1 2
“E quando o vento folheava silenciosamente tais páginas, levando as cores e as figuras, pelas colunas do seu texto escorria um frêmito, soltando do meio das letras cotovias e andorinhas. Assim revoavam, dissipandose, página após página, suas cores”, diz o personagem principal do livro sanatório, escrito pelo polonês bruno schulz, ao falar do livro depositado sobre a escrivaninha do seu pai, obra que tanto o encantava. Quero que a cada página deste livro, leitor, cotovias pulem no seu rosto. O que falta nos jornais e nas revistas, esperamos exercitar neste livro: uma interação mais profunda, lúdica, dialógica. Não é possível explicar um tema como arte participativa, a não ser que ele seja experimentado minimamente; por isso, este trabalho pede para ser transgredido.
3 4 5 7 6 8 9 10
11
0. por André Gravatá 1. _______________________________ 2. uma das reações mais comuns diante do desconhecido. 3. entrada de ar nos pulmões e de entusiasmo nas ideias. 4. vai além dos limites. 5. ato de quem não se cansa de buscar o novo. 6. trabalhar junto. 7. alcateia, bando, cardume, multidão. 8. conversação com trocas. 9. impulso gerado por colisão, efeito de determinada ação. 10. liberdade. 11._______________________________
PARTICIPE
PARTICIPE ARTE EM PROCESSO
André Ricardo Dantas dos Santos Gravatá
Pontifícia Universidade Católica PUC-SP Trabalho de Conclusão do Curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo 2011
EXPEDIENTE André Gravatá autor do livro Elidia Novaes revisora Marcos Cripa professor-orientador Valdir Mengardo professor-orientador Nina Meirelles diagramadora Foto da capa reprodução de estampa de Monica Nador
Este trabalho foi licenciado com uma Licença Creative Commons. Você tem a liberdade de compartilhar (copiar, distribuir e transmitir) a obra. [A única condição é que você deve creditar a obra.]
A todos que me ajudaram a transformar uma ideia em livro – e a vida em arte: obrigado, mãe e pai; obrigado, Cripa, Valdir, Rejane e PUC; obrigado, Shakespeare, Cage e Huxley; obrigado, Elidia, Nina e Luis; e obrigado ao sol, pois sem luz não teria como escrever nada.
“Eu não sei se a arte nos deve salvar, mas tenho a certeza de que pode conduzir ao melhor que há em nós, para que não nos desperdicemos na vida” Valter Hugo Mãe, escritor português
“Você só transforma a sociedade quando transforma valores culturais” Mauro Pinto de Castro, professor de geografia do Jardim Miriam
sumário
Introdução-desvio sobre as cotovias que logo pularão...................... 13 Ato I Arte participativa e história ................................
25
Ato II Arte participativa e contemporaneidade .............
43
Ato III Arte participativa e educação .............................
57
Ato IV Arte participativa e transformação social.............
101
ato v Nunca haverá uma obra-prima wiki? ..................
123
Bibliografia ..................................................
127
Introdução-desvio
Sobre as cotovias que logo pularão
A ideia para este livro surgiu de uma palestra à qual não compareci ao vivo, só virtualmente. Até o final do ano passado, não entendia nada sobre arte participativa, muito menos os impactos que esse tipo de manifestação estava causando mundo afora. Em frente à tela do computador, conheci o assunto por alguns vídeos de uma palestra de Claire Bishop – historiadora de arte e crítica, professora do Centro de Graduação Cuny, em Nova York, e professora visitante do Royal College of Art, em Londres. Os artistas que desenvolvem trabalhos participativos costumam ter em mente a criação de obras que só evoluem a partir de contribuições coletivas, do engajamento do público na produção do trabalho. Desde o final do século 18, artistas
13
formaram grupos que lamentavam o distanciamento entre arte e público. A partir da segunda metade do último século, devido a invenções como a internet e fenômenos como a globalização, a “co-laboratividade” na arte se delineou com mais intensidade. Quando me decidi pelo tema, convicto de que iria pesquisar a arte participativa a partir de exemplos da prática, consultei diversas pessoas – desde artistas como Mônica Nador, Graziela Kunsch, Rejane Cantoni e Jorge Menna Barreto, até teóricos como Agnaldo Farias e Nelson Brissac Peixoto. Algumas conversas foram curtas, outras longas, algumas duram até hoje – e espero que continuem por muito tempo. E este trabalho surgiu após inúmeros cafés nos lugares mais variados, da periferia ao centro, da universidade ao museu. 14
‘Quem pensa mais profundamente sabe que está sempre errado, não importa como proceda e julgue’?1
Mais do que uma introdução, este começo é o início de um desvio. Na sua tese de doutorado2, a artista Rebeca Lenize Stumm cita uma frase do filósofo francês Giles Deleuze que desmancha a ilusão em relação a aberturas. Ali, Deleuze aborda um pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche: “nunca é no início (...) que alguma coisa pode revelar sua essência, mas, o que era desde o início, ela só pode 1 NIETZSCHE, 2008, p.271 2 STUMM, 2011, p. XXX.
revelá-lo num desvio de sua evolução”. Este livro pretende ser um desvio desde o começo. Não é possível explicar um tema como arte participativa, a não ser que ele seja experimentado minimamente; por isso, este trabalho pede para ser transgredido. “E quando o vento folheava silenciosamente tais páginas, levando as cores e as figuras, pelas colunas do seu texto escorria um frêmito, soltando do meio das letras cotovias e andorinhas. Assim revoavam, dissipando-se, página após página, suas cores”, diz o personagem principal do livro Sanatório, escrito pelo polonês Bruno Schulz, ao falar do livro depositado sobre a escrivaninha do seu pai, obra que tanto o encantava. Quero que a cada página deste livro, leitor, cotovias pulem no seu rosto. O que falta nos jornais e nas revistas, esperamos exercitar neste livro: uma interação mais profunda, lúdica, dialógica. Em sua tese de doutorado, Ricardo Basbaum cita o pintor alemão Philipp Otto Runge3, o qual afirma que a relação do ser humano com o seu meio já é participativa por excelência. “Do mesmo modo que os filósofos concluíram que se imagina tudo a partir de si mesmo, também vemos ou devemos ver em cada flor o espírito que o homem ali colocou, e é assim que a paisagem irá se desenvolver, como se todas as flores e animais estivessem apenas presentes pela metade, a menos que o homem faça a sua parte. Assim, o homem força seus sentimentos e sensações de encontro aos objetos a sua volta e, através disso, tudo adquire sentido e uma linguagem”, relata o pintor. 3 referência Basbawn
15
Quando discuto a participação na arte, falo não só do que Otto Runge disse, mas principalmente de um passo mais além: de um tipo de arte que instiga a percepção do indivíduo como sujeito no mundo.
Como um livro de arte participativa não deveria ser?
COMO UM LIVRO DE
16
Um casal pede divórcio. Tanto o marido quanto a esposa querem a guarda do filho. A família do esposo pressiona a mãe: se você ficar com o menino, fecharemos a conta com dinheiro acumulado para o futuro dele. A mãe vai parar no fundo do poço – e abandona a custódia do bebê. “Ela é uma boa mãe?”, pergunta o escritor norte-americano David Foster Wallace, num dos seus contos. A resposta fica a cargo do leitor. Quando o leitor tenta formular uma resposta a uma pergunta assim, ele está participando mais ativamente da construção do significado da história. Foi isso que Foster Wallace quis propor: quebrar a “quarta parede textual”4 e indagar diretamente ao leitor, anulando o véu de isolamento em torno do escritor. A arte participativa vai ao encontro das pretensões de Wallace. Ela se desenvolve em processos abertos, que às 4 David Foster Wallace fala da “quarta parede textual” com referência ao conceito de “quarta parede” do poeta e diretor de teatro alemão Bertolt Brecht (18981956). Para Brecht, existia no teatro convencional uma parede entre o ator e a plateia, que deveria ser quebrada por meio da aproximação entre ambos.
ARTE PARTICIPATIVA
NÃO
DEVERIA SER?
vezes até ofuscam a fronteira entre artista e público. No limite, a arte participativa quebra todas as paredes entre os envolvidos no trabalho artístico. Todos viram artistas.
Mais do que transmissão de informações, há um jogo entre leitor e texto.
Os livros têm som? Como seria uma troca baseada na liberdade?
18
5
Quando Pablo Neruda escreveu O Livro das Perguntas, em 1974, criou mais do que uma obra com interrogações. A cada página, o leitor é estimulado a participar do livro não apenas como aquele que extrai significados a partir do que está escrito, mas também como co-autor das mini-narrativas sugeridas com os questionamentos. Nesse livro, as perguntas são feitas e os leitores respondem ou não, à vontade. O importante é que a obra chama o leitor a partir da interrogação. “Qual é o pássaro amarelo que enche o ninho de limões?”, pergunta Neruda. Levando isso em conta, mais do que respostas, um livro sobre arte participativa talvez devesse formular perguntas para que os leitores transponham os limites das reflexões propostas. Espalhar perguntas pelo texto foi uma maneira que encontrei para instigá-lo a participar de um diálogo que transborda do papel – no mínimo, haverá mais questionamentos ao término da leitura. Aliás, muitas das perguntas encontradas não terão resposta. Algumas discordarão do que foi dito. Outras apenas suscitarão novos caminhos para discussão. 5 Caderno com fichas de artistas da 29ª Bienal de São Paulo, 2009, p. 38.
O músico John Cage não fazia perguntas em suas composições – em compensação, sempre provocava questionamentos. O que Walter Benjamin disse em relação ao compositor alemão Hanns Eisler também vale para Cage: ambos almejavam a “eliminação da oposição entre intérprete e ouvinte”. Em 1952, Cage lançou a música 4’33’’. Silenciosa. Eram 4 minutos e 33 segundos de puro silêncio – sempre interrompidos, é claro, pelo som das tossidas, espirros e movimentos do público. A música se divide em três atos, iniciados e finalizados em silêncio. Ao ser apresentada em grandes teatros, a composição 4’33’’ provocava uma diluição entre palco e plateia, afinal, até o barulho das pessoas nas cadeiras se tornava parte da composição – de certa forma, o público se tornava compositor sem nem perceber. Como não quero escrever um livro com páginas em branco, farei o contrário de Cage e, em vez do silêncio que convida à participação, convidarei o público a participar desta obra por meio do “som e fúria” gerados na profusão de palavras. Em homenagem a Cage, o livro será dividido em atos, numa composição caoticamente planeja-
19
da. A cada parte, perguntas intercalarão parágrafos e grupos de parágrafos, às vezes servindo como subtítulos, às vezes apenas como intervenções literárias. Convido o leitor a tentar respondê-las, seja anotando reflexões no livro, seja ponderando respostas em silêncio, seja levando os questionamentos a uma conversa entre amigos – ou inimigos, quem sabe?
A arte serve para quê?
20
“Na arte participativa, busca-se a coautoria dos atos”, disse Bishop na palestra realizada durante a 29ª Bienal de Arte de São Paulo, em 2010. Ao convidar o público para o processo de construção de uma obra, o autor amplia o diálogo com o mundo. Ao mesmo tempo, o mundo amplia o diálogo com a arte e despontam não apenas novas obras, mas também novas mentalidades. Essa foi a busca de Graziela Kunsch, artista que desenvolve o Projeto Mutirão – no qual engendra diálogos com públicos diversos, facilitados pela exibição excertos de vídeos gravados por ela –, projeto que logo será analisado mais detidamente. Ela se perguntava como o mundo da arte poderia “conversar e contribuir com outros mundos”. Na sua dissertação de mestrado, ela até cita uma frase do crítico Simon Sheikh que justifica a procura por uma arte mais plural: “a arte importa, certamente, mas não é o suficiente”.
como seria uma troca baseada na liberdade?
[frase retirada do Caderno com fichas de artistas da 29ª Bienal de São Paulo, 2009, p. 38.]
Nos próximos atos, a maioria das questões citadas aqui voltarão a ser discutidas com mais profundidade. A introdução-desvio importa, certamente, mas não é o suficiente.
O que é a leitura, senão um diálogo silencioso?6
a arte serve para quê?
22
6 BRISTOL, 2008.
Ato I
Arte participativa e história
24
Os pés de Raimundo estão cheios de terra. Os cabelos de Raimundo fedem. O frio de Raimundo é amenizado com trapos e um saco preto amarrado nas costas. O caderno de Raimundo é feito de folhas de sulfite. Folhas sujas. Raimundo mora numa área nobre de Pinheiros, em São Paulo. Raimundo mora na Av. Pedroso de Morais, mais especificamente num canteiro dessa área nobre. Raimundo, Raimundo, Raimundo. Raimundo Raimundo Raimundo. Raimundo. Raimundo. Raimundo Raimundo. A situação de Raimundo é tão precária que é preciso repetir seu nome até que não o esqueça-
25
Quem é artista é artista porque se considera artista ou porque outro alguém o considera artista ou os dois?
26
A arte é a válvula de escape de Raimundo. Ele é um artista? De que adiantaria o chamarmos assim? Ele ficaria com menos fome ou frio? Não. Cito o exemplo de Raimundo para sinalizar os caminhos principais a serem trilhados por este livro: .1 abordagem das intersecções entre arte e produção coletiva, na quais a reinvenção da linguagem está impregnada da ressignificação dos papéis sociais e pré-figurações de sociedades com menos pobreza, menos Raimundos, menos condicionados e menos Casas Suínas; ..2 não definição estrita do objeto de estudo, pois a arte participativa pode ter tantas leituras quanto olhares existirem – assim como o Raimundo pode ser visto como poeta, mendigo, louco, gênio etc., etc., etc. Mais do que trabalhar as minúcias do conceito, serão analisadas algumas perspec-
O artista é artista porque se considera artista ou porque outro alguém o considera artista ou os dois?
mos. “Repetir repetir, até ficar diferente”, como fala Manoel de Barros. A arte é o alimento de Raimundo, que passa todo o tempo escrevendo textos numa letra difícil de entender. Ele assina suas criações com o pseudônimo “O Condicionado”. Considera que “tudo é ilusão, tudo isto aqui é falso” e chama o mundo de Casa Suína.
27
tivas do fenômeno, representadas nos próximos capítulos pelos trabalhos das artistas Graziela Kunsch e Monica Nador.
Quanto tempo dura a compaixão? Quanto tempo dura uma obra-prima?
28
“Da adversidade, vivemos”, escreveu o artista brasileiro Hélio Oiticica num de seus Parangolés, as famosas capas coloridas que ganhavam vida quando o público as vestia e dançava. Nelas, a participação se dava num nível corporal e visual. “Na participação ativa pela visualidade, o espaço é bidimensional, tudo ocorre na superfície, sem ilusões, sem remeter a um outro que não esteja presente materialmente diante do participante: a tinta e a tela não são meios para representar uma outra realidade, mas constroem uma realidade em si mesma, questionando seus próprios meios e procedimentos. Assim, o participante, consciente disso e possibilitado pela própria ordem conscientizadora da obra, se coloca diante da tela como portador dos mesmos conhecimentos do artista”, explica a pesquisadora Cinara de Andrade Silva na sua dissertação de mestrado. Com suas ideias de participação corporal e visual, Oiticica começou a desbravar um caminho que é levado a extremos em obras nas quais a “co-laboração” do público é condição para que a obra comece a se delinear. A palavra “participativo” foi vista pela primeira vez em 1881 (a expres-
Quanto tempo dura a compaixão?
Quanto tempo dura uma obra-prima?
são “democracia participativa” só surge em 19687). O termo vem do latim participare (participar), derivado de pars (parte) e capere (pegar).
Todas as obras de arte são produzidas por extravagância ou num surto de raiva?8
30
A arte participativa antecipou muitas estratégias colaborativas que só viriam à tona com as tecnologias da Web 2.0. “Termos como colaboração e coletivo não são encontrados nos anos 60. Naquela época, a arte participativa estava mais relacionada ao envolvimento político e à luta pela democracia”, comentou Bishop na palestra citada na introdução-desvio. Segundo a crítica norte-americana, a arte participativa não tem mais um inimigo artístico tão definido nos dias de hoje. Mas há uma preocupação com os problemas sociais que é o fio condutor de muitos trabalhos participativos nos últimos anos.
O que se passa na cabeça do público que é convidado a participar da construção de uma obra de arte?
7 Segundo o site http://www.etymonline.com, consultado em julho de 2011. 8 Pergunta contida numa das anotações do diário da artista plástica Louise Bourgeois (1911-2010).
Nessa altura, pode surgir a pergunta: se toda arte depende da participação do olhar de um espectador para ser interpretada, toda arte não é participativa? De certa forma, sim. Como explica o filósofo Jacques Rancière, “toda posição de espectador já é uma posição de intérprete, com um olhar que desvia o sentido do espetáculo”9. O espectador também participa da obra ao construir um significado para o que vê, claro. No entanto, o foco deste trabalho está em práticas artísticas nas quais o público não só participa da construção dos significados, mas também dos objetos (ou processos) que depois ganham sentido. Como explica Neal Benezra10, diretor do Museu de Arte Moderna de São Francisco (SFMOMA), a arte participativa cria situações “que envolvem membros do público como participantes ou até parceiros no processo de produção do trabalho artístico”, com “espírito de abertura e engajamento ativo”, por meio de um “convite aberto” para um trabalho “em processo”.
A participação anula a alienação?
Há também diferenças entre participação e interação. “Todas as obras que se propõem como interativas, de certa maneira definem as regras do jogo. Então, esse tipo de obra 9 Em entrevista para a revista CULT, http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/ entrevista-jacques-ranciere/, acessada em julho de 2011. 10 Prefácio do catálogo da exposição (“A arte participativa: de 1950 até agora”), ocorrida em 2009.
31
a alienação?
anula
a participação
32
pode acabar sendo mais impositivo do que uma arte que está diante do espectador e com a qual ele pode fazer o que bem entender”, explica Rancière. Na interatividade, as ações do espectador influenciam o trabalho, embora de maneira breve e, na maioria das vezes, repetitiva e reversível, sem uma mudança fundamental ou estrutural na obra. Mas isso também é questionável. A artista e professora da PUC-SP Rejane Cantoni, por exemplo, que desenvolve trabalhos interativos – como um cubo de espelhos no qual o público entra e visualiza uma imagem múltipla, com repetições infinitas – discorda da visão do filósofo francês. Segundo ela, os trabalhos interativos travam um diálogo com o público que muitas vezes aponta o alargamento da obra. “O público não se comporta sempre da maneira que o artista imaginou”, comenta. Uma das obras de Rejane se chama Solo: é um piso que se move de acordo com o movimento na sua superfície. Cantoni imaginou que o público apenas caminharia sobre a obra, então se surpreendeu quando viu crianças pulando em cima do trabalho, quebrando as regras previstas e ressignificando a ideia inicial. Mas há quem trace uma diferenciação precisa entre arte participativa e interativa. “Por interatividade, entendo que sejam obras que requerem uma ação do espectador para que aconteçam: desde apertar um botão até fornecer informações pessoais, por exemplo. De certa forma, entendo que este tipo de relação opera num campo de problemas e num certo comportamento do público que já foi previsto pelo autor. Considero a ideia de participação mais complexa”, co-
menta Jorge Menna Barreto, artista e pesquisador, mestre em poéticas visuais pela USP. Entre seus trabalhos há o Projeto Matéria, realizado em 2004 no Centro Cultural São Paulo. Era uma oficina que fazia as vezes de intervenção artística: quinze alunos foram selecionados para participar das aulas com professores diversos. O foco era uma reflexão acerca de assuntos como o papel do artista e principalmente questões relacionadas àrecepção da arte. Neste projeto, o mote era a aula-diálogo – a participação do público ressignificava a obra
34
à medida em que ela acontecia. Na visão de Barreto, qualquer trabalho artístico é potencialmente participativo. “Um texto crítico sobre uma obra, por exemplo, pode ser uma forma de participação. Entendo que participação seja essa relação de continuidade que o público pode ter com a obra, emancipando-se da proposta do artista e percorrendo novos caminhos, deslocando o seu sentido, e até mesmo o subvertendo. É nesse momento em que o público se torna co-autor, no momento que faz uma apropriação do conceito e um desvio, uma leitura crítica e contundente que opera nas brechas do que foi dito e proposto, e não se contenta com o que está dado, ou com a simples captura de conteúdo depositado na obra pelo autor”, completa o artista.
O que é a democracia participativa na ideia? E na prática?
Como todas as palavras, o termo “participação” tem diversas acepções. Pode ser interpretado da seguinte forma: “é inicialmente baseada em uma diferenciação entre os produtores e os beneficiários – os primeiros estão interessados na participação desses últimos, e entregam uma porção substancial de trabalho a eles, quer no momento da concepção ou no novo ciclo do trabalho”, como diz Christian Kravagna, historiador de arte e professor da Academia de Belas Artes de Viena11. Por isso, é preciso deixar claro que “as fronteiras são permeáveis e categorizações rígidas têm pouco efeito.” Em vários momentos do século passado, a arte participativa aproximou a arte do cotidiano das pessoas. Nesse tipo de trabalho artístico, a relação entre artista e espectador foge da relação hierárquica habitual. As origens da participação na arte remontam ao Dadaísmo, no início do século 20, em Zurique, na Suíça, onde a criação caótica e acidental de algumas obras começava a embaçar os limites da arte tradicional, que tanto valorizava a noção de autoria. Também na primeira metade daquele século, o dramaturgo alemão Bertolt Brecht elaborou suas teorias sobre a quebra da quarta parede no teatro – para Brecht, entre o espectador e o ator havia um muro que devia ser derrubado. Já no Brasil, por volta de 1960 e 1970, o teatrólogo Augusto Boal desenvolveu o Teatro do Oprimido, um método teatral que incluía práticas como o Teatro-Fórum, no qual a plateia era convidada ao palco para solucionar os dilemas encenados. 11 No texto Working on the Community – Models of Participatory Practice, de 1998, disponível em. http://republicart.net/disc/aap/kravagna01_en.htm, acessado em julho de 2011.
35
36
Outros artistas brasileiros, como Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape, foram pioneiros na exploração de novas relações entre a obra de arte e o público. Pape, por exemplo, costumava declarar que um dos seus objetivos era desrespeitar as estruturas hierárquicas tradicionais. Em 1968, ela criou um de seus trabalhos mais famosos, intitulado Divisor. A obra consistia num tecido branco de 900m2, cheio de buracos para que as cabeças do público entrassem. O trabalho só se realizava com o público presente. E as pessoas que participavam da obra só se movimentavam se existisse uma atuação coletiva sincrônica: apenas com a harmonia entre os participantes, a obra ganhava vitalidade. Na década de 1950, os happenings (“acontecimentos”) buscavam a aproximação direta com o público: as pessoas eram convidadas a participar de ações sem começo nem meio, nem fim previstos. Nos happenings, ocorriam improvisações com elementos que não tinham necessariamente conexão entre si, ressignificados na ação única que não poderia ser reproduzida depois. O comportamento do público variava do entusiasmo à indiferença. Como lembra o artista norteamericano Alan Kaprow, parte do público preservava uma distância contemplativa: “quando um trabalho é realizado em uma avenida movimentada, transeuntes normalmente vão parar e assistir, assim como eles podem assistir à demolição de um edifício”.
Que tipo de espectador você é?
Quatro rapazes de branco servem café. Sentado, o músico John Cage lê um texto que relaciona melodias com zen-budismo. Às vezes, lê em voz alta. Outras, em silêncio. Balbucia. Na escada, os poetas Charles Olson e Mary Caroline Richards leem poemas. Enquanto isso, o pianista David Tudor improvisa uma canção. Merce Cunningham dança. Mais pessoas interferem no “evento” de maneira aleatória, em improvisos seguidos de improvisos. Essa cena ocorreu em 1953, no Black Mountain College, na Carolina do Norte, Estados Unidos, e foi considerada o primeiro happening. Realizada por Cage, a “Theater Piece # 1” envolvia os participantes em apelos a todos os sentidos. Alguns anos depois, em 1957, surgiu o Situacionismo, movimento que começou com um grupo italiano que se definia como “vanguarda artística e política”. Críticos da sociedade de consumo, eles defendiam a ideia de que as pessoas deviam construir as situações das suas próprias vidas, sem alienação, na rotina. Ou seja, eles tentavam articular a relação entre a arte e a vida. “Toda pessoa razoavelmente consciente de nosso tempo já se deu conta do fato óbvio de que a arte não pode mais ser considerada uma atividade superior, ou mesmo uma atividade compensatória para a qual alguém pode honradamente se devotar. A razão para tal deterioração é, com certeza, a emergência de forças produtivas que necessitam de outras relações de produção e de uma nova prática de vida. (...) nós acreditamos que todos os meios de expressão vão convergir num movimento geral de propaganda e precisam englobar todos os aspectos perpetuamente interativos
37
38
da realidade social”, defendem Guy Débord e Gil Wolman, membros do situacionismo, no Guia Prático para o Desvio12. Saindo da Itália e voltando aos EUA, para Nova York, é possível encontrar outro grupo do final do século passado que também apontou para uma maior participação do público na arte. Criado em 1979, o Group Material transitou por temas como consumo, alienação, educação e AIDS. Uma das exposições do grupo, chamada Democracy: Cultural Participation (“Democracia: Participação Cultural”), de 1988, contou não apenas com uma exposição de objetos – entre eles, diversos pacotes de salgadinhos, numa diversidade de sabores que sugeriam “identificações étnicas com gostos particulares” –, mas também com “town meetings”13 (fóruns políticos). Num desses encontros, as discussões giraram em torno das seguintes indagações: Quais são alguns dos aspectos da atual crise de participação cultural? Cultura para quem? Quem tem acesso e a quem é negado o acesso às instituições de representação? De que forma as instituições culturais servem e de que forma elas falham com suas comunidades e público? Como o consumismo afeta o nosso poder participativo? Como mercados e instituições definem comunidades e ditam a sociabilidade? Quais são algumas práticas fora do mainstream, alterna12 DÉBORD , Guy; WOLMAN, Gil. Um guia prático para o desvio. 1956. 13 Antes de 1971, os “town meetings” eram encontros organizados por funcionários municipais eleitos – como consta na dissertação de Graziela Kunsch. Muitas vezes, tais encontros ocorriam “por insistência dos cidadãos comuns”–, para que fossem discutidas e anunciadas novas políticas.
tivas e/ou de oposição? Quais são os problemas e soluções apresentadas por essas práticas? Quais são as nossas opções? Como podemos começar a construir uma democracia cultural? As questões apontadas pelo Group Material continuam atuais e ilustram bem como eles tentavam motivar o engajamento do público ao convidá-lo para uma conversa. “O público deixa de ser quem apenas está habituado com os códigos da arte, então ele pode ser formado em qualquer situação, com quaisquer pessoas”, conta Paulo Myiada, coordenador do núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake e assistente curatorial da 29ª Bienal.
‘A existência precede e comanda a essência’?14 39
Cada vez mais a aproximação entre artista e público se dá por um viés ativista. Na dissertação Insurgências Poéticas, escrita pelo pesquisador André Mesquita sobre arte ativista e ação coletiva, há uma reflexão sobre as práticas artísticas ativistas entre as décadas de 1990 e 2000. Em muitas delas, são percebidas propostas colaborativas. A experimentação constante chama atenção: protestos, performances e instalações artísticas são apenas algumas das práticas desenvolvidas por grupos bastante críticos ao status quo. Para Mesquita, tais projetos “simplesmente desmontam qualquer ideia restrita 14 SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução de Paulo Perdigão. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
40
QUAIS SÃO ALGUNS DOS ASPECTOS DA ATUAL CRISE DE PARTICIPAÇÃO CULTURAL?
[frase retirada de um dos trabalhos da exposição Democracy: Cultural Participation (“Democracia: Participação Cultural”), de 1988, realizada pelo Group Material]
de que coletivo é apenas um agrupamento formal, uma coalizão temporária ou núcleo de artista”. Em seu entendimento, “estratégias de participação aumentam a nossa definição de ações coletivas como função social e meio de comunicação”. As nossas definições aumentam e, consequentemente, significações antigas são atualizadas. A arte participativa nasce de premissas diametralmente opostas à noção de arte do russo Leon Tolstói, por exemplo. Para o escritor, autor do livro O que é Arte?, a arte é “a atividade humana que consiste em um homem comunicar conscientemente a outros, por certos sinais exteriores, os sentimentos que vivenciou e os outros serem contaminados desses sentimentos e também os experimentarem.” Mas na arte participativa as pessoas experimentam um sentimento diferente, que é singular e compartilhado ao mesmo tempo, forjado em conjunto.
41
Ato II
Arte participativa e contemporaneidade
42
À medida que os anos se passaram, as cifras em jogo no mercado da arte cresceram exponencialmente – e a vaidade de muitos artistas também. Mas tanto dentro quanto fora do mainstream artístico, continuam surgindo projetos que convidam o público a assumir outros papéis que não apenas o de observador. A internet potencializou a organização de grupos, facilitando a criação de projetos que já nascem com um formato difícil de enquadrar em velhas definições. O WallPeople, por exemplo, é um projeto colaborativo com berço digital. Trata-se de uma proposta artística que convida as pessoas a transformarem muros em murais de fotos. O projeto acontece simultaneamente em diversas cidades mundo afora, uma vez por ano. “O tema de 2011 foi ‘felici-
43
dade’. Em São Paulo, neste ano, havia muitos fotógrafos na ação, mas também foram pessoas que não tinham nada a ver com fotografia e levaram a foto do filho, por exemplo”, conta Julia Bolliger, que trabalha no portal Ideia Fixa, organizador da ação no Brasil. Naquela edição, cerca de 3 mil pessoas saíram de casa com suas fotos, rumo a muros espalhados por 20 cidades do mundo. Mesmo que não seja o tipo de participação fundamentalmente cocriadora, com pessoas que transgridam a ideia inicial, ainda assim é um projeto que merece ser citado pela amplitude de mobilização e diálogo com o público, sinal da potencialidade das ferramentas atuais.
Quando o espectador se torna um acomodado? 44
“A tendência para a prática de colaboração e participação é, inegavelmente, uma das características principais da arte contemporânea”, escreveu o filósofo alemão Boris Groys, no ensaio A genealogia da arte participativa. A tendência mencionada por Groys pode ser percebida em obras como “Please, love Austria” (“Por favor, ame a Áustria”), do cineasta alemão Christoph Schlingensief, realizada em 2000. Ele transferiu para uma das praças da cidade um contêiner que abrigou dez estrangeiros. Todas as ações dos “prisioneiros” podiam ser acompanhadas pela internet. Diariamente, um deles era eliminado por votações online. Os perdedores eram encaminhados ao departamento de deportação. À luz
do dia, o cineasta passava pelo contêiner e proferia vários comentários de cunho racista. O projeto suscitou críticas e motivou a mobilização de muitas pessoas. O que instigou os ânimos foi o delicado tema em discussão: a xenofobia. “’Please, love Austria’ mostrou as contradições de uma sociedade e criou mais debate e agitação que a própria instituição responsável por questões de imigração. A atuação de Schlingensief é contraditória e antidemocrática, o que só explicitou a liberdade do fazer artístico. A ambiguidade está no âmago da obra”, comentou a crítica Claire Bishop ao analisar o trabalho. Para ela, tal obra não deve ser criticada por um aspecto ético superficial. Alguns trabalhos participativos partem de uma ideia que reafirma problemas da sociedade atual para colocá-los em discussão. 46
Qual o valor social da arte?
“Você conhece Akira Kurosawa?”; “Você já leu Clarice Lispector hoje?”; “Está com fome? Então leia O Banquete, de Platão”; e “Descubra quem você é”: essas foram algumas das frases que escrevi em post-its, preparando-me para uma intervenção urbana cujo planejamento foi realizado a várias mãos. Um amigo colocava miniaturas dentro de bexigas vazias e as passava para mim. Além das miniaturas, iam os post-its dobrados bem miúdos. Enquanto uns enchiam as bexigas, outros preparavam fantasias com panos estampados e papel.
Qual o valor s o c i a l da arte?
47
Estávamos organizando uma intervenção urbana, coletivamente, entre músicos, publicitários, jornalistas e pesquisadores de áreas diversas. Cada detalhe da ação foi pensado e executado colaborativamente, após a leitura de poemas e músicas que nos inspiraram. O encontro foi proposto por amigos que desenvolveram a ideia de um laboratório de intervenções na cidade. Dez pessoas se reuniram com o objetivo de criar uma ação artística efêmera e impactante. O grupo saiu pelas ruas do centro de São Paulo cantando e entregando bexigas para as pessoas com as mensagens citadas. Na maioria das entregas, conversávamos com as pessoas. Mesmo com algumas tentativas frustradas, em geral o diálogo se estabelecia.
48
‘... aqui ainda existiriam sérias dificuldades a vencer. Mas estas dificuldades estão mais dentro de nós mesmos do que em qualquer outra parte’?15
Essa ação não reflete uma dinâmica participativa do começo ao fim, porque nesse caso há um espectador almejado: o público da rua. Mas é uma mistura de arte participativa com arte pública que dilui fronteiras que nem mesmo estavam tão claras. “Na arte pública, não chamamos o público de público, nem de espectador, porque ele às vezes nem sabe que está sendo envolvido na ação”, conta Nelson Brissac Peixoto, filósofo e professor da PUC-SP. 15 GOGH, Vincent Van. Cartas a Théo. Trad. Pierre Ruprecht. Porto Alegre: L&PM, 2001. (p.299)
O que aconteceu na ação descrita há poucos parágrafos? Um encontro entre amigos? Uma intervenção urbana? Uma ação de educação informal? A arte contemporânea liquidifica a realidade. E, como Bishop discute, a arte participativa coloca uma série de binômios pulsantes diante de quem a analisa, como . arte/vida. autor/público . individualidade/coletividade O artista Thomas Hirschhorn vai ao âmago dessa questão quando comenta um dos seus trabalhos artísticos, chamado Foucault Art Project, para o qual ele imaginou um espaço com 700 a 1000 m2, onde ocorreriam discussões, exposições de fotos e livros, encontros, entre outras atividades. “Devemos nos libertar de exposições. Odeio e nunca uso o termo show em inglês; odeio e nunca uso a palavra piece [peça, pintura]. Nunca uso e o termo instalação. Mas quero fazer um trabalho, uma obra de arte! Quero me tornar o que sou. Quero me tornar um artista! Gostaria de me apropriar do que eu sou. Este é o meu trabalho como artista”, conta Hirschhorn. O artista alemão quer se apropriar de si mesmo – e considera este o seu trabalho. Seu trabalho é se tornar artista, numa fusão de vida com arte.
Você gostaria de participar de uma experiência artística?“16
16 Título de um dos trabalhos do artista multimídia Ricardo Basbaum.
49
50
Deborah me convidou para opinar sobre algo em sua casa. Imaginei que fosse uma cadeira ou prateleira, porque sou bom carpinteiro. Também falo de quadros, de Picasso a Magritte, de Tarsila a Deborah. Uma casa é uma casa. Sei tudo que uma casa pode ter. Mas ela queria um palpite sobre uma caixa alienígena. Branca, de um material desconhecido, com um tubo central (porta rabos talvez, ou lixeira prática). Deborah disse que a caixa era bio-magnética, ela tinha desejos de abraçá-la”, conta o escritor André Carneiro, em depoimento para o site do projeto Novas Bases para a Personalidade (NBP)17, do artista Ricardo Basbaum. Esse projeto consistiu no seguinte: Basbaum inventou um objeto retangular com uma espécie de cilindro no meio, que foi entregue a várias pessoas, convidadas a fazer o que quisessem com ele. O artista só pedia que elas documentassem as ações, seja quando pintavam o objeto, quando apresentavam alguma performance com ele ou quando realizavam algo que nem o inventor da ideia havia imaginado. Basbaum também pedia que devolvessem o objeto. A proposta, realizada desde 1994, intitula-se “Você gostaria de participar de uma experiência artística?” Se fôssemos dividir a possibilidade de participação em níveis, essa obra estaria entre as mais participativas – com um porém, claro, afinal, para que você participe dessa experiência artística, é necessário o convite. Inclusive existe uma escala que facilita a distinção das nuances envolvidas num ato participação. Há um conceito político que pode ser relacionado com a arte participativa. 17 http://nbp.pro.br
A “escada da participação” sugere um olhar minucioso para os níveis de apropriação de poderes dos indivíduos comuns numa sociedade. Na escala dos graus de participação dos cidadãos desenvolvida pela escritora Sherry R. Arnstein, cada degrau corresponde a um nível diferente da abertura dos indivíduos na definição dos rumos de uma sociedade. A seguir, os oito degraus da escada da participação cidadã: .8º Controle cidadão .7º Delegação de poder .6º Parceria .5º Pacificação .4º Consulta .3º Informação .2º Terapia .1º Não-participação Enquanto no primeiro degrau há a não-participação – ou seja, a apatia diante do aparato político, quando o sujeito é suscetível a qualquer tipo de manipulação –, no último degrau há o controle cidadão – que ocorreria caso questões mais relevantes para o funcionamento de uma sociedade, como orçamentos, fossem totalmente decididas a partir de assembleias populares, por exemplo. O segundo e o terceiro degraus também estão mais ligados à não-participação: no nível da “terapia”, os problemas dos cidadãos são ouvidos pelo governo, mas nada é feito, compromissos não são firmados; no degrau da “informação” há uma maior transparência do poder público em relação a decisões importantes, mas nada mais do que isso.
51
52
Nos outros graus de participação, também há diferentes tipos de relação: no nível da “parceria”, geralmente surgem organizações híbridas que dialogam com diferentes atores. Em “pacificação”, há o uso de estratégias paliativas para a resolução das situações – neste degrau, as demandas são atendidas com soluções temporárias. Pode-se aplicar a “escada de participação” na arte para analisar os graus de abertura que os artistas dão em relação à cocriação. Por muito tempo a arte foi “não-participativa”. Em tempos de Renascimento, período em que a arte estava pautada pela ideia de imitação (mimesis) das formas ideais e clássicas, não se falava em colaboração. Hoje em dia, encontram-se trabalhos com as mais variadas características. Muitos, por exemplo, permitem uma participação semelhante ao quinto degrau da escada pensada por Arnstein. Na “consulta”, pede-se a opinião dos participantes, mas isso não garante que ela seja levada em conta durante o desenvolvimento do trabalho.
O coletivo ou o individual?
Aaron Klobin é um jovem artista norteamericano que realizou vários trabalhos colaborativos. Em um de seus trabalhos, Aaron pediu que as pessoas lhe enviassem desenhos de ovelhas – em troca, o artista pagava US$0,02 a cada um dos colaboradores18. Ele consultava o público, mas usava apenas 18 Matéria sobre o trabalho de Aaron Klobin, acessada em agosto de 2011 http://blogs.estadao.com.br/link/tag/johnny-cash/
O COLETIVO OU O INDIVIDUAL ?
54
as contribuições que mais o interessavam, sendo que a participação popular se resumia à simples remessa de (possíveis) partes da obra. Na contramão do que acontece com trabalhos como os de Klobin, as obras de arte participativa que convidam o público a se apropriar da ação proposta motivam o surgimento de comunidades – seja durante a execução da obra, seja num processo de “expansão” ou transgressão do discurso inicial, o que pode durar muito tempo. “Comunidade significa que não há um ser singular sem um outro ser singular”, explica o filósofo francês Jean-Luc Nancy. Após esses primeiros atos, focalizados em análises de referências contemporâneas e antigas – conceitos e obras fundamentais para uma primeira aproximação do tema – entramos noutro momento. É hora de mergulhar em dois projetos tão singulares quanto seus participantes.
Ato III
Arte participativa e educação
“Percebo que antes mesmo de aprender o uso do imperfeito do subjuntivo, já estão me dizendo que ele não serve para nada. Primeiro, aprendam. Depois, vocês podem questionar o uso dele”, explica o professor François Marin, personagem do filme francês Entre os Muros da Escola. Essa frase ilustra bem a típica relação entre estudante e professor: o mestre transmite conhecimentos ao aluno, como se estivesse sempre um passo à frente. Constrói-se uma relação problemática, com uma lacuna entre as duas inteligências. A relação entre a transmissão de conhecimentos e o ensino é, para o filósofo francês Jacques Rancière, o princípio do embrutecimento do aluno. Para que haja emancipação na sala de aula, uma outra postura deve ser assumida.
55
Qual é a diferença entre ouvir e escutar?
56
Rancière se baseia nos argumentos do professor Joseph Jacotot, um educador do século 19 que defendia a emancipação intelectual das pessoas por meio da ideia da igualdade das inteligências. Segundo Jacotot, todos têm a mesma capacidade de aprendizagem. Uma das situações que justificariam essa equidade é o fato de que o ser humano aprende o idioma nativo sem maiores explicações teóricas. Do gugu-dádá até a elaboração de frases mais complexas, dá-se um processo realizado por tentativa, comparação, erro, acerto... enfim, de pura experimentação. Se o professor entende que seu aluno é tão inteligente quanto ele mesmo, a relação muda totalmente. “O aluno do mestre ignorante aprende o que o mestre não sabe, já que o mestre fala para ele procurar alguma coisa e recontar tudo o que descobriu no caminho, enquanto o mestre verifica se ele está realmente procurando. O aluno aprende alguma coisa como um efeito do ensinamento do mestre. Mas não aprende o conhecimento do mestre”, conta Rancière no livro O Mestre Ignorante. Ao discursar numa escola de artes, Rancière comparou as ideias de Jacotot ao comportamento do espectador de teatro. Ele lembra que muitos dramaturgos pressionam o espectador a sair da sua atitude passiva. Assim, reflete Rancière: “este é o primeiro ponto que os reformadores do teatro compartilham com os pedagogos do embrutecimento: a idéia da lacuna entre duas posições. Mesmo quando
QUAL É
A DIFERENÇA ENTRE
OUVIR E
57
?
ESCUTAR
58
o dramaturgo ou o ator não sabe o que quer que o espectador faça, pelo menos ele sabe que o espectador tem que fazer alguma coisa: trocar a passividade pela atividade”. As oposições olhar/saber, olhar/agir, aparência/realidade e atividade/passividade são, para Rancière, alegorias da desigualdade. Na maioria das vezes, elas são ressaltadas com a intenção de ser abolidas. Mas “é exatamente o esforço para suprimir a distância que constitui a própria distância”. Em vez do reconhecimento das semelhanças entre artista e espectador, cava-se ainda mais fundo o abismo entre ambos. “De fato, eles [dramaturgo e ator] estão mais que cautelosos hoje em dia quanto a usar o palco como meio de ensino. Eles apenas querem proporcionar um estado de atenção ou uma força de sentimento ou ação. Mas ainda supõem que aquilo que vai ser sentido ou entendido será o que eles colocaram no próprio roteiro ou performance. Eles pressupõem a igualdade – ou seja, a homogeneidade – entre causa e efeito. Como sabemos, esta igualdade se baseia em uma desigualdade. Ela se baseia no pressuposto de que há um conhecimento adequado e uma prática adequada no que diz respeito à ‘distância’ e às formas de suprimi-la”, continua Rancière. Nas palavras do autor, para suprimir a distância entre professor e aluno, “Jacotot colocou o livro como o algo que fica no meio. O livro é a coisa material, exterior tanto ao mestre quanto ao aluno, através do qual é possível verificar o que o aluno viu, o que ele disse a respeito, o que ele pensa sobre o que disse.”
A artista Kunsch também quer suprimir a distância entre ela e seu público. Para isso, não usa um livro, mas sim excertos de filmes.
O que embrutece o povo: a falta de instrução ou a crença na inferioridade da sua inteligência?
“Escutar é algo que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar, no sentido aqui discutido, significa possibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro”, diz Paulo Freire no livro Pedagogia da Autonomia. Logo no começo da conversa com Kunsch, ela leu este trecho de Freire. Ouvir o outro é essencial para a artista. Os diálogos que ela propõe dependem da atenção do público. E o diálogo anula o comportamento bancário, tão criticado por Freire – a pedagogia bancária consiste em depositar conhecimento sem nenhuma perspectiva crítica nem convite ao aluno para que ele recrie o que está sendo dito. Sendo ávida leitora de Paulo Freire, a artista também cuida para que seu espectador não seja apenas um receptor de informações. O espectador da arte participativa ajuda a construir a obra – e tem até o aval para ressignificá-la. Por exemplo, caso você queira, pode sair reproduzindo o Projeto Mutirão, obra inicialmente elaborada por Kunsch. Dentro da ideia do projeto está a possibilidade da apropriação da obra pelo espectador – e da diluição da autoria, claro.
59
‘A liberdade política não pode se resumir no direito de exercer a própria vontade. Ela reside igualmente no direito de dominar o processo de formação dessa vontade’. 19 A gente dominou/domina este processo?
O que embrutece o povo: a falta de instrução ou a crença na inferioridade da sua inteligência?
Uma das características essenciais da obra participativa é que ela está “em processo”. Ela é um fluxo de água que, a princípio, corre num chão cavado pelo artista. Depois da ideia inicial, o artista chama mais gente para que o chão seja cavado em grupo. E cada um faz isso à sua maneira. Assim, ou .1 o artista continua cavando o chão junto com outras pessoas que aceitam se dedicar ao desenvolvimento do trabalho tanto quanto o propositor ou ..2 o artista vai embora e deixa o fluxo de água correr pelos caminhos traçados pelo público que, a esta altura já não é mais espectador, mas sujeito da obra. “Espectar” é o ato de olhar, assistir, apreciar. Vem do latim specto, de observar atentamente, contemplar. A partir do momento que a obra começa a ser construída pelo espectador, ele também se torna artista. Quando deixa de “espectar”, também deixa de ser espectador. “Arte expandida” foi uma expressão usada nas décadas de 60 e 70 para caracterizar o tipo de arte que estava sendo influenciada pelas performances e happenings, entre outras práticas artísticas. 19 MATTELART, Armand. História das Teorias da Comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
61
A arte participativa alarga o papel do público ao ponto do nome espectador não mais servir para nomeá-lo.
Vocês acham que a educação deve ser uma ferramenta para impulsionar o crescimento econômico do país ou seu papel primordial é outro?21
‘Este é tempo de partidos, é tempo de homens partidos’20?
62
O Projeto Mutirão consiste em diálogos promovidos por Graziela Kunsch, nos quais são exibidos trechos de vídeos sobre movimentos sociais e suas lutas, gravados pela artista ou por colaboradores. Os excertos são mais do que um pretexto para os encontros. Eles funcionam como uma espécie de liga das conversas, motivação para novas reflexões – e para a participação. Kunsch comenta, na sua dissertação: “acho que Nicolau Bruno [pesquisador da ECA-USP – Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo] não precisava ter medo da dispersão ‘pós-moderna’ que o uso do excerto ou fragmento (excerto, no vocabulário de Graziela Kunsch) pode sugerir. A forma (seria inapropriada a palavra?) é pensada, articulada, mas não a partir de abstrações, nem articulações de abstrações, mas se constrói no acompanhamento de lutas políticas em andamento, de ações movidas pela necessidade e pela utopia (não é a utopia absolutamente necessária e a satisfação de algumas necessidades, utópica?) A recusa em fechar a forma, o voltar-se constantemente para ela, questioná-la, incorporar a discussão, a apresentação, a crítica, o comentário alheio, tudo isso”. 20 ANDRADE, 2001, p. 38.
A biblioteca de Kunsch contém referências fundamentais para que as pessoas entendam seus trabalhos e saibam de onde ela parte para atuar como artista. Com a intenção de deixar claras as suas motivações, em muitas mostras e apresentações ela leva pelo menos um recorte temático de livros, para compartilhar com o público algumas das referências em jogo. “Tento criar estratégias para as pessoas usarem esses livros nos espaços expositivos, como grupos de estudos”, conta. Na 29ª Bienal de Arte de São Paulo, por exemplo, havia quase 300 livros da sua coleção particular. Desde que abriu sua casa como uma “residência pública”, em 2001, sua biblioteca é compartilhada. “A biblioteca era o primeiro cômodo da casa e sempre tinha muita gente passando por lá. As pessoas podiam entrar para estudar e levar livros emprestados. Até pessoas que eu não conhecia podiam agendar visitas para estudar na biblioteca – no entanto, isso acontecia menos, a maioria dos que usavam a biblioteca eram os que frequentavam as exposições e eventos que ocorriam na casa”, relembra Kunsch. Ela estudou num colégio tradicional, mas desde jovem buscava apresentar trabalhos em forma de teatro ou vídeo. 21 Pergunta contida na matéria “Exercício de Dialética”, publicada na revista Trip de setembro de 2011.
63
64
“Gostava de trabalhar em grupo e acabava levando todo mundo comigo. Tinha gente que nunca teria interesse em fazer teatro, mas daí topava fazer uma peça. A gente transformava um trabalho sobre efeito estufa em teatro. Alguns professores se tornaram aliados e passamos a montar peças para apresentar para outras turmas”, diz Kunsch numa entrevista contida nos anexos do livro Insurgências Poéticas, do pesquisador André Mesquita. Nos tempos de criança, a jovem Graziela Kunsch ainda não pensava em trabalhar com arte. Foi atleta da seleção brasileira de nado sincronizado, pentacampeã brasileira por equipes e campeã sul-americana. Mas abandonou o esporte para estudar teatro. Antes de terminar o ensino médio, foi convidada para trabalhar em uma escola de artes cênicas para crianças e adolescentes, com alunos de até 15 anos. “Acabei passando dez anos na escola. As minhas peças com os alunos sempre eram criações coletivas e aproximavam várias linguagens. Incluía vídeos nos trabalhos. As artes plásticas estavam sempre presentes. Os cenários geralmente eram conceituais, muito bem pensados. Tenho muita saudade daquela época. Sei que as peças de teatro tocavam muito as pessoas, acho que mais do que meus trabalhos atuais”, conta ela.
As pessoas se emocionam com o quê?
Nas peças de teatro com os alunos, já estava presente uma abordagem social e política. Até as crianças tinham interesse em lidar com esses temas. A peça Se você sonha com nuvens, por exemplo, inspirada em contos zen budistas e hindus, foi uma das quais Kunsch mais gostou. “Lembro dos pais me procurarem, e a agradecerem: ‘nunca imaginei que meu filho pudesse me dizer essas coisas’”, diz. As peças eram assinadas pelo coletivo de alunos, como, por exemplo, “criação coletiva à luz de Manoel de Barros” e “criação coletiva com a Clarice Lispector”. Kunsch queria estudar cinema na USP e artes plásticas na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado). Pensava em cursar uma faculdade durante o dia e outra à noite. “Para o cinema e para o teatro que eu queria fazer, precisava estudar artes plásticas”, fala a jovem artista, hoje com 32 anos. Ela não entrou na USP, mas passou na Faap em primeiro lugar, com direito a bolsa no primeiro ano. “Comecei a cursar cinema como ouvinte. Na realidade, cursei não só como ouvinte, pois os professores de aulas práticas acolhiam todos os alunos”, lembra. A turma da Faap era muito criativa e radical; a partir desse grupo surgiram vários projetos artísticos coletivos. Ela resolveu estudar na USP como ouvinte, onde teve aulas com professores como Arlindo Machado, que falava bastante sobre as origens da linguagem cinematográfica, e Ricardo Calil, mais focado em cinema brasileiro. As aulas a influenciaram bastante, tanto quanto as experiências com os amigos da Faap. “O fato de eu ter estudado arte é muito de-
65
terminante no cinema que faço hoje – e foi crucial na minha forma de repensar o teatro. De certa maneira, abandonei o teatro, mas também não abandonei. O trabalho se radicalizou, deixou de ser espetáculo para virar outra coisa. Uma das definições para ‘participação’ é justamente o não-espetáculo. Quem é contra o espetáculo, é a favor da participação das pessoas”, explica.
Você é contra o espetáculo?
66
As pessoas se emocionam com o quê?
Desde o grupo de teatro, Graziela lidava diretamente com questões políticas e ativistas. “Me formei num grupo que não era exatamente engajado, mas era bastante político, com um trabalho bem crítico. No teatro, existe muito forte a ideia do trabalho coletivo, acho que funciona melhor do que em qualquer outra área”, reflete a artista. Durante o curso de artes plásticas, ela formou, com alguns amigos, o Núcleo Performático Subterrânea. Esse coletivo realizava várias ações pela cidade, sem planejamento nem registros. As performances rompiam os limites entre a atuação e a não-atuação, cada um se expressava de uma maneira diferente, reagindo a algumas situações do cotidiano. Como eram as ações? “Nunca descrevo, era um trabalho bem radical, quando a gente coloca em palavras a experiência é empobrecida”, responde ela. O grupo costumava dizer que todo mundo nasce subterrânea, mas poucas pessoas percebem isso.
67
É possível determinar a duração de uma experiência artística?
Enquanto estudante, a faculdade era a cidade de Kunsch, o universo da artista. E ela estava na Faap na época em que começou a instalação de catracas. Tentou resistir a isso, com um movimento anti-catracas, mas no fim, as demandas não foram atendidas. Ela também participou de outras mobilizações na faculdade, como do grupo MTAW (Movimento Terrorista Andy Warhol), que deixou colorido um dos corredores cinzas da escola. O engajamento em ações assim rendeu inúmeras tentativas de repreensão por parte dos diretores da faculdade à estudante. Mas sempre teve sorte e nada de grave resultou das conversas. Por um lado, ela era uma aluna rebelde. Por outro, ganhou dois prêmios – e bolsas – nas competições de arte anuais da Faap. Como representante da universidade, também ganhou um prêmio em Berlim. A artista e os amigos não apenas fizeram manifestações e intervenções urbanas. Eles lidavam com múltiplas linguagens. Então, lançaram uma revista chamada Urbânia, fanzine que nasceu com 300 exemplares com o objetivo de divulgar suas “ações subterrâneas”. O poema a seguir, de Fernando Pessoa, publicado sem créditos na contracapa dos números 1 e 2 da revista, resume o impulso que gerou a revista: “Mesmo que os nossos versos nunca sejam impressos, / Eles lá terão a sua beleza, se forem belos. / Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir, / Porque as raízes podem estar debaixo da terra /
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista. / Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir”. E a revista ironizava os próprios integrantes do grupo. “A notícia mais alarmante é que não há indícios de que Graziela Kunsch seja uma pessoa real ou uma única pessoa, mas heterônimos de si mesma”, constava numa página solta encartada na publicação. Houve um intervalo de sete anos entre as edições número dois e três da Urbânia. Várias edições número 3 foram esboçadas e, na Urbânia 4, sobre projetos de cidades, a revista assumiu uma lógica mais colaborativa e migrou para a internet.
A experiência do espectador pode ser transformada numa obra de arte? 69
A Arte e Esfera Pública é outros dos projetos de Kunsch, uma iniciativa que ocorreu em 2008, organizada por ela e um amigo, também artista, chamado Vitor Cesar. “Apoiados em práticas contextuais (site-specific) e em projetos de colaboração, objetivamos pensar em como se constitui uma esfera pública hoje, ou, mais apropriadamente, em como se constituem e se sobrepõem diferentes esferas públicas, diferentes contextos e diferentes audiências”, resume o folder da exposição, que esteve espalhada por vários lugares de São Paulo. Num dos espaços, estava montado mais um dos projetos que também contam com a participação de Kunsch: a BASE móvel, uma estrutura que motivava encontros, conver-
70
sas e estudos. A BASE móvel, instalada no Centro Cultural São Paulo, era formada por cadeiras, móveis e fitas coladas no piso, que traçavam uma planta no chão para delimitar a função de cada espaço. Havia um espaço para conversas, outro com livros das bibliotecas pessoais de Kunsch e de um amigo dela, chamado Ricardo Rosas – entre outros espaços para projetos de outros artistas. Em 2004, realizou uma exposição chamada Um espaço para a contracultura inglesa no Centro Brasileiro Britânico, a partir da obra do inglês Stewart Home. Para essa exposição, ela levou todos os livros que possuía de autoria de Home, entre outros títulos relacionados. A partir daí, parte da sua biblioteca segue em quase todas as exposições. “É uma proposta educativa. Um convite para falar para as pessoas: ‘olhe, este trabalho aqui precisa de um pouco mais de tempo da sua atenção, você pode aprofundar sua visão sobre a exposição’. Uma biblioteca permite várias camadas de aproximação.Tem gente que só olha as lombadas, por exemplo. Se as pessoas percebem algum sentido, nem que seja rápido, já é válido”, diz Kunsch. Nessa exposição, também houve momentos de participação mais explícitos. “Foi a primeira vez que organizei conversas dentro do espaço expositivo. A cada sexta-feira, acontecia um diálogo sobre um tema ligado à contracultura inglesa, de alguma forma também ligado ao contexto brasileiro”, explica.
Qual é a função do artista?
A experiência do espectador pode ser transformada numa obra de arte?
72
A artista terminou a faculdade em 2001 e foi morar em Paris durante sete meses, por meio de um projeto de residência artística da Faap. Enquanto estava na França, um amigo a convidou para participar do Festival Mídia Tática Brasil. Ela disse que não queria fazer um trabalho individual, e propôs aos Rejeitados – um coletivo de coletivos do qual ela fazia parte – que também participassem do festival. O evento foi um marco na história de Kunsch, aproximando ativistas de artistas. Ou seja: o evento propiciou o contato entre pessoas com objetivos comuns e práticas diferentes. No Mídia Tática, ela conheceu iniciativas como o CMI (Centro de Mídia Independente)22, do qual se tornou colaboradora ativa, com tamanho envolvimento que, nesse período, abandonou os projetos de exposição de seus trabalhos artísticos. Era muito comum que alguém de algum movimento social ligasse para ela de madrugada e saíssem imediatamente para realizar filmagens. No final de 2004, em 2005 e 2006, esteve tão dedicada a esse trabalho que foi aceita no mestrado em 2005 mas, na prática, manteve o foco exclusivo no CMI.
Como é por dentro outra pessoa? Quem é que o saberá sonhar?“23
22 O Centro de Mídia Independente é uma rede que surgiu nos EUA em 1999, para agregar as notícias de coberturas jornalísticas sobre os protestos contra um encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Seattle. O CMI se tornou um portal de mídia alternativa gerido por coletivos independentes. 23 Poesia Como é por dentro outra pessoa, de Fernando Pessoa acessada em 27 de agosto de 2011, http://www.revista.agulha.nom.br/fpessoa93.html.
Estou bem no momento de questionar o meu próprio trabalho. Cada diálogo é muito diferente. Alguns são incríveis, funcionam muito bem, outros são desastres e se tornam mais uma apresentação do que uma conversa. Preciso descobrir um jeito de isso funcionar mais dialogicamente”, comenta a artista, idealizadora do Projeto Mutirão. Os vídeos apresentados nos diálogos do projeto são diversos, como filmagens no MST (Movimento Sem-Terra), entre outras imagens de ocupações e manifestações. No início dos encontros, Kunsch costuma fazer perguntas para a plateia. E ela geralmente customiza as abordagens, porque o trabalho é sempre apresentado em contextos específicos, nos quais é possível desenvolver as conversas segundo ideias mais afins a cada grupo. A intenção da artista é realizar diálogos nos quais a participação do público aflore – e incentivar a apropriação do trabalho e sua reinvenção pelas mãos dos participantes.
O que é, então, essa arte que é considerada tão importante e necessária para a humanidade cujos sacrifícios não apenas do trabalho e das vidas humanas, mas também da bondade, lhe são oferecidos?24
Numa conversa com o movimento Passe Livre, em Florianópolis, por exemplo, Kunsch começou perguntando: como seria o espaço de uma cidade com o transporte gratuito? 24 TOLSTOI, 2002, p. 30.
73
74
Como seria o ponto de ônibus? O que mudaria na prática? Nesse caso, ela tentou incentivar as pessoas a refletirem sobre a cidade dos sonhos de maneira menos abstrata. “Normalmente, os movimentos sociais têm muita facilidade para pensar as questões ideologicamente, nos direitos, mas muita dificuldade de pensar espacialmente”, explica. A interação depende do perfil do público: há pessoas que logo começam a falar e trazem ideias. Outros, mais tímidos, entram e saem calados. “Mas acho que, no mínimo, as perguntas que faço instigam o pensamento das pessoas, elas tentam visualizar alguma coisa. Isso é importante, nesse momento elas já estão participando, elas se percebem, de certa forma, sujeitas do trabalho. E para mim não basta ser participante. O público precisa se perceber sujeito de determinado processo”, reflete Kunsch. A artista não quer que as pessoas apenas participem de suas proposições, mas também que elas façam novas, num exercício de cocriação. Num texto sobre trabalhos participativos, o artista e educador norte-americano Ted Purves reflete sobre a essência de trabalhos construídos em conjunto: “Por ‘cocriação’, eu quero dizer que, apesar de os projetos serem instigados por um artista ou por um coletivo, todos têm sido estruturados para permitir seu significado concreto e suas resoluções possíveis; para serem reformulados por aquelas pessoas que poderiam ser consideradas, do contrário, apenas como espectadoras”.
O que você quis dizer quando falou que um poema deve agir como uma mala vazia?25
Toda conversa é uma divisão de responsabilidades. No diálogo não há apenas emissores e receptores, mas duas ou mais pessoas interagindo. O tempo todo, há o exercício da escuta e da fala. E o desafio de Kunsch é promover conversas espontâneas, nas quais as falas se levantem naturalmente. E não só ela tem esse desafio, mas também outros artistas que trabalham com o diálogo. Há, inclusive, uma evolução nesse meio: os trabalhos artísticos de linha mais educacional e dialógica já estão sendo reconhecidos pelo sistema institucionalizado de arte; tanto que há vários críticos e historiadores buscando nomear essas práticas. Há quem chame de “arte baseada em diálogo” ou “estética relacional”. Novos tempos, novas terminologias. E assim também pensa Kunsch em relação ao seu trabalho: “não uso a terminologia ‘plano-sequência’26 para os vídeos que mostro durante as apresentações. Essa expressão foi proposta pelo André Bazin, quando ele falava do cinema clássico. Para os filmes de hoje que eu outras pessoas fazem, acho que precisamos de outros nomes. Por isso, chamo meus vídeos de excertos”. Nas apresentações, Kunsch tenta mais escutar do que falar. Ou fazer perguntas e, conforme os conteúdos e ideias 25 Primeira pergunta da entrevista com o poeta Kay Ryan realizada pela revista Paris Review, na edição 187, em 2008. 26 O plano-sequência é um plano longo, sem cortes, que de certa forma substitui uma sequência de planos. O plano é a unidade de tempo no cinema, uma cena sem nenhum corte (edição) é um plano.
75
[primeira pergunta da entrevista com o poeta Kay Ryan realizada pela revista Paris Review, na edição 187, em 2008.]
o que você quis dizer quando falou que um
poema deve agir como uma
mala vazia?
trazidos pelas pessoas, ela tenta mediar e articular o que surge. “Conforme as pessoas passam a pensar em determinada provocação, posso ser a mediadora que tenta articular essas falas, nem que seja minimamente. A partir de alguma coisa que alguém fala, eu digo ‘ah, tenho um excerto aqui muito legal, relacionado com isso que você falou, aí mostro o vídeo’. Em algumas apresentações, até falo sobre o conteúdo dos vídeos, explico algumas das ações. Há quem queira entender melhor como funciona uma ocupação sem-teto, e a gente conversa sobre isso. Há outros casos em que não se fala sobre nenhum vídeo desse jeito, daí a gente discute outra coisa, como a linguagem do trabalho”, fala Graziela. Em alguns momentos, as pessoas assumem tanto a discussão que a artista poderia sair da sala sem ser percebida. “Claro que nunca sou apenas mais uma participante da conversa. Como propus o jogo, vou ter sempre algum olhar por trás. Mas o melhor momento é a hora na qual sou completamente dispensável nos diálogos”, comenta. Tais melhores momentos não aconteceram apenas em apresentações do Projeto Mutirão. Bem antes, quando dava aulas de teatro, ela adorava deixar os alunos totalmente sozinhos dentro da sala, trabalhando sem o inquisidor olhar adulto, sem palpites alheios. Na primeira metade da aula, ela tentava ao máximo trazer referências para eles trabalharem. Depois do intervalo, o grupo inteiro fazia uma cena improvisada, na qual lidavam com todas as dificuldades de um processo coletivo. Kunsch saía da sala, e eles buscavam caminhos, completamente sós. Depois, ela voltava e via o re-
77
sultado. “Costumo dizer que essa foi a minha melhor experiência como professora, justamente quando eu não estava na sala de aula. Foram os momentos nos quais eu fui uma melhor professora”, explica a artista.
Mas como explicar que ele [o homem] seja tão apaixonadamente propenso à destruição e ao caos?27
78
Na 29ª Bienal, Kunsch realizou diálogos com diversos públicos, desde plateias que começaram com uma pessoa até públicos compostos por 150 educadores. Dependendo da situação, a interação se dava de maneira diferente. “Normalmente, quando falo que a apresentação foi um desastre, é quando ela é mais expositiva, quando falo mais do que o público. Por outro lado, fiz uma apresentação puramente expositiva num congresso acadêmico de cinema, em vinte minutos, que depois rendeu um diálogo com o público que foi super legal”, comenta. Nesse dia, o foco da discussão foi a linguagem do trabalho. “Para mim, também é muito legal quando o trabalho é discutido a partir do ponto de vista do cinema, quando a ênfase não é só na luta política”, diz. Inclusive as apresentações que não foram muito legais são vistas como importantes para o trabalho. Recentemente, ela estava num teatro de arena. Começou a conversa meio nervosa, porque decidiu fazer uma reflexão sobre o traba27 Dostoievski, 1864, via O livro das citações.
lho que até então não tinha feito, tentando buscar um novo entendimento dos excertos, numa elaboração que ainda era rasa. Começou a ler o que escreveu e tudo começou bem mal. Até um momento de virada. Kunsch grava todas as apresentações e depois retira excertos dessas gravações que também são usados em outras apresentações. “Num dos excertos dessa conversa no teatro de arena, apareço numa mesa, com microfone, uma boa iluminação em cima e uma projeção atrás. Parece muito com um jornal de televisão. Só que ao mesmo tempo assoava o nariz, muito humana, bem diferente dos âncoras na tevê. Daí eu falei: ‘ainda tenho uma série de outros excertos para mostrar para vocês, mas estou muito incomodada com essa situação armada’, que no fundo foi armada por mim mesma, e resultou num desastre”, lembra Graziela. Na apresentação em questão, ela ressaltou para a plateia que seu trabalho se recusa a fechar uma forma e busca um diálogo mais próximo. Pediu para aumentar a claridade. O técnico de luz intensificou a luz na artista. “’Não, não, não em mim, aumente a luz nas pessoas’, eu disse. Essa cena durou meros segundos, mas é um dos meus excertos preferidos, desta parte dos vídeos reflexivos. É um trecho que nasce justamente de um momento em que tudo estava dando errado”, comenta Kunsch. Ou seja: o erro e o improviso também entram no trabalho e reforça a ideia da participação da plateia como essencial e como caminho para a obra.
79
Quando um diálogo começa?
80
As conversas de que ela mais gosta são as mais extensas, que duram horas e horas. Artistas que desenvolvem trabalhos participativos pautados pelo diálogo desempenham um papel que, nas teorias de redes, levam o nome de netweaver, alcunha dos que facilitam o espaço de diálogo e atuam como “tecelões” da rede. Os netweavers fomentam a criação de espaços em que as pessoas se sentem confortáveis para realizar trocas. “Uma das apresentações mais longas aconteceu durante uma residência artística que fiz na Holanda. Apresentei o Projeto Mutirão no apartamento da residência artística em que estava. Fizemos uma sopa coletiva. Como era uma situação mais informal, a conversa durou cerca de cinco horas”, comenta Kunsch. Recentemente, a artista participou de uma exposição chamada Conversas, em Curitiba, no Paraná, na qual uma das conversas sobre o projeto durou cerca de oito horas. “Batizei essa oficina com o título de outro trabalho meu, de vídeo: ‘Eu sou ele, assim como você é ele, e eu sou você e nós somos todos juntos’. Era para estimular que as pessoas se apropriassem dos projetos. Uma das pessoas que estava registrando em vídeo as conversas, entendeu bem a proposta. No final da exposição, ela apresentou o Projeto Mutirão com excertos filmados por ela mesma”, conta Kunsch. Outra pessoa, que também estava nessa exposição em Curitiba, mandou para a artista um livrinho com uma conversa fictícia sobre o Proje-
–Quando um diálogo começa?
to Mutirão, na qual há trechos de entrevistas, fragmentos da conversa que Kunsch realizou no Paraná, entre outras citações. Com feedbacks assim, o trabalho começa a transbordar das mãos da artista.
O que faz com que alguns trabalhos ganhem vida própria (e continuação) e outros não?
82
Uma educadora da Bienal contou para Kunsch que alguns professores se engajaram nas lutas no Movimento Passe Livre contra o aumento da tarifa de ônibus. Eles não só começaram a participar das manifestações, mas também a alertar passageiros dentro dos ônibus sobre as causas que estavam sendo defendidas. “Isso tudo é extensão dessas conversas. Não dá para determinar de fato a duração delas”, relata a artista. Quando fala de apropriação do seu trabalho, ela deseja que as pessoas façam mais do que apenas colaborar no envio de vídeos para as apresentações (o que já acontece). A ideia é que qualquer pessoa pegue um arquivo de excertos, tanto da artista quanto outros quaisquer, e fomente novos diálogos. “O objetivo é que cada vez mais existam outros personagens pelo trabalho. Vários pontos formando uma rede, dando força para que essa rede não seja só uma massa, mas que também tenha um corpo”, diz.
A criação (mas será preciso repetir outra vez, droga?) é aventura, é descobrimento. O criador é aquele que se adianta. Como poderia enriquecer o mundo se sua obra fosse condicionada pela necessidade de ser imediatamente entendida, assimilada, aproveitada?28
A artista convida o público não só a participar da construção da obra, mas a continuá-la: “Você que viu uma conversa do Projeto Mutirão pode assumir o trabalho e continuá-lo. Essas pessoas costumam me pedir pelo menos um DVD com excertos para que façam apresentações nas cidades delas. Sempre dou muita ênfase: esse arquivo pode crescer, ou então pode ser um arquivo completamente diferente do meu”, conta. A única regra que ela pede: que cada vídeo seja um plano único. “Isso tem um sentido: são pecinhas que estão soltas, lutas que muitas vezes estão isoladas, e o que a gente faz nessas conversas é articular essas coisas num projeto coletivo. Hoje em dia ainda não temos um projeto coletivo; só agora estamos voltando a pensar nisso, num projeto de cidade, por exemplo. E é claro que, quando acontecer uma apropriação de fato, o projeto nem se chame mais Projeto Mutirão, talvez nem precise mais desse histórico. Não terei como controlar, nem saber como as pessoas se apropriarão disso”.
28 CORTÁZAR, Julio. Papéis inesperados. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
83
84
O site do projeto entrou no ar no ano passado29, mas online. há apenas a estrutura da página, sem nenhum vídeo. Em breve, Kunsch quer transformá-lo num grande arquivo, para disponibilizar os excertos acumulados até hoje e motivar a criação de mais um espaço de discussões, inclusive com a possibilidade de que os usuários enviem outros vídeos para arquivo. Nos últimos anos, Kunsch se aproximou dos movimentos em prol de melhorias na habitação e transporte. Então, muitos dos seus vídeos abordam essa temática. Com o site, ela quer aumentar a diversidade das abordagens. “Queria que o arquivo contivesse registros de todas as lutas por mudanças progressistas”, comenta a artista. Essas lutas, como reflete em sua dissertação, promovem as chamadas “políticas pré-figurativas” por meio de manifestações, ocupações e protestos. Tais pré-figurações “não apenas anunciam como a sociedade poderia ser, como já constroem uma outra sociedade”. Aliás, também os diálogos de Kunsch abrem caminho para uma nova maneira de organização coletiva. O trabalho ainda não foi apropriado por tantas pessoas, mas só o fato de existir essa possibilidade já sinaliza uma mudança de perspectiva para o público. E ela acredita que “os registros em vídeo dessas formas de organização e situações [ocupações, debates públicos, mutirões, etc.] podem contribuir visualmente com a instituição de um imaginário; com a criação de uma outra sociedade”. Para reforçar isso, ela se apóia nas ideias do filósofo grego 29 www.projetomutirao.org.
O que faz com que alguns trabalhos ganhem vida própria (e continuação) e outros não?
85
Cornelius Castoriadis, que considera a sociedade como algo que existe por meio de “instituições imaginárias”.
E se vivêssemos numa cultura da participação?
86
- Bora, pode entrar, pode entrar! - Entra! Entra! Entra! - Ninguém vai pagar essa porra! Entra aê! - R$2,30 não dá! - Ninguém vai pagar, mano! - Vamo aê, entra! Essas falas foram ouvidas no Terminal Parque Dom Pedro, em São Paulo, no ano de 2006, durante uma manifestação contra o aumento da tarifa do transporte público. A cena, registrada por Graziela Kunsch, se transformou num excerto intitulado Abertura de Portas, com 38 segundos. A ideia do uso de trechos de gravações sem cortes, intitulados “excertos”, é uma tentativa de dizer que “se trata de momentos, de peças de um processo maior”. Antes de Kunsch, diversos artistas, como o cineasta iraniano Abbas Kiarostami e o artista múltiplo Andy Warhol, exploraram a prática das gravações sem cortes. Um dos trabalhos de Warhol, chamado Empire, nasceu da seguinte ideia: o artista posicionou uma câmera, por oito horas, de frente para um edifício em Nova York, o Empire State Building. Oito horas de gravação depois, estava registrado todo o percurso
da luz do sol, dos reflexos no prédio e da movimentação urbana. Como comenta Ismail Xavier, citado por Kunsch na sua dissertação, em Empire o artista estabelece “um continuum entre o mundo da tela e o mundo cotidiano e procurando dissolver as fronteiras entre objeto e obra de arte”30.
Você gostaria de participar de uma experiência artística?31
Durante a Ocupação Chiquinha Gonzaga, no Rio de Janeiro, Kunsch propôs aos moradores uma dinâmica diferente: “vamos criar um documentário sobre a ocupação, sem diretores, colaborativamente?” A proposta se desenrolou, rendeu boas imagens, mas acabou parada por circunstâncias diversas, como a falta de verba para bancar o básico das filmagens, de fitas e câmeras. Mais recentemente, há cerca de dois anos, ela está desenvolvendo um projeto na Comuna Urbana Dom Hélder Câmara, em Jandira, SP, o primeiro assentamento urbano do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), no qual cinema e coletividade também são as palavras-chave. No assentamento, haverá 128 casas, uma escola para crianças, uma creche e uma padaria, além de outras atividades coletivas e de geração de renda, como um projeto audiovisual. “Todo esse assentamento urbano está sendo construído 30 XAVIER, Ismail. . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. 31 Título de um dos trabalhos artísticos do artista multimídia Ricardo Basbaum.
87
com assessoria da USINA, um coletivo de arquitetura do qual faço parte. Todos os projetos do coletivo são desenvolvidos com as famílias. Há discussões com os arquitetos sobre como eles imaginam os espaços. Durante a semana, as construtoras trabalham nas obras, mas nos fins de semana acontecem os mutirões, com a participação de todos. Me chamaram para fazer um documentário sobre o assentamento, que também deveria ser gravado por mutirão, um documentário autogerido”, comenta Kunsch.
‘E o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos.’32 Qual é o estereótipo que construímos para a arte?
importante. É uma postura de indivíduo diferente: que está ‘em relação’, que co-labora nesse processo coletivo”, explica. Trata-se de práticas que apontam uma nova noção de autoria. Ainda que a ideia inicial seja de uma só pessoa, o desenrolar dessa proposta se pauta num processo que diminui a possibilidade do seu fim ser atribuído a um só. Um processo coletivo depende da destruição do púlpito do autor-individual, do autor-excludente. A própria noção de autor é relativamente recente. “O autor é uma personagem moderna, produzida sem dúvida por nossa sociedade na medida em que, ao sair da Idade Média, com o empirismo inglês, o racionalismo francês e a fé pessoal da Reforma, ela descobriu o prestígio do indivíduo ou, como se diz mais nobremente, da ‘pessoa humana’”, conta Roland Barthes no texto A morte do Autor.
88
89
Em Jandira, o processo não pôde ser realizado tal como idealizado pela USINA e por Kunsch, mas persistindo na idéia de um “documentário autogerido”, a artista vem perguntando aos moradores que cenas precisam existir no documentário sobre a história da Comuna e propondo atividades de realização dessas cenas. Tanto no Projeto Mutirão quanto no documentário da Comuna, Kunsch ainda assume o papel da mediadora, que articula as propostas e ideias que surgem. “Acho essa mediação 32 Frase proferida pela escritora nigeriana Chimamanda Adichie, numa palestra que foi registrada em vídeo e está disponível na internet, no endereço: http://www.ted.com/talks/lang/eng/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_ single_story.html
Como nossos gestos revelam quem somos e o que vivemos?33
A noção de autoria está ligada à tentativa de aproximar “pessoa” e “obra”. Barthes discute exatamente a ideia de autoria na literatura, numa reflexão que pode facilmente ser transposta para qualquer outro ramo da arte. No limite, o sociólogo francês fala de como o ser humano se expressa: “o escritor só pode imitar um gesto sempre anterior, jamais original; seu único poder está em mesclar as escrituras, em 33 Caderno com fichas de artistas da 29ª Bienal de São Paulo, p. 24.
90
fazê-las contrariar-se umas pelas outras, de modo a nunca se apoiar em apenas uma delas”. O escritor jamais é original, sempre remete a um gesto anterior. “Quisera ele exprimir-se; pelo menos deveria saber que a ‘coisa’ interior que tem a pretensão de traduzir não é senão um dicionário todo composto, cujas palavras só se podem explicar através de outras palavras”, completa Barthes. Qualquer texto – e obra de arte – transborda um sentido único, vai além do que o autor pensou; afinal, a própria criação se dá em dimensões múltiplas. As abordagens possíveis diante de qualquer trabalho artístico são diversas – e não intrínsecas à obra. O indivíduo é o responsável por escolher a forma de aproximação. No caso da literatura, o leitor. No caso da obra de arte, o espectador. O espectador é o ponto de convergência da obra. Como diz Barthes, “o nascimento do leitor deve pagar-se com a morte do Autor”. É no leitor/espectador que a multiplicidade se reúne. Motivar o espectador a se perceber como sujeito da obra é uma ação típica da arte participativa. Numa análise mais minuciosa, a arte participativa está apenas dando consciência ao espectador do que ele já é.
O que uma obra de arte já motivou você a fazer? (O que este livro motiva você a fazer?)
Nos grandes teatros, por exemplo, o papel do espectador não fugia muito do métier previsto pelo autor: chorar, rir etc., etc. “Tudo o que o povo exige da tragédia é ficar bem
comovido, para poder derramar boas lágrimas; já o artista, ao ver uma nova tragédia, tem prazer nas invenções técnicas e artifícios engenhosos, no manejo e distribuição da matéria, no novo emprego de velhos motivos, velhas ideias. Sua atitude é a atitude estética frente à obra de arte, a daquele que cria; a primeira descrita, que considera apenas o conteúdo, é a do povo”, lembra Nietzsche, no livro Humano, Demasiado Humano. Ele fala de um público que vê a obra com certo distanciamento. É como se até o século 20, o espectador fosse um “espírito cativo” – usando um termo do filósofo alemão. Para ele, os espíritos cativos são aquelas pessoas com uma “estreiteza de opiniões transformada em instinto pelo hábito”. Elas agem sempre pelos mesmos motivos. O filósofo não fala da possível postura desses espíritos cativos diante da arte, mas é fácil prever. Seja no século 19 ou no 21, um espírito cativo – uma pessoa com estreiteza de opiniões – provavelmente vai rir durante uma comédia, provavelmente vai chorar diante de uma tragédia, provavelmente vai estranhar uma escultura deformada. Claro que pode haver variações, mas o que está em discussão vai além disso: há pessoas que condicionaram seus pensamentos a ponto de anularem o que elas não querem ver, de ignorarem as possibilidades que elas não conhecem. Isso é fato, inclusive tema de pesquisas recentes. Na psicologia e na ciência cognitiva, os pesquisadores dão o nome de “esquemas” para as estruturas mentais que usamos para representar os aspectos do mundo à nossa volta. Os esquemas não só organizam nosso conhecimento,
91
O que uma obra de arte já motivou você a fazer? (O que este livro motiva você a fazer?)
mas também formam uma espécie de arquivo que é consultado constantemente, para que lidemos mais rápido com as informações à nossa volta. “’Esquemas’ podem realmente entrar no caminho da nossa capacidade de observar diretamente o que está acontecendo”, explica Eli Pariser34. No ano de 1981, a pesquisadora Cláudia Cohen mostrou para um grupo de indivíduos o vídeo de uma mulher comemorando seu aniversário. Alguns disseram que a moça era garçonete, outros que ela era bibliotecária. As pessoas que disseram que ela era garçonete se lembraram da mulher com um copo de cerveja. Os outros, que atribuíram à jovem a profissão de bibliotecária, recordaram que a moça usava óculos e ouvia música clássica. No vídeo, as três informações estavam à mostra. Mas os pesquisados acabaram se esquecendo da informação diferente daquela que eles intuíram. Ou seja, nossa mente edita o mundo. Certos ambientes geralmente impõem regras – certos museus, por exemplo, colocam até fitas no chão para que não nos aproximemos das obras. Isso castra as possibilidades presentes. Assim, as pessoas se tornam os espíritos cativos. Criam esquemas rígidos em suas mentes. Trabalhos que convidam o espectador a participar da sua construção apenas mostram outras possibilidades que na maioria das vezes estão presentes; escondidas às vezes, mas presentes. Quando um espectador constrói a obra junto com o artista, há uma imersão do público no trabalho. Isso dá uma nova visão de mundo. Graziela Kunsch, artista do Projeto 34 PARISER, Eli. . New York: Penguin Press, 2011.
93
Mutirão, sabe disso muito bem. Ela geralmente participa dos processos que documenta.
‘Para cantar é preciso perder o interesse de informar’35?
94
Kunsch já teve problemas em se assumir como artista, mas não tem mais. Todos os papeis que desempenha, seja como jornalista, curadora ou professora, são formas da sua prática artística. “Não importa muito como chamamos essas linhas de atuação, nem tudo precisa do estatuto da arte, importa é que esses trabalhos aconteçam. Mas gosto de pensar no que faço como arte, porque gosto de estudar a arte e entender como a nossa sensibilidade muda com o passar dos tempos”, comenta.
Um dia os problemas acabam?
lhos gravitam questões semelhantes, ligadas a engajamento e transformação social. “Penso que precisamos deixar de pensar o espaço de exposição como espaço de contemplação e passar a pensá-lo como espaço de uso”, fala a artista. A arte participativa de Kunsch flerta com a educação, mais exatamente com um processo educativo coletivo e democrático. Desde os diálogos propostos pelo grupo de artistas do Group Material, que chegava a abordar a educação como tema de seus trabalhos, surgem cada vez mais trabalhos artísticos ligados a práticas educativas – e participativas. “A curadoria contemporânea é marcada por uma volta à educação. Formatos educacionais, métodos, programas, modelos, prazos, processos e procedimentos tornaram-se difundidos na praxis da curadoria, da produção de arte contemporânea e em suas estruturas mais cruciais (...) a curadoria opera cada vez mais como uma prática educacional expandida”36, é o que dizem Paul O’Neill e Mick Wilson no livro Curation and the Educational Turn (Curadoria e a Volta da Educação). No Brasil, por exemplo, o Educativo da Bienal é um projeto que visa reforçar a relação entre o público e a arte. Como conta Stela Barbieri, artista e curadora do Educativo37, “um
Av. Roberto Marinho, 18 de outubro de 2004. Numa manifestação popular, jovens rebatizaram a avenida: de Av. Jornalista Roberto Marinho para Av. Jornalista Vladimir Herzog. Intervenção efêmera na duração, mas significativa no ato. Kunsch estava lá, filmou tudo. É mais um dos excertos que ela usa em suas apresentações. Nos seus traba-
36 Tradução Livre
35 BARROS, 2010, p. 458.
37 Em entrevista para a pesquisadora Lucia Pasqualucci, divulgada no endereço http://goo.gl/SCFP4.
dos nossos maiores desafios é o diálogo. Precisamos atentar para a questão das várias vozes que nos circundam: a voz do artista, do curador, da criança, do visitante de procedências
95
96
variadas, do segurança da sala, do educador. Essa dimensão humana do trabalho precisa ser valorizada”. Para ela, dar espaço para que as pessoas se coloquem é essencial “para nos tirar da arrogância, às vezes extremamente analítica, intelectualizada ou extremamente sensível”. O Educativo desenvolve projetos com professores, estudantes e indivíduos dos mais diversos públicos, que participam de atividades pensadas para que o conteúdo da Bienal seja mais profundamente observado. Em 2010, devido a parcerias da Bienal com secretarias de educação, escolas particulares e ONGs, cerca de 35 mil educadores foram capacitados para trabalhar o tema da Bienal em aula. O material usado pelo Educativo estimula um olhar participativo sobre a arte, uma participação que desponte do próprio espectador. Em vários trechos, os textos indicados pela Bienal sugerem que as pessoas se apropriem das ideias discutidas e participem da ressignificação dos trabalhos apresentados. Num trecho do caderno com fichas sobre artistas, por exemplo, o Educativo propõe: “ao longo de uma semana, colete a sucata produzida na sua casa. Faça uma construção com essas sobras de materiais”. Essa dica figura logo após a descrição de uma obra da artista alemã Isa Genzken, que garimpa mercadorias e artigos diversos para transformá-los em arte. Tanto no Educativo quanto nos diálogos de Graziela Kunsch, há uma discussão em curso com questões afins, como: de que modo ressignificamos os processos de aprendizado? Como motivarmos a inteligência coletiva? Do caldeirão de referências citadas, começa a surgir um tipo de arte que
transborda para o cotidiano. “Pode-se, assim, sonhar com uma sociedade dos emancipados, que seria uma sociedade de artistas. Tal sociedade repudiaria a divisão entre aqueles que sabem e aqueles que não sabem, entre os que possuem e os que não possuem a propriedade da inteligência”, aponta o filósofo Rancière.
Você já pensou como a sua presença pode alterar os espaços?38
97
38 Caderno com fichas de artistas da 29ª Bienal de São Paulo, p. 10.
Ato IV
Arte participativa e transformação social
98
– A sociedade de massas é complicada. Despertar alguém é um luxo. Sabe de uma coisa que, do alto dos meus 55 anos, eu descobri? O homem é mau, comentou Mônica Nador, após chupar uma laranja. A laranja ainda estava verde por fora. A cor laranja que a laranja não tinha estava nas portas atrás dela. A casa é bastante colorida, com paredes repletas de formas e desenhos. Ela estava sentada num banquinho, ao lado da cozinha e do quarto em que dorme: dois cubículos com poucos móveis. Na sua casa, localizada no Jardim Miriam, na periferia de São Paulo, não há nem sala nem TV. Antes, ela morava nos Jardins, bairro de classe média alta. Então, optou por uma mudança radical.
99
A casa atual de Mônica Nador é mais do que uma casa. É também um ateliê. Fora o quarto, cozinha e dois banheiros, há um enorme salão, no qual cotidianamente ocorrem oficinas de cinema e de estêncil, além de enérgicas discussões sobre arte contemporânea e filosofia. – Você acredita que o homem é mau?, perguntei.
Você acredita que o homem é mau?
Qual a possibilidade de existir arte em um ambiente indiferente?39
100
– Absoluta certeza. A gente não presta. A gente é isso aí. Tem muita gente ruim. O homem é ruim. Quando saí da burguesia e vim morar aqui, tinha certeza que tudo era culpa da burguesia. Mas não é bem assim... – É... Mas você não acha que alguns comportamentos só existem devido a circunstâncias complicadas, que levam as pessoas a algumas ações mais perversas? – A gente vê crianças abandonadas na rua e não liga, entende? O ser humano optou por isso. Estamos vivendo isso. Banalizou-se o mal. Por que a gente aceita isso? Quem não aceita é louco, como eu. Sair dessa mesmice faz de você um herói. Acho isso um saco, não faço mais do que a minha obrigação. Eu, que não faço mais do que minha obrigação, tenho que dormir com esse barulho ‘ah, como você é boa’, ‘como você é especial’. 39
Caderno com fichas de artistas da 29ª Bienal de São Paulo, p. 54.
101
– O que fez você ter tão clara essa ideia do mal no ser humano? – As pessoas de todas as classes são difíceis... Algumas vezes, pensam que eu tento me aproveitar delas... Outro dia li uma crítica do sociólogo Slavoj Zizek, e ele dizia que a gente devia parar de considerar o corpo ideológico como um desvio cognitivo da humanidade e encarar os fatos. Entendo o ‘encarar os fatos’ como ‘o homem é mau’. Não é que o homem não entendeu direito o que acontece. O homem entendeu e fez um opção, optou pelo mundo atual. Agora, a gente tem que trabalhar dentro dessa realidade. O mundo depende de você e de mim, depende de todos.
As pessoas estão dispostas a participar 102
mais ativamente da arte – e do mundo?
O mundo depende de todos. E a imagem de todos estava estampada nos cerca de quarenta panos de seis metros que compunham uma exposição do Pavilhão de Culturas Brasileiras, em São Paulo, no primeiro semestre de 2011. Havia imagens de pessoas, folhas, cajus, caules, igrejas, violões, tambores, peões e manchas. Aliás, havia também quadrados, linhas e estrelas. E sóis. E círculos. E fitas. Inúmeras imagens repetidas. Tais panos eram uma prova da riqueza da imaginação humana – e a imaginação flerta com o infinito.
Os panos foram pintados com uma técnica de estêncil desenvolvida por Nador, mas tudo foi trabalhado a várias mãos, com autoria compartilhada entre ela e os moradores do Jardim Miriam. As cores dançavam nos imensos panos pintados. Cada um dos tecidos se estendia pelo espaço com seus imponentes seis metros de altura. Pendiam do teto e se movimentavam como se sentissem a presença das pessoas. E na exposição não havia apenas panos pintados, mas também a presença de moradores do Jardim Miriam, do projeto Jardim Miriam Arte Clube (Jamac), num núcleo de pintura em plena atividade. Eles passavam várias horas por dia no Ibirapuera, focados nas produções. Em conversa, um deles chegou a comentar: “algumas estampas levam meses de trabalho”. Tambores e mais tambores verdes faziam uma fila silenciosa, lado a lado, numa das paredes do pavilhão. Eram mais pinturas, todas com a precisão da paciência. A repetição de formas dos desenhos quase hipnotizava os espectadores que observavam o diálogo permanente entre as obras expostas e a arquitetura do espaço. Roxo, azul, verde, preto, vermelho. As cores se sobrepunham, emissárias da intensidade de uma arte feita por uma comunidade de mãos.
Hoje em dia há mais artistas de mercado ou artistas que promovem transformações sociais? E o que importa se há mais de um grupo do que de outro?
103
Hoje em dia há mais artistas de mercado ou artistas que promovem transformações sociais?
E o que importa se há mais de um grupo do que de outro?
Mônica Nador é a idealizadora do Jamac, projeto artístico que se constitui com a soma da inspiração de dezenas de pessoas. Nador é uma artista que “percebe, talvez como poucos, que a cultura não é propriedade só de alguns, que a beleza deve ser apropriada por pessoas em diferentes condições sociais e carrega consigo, para materializar a proposta, jovens que se somam na caminhada, filhos da periferia, aglomerações urbanas, num país que se urbanizou extremamente rápido e infelizmente não transportou o legado da cultura local, ligada à labuta com a terra, para o nicho urbano”, reflete Mauro Pinto de Castro, colaborador do Jamac, num texto que acompanhava a exposição. O Pavilhão de Culturas Brasileiras não foi o primeiro a receber a arte de Nador. Em 2009, ela também realizou exposições na Pinacoteca do Estado de São Paulo e no Museu da Casa Brasileira (MCB). As oficinas de estêncil do projeto são apenas parte das atividades – e os panos e paredes pintadas representam apenas o fim concreto do trabalho. O mais importante é o processo. É a transformação das pessoas que participam dos percursos traçados coletivamente.
A arte participativa cabe nos museus?
“Eu só sei fazer arte, é a minha formação, a minha linguagem, o meu instrumento para chegar nas pessoas. E é isso que faço, não vou virar burocrata. Nas oficinas de estêncil,
105
106
sempre falo: ‘vou ensinar para vocês uma técnica com a qual vão poder pintar de panos de prato a paredes de museu’. O aluno pode até ganhar dinheiro com isso. Não acho que a arte deva ser distanciada da realidade”, comenta Nador. E os alunos realmente aproveitam a técnica que aprendem, empregando-a nas mais variadas superfícies, de paredes a roupas. Desde quando nasceu, em Ribeirão Preto, filha de pai húngaro e mãe de ascendência italiana, ela sempre esteve próxima da arte. Seu pai era meio médico, meio artista. Durante a semana, trabalhava num hospital. Aos sábados e domingos, transformava-se num pintor de quadros. Mas ela experimentou outras áreas antes de decidir enveredar pelas artes. Começou a estudar arquitetura em 1974, na antiga FAUSJC (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Eumano Ferreira Veloso de São José dos Campos), ainda em tempos de ditadura no Brasil. Em 1976, a faculdade fechou. Um ano depois, foi estudar história e pedagogia na Unicamp (Universidade de Campinas). Continuava insatisfeita, meio desestruturada, só o psicanalista a entendia. Depois de muito pensar, foi fazer artes plásticas na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado). “Com a arte, você constrói maneiras de se expressar”, diz. Formou-se em 1983 e dedicou alguns anos à pintura. Já no meio da década de 90, começou a achar que pararia de fazer arte. “Era uma vida super difícil, com poucas opções de trabalho interessantes”. Ela não mais se sentia confortável com as dinâmicas do mercado da arte. Em 1995, entrou na pós-graduação, então se aproximou da arte como nunca antes. Encontrou referên-
cias novas. Percebeu que poderia fazer um trabalho próprio, fora do circuito. Nador tinha tido contato com obras de Florestan Fernandes, Celso Furtado, entre outros, ainda quando estudava arquitetura. Mas na Faap, esses nomes sumiram das bibliografias recomendadas. Por um bom tempo, ela chegou a acreditar que não existia alternativa para as questões sociais, a não ser que ocorresse um movimento de massas. No mestrado, desconstruiu essa ideia após entrar em contato com novas reflexões. Por exemplo, uma das noções que impactaram Nador surgiu do texto The end of painting (“O fim da pintura”), escrito por Douglas Crimp40, no qual o autor discute a “condição agonizante da pintura”. “A partir de 1996, depois do enfrentamento das ideias de Crimp, a artista passa a elaborar um trabalho que deriva da sua pintura inicial reconectando-a à realidade. Deixa de ser artista acrílic on canvas [que segue técnicas tradicionais] e segue para o espaço periférico, para o encontro com novas áreas nas quais julga mais necessárias as camadas de tinta”, aponta a pesquisadora Sylvia Furegatti na sua tese sobre arte e meio urbano, na qual comenta a trajetória de Nador.
A convicção de Jefferson de que a educação é o projeto mais importante para uma sociedade democrática ainda é válida ou foi convertida em um mito?41 40 CRIMP, Doulgas. . In: On the museum ruins. MIT Press: Cambridge, 1993. 41 Pergunta contida no cartaz-convite de um dos trabalhos do Group Material.
107
108
Durante o mestrado, defendido na ECA (Escola de Comunicações e Artes da USP), Nador desenvolveu um projeto chamado Paredes Pinturas, no qual colocou em prática a ideia de pintar paredes de casas com estêncil. Com esse projeto, viajou o país, aproximando-se de realidades bastante precárias. Como diz Furegatti, “a preocupação de Mônica, nesse momento, está em estabelecer uma qualidade para a pintura que compreenda acesso à obra artística por pessoas e lugares marginalizados por aquela primeira sociedade que conhecera nos arredores dos museus e das galerias”. O que a artista mais queria naquele momento era imersão: almejava morar em algum lugar periférico para desenvolver um trabalho mais profundo. “O circuito não me satisfez. Dentro dele, fazia apenas intervenções pontuais, não criava vínculos fortes com os lugares em que eu trabalhava, era tudo muito rápido”, comenta a artista. Daí, foi trabalhar na Associação Arte Despertar, no Jardim Miriam. O que deveria durar um ano não passou de seis meses. As formalidades, entre outros problemas, a incomodavam fortemente. “Falei: ‘quer saber? Vou ser meu próprio patrão! E me virei para vir morar no Jardim Miriam. Formei uma OSCIP [Organização da Sociedade Civil de Interesse Público] e procurei pessoas que me ajudassem nessa transição”. A artista conhece membros do coletivo Consulta Popular, que tem ligações com lideranças do Brasil inteiro. Nador acionou amigos e pediu que indicassem nomes de lideranças no Jardim Miriam, que poderiam ajudá-la no estabelecimento do projeto que queria desenvolver. “Quando consultei meus
amigos, eles me falaram para procurar uma pessoa chamada Agnaldo. Ele foi me encontrar onde eu morava, nos Jardins. Daí ele me falou que eu deveria conhecer o Mauro Castro. Começamos a fazer reuniões dominicais, à tarde, na casa do Mauro. Foi um período longo, mais de um ano”, conta Nador. Castro é um velho militante do bairro. Foi metalúrgico durante 30 anos, depois conseguiu cursar ciências sociais na PUC-SP e hoje é professor de geografia em uma escola pública do Jardim Miriam.
O que a arte muda nas pessoas?
A dificuldade de Nador em convencer as pessoas quanto à validade do trabalho que queria colocar em prática residia no fato de que muitas pessoas já passaram pelo Jardim Miriam para implantar projetos – e a maioria dessas ações apenas frustrou os moradores. Na década de 70, por exemplo, estudantes da USP iam ao Jardim Miriam discutir política com as pessoas. Havia também um movimento de saúde, entre outros. Mas a maioria das pessoas que foram ajudá-los havia abandonado os projetos. “Então combinamos: nós nos envolveríamos no projeto de arte e, em contrapartida, ela ofereceria para a gente um curso de economia política”, conta Mauro. Para os moradores do Jardim Miriam, além da arte, também era importante uma ação de formação educativa mais concreta. Enfim, em 2004, nasce o projeto.
109
110
Mauro e outros da região também ajudaram Nador em atividades que foram além das portas do ateliê no Jardim Miriam, intermediando o contato entre a artista e escolas, por exemplo. De vez em quando, ela promove ações em colégios, mas atualmente as atenções estão voltadas para o Jamac. “Em um projeto como esse não há retornos financeiros. Há muita dedicação, isso sim. Há muito esforço voltado para um sonho: tornar a arte acessível, fazer uma arte compartilhada”, diz Mauro. Ele comenta que Nador vem fazendo uma ação inclusiva, com a intenção de democratizar a arte. “Há muitos jovens aqui do bairro envolvidos com o projeto. A vinda dela contribuiu para o entendimento de que a cultura é fundamental para a transformação social. Com o Jamac, surgiram novas possibilidades. É um caminho sem volta. Não dá para mudar a realidade só com asfalto ou postos de saúde. Você só transforma a sociedade quando transforma os valores culturais”, explica o professor. O impacto do projeto está aumentando a cada dia. Há uma satisfação clara nas falas de Nador. “Depois de vir para cá, a cultura entrou na agenda das pessoas, elas assumiram que a cultura é um importante instrumento de cidadania para a criação de redes de sociabilidade”, relata.
a arte se distanciou
das pessoas
ou
as pessoas se distanciaram
da arte
ou
A arte se distanciou das pessoas ou as pessoas se distanciaram da arte ou nenhum desses dois movimentos ocorreu?
nenhum desses dois movimentos ocorreu?
112
A artista já mora no Jardim Miriam há sete anos. E na casa dela, que é de certa forma uma casa coletiva, os fins de semana são animados. Atualmente o Jamac organiza cafés filosóficos mensais, nos quais professores da USP são convidados para debater temas diversos com os moradores da região. Ela ri ao lembrar de um dos últimos cafés. Num debate com um professor de filosofia estética, especialista em Hegel, um dos moradores do Jardim Miriam perguntou a opinião do acadêmico sobre a arte dos grafiteiros e dos pixadores. “Nós começamos uma discussão muito democrática e rica”. O professor falou que não daria para chamar certas práticas de arte. Então ela interveio e disse: “Os teóricos estudam uma coisa muito diferente daquilo que a gente faz”. O engraçado, de acordo com ela, foi que ninguém brigou. As discordâncias foram expostas sem problemas. Como afirma o professor da PUC-SP, Miguel Chaia, o trabalho de Nador “é uma reação à arte que quer ser imune à realidade circundante”. Um diálogo assim, inserido num projeto artístico, aponta um caminho diametralmente oposto ao da arte baseada no espetáculo. “O espetáculo é, por definição, imune a atividade humana, não acessível a qualquer revisão ou correção projetada. É o contrário do diálogo. (...) É o sol que nunca se põe no império da passividade moderna”, explica o francês Guy Débord na obra Sociedade do Espetáculo. Por exemplo, a caveira cravejada de brilhantes criada pelo britânico Damien Hirst, e vendida por 100 milhões de dólares, é puro espetáculo. Abundam obras de arte que impedem que o sol do império da passividade dê adeus. Não só o mercado oficial
das grandes obras de museus mobiliza bilhões, mas também o submundo da arte, movido por roubos e vendas não declaradas, movimenta cifras estratosféricas: anualmente, há transações que chegam a US$ 6 bilhões42. Muitos trabalhos de arte participativa nem envolvem objetos. Resumem-se a ações, diálogos. Aliás, o mais importante nesse tipo de arte se dá no contato entre as pessoas. Ainda que haja algum resultado concreto ao término dos processos, não é isso o mais importante. O que pulsa na arte participativa são as relações entre as pessoas e os aprendizados que surgem na “co-construção”, na experimentação compartilhada.
O que o público quer do artista? O que o artista quer do público? 113
Em outro dos cafés filosóficos ocorridos no Jamac, um morador do Jardim Miriam levantou a seguinte pergunta: “Quando converso sobre essa tal de arte contemporânea com meus colegas que dão aulas de educação artística, eles não sabem o que é, ou não gostam, e não querem nem conhecer. Por que isso acontece?”. Celso Favaretto, professor da Faculdade de Educação da USP, deu uma resposta impregnada de reflexão histórica. “A arte é algo que sempre fez parte do dia a dia das pessoas, da vida que elas levam nas casas, igrejas, associações, escolas, clubes... Acontece que 42 Informação da Interpol, citada em matéria da edição 464 da revista Istoé Dinheiro, de agosto de 2006.
114
quando chegou o Iluminismo, a coisa tomou um rumo muito particular, cujo acompanhamento a população foi impedida de fazer”, disse o professor. Numa outra oportunidade, Favaretto voltou ao Jamac para falar sobre a relação entre arte e política entre os 1940 e 1970. Com tantas discussões, nascem novas mentalidades. “Aqui estamos fazendo formação de pessoas”, diz Nador. O Jamac busca levar a arte novamente para a rotina das pessoas. Inclusive o projeto virou Ponto de Cultura. Agora é um espaço apoiado financeira e institucionalmente pelo governo, reconhecido como um lugar que desenvolve ações com impactos socioculturais relevantes. Na arte participativa e compartilhada de Mônica, não só o autor sai do púlpito, mas a arte também. Ela deixa de ser um artigo especial, para poucos, cujos significados estão guardados a sete chaves. A arte vai parar na sala, cozinha, banheiro.
Quem assina uma obra feita coletivamente?
As pessoas que mais se destacam nas oficinas são convidadas para trabalhar com Nador. Há quem more em bairros distantes e ainda assim frequente o Jamac assiduamente. Odete é uma dessas pessoas. Ela é artista, então também colabora com a Mônica Nador na realização de aulas. “A Odete já me disse que uma das coisas que mais a marcaram no projeto foi a convivência com outras classes sociais”, comenta Nador.
Atualmente, ela tem uma empresa chamada Paredes Pinturas, que pinta casas do CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), num trabalho de recuperação urbana. Trabalhos artísticos são desenvolvidos nos prédios, sempre com a participação da comunidade.
A distância entre a arte e a vida das pessoas pode ser anulada de quais maneiras?
“Nós colocamos a mão na massa, pintamos as casas das pessoas, deixamos os espaços lindos, limpamos o que está sujo... Não quero saber de arte transcendente, quero transcendência na terra”, diz Nador com muito entusiasmo. “A coisa mais importante que existe é a vida da gente, não é a arte. Mas sou artista. E o que quer dizer isso? Que tenho alguns instrumentos, conhecimentos. Por isso, vou fazer minha vida por meio da arte, e quero falar isso para mais gente, dizer que isso é possível, sim, que a arte pode estar bem mais próxima da vida da gente”, completa. A modernidade nos legou um trunfo: colocou a definição de arte na mão dos artistas e interessados. “A partir do momento que o Duchamp exibe um urinol no museu, um grande tapete foi puxado: o da visão burguesa de arte”, diz Nador. Na maior parte do tempo, o trabalho da artista é legitimado apenas pelas pessoas ao seu redor, pelo
115
TODOS OS TRABALHOS ARTÍSTICOS TÊM público – e isso significa uma grande quebra de paradigmas. E mais: ela não é a única artista da história toda. Cada vez mais frequentadores do Jamac se transformam em artistas, à sua moda, num movimento de troca e aperfeiçoamento constante.
Todos os trabalhos artísticos têm fim?
116
FIM
O Jamac promove impacto profundo sobre a vida das pessoas envolvidas. Se para modificar uma realidade é necessário mudar os valores culturais em vigência, Mônica Nador conseguiu atingir o ponto nevrálgico da situação na qual se inseriu. Por meio da arte, mira-se a recriação do espaço e das relações. A arte de Nador promove conexões entre as pessoas, técnicas e conteúdos. Criam-se novas conexões o tempo todo. O Jamac conversa com Rancière: “A arte já não quer mais responder ao excesso de commodities e sinais, mas à falta de conexões”, comenta o filósofo francês no livro Problems and Transformations in Critical Art.
No que consistem exatamente essas novas coletividades que não cabem mais na dicotomia natureza e sociedade?43
?
43 Pergunta contida em entrevista da revista CULT com o antropólogo Bruno Latour, na edição 132, p. 14.
117
118
Tanto no trabalho de Nador quanto em outras obras de arte participativa já citadas, a generosidade é uma virtude presente. Ela diria que não, que ela não está fazendo mais do que sua obrigação. Mas é inegável seu esforço em prol de um impacto social. E é uma generosidade diferente, que não vê no outro um coitado, mas um protagonista, sujeito. “Artistas interessados em diferentes conceitos e causas chegaram, simultaneamente, ao desenvolvimento de práticas ‘generosas’ por uma variedade de razões”, explica Ted Purves, no livro What we want is free: generosity and exchange in recent art (“O que queremos é a liberdade: generosidade e troca na arte recente”). Tais razões, segundo Purves, incluem o interesse em promover o acesso democrático ao “mundo da arte”, críticas a economia, valorização de políticas locais entre outras motivações. O autor fala da generosidade na arte por meio de trabalhos onde há uma aproximação significativa entre público e artista. Como num dos trabalhos do artista norte-americano Ben Kinmont, que ofereceu cafés da manhã na sua casa durante dois meses para quem quer que aparecesse – e entre os participantes havia mais estranhos do que amigos. Por meio de trabalhos baseados em ações generosas e trocas alternativas se estabelece “um fórum de contestação social e crítica”. E o próprio Jamac é uma espécie de fórum. Um fórum que caminha lado a lado com a apropriação de linguagens plásticas e a experimentação artística. E a artista está aberta à ressignificação contínua do projeto, que assume a multiplicidade como identidade.
Ato V
Nunca haverá uma obra-prima wiki44?
“Não acredito que uma grande obra de arte já tenha sido criada por consenso, muito menos por vários editores. Nunca haverá uma obra-prima wiki. Isso é porque a arte, se tem algum valor, é o do produto de percepções profundas e muitas vezes racionalmente incomunicáveis. Quem tentar explicar ou compartilhar essas percepções em uma obra de arte coletivamente criada vai deparar com uma negociação e reedição delas em banalidades”, escreveu o jornalista e crítico britânico Jonathan Jones em seu blog no jornal The Guardian45. Jones é categórico, não faz rodeios ao criticar a arte participativa. Mas seu discurso não abarca a complexidade 44 “Wiki” significa “colaborativo”. Os softwares wiki, por exemplo, permitem a manipulação coletiva. 45 http://www.guardian.co.uk/artanddesign/jonathanjonesblog/2010/mar/02/ tunick-gormley-interactive-art (acessado em 2 de novembro de 2011)
119
120
da realidade. No fundo, não sabemos o que será considerado obra-prima no futuro. Com a internet, entre outras inovações recentes, novos conceitos vazaram para todos os campos do conhecimento – como a participação, colaboração e articulação em rede. Nada disso tinha sido previsto. Hoje em dia até a pergunta “o que é arte?” tem cada vez mais respostas, numa profusão irredutível de perspectivas. O jornalista continua sua reflexão. “A arte participativa é uma negação de talento. É uma complacência em relação a uma mentira aconchegante de que todos são igualmente capazes de criar arte que vale a pena. Que chance temos de nutrir as maravilhas raras em nosso meio, os artistas nascidos, se nós reivindicamos este direito infantil de colocar um distintivo que diz ‘artista’?”, completa. Se, por um lado, a arte participativa pode ser observada como negação do talento individual, ela é, em outro ponto de vista, a afirmação do valor da atuação coletiva e do comportamento cooperativo. Mais do que o requinte dos gênios, a arte participativa aponta o potencial dos grupos. O grande desafio das artistas Mônica Nador e Graziela Kunsch é motivar a participação do público a ponto de elas deixarem os projetos e eles continuarem rumo a destinos não previstos. Mais do que abertos a interpretações, os trabalhos dessas artistas estão em progresso, clamam por apropriações. Tais projetos se assemelham a nossa sociedade. As estruturas do mundo são constituídas de intrincadas tradições, mas, ainda que rígidas, continuam no gerúndio, em aberto. Interferir nos processos em curso é se assumir cidadão, sujeito, gênio.
(Este capítulo é mais curto, você já deve ter percebido. Na verdade, é um ato-convite.)
Que tal terminar essa reflexão, não só no papel, mas também na prática?
121
122
TODOS PODEM SER ARTISTAS?
Bibliografia
LIVROS AULT, Julie, ed. Show and Tell: A Chronicle of Group Material. London: Four Corners, 2010. 124
BISHOP, Claire. Participation. New York: MIT Press, 2006. CAGE, John. Silence. Hanover: Wesleyan University Press. 1973. CRIMP, Doulgas. The end of painting. In: On the museum ruins. MIT Press: Cambridge, 1993. ECO, Umberto. Obra Aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São. Paulo: Perspectiva, 2005. FRIELING, Rudolf. The Art of Participation: 1950 to Now. San Francisco Museum of Modern Art. San Francisco, Califórnia. 2008. RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. RANCIÈRE, Jacques. The Emancipated Spectator. Trans. by Gregory Elliot. London: Verso, 2009.
PURVES, Ted. What We Want Is Free: Generosity and Exchange in Recent Art. Albany, NY: State University of New York Press, 2005. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. DÉBORD , Guy. Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. DÉBORD , Guy; WOLMAN, Gil. Um guia prático para o desvio. 1956. WALLACE, David Foster. Breves entrevistas com homens hediondos. Companhia das Letras, 2005.
126
TESES E DISSERTAÇÕES FUREGATTI, Sylvia. Arte e Meio Urbano – Elementos da estética extramuros no Brasil. FAU USP, 2007. (Tese de Doutorado) SILVA, Cinara de Andrade. Hélio Oiticica: arte como experiência participativa. Rio de. Janeiro, 2006. (Dissertação de Mestrado.) STUMM, Rebeca Lenize. Enterros: momentos-específicos. ECA-USP, 2011. (Tese de Doutorado) BASBAUM, Ricardo Roclaw. Você gostaria de participar de uma experiência artística? (+NBP). ECA-USP, 2008. (Tese de Doutorado) MESQUITA, André Luiz. Insurgências poéticas: arte ativista e ação coletiva (1990-
NERUDA, Pablo. O livro das perguntas. São Paulo: Cosac Naify, 2008.
2000). São. Paulo: 2008. (Dissertação de Mestrado.)
NIETZSCHE, Friedrich. Humano, Demasiado Humano. São Paulo: Companhia de Bolso, 2008.
WEBSITES
O’ NEIL, Paul e WILSON, Mick. Curating and the Educational Turn. Open Editions/de Appel arts centre.
http://nbp.pro.br
PARISER, Eli. The filter bubble. New York: Penguin Press, 2011.
http://www.bienal.org.br
TOLSTOI, Leon. O que é Arte? São Paulo: Ediouro, 2002.
http://www.guardian.co.uk/artanddesign/jonathanjonesblog/2010/ mar/02/tunick-gormley-interactive-art
REVISTAS E CADERNOS Revista Urbânia 3. São Paulo. Caderno com fichas de artistas da 29ª Bienal de São Paulo, 2009.
http://republicart.net
127
128