser suas correntes. Os da época de Marx e, mais do que nunca, os de hoje.
EXPEDIENTE O Informandes é uma publicação do ANDES-SN // site: www.andes.org.br // e-mail: imprensa@andes.org.br Diretor responsável: Giovanni Frizzo // Redação: Bruna Yunes Drt-DF 9045, Mathias Rodrigues MTb 10126, Renata Fernandes Drt -DF 13743 Fotos: Renata Maffezoli // Edição: Renata Maffezoli - Mtb 37322 // Diagramação: Renata Fernandes
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36º Congresso
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36º Congresso do ANDES-SN definirá plano de lutas para 2017 Entre 23 e 28 de janeiro, docentes deliberarão sobre ações e atividades que irão compor o plano de lutas do Sindicato Nacional
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cidade de Cuiabá (MT) acolherá, mais uma vez, docentes de todo o país, que estarão reunidos, entre 23 e 28 de janeiro, no 36º Congresso do ANDES-SN, para definir os Planos de Lutas – gerais e específicos dos três setores - para 2017. Sob o tema "Em defesa da educação pública e contra a agenda regressiva de retirada dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras", a 36ª edição está sendo organizada pelo ANDES-SN, com apoio da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso (Adufmat - Seção Sindical do ANDES-SN), que já organizou em 1992, o XI Congresso, e, em 2006, o 25º Congresso do Sindicato Nacional. Em 1984, também na capital mato-grossense, foi realizado o X Conad do ANDES-SN. Instância máxima de deliberação do Sindicato Nacional, o Congresso Nacional
do ANDES-SN é o momento para a reflexão e discussão sobre educação pública, as condições de trabalho dos docentes, a conjuntura e os desafios para a classe trabalhadora. Para Alexandre Galvão Carvalho, secretário-geral do ANDES-SN, o Congresso tem como meta estabelecer estratégias para o ano vigente, que será de intensas mobilizações por conta das propostas de Contrarreformas Trabalhista e Reforma Previdenciária, a serem votadas pelos parlamentares, e ainda pelas propostas legislativas aprovadas no ano anterior como a PEC 55 (agora EMC 95/2016), que congela os gastos públicos por 20 anos, e a Lei Complementar 156 (antigo PLP 257 renegociação das dívidas dos estados) e a MP 746 ( atual PLV 34 - contrarreforma do Ensino Médio). “Essa conjuntura que estamos vivendo agora vai levar todos
os docentes que participarão do 36º Congresso a refletir, pensar e preparar a categoria para a luta. O principal objetivo do Congresso é esse: encontrar o caminho para estarmos prontos para 2017 que será um ano de muita luta”. Galvão destaca ainda o quanto é importante a participação dos docentes, uma vez que o 36° Congresso do ANDES-SN se realizará em um momento de intensa mobilização da classe trabalhadora, juventude, e movimentos sociais e populares contra os ataques do governo ilegítimo de Michel Temer, e dos governos estaduais, aos direitos trabalhistas.
Luta local Reginaldo Araújo, presidente da Adufmat-SSind, explica que neste momento a seção sindical em Cuiabá está mobilizada e trabalhando para realizar o 36º Congresso do ANDES-SN e receber docentes de todo o Brasil nas melhores condições possíveis, afim de possbilitar o debate na maior tranquilidade. “Dada a conjuntura, talvez este Congresso seja uma dos mais importantes, na condição de organização da classe trabalhadora ao enfretamento direto da tentativa de retirada de direitos dos trabalhadores, de retirada de políticas e recursos que sustentam as políticas públicas no país", disse.
36º Congresso do ANDES-SN Tema: “Em defesa da educação pública e contra a agenda regressiva de retirada dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras" Data: 23 a 28 de Janeiro de 2017
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Mundo do Trabalho
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Movimento Docente
Docentes ampliarão mobilização em 2017
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ano de 2017 inicia com a perspectiva de muitas lutas para a categoria docente. Após um conturbado 2016, no qual, em meio à crise política, social e econômica, o governo, o Congresso Nacional e o judiciário desferiram seguidos ataques aos direitos sociais, a expectativa é que a resistência dos trabalhadores aumente para barrar os ataques que virão. Um passo para ampliar a mobilização foi a construção da Greve Nacional Docente em 2016, que teve início em 24 de novembro e paralisou 44 instituições de ensino. A pauta que fez a categoria cruzar os braços foi a rejeição à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55/16, que corta investimentos em áreas como educação e saúde por vinte anos, e à contrarreforma do Ensino Médio, que além de ter sido implementada de maneira antidemocrática, por meio de Medida Provisória, permite, por exemplo, que pessoas com notório saber deem aulas. Alexandre Galvão, secretário-geral do ANDES-SN, avalia positivamente a mobilização da categoria. “Acredito que a Greve Nacional Docente, que reuniu os setores das Ifes e das Iees/Imes, cumpriu um papel fundamental na defesa do
ensino público de qualidade, pois eclodiu junto com movimentos paredistas de outros setores da educação, como o de técnico-administrativos e docentes dos Institutos Federais, além das ocupações estudantis”, afirma. “Esses diversos setores conseguiram organizar um movimento forte e coeso como há muito tempo não se via no setor da educação pública, e mostrar à população, por meio da luta, os malefícios da PEC 55 e da contrarreforma do Ensino Médio, produtos da Contrarreforma do Estado. Neste sentido, o setor da Educação assumiu um papel protagonista nas lutas da classe trabalhadora e da juventude”, completa Alexandre Galvão. Para o secretário-geral do ANDES-SN, a unidade da luta também resultou em ações de grande mobilização nacional, como os atos do dia 29 de novembro, em Brasília, e do dia 13 de dezembro, nos estados. De acordo com Galvão, somente uma greve com forte adesão e com uma pauta unificada poderia mobilizar tanta gente nos dias da votação da PEC 55 no Senado, agregando outros setores do serviço público e da classe trabalhadora. “Essa unidade resultou também em uma forte solidariedade entre as cate-
gorias, em particular, a solidariedade dos docentes aos estudantes nas ocupações, tanto política como material. Não tenho dúvidas que as ocupações elevaram o patamar da luta e se constituíram em um forte incentivo à deflagração da greve, além das greves de Fasubra e Sinasefe”, ressalta o diretor do Sindicato Nacional. Alexandre Galvão conclui lembrando que a Greve Nacional Docente de 2016 foi a primeira em décadas a reunir os dois setores do ANDES-SN. “Essa foi uma grande vitória. Discutida e deflagrada em reuniões conjunta dos dois setores, a greve assumiu um papel nacional, extrapolando as pautas específicas dos setores, e contribuindo para fortalecer bandeiras de lutas que aglutinam todos os docentes em defesa de um projeto de Universidade pública, gratuita, de qualidade, laica e socialmente referenciada. Neste sentido, o ANDES-SN sai fortalecido do movimento paredista, pois ficou claro que a greve foi apenas um passo, de fato, muito importante, em uma intensa e crescente jornada de lutas”, diz.
Perspectivas de luta em 2017 Para o diretor do ANDES-SN, o objetivo da luta em 2017 será barrar a
Movimento Docente retirada de direitos, e, segundo Galvão, isso só será possível com a ampla unidade dos trabalhadores, estudantes e movimentos sociais, no sentido de construir uma Greve Geral. “A Contrarreforma do Estado visa destruir o serviço público e os direitos sociais. Não há alternativa aos docentes da base do ANDESSN que não seja a mobilização em unidade com os mais amplos setores do funcionalismo público e da classe trabalhadora, dos quais a greve já foi um poderoso exemplo. A Greve Geral é instrumento absolutamente necessário diante de todos os ataques que estamos sofrendo”, diz o secretário-geral do Sindicato Nacional. “A Greve Nacional Docente potencializou a necessidade de construção, pelas centrais sindicais, da Greve Geral, instrumento fundamental de luta, para barrar os ataques aos direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora. Nos mesmos moldes das manifestações de Brasília, fortemente reprimidas, a classe trabalhadora e a juventude deverão se preparar para os enfrentamentos oriundos do projeto de Reforma da Previdência, já anunciada pelo ilegítimo governo Temer”, ressalta. Segundo Galvão, apesar da aprovação da PEC 55 e da contrarreforma do Ensino Médio, a greve dos docentes da base do ANDES-SN abre grandes perspectivas para futuras lutas, tanto para o setor da educação quanto para a classe trabalhadora. “Entendida como uma greve que tencionava barrar algumas das medidas mais duras do ajuste fiscal do ilegítimo
Governo Temer e dos ataques à autonomia do trabalho docente, em um contexto de recrudescimento do conservadorismo, o movimento revigora a categoria para os ataques vindouros, como a contrarreforma da Previdência, a trabalhista e a continuidade dos cortes orçamentários à educação”, completa o docente. O 36º Congresso do ANDES-SN, que será realizado no final de janeiro na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), em Cuiabá, em organização conjunta com a Associação dos Docentes da UFMT (Adufmat – Seção Sindical do ANDES-SN), será o grande espaço de debate da categoria sobre os rumos e formas de luta que os docentes tomarão em 2017 para barrar os ataques. No Congresso, o Sindicato Nacional atualizará seus Planos de Luta, que balizarão
Servidores estaduais têm duras batalhas para travar O ano de 2017 será de muita luta também para os servidores públicos estaduais, em especial os do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul – estados onde os governos locais têm sucessivamente atrasado pagamento de salários e realizado cortes nos serviços públicos. As universidades estaduais fluminenses não têm condições de iniciar o ano letivo devido à falta de pagamento, desde novembro de 2016, dos salários e bolsas, e repasse de verbas de custeio. A situação é a mesma nas demais áreas do serviço público do Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul, além do parcelamento do pagamento dos salários, e da crise que assola a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) há anos, o governo gaúcho recentemente aprovou a retirada da lei que prevê a data-limite de pagamento dos vencimentos dos servidores até o último dia do mês; o fim da obrigatoriedade de realização de plebiscito para privatizar empresas como a de energia elétrica; e a extinção de nove fundações, uma autarquia e uma companhia.
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as ações do ANDES-SN no combate à retirada de direitos. Alguns dos projetos que já estão em curso e atacam diretamente os direitos dos trabalhadores serão o foco das ações e dos debates do ANDES-SN. Entre eles, estão a contrarreforma da Previdência, a contrarreforma Trabalhista, a Escola Sem Partido e projetos que privatizam bens públicos. Além disso, o Sindicato Nacional se debruçará sobre os cortes orçamentários em áreas como Educação e Ciência e Tecnologia. Apenas no Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI), uma manobra do Congresso Nacional fez com que 89% do orçamento da pasta (R$ 1,712 bilhão) fosse transferido a uma fonte de recursos condicionados, ou seja, que podem não existir.
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Contrarreforma representa destruição da Previdência Pública
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o dia 6 de dezembro de 2016, o presidente Michel Temer enviou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, que institui a Contrarreforma da Previdência, retirando direitos de grande parte dos trabalhadores brasileiros para seguir pagando juros e amortizações da dívida pública. Caso a PEC seja aprovada, o brasileiro terá que contribuir 50 anos para a Previdência para receber aposentadoria integral limitada ao teto pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), hoje de R$ 5.189,82, e a pensão por morte será reduzida pela metade. As novas regras de aposentadoria previstas na PEC valerão para homens com idade inferior a 50 anos e mulheres com menos de 45 anos. Embora na proposta do governo, a idade mínima de aposentadoria, sem receber valor integral seja de 65 anos para homens e mulheres e 25 anos de contribuição, essa regra poderá ser alterada automaticamente, ao longo dos anos, caso haja
aumento na expectativa de vida do brasileiro, elevando assim esse teto mínimo. No entanto, se houver queda de expectativa de vida, a regra não se alterará. As regras serão as mesmas para trabalhadores do setor privado e para os servidores públicos. Se promulgada a emenda constitucional, todos receberão, como piso dos benefícios, o salário mínimo, atualmente R$ 880,00. O teto, para ambos, será equivalente ao valor máximo pago pelo INSS . Pela proposta, os benefícios serão corrigidos anualmente. No caso dos servidores públicos dos estados e dos municípios, haverá prazo de até dois anos para a constituição de fundos de previdência complementar, a exemplo do que já ocorre na União, com o Funpresp, e em alguns estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Aqueles que desejarem receber acima do teto terão que contribuir para o fundo. A PEC não incluirá a aposentadoria dos militares. As regras previdenciárias dos militares serão encaminhadas em forma
de projeto de lei. Os policiais e bombeiros militares passarão a seguir as regras dos servidores civis e caberá aos estados propor legislação estadual. A alteração valerá apenas para os futuros policiais militares. Para os atuais profissionais, caberá aos estados e Distrito Federal definirem as regras de transição, desde que seja considerada a idade mínima de 55 anos para reforma ou reserva remunerada.
ANDES-SN repudia a contrarreforma João Negrão, 2º tesoureiro e um dos coordenadores do Grupo de Trabalho de Seguridade Social e Assuntos de Aposentadoria (GTSSA) do ANDES-SN, critica a contrarreforma. “A contrarreforma da Previdência significa a retirada de direitos, duramente adquiridos ao longo da história do Brasil e da luta dos trabalhadores. É devastador o efeito que terá essa Contrarreforma, e isso é mais grave ainda porque ela é baseada numa mentira, que é de que existiria um déficit
Matéria Central na Previdência”, afirma o docente. Para o diretor do ANDES-SN, as alterações propostas pelo governo sinalizam para a privatização da previdência brasileira, beneficiando setores como os bancos, que poderão capitalizar a aposentadoria dos trabalhadores como bem quiserem. “A PEC 287/2016 aponta, sem dúvida, para uma tentativa de transformar a Previdência em uma capitalização privada. Se, por um lado, você desobriga o Estado da gestão da Previdência, por outro, você abre mercado para os bancos capitalizarem e começarem a usar o dinheiro do trabalhador”, diz Negrão. A Previdência representa a segunda maior fatia de destinação do orçamento brasileiro. Em 2015, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, a área recebeu 22,9% do orçamento, ficando atrás, apenas, dos 42,43% destinados ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Para João Negrão, não é por acaso que o governo tenta reformar a Previdência, pelo fato de que a área movimenta muito dinheiro. “O governo representa os interesses do Capital, então tudo que puder ser feito para favorecer o Capital, será feito. Cria-se essa fantasia da Previdência deficitária e acabam convencendo parte da população de que é necessário mudar o sistema, e
que a contrarreforma é a melhor saída”, comenta o docente. Sobre a equivalência de idade mínima e tempo de contribuição entre homens e mulheres, proposta na contrarreforma, João Negrão também têm críticas. Para o coordenador do GTSSA do Sindicato Nacional, a medida é machista. “A paridade entre homens e mulheres é uma política machista, porque desconsidera que vivemos em uma sociedade onde as mulheres cumprem duplas ou triplas jornadas de trabalho, por conta da própria organização social machista. Muitos homens não realizam os trabalhos reprodutivos”, comenta. Outra medida polêmica na PEC 287 é a necessidade dos trabalhadores rurais contribuírem financeiramente com a Previdência, quando atualmente é necessário apenas comprovar que a idade mínima de trabalho foi atingida. João Negrão afirma que a aposentadoria rural, apontada pelo governo como uma das culpadas pelo “déficit”,é, na verdade, um benefício de assistência social concedido aos trabalhadores que colocam a comida na mesa dos brasileiros todos os dias. “A jornada de trabalho rural é extremamente difícil de medir. Não há controle de ponto para plantar, colher, etc. E um dos aspectos que se coloca no discurso do
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déficit é baseado na questão da aposentadoria rural. Essa sim é deficitária, mas ela o é porque não houve contribuição anterior. No fundo, a aposentadoria rural não é Previdência, é um programa de assistência social para pessoas que nunca foram incluídas na Previdência e tinham que ser acolhidas pelo Estado. Eles contribuíram economicamente para o país, e é por isso que se criou essa aposentadoria. Os trabalhadores e trabalhadoras rurais colocam comida na mesa do brasileiro, realizam um trabalho fundamental”, diz o docente, que acredita que, caso a Contrarreforma da Previdência seja aprovada, será o fim da aposentadoria dos trabalhadores rurais. “No final das contas, a ideia parece ser ir retirando direitos, até chegar ao ponto em que, quem não tem dinheiro, não estuda, não se aposenta, não sobrevive”, conclui, o coordenador do GTSSA do ANDES-SN.
Histórico de contrarreformas Prevista no Brasil pela primeira vez na Constituição de 1824 como “socorros públicos”, a Previdência só passou, no entanto, a existir para além do texto da Carta Magna em 1891. Após três constituições e muitas mudanças no sistema previdenciário, chegou-se ao modelo atual, previsto na Constituição Federal de 1988.
Trabalhadores ficam com a conta do rombo nos fundos de pensão A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Fundos de Pensão da Câmara dos Deputados investigou os indícios de fraude e má gestão dos quatros fundos de previdência complementar de funcionários de estatais e servidores públicos, entre 2003 e 2015, que causaram prejuízos aos seus participantes. O relatório final, apresentado em abril de 2016, sugeriu ao Ministério Público o indiciamento de 353 envolvidos (entre pessoas e instituições), apontadas como responsáveis por um prejuízo de R$ 6,6 bilhões aos quatro fundos de pensão – Previ, Postalis, Petros e Funcef. Além dos desvios apurados pela CPI, os fundos de pensão apresentaram nos últimos períodos resultados negativos. De acordo com a Previc, dez fundos de pensão acumularam no ano passado 80% do déficit registrado, sendo nove patrocinados por estatais, das quais oito são federais. Trabalhadores e aposentados da Petrobras (Petros), do Correios (Postalis) e da Caixa Econômica Federal (Funcef) já foram chamados à pagar a conta dos rombos. Os 57 mil contribuintes do Funcef, por exemplo, começaram a pagar, em maio de 2016, uma tarifa adicional de 2,73% sobre suas contribuições - para os já aposentados, isso significa receber 2,73% a menos nos benefícios. Já o déficit bilionário do Postalis também criou uma despesa expressiva para os mais de 100 mil trabalhadores e aposentados dos Correios, que terão de fazer uma contribuição extra de 17,92% dos benefícios, por um período de 23 anos (até 2039). No caso da Petros, o rombo de R$ 16,1 bilhões será dividido igualitariamente entre a Petrobras e trabalhadores, aposentados e pensionistas, ao longo de 18 anos. Desta maneira, os participantes do fundo terão que aumentar suas contribuições financeiras ao Petros, a partir deste ano.
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Naquele ano, a Previdência foi considerada constitucionalmente um direito social e, dois anos depois, em 1990 foi criado o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que recebe as contribuições para a manutenção do Regime Geral da Previdência Social, sendo responsável pelo pagamento da aposentadoria, pensão por morte, auxílio-doença, auxílio-acidente e outros benefícios. Com a publicação de diversas emendas constitucionais nos últimos quinze anos - E.C. n° 20/1998, E.C. n° 41/2003, E.C. n° 47/2005 - os requisitos de elegibilidade para uma aposentadoria e a forma de cálculo dos benefícios foram alterados, com perdas de direitos e prejuízos financeiros para os trabalhadores. A Emenda nº 20/98, do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), autorizou a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios a limitarem o valor das aposentadorias e pensões dos servidores públicos ao valor do teto do benefício pago pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS), desde que sejam instituídos fundos de pensão. Dando continuidade à contrarreforma de FHC, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva aprovou a Emenda Constitucional nº 41/2003, que alterou a redação da Emenda nº 20/98, substituindo a exigência de Lei Complementar (maioria absoluta), para definir as normas gerais dos fundos de pensão por Lei Ordinária (maioria simples), e para determinar que os planos de benefícios dos fundos de pensão fossem somente na modalidade
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de Contribuição Definida. A forte resistência das entidades nacionais de servidores públicos federais, entre as quais o ANDES-SN teve papel preponderante para impedir as várias tentativas feitas nos governos de FHC e Lula da Silva de regulamentar o fundo de pensão para os servidores federais. No entanto, apesar da intensa luta dos servidores, a presidente Dilma Rousseff, contando com uma ampla base de apoio no Congresso Nacional, conseguiu aprovar, por maioria simples, o PL 1992/2007, enviado ao Congresso ainda no governo Lula, que foi transformado na Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012. A Lei 12.618/2012, que instituiu o Regime de Previdência Complementar (RPC) para os servidores, autorizou a criação de três Entidades Fechadas de Previdência Complementar- nome oficial dos chamados fundos de pensão – Funpresp-EXE, Funpresp-Jud e FunprespLegis - para administrar o plano de benefício dos servidores dos três poderes: Executivo, Judiciário e Legislativo.
Como é a Previdência? O Sistema Brasileiro de Previdência Pública é formado por dois Regimes: Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e Regime Próprio da Previdência Social (RPPS). O RGPS, a cargo do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), é público e de caráter obrigatório para todos os trabalhadores que exercem atividade remunerada. Via de regra, é destinado aos trabalhadores regidos pela Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), mas também é obrigatório para os servidores públicos não estatutários (temporários e ocupantes de cargos comissionados, de livre nomeação e exoneração, exclusivamente). De amplitude nacional e caráter contributivo, possui teto de contribuição e de benefício, atualmente de R$ 5.189,82. O Plano é de Benefício Definido e o Regime Financeiro é de Repartição Simples, e faz parte do sistema de Seguridade Social, que também custeia as despesas com Saúde e Assistência Social. O Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), de responsabilidade dos respectivos tesouros (União, estados e municípios), é público e de caráter obrigatório para os detentores de cargo efetivo, no caso dos servidores civis, e para os servidores militares, no caso das Forças Armadas. Os planos ofertados são de Benefício Definido, o Regime Financeiro é de Repartição Simples e faz parte do orçamento fiscal. Um terceiro regime foi instituído pela Emenda Constitucional nº 20/98: o Regime de Previdência Complementar (RPC). Este é um regime privado, facultativo (opcional), de contribuição definida, organizado na forma de entidade aberta (bancos e seguradoras) ou entidade fechada (fundos de pensão), e se baseia na constituição de reservas (pecúlio). Apesar do nome, Previdência complementar, não se pode confundir com Previdência Social, pois, além de seu ingresso ser caracterizado como eminentemente facultativo, sua sustentação depende dos investimentos feitos com o dinheiro dos trabalhadores no mercado financeiro, sem qualquer relação com as garantias existentes na previdência social oficial. Portanto, em caso de dificuldades nas aplicações financeiras, o Estado não poderá ser acionado para indenizar os trabalhadores vinculados ao regime de previdência complementar. Recentemente, diversos fundos de pensão registraram perdas, que foram repassadas aos contribuintes, como o Postalis (Correios), Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa).
A farsa do déficit Um dos argumentos mais repetidos por aqueles que querem modificar o sistema de Previdência Social no Brasil é o fato de
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Matéria Central apresentar prejuízo aos cofres públicos e ser deficitário. A justificativa é rebatida por vários pesquisadores e por diversas entidades dos movimentos sindical e social, os quais ressaltam que, seguindo os preceitos constitucionais, a alegação do déficit é inverídica. A Constituição prevê um sistema de Seguridade Social, composto pela Previdência Social, Saúde e Assistência Social, que não é colocado em prática, orçamentária e financeiramente. Mesmo analisando a Previdência fora do sistema de Seguridade Social, é possível perceber a fragilidade do discurso de “rombo”. A Desvinculação de Receitas da União (DRU), instrumento criado em 1994 para facilitar o uso do orçamento das diversas áreas na geração de superávit primário, atinge diretamente a Seguridade Social. A DRU prevê que a desvinculação de 20% das receitas de impostos e contribuições não sejam destinadas às despesas originalmente previstas. Com isso, parte do dinheiro arrecado para a Previdência é utilizado para o pagamento de juros e amortização da dívida pública, e não para sua finalidade, qual seja pagar a aposentadoria e pensão dos trabalhadores contribuintes. João Negrão reforça o argumento de que o déficit da Previdência é uma farsa. “É um déficit inventado, até porque a Constituição de 1988 criou o conceito
de Seguridade Social, abrangendo o SUS, Previdência e Assistência Social. Com isso, você não tem déficit, e sim superávit, mesmo com a diminuição da arrecadação por conta da crise econômica. O grande objetivo da Contrarreforma é, na verdade, a desobrigação do Estado para com o trabalhador, a destruição dos direitos trabalhistas e a financeirização do modelo de Previdência”, critica o docente, que lembra que, em 2014, a Seguridade Social teve superávit de R$ 56 bilhões e, em 2015, de R$ 20 bilhões.
Ação contra propaganda do governo Entidades da sociedade civil, entre elas a Auditoria Cidadã da Dívida, entraram com uma ação popular em janeiro, com pedido de suspensão liminar da propaganda veiculada pelo governo federal, intitulada “Previdência. Reformar para garantir o amanhã”. De acordo com as entidades, “a campanha política se utiliza de recursos públicos para induzir a opinião pública a apoiar a proposta de Reforma da Previdência e Assistência Social, com base em argumentos contestáveis e muitos deles mentirosos”. A Auditoria Cidadã da Dívida ainda cita que o secretário da Previdência Social da Presidência da República, Marcelo Caetano, já se reuniu mais de 20 vezes
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com bancos e empresas de investimentos em previdência complementar para debater a PEC 287/2016. Outra propaganda a favor da contrarreforma que causou polêmica foi a capa da revista Exame, do grupo Abril, que traz uma foto do cantor inglês Mick Jagger, do grupo Rolling Stones, ressaltando os pontos positivos de trabalhar na terceira idade. Para João Negrão, coordenador do GTSSA do ANDES-SN, o objetivo do governo e dos meios de comunicação é convencer a população de que trabalhar até o fim da vida é saudável. “É algo que não leva em consideração outros aspectos da vida humana. É só o trabalho que me dignifica? Isso faz parte da exploração do capitalismo, da ideia de sugar a força de trabalho ao máximo, até que o trabalhador não tenha nada para fornecer, para produzir lucros. É uma tentativa de exploração ao máximo, é a barbárie total e absoluta. É a destituição de todos os outros aspectos da vida de um trabalhador, que não o trabalho. Não existe lazer, trabalho intelectual, existe apenas o trabalho que gere lucro para alguém. Quando você começa a mostrar na mídia pessoas que trabalham com mais de 70 anos, você está tentando mostrar isso. Mas é possível trabalhar no chão de fábrica até os 70 anos?”, questiona o docente.
Entenda alguns dos retrocessos da PEC 287 Idade de aposentadoria: Uma das consequências da Contrarreforma será que os homens trabalharão, em média, 12 anos mais para conseguirem se aposentar, enquanto as mulheres trabalharão 17 anos mais para poderem se aposentar. Contribuição dos servidores: Nacionalizando a proposta feita nos pacotes de "maldade" dos governadores Pezão (RJ) e Sartori (RS), todos servidores passarão a contribuir com 14% de seus salários para a Previdência. Hoje, estão percentual de contribuição é11%. Trabalhadores rurais: Atualmente, para o trabalhador rural ter garantido o direito à aposentadoria, basta comprovar que trabalhou no campo e ter atingido idade mínima. Com a PEC 287/2016, será necessário recolher contribuição ao INSS. No entanto, boa parte dos trabalhadores no campo são ‘boias-frias’ não registrados. Na prática, isso abolirá o direito à aposentadoria. Pensões: Redução no valor de 100% para 50%, com acréscimo de 10% para cada filho menor de idade.
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Internacional
Diario y Radio Uchile - Universidad de Chile
Chilenos lutam contra modelo privado de previdência
E
nquanto o governo federal brasileiro tenta, a todo custo, aprovar seu projeto de contrarreforma da Previdência que retira direitos dos trabalhadores e aposentados, em outros países do mundo essa discussão também está presente. Não por acaso, a previdência tem sido foco de políticas de ajuste fiscal ao redor do mundo, dada a quantia de dinheiro que as políticas de seguridade social movimentam. No Brasil, a ideia da contrarreforma de Temer parece ter como objetivo incentivar que os trabalhadores migrem da Previdência pública, que ficaria ainda mais inacessível, para fundos de pensão privados, ou fundos de capitalização. Esse modelo foi implantado pela primeira vez no Chile, em 1981, em meio ao duro regime ditatorial de Augusto Pinochet (1973-1990), e foi utilizado como exemplo nas décadas seguintes para diversas contrarreformas no mundo, especialmente nos países do Leste Europeu, que se
abriam para o sistema capitalista.
Terapia de Choque Assim como em outras áreas, o Chile virou o laboratório das políticas neoliberais formuladas pelo economista estadunidense Milton Friedman, que, à época, afirmou que era necessária uma “terapia de choque” para privatizar rapidamente os serviços públicos chilenos. A Previdência do Chile, então pública, universal e por repartição, foi transformada em um grande sistema de capitalização, que oferece pouco retorno financeiro aos contribuintes, mas grandes margens de lucros para os dirigentes das Associações de Fundos de Pensão (AFP). Os trabalhadores chilenos realizam contribuições forçadas, destinando 10% de seus salários para as AFP, que funcionam de maneira similar aos fundos de pensão brasileiros, como o Funpresp. Quando se aposentam, os trabalhadores chilenos recebem aposentadorias
menores do que os valores investidos ao longo dos anos. As AFP administram mais de 150 milhões de dólares provenientes dos salários dos trabalhadores, e utilizam essa quantia para investir em empresas ou em ações na bolsa de valores. As perdas dessas operações são socializadas entre os trabalhadores, o que faz com que muitos tenham que seguir trabalhando após a aposentadoria. Com o crescimento dos escândalos envolvendo os dirigentes das AFP, que lucram enquanto realizam investimentos ilegais de alto risco com o dinheiro dos contribuintes, e com as aposentadorias cada vez menores, os chilenos passaram a protestar contra o sistema privado de Previdência. Movimentos sociais e sindicais criaram a organização No + AFP (Não mais AFP), que, ao longo dos anos, cresceu seu poder de mobilização. Em 2016, a organização realizou marchas que chegaram a levar, em um só dia, mais de um milhão de pessoas foram às ruas do
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país – quase 6% da população do Chile. Em janeiro de 2017, o jornal El Desconcierto denunciou que as AFP investiram mais de 120 milhões de dólares (mais de R$ 380 milhões) nos últimos dez anos em operações financeiras ilegais. A maioria desse dinheiro foi investida em ações de alto risco, proibidas pela legislação previdenciária chilena. As AFP administram anualmente no Chile um valor semelhante à soma dos Produtos Internos Brutos (PIB) de Jamaica, Paraguai, Honduras, Bolívia, Eslovênia e Montenegro.
No + AFP Luis Mesina, dirigente do Sindicato dos Bancários do Chile, é o porta-voz da organização No + AFP. Em entrevista ao semanário chileno The Clinic, ele explicou os motivos que levam o povo a lutar contra o sistema privado de Previdência. Segundo Mesina, as AFP administram os 10% dos salários dos chilenos destinados mensalmente à previdência, e cobram uma comissão de 1,5% do total desse valor. “Isso representa uma quantidade enorme de recursos, o sistema permitiu que as AFP tenham uma rentabilidade gigantesca durante os últimos anos, e que paguem altos bônus aos donos dessas associações. Apenas em 2015, 45 diretores das AFP receberam 1,2 bilhão de pesos (o equivalente a R$ 5,7 milhões)”, critica o sindicalista. “Parte importante do dinheiro das aposentadorias é investida no mercado financeiro estrangeiro, da maneira que querem os diretores das AFP. O dinheiro dos trabalhadores serve para financiar, por exemplo, a indústria do frango, as farmacêuticas, etc. Esse dinheiro também financia o sistema bancário, com juros
quase inexistentes. Ou seja, o dinheiro da aposentadoria do trabalhador acaba sendo emprestado, com juros baixíssimos, aos bancos, que o emprestam de volta ao trabalhador, com juros de 40 ou 50%. É um negócio espúrio e que não condiz com um sistema de seguridade social, cujo objetivo deveria ser assegurar o acesso à saúde, e a ajuda em caso de velhice, desemprego e doenças”, completa Luis Mesina. Para o porta-voz da organização No + AFP, o sistema de Previdência privado está diretamente relacionado ao modelo econômico atual. De acordo com Mesina, com o fluxo gigantesco de capitais disponíveis para os grandes grupos econômicos, que concentram a propriedade de maneira brutal, foram construídas quase todas as indústrias do país que, além de tudo, destroem o meio-ambiente e exploram o trabalhador que acaba a financiando, pagando baixos salários. “O sistema das AFP é um roubo. Quando foi criado, em 1981, foi prometido uma taxa de devolução, que é a porcentagem que um trabalhador recebe na aposentadoria em relação ao que ganhava na ativa, de 70%. Hoje, os trabalhadores não recebem nem um terço disso. Também se disse que o Estado não ia usar recursos públicos no sistema, mas ele é responsável por 62% dos valores. Falava-se que o sistema anterior, público, era deficitário, mas a maioria do sistema tinha superávit. Eram necessários ajustes, e não uma transformação estrutural, que só foi feita porque queriam se apropriar desse gigante volume de recursos dos trabalhadores e colocá-los à disposição do grande capital”, afirma o porta-voz
da organização No + AFP. Luis Mesina defende a Previdência pública, universal e por repartição. Para ele, os sistemas de repartição funcionam tendo como base as contribuições dos trabalhadores da ativa, que são utilizadas para pagar as aposentadorias. “Essa é sua essência, é um sistema integral que inclui assistência média, gera distribuição de renda na medida em que as pessoas envelhecem. É um princípio coerente com a concepção humanista, que é o oposto da concepção do sistema atual”, conclui o bancário chileno.
No resto do mundo Países do Leste Europeu que seguiram o modelo chileno de privatização da Previdência hoje estão revendo suas posições devido aos problemas causados pelas mudanças. É o caso de Hungria, Polônia e Áustria, que introduziram sistemas de capitalização ao final dos anos 90 com base em projeções fiscais segundo as quais eles poderiam pagar pelas contrarreformas. Mas, quando a crise econômica veio, eles não puderam pagar por elas, e tiveram que reestruturar o sistema. Já países que historicamente organizam sistemas públicos de Previdência, na Europa Central e Escandinávia, também têm realizado reformas. O método, entretanto, é bastante diferente da reforma “a toque de caixa” que o governo brasileiro quer fazer. Na Inglaterra, por exemplo, o aumento da idade mínima de aposentadoria, realizado de maneira parcelada entre 2010 e 2015, já havia sido debatido e determinado no início da década de 1990.
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Entrevista
"Desafio para 2017 é a intensificação das lutas", diz presidente do ANDES-SN
O
ano de 2017 para os trabalhadores se inicia com as marcas das agressões sofridas em 2016, e com o desafio de intensificação da luta unificada para que mais direitos não sejam retirados. Para falar sobre as perspectivas para este ano, diante da conjuntura de ataques posta, conversamos com a docente Eblin Farage, presidente do ANDES–SN. Em entrevista, ela explica a necessidade de maior mobilização em todo o país,
não apenas da categoria docente, mas de todos os trabalhadores, especialmente no que diz respeito à luta para barrar as contrarreformas Previdenciária e Trabalhista, que devem ser votadas no Congresso Nacional tão logo termine o recesso parlamentar. No ano passado, houve uma grande mobilização da categoria docente, com diversas greves protagonizadas nas Instituições Estaduais de Ensino Superior (Iees), culminando na Greve Nacional dos docentes das universidades e institutos federais, e universidades estaduais. Ao que você atribui essa intensificação da mobilização? Eblin Farage: A intensificação da mobilização em
2016 se deu pela total insatisfação dos docentes, principalmente em relação aos ataques à educação pública e aos direitos sociais tão duramente conquistados. A PEC 55, o PLP 257, que atinge diretamente os estados, o anúncio das contrarreformas da Previdência e Trabalhista caíram como uma bomba na perspectiva de construção de uma carreira universitária e de uma universidade pública, conforme o projeto defendido pelo ANDES-SN. Atinge o cotidiano e o projeto de ser professor, porque são retrocessos que vão inviabilizar o nosso fazer, o tripé da Universidade Pública: o ensino, a pesquisa e extensão. E, com isso, comprometer ainda mais a produção do conhecimento aos interesses do mercado. E isso tudo de uma forma muito mais intensa, direcionada e decisiva do que foi ao longo desses últimos anos. Nós vínhamos resistindo aos ataques, que já tinham esse horizonte de destruição dos serviços públicos, mas agora com esse conjunto de medidas eles finalizam o processo de contrarreforma do Estado. E de fato colocam em xeque a continuidade da existência desses serviços. Essa realidade fez com que a categoria intensificasse a luta, e também por entender que essa mobilização no final de 2016 serviria para
Entrevista
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nos armar para os enfrentamentos que teremos já no início de 2017.
Diante do atual quadro político e institucional no Brasil, podemos considerar que vivemos um retrocesso com esse governo ilegítimo, pela agenda reacionária do Congresso Nacional, e as decisões do STF, que retiram direitos e aprovam medidas que diminuem os parcos recursos a Saúde e Educação? Qual é o posicionamento do ANDES-SN frente a esse cenário?
EF: Certamente esse governo representa um retrocesso, mas acho que o que tem de mais emblemático neste momento da nossa história é que ficou evidente a articulação existente dos interesses da burguesia, que permeiam as definições e a ação política do Estado, envolvendo o Executivo, o Legislativo, e o Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal e o Ministério Público. Nunca no Brasil ficou tão evidente que os poderes e a mídia estão a serviço dos interesses do desenvolvimento do sistema capitalista. Mesmo que haja fissuras e contradições entre as frações da burguesia, é notório que existe uma grande articulação para garantir os seus interesses econômicos. E esses interesses pressupõem, obviamente, uma redução do investimento do Estado nas políticas públicas e a mercantilização dos serviços. Educação, Saúde e Previdência estão mais do que nunca como mercadorias rentáveis para o mercado. Nosso posicionamento tem que ser de combate, de mobilização e de explicitação desse processo que se intensificou. Talvez esse seja um dos maiores desafios do ANDES-SN: conseguir ampliar o diálogo com a categoria e dar visibilidade ao projeto do Capital, que se intensifica e que tem diferentes setores a seu serviço. Para combater esse projeto é necessário um outro projeto, e esse pressupõe uma organização mais intensa da classe trabalhadora, que é o nosso desafio para 2017, visando barrar a contrarreforma da Previdência e Trabalhista e a revogação das leis originadas a partir da aprovação da PEC 55 e do PLP 257, que continuam no nosso horizonte.
Das várias frentes de luta do Sindicato Nacional, quais vocês destaca como as que contabilizaram avanços ou conquistas significativas?
EF: As mobilizações do segundo se-
mestre de 2016 foram unitárias, entre segmentos, organizações e entidades que há um tempo não estavam mais juntas nas ruas e essas mobilizações mostraram que é possível e é necessário estarmos juntos. Esse foi o saldo mais positivo de avanço: mostrar nossa capacidade de estarmos juntos nas ruas, apesar de nossas diferenças, e intensificarmos nossa mobilização para nos preparar e armar para o início deste ano. Avançamos também na nossa capacidade de articulação com os estudantes e técnico-administrativos e, ainda, precisamos avançar na unidade com os segmentos da educação básica.
Na sua avaliação, quais serão os desafios do Sindicato Nacional neste ano de 2017, já que estão pautadas as contrarreformas Previdenciária e Trabalhista?
EF: O nosso desafio para 2017 certamente é a intensificação da articulação entre os diferentes segmentos da classe trabalhadora, pois a mobilização tem que ser muito maior do que foi em 2016, pois só a Educação não será capaz de combater todos esses retrocessos. Então isso passa necessariamente pela articulação entre as centrais sindicais, pelo fortalecimento da nossa central sindi-
cal, a CSP-Conlutas, e pelo fortalecimento de todos os espaços coletivos que reúnem segmentos da classe trabalhadora, movimentos sociais e movimento estudantil. A unidade é a única perspectiva de alguma vitória em 2017. Neste sentido, o balanço mais positivo de 2016 é o ensaio para essa unidade.
Diante dessas medidas que visam acabar com o serviço e servidores públicos e os direitos dos trabalhadores, como reagir a essa ofensiva - considerando o Plano de Lutas, que será aprovado no 36° Congresso do ANDES-SN-, para lutar contra a agenda reacionária do Executivo, Legislativo e Judiciário?
EF: A perspectiva é de que o acúmulo que tivemos em 2016 sirva para subsidiar o nosso debate de construção de um Plano de Lutas que esteja a altura dos desafios que teremos em 2017, que certamente começa com uma grande campanha para barrar a contrarreforma da Previdência, a contrarreforma Trabalhista e contra esse conjunto de retirada de direitos. Isso é o que esperamos que o 36º Congresso do ANDES-SN aprove.
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