Simulação

Page 1

REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM H E L C I M A R B A R B O S A PA L H A N O



REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM


Fotos da capa: Helcimar Barbosa Palhano Projeto gráfico e capa: André Hippertt

Todos os direitos desta obra reservados ao autor. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados, sem a permissão por escrito pelo Autor Copyright © 2021 Helcimar Barbosa Palhano


H E L C I M A R B A R B O S A PA L H A N O

REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM



À

minha família (Laurita, Priscilla e Willian) que sempre esteve ao meu lado apoiando minhas iniciativas em todos os sentidos. Ao meu Pai, Hemar Palhano, em memória, por tudo o que fez em minha vida, por viabilizar chegar até aqui desde um passado distante quando as minhas dúvidas atormentavam a minha mente sobre que rumo tomar. Sempre me ajudou a seguir a intuição para tomada de decisões sobre os rumos da vida, sugerindo que o maior dom divino é o livre arbítrio, pois através da liberdade de escolha acompanhada de um profundo mergulho na intuição, desenvolvemos uma forte capacidade criativa, seja para realização de coisas boas do prisma humanístico, como para coisas destruidoras. À minha mãe, Maria José Barbosa Palhano, professora aposentada, de árdua jornada trabalhista, que sempre colaborou com a formação humanística e cidadã no município de Niterói, nas escolas Centro Educacional de Niterói e Baltazar Bernardino, trabalhando incansavelmente das sete e meia da manhã às dez da noite. À minha irmã Luna, em memória, transexual, que lutou muito por fazer valer os seus direitos e desejos como ser humano. Depois de muito sofrimento saiu vitoriosa. Deixou-nos partindo para outra dimensão de vida em julho de 2019 logo após completar os seus 55 anos. À minha avó e igualmente mãe, Benedicta de Souza Alvim Barbosa, uma flor de criatura que acompanhou e ajudou a minha mãe a criar os seus filhos empreendendo um amor imensurável. Ao meu neto Benjamim que chegou em 2019 como uma luz de esperança, alegria e um amor que não cabe no peito.


Sumário

Prefácio Introdução Laços de família O tempo Me roubaram sem perdão Alma retorcida Segredos da Alma Os porcos na lama A revoada dos papagaios Pobres cães de rua Divagando no passado Mergulho Majestoso Tiê Sangue Jardineiro do tempo Mãe O barco da vida Elitismo Se nos mantivéssemos calmos Poetas de luz A dor de quem perde uma flor Luzes do Pajeú Voz da Intuição Que não seja banal O monstro que habita em nós A vida que se tornou difícil para quem pensa com um mínimo de lucidez Visões do pretérito Da janela do meu quarto em Seropédica. Céu como fogo de candeia Pobre velho barco Velho pescador As ondas são cíclicas Mama África Segredos da alma Poema a Benjamim Minha utopia meu levante, mas só por um instante Velhos trilhos

000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000


Aqueles homens tão cruéis Refúgio pra não fazer nada Areia da ingratidão Tristeza profusa Não permita a depressão te pegar Viagem da alma As cinzas do passado O que importa? Noite em Montevidéu O que não cala O lado escuro da mente Tolerando a intolerância A violência banalizada A bestialidade humana Isso me faz pensar A hora do saber Salve a cultura popular Por Agla, Adonai e Tetragramaton Tempo...esse bom vagabundo Lutando por anuL Lutando com a minha utopia Do encanto ao engano Hora do descanso Sete lágrimas a correr A dureza do orgulho Não há tempo para o ócio Um canto um remanso Alma errante Roubaram minha infância Aos meus amigos leitores Mente vazia, mente vadia Entardecer em Iguaba Grande Lua minha bandeira Vento de proa Despedida do meu pai Transmutação da vida Lembranças da infância

Sumário

000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Prefácio

V

enho escrevendo, e isso já faz muito tempo, frases soltas, textos, reflexões, tudo fruto de minha intuição. Muitas destas intuições e reflexões foram publicadas em redes sociais e outras, jogadas num pedaço de papel qualquer quando a mente assim exigiu. Os últimos dois anos foram muito duros em minha vida em função da despedida de pessoas amadas, então decidi começar o ano tentando fazer algo diferente. Como me considero um Zé Ninguém no meio literário e poético, me considero quase um bêbado de boteco escrevendo coisas soltas, um filósofo sem filosofia, apenas um qualquer, aproveito para dedicar parte de minhas férias para escrever meu livro nada ortodoxo nem profissional. Não me enquadro em nenhum estilo literário específico e assim como nas minhas pinturas em tela e óleo, vou jogando nas palavras tudo aquilo que é fruto de uma inspiração que se desdobra de minha própria intuição quando como um raio, explode na mente sem pedir licença. Começo agora e vou lentamente construindo esse pequeno barco, quase como um marco de renovação pelo ano binário que entra, transformando as coisas do coração. Trata-se do início de algo imaginário, um ideal, que não pode ficar parado sem cores, pois que é preciso movimentar o plantio das flores e aguardar os frutos sem medos ou pudores.

10


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

11


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Introdução Mundo em transição

E

stamos vivendo uma época em que uma nova ordem começa a surgir, ainda muito lenta, como uma pequena planta que vai crescendo em meio às rochas velhas. A velha ordem está se corroendo pelo seu próprio adoecimento de práticas que não mais atendem as demandas sociais, e isso no mundo inteiro. Os sistemas partidários representativos já não representam muitas e muitas e muitas pessoas. O sistema ainda não deu conta disso, mas terá que dar para sobreviver como sistema representativo. Um grande problema dessa fase de transição perpassa pelo fato de a nova ordem não estar estabelecida com suas demandas bem definidas, pois ainda é muito emergente em meio ao caos mundial, entretanto começa a romper as velhas rochas com força e vigor e o risco maior para as organizações sociais no mundo inteiro é exatamente o fenômeno disruptivo que, invariavelmente traz dor, sofrimento e muita convulsão. Outro fato relacionado às grandes mudanças no mundo é o modelo de comunicação. Não adianta resistir, não adianta romantizar o velho, de nada adianta o deboche, pois as redes sociais criaram um novo caminho de comunicação que veio para ficar, apesar de particularmente, eu ser um eterno apaixonado pelos livros impressos. Em meio a este momento de transição, muitos ainda sofrerão por não acompanharem as mudanças e por insistir em manter suas mentes cristalizadas na velha ordem. Os movimentos sociais vêm ganhando cada vez mais um contorno de complexidade de difícil análise e isso já vem acontecendo há algum tempo. A velha ordem ainda não consegue compreender essa comple12


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

xidade e assim, de forma inevitável, mantém uma argumentação falha, produto dos paradigmas cristalizados. Hoje como parte deste contexto tenho mais dúvidas do que certezas, mas indagações do que afirmativas, entretanto, procuro dialogar com meu próprio íntimo para tentar entender toda essa complexidade em trânsito mundial. Minhas reflexões e opiniões, nada mais são do que um reflexo de tudo isso, são apenas reflexões de um homem envelhecendo em meio a tantas mudanças. Amanhã pode ser que não seja mais isso e, em minha opinião, Raul Seixas estava certo: “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Talvez, daqui a muitas décadas, não sei quantas, brasileiros estarão perplexos ao revisarem a história desse país e irão refletir perguntando de onde surgiu tanta iniquidade, tanta obscuridade com o apoio de tanta gente ignóbil e decadente. Penso que nas análises críticas deste futuro tempo será problematizado o papel do Estado e dos partidos políticos no período de redemocratização da sociedade, trazendo uma tese quase que certa: “Nunca cumpriram o papel de Estado. Sempre deixaram lacunas de miséria e falta de conscientização, lacunas na Educação e na formação cidadã de nosso povo”. Será o tempo em que nossos bisnetos ou netos, quem sabe, perguntarão como seus pais, os pais de seus pais, deixaram que a sociedade chegasse a um ponto tão deprimente de convívio humano e de retrocesso em nome de fundamentalismo político e religioso. Perguntarão como tantas pessoas com acesso à informação global deixaram se levar por mentiras globais, falso moralismo digital, além do endurecimento da própria essência. Talvez todas essas reflexões futuras, toda conscientização em maior escala, ajude a humanidade a não retornar a este ciclo, mesmo sabendo que duas grandes guerras não deram conta de trazer a humanização global pelo tanto de terror vivido. Quem sabe a poesia e todas as formas 13


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

de arte toquem no mais íntimo de cada ser humano, fazendo entrelaçar com todas as atividades de trabalho, uma mistura de sensibilidade e poder construtivo em benefício dos seres humanos, dos animais, do meio ambiente, abrangendo toda forma de vida na terra. Na organização desta humilde obra o ano de 2018 foi marcante, foi explosivo no que diz respeito às minhas reflexões poéticas. Foi o ano em que as ideias, as intuições, borbulharam como um caldeirão fervendo. A todo instante, a cada notícia sobre conjuntura política e social, a intuição explodiu em minha mente de uma forma agressiva. Foi o ano da despedida de meu pai em oito de janeiro. O ano já iniciou com uma avalanche de sentimentos e emoções de formas variadas fazendo estremecer a minha essência. Em meio a todo esse contexto de vida, procurei exteriorizar toda essa explosão de sentimentos em reflexões postadas nas redes sociais e agora, como um pescador, faço o resgate de tudo isso para formatar minha primeira obra literária. Talvez pouco ortodoxa, pouco formal, talvez um desejo de colocar no papel toda essa convulsão de pensamentos para compartilhar com amigos. Dividir a tarefa de minha vida profissional (do Ensino, Pesquisa e Extensão) com a outra face de meus anseios não é fácil, mas se torna extremamente prazerosa. Basta abandonar todos os medos e receios, não se importar com o êxito do que se faz. Simplesmente fazer. Idealizar, planejar, desenvolver e concluir e assim, a cada término de um trabalho, começar outro e outro e outro. Abandonar o medo e o receio de se fazer qualquer coisa na vida é o passo para uma viagem transcendental e para o devido aprendizado com erros e acertos. É emancipar a alma e evoluir o espírito rumo ao infinito.

14


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Laços de família Assim as gerações se perpetuam em nossos corações, pois que o amor engendrado e bem solidificado vive através do tempo não correndo o risco do esquecimento. Quando lhe perguntarem o que é Deus, não perca tempo com dogmas e religião, apenas vasculhe o fundo do seu coração e terás a resposta exata. O amor verdadeiro segue adiante, como um fluxo rompante de energia através dos tempos, sem esquecimentos, nem mesmo lamentos pelos erros de outrora, que de tempos em tempos ocorrem para o devido amadurecimento, entretanto, a palavra amor não pode apenas ser verbalizada como se não fosse nada. Lamento por quem não compreende o intento, por quem não conhece essa peleja, pois quem desfaz os laços perde o tempo e perde o abraço, nessa vida corrida, por vezes árdua e dolorida, gratificante e querida, alegre e de esperança como o paradoxo da criança, mas que...se bem vívida fortalece os elos e não deixa ferida.

15




HELCIMAR BARBOSA PALHANO

O Tempo Ah o tempo...que se deixa levar ao sabor do vento. O tempo que revela e desvela o que está velado, o tempo que constrói e coloca tudo no lugar, mas depois ele destrói o que está arranjado, remodela o que jaz modelado, o tempo que se encarrega de todas as modificações, sem parar e sem pressa, faz o mundo de promessa, traz a dúvida e se encarrega, ele mesmo em duvidar, o tempo do lamento pelo que foi perdido sem ao menos começar, o tempo do momento que se apressa em querer a tudo entender, não perdoa aos aflitos, pois não tem pressa em viver, o tempo da caminhada que desenha sua jornada, o tempo da esperança de sonhar como criança. Esse mesmo tempo que marca o compasso, o tempo que devora que é amigo da hora, traz o combate da espera que atormenta a mente de forma indecente. Ah o tempo...que revela e desvela o que está velado, e tudo isso ao meu lado, de forma crua bem no meio da rua, ou à noite a luz da lua. Ah o tempo, já não é mais apressado, pois que já cansado de tanto lutar para entender, deixa para brisa a construção do meu saber, pois que a brisa segue lenta, de manhã ao entardecer. Ah o tempo, não te apresses em me cobrar como levo o meu viver, pois já cansei do meu saber, por saber que nada sei, e assim eu te acompanho caminhando e reinventando o meu viver.

18


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

19


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Me roubaram sem perdão Haviam flores pelos campos e por todos os cantos, o verde estava a brotar na fecundidade do solo tratado, preparado pelo arado, puxado pela aquela junta de bois, que depois do suor de um dia debaixo do sol, com a pele ressequida, deitava naquela sombra com a brisa a me acariciar a face, onde todas as mazelas eram esquecidas. Naquele torrão de terra eu era feliz, pois sempre foi o que eu quis, talhado para a enxada, com minhas mãos calejadas, sempre acordando de madrugada. No fim da tarde, o sol que se punha por trás da serra, anunciava a chegada da noite com o seu manto estrelado. A lua que iluminava o meu torrão, era a mais bela lua do sertão e a clareira lá trás no meu terreiro, vinha primeiro a se juntar às estrelas, talvez as derradeiras que faziam os meus olhos brilhar. Na alvorada revoava a passarada, no canto matutino, era como um hino a encher a minha alma de alegria no caminho. Mas então, veio o homem de gravata, trazendo eloquente a sua bravata, dizendo bem pertinho do ouvido, chegando de mansinho, prometendo o que eu não sabia e agora eu estaria vendo o meu destino solitário, sem trabalho e sem salário, sem o meu torrão pra cultivar. Era o fim do meu sertão, do meu sol da minha enxada, do meu terreiro e nem mais nada. Perdi tudo o quanto eu tinha, e foi mais que minha terra, pois levaram a minha alma, a minha vida, a minha essência. Perdi toda consciência e o meu solo ressecou, virou pó virou deserto e o meu futuro agora incerto, como tudo o que acabou. Perdi tudo o quanto eu tinha, pela promessa de quem vinha, chegou pra me roubar, o meu torrão o meu pensar. Já não tenho identidade, too cansado e sem idade. Só me resta caminhar, como um barco a navegar, no deserto do meu ser. A estrada está escura, o chão é de poeira é o deserto a caminhar.

20


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

21


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Alma retorcida O arrogante brada contra a calma da mente sensata, o ignorante tenta fazer da superficialidade de sua mente o grande saber de sua alma que nada mais passa de uma alma perdida em seu tempo. O insensato, de coração endurecido, faz a verborragia perdido como um cão abandonado que late a todos que passam pelo seu caminho. Pobre alma perdida na escuridão de seu próprio instinto atrasado. Pobre alma insensata que vive a latir como cão perdido sem rumo na estrada sofrida de sua própria vida, que acumulada de dor, não aprendeu nenhum ponto da lição para sua própria ascensão como espírito encarnado. Pobre ser reles, cuja lógica é tirar a paz de seu semelhante se afundando na própria lama de sua existência, disfarçando a demência sem a menor consciência de que aprofunda o seu sofrimento, cristalizando a mente com amarras permanentes. Pobres seres confusos, que vivem a provocar a discórdia, insuflando o seu ego para autoafirmar, o que é inexistente em sua essência, pobre demência, não sabe o futuro que lhe aguarda, com o pensamento vil, pensando que é viril, és o mais fraco dos seres por tentar provocar a angústia em seu semelhante. Pobre ser desprezível, que ao pó voltará com seu corpo apodrecendo no solo comido pelos vermes da terra, mas levando consigo o atraso da alma, sem bens, sem luz, o que te conduz a duras penas futuras impostas pelas leis universais que jamais falham com os arrogantes de plantão que vivem no porão. 22


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

23


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Segredos da alma O mar reflete o sol, como todo ser humano reflete a sua essência nas atitudes do dia a dia. Assim como o mar guarda segredos insondáveis, a nossa alma também os guarda, segredos que em muitas das vezes nós mesmos não sabemos por não vasculhar os labirintos da mente e do coração. Na profundidade do mar tudo é sereno e por mais que em sua superfície ondas gigantes tragam a tormenta para os navegantes, em suas profundezas a vida caminha com passividade num fluxo lento. Assim deve ser a alma, pois as tempestades sempre virão atormentar a superfície do pensamento, porém, com exercício e esforço diário a essência da alma pode permanecer intacta.

24


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

25


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Os porcos na lama Essa noite eu tive um pesadelo. Porcos enormes andavam pela lama, arrastavam pessoas levavam mulheres, crianças e no meio eu vi uma dama. Ela gritava em desespero, pois havia perdido o seu filho, ela gritava de dor, em meio aquela imundice de tanto horror, homens lutavam desesperadamente, mulheres se matavam em atitude demente. Aquele horror não tinha fim, e para socorrer não havia nenhum querubim, pois tudo era tão denso, o holocausto por falta de bom senso, tomou conta de todo o meu bairro. O ranger de dentes revelava homens dementes, cuja cor dos olhos já não se via, aparecendo apenas os dentes, dentes trincados, dentes cerrados de dor. Quando eu tentei me livrar daquele lodo, me deparei com a mulher que estava desesperada a gritar, com um assombroso e jamais visto olhar. Ao lado, uma mulher afogava a outra, e aquele porco a tudo observava. O porco parecia sorrir vendo homens e mulheres a destruir, fazendo tudo ruir no que há de princípios de dignidade humana, aquele porco sarcástico com olhar de sacana. Aquele porco na lama, debochado suíno, que acima de tudo cantava o seu hino.

26


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

A revoada dos papagaios Essa noite tive um pesadelo. Sonhei com uma revoada de papagaios verdes sobre o teto de minha casa. Eles rondavam o meu teto com forte bater de asa. Sujaram todo meu telhado com os dejetos dos mais abjetos. Gritavam em seu bando com um som ensurdecedor, tirando a minha paz, causando muita dor. Logo os meus vizinhos entraram em pânico, correndo com suas crianças ao colo, choravam por imagina-las caindo ao solo. O pânico era geral, pois que ninguém entendia aquela tenebrosa revoada. Depois acordei e vi o sol nascer no horizonte, e a vida real me apresentou uma revoada de pássaros de todas as cores, faziam a harmonia das diferenças exterminando os horrores de um sonho maldito, que se dissipou da minha mente, materializando consciente na primavera de todas as flores me dizendo que “se as cores se misturam pelos campos é porque flores diferentes vivem juntas”, assim já dizia o rei.

27


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Pobres cães de rua Pobres cães vira-latas, cães de rua, pobres cães vagabundos, que aos iguais se juntam em sua própria miséria, pobres cães indolentes, que não conhecem o seu destino, andando perdidos, latindo para todos que passam. Pobres cães indecentes, repartem as migalhas em sua matilha, mas encontram forças para seguir adiante, pois seguem o instinto comum e se ajudam, se consolam entre os seus pares, ao dividirem sua bruta ignorância, cultivada desde a infância, que mesmo diante do algoz carroceiro, balança o rabo faceiro, lambendo-lhe os pés num gesto de esperança por tudo aquilo que não alcança. Pobres cães solitários, perdidos em sua matilha de iguais incoerentes se julgando livres e independentes, seguem o seu macho alfa, rangendo os dentes de raiva, essa doença letal que não tem cura até o final. Pobres cães sarnentos, destruídos pelo prurido da alma, com os seus iguais reviram as latas andando pelas ruas, mendigando comida, com uma enorme ferida na mente, pois que os cães não conseguem pensar, seguem o instinto sem rumo sem lar, latindo a tudo que passa, pobres cães na devassa da vida, seguem dia após dia contraindo ferida.

28


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

29


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Divagando no passado Quando te vi pela primeira vez parecias que ia me engolir. Tudo era muito grande, tudo era diferente de tudo que já conhecia. Seus encantos me traziam êxtase, entretanto, o medo era gigante. Parecia estar prisioneiro de um mundo que não era meu, entorpecido pelos seus encantos, imobilizado sem ação, e nem a mais bela canção me salvaria do espinheiro, que me cercava por todos os lados, rodeado de tanta gente, falantes e calados. A luta que me engajou desde o início, parecia um suplício para que evitasse a fuga iminente, pois que a mente já se encontrava tão demente pelo tormento de seu encanto, mas de uma solidão sem acalanto, em mundo tão diferente. A fuga foi inevitável, pois troquei sua beleza por uma paixão em uma sofrida decisão para seguir outro caminho em busca do meu ninho. A distância de ti me causou dor, por uma fuga sem pudor que revelava minha fraqueza, mas tuas marcas não sararam, sangrando todo dia, como um sinal a me arrastar de volta para esse lar. Do metafísico universo, veio a energia tão reversa que me pôs a te enfrentar, para o meu medo superar. E hoje estou de volta sentado aqui no mesmo chão, no mesmo lugar que me assustava, te olho de frente sem temor e me rendo ao seu amor. Completo e mais maduro, mas pronto pra lutar, superei a solidão, a angústia e a depressão que um dia eu por ti senti. Era muito novo pra entender, que o meu destino era você, sem ter o que temer, pois que tu és luz de meu viver, desdobrando com sofrer, amadurecendo 30


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

a cada entardecer e só agora posso compreender o quanto a minha alma vem ganhando, a minha essência assimilando pouco a pouco, entra ano sai o ano. O paradoxal do sofrimento e crescimento, já não tão confuso do meu ser, me faz olhar pra trás para ver o que se fez, foi com força e tenacidade, desdobrou o meu viver em outro rumo e florescer.

31


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

32


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Mergulho Aprofundo os meus sentimentos pelas plantas que plantei e hoje cultivo. Aprofundo meus sentimentos por esse tipo de vida que sabe responder com beleza e formosura ao carinho que dispenso compensando pelo o que eu vivo. Aprofundo meus sentimentos pela energia que exalam, encantando os meus olhos sem lamentos, mesmo que por alguns instantes, aliviando os meus tormentos, pois que é só encanto, tudo o que plantei naquele canto. Aprofundo assim tranquilo, como quem já não liga para o fardo pesado dessa vida, tão truncada tão ferida, tão errada e tão bandida.

33


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Majestoso Tiê Sangue Tu és a mais belas das aves dessa mata atlântica. Tu és encanto para os meus olhos, o teu canto é um hino em homenagem à natureza e por onde tu passas deixa no teu rastro de beleza a perplexidade dos olhos que te veem. Meu nobre Tiê, quase já não te vejo por aí, tenho saudades de ti pousando no meu quintal, tenho saudades do teu pio como um assobio curto de três letras, já não te vejo no mamoeiro lá de casa, a se fartar do mel daquela fruta, que eu deixava madurar, só para te ver o dia inteiro. Belo Tiê, ave de cores eloquentes, aquela pinta branca no teu bico é o sinal do teu cantar, o vermelho de seu peito é como sangue correndo em minhas veias, que não para de pulsar. O preto de suas asas e de sua cauda marcam o compasso de seu voo, a cada galho a pousar. Pobre Tiê solitário, estupenda beleza tão sozinha, tu és como a estrela do dia, que ilumina a quem olhar, hipnotiza todo ser humano despertando uma paixão tão diferente, dessas que não se prende, nem se dói por não se ter, mais floresce por te ver, a voar em meu viver.

34


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Jardineiro do tempo Por vezes trago no peito Uma dor profunda, uma angústia, Por uma doce lembrança, Que já ficou pelas marcas do tempo, Em uma longa distância, A tristeza que hoje me abate, É ver que as coisas já não são mais, Como eram naquele passado longínquo, Com a minha pureza tão ingênua, E que não sou mais criança, Algumas coisas ainda persistentes, Chocam no meu peito, Agridem profundamente a minha alma, Me fazem corroer as entranhas, Fazem confusas ideias na mente. Não adiantou o esforço empreendido, Não adiantou tanto tempo perdido, Com a força da labuta suada, Pois que minha flor não cresceu, Daquele jeito que eu achava, Pobre de mim, jardineiro iludido, Já não entende o peito ferido, Pobre de mim, jardineiro enganado, Traído pela própria mente, Pobre de mim, jardineiro indecente,

35


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Pobre de mim, jardineiro confuso, Pobre de mim, jardineiro iludido, Pobre de mim, jardineiro do tempo, Pobre de mim, jardineiro perdido, Pobre de mim, jardineiro decadente, Não adianta tentar resgatar a semente, Pois que no solo foi lançada faz tempo, A planta já cresceu eloquente, Muito distante de ti, talvez bem na frente, Tomou contorno, forma bem diferente, Pobre de mim, jardineiro doente, Pobre de mim, jardineiro distraído, Pobre jardim, já não é mais assim, Não percebeu as mudanças, Agora lamenta, jardineiro displicente, Sua semente voou para longe de ti, Sua gente já é tão diferente, Sua dor agora é perceber, Que não se pode querer, Que seja como pensou em criança, Deixe que fique só na lembrança.

36


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Mãe Poderia ser Maria, Josefina, Cícera, Francisca, Severina. As marcas calejadas de suas mãos, a pele ressequida e rachada de tanto sol, trazem no seu corpo toda uma vida de labuta, de lutas dos setenta anos vívidos para criar os seus filhos. Da lata d’água na cabeça percorrida por tanto chão e poeira sem permitir que adormeça, o suor que verte pelo seu rosto traz o sal da terra ressequida, maltratada e judiada pelo tempo, sem esmorecer em nenhum momento, tu és guerreira e desconhecida, não tem fama, não tem visibilidade mesmo com a sua idade, segue anônima, sem ser compartilhada. Mãe brasileira, mãe guerreira, o tempo te largou de lado, esquecida pelo mundo, na cidade grande não tem vida, no sertão é só ferida, que não cura e não cicatriza. Mãe, tu nunca escreveste um livro, mal sabe ler e não tem mais o que fazer, mesmo assim é sábia, aprendeu foi com a vida, na essência e na insistência de seguir pela estrada. Mãe aquele feijão guandu na lenha, a mandioca na farinha, na caneca tão limpinha, bebo do leite da minha cabra, que não tendo o que comer só lhe resta o mandacaru. Mãe...o livro de sua vida é o livro brasileiro, que na raiz desse nome vem na toada do braseiro, de fevereiro a janeiro, colhe a flor de marmeleiro.

37


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

O barco da vida No barco eu embarco, Os meus sonhos e esperanças, Construídas na infância, E assim vou levando o meu fardo, Nas pequenas coisas busco o meu prazer, Falando muito pouco, E por assim dizer, Com minha alma entrelaçada, Como passarada pousada, Em meio a flores na madrugada, Segue assim o meu barco, No remanso desse rio, Como um grande desafio, Em busca de meu brio, Segue manso o meu caminho, Sem loucura ou desatino, Segue a vida em plantio de semente, Mesmo que debaixo do sol ardente, Segue em frente o meu destino.

38


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

39


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Elitismo Toda forma de elitismo, esconde em si uma dose de veneno de ódio e preconceito. Contra os pobres, contra os evangélicos (das massas), pelas diferenças, contra os negros, contra feministas, com quem pensa diferente. Está presente em todas as esferas de atividades humanas. Toda forma de elitismo traz consigo um ego inflado de superioridade que nada mais é do que pura ilusão. Mesmo quando não se percebe, carrega em seus atos e palavras o ego inflado, carregado de um veneno por vezes sútil e por vezes, transbordante. Pobre espírito de ego inflado que mesmo sem perceber deixa corroer a sua própria essência.

40


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Se nos mantivéssemos calmos E se tivéssemos apenas uma semana de vida? O que poderíamos fazer diante de uma notícia dessas? Se nos mantivéssemos calmos com a aparente tragédia, um filme de nossas vidas passaria trazendo as grandes lembranças de nossas infâncias. Se nos mantivéssemos calmos, é bem provável que todas as coisas ruins vividas nada mais seriam do que lições da vida para a evolução de nossa essência. Se nos mantivéssemos calmos, poderíamos começar a agradecer pelas redes sociais a todos aqueles que fizeram uma passagem importante em nossas vidas, aqueles que nos ajudaram de forma marcante, veríamos que foram muitos e não passaram em nossas vidas por acaso e veríamos que não existe o acaso. Se nos mantivéssemos calmos, poderíamos pedir desculpas àqueles que por ventura tivéssemos magoado, mesmo que inconscientemente, nessa curta trajetória de vida. Se nos mantivéssemos calmos poderíamos olhar mais para a natureza, conviver mais com o mar, com as matas, com os rios e cachoeiras, poderíamos viver intensamente essa grande construção do Arquiteto do Universo mesmo que por uma semana. Se nos mantivéssemos calmos, poderíamos sentir um pouco de felicidade de nós mesmos, por ter lutado por justiça Social tentando fazer deste mundo um mundo mais justo, mesmo que não tenhamos conseguido, pois teríamos deixado um legado para a humanidade, um pequeno exemplo para aqueles que nos rodeiam e estaríamos felizes por nós mesmos.

41


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Se nos mantivéssemos calmos poderíamos rir de pequenas frivolidades que nada mais foram do que pequenas tolices de nossas mentes e já não nos preocuparíamos mais com o que pensam de nós, pois já estaríamos conscientes o suficiente de nós mesmos, do que fomos, do que fizemos e de que não existe perfeição por aqui. Se nos mantivéssemos calmos, nossa partida seria serena e estaríamos abrindo em nossa essência a oportunidade de experimentar outras dimensões e vivenciar um fluxo universal inimaginável por muitos por aqui. Se nos mantivéssemos calmos...

42


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Poetas de luz Lamento muito por todos aqueles que não compreendem o que é essência e intuição. Nunca compreenderão a cultura popular e arte em sua expressão, Pobres homens letrados, prisioneiros da mente, Pobres seres dementes escravos da exatidão, Não conhecem a simplicidade das palavras que brotam do coração, Bendito sejam todos os seres de alma pura, Bendito sejam esses belos seres, que dá intuição soltam a poesia da cura, Da cura da alma, dos males que espanta, Da cura da mente que a alma encanta, Da cura do corpo, das chagas que arranca.

43


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

A dor de quem perde uma flor Vieram do nada, E sem pedir licença, Arrancaram uma flor do meu jardim, De forma simples assim, Tudo se acabou, Roubaram minha flor, Sem carinho e sem pudor, Esses seres ignóbeis, Que ignoram a dor, Mantendo o horror, Do chumbo que voa, Em nossas cabeças à toa, Balas de fel, Que descem do céu, Hoje fui eu, A dor de quem perde uma flor, Mas quem se importa, Na favela da vida torta, Na perseguição da minha cor, A violência que bate à minha porta, Torpes homens do poder, Insanos que a todos fazem doer, Não sei até quando, Irão viver sem colher, Os frutos do ódio, Selvagens sem lei, 44


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Que só protegem os seus, Homens frios, nervos de aço, Insensíveis no próprio atraso, Agora é só a minha dor, De quem perdeu uma flor.

45


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Luzes do Pajeú Há beleza na pobreza, é um encanto sem acalanto, na terra ressequida, de onde nasce a ferida, pois que o que é belo não se põe à mesa. No coração não tem dureza, nessa vida sem moleza, tem sempre uma palavra bela, de uma alma tão singela. Mas tá longe da avareza, sobreviver na caatinga é proeza, o sertanejo sabe da aspereza, que é viver com a natureza, mal tratada pelo homem, castigada sem nobreza. Deixo aqui minha homenagem, a esse povo sem represa, que solta voz na sua leveza, como um rio em correnteza. Salve os poetas analfabetos do sertão do Pajeú, pois que analfabeto sou eu letrado diante de tamanha grandeza.

46


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Voz da Intuição Em muitas situações de vida somos obrigados a escolher um caminho e por vezes a escolha é difícil e duvidosa. Examine a sua consciência e ouça a voz da intuição. No exame da mente, caso a sua decisão aponte para um caminho e essa intenção te causa desconforto abdominal ou no peito, como uma preocupação, é prudente não seguir esse caminho, pois a sua intuição está falando no seu íntimo para não seguir. Caso a sensação seja de um bem estar geral, a intuição está lhe indicando o caminho correto e se mesmo assim essa escolha te causar algum erro ou percalço é porque você precisava passar por isso para o seu próprio amadurecimento, contudo, se tivesses seguido o outro caminho, o dano seria muito maior. Normalmente a escolha baseada na sensação de bem estar geral como a voz da intuição soprando no seu íntimo, traz resultados esperados, mesmo que não completamente. Minha intuição pediu que escrevesse isso por aqui. Alguém pode estar em dúvida neste momento.

47


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Que não seja banal Não, não me acostumo com a violência, de qualquer matiz que seja, pois por mais que a veja, fere o coração, traz angústia, descrédito na humanidade, uma terrível sensação de falência humana, uma crescente demência, como uma doença da alma. Já é muito lidar com a hipocrisia, com a ingratidão, com a falsidade, entretanto, na minha idade vamos aprendendo a lidar com essas coisas pequenas da vida humana, mas a violência não. Não, não me acostumo com ela, que vem se tornando uma coisa comum para muitos, uma coisa banal, uma balela. Não, não me acostumo com a violência que surge da miséria humana, dos corpos dormindo ao alento pelo chão, das mortes brutais sem perdão. A angústia e o medo, de todos que estão expostos a ela, da insegurança da vida, pelos nossos entes queridos. Da insegurança, da dúvida, da ida sem volta, por tudo o que acontece ao meu redor. Não, não me acostumo com a violência das mentes perversas, que comemoram a morte como o nascimento de uma criança, do sarcasmo insensível, da brutalidade da mente de seu olho invisível. Não vou me acostumar nunca com a violência, venha ela de onde vier, porque machuca muito no peito, não, não tem jeito de eu me acostumar com ela.

48


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

O monstro que habita em nós violência que habita dentro de nós é a única coisa a ser reprimida. O resto é puro aprendizado! Todas as nossas escolhas!!!

49


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

A vida que se tornou difícil para quem pensa com um mínimo de lucidez Um verdadeiro tsunami de ignorância está varrendo o mundo, carregando vidas e almas. Por todos os cantos e recantos ficou perigoso falar, dialogar e pensar com o mínimo de sensatez sobre a vida humana. Isso não tem nada relacionado à inteligência, mas sim com sensatez sobre dignidade, ambiente com seus mais variados biomas sendo agredidos e demolidos, educação pública, formação cidadã, saúde pública e adoecimento humano, grupos antivacina, terraplanismo, raízes das violências no fluxo da miséria, arrogância, estupidez, ódio e agressões. Por todos os cantos da vida cotidiana, nos bares, nos restaurantes, nas praças públicas, nas academias, para quem pode pagar, enfim, por todos os cantos, o raciocínio lógico, a busca da sensatez através do diálogo, a manifestação do contraditório no cerne dos paradigmas políticos, religiosos, científicos, tornou-se um perigoso instrumento humano. A arrogância, a estupidez, o ódio e a falta de bom senso, de boas maneiras de convívio colocam em risco os diálogos sensatos colocando todos aqueles que buscam um mínimo de reflexão lúcida em risco de serem agredidos por almas densas, estúpidas e desprovidas de educação. Os valores éticos dentro do pensamento de justiça social, a cultura, o conhecimento da arte, o bom tom , os bons argumentos sobre os mais variados temas da vida humana se tornaram um estopim para a agressão dos ignóbeis , dos seres densos, de baixa luz espiritual. Há que se ter cuidado com o que se fala e com quem se fala nos espaços públicos, pois o risco de agressão física, verbal e moral é sempre iminente diante dos estúpidos, atrasados mentalmente e de contornos animalescos perante o desenvolvimento humano. Tempos duros e sombrios.

50


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Visões do pretérito Tenho paixões, tenho visões, já sem ilusões, vivo um sonho do pretérito, hoje materializado em realidade, na felicidade que um dia sonhei!!

51


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Da janela do meu quarto em Seropédica Céu como fogo de candeia A terra vai se escondendo do sol, e no bojo dessa fuga, o céu arde como chama, dando um espetáculo, mas deixando o seu drama, pois que a cada dia que se passa, a incerteza se arregaça. Mesmo sendo belo, a cada dia um ciclo, uma ansiedade pelo que virá, da corrente o fraco elo, ameaça arrebentar. Como o céu que se incendeia, a noitinha que rodeia a luz do mundo a se apagar. É só mais um ciclo que se finda, mas nunca sei o que virá. Pobre mundo decadente, como o sol que está agora a se esconder, mentes vazias, mentes torpes, obscuras vem nascer. Parece uma sombra, uma noite infinita que está a se instalar, pobre povo brasileiro, que escolheu as sombras pra viver, pobre povo derradeiro, é a cultura a terminar, pobre povo tão alegre, mas perdido em seu lugar, pobre povo retirante, que está sempre a se mudar. Pobre desse que aqui escreve, sempre buscando palavras a rimar, pobre poeta de boteco, voltando no passado do parnasianismo, buscando verso estilizado, sem sentido, enviesado, tão perdido e equilibrado, desvendando o seu próprio existencialismo, tão cortante e apagado.

52


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

53


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Pobre velho barco Um dia já navegastes firme sob o mar revolto, pois forte era o timoneiro, perspicaz era a sua visão. Mas o tempo se passou e de tanta embriaguez, o timoneiro se perdeu, revolto como o mar, endureceu o coração. Pobre velho barco, navegando sem bússola, apanhando pela proa, perdeu o rumo, a consciência e a direção. Pobre velho barco, do timoneiro tão fingido, que só engana a ele mesmo, corroendo suas madeiras, destruiu o seu porão. Agora envelhecendo, a deriva pela vida, se arrastando pelo lago, já não olha para o lado, encalhado na areia, o timoneiro vendilhão.

54


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

55


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Velho pescador Velho pescador, prepara a tua rede e volta pro mar, no suor de sua testa, tira do mar aquilo que lhe resta, garante o seu pão e não sofra em vão, pois que tua vida é simples, mas em Deus sou teu irmão, o sal da água espanta sua magoa, na paciência de tecer a sua rede, mata a tua sede e vive livre como gaivota que está sempre a voar.

56


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

57


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

As ondas são cíclicas Elas chegam em ciclos subsequentes com tempo determinado, e antes que tudo tenha acabado, fazem um grande estrago. A parede que se aproxima causa angústia e terror, podendo paralisar os sentidos, trazendo um grande temor e as lembranças passam como um filme em fração de segundos. Normalmente a saída está bem no fundo, pois que a energia cinética que avassala por cima impede a fuga da morte arrastando para o afogamento iminente. Mas pelo fundo se tem uma chance mesmo que pareça demente, pois que a energia é menor e o transpor é mais provável. Manter a calma e vasculhar lá pelo fundo das águas e da mente é a única saída viável para evitar a morte precoce. Não existe outro norte diante de tamanha angústia, não existe outra saída para quem navega por mar revoltoso, não existe opção quando o medo latente acelera a circulação fazendo tremer as vias do coração, que ao pulsar com mais força consome o oxigênio restante. Assim para seguir adiante, não existe opção, é mergulhar lá no fundo para vencer o paredão.

58


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Mama África Terra maltratada, terra desolada, terra esquecida, terra de cor vibrante, terra exuberante, terra tão florida. Terra tão diversa de gente tão dispersa, terra das grandes pradarias, terra onde nascem os furacões, terra de florestas, de desertos vastos, terra de emoções. Hoje tu és desprezada Mama África, pelos homens do vil metal, és maltratada por devassos caçadores, a abater as suas flores, seus animais tão diversos, quase extintos do universo. Mas que a vida se renova, sem ter pressa sem ter hora, quem sabe no futuro, tu que és mãe de toda vida, seja então reconhecida pelo homem indolente, tão mesquinho e indecente. Mama África, serás sempre provedora, da natureza professora, serás a renovação planetária, em outro tempo em outra era, para o novo que te espera. Pobre homem destruidor no amanhã o sofredor, que não verás o renascer da Mama África florescer.

59


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Segredos da alma O mar reflete o sol, como todo ser humano reflete a sua essência nas atitudes do dia a dia. Assim como o mar guarda segredos insondáveis, a nossa alma também os guarda, segredos que em muitas das vezes nós mesmos não sabemos por não vasculhar os labirintos da mente e do coração. Na profundidade do mar tudo é sereno e por mais que em sua superfície ondas gigantes tragam a tormenta para os navegantes, em suas profundezas a vida caminha com passividade num fluxo lento. Assim deve ser a alma, pois as tempestades sempre virão atormentar a superfície do pensamento, porém, com exercício e esforço diário a essência da alma pode permanecer intacta.

60


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Poema a Benjamim Uma vida que chega, que traz esperança, Benjamin meu netinho, minha doce criança. Fará minha vida mais feliz, trazendo a leveza da alma, renovando esperança. Benjamim que é filho do amor, chega de mansinho, pois que do jardim és minha flor. Traz consigo a bondade e o amor, traz do astral, esperança de uma vida de paz, traga na alma a fraternidade, a benevolência, afastando de mim toda dor. Que tua essência de criança seja doce como trago de minha infância, as memórias da florescência como uma flor que aos poucos se abre, repleta de luz e inocência. A inocência da criança que somente assim se alcança, a magnitude de Deus e que assim os caminhos da bondade, do amor ao próximo e da plenitude sejam seus. Benjamim, meu anjo Querubim, já te imagino em meus braços, acompanhando os seus passos, afagando os seus cabelos, beijando a sua face, guardando o teu sono, embalado pelos mais belos sonhos. Benjamim já te vejo correndo com os pés a encardir pela terra, da bola de gude ao empinar papagaio, dos banhos de mar a brincar pelas ondas, do peito escorrido com o caldo da melancia, da face lambuzada de manga, daquele suor que deixa um colar no pescoço, do seu sorriso sem esforço. Benjamim, teu avô te aguarda ansioso, de braços abertos te espero com o coração a pulsar no meu peito, com a alma já vibrando em doce deleito, te aguardo aqui nesse mundo com meu amor mais profundo.

61


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Minha utopia meu levante, mas só por um instante. Meu mar, meu horizonte, minha utopia, meu levante, um minuto de paz para que eu cante, não obstante, vejo tanto ódio, mas é preciso parar mesmo que por um instante. No sal desse mar deixo lá no fundo toda carga densa, que vem daquele que não pensa, deixo para trás a agonia incessante, aos poucos vou libertando minha mente dessa tortura iminente, recobrando minhas forças para reconstruir novamente. Mundo insano que galopa para tudo o que não é humano, mundo eloquente que levanta o demente, corta a carne como fio de navalha, rasga as entranhas pela loucura dominante, mas não agora, diante do mar de hoje e de outrora, mas não agora que para por um instante, deixando toda essa loucura em mundo bem distante.

62


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Velhos trilhos Não sabemos que caminhos nos levam esses trilhos, o trem está velho e inserto é o seu destino, penso nos meus netos, sobre batentes tão incertos, acuados em tempos sombrios. Nos caminhos tortos desta ferrovia andava um velho homem que já não sorria. Andava a esmo, andava cabisbaixo, de barbas grandes e olhos marejados já com muita dificuldade se apoiava em seu cajado. Da vida lhe roubaram os sonhos, já não tinha mais família, de esperança aleijado, nem um lamento, nem um gesto a face lhe corria, seu futuro era incerto, nada mais ele dizia. Ao longo desses trilhos só poeira solta ao vento, o velho já não vejo e o som do trem é de lamento, vi um trecho encharcado a corroer o ferro da estrada, o ranger do aço que eu escuto é a dor da alma aflita, é o som de quase nada.

63


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Aqueles homens tão cruéis Aqueles homens cruéis, primeiro trouxeram a promessa, depois roubaram os meus sonhos, já não consigo mais dormir, já não tenho mais a noite, porque também levaram o meu sono. Aqueles homens cruéis, bem vestidos de gravata, andando na pobreza vestem simples com bravata, da infâmia de suas palavras, só trazem a desolação, me largaram na miséria desolado no sertão. Aqueles homens cruéis, seres das sombras que andam a espreitar a pureza do coração, com a frieza da maldade pervertida, como cães vadios a procura de comida. Aqueles homens cruéis, com sorriso dissimulado, com seus capangas pervertidos, buscando tolos convertidos, a pisar na minha garganta por toda minha vida. Aqueles homens cruéis, donos das verdades absolutas, estudados e letrados, que do sofrimento nada sabem, com suas vidas mal vividas. Aqueles homens cruéis, lesados na retina, desse mundo estrada fina, desalmados, não amados, com dinheiro que destina, seres abjetos, por toda a vida assim mantida.

64


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Refúgio pra não fazer nada Um refúgio com minha velha magrela de lata. Um banho de sal, do sal que empedra na pele, que veio do mar, que lava a alma de tudo aquilo que mata, O não fazer nada, despir a mente de qualquer pensamento, desfazer as amarras e jogar no lixo tudo aquilo que não fala, O que não fala da vida, o que não fala das flores, o que não fala da mata, a mata aqui no outro sentido, no sentido da vida que brota do solo, longe das dores, Uma pausa pra um canto, a vagabundagem nesse tranquilo remanso, e salve a vadiagem de nada fazer por um dia, E logo eu quem diria, na rotina da linha reta, me entrego ao nada fazer, às curvas tortas da vida, deixando a porta aberta, pra ver se entra vadia, a primavera das flores, Pra ver se entra serena, com uma leve brisa dos mares, acariciando a minha face, como quem diz relaxa e a vida contenta.

65


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Areia da ingratidão Um dia, um homem que há muito vagava pelo deserto da grande cidade de pedra, percebeu a morte iminente de um amigo que não era tenente, que estava a guerrear na insanidade de um mundo demente, com sua alma entorpecida pela beleza de sua farda. A arma que não larga, em sua cintura enaltecida o seu ego por uma triste sensação de poder e mesmo sem perceber caminhava como um cego a beira da cova indecente. Mesmo sabendo que um dia a possibilidade da ingratidão viria a lhe desferir uma punhalada dolorida em sua alma, o homem que vagava no deserto, retirou o soldado perdido do front, como quem resgata um amigo da imensidão do vazio, da morte premeditada e mesmo sabendo que era em vão, a tentativa de mudar o seu rumo na vida, possibilitou ao amigo, o melhor que podia em abrigo, Longe do aço, longe do chumbo que trouxe a morte para dois de seus parceiros sem tempo para abraço. Seus pais em prantos lhes diziam que a gratidão seria eterna pois seria muito difícil retribuir o ato de tirar o seu filho da guerra, caminho frontal e inevitável com a morte que rondava. Mas logo o pranto secou, as lágrimas deixaram de existir e na rotina da vida, tudo o que era gratidão se transformou em desprezo e a mente superficial logo tomou conta da família que já esquecera da guerra, da morte iminente, pois que na individualidade do pensamento a ingratidão trabalha como serpente.

66


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Como o vento, que leva as palavras escritas na areia, como o fogo que incinera a palha seca por uma simples fagulha. Assim, na rotina da calmaria a insensatez tomou conta da mente e abandonou o seu amigo ao deserto novamente. Mas quem já se habituou ao sol escaldante, sabe que caminhar é a sua mais brilhante jornada, uma trajetória de que não se espera nada, ao saber que no deserto de areia, não crescem flores, não brota o verde, mas a areia é só o caminho, pois que o mar é no final o destino.

67


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Tristeza profusa Uma árvore dessas demora algumas dezenas de anos para chegar a esse tamanho. Diante dela me senti pequeno e muito distante de tamanha experiência de vida. Raízes profundas demoram muito tempo a se espalharem pela terra. Essa árvore já passou por tantas intempéries....sol escaldante, seca angustiante, desprezo por todos que passam por ela sem perceber sua magnitude. Nem eu mesmo sei amiúde o quanto não te notei. Por tantas idas e vindas na rotina de minha labuta, por ti eu passei e na mente confusa, o meu desprezo por ti hoje me causa tristeza profusa. Mas quando o cansaço entorpece os sentidos, a alma inerte recobra outro chamado intuído, com a mente serena, já não te vejo mais de forma obtusa.

68


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Não permita a depressão te pegar Não deixe a angústia te consumir. Não tenha medo de errar. Extravase sua tristeza para a depressão não te matar. Não tenhas medo do que irão te falar, pois que nunca em sua existência, conseguirás a todos agradar. O mundo é feito dessas diferenças, e nada disso mais irá mudar, despreze a intolerância, o ódio e o mal falar. Tu és o que está plasmado em ti, Como um ser a evoluir, porém não tem pressa em existir, A cada dez degraus que tu sobre pelas escadas, desce três, sobe cinco e desce dois, mas é assim o teu caminhar, O importante é não ficar parado no térreo da vida, inerte, cristalizado e deprimido, assim, não guarde o teu gemido, Vá para algum lugar, pode ser no remanso do seu quarto, na beira do rio ou do mar, Coloque teus males para fora em tom bem alto a gritar.

69


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Viagem da alma Para quem faz apologia ao ódio e às armas. Um dia o seu corpo cairá retornando as cinzas da matéria de carbono e o que restará de ti será a sua própria essência a viajar por um mundo metafísico inimaginável. Cuide de sua essência para ter um destino melhor nessa viagem inadiável da vida humana.

70


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

As cinzas do passado Não poderia ser pior esse dia da independência, pois toda a minha história foi queimada, tudo aquilo que cabia, tudo aquilo o que contava, tudo aquilo que eu guardava. Em meio a tanta demência do homem desleixado, que por descuido foi deixado, um patrimônio valorado, arder em chamas o passado. Toda a minha ciência, tudo o que o homem investigava, todos os segredos, mesmo o que eu não revelava, era desafio para as gerações que estão por vir, todas as crianças, todo o gentio, seja o rico seja o pobre, o menino o sorveteiro, algodão doce no gramado. Queimaram a minha casa, em ruínas ela ficou, a tristeza transformou, o que muitos desprezavam, a história se apagou e não têm como resgatá-la.

71


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

O que importa? Se a janela da cozinha está aberta a entrar o vento frio, que torna gélida a alma humana, pois que o tempo já me roubou a impaciência de falar dos sentimentos, assim como um rio que desagua no oceano, entra ano e sai o ano, deixando fluir a insensatez, pouco a pouco a cada vez. O que importa se eu não tenho a resposta? Que não comporta a minha mente, sendo assim outro momento que se abre a minha frente, já não importa a lucidez. Naquele canto da cozinha me restou um fogo quente, a lenha a estalar em brasa no fogão, o cheiro da fumaça e lá fora a chuva que não passa. Galhos secos de inverno, as folhas secas pelo chão, o vento frio que me abraça, o silêncio que transpassa, vai levando a timidez, para admitir o que não sei, mas prefiro o silêncio. Que põe fim ao meu tormento, apazigua a minha essência, deixa de lado o meu lamento, acabando essa peleja encerrando de uma vez, o que seria o meu intento. A beira do fogão eu já não sinto mais o frio, no bule tem café, água quente para o banho, no varal tem carne seca, a curtir pela fumaça, deixa o tempo que não passa, levar as horas sem cuidado. A cama tá estendida com colcha de retalhos quarada pelo sol, que recebe o meu corpo, já cansado e esgotado. Ao me deitar fecho a janela à luz de lampião. Deixo o sono embalar nessa doce sensação, de que tudo o que me estressa já não faz mais diferença, pois quem dorme já não pensa na loucura descabida, na insana consciência, na perversa fala mansa, no desprezo que me alcança. 72


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Noite em Montevidéu Segue a cidade sem pressa, segue o rumo, segue a peça, da arte a poesia, como nem eu faria, segue fria, segue lenta, com suas árvores ressequidas do inverno, leva o vento meu alento, traz a paz que me acalma, segue o dia segue a noite, tão tranquila e tão serena que aquece a minha alma, nesse paradoxo da temperatura que vem fora transformando o que é de dentro, me apaixona a sua cultura, segue assim o seu intento.

73


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

O que não cala Examina a sua alma e sua fala, examina as suas atitudes e tudo aquilo que tu não calas, pois que a tua mente, às vezes tão demente, não mente e facilmente se trai, perturbada a alma é impossível esconder o que te faz corroer. Não transfere a tua culpa por toda a dor que sentes no fundo, colocando a culpa em todo mundo. Protege aquele que ama, preservando da lama, preserva o relógio cansado, que já não tem tanta força para rodar o ponteiro, protege por inteiro, deixando seu ego de lado, preserva o relógio cansado do lodo, não só por um dia, mas no ano todo, pois quando o relógio quebrar, tudo vai se acabar. Os ponteiros não irão retornar e tudo isso fará sua alma chorar, sem volta sem retorno, sem chance de estorno. No plantio da vida, o arado é instrumento, a semente é seu intento, a colheita é o momento, da reflexão do que se plantou, como tudo acabou, não dá mais pra lamentar. Só resta arar a terra novamente, com outra semente tentar uma colheita diferente, pois quem planta cacto, pode ter um pouco de água, mas os espinhos virão como um fruto adjunto, arranhando profundo deixando cicatrizes na pele, como lembrança que fere.

74


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

O lado escuro da mente A estupidez humana vem se perpetuando e deixando rastros de miséria e povos esquecidos pelo mundo, jogados no lixo como bagaço de uma fruta que não interessa mais. Até quando iremos presenciar genocídios em nome do capital e do interesse escuso de líderes arcaicos como seres humanos? Até quando iremos presenciar a estupidez humana que mata em nome de DEUS como uma fachada articulada por líderes políticos que estão sempre usufruindo do conforto e mordomia para si e sua família? O quanto é lamentável grandes potências massacrarem civis inocentes em busca da ampliação do mercado financeiro. Loucos, loucos seres da escuridão que buscam sempre tomar partido sem entenderem a complexidade das manipulações humanas em todos os níveis. Loucos seres da escuridão, loucos seres que insistem em subjugar outros humanos, expropriado os seus bens e as suas almas. Loucos seres que arrasam a cultura de uma sociedade fazendo escravos conscientes e inconscientes mundo a fora. Loucos seres que se rendem ao valor do metal vil e permitem que a sua própria sociedade se torne escrava e submissa, destroçando almas e corações. Loucos seres densos que vomitam o ódio em nome de Deus, que roubam dos miseráveis a esperança, os sonhos e suas condições mínimas de uma vida digna. Seres densos, que andam pelo planeta a trazer a iniquidade moral, a iniquidade geral de toda uma nação.

75


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Tolerando a intolerância Já levei muitos golpes, mas preferi não desferir de volta. Dos golpes que levei, aprendi a não acumular revolta, pois que no peito não há espaço para o azedume da vida, já por muitos tão sofrida. Não temo os tolos, que colecionam as amarguras, tão perdidos que estão, sem medida, sem a exata dimensão, tão perdidos que estão. Não caminho com o pé atrás, sou isento no perdão, luto contra minha própria insanidade, pra dar vazão a minha tola ansiedade. Da minha aparente ingenuidade, a vida segue caminhando, e por ela se faz a seletividade como que um processo de simples depuração levando bem pra longe o pesado coração. Nessa curta jornada terrena, meu corpo retornará ao pó, se juntando às cinzas de carbono, mas não carece de pressa, deixa a alma sem um dono seguir livre no outono, pois logo depois ela se encontrará com a primavera em mais um ciclo dessa terra. Aos que ficam na estação, tiro o meu chapéu como quem se despede sem amargura, sem rancor, num humilde gesto de louvor, por ter me ensinado algo nessa estrada, não me iludo com a marcha do tambor, e a brisa que corre pela minha face na janela desse trem, é o sinal dos silfos regenerando a minha essência, seguindo pura a consciência, de que magoas só ganham as mentes em demência.

76


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

A violência banalizada Não, não é de hoje que a violência foi banalizada na sociedade. Isso vem sendo construído faz muito tempo. Nas comunidades e no asfalto, em torno de um corpo sem vida estendido no chão, sempre há uma roda de gente a olhar como um pequeno espetáculo de horror. Nos acidentes de trânsito, quanto maior a desgraça, mais complicado fica o trânsito naquela via, mesmo com a via tendo acesso, porque as pessoas passam lentamente só para ver a desgraça alheia. O corpo esfacelado, o corpo morto. Há muitos anos, um jornal chamado “O Povo”, aquele jornal que ao ser espremido saia sangue, vendia em grande escala para a camada mais carente da população. Certa vez li uma entrevista com um dos editores, na qual foi perguntado sobre o insight para um modelo de jornalismo tão violento e que tanto vendia. Ele respondeu: “o povo gosta de ver a miséria. Gosta de ver a miséria pior do que a dele, pois assim se sente menos miserável”. O pobre que se acha mais rico diante da desgraça alheia. Nunca mais me esqueci desse fato. Hoje o povo se acostumou, principalmente nas grandes capitais, a ver corpos caídos no chão. Corpos de indigentes que dormem pelas ruas, corpos de acidentados no trânsito, corpos de drogados de crack, assaltos de batedores de carteira e por aí vai. A violência se banalizou de tal forma, chegando ao absurdo pensamento alicerçado em comprar uma violência para curar outra violência. Essa banalização da violência ainda trará muita dor à sociedade. Um dia será contado nos livros de história, sobre uma geração 77


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

que comprou a violência para curar a sua própria violência. Tempos sombrios se aproximam, tempos duros, tempos de sofrimento para todos, tanto para aqueles que se recusaram em comprar a violência como para aqueles que resolveram comprar a violência, porque a bala perdida será para todos.

78


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

A bestialidade humana A estupidez humana vem se perpetuando e deixando rastros de miséria e povos esquecidos pelo mundo, jogados no lixo como bagaço de uma fruta que não interessa mais. Até quando iremos presenciar genocídios em nome do capital e do interesse escuso de líderes arcaicos como seres humanos? Até quando iremos presenciar a estupidez humana que mata em nome de DEUS como uma fachada articulada por líderes políticos que estão sempre usufruindo do conforto e mordomia para si e sua família? O quanto é lamentável ver grandes potências massacrarem civis inocentes em busca da ampliação do mercado financeiro. Loucos, loucos seres da escuridão que buscam sempre tomar partido sem entenderem a complexidade das manipulações humanas em todos os níveis. Loucos seres da escuridão, loucos seres que insistem em subjugar outros humanos, expropriado os seus bens e as suas almas. Loucos seres que arrasam a cultura de uma sociedade fazendo escravos conscientes e inconscientes mundo a fora. Loucos seres que se rendem ao valor do metal vil e permitem que a sua própria sociedade se torne escrava e submissa, destroçando almas e corações. Loucos seres densos que vomitam o ódio em nome de Deus, que roubam dos miseráveis a esperança, os sonhos e suas condições mínimas de uma vida digna. Seres densos, que andam pelo planeta a trazer a iniquidade moral, a iniquidade geral de toda uma nação.

79


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Isso me faz pensar Lembro de uma noite fria de inverno, a serração estava baixa, e o barulho do motor com o farol fraco a iluminar, como lamparina devagar. Eram quatro pessoas a conhecer numa grande sala de estudos. Era o início de um tempo que estava a me assustar e a grandeza de um universo que para sempre iria mudar. Era tudo o que eu queria, nas no fundo eu me perdia, na lembrança da escola, duas meninas, duas paixões a atormentar. Paixões de criança, doce esperança que não chegou a concretizar, com o coração a apertar. Era a doçura no olhar e no falar, tudo isso a recordar, naquela sala em instantes, que o meu passado era distante. Aquele imenso jardim trouxe a confusão na mente, um momento tão demente e perturbador, que eu já não conhecia a minha dor. A década de oitenta, foi a fase da mente a pensar, um turbilhão numa rota sem retorno, sem passagem nem estorno. Lembro de uma noite fria de inverno, a serração estava baixa, e o barulho do motor com o farol fraco a iluminar, como lamparina devagar.

80


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

A hora do saber Aos poucos tudo se descortina, o véu que hoje cobre, cai a deslizar pela face como um fruto maduro sem disfarce. O que estava escondido na sombra, a luz traz a verdade para à tona. Não há mais como se esconder da luz, pois que tudo reluz, e pode ser a própria cruz. O ódio que se esconde no fundo do ser, começa a brotar sem perecer, a ambiguidade que da mente descortina, traz o transtorno na práxis da rotina. Agora é aguardar para ver o que vai prevalecer. A insanidade do ódio, a hipocrisia a florescer, ou o bom senso do respeito, guardando todo direito da liberdade da expressão, sem medo do ladrão de almas simples e compaixão.

81


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Salve a cultura popular Salve a sabedoria popular. Salve o boiadeiro da catinga que está sempre a prosear, salve Severino, salve Salustiana, salve esse gentio sofrido de fibra que não cansa de ralar, salve as palavras simples desse verso que estou a lhe falar, salve Setembrino, salve dona Maria que rala a tapioca para o filho sustentar. Salve dona Jacinta com sua fé na beira do altar. Salve Virgulino, insurgente a guerrear, morreu em Angico, cercado de macaco, virou mito no sertão e história pra contar. Salve meu poeta, Ariano Suassuna, irreverente libertário da cultura milenar. Salve meu Padinho Padi Ciço, com sua fé a sustentar, a esperança de seu povo, para água irrigar. Salve o carcará, o bicudo e o curió, salve o Umbuzeiro, Pau D’Darco, Cajueiro e Marmeleiro, salve o Jatobá.

82


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Por Agla, Adonai e Tetragramaton Que a força do Universo com todos os seus mistérios não me tape os olhos da alma para que eu possa ver todas as injustiças terrenas. Que não me falte a energia para combatê-las, que não me permita cair na lama da perversidade humana, que afaste de mim todos os seres de baixa luz que desdenham de meu ser e que preserve a luz do meu caminho através da energia dos seres que me amam. Que assim seja.

83


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Tempo...esse bom vagabundo Pois que o tempo não para, Diferente da terra, segue sem pressa, E como sempre...arremessa, Destrói os mais velhos conceitos, Reconstrói preconceito, dos hipócritas, Dos insensatos, dementes do tempo, Se disfarçam em abraços, Calorosos e devassos, Tempo vadio, é sempre tardio, Tempo sem pressa, tempo vazio, Não é ruim nem sadio, É simplesmente o tempo, Do gentio, do lavradio, Do remanso do rio, Tempo vagabundo, Tripudia do mundo, Tempo sombrio, De um povo doentio, Esse tempo sem pressa, Não importa quem estressa, Esse vagabundo não se importa, Pois ao tempo não comporta, Ser perfeito por compromisso estreito, Pois o tempo não sabe o que é defeito,

84


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

O tempo simplesmente passa, Segue sem pressa como, Um bom vagabundo, Sendo os olhos do mundo.

85


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Lutando por anuL A sociedade te deu as costas, Quando você sofria por ser quem não queria, Te enxovalharam a alma, Tiraram a sua paz e acabou a sua calma, O punhal que penetrava em seu peito, Só você sentia a dor, E achando não haver mais jeito, Sua vida era um torpor, Um fio de esperança em outro mundo, Uma felicidade passageira, Um amor que não era pra vida inteira, Um caso sem eira nem beira, E sua alma estremeceu de novo, Achando que era o fim, Buscou refúgio na sua terra ruim, Era o começo de um sofrimento sem fim, Seu pai te deixou assim, Quando menos esperava, Já era hora de começar a sofrer novamente, Para desespero de sua mente, Mas como tudo na vida se transforma, O que parecia o fim, Na realidade é o início da reforma, Basta confiar em mim, Agora eu estou aqui, Te estendendo a mão, E ninguém mais vai te dizer não, 86


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

É a palavra de um irmão, Os hipócritas do mundo, Com suas palavras santas que nada fazem, Não vão mais te machucar, Pois eles nada sabem de sua dor, O caminho é longo e duro, Mas já não estais sozinha, Já vejo tudo por cima do muro, É a esperança que diz ser tua vizinha, Agora eu estou aqui, Te estendendo a mão, E ninguém mais vai te dizer não, É a palavra de um irmão, Chegou a hora de apagar o que era ruim, Levantar a cabeça, acertar os passos, Andar não é nada pra mim, Pois na luta temos fibra de aço, Aquele punhal não vai mais perfurar, A sua esperança, a sua alma de criança, Pois é assim que eu lembro de ti, Quando corríamos na vila, Agora eu estou aqui, Te estendendo a mão, E ninguém mais vai te dizer não, É a palavra de um irmão.

87


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Lutando com a minha utopia Por que você me persegue assim? Busco-te caminhando e navegando até o fim, Mas você insiste em me abandonar quando eu estou perto de ti, Não adianta você tentar me entender pois eu sou assim, Agora venha e não desista de mim, Eu vou te embriagar com o meu ópio, Eu vou te prender até você entender, Mas o que eu vejo é só a dor de não te alcançar, mas você insiste em me arrastar, Chegando ao horizonte permaneço a te olhar, Mas você não entende a sua própria dor, E eu não vou te explicar você tem que vir mesmo estando a chorar, Maldito ópio que me vicia, que me seduz, Estranha força a me arrastar, o que você quer exatamente de mim? Pra você me entender tem que caminhar, E caminhar até o fim, Mesmo quando parecer as suas forças esgotar, você vai entender que estou sempre a te preservar nesse teu mundo tão insano.

88


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Do encanto ao engano Pobre Severino, sem-terra, de mãos calejadas, já não tem mais um hino para cantar, pois que seu cavalo morreu, na seca o solo esturricou, boi de catingueira no osso ficou, jogado na terra, a canção de boiadeiro acabou. Fica na lembrança do passado, o tempo de fartura, no presente sua mente não atura, ferido na alma que hoje é secura. Pobre boiadeiro, que sem dó nem piedade, já não tem mais idade, para jogar o seu laço, com o embaraço da vida, amargurada e sofrida. Pobre homem da terra, que aos seus olhos tudo se encerra, na solidão do sertão, onde nada prospera. Até que a morte sinta chegando, segue sonhando, com a alma enganando, o que já não pode enxergar, segue a caminhar sucumbindo ao deserto com seu pranto a rolar.

89


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Hora do descanso Procuraste um bom caminho, mas na caminhada da estrada, lhe jogaram pedras, desferiram duros golpes, pelas suas costas tramaram, traíram e desdenharam de ti, pelo teu esforço, pela tua luta, os pobres de espírito zombaram de ti, pela tua frente apertaram a sua mão, pelo teu lado direito, lhe roubaram, como ladrão, pelo teu lado esquerdo, duras palavras em vão, pobres homens desalmados, hipócritas de plantão, pobres mentes vazias, pois que agora chegaram os teus dias, mergulhados na inércia e na falsa moral, agora se encontram no cerne do vendaval, pobres seres perdidos, desesperados, agora despreparados, enfrentam a sua própria tormenta, pois que suas palavras, não te sustentam, palavras, vazias que são, não te estendem a mão, afortunado homem que luta, bem dito trabalhador que puxou o arado, jogou suas sementes na terra, enquanto os desdenhosos, 90


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

homens preguiçosos, bebiam água na sombra, com sorriso feito escárnio, segue agora sereno, homem tido como pequeno, a observar o outro gemendo, segue tranquilo e sem culpa, pois que o trabalhador que puxa o arado, em dias quentes, suado, quase moribundo, pelo cansaço do mundo, tem o direito ao descanso, se apoia em seu cajado e tira férias da dor, observando o que farão os herdeiros dos frutos de seu labor, já pagou seu quinhão, com seus calos na mão, não carece de culpa pelo que eles farão, pois que é chegada a hora de mudar a direção, deixando ranços pra trás, e para os hipócritas o turbilhão, por eles mesmos criado, sem dó nem compaixão, observa de longe e se puder ofereça a tua mão, mas esvazia a tua mente seguindo a nova direção, pois quem está habituado ao trabalho, não fica nunca em frangalho, nova obra está sempre a começar, mas descansa um pouquinho antes de começar a andar.

91


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Sete lágrimas a correr Cegueira humana, que insiste em manter a miséria. Miséria do espírito, daqueles que brincam com coisa séria. Decrépitos seres das sombras, que em nome do vil metal, massacram vidas humanas. Condenando pobres criaturas, ao limiar da vida insana. Sete cabeças, sete cálices de sangue, sete almas sedentas de poder. Sete sombras nos sete cantos do mundo, sete línguas afiadas, sete espadas sobre o mundo. Sete forças a ameaçar, com sete barcos pelo mar. Sete águias de prata, com seu fogo a despejar. Pelos sete cantos da terra, sete líderes ao mundo disputar. Sete seres obscuros, que não deixam educar, Sete homens a desdenhar, a manter o povo em seu lugar. Sete vezes a manter, na ignorância a sofrer. Sete sombras ao óleo disputar, com sete facas a cravar, Sete candelabros, sete velas a rezar, sete vezes na semana, sete dias sem parar. Sete anos a chegar, sete páginas a rasgar, sete vozes a gritar.

92


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

A dureza do orgulho Pobre ser orgulhoso, que de sua pequenez da alma, guarda a amargura e segue um caminho tortuoso. Pobre ser ingrato, que por não dar valor aquele que te entende a mão segue caminhando em vão. Pobre ser que já não enxerga ao seu redor, pois que perdido está, com sua venda nos olhos, tropeça, cai, colhendo o que é pior. Pobre ser que despreza e desdenha de seu semelhante, pois não sabe o que lhe espera adiante. Pobre alma perdida no tempo, cujo coração duro a fecha no casulo, encarcerada nas garras de sua mente e sem perceber se torna demente. Pobre escravo da matéria, que dia após dia, segue preso aos vícios da terra. Pobre espírito endurecido, que nas entranhas da alma, alimenta suas mazelas e com seu corpo enfraquecido, padece enternecido, como um solo ressequido, que já não dá mais frutos e será corroído. Pela chuva e pelo vento que bate constante, lixívia e logo adiante, lateriza rachando os torrões, abrindo as portas dos porões.

93


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Não há tempo para o ócio A areia do deserto é quente e escaldante, uma parada pra amenizar, uma parada pra seguir adiante, o suor escorre pela fronte durante o dia, e quando vem a noite, lá no alto daquele monte, o frio congela todos os sentidos, trazendo grandes gemidos, de dor nos ossos, dor no corpo, e do vento o assobio que traz na alma o arrepio. Na longa trajetória dessa estrada, não há tempo para o nada, pois que a areia que te cobre, não tem dó nem piedade, e já na tenra idade, caminhar é o teu destino, seja em paz ou desatino, tu homem, não tem a escolha da inércia, não tem desejo permitido para o ócio, pois que o ócio te aniquila, te rebaixa e te líquida. Para tu que és semente, não tem pressa em ser valente, nem soldado nem tenente, segue a vida segue em frente. Aproveita, pois, a tua breve parada na jornada, recobra as forças pra essa estrada, fortalece o teu espírito a despeito do suspiro, a despeito de teus erros e mesmo com seus medos, desvenda os teus segredos, revela para ti mesmo, suas fraquezas suas mazelas, pelos becos nas ruelas, do teu eu que já duela. Aceita o que te consome, pois é no aceite do que és, que sairás de teu revés, na consciência dos limites, que se expande os horizontes, passando pelos rios e cortando os campos pelos montes. Não engana a sua pobre alma, pois que na tua verdade tu te acalma, sabendo bem o que tu és, ganha força nos seus pés. Chão, pó, poeira que fazem um homem se desenganar, se lança no mundo como quem quer chegar.

94


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Um canto um remanso Sexta nublada, por aqui quase nada. Na meia luz, busco paz como quem busca um remanso, no canto da minha sala, me recosto e descanso, uma boa música, baixinho, como um doce balanço. Nada o que pensar deixo a mente levar, esvaziando as mazelas, desse mundo a girar, pois que a mente vazia libera a estrada sombria, e vai bem devagar a luz encontrar, como a luz desse abajur, que chega de leve conectando ao azul do infinito, pondo a alma a viajar, sem tempo nem lugar, somente a percorrer sem nem linha a escrever, apenas viajar pra outro canto outro lugar.

95


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Alma errante No voo do coração na imensidão do céu, a solidão rasga o véu, desnuda o envoltório que esconde todo medo, revela o segredo, pois que já não tem mais o que temer diante do que é você. O frio que assombra minha alma gélida, já não congela os meus sentidos, pois que nesse voo solo, sou apenas eu sem a matéria de sensações enganosas, não existem cravos nem rosa, apenas a lua e as estrelas, num canto silencioso de outras belezas. O neon que vejo por todos os lados, é a sinfonia dos astros, no arranjo arquitetônico jamais imaginado pelos sentidos do corpo físico, incapaz de perceber esse arranjo atômico. Esse flash de luzes multicoloridas, trazem a lembrança dessa e de muitas vidas, numa cronologia jamais imaginada pela velocidade de um tempo cuja relatividade desconstrói todos os paradigmas humanos. Não tem dias, não tem anos e o tempo se interliga de forma metafísica e esplendorosa. Posso viajar em segundos e estar num passado tão distante, que logo ali adiante já estou equidistante do futuro longínquo de minha mente confusa e dolorosa. Enquanto minha alma aqui encarcerada se encontra, sigo fechando os meus olhos e quando o sol se põe, na escuridão da noite, transcendo a minha mente em busca da liberdade desse voo, sigo assim sozinho, viajando pelo caminho. Nas estradas da terra, como na imensidão do espaço sigo com meu cansaço, buscando a força de viver.

96


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Roubaram minha infância Em busca de renovar a minha essência, sigo sem a decência dos limites das frivolidades humanas, expandindo a minha consciência, renovando a cada dia através desse louco voo viajante, seguindo o flash do universo, guiado à noite pela lua e pelas estrelas, contemplando a multiplicidade do universo e de seus astros acalmando meu cansaço. Roubaram os meus sonhos mais doces de infância, quando eu achava que todos eram iguais, todas as pessoas eram pessoas justas e dignas. Roubaram minha inocência de criança quando eu achava que o mundo caminhava para a fraternidade entre os homens e não haveria fome entre os povos. Roubaram o meu sorriso ingênuo quando por várias vezes, fui iludido por pessoas que só pensavam em tirar proveito próprio diante de minha fragilidade. Roubaram a paixão que explodia no meu peito, acreditando que o amor superaria todas as dificuldades quando a paixão deixou de ser a prioridade na vida das pessoas. Roubaram a minha capacidade de achar que as pessoas seriam sempre justas e incapazes de fazer a perversidade a outras, quando vejo tanta iniquidade nesse mundo insano. Roubaram a minha doce ingenuidade de achar que as pessoas sempre respeitariam as diferenças, quando vejo as pessoas querendo impor a sua própria lógica da forma mais arrogante que jamais supunha ser capaz de fazer. Mas agora é seguir adiante, buscando um caminho mais suave diante da insanidade de um mundo perverso, de pessoas pobres em sua essência. A caminhada é árdua, a jornada é cansativa e escaldante como caminhar por um deserto. Mas ela deve ser percorrida com todas as forças, com menos ingenuidade de criança que um dia fui, mas reconstruindo tudo dentro dos princípios e da utopia que um dia vivi. 97


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Aos meus amigos leitores Que a paz esteja no íntimo de todos os meus amigos. Que a força renovadora revigore o ânimo para a luta. Que os princípios de harmonia e amor, verdade e justiça, luz e paz e perdão sejam uma constante na vida de todos. E que os nossos erros e defeitos, sejam instrumentos de aprendizagem sem que, para isso, paralise os nossos sentidos. Apenas reflexão para seguir adiante.

98


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Mente vazia, mente vadia Segue vida serena sem pressa, e não me apressa em viver a loucura desse mundo insano, vai na calma dia após dia e assim todo ano. Segue na toada do mar, e deixa sob o meu olhar o encanto e a beleza desse lugar. Segue assim bem de mansinho, como a brisa da tarde que chega devagarinho, com o cheiro do sal dessa lagoa, e me deixa assim bem a toa, com a mente vazia, quase vadia, sem me contaminar da maldade do dia a dia.

99


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Entardecer em Iguaba Grande Por trás de sua aparência simples, deixada e abandonada por quem não cuida, sua poesia e suas várias faces, escondem um encanto que poucos olhos percebem, escondido por trás de seus traços sofridos, uma beleza natural que se ergue, canta em versos baixinho para poucos ouvirem, pois que a sensibilidade para te perceber, está nas raízes do teu ser, com sua pequena serra que se encerra, com suaves cabelos, que deitam na lagoa salgada, o homem que chega com a rede, de pele rachada, do sal e do sol que escreve em sua pele, Histórias do mar, guarda o segredo, que transpira no suor e nas lágrimas de sal, tens nome de grande, mas és pequena, joia guardada, escondida quando invadida, por um povo que não te pertence, que depois da tempestade do trânsito eloquente, volta a brilhar bonita e decente, serena e transparente, com suas águas calmas, segue o fluxo sem pressa, com o sol a brilhar, e deixa com a noite a sua lua brilhar, me receber com carinho, pois que aqui, eu decidi me instalar, me abraça de mansinho, e vamos juntos caminhar.

100


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Lua minha bandeira Lua deslumbrante, lua de fogo, lua viajante, traz em sua luz, a luz do meu semblante, lua verdadeira, lua cheia bela inteira, lua de esperança, lua de criança, traz minha lembrança, daquilo que eu fui, lua apaixonada, lua enamorada, lua prateada, lua florescente, Lua efervescente, borbulha a paixão, Lua clara inteira, seja minha bandeira, lua maravilha, lua coração, ilumina meu caminho, faz da noite um clarão, lua da mudança, lua que transforma, lua que renova, lua de mistério, lua fantasia, lua cheia, lua nova.

101


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Vento de proa Meu barco navegava em águas calmas, serenas, com as obrigações de navegação cotidianas do mar. Então veio a tempestade trazendo a tormenta. Tudo no barco ficou a revirar, mas agora não tem volta e sem revolta, reposiciono as minhas velas, sem necessidade de escolta. Mudo a direção do leme, como quem não teme as mudanças que estão por vir. Desapego da antiga rotina, para reaprender a caminhar pois em meio à tempestade não há tempo para vacilar, assim a decisão é de cortar antigas amarras, deixando pra trás a antiga passada de forma radical e inciso, pois que navegar é preciso.

102


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Despedida do meu pai Foi uma noite muito longa, o silêncio angustiante cortava a alma com a perspectiva do desfecho, uma esperança que já escapava pelos meus dedos como água que não se pode segurar, quando já não se tem mais nada a esperar. Era como ver árvores no início do outono com suas folhas caindo ao solo, revelando toda sua nudez, e só me restava a embriaguez, pois que já havia perdido toda minha lucidez, e um enorme vácuo tomava conta de meu ser de uma só vez. Nada mais o que fazer, nada mais o que dizer. Os primeiros raios de sol apareciam encobertos pela chuva no amanhecer, começando um dia cinzento e o meu cansaço tirava as minhas forças. Não conseguia deixar aquele lugar aonde a derradeira noite chicoteou a minha alma no maior de todos os açoites. No banco do ônibus, atravessando a ponte, tudo era estranho, tudo era distante, tudo era frio. A alma gélida adormeceu como desfalecida por tanta tensão diante da imensidão do universo na despedida sem reverso. Mas a decisão de ficar até o final, até às linhas dos monitores ficarem na horizontal, trouxe a oportunidade única de dizer até no momento do desenlace o quanto eu o amei. Me deu a oportunidade única e individual de te dizer: “ parte em paz, pois que tua missão foi bela com seu amor investido em nossos laços fraternos, parte tranquilo, pois que aqui entre nós não carece de gemido, nem choro, nem de lágrimas, vai ter com os teus, uma nova vida que nasce, e caso o Arquiteto do Universo permita será breve o nosso enlace, pois cem anos na terra é como um piscar de olhos no universo, e aí, juntos faremos novos versos” 08 de janeiro de 2018

103


HELCIMAR BARBOSA PALHANO

Transmutação da vida Vida, estrada de aprendizado permanente, que transforma a minha mente a cada instante, que segue como o rio para o mar, que não para um minuto sequer o meu caminhar, vida que me faz chorar, que me faz sorrir, que me faz doer no partir. Vida que transforma, vida que renova, que corta o peito como o fio de navalha, vida que escancara e traz à tona a efervescência de todo ser, que mesmo sem saber, revela o que está escondido por de trás do véu, que une a terra e o céu, na vida que fica e na vida que vai. O trem que passa na estação e embarca outras vidas na viagem da imensidão, traz dor para quem fica, e alegria do reencontro pra quem vai. No mistério da viagem, não precisa de bagagem, pois que esse trem só leva a essência, a energia de tudo aquilo que se construiu na viagem passageira e na viagem derradeira, a matéria fica para trás. Vida de aprendizagem, constrói no peito a bondade, deixando na curta viagem terrena, tudo aquilo que não presta, para quem sabe viajar, deixa pra trás o que detesta, pois a bagagem desgastada não tem lugar nessa estrada. Quem não vai a estação, deixa uma marca no coração, um vazio sem noção e nessa estrada todos andaremos e no futuro é que veremos, quando olharmos para trás. No arado do preparo, na grade desse solo, jogamos as sementes que são produtos de nossas mentes, para ver o plantio a brotar. Na colheita os frutos brotarão com a energia do coração, e então vamos colher para a alma sustentar, que seja belo meu plantar, que seja simples meu sonhar. 104


REFLEXÕES POÉTICAS DE UM ZÉ NINGUÉM

Lembranças da infância Foi há muitos anos que tudo começou, como uma mera distração, aos poucos foi tomando conta do corpo, da alma e do coração. Eu ainda era uma criança quando ajudava no ateliê de J. Carvalho, preparando telas, preparando tintas, e devagarinho como gota de orvalho a arte foi invadindo, assim, bem lentamente, sem que minha mente tomasse consciência da paixão pela arte. Ainda posso sentir o cheiro da tinta, da goma da tela, do óleo de linhaça, dessa coisa que nunca passa, que nos remete às lembranças de infância. Sem nenhuma pretensão de ser perfeito, bem assim do meu jeito, os primeiros traços, as primeiras pinceladas, como quem não quer nada, apenas diversão e entusiasmo pelo novo. A arte expande a alma para um voo imaginário, remete para um mundo paralelo, um mundo metafísico, aguçando a sensibilidade da alma, formando assim um elo, com o mundo infinito, sem traumas sem tensão.

105


Este livro foi diagramado por AndrĂŠ Hippertt (www.eehdesign.com) com as fontes Glosa Text Roman e Black, Frutiger Light Condensed e American Typewriter. Impresso na PrintMill GrĂĄfica, em fevereiro de 2021.




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.