BO O GLOBO
Quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008
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A nova ofensiva do Vietnã
Ianques foram para casa e agora voltam como turistas; país quer atrair 5,5 milhões de visitantes em 2010
NESTA EDIÇÃO André Coelho
À NOITE, motonetas correm por Hanói: país derrotou os EUA — e depois assimilou alguns de seus valores
otonetas cruzam as ruas à noite. A cena da foto acima tem todos os símbolos de uma sociedade capitalista — a velocidade, a mecanização, os bens de consumo de massa. Ela foi tirada no Vietnã. País que, nos anos 70, representava a resistência a todos estes valores e ao país que melhor os representava, os Estados Unidos. Não foi para isso que Ho Chi Minh foi à luta. Mas é assim o Vietnã: um país que conseguiu assimilar características dos povos que tentaram invadi-lo. O país é comunista, mas nele se ouve o hip hop, se corre de motonetas, e veteranos do exército americano voltam para passear e mostrar aos seus parentes lugares em que lutaram. Onde a influência foi bem acentuada, particularmente, foi na culinária. O repórter Chico Otavio e o fotógrafo André Coelho se encantaram com as iguarias que encontraram por lá, e resolveram apresentar as atrações do país pela cozinha. Se a maneira mais fácil de se conquistar o coração de alguém é pelo estômago, você vai se apaixonar pelo Vietnã.
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G GUSTAVO ALVES, EDITOR ASSISTENTE
EXPEDIENTE
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ESPANHA Uma semana de curtição entre Cádiz e Tarifa
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VIETNÃ A culinária do país que um cozinheiro libertou
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PASSAPORTE Novas datas para pedir o documento em março
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EDITORA Carla Lencastre (carla@oglobo.com.br) EDITOR ASSISTENTE Gustavo Alves (gustal@oglobo.com.br) REPÓRTERES Ana Lúcia Borges (alborges@oglobo.com.br) e Luciana Brum (luciana.brum@oglobo.com.br) DIAGRAMADORA Luciane Costa Telefones Redação 2534-5000 Publicidade 2534-4310 publicidade@oglobo.com.br Correspondência Rua Irineu Marinho 35, 2-o andar, Rio de Janeiro, CEP 20230-901/RJ. Boa.Viagem@oglobo.com.br
CAPA Florista em Hanói. Foto de André Coelho Boa Viagem G 3
VIETNÃ < SERVIÇO < COMO CHEGAR
De avião: A melhor opção é voar com a Air France: o bilhete de ida e volta do Rio para Hanói, com conexão em Paris, custa a partir de R$ 4.666,65. Pela Delta Airlines, o vôo do Rio para Hanói ou para Ho Chi Minh, com conexões em Houston e Seul, tem tarifas a partir de R$ 5.560,82.
< PACOTES
Operadoras: Preços somente para pacotes terrestres, sem as passagens aéreas. A Abreu (tel. 2586-1840) tem um programa que combina o Vietnã (Ho Chi Minh e Hue) ao Camboja e à Tailândia: 11 noites a partir de US$ 4.728 por pessoa. A partida
Meliá Hanoi: Bly Thuong Kiet 44. Diária em quarto duplo, com caféda-manhã, a partir de US$ 224. Tel. (84-4) 934-3343. <www.solmelia.com>
é de Bangcoc. Com a Best Destinations (tel. 2224-1161), o pacote de oito dias para o Vietnã (Hanói, Halong Bay, Hue, Danang, Hoi An, My Son e Ho Chi Minh) custa a partir de US$ 1.239, em quarto duplo.
< HO CHI MINH
< HANÓI
< Onde ficar
< Onde ficar
Hilton Hanoi Opera Hotel: Le Thanh Tong 1. Diária para casal a partir de US$ 290. Tel. (84-4) 933-0500. <www.hilton.com> InterContinental Hanoi Westlake: 1A Nghi Tam. Diária em apartamento duplo a partir de US$ 230. Tel. (84-4) 270-8888. <www.ichotelsgroup.com>
HANÓI
TAILÂNDIA
Ho Chi Min Golfo da Tailândia
André Coelho
< Onde comer
Quan An Ngon: Perfeito para experimentar os sabores locais, e ponto de passagem certeiro de turistas. Nam Ky Khoi Nghia 138, Distrito 1. Tel. (84-8) 825-7179. Qucina: Boa comida italiana ao lado do já famoso Q Bar. Cong Truong Lam Son 7. Tel. (82-3) 347-980. Highlands Coffee: A rede vietnamita de cafeterias costuma ser comparada à Starbucks e tem mais de 40 lojas no país. <www.highlandscoffee.com.vn>
< HUE < Onde ficar
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Mar do Sul da China
VIETNÃ
CAMBOJA
La Résidence Hôtel & Spa: Da rede francesa Accor, o luxuoso hotel tem quartos para a casal a partir de US$ 136. Le Loi 5. Tel. (84-5) 483-7475. <www.la-residence-hue.com> Hotel Saigon Morin: O quatro estrelas tem diária em quarto duplo a partir de US$ 90. Le Loi 30. Tel. (84-5) 482-3526.
<www.morinhotel. com.vn>
< Onde comer
LAOS Hue
Park Hyatt Saigon: O hotel é bem localizado e tem um luxuoso spa. Diárias para casal a partir de US$ 320. Praça Lam Son 2, Distrito 1. <saigon.park.hyatt.com> Que Huong Liberty: Rede de hotéis três estrelas em Ho Chi Minh, com diárias entre US$ 50 e US$ 75, em quarto duplo. <www.liber tyhotels.com.vn>
UMA DAS MUITAS construções da cidadela imperial de Hue, na região central do Vietnã
CHINA
Phuong Nam Cafe: Mais freqüentado por locais do que por viajantes, tem ótima comida por bons preços. Tran Cao Van 38.
< CLIMA
Geralmente, a melhor época para se visitar o Vietnã é entre setembro e abril. Por causa de sua geografia, ao longo do país o clima varia segundo a época do ano e as monções: costuma ser quente e chuvoso entre maio e outubro no Norte e no Sul, e de setembro a janeiro no Centro.
< FEBRE AMARELA
É preciso apresentar o Certificado Internacional de Vacina contra febre amarela, que deve ser tomada ao menos dez dias antes do embarque. No Rio, o certificado pode ser obtido nos postos da Anvisa (no Centro, Av. Graça Aranha 206, loja A, térreo, tels. 2262-1007 e 2524-7938; no Aeroporto do Galeão, Terminal 2, tel. 3398-2377). <www.anvisa.gov.br>
Passaporte: vagas em março
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IRAR UM PASSAPORTE NO RIO deve ficar mais fácil a partir da próxima semana. Até a segunda-feira, quem quisesse marcar um ho-
rário para dar entrada no documento pela internet só conseguia agendamentos para o fim de abril. Mas a demanda crescente fez a PF ampliar o atendimento em seu posto no Aeroporto do Galeão-Tom Jobim. a próxima segunda-feira, três novos guichês entrarão em operação, o que aumentará de 800 para 1.200 a capacidade de emissão de documentos por semana. Ao todo, serão nove, destinados a atender o público no aeroporto, das 8h às 18h, de segunda a sexta-feira.
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Com a maior oferta de horários de agendamento, o tempo de espera para marcar a data de entrada no passaporte no Galeão já foi reduzido: até o fechamento desta edição, na t e r ç a - fe i ra , h av i a n o s i t e <www.dpf.gov.br> horários disponíveis a partir do dia 17 de março. Nos demais postos de
atendimento da cidade, entretanto, o prazo continua extenso: no Shopping Leblon, no Rio Sul e no Via Parque, a data mais próxima era 2 de maio. Os transtornos para tirar o passaporte começaram no início deste ano: quem consultava o site da Polícia Federal não encontrava datas disponíveis para fazer o agendamento até o fim de 2008. No final de janeiro, o serviço online chegou a ser suspenso para a correção de uma falha no software que programa os horários. No fim da semana passada, a Polícia Federal chegou a anunciar que haveria mutirões para atender à grande demanda no Rio nos fins de semana. A assessoria de comunicação da instituição, no entanto, não confirmou a informação.
Novidades para vistos Neste início de ano, alguns consulados mudaram o procedimento para os pedidos de visto de turista. Desde janeiro, os vistos para Angola podem ser solicitados apenas pelo site <www.consula dodeangola.org>, e, este mês, o preço do visto de turista passou para US$ 100, e o de trabalho, para US$ 300. Para os Estados Unidos, também desde janeiro que o preenchimento do formulário DS-156 só pode ser feito online, e a taxa de solicitação para visto de não-imigrante passou de US$ 100 para US$ 131. No fechamento desta edição, a espera para agendar entrevista no consulado do Rio era de 114 dias, em <www.visto-eua.com.br>.
Já os turistas a caminho dos Emirados Árabes Unidos pela companhia aérea Emirates têm um trunfo: a empresa providencia o visto, desde que a solicitação seja feita ao menos sete dias antes do embarque. Do contrário, segundo o site da embaixada <www.uae.org.br>, o viajante deve entrar em contato com um hotel, fazer a reserva e providenciar a documentação necessária. No começo da semana, os interessados em viajar para o México tinham outra sorte: não conseguiam contactar o consulado no Rio. No site, constava apenas a informação de que o sistema telefônico estava em processo de mudança. A solução era recorrer ao consulado em São Paulo, que este mês aumentou para 150 a quantidade de senhas diárias distribuídas para o visto.
< VISTO
Palavra: Para tirar o visto, é necessário recorrer à Embaixada do Vietnã, em Brasília. O passaporte deve ter validade mínima de seis meses. O documento pode ser enviado pelos Correios. Tel. (61) 3364-5876. Email: embavinayahoo.com.
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Fotos de André Coelho
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Comer, beber, conhecer 1. EM HANÓI, vendedora ambulante passa por loja que exibe cartaz com propaganda de guerra;
4 Chico Otavio • HANÓI
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2. MERCADO DE PEIXES em Hue;
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S DUAS MOTONETAS avançam pelas ruas estreitas do Bairro Velho, em Hanói, sem se importar com os pedestres. Por US$ 3 a hora, os pilotos nos levam a qual-
quer lugar. Tenho dúvida se entenderam o que queríamos. Res-
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3. GARÇONETE em Quan an Ngon, o “restaurante delicioso”, em Hanói;
taurante de frutos do mar. “Seafood!”, repito duas, três vezes, ge-
4. MOTOCICLISTAS em Hoh Chi Minh;
rando sorrisos enigmáticos. A fome uivava em nossas barrigas. En-
5. TURISTA DO LAOS, em Hue, com roupas da época imperial;
colho-me na garupa, tentando tapear o frio. Pesquiso as fachadas, atrás de um letreiro luminoso, mesas repletas, aquários com la-
6. INTERIOR de pagode em Hue
gostas vivas, quando as motos estacam diante de um sobrado podre. No Brasil, chamaria aquilo de boteco. Mas é o nosso destino
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final. “Restaurant”, apontam os pilotos, com o seu inglês sofrível. Horas depois do desembarque, sinto finalmente estar no Vietnã. Existem muitas formas de se conceituar um país. A combinação entre o lugar e a comida é uma delas. O cozinheiro americano Anthony Bourdain, no giro gastronômico pelo mundo que rendeu o livro “Em busca do prato perfeito”, descreve a experiência de observar a preparação de seu café gelado no Vietnã. “À medida em que o café escuro se insinua pelas pedras de gelo e espalha veios compridos no leite branco, sinto que o Vietnã faz o mesmo no meu cérebro. Estou apaixonado. Absolutamente doido por esse país e tudo que há nele. Quero ficar para sempre”.
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VIETNÃ entrou no meu cérebro à primeira dentada nos camarões fritos. Um prato repleto deles desafia a minha habilidade manual. Queimo os dedos ao tentar descascá-los. Pouco antes, vasculhava o lugar em busca da cozinha. Não havia uma, pelo menos à moda ocidental. Como em muitos restaurantes parecidos, ela é um conjunto de peças culinárias, assentadas sobre uma bancada na calçada, que fazem a cozinheira lembrar um percussionista em ação. Pelejo por uma cerveja. A vietnamita serve duas Tiger, quentes. Faço cara feia e ela desaparece com as garrafas. Volta em seguida com outras bem geladas, trocadas em algum vizinho. Geladeira não é um eletrodoméstico popular naquelas bandas. O ambiente do pé-sujo assusta. Escolho camarões cheio de dúvida sobre a saúde dos bichinhos. Meus temores desaparecem quando a cozinheira os leva à panela, mais do que frescos: vivos. Meu colega é mais ousado. Pede um dos pratos mais populares do país, o Pho, uma sopa de macarrão picante, com ingredientes variados. Confesso o meu olho grande quando vi o caldo quente, formado por pedaços de carne (também é servido com peixe e frango), macarrão de arroz, broto de feijão e coentro picado. Um pratinho de condimentos e pequenas rodelas de limão guarnece a iguaria. No final, a conta vem com muitos zeros: 90.000 dongs. Convertido para reais, expressa o quanto o Vietnã é barato: menos de R$ 10 pela exploração gastronômica. Os 40 anos da Ofensiva do Tet nos levou ao Vietnã. Em 31 de janeiro de 1968, em pleno Tet, o ano-novo lunar do país, forças norte-vietnamitas e guerrilheiros vietcongues lançaram uma ofensiva contra americanos e sul-vietnamitas. A ação mudou o rumo da guerra. Cinco anos depois, os ianques bateriam em retirada.
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VIETNÃ < GASTRONOMIA
Ho Chi Minh no Mangue?
Chineses, japoneses, franceses e americanos invadiram o país, foram derrotados e deixaram um legado na cozinha Fotos de André Coelho
GARÇONETES DISTRIBUEM porções de comida expostas em balcão de restaurante em Hanói
DANÇARINO de hip hop na Praça Lênin, em Hanói: influência do pop americano dilui o efeito militar do monumento comunista
O golpe fatal viria em 1975, quando tanques do Exército norte-vietnamita invadiram o Palácio do Governo sul-vietnamita, reunificando o país e encerrando o conflito. Ao lembrar sua experiência como correspondente de guerra no Vietnã, o jornalista brasileiro José Hamilton Ribeiro descreve, em “O repórter do século” a frieza de um soldado americano, Tom, que tentou saquear a mochila de um vietcong que acabara de abater e só achou um “esverdeado e malcheiroso” bolo de arroz cozido. “Tive a impressão de que, se não o matasse a tiros, ele acabaria morrendo de dor de barriga, comendo aquele negócio”, ironizou. O relato, além de cruel, é injusto. A guerra, apesar de toneladas de napalm, agente laranja e outras armas lançadas sobre o país, não varreu do mapa o povo vietnamita, e nem a sua
BOLINHOS CROCANTES e levemente apimentados, conhecidos como rosas de primavera
habilidade gastronômica. O Vietnã já foi ocupado por chineses, japoneses, franceses e americanos. Todos voltaram para casa derrotados. E ainda deixaram um legado alimentar que os vietnamitas incorporaram à sua cozinha. A mistura dos temperos tropicais, a base de ervas finas, à sofistica-
da culinária francesa, por exemplo, faz da gastronomia local uma experiência única. Outras fusões também são notáveis. No norte, influenciado pela cozinha chinesa, os pratos são mais delicados. No sul, a comida é mais doce e apimentada. Na região central, são famosos os pratos
com arroz. A nutricionista Vera Cristina Magalhães, da Uerj, me explicou, na volta ao Brasil, que a cozinha, na prática, é uma forma de linguagem: — Comer marca as fronteiras de identidade dos grupos humanos. O próprio herói máximo do Vietnã, Ho Chi Minh (18901969), o revolucionário que comandou o seu povo em vitórias memoráveis contra japoneses, franceses e americanos, teria sido também um chef talentoso. Antes de pregar a independência e unificação do país, correra o mundo em 1911, a bordo do vapor francês La Touche-Tréville, como ajudante de cozinha. Há muitas lendas sobre a fase pré-revolucionária de “Tio Ho” , como é cultuado no Vietnã. Uma delas é de que teria trabalhado com Auguste Escoffier, o cozinheiro francês que revolucionou a culinária
TURISTAS POSAM diante de jardineiros, em frente ao mausoléu de Hoh Chi Minh ocidental. Ou ainda que cozinhou na Trattoria della Pesa, de Milão. A outra, que esteve no Brasil (veja o box). O mausoléu de Ho Chi Minh, um caixote de 21 metros de altura, é uma das atrações turísticas de Hanói, a capital. Os camarões, reforçados por uma tigela de arroz frito com peda-
ços de frango, ainda dialogam com o meu estômago. Mesmo assim, quero conhecer o monumento. De volta às motonetas, me dou conta de que, para ir até lá, preciso convencer os pilotos de que não atrás de “ladies” ou “massage” — outras histórias com condutores ouvidas na viagem me convence-
Ano passado, pouco antes da visita do secretáriogeral do Comitê Central do Partido Comunista do Vietnã, Nong Duc Manh, ao Brasil, os funcionários da embaixada vietnamita tentaram descobrir o que havia de realidade por trás de uma lenda que liga o herói máximo de sua nação aos brasileiros: o que teria feito Ho Chi Minh em sua breve passagem pelo Rio de Janeiro na década de 10? Nascido Nguyen That Thanh em 1890, Ho Chi Minh (“aquele que ilumina”), tornou-se o primeiro presidente da República Democrática do Vietnã, cuja independência proclamou em 1945. Ainda jovem, teria deixado o Vietnã em 1911, no vapor francês La Touche-Tréville, como ajudante de co-
zinha. Em muitas ocasiões, teria interrompido o trabalho no mar para escalas em restaurantes de terra. Algumas cidades do mundo pretendem ter hospedado e dado emprego na cozinha ao herói do Vietnã. Uma delas é o Rio. A embaixada não conseguiu qualquer registro que confirmasse a pasagem. Mas Astrojildo Pereira, um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil, teria ouvido a confirmação do próprio, numa conversa em Moscou, em 1924. Numa viagem de navio, ele teria desembarcado para tratar da saúde e ficou três meses numa pensão de Santa Teresa, e ficado impressionado com a zona do Mangue, “o mau cheiro e o mercado do sexo”.
SOLDADAS MARCHAM em avenida em frente à praça Bah Dinh, onde fica monumento aos heróis da guerra ram de que eles são o similar dos nossos bandalhas, talvez um pouco mais inocentes. No dia seguinte, peço a Nguyen Huy Quang, diplomata que nos acompanha na maior parte dos nossos oito dias de Vietnã, que traduza o letreiro monumental em um dos flancos do mausoléu: “Grande pre-
sidente Ho Chi Minh vive para sempre em nossa trajetória”. O prédio fica na praça Ba Dinh, onde está o Monumento dos Heróis e Mártires da Guerra. Um pelotão de soldadas marcha na avenida que liga as duas construções, num dos poucos momentos em que realmente me sinto num país comunista.
A impressão de um país sisudo, militarizado, desaparece logo após uma curta caminhada até a Praça Lênin, onde fica o Museu da Guerra. No local, um grupo de jovens ensaia passos de hip hop. Um deles, talvez o mais habilidoso, exibe cabelos pintados de dourado. Boa Viagem G 25
Fotos de André Coelho
VIETNÃ COTIDIANO <
Depois de três décadas de guerra, não se mostram traumas, lamentos ou rancores PÓS UMA BATERIA de entrevistas e visitas a lugares históricos, a fome aperta. Com Nguyen Huy Quang, o diplomata que nos acompanha em Hanói, não há improviso. Se a idéia é experimentar os sabores locais, a opção é o Quan an Ngon, algo como “restaurante delicioso”, destino de nove entre dez turistas que não querem aborrecimentos. Os garçons, jovens vestidos de preto, servem uma porção de rosas de primavera, bolinhos crocantes e levemente apimentados, que se parecem com rolinhos primavera, mas levam recheio de carne de porco e têm um invólucro mais fino, de massa de arroz. Ao contrário dos garçons, as cozinheiras são mulheres de meia-idade. Elas se dividem em cinco ou seis núcleos de cozinha ao ar livre, cada qual produzindo pratos típicos das diferentes regiões do Vietnã. Uma montanha de passarinhos fritos me surpreende. Mas na hora de pedir o prato principal, fico com um Pho.
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No dia seguinte, uma chuva forte nos recepciona em Hue, cidade imperial do centro do Vietnã, impiedosamente castigada pelas bombas americanas nos anos 60. Ficamos poucas horas. Nosso destino é Quang Tri, epicentro da guerra, até hoje impregnada de minas terrestres, morteiros e obuses que não explodiram. No trajeto para Quang Tri, a 70 quilômetros de Hue, num carro coreano alugado a US$ 240 por três dias (incluindo o motorista, porque é impossível para um estrangeiro dirigir no Vietnã), passado e presente se misturam. Mulheres com chapéus de cone e pés descalços, mergulhados no campo encharcado, cultivam o arroz em cada espaço disponível. Só não há arroz onde há cemitérios. São muitos, ao longo da rodovia, a herança de 30 anos de guerras contra americanos e franceses. O carro avança lentamente. Toda a região, parte dela dentro da antiga zona desmilitarizada, é um pólo turístico, atraindo os que querem co-
FAMÍLIA SE APERTA em motoneta em Ho Chi Minh: trânsito é caótico
PORÇÃO DE AVES FRITAS, um dos pratos do “restaurante delicioso”
PATOS EM PLANTAÇÃO de arroz, no caminho para Quang Tri nhecer sucatas blindadas e antigas bases abandonadas pelos americanos e túneis cavados pelos norte-vietnamitas e guerrilheiros vietcongues para surpreender as tropas dos Estados Unidos e o seu po-
derio. Todas as famílias vietnamitas têm uma história de guerra, um morto, um desaparecido, um aleijado, um membro nos EUA ou na Europa, vítima da diáspora do pós-guerra. Mas ninguém lamenta a
má sorte ou cultiva rancores. A brasileira Márcia Fiani, radicada no Vietnã há 13 anos, me diz que, quando chegou ali, acontecia um congresso de psicólogos e psicanalistas do mundo inteiro, para discu-
tir os traumas de guerra. Pensaram que o Vietnã seria o país ideal para falar disso, pois estava saindo de mais de três décadas de guerra. — O representante do Vietnã não dizia nada, até que foi questionado e respondeu: “Nós ganhamos todas as nossas guerras. Não temos trauma de guerra” — lembra-se. O Vietnã, um país de 84 milhões de habitantes, tem 500 mil veículos de quatro rodas, e 20 milhões de motos e motonetas. Essa motorização, que não pára de crescer, torna as ruas uma torrente caótica e barulhenta. As pessoas atravessam as vias sem medo. Confiam na habilidade dos pilotos, mesmo os que carregam a família inteiras, com cachorro e papagaio, em cima de uma frágil scooter. Me arrisco a fazer o mesmo, no
trajeto entre o hotel e o mercado Ben Thanh, em Ho Chi Minh, a antiga Saigon, onde me encontro agora. Penso em fechar os olhos antes de mergulhar na torrente de motos. Mas dá tudo certo. Chego são e salvo. O mercado é formado por dezenas de quarteirões de barraquinhas, separados por vielas apertadas. O cheiro de huac nam, tradicional tempero usado nos peixes, domina o ambiente. Os preços das roupas, trajes típicos de seda misturados a falsos Adidas e Pierre Cardin, são baratíssimos. Anoitece. As ruas laterais são tomadas de mesinhas. Aquilo vira um festival gastronômico. Experimento um Nem, prato tradicional, espécie de crepe de arroz cilíndrico, frito, recheado de camarões — eles, de novo.
VENDEDORAS NO MERCADO de Quang Tri: epicentro da guerra 26 G Boa Viagem
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VIETNÃ < HUE
Antiga capital é hoje um museu ao ar livre, com templos, pagodes e tumbas Fotos de André Coelho
CIDADE imperial de Hue, na região central do Vietnã, a 660 quilômetros ao sul de Hanói, é um emblema dos novos tempos do país. Sua maior atração, a Cidadela, a cidadefortaleza construída no século XIX pela dinastia imperial Nguyen, representa ao mesmo tempo um passado sombrio e um futuro promissor. A Cidadela, com seus edifícios ornados com dragões de metal e mobiliário imponente, é uma imitação da Cidade Proibida chinesa, e foi erguida por ordem do imperador Gia Long, em 1804. Faz lembrar um cenário dos filmes de época do japonês Akira Kurosawa, pela beleza arquitetônica. Historicamente, porém, está associada a um período que os vietnamitas abominam: a colonização francesa (1884-1945), acolhida sem resistência pelos Nguyen. Ocupada pelos comunistas durante um mês na Ofensiva do Tet, Hue foi devastada pelos bombardeios. Muitos monumentos foram pulveriza-
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TURISTA DIANTE de um dos prédios da Cidadela, em dia chuvoso: atração sofre com o tempo
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dos, mas o que sobrou mantém a cidade na lista dos principais destinos do Vietnã. As autoridades locais sabem disso e, abafando o orgulho, contam com as suas suntuosas construções para elevar a quantidade de turistas estrangeiros. Enfeites de plástico imitando a vestimenta da era da dinastia Nguyen são vendidas aos visitantes. Hue foi capital do país até 1945, quando os comunistas tomaram o poder e o imperador Bao Dai teve de se mudar para a França — ele tentaria voltar quatro anos depois, a pedido da França, sem sucesso. Outros sete, dos 13 imperadores da dinastia Nguyen, estão enterrados em tumbas que viraram atração turística. Este gigantesco museu a céu aberto, somado a centenas de templos, pagodes e tumbas abertos à visitação, sofre agora com o desgaste do tempo. Algumas das paredes da Cidadela estão escoradas por toras de madeira. A área interna sofre problemas de conservação e o piso está visivelmente desgastado. O Vietnã recebe uma média de 4,2 milhões de turistas por ano. Segundo o diretor-geral da Administração Nacional de Turismo, Nguyen Hai Anh, o governo espera chegar a 5,5 milhões até 2010. O maior contingente de visitantes vem da China, seguido da Coréia do Sul. Os americanos, que
TÚMULO DO ÚLTIMO imperador: há outros sete deles em jazigos na cidade
ESTÁTUAS DE GUERREIROS enfeitam túmulo de Bao Dai: clima de filme de época de Kurosawa
outrora invadiram metade do país com soldados e armas, já ocupam o terceiro lugar em número de turistas, na frente do Japão e Taiwan. — A maioria dos americanos quer conhecer os locais da guerra. Muitos são veteranos. Outros são parentes de soldados que morreram em combate — explica. O turismo, que gera US$ 3,8 bilhões anuais ao Vietnã, já representa 6,5% do PIB local. No esforço de fazer o número
crescer, os vietnamitas não se preocupam em exibir as maravilhas dos tempos da colonização francesa. Os vestígios da guerra nos campos de batalha, mausoléus de pessoas mortas e até museus que exibem os horrores da guerra também tornaram-se destinos turísticos. A guerra, depois de vencida, virou negócio. O país lucra com os seus vestígios. Hora de partir. De volta a
Hanói, embarcaria em seguida para Paris. A fome se manifesta. Porém, já estou no setor de embarque, onde as lanchonetes são ocidentalizadas. Peço um hot dog. Pão seco e salsicha insossa. À primeira dentada, o Vietnã começa a sair da minha cabeça. < NO O GLOBO ONLINE: Outras fotos do Vietnã www.oglobo.com.br/viagem
VISITANTES DO LAOS vestem enfeites de plástico e roupas da dinastia Nguyen
PALÁCIO IMPERIAL: modelo chinês inspirou fortaleza construída em 1804
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AZUL MAGENTA AMARELO PRETO
PÁGINA 6 - Edição: 27/01/2008 - Impresso: 26/01/2008 — 01: 45 h
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O GLOBO • Domingo, 27 de janeiro de 2008
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NO PAÍS que mais cresce na Ásia depois da China, houve perdão e novas gerações falam pouco da guerra
O país que segue em frente visita ao museu é um rito de passagem. As crianças olham assustadas para as fotografias. Custam a acreditar nas imagens de gente deformada por napalm e bombas, de crianças mortas, sangue e destruição. Não parece o mesmo Vietnã onde elas nasceram, um país cheio de prosperidade e harmonia. Em silêncio, ouvem a guia explicar três décadas de guerras (1946-1975) e mais de 3 milhões de vietnamitas mortos. Mas o medo vai passando. Logo, voltam a brincar e sorrir na fila da saída. O Vietnã segue em frente. No país que mais cresce na Ásia depois da China, não há lugar para ressentimentos. As novas gerações falam pouco da guerra. O lado vitorioso — as forças norte-vietnamitas e os vietcongues — perdoou os vencidos — veteranos do Exército sul-vietnamita, ex-aliado americano — e abriu as portas para o retorno dos que fugiram após 1975. Até o museu visitado pelas crianças em Ho Chi Minh (antiga Saigon) mudou de nome para não ofender os americanos — antigo Museu dos Crimes de Guerra, passou a se chamar Museu de Remanescentes de Guerra. Os vestígios do conflito continuam espalhados pelo Vietnã, mas até isso virou fonte de recurso num país com taxa de crescimento superior a 7% nos últimos dez anos — pode chegar a 8% em 2008. Museus de g u e r r a , c o m c a rc a ç a s d e aviões e tanques americanos, e túneis cavados pela guerrilha vietcongue viraram destinos turísticos — só de americanos, são 413 mil turistas por ano, incluindo veteranos e parentes de soldados que morreram em combate. Um dos museus, em Hanói, a capital, fica em frente à Praça Lenin. Ele é dirigido por um herói de guerra, o major-general Le Ma Luong, exímio atirador que infernizou os americanos com seu AK-47. Hoje, ao sair do prédio no fim do dia, ele muitas vezes cruza com um grupo de jovens que transformou a praça em pista de dança. Com cabelos pintados de cores berrantes, eles dançam ao som de música americana. Um deles revela a fonte dos ritmos: — Baixamos da internet. País comunista com sistema de partido único, o Vietnã, a exemplo da China, abriu a economia sem perder o controle
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Greve paralisa fábricas em Osasco (SP) No dia 23 o exército intervém e reprime o movimento.
Arquivo
CHECANDO MENSAGENS no celular sobre sua scooter, vietnamita passeia à noite por Hanói: sinais de prosperidade
INVASÃO IANQUE BEM-VINDA
O LADO VITORIOSO PERDOOU OS VENCIDOS E ABRIU AS PORTAS PARA O RETORNO DOS QUE FUGIRAM APÓS 75 Em duas décadas, o país ganhou 300 mil empresas vietnamitas e sete mil estrangeiras — principalmente do Japão e Coréia do Sul, Taiwan e Cingapura. Os efeitos na paisagem urbana são ostensivos. As ruas de suas cidades exibem uma curiosa fusão ideológica, na qual imagens de Ho Chi Minh, o grande líder na nação morto em 1969, e slogans comunistas dividem o espaço com nomes de lojas e frases em inglês em letreiros de neon. Com a prosperidade econômica, vieram também os problemas. Um deles é a acelerada “motorização” do país. Os vietnamitas trocaram as bicicletas por motos e scooters. Circulam pelas ruas e estradas do país cerca de 20 milhões delas, muitas de origem chinesa, adquiridas por apenas US$
Repressão da ditadura à Roda Viva, de Chico Buarque.
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PHAM CHI LAN, ex-conselheira do primeiro-ministro
Chico Otavio Enviado especial • HANÓI
CRIANÇAS VISITAM o Museu de Remanescentes de Guerra em Ho Chi Min: espanto com imagens de barbáries cometidas no país há 40 anos
300. O trânsito caminha para o caos em cidades onde sinais de trânsito são praticamente ornamentos de postes. Dependendo da hora, as ruas de Hanói e Ho Chi Minh — que ainda é chamada pela população local de Saigon — parecem torrentes de motociclos. O trânsito é “organizado” por um intenso buzinaço. Pessoas atravessam as ruas em qualquer ponto, sem se importar com o fluxo. Motociclistas são hábeis em freadas e desviadas. Milagrosamente, não se vêem colisões e poucos pedestres acabam atropelados. Ainda são poucos os carros e outros veículos de quatro rodas — cerca de 500 mil. Mas o
governo teme um novo ciclo de consumo que substitua as duas pelas quatro rodas. Na semana retrasada, os jornais locais anunciavam que um bem-sucedido homem de negócios de Ho Chi Minh havia comprado um Rolls Royce, modelo Phantom 2008, por US$ 1,6 milhões. Para incentivar o escoamento da produção rural, o governo estimulou a criação de 2,8 milhões de empresas familiares. Solução que é também um problema. O Vietnã é ainda um país rural, com 70% da população vivendo no campo, mas há um discreto processo de êxodo em andamento. O arroz, base alimentar dos
vietnamitas, continua sendo o principal produto de exportação, com cinco milhões de toneladas por ano, mas o Vietnã tenta diversificar a pauta de produtos com tecidos, sapatos, café, frutos do mar, castanha de caju e borracha. Paradoxalmente, a elite capitalista do Vietnã é formada, em grande parte, por gente que combateu ao lado dos americanos. Muitos fugiram da guerra, ganharam dinheiro no exílio, principalmente nos Estados Unidos, e agora estão voltando. Outros ficaram, foram presos e posteriormente perdoados e reintegrados. Ex-soldado do Exército sulvietnamita, Nguyen Van Nghia
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AGOSTO Primavera de Praga. Tropas soviéticas — 200 mil soldados e cinco mil tanques — invadem a Tchecoslováquia e acabam com a tentativa de abertura.
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mericans, go b a ck . Depois de consumir muitas vidas e anos de esforço de guerra para expulsar os ianques de seu país, os vietnamitas agora se empenham para trazê-los de volta. Trinta e três anos depois da fuga humilhante dos últimos americanos de Saigon, retirados por helicópteros que decolavam do teto da embaixada, horas antes da queda da capital do Vietnã do Sul (o país seria unificado logo depois com a vitória dos norte-vietnamitas e dos vietcongues), os EUA já são o 11 o- parceiro comercial do Vietnã. Em vez de tanques, aviões e soldados, a nova tropa americana que desembarca em solo vietnamita é formada por empresas como Nike, Intel, IBM, entre outras no campo das telecomunicações e manufaturados. Nas ruas, dá até para sentir o sabor do Kentucky numa das lojas da rede de comida rápida KFC, espalhadas por Ho Chi Minh e Hanói. Durante a guerra, os EUA chegaram a ter 500 mil solda-
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JULHO Governo militar proíbe protestos no Brasil.
O processo não está completo. O Vietnã é um país em transição. A renda per capita ainda é baixa. Queremos atingir US$ 900
fugiu do seu país em 1980 e foi resgatado em alto-mar por um petroleiro que seguia para o Brasil. Ele mora no Rio há 27 anos, mas está sendo convidado pelo irmão, também ex-militar sulvietnamita, que passou dois anos preso e agora está enriquecendo com uma empresa de madeira em Saigon, a voltar para o seu país. No ano passado, a pedido da embaixada vietnamita, Nguyen ciceroneou uma delegação do seu país, liderada pelo secretário-geral do Partido Comunista vietnamita, Nong Duc Manh, em visita ao Rio. Num determinado momento, recorda-se, Duc Manh o chamou a um canto e disse: — O que passou, passou.
TRABALHADORA em campo de arroz da província de Quang Tri: convívio entre tradição e modernidade O
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Lançamento da Tropicália. O movimento que teve líderes em Caetano e Gil unia inovação estética a questionamentos sócio-políticos.
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Robin Morgan: queima de sutiãs em Nova York.
Olimpíadas do México, marcada pelos protestos dos Panteras Negras (no dia 15).
FIM DO MÊS
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Caetano canta “É proibido proibir” e é vaiado em São Paulo
11 FIM DO MÊS
EM VEZ DE TANQUES, AVIÕES E SOLDADOS, A NOVA TROPA AMERICANA É FORMADA POR NIKE, INTEL, IBM dos em território vietnamita. Expulsos sob fogo de morteiros e misseis portáteis, regressaram agora sobre tapete vermelho, estendido a Bil Clinton em 2000, na visita histórica do primeiro presidente americano ao ex-inimigo no pós-guerra. Herói da Ofensiva do Tet, o coronel vietcongue Nguyen Van Bach, de 71 anos, não se constrange ao falar ao GLOBO sobre a volta dos americanos — três milhões de vietnamitas e 58 mil americanos morreram no conflito: — Para atingir o desenvolvimento econômico, precisamos nos relacionar com todos os países. É preciso fechar o passado e abrir os olhos para o futuro. Os Estados Unidos são hoje um outro país e o capital estrangeiro nos ajuda a estabilizar o país.
Vietnã e EUA iniciaram o processo de normalização de seus laços em 1995. Uma das motivações para o regresso americano é a mão-de-obra barata. Já o Vietnã, além da injeção de dólares, obteve financiamento americano para desativar minas terrestres. A Austrália é outro ex-adversário transformado em parceiro comercial. Os Estados Unidos são, hoje, o maior importador de produtos vietnamitas (US$ 8 bilhões anuais), para uma contrapartida de US$ 1,5 bilhão em exportações. Com o avanço das relações, os EUA certamente não serão obstáculo para os planos vietnamitas de construir uma usina nuclear nos próximos anos — o país tem sérios problemas com a matriz energética, hoje exclusivamente hidrelétrica. As ruas estão cheias de americanos, muitos vestidos com camisas com a estampa de Ho Chi Minh. Paradoxalmente, a maior preocupação externa do Vietnã é justamente com um ex-aliado, a China, a grande vizinha do norte, que outrora invadiu o país. Embora o país ainda mantenha um severo sistema de controle de fronteiras, pois ainda se sente ameaçado por grupos externos, tendo ocorrido recentemente a prisão de estrangeiros de origem vietnamita, supostamente terroristas, o país se esforça para receber bem os seus visitantes. A informação de que o crescimento econômico do Vietnã se refletia também na vida civil, com a explosão do número de casamentos (cerca de 15 por dia em cada província), levou a equipe do GLOBO a entrar numa destas cerimônias sem ser convidada. Os jornalistas foram recebidos com sorrisos e outros gestos amáveis, sendo convidados a fazer discurso para o casal de noivos no final da festa.
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14 Repressão ao Congresso da UNE, em Ibiúna, com mil estudantes presos.
15 Primeiro show do Led Zeppelin.
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Eleição de Richard Nixon.
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18 Vale do Silício,com empresas hightech na Califórnia
Arquivo
Enviado especial • Hanói
político. O processo começou em 1986, quando o governo lançou o “Doi Moi”, um amplo programa de reformas que o tirou do isolamento do pós-guerra. Gradualmente, a economia socialista planejada foi substituída pela economia de mercado, com a reabilitação das empresas privadas, a atração de capital externo e o financiamento da industrialização. — O processo ainda não está completo. O Vietnã é um país em transição. A renda per capita ainda é baixa (US$ 835). Queremos atingir este ano US$ 900, o que significa não estar mais num índice de desenvolvimento considerado baixo. Para isso, leis serão revistas e haverá mais incentivo aos investimentos estrangeiros — diz Pham Chi Lan, consultora econômica e ex-conselheira do primeiro-ministro. Mas o modelo vietnamita não é uma cópia fiel do programa chinês. O braço-forte do governo, por exemplo, não interfere nas aldeias, a base da economia vietnamita. Com a reforma, elas ganharam autonomia para seguir o seu próprio caminho, escolhendo o que querem produzir e como se organizar internamente.
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Chico Otavio
22 Lançamento do Álbum Branco dos Beatles.
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Costa e Silva decreta o AI-5
Apollo 8 24 Aentra em órbita da Lua e seus astronautas se tornam os primeiros seres humano a ver o lado oculto da Lua, além de ter uma visão total da Terra.
O GLOBO
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AZUL MAGENTA AMARELO PRETO
PÁGINA 10 - Edição: 27/01/2008 - Impresso: 26/01/2008 — 01: 44 h
RIO DE JANEIRO, 27 DE JANEIRO DE 2008
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O GLOBO
NOS ÚLTIMOS 40 ANOS, o cinema explorou o conflito no Vietnã à exaustão. Agora, é a vez de a guerra do Iraque inspirar reflexões e experiências narrativas
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O FILME ‘REDACTED’, que rendeu o prêmio de direção a Brian De Palma no Festival de Veneza de 2007, mostra como a guerra do Iraque representa um campo de experimentação estética para o cinema dos EUA
Hollywood vai e volta à guerra Rodrigo Fonseca
inema e guerra há tempos formam um misto-quente estético-político cuja digestão nem sempre é das mais suaves para platéias carentes de um The end feliz. Fã de guerras, por enxergá-las como forjas de heróis, Hollywood passou as últimas quatro décadas se embrenhando pelo conflito que alaranjou de napalm os céus do Vietnã. De lá para cá, nem a Segunda Guerra, com seu “O resgate do soldado Ryan” (1998), rendeu tanta polêmica na telona. As selvas vietnamitas serviram de inspiração aos maiores realizadores dos EUA, como Stanley Kubrick, que escancarou a violência psicológica do treinamento dos futuros combatentes em “Nascido para matar” (1987). Já Francis Ford Coppola fez “Apocalypse now” (1979) para denunciar o horror daquela guerra. O Vietnã também revelou promessas de direção hoje consagradas, como Oliver Stone e seu premiado “Platoon” (1985), vencedor de quatro Oscar. Por suas trincheiras, embrenharam-se exércitos-
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de-um-sujeito-só como o Rambo de Sylvester Stallone e sonhadores feito o recruta Ron Kovic, vivido pelo jovem Tom Cruise em “Nascido em 4 de julho”, cuja espinha perfurada à bala fez dele um mártir da crença antibelicista. — Boa parte dos filmes americanos sobre o Vietnã traça uma tentativa de entender como os EUA, potência bélica, pôde perder a guerra. Tentam ainda mostrar o desperdício da mesma: seja pela destruição de uma geração de jovens soldados dos EUA ou pelas difíceis condições vividas pelo povo vietnamita — explica o historiador André L. C. Lourenço, autor da dissertação “O círculo interno — Um olhar hollywoodiano: O poder nos Estados Unidos durante a Guerra Fria”. — O fato de haver uma grande presença de jornalistas no front e desse conflito ter tido cobertura na TV, dificultou uma imagem mais idealizada. Em 1967, “Uma rajada de balas”, de Arthur Penn, prenunciava que o audiovisual americano despertaria para a chamada “revolução easy rider”, marcada por um engajamento político e social, que explodiu a partir de 1968, em filmes como “Faces”, de John Cassavetes. Por conta dela, ao longo da década de 1970, vários longas-metragens
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A presença de jornalistas no front dificultou a idealização do Vietnã ANDRÉ L. C. LOURENÇO, historiador
avessos à cartilha industrial alfinetam a campanha americana em terras vietnamitas. Alguns atacam com humor, como “A última missão” (1973), de Hal Ashby, em que Jack Nicholson transportava um jovem para uma prisão militar. O mesmo Ashby fez um ataque mais direto em “Amargo regresso” (1978), em que Jane Fonda se apaixonava por um soldado (Jon Voight) que voltou paralítico do Vietnã. O cinema documental também trará reflexões densas, em especial as de “Corações e mentes” (1974), de Peter Davis. Claro que, no início deste processo de transformação, a velha Hollywood, espantada com a nova geração, teve um ataque de conservadorismo chamado “Os boinas-verdes” (1968), dirigido por John Wayne, Mervyn LeRoy e Ray Kellogg. No filme, Wayne resumiu o conflito no Vietnã a uma aventura. Foi um raro caso em que clássicos tipos heróicos de farda aparecem entre os vietcongues, como lembra o crítico Sérgio Augusto: Arquivo
‘PLATOON’ (1985) ganhou quatro Oscar ao inventariar as cicatrizes políticas do conflito no Vietnã
AS SELVAS VIETNAMITAS SERVIRAM DE INSPIRAÇÃO AOS MAIORES DIRETORES DOS EUA
— Apesar dos sucessos de “Patton”, “Mash”, “Ardil 22” e “Tora! Tora! Tora!” (todos de 1970) e algumas nostálgicas evocações heróicas de conflitos em que os americanos se deram bem, a produção de filmes de guerra praticamente cessou na década de 70. No lado europeu, a presença bélica dos EUA na Ásia foi rebatida com produções como “Loin du Vietnam”, formada por curtas de Agnès Varda, Jean-Luc Godard, Alain Resnais e outros. Houve ainda o polêmico “O soldado americano” (1970), de Rainer Werner Fassbinder. Na década de 1980, o cinema de ação, inspirado por “Rambo — Programado para matar” (1982), explorou o Vietnã à exaustão. Mas a correção política dos anos 1990 diluiu esse interesse. Curiosamente, o Iraque só virou alvo do cinema agora, nos anos 2000. Filmes como “Leões e cordeiros”, de Robert Redford, e “No vale das sombras”, de Paul Haggis, fazem as câmeras americanas se voltarem para o deserto iraquiano, rendendo inclusive experiências como “Redacted”. Com ele, Brian De Palma ganhou o prêmio de direção no Festival de Veneza de 2007, por uma narrativa que usa imagens de internet e TV digital. A inquietação plástica agora é maior, mas a indignação humana é a mesma: entender se o valor ganho em uma guerra compensa todas as suas baixas.
Coordenação: Helena Celestino • Edição: Sandra Cohen, Juliana Iootty e Ana Lúcia Azevedo • Arte: Léo Tavejnhansky (editor), Fernando Alvarus e Alvim (infografia)
VENDEDORA de frutas passa em frente a loja de informática no centro de Hanói, num Vietnã em que convivem passado e presente
UM ANO A OFENSIVA Silêncio INTERMINÁVEL pós-Vietnã DO TET ZUENIR VENTURA escreve sobre ano único na história contemporânea, que deixa dúvidas sobre seu fim — Página 2
DORRIT HARAZIM analisa as diferenças e semelhanças dos protestos pacifistas da nova e da antiga geração — Página 3
CHICO OTAVIO, enviado ao Vietnã, decifra um país ainda marcado, mas que quer seguir em frente — Páginas 4 a 7
Noam Chomsky MARILIA MARTINS entrevista intelectual de esquerda, que celebra efeito civilizador do ativismo dos anos 60 — Página 9
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AZUL MAGENTA AMARELO PRETO
PÁGINA 4 - Edição: 27/01/2008 - Impresso: 26/01/2008 — 01: 46 h
Domingo, 27 de janeiro de 2008
O GLOBO
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VETERANO:
O PREÇO pago pelos vencedores do confronto é alto, com 3 milhões de mortes e campos devastados por agente laranja
O general Tu Chu, um dos heróis da Ofensiva
Vestígios do horror no Vietnã
vívidas da operação que mudou a história da guerra e do mundo
Chico Otavio Enviado especial • HANÓI
guyen Duc Hung, o Tu Chu, é um octogenário vietnamita de aparência frágil. Magro, baixo, mantém um sorriso permanente e se mostra feliz em receber pessoas em casa. Na entrada, um tapete saúda os visitantes com um welcome, em inglês mesmo. Mas as aparências enganam. Tu Chu é um general reformado. Ex-vietcongue, foi um dos comandantes do feroz levante desencadeado, há 40 anos, contra as forças americanas e sul-vietnamitas em plena comemoração do ano novo lunar do país. O episódio, que entrou para a História como a Ofensiva do Tet, mudou o rumo da guerra e selou a sorte dos americanos. Na próxima quinta-feira, o Vietnã começa a comemorar mais um ano novo lunar. Pouco se falará sobre a Ofensiva. Uma exposição em Hanói, capital do país, e encontros entre veteranos e jovens fazem parte do discreto calendário que marcará a data. Sem desmerecer os heróis do levante (30 mil soldados norte-vietnamitas e vietcongues morreram na ação), a população quer agora paz e desenvolvimento. São poucos os vietnamitas exaliados dos americanos não perdoados pelos vencedores. Tu Chu abandona a postura de monge budista ao falar sobre um dos personagens mais odiados da guerra: — Foi um gesto cruel. Ele não teve compaixão. Foi serviçal, capacho, capanga...
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SÃO POUCOS OS VIETNAMITAS EXALIADOS DOS AMERICANOS NÃO PERDOADOS PELOS VENCEDORES O alvo de tanto ódio é o general Nguyen Ngoc Loan, chefe da polícia em Saigon (aliada dos EUA), que entrou para a História ao matar a sangue frio, em plena ofensiva, o oficial vietcongue capturado Nguyen Van Lém. A execução, captada pela lente do fotógrafo Eddie Adams, chocou o mundo e ajudou a mudar o destino do conflito. Tu Chu era um dos comandantes de Van Lém. Ele lembra que o guerrilheiro era um bom combatente, que já havia participado de ataques contra a Marinha americana. Embora o povo vietnamita evite sentimentos de vinO
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JANEIRO Primavera de Praga Início. Alexander Dubcek é eleito líder do Partido Comunista da Tchecoslováquia e promete fazer um “socialismo com face humana”.
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gança, o general reformado não esconde a satisfação com o que aconteceu dias depois da morte. — Acertamos um tiro na perna dele — disse, referindose ao executor. Nguyen Ngoc Loan teve a perna amputada. Em 1975, antes da queda de Saigon, fugiu para os EUA. Na Virgínia, onde se estabeleceu, abriu uma pizzaria, mas a loja foi boicotada pelos clientes depois da descoberta de sua identidade. Ele morreu em 1998. No Vietnã, O GLOBO localizou semana retrasada seis veteranos da ofensiva (dois generais, dois coronéis e dois subtenentes). Apesar do que os especialistas falam sobre o resultado da ação, por eles interpretada como uma derrota dos norte-vietnamitas e dos vietcongues, uma vez que 38% dos combatentes foram mortos e todas as cidades retomadas pelos americanos e sulvietnamitas, os veteranos sustentam a tese da vitória. — A partir do Tet, passamos a acreditar que venceríamos a guerra. O povo demonstrou uma força grande. Os americanos, por sua vez, ficaram surpresos, pois os atacamos diretamente. Naquele momento, tiveram uma noção da nossa força — recorda-se o general Le Ma Luong, que se tornou herói de guerra pela pontaria certeira com seu AK-47. — Os inimigos ficaram mais fracos depois do ataque. Nunca havia ocorrido algo igual no mundo antes da ofensiva. Mobilizamos todos os meios disponíveis — festeja o coronel Hoang Dao, o Tu Sac. A ofensiva, de fato, assombrou os americanos. Além de suspenderem os bombardeios, aceitaram pela primeira vez abrir negociações. Dias depois da ação, o presidente dos EUA, Lyndon Johnson, desistiria da reeleição, favorecendo a vitória eleitoral de Richard Nixon naquele ano. Até a ofensiva, os americanos pensavam que a guerra estava ganha e perto de terminar, como acreditou o general Willian Westmoreland, comandante das forças americanas no Vietnã. Depois dela, a campanha militar dos EUA rolou ladeira abaixo até a retirada total em 1973 e a vitória norte-vietnamita em 1975. O preço pago pelos vencedores, contudo, foi alto. Além das três milhões de mortes, campos e cidades foram devastados pelo despejo de bombas, napalm e agente laranja. Até hoje, a lista de vítimas do conflito continua crescendo. — Nem em mil anos conseguiremos retirar todos os artefatos explosivos do solo do Vietnã — lamenta Tran Thi Thanh Toan, gerente da ONG Clear Path International, que dá assistência a sobreviventes de acidentes com minas terrestres. Só no ano passado, 43 pessoas morreram ao acionar sem querer explosivos.
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Os inimigos ficaram mais fracos. Nunca havia ocorrido algo igual no mundo HOANG DAO, coronel vietnamita
Sudng Bui Th
UMA TRISTEZA NO OLHAR: Entre 350 e 850 mil toneladas de bombas e minas foram espalhadas pelo Vietnã na guerra. Uma delas arrancou, em 1976, o braço direito de Sudng Bui Thi quando ela tinha oito anos. Seu olhar triste, ao relatar o acidente, impressiona. O conflito acabara um ano antes quando Sudng, ao cuidar de um bode na região central do Vietnã, mexeu em algo que explodiu. “Não me lembro direito o que aconteceu”. Além de perder o braço, foi atingida por fragmentos no tórax e abdome. Ela teve um filho, mas nunca se casou. Recebe US$ 4 mensais de ajuda do governo.
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Tran Van Hoang MALDIÇÃO DO AGENTE LARANJA: As varas de bambu que conduzem Tran Van Hoang, de 28 anos, ao banheiro, servem também para a fisioterapia para o rapaz. Van Hoang é um dos sete filhos do agricultor Tran Van Tram, de 59 anos. No pós-guerra, quando o Vietnã foi varrido pela fome, o agricultor passava dias na floresta colhendo artefatos bélicos para vender como ferro velho. Dos seis filhos que nasceram neste período, quatro têm graves problemas físicos. O pai acredita que eles foram afetados pelo agente laranja, desfolhante usado pelo Exército americano na guerra para destruir as plantações.
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Le Van Hung MÁGOAS DA GUERRA: Provocado sobre a guerra, Le Van Hung, de 41 anos, dá uma resposta seca: “Só sei que nasci perfeito e fiquei com a metade do corpo paralisado”. Em 1975, ele seguia a mãe pelo campo em Quand Tri, na região central do Vietnã, perto de uma antiga base americana, quando esbarrou em algo que explodiu. Mesmo com as seqüelas do acidente, que afetaram todo o lado direito de seu corpo, Van Hung casou-se e teve quatro filhos. Sua mulher, Tranng Thi Yen, é agricultora, enquanto o marido cuida das tarefas de casa. Ele reclama por não receber qualquer tipo de ajuda oficial.
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Ofensiva do Tet Ataque do Exército nortevietnamita e dos vietcongues a mais de 100 cidades e 50 aldeias. Morreram na ação 30 mil soldados norte-vietnamitas e guerrilheiros e 11 mil soldados sul-vietnamitas e americanos.
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Fotos de André Coelho
do Tet:
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Vietnã: massacre de My Lai.
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Daniel Cohn-Bendit e outros sete estudantes dão início em Nanterre ao movimento que levou ao Maio de 68. Manifestações estudantis também em Londres, Roma, Madri e Varsóvia.
Édson Luis é morto por um capitão da PM no Calabouço, no Rio.
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O GLOBO
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PÁGINA 12 - Edição: 4/02/2008 - Impresso: 1/02/2008 — 23: 42 h
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AZUL MAGENTA AMARELO PRETO
Segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008
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Fotos de André Coelho
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A PAISAGEM MAIS CARACTERÍSTICA da área rural do Vietnã: agricultor com seu chapéu tradicional em meio a grandes plantações de arroz
UM OLHAR SOBRE O VIETNÃ André Coelho
Esta página do Infoetc dá chance de mostrarmos algo que temos visto pelo mundo. E não poderiam ficar fora desta galeria algumas imagens registradas em recente viagem a um mundo chamado Vietnã. Imagine um país devastado por anos de sucessivas guerras, com uma paisagem rural e com um governo comunista que tem aversão a americanos. Agora abandone por completo todos os estereótipos dos filmes de guerra e conheça o Vietnã de verdade, em pleno desenvolvimento e cheio de contrastes, cultivando um enorme respeito por sua história. No país há grandes cidades com trânsito caótico e seu exército de motocas, hotéis cinco estrelas, grifes de luxo e turistas — inclusive americanos — por todos os cantos. Em Hanói, há garotos de cabelos tingidos dançando break ao som de hip-hop em frente à estátua de Lênin, observados por uma senhora com seu tradicional chapéu em forma de cone e cestas de frutas equilibradas no ombro. As mesmas lojas que exibem letreiros luminosos têm também em algum canto um pequeno templo para que o devoto possa orar e acender incenso. Guias com megafones orientam dezenas de crianças durante visitas a museus onde elas podem conhecer a história de seu país, com veteranos que se orgulham de ostentar medalhas nos uniformes para as fotos e contar como derrotaram o exército mais poderoso do planeta. Os jornais locais dão conta do fuzilamento de três traficantes de heroína e, na página de negócios, destaque para o carro de mais de US$ 1 milhão comprado por um executivo de Saigon. No interior, os campos de arroz estão por toda parte, e a população toca sua vida normalmente, como há muitas gerações. Mas basta o sujeito com cara de ocidental aparecer com uma câmera na mão para que um punhado de crianças — lindas, por sinal — a caminho da escola comece a tagarelar Hello! How are you? Photo! Photo! E por aí vai... Os mercados populares, sempre cheios, são divididos em duas partes: do lado de dentro, os sinais da globalização, com seus perfumes, roupas de grife e relógios falsificados. Lá fora fica o pessoal mais tradicional, que vende verduras, legumes, peixes, iguarias da gastronomia vietnamita. E é com essa harmonia entre passado e presente que o Vietnã continua caminhando, sem mágoas, em direção ao futuro.
JOVEM ESTUDANTE canta sob os símbolos do governo local
RELÍQUIA: VIETNAMINA exibe uma velha bomba dos EUA
TROPA FEMININA durante cerimônia na capital vietnamita
COMO EM muitos países do Oriente, sempre cabe mais um
VENDEDORAS DE ROUPAS em um dos mercados de Saigon
JOVENS DEIXAM a tradição de lado e dançam ao som do hip-hop
CASAMENTO NO INTERIOR: roupas ocidentais e tradicionais