Faria Lima Avenida Aberta | Largo da Batata Espaço Público

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FARIA LIMA AVENIDA ABERTA LARGO DA BATATA ESPAÇO PÚBLICO

ANDREIA AYUMI MAEDA ORIENTADOR: Prof. Dr. Geraldo José Calmon de Moura UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI JUNHO/2020


CIMENTOS AGRADECIMENTOS AGRADECI Aos meus pais que tanto se esforçaram e se esforçam para eu ter a oportunidade de finalizar a graduação, que apesar de longe nesse trajeto final por conta da pandemia me apoiam e me acalmam. Agradeço a pessoa que divide esses dias sem fim de confinamento, vê a solução e a razão no meio do meu caos e emoção. Aos amigos que me incentivaram e me colocaram pra cima em todas as várias vezes que eu não acreditei que conseguiria terminar e ajudaram a moldar este estudo que tanto já mudou de forma, mas manteve a mesma essência. A todos que passaram pelo meu caminho que contribuíram a sua maneira com o que eu penso hoje e que parte está expresso neste trabalho. E um agradecimento mais que especial para o meu orientador Geraldo Moura, que me ensinou muito durante essa graduação, me acudiu muitas vezes, me deu broncas e me incentivou demais! Não poderia ser outro orientador e não teria conseguido sem ele.


Meu trabalho não tem importância, nem a arquitetura tem importância pra mim. Para mim o importante é a vida, a gente se abraçar, conhecer as pessoas, haver solidariedade, pensar num mundo melhor, o resto é conversa fiada. OSCAR NIEMEYER


SUMÁRIO SUMÁRIO SUMÁR

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PARÂMETROS ATUAIS

CONTEXTO DA SEGREGAÇÃO

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INTRODUÇÃO

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LEI DE TERRAS

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ESCRAVIDÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO E SANITARISMO

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LOTEAMENTOS E AUTOMÓVEIS

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NEOLIBERALISMO

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VIOLÊNCIA E MEDO

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MODELO SEGREGACIONISTA

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ISOLAMENTO DE RICOS E POBRES

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PAPEL DO ESTADO

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ESPAÇO PÚBLICO

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LARGO DA BATATA AV. FARIA LIMA

RIO SUMÁRIO SUMÁRIO SU

LOCAL E PERTENCIMENTO

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RUA

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RUAS ABERTAS

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CONTEXTO HISTÓRICO

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PROPOSTA

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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RODUÇÃO INTRODUÇÃO IN

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A abordagem principal desse trabalho são as relações sociais e as cidades como expressão da qualidade dessas relações. E refletindo para entender a motivação desse estudo específico, notei que em todas as fases da minha vida de alguma forma estive em ambientes cercados de relações sociais muito próximas e isso de certa forma moldou a minha relação com o espaço. Nasci e cresci em uma cidade do interior paulista, o que já muda muito os tipos de relações sociais vigentes de uma metrópole como São Paulo, entretanto, morei toda minha infância e parte da adolescência em um sítio. Meu pai cultivava flores e minha mãe era uma cabeleireira popular muito conhecida, por conta do trabalho dela e dos meus estudos que eles preferiram ser na “cidade”, eu e minha mãe passávamos as primeiras horas do dia dentro de um ônibus para a área urbana, como o bairro era afastado e pequeno, todos os dias eram as mesmas pessoas, os mesmos motoristas e cobradores, o que gerou uma pequena comunidade que se apoiava, sabia quem era quem, o ônibus era o espaço comum. Quando o ônibus eventualmente atolava no barro por conta das chuvas havia uma rede de suporte entre os que estavam ali dentro, pois esperar que viesse outro todos já estariam extremamente atrasados para os seus trabalhos e compromissos. Nós andávamos muito a pé pela cidade, as ruas na minha visão de criança sempre foram diversão aos meus olhos, cada esquina era uma história diferente que minha mãe contava e a cidade se transformava em diversas outras cidades, brinquedos ou situações, de Veneza a montanha russa. Essa relação que a minha mãe fez com que eu criasse com as ruas fez com que depois na adolescência eu amasse andar a pé e sair por


NTRODUÇÃO INTRODUÇÃO aí, observando cada história que se desenrolava ali e imaginando como tinha começado ou como ia terminar. É algo que até hoje eu faço e surgem situações incríveis, que em nenhum outro lugar seria possível. Minha mãe me deixava ficar andando sozinha na cidade, porque ela tinha a sua própria rede de contatos que espontaneamente ficam cuidando de mim. Pela sua profissão de cabeleireira, ela conhece muita gente, a maioria era do bairro. Então quando ela não me achava havia um batalhão de olhos atrás de mim, ou mesmo, alguém sabia onde eu estava mesmo que ela não estivesse me procurando. Por morar em uma cidade do interior, na minha infância os portões das casas nunca estavam trancados, os muros e portões baixos, para as vizinhas que conversaram na rua terem lugares para se apoiar, era comum as pessoas sentadas nas suas varandas olhando o movimento. Na minha adolescência isso já foi se transformando, muros aumentaram - tanto que 10 anos atrás olharam com espanto uma casa que foi feita por um programa de televisão, pois seu muro era baixo, o que mais se discutia era a segurança e por que não haviam feito um muro maior - surgiram grades, cercas elétricas e portões trancados. Mas ainda havia o contato espontâneo entre vizinhos e comerciantes. Ainda há atualmente principalmente nos bairros mais antigos e consolidados. Em algum momento depois de morarmos definitivamente na área urbana, o carro se transformou em um meio de transporte mais utilizado pela minha família, assim como na cidade cresceram os alargamentos das vias em detrimento da diminuição das calçadas. Lembro-me de na infância odiar ir principalmente na feira com a minha mãe, porque a cada minuto ela era

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reconhecida ou ela reconhecia alguém e começavam a conversar sobre a vida e uma criança não tem lá uma grande paciência para esperar. A feira de rua era o grande lugar de encontro das pessoas, tanto que muitos dos candidatos a vereador e prefeito tinham ali como ponto principal de campanha. Nós ainda frequentamos a feira, mas ela já não tem esse papel tão importante. A criação muito ligada ao espaço público e a convivência com diversos tipos de pessoas que entravam e saiam do salão de minha mãe reverberaram em um laço com espaços públicos vivos. Tanto que ir morar em uma cidade nova por conta da faculdade, onde a única coisa que eu conhecia de fato eram os shoppings foi muito diferente. Morava em frente a faculdade, o bairro era composto apenas por estudantes em sua maioria de classe média alta, as ruas - tirando as que haviam bares - eram desertas durante a semana e de fim de semana nenhuma alma viva sequer pensava em sair, pois a maioria dos de ali viviam andam de carro. Apesar do clima de interior em uma cidade grande, era muito estranho andar em ruas sem vida, o que propiciava também os diversos furtos e vidros de carro quebrados. Chegar em São Paulo foi mais estranho ainda, fiquei mais atenta às relações que as pessoas tinham com os espaços e com os outros, variavam de acordo com os bairros, me senti até mais acolhida dentro de uma favela com ruas ativas do que andando sozinha pelas ruas do Jardim Europa sendo encarada por seguranças de lojas. Mesmo durante esse trabalho vi o medo do crime chegar junto com as cercas elétricas e outros aparatos de segurança no prédio onde moro. Não imaginei que seria necessário, esse era o único prédio da vizinhança o qual ainda não havia nenhuma dessas barreiras, o entorno é


NTRODUÇÃO INTRODUÇÃO bem movimentado, têm comerciantes sentados a rua, as pessoas têm interações espontâneas, parecem se conhecer, tem uma pitada das relações que eu via na minha cidade do interior. Mas infelizmente chegou ainda que aos poucos. Ainda não vi a relação com o espaço público se desgastar e espero que isso não ocorra. E compreendendo como a ligação com a cidade e seus espaços públicos influenciam nas suas relações com as pessoas sejam vizinhas ou desconhecidas. Por isso estudei o papel das ruas como espaço de uso público e como apropriações dela tornam o espaço mais democrático. Na primeira parte deste trabalho trato da questão teórica. O primeiro capítulo traz uma contextualização histórica do ponto de vista da segregação socioespacial que definiu muitos dos vínculos e paradigmas que há atualmente. Desde o período que começaram as discussões sobre o fim do tráfico negreiro para o país até como o neoliberalismo e a financeirização acirraram as disparidades econômicas e sociais. O segundo capítulo aborda a segregação nos parâmetros atuais, o que todos os encargos históricos e atuação do capitalismo neoliberal geraram na atualidade: o medo do crime, os muros, a maior disparidade entre as pessoas tanto de renda como de relações sociais. Também como outros países que passaram pelo Estado de bem-estar social sofreram com os ideais neoliberais ou os perpetuaram. E discutir qual o papel do Estado brasileiro nesse cenário, o que ele fez e o que poderia ter feito. No terceiro capítulo depois de mostrar como se consolidou e como atualmente se mostra a segregação socioespacial no âmbito das cidades, ainda existe apesar

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RODUÇÃO INTRODUÇÃO IN

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das distâncias e muros impostos esse movimento de conquista do espaço, de apropriação e luta também que vai na contramão do isolamento. É com o sentimento de pertencimento, a tomada do espaço público pela população, ativação das ruas e atuação do poder público é que problemas como a violência e o medo do crime podem ser superados. Então este capítulo trata de conceitos de lugar, o pertencimento dele e as relações que são dão, sobre a rua, como torná-la mais segura, como ela pode educar as crianças, sobre a necessidade da sua diversidade e como ela é papel chave; exemplos de eventos que quebram a lógica da segregação criando espaços onde há vida e consequentemente cidade; a retomada de um programa de apropriação das ruas nos fins de semana, que gerou a Paulista Aberta, um espaço de lazer muito simbólico. Na segunda parte do trabalho embasada pelos capítulos anteriores é tratado do trabalho projetual, da intervenção, da proposta, tendo como centro a discussão do espaço público como inclusivo e acessível como parte do direito à cidade e quão importante ele é. O início do quarto capítulo aborda o local escolhido a Avenida Brig. Faria Lima e o Largo da Batata e seu histórico desde a importância como local de comercialização de produtos rurais no início do século XX até o centro financeiro e eixo de desenvolvimento que é hoje; se desenvolve para a contextualização do local na cidade, a conceituação da proposta, o recorte do Largo e importância desse espaço e o projeto mais a fundo. O intuito deste estudo é discutir considerando toda essa bagagem que a cidade carrega que tipo de espaço estamos construindo, não somente através da arquitetura e o desenho, mas construindo com as


NTRODUÇÃO INTRODUÇÃO relações humanas; com as apropriações e barreiras que criamos e passamos adiante; com as inseguranças e medos; com as redes de contatos e a malha de suporte que esses contatos geram; com as idealizações viáveis e inviáveis; e principalmente construindo através da bagagem que sociedade do futuro carregará.

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PÍTULO 01 CAPÍTULO 01 CA


APÍTULO 01 CAPITULO 01 C

CONTEXTO DA CONTEXTO DA SEGREGAÇÃO

SEGREGAÇÃO

LEI DE TERRAS ESCRAVIDÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO E SANITARISMO LOTEAMENTOS E AUTOMÓVEIS NEOLIBERALISMO


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O capitalismo na verdade desenraíza e brutaliza a todos, exclui a todos. [...] É próprio dessa lógica de exclusão a inclusão. A sociedade capitalista desenraíza, exclui, para incluir, incluir de outro modo, segundo suas próprias regras, segundo sua própria lógica. O problema está justamente nessa inclusão. (MARTINS, 1997, p.32)

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Segregar por definição trata-se de afastar, separar e isolar, entretanto, a questão possui diversas camadas e uma grande complexidade. Por isso nesse recorte o objetivo é tratar da segregação socioespacial na cidade de São Paulo, quais foram os seus primórdios, como se tornou tão acentuada no contexto da cidade e as responsabilidades do poder público e das elites. O quanto perversamente a cidade foi planejada para fazer isso acontecer e reforçar esse padrão pelas décadas que se passaram até se tornar um problema que não se pode esconder e dar justificativas rasas.

LEI DE TERRAS

No panorama mundial o século XIX é marcado por mudanças no sistema capitalista, de uma economia essencialmente comercial para uma industrial, os adventos tecnológicos e revoluções deste século também contribuíram para iniciar esse novo estágio do capitalismo que atingiu política, econômica e socialmente o mundo (GADELHA, 2005). A Europa é a primeira a se inserir nesse novo contexto, possuindo duas potências industrializadas, Inglaterra e França, em busca de matérias-primas para suas indústrias, fontes de energias para as suas máquinas, e mercado consumidor para seus produtos manufaturados. É nessa busca que os países colonizados se inserem, fontes de material e agora possíveis mercados, já que a própria Europa estava saturada de produtos. Os países industrializados começam a impor para que os outros se adequem ao novo sistema (CAVALCANTE,


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Figura 01- Fábrica Têxtil Inglesa na Revolução

21 fonte: Imagem retirada do Google. Disponível em: https://bit.ly/2VsaAoV

2005). Entretanto, as relações de subordinação das colônias aos países europeus não mudam. (GADELHA, 1989) As transformações desencadearam uma revisão da política de terras em diversos países que decretaram leis sobre esta questão. Transferindo a terra de uma relação de status com o seu detentor para uma relação de posse, sendo incorporada na economia comercial (CAVALCANTE, 2005). O Brasil no início do século XIX possuía uma economia baseada na exportação de café, um produto primário, utilizando a mão de obra escrava (CAVALCANTE, 2005). Como definidas por Fernando Novais, relações pré-capitalistas de produção mercantilescravista, constituídas através do modo que se basearam as relações econômicas e sociais no período colonial: “propriedade do solo, latifúndio, monocultura e escravidão, além da dependência colonial que impossibilitou uma acumulação de capital, provocando,


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consequentemente, pouca monetarização interna” (GADELHA, 1989, p.155). Nesse período as indústrias eram mínimas no país, por conta da dependência colonial e a falta de monetização interna para bancar esses novos processos (GADELHA, 1989). Antes da independência, no período colonial, a metrópole - Portugal - tinha o domínio da terra e apenas o cedia, mas os títulos formais de sesmaria só poderiam ser obtidos pelos chamados homens bons, pessoas brancas e livres, que tinham direitos políticos e podiam fazer parte das câmaras municipais. Quem não se enquadrava nessas definições, só possuía a alternativa de trabalhar para os que tinham acesso aos direitos sobre a terra (MARTINS, 1997). Paralelo ao meio oficial de obtenção de terras há os posseiros, que estão desde o início do período, mas ganham notoriedade no século XVIII e se formalizam como as únicas maneiras de conseguir terras entre 1822 - 1850 com a resolução de 17 de julho de 1822 na qual é suspensa a concessão de sesmarias pelo então príncipe regente D. Pedro (CAVALCANTE, 2005). Os sesmeiros possuíam deveres quando ganhavam as suas terras, a principal era cultivar, como muitos não cupriram esse acordo, nasceram os posseiros que passaram a ocupar e cultivar nas terras. Inicialmente eram as figuras de pequenos lavradores e ameaça ao sistema oficial de sesmaria. Entretanto, com o passar do tempo se tornaram grandes donos de terra, fazendo com que sesmeiros se tornassem posseiros (CAVALCANTE, 2005). Devido a transformação mundial industrial, as pressões dos países industriais para acabar com o tráfico negreiro se tornaram cada vez mais fortes, pois sem a economia baseada na servidão haveriam novos mercados consumidores (CAVALCANTE, 2005). Assim o tráfico começou a ver o seu fim, não por uma questão humanitária, mas sim econômica. A junção dos dois fatores: o espraiamento dos posseiros e a eminente ilegalidade do tráfico escravo necessitava de uma ordenação jurídica para esses arranjos, revalidando e legitimando posses das


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sesmarias, e articulando como seriam as novas mãos de obras (CAVALCANTE, 2005). Importante destacar que esta ordenação jurídica não foi elaborada pela nação brasileira, porque esta nesses 300 anos de colônia teve total ausência de acumulação de capital, o que não quer dizer que não houve concentração de riqueza, o qual estava na mão dos membros da oligarquia - latifundiários Figura 02 - Escravos em terreiro de uma fazenda de café

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fonte: Marc Ferrez - Vale do Paraíba, 1882

e escravocratas - e estes seriam os que elaboraram a ordenação jurídica, instituindo assim o mesmo sistema latifundiário patrimonialista, característico até os dias atuais. Como MARTINS (1997) explica a escravidão tinha também o papel de impedir os pobres de ter acesso às terras devolutas e livres que estavam disponíveis para ocupação. E conforme a crise do regime de escravidão foi se consolidando, desde as imposições da Inglaterra para o fim do tráfico negreiro, o Parlamento Brasileiro se articulou para produzir uma legislação que assegurasse


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aos grandes proprietários a mão-de-obra que ficaria escassa com o fim do regime servil. Resultando em 1850 na lei que promoveu o fim do tráfico negreiro e a Lei de Terras. Antes de se configurar como a Lei de Terras, 1850, houveram projetos mais inclusivos e queriam conter os abusos dos sesmeiros e grandes proprietários do que o aprovado como: o de José Bonifácio, que propôs que as terras não cultivadas dentro de um período voltassem para o Estado, deixando o dono da terra com um pequeno pedaço para cultivar, incluía a venda, mas proibia a doação e queria beneficiar outras camadas da população como índios, mulatos, negros forros e europeus pobres. Porém a intervenção pública na distribuição de terra, proibição de apropriação de novas terras e obrigatoriedade de cultivo desagradou os interesses dos sesmeiros e grandes posseiros; o projeto do Padre Diogo Feijó também queria instituir a obrigatoriedade da utilização da terra, se não esta deveria ser vendida dentro de 5 anos e legitimaria somente sesmeiros que a detivessem por mais de 10 anos sem contradições, o parcelamento seria feito pela unidade familiar, democratizando o acesso à terra para pelo menos minimizar os efeitos da concentração fundiária (GADELHA, 1989). Ambos os projetos não saíram do papel, pois interferiam nas ideias das oligarquias. Somente quando o partido conservador assume novamente o governo que são retomadas as discussões da implantação da Lei de Terras (GADELHA, 1989). Todavia, mesmo com o partido conservador no poder a promulgação do projeto final com alterações foi adiada pelo auge das plantações de café no interior paulista. Este projeto feito pelo Deputado Joaquim José Rodrigues Torres expressava os desejos das oligarquias, resguardando o direito à propriedade e monopólio do uso por meio de instrumentos jurídicos. Seu único mínimo avanço seria a possibilidade de venda de terrenos devolutos para os colonos, mas que só poderia ser adquirido depois de trabalharem três anos no mínimo nas terras dos fazendeiros, prendendo mão-de-obra pelo menos por um período nas terras. Apesar disso a ideia


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era encarecer as terras para quem possuísse força de trabalho, tornando-as inacessíveis e impedindo a posse gratuita aos menos favorecidos (GADELHA, 1989). Durante o período que a promulgação do projeto foi retardado pelos fazendeiros tomaram o controle e domínio dos processos de posse da terra. No Vale do Paraíba espalhavam-se as plantações de café, ampliavam-se os latifúndios em áreas antes dedicadas às lavouras de subsistência, agora cada vez mais exploradas pelo trabalho escravo. Conseqüentemente, expulsavam-se moradores e pequenos posseiros, que outrora pontilhavam o caminho tantas vezes trilhados pelos tropeiros [...]” (GADELHA, 1989, p.158)

A Lei de Terras é promulgada oficialmente em 1850 e marca o início da era capitalista no Brasil. Ela é a nossa atual base para o direito da propriedade, substituiu o Estado como detentor das terras que as cedia, para a ocupação de terras devolutas que só poderiam ser feitas através da compra. Assim como já mostrado antigos escravos e imigrantes, teriam que trabalhar para os grandes proprietários ao invés de ocuparem por contra própria terras disponíveis (MARTINS, 1997). O objetivo capitalista dos novos proprietários está enrustido nesse processo, as posses deveriam ser reconhecidas através de títulos e barreiras foram impostas ao acesso do solo pelos mais favorecidos, sobrando a eles a força do trabalho (GADELHA, 1989). Esse favorecimento das elites oligárquicas pelo Estado em detrimento da subordinação dos pobres mostra como realmente a segregação socioterritorial não é uma situação criada do acaso ou uma mera consequência não pensada. Ela tem articulações muito bem elaboradas que tem consequências nos dias atuais. Que é o que registra RONIK (2015):

[...] pude formular a hipótese de que a hegemonia da propriedade individual escriturada e registrada em cartório sobre todas as demais formas de relacionamento com o território habitado constitui

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um dos mecanismos poderosos da máquina da exclusão territorial e de despossessão em marcha no contexto de grandes projetos, sejam eles de expansão da infraestrutura e desenvolvimento urbano, sejam de reconstrução pós-desastres.” (ROLNIK, 2015, p.13).

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Consoante com o que foi descrito pela Rolnik que a propriedade privada é a principal fonte de segregação espacial, é possível notar a importância da lei de terras no contexto atual, os seus ecos diários, e o seu alinhamento com as elites e o capitalismo. Foi a partir dela que a terra começou a ser encarada como mercadoria geradora de lucro e diferenciou solo público e privado (MARICATO apud NEGRI, 2008). Também é importante ressaltar que a lei apesar dos seus grandes impactos foi mais um processo de discussão de grupos que sustentavam o império e em poucos momentos teve a intenção de interferir nos interesses da elite política e econômica, reforçando e estimulando a tradição latifundiária brasileira (CAVALCANTE, 2005).

ESCRAVIDÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO E O SANITARISMO A princípio é necessário ressaltar que mesmo com a lei Eusébio de Queiroz proibindo o tráfico negreiro não houve uma imediata suspensão, sem causar impacto imediato na mão-de-obra. pois de acordo com Cavalcante (2005) entre 1840 e 1850 chegaram no Brasil cerca de 500 mil escravos e como as culturas tradicionais do colonialismo estavam em decadência os cativos desses locais foram para as áreas do centro-sul, ocasionando um tráfico interprovincial. As áreas centro-sul na qual foram os escravos das antigas culturas estão insurgindo com a cultura do café e é onde começa a decair a renda que foi capitalizada em seres humanos - escravos - e passam a ser substituídos pelo valor agregado nas terras (BOTELHO, 2007). A partir de 1880 com o fim do tráfico surge a


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Figura 03 - Vale do Anhangabaú na chamada Belle Époque Brasileira, quando São Paulo era a cidade da elite cafeeira.

27 fonte: Guilherme Gaensly - São Paulo, 1920

disponibilidade de capital dos fazendeiros e comerciantes e a possibilidade de investimentos em outras atividades econômicas, contribuindo para que a sociedade brasileira se adapte às exigências do capitalismo (CAVALCANTE, 2005). Assim os imóveis urbanos se tornaram uma das melhores opções de investimentos, por conta do crescimento demográfico, o aumento da demanda de todas as classes por moradia e sendo uma aplicação segura em meio a uma conjuntura política incerta desde do fim do império. A economia cafeeira também não era estável, depende dos fatores climáticos, produtividade e outros fatores ligados às intempéries da natureza, fortalecendo mais os imóveis como opção segura de investimento (BOTELHO, 2007). A intensificação do modelo agroexportador de café no século XIX e na embrionária industrialização as cidades ganharam papel protagonista na economia, sendo o local de comando da economia agroexportadora


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(OLIVEIRA apud FERREIRA, 2011). A economia cafeeira estava em seu auge, São Paulo era a cidade das elites cafeeiras, ostentando a crescente riqueza. Diferente de diversos países que passaram pelo Estado de Bem-Estar-Social, no Brasil não houveram políticas que se aproximaram desse tipo de Estado, sendo assim os investimentos em infraestrutura das cidades se localizam nas áreas ocupadas pelos setores de alta renda, financiados pelos interesses dos novos mercados imobiliários (VILLAÇA apud FERREIRA, 2011). Em contraponto com a precariedade das condições de vida da maior parte dos habitantes, que conviviam com a violência urbana, moradias com péssimas condições de saúde pública, exploração do Figura 04 - Cortiço na Avenida Nove de Julho, 1930

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fonte: B. J. Duarte - São Paulo, 1930


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trabalho e instrumentos de isolamento espacial e coerção pública (CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004). Esse novo papel das cidades culminou na ideia de ter grandes centros urbanos desenvolvidos que fizessem frente às cidades europeias, não poderiam mostrar o atraso tecnológico e econômico do país (NEGRI, 20008). As reformas para obter estes centros urbanos utilizaram modelos estéticos e paisagísticos de embelezamento das cidades e se valendo de ideais sanitaristas “esconderam” a pobreza (NEGRI, 2007). A partir da década de 1890, o regime republicano coloca como prioridade a salubridade física e moral no espaço urbano implantando políticas sanitaristas com a justificativa de eliminar epidemias, mas produzindo medidas segregadoras e afetando a população mais pobre. Para realizar a requalificação do centro urbano de São Paulo expulsaram usos e moradores considerados indesejáveis dos seus territórios e acreditando resolver o problema das moradias delegaram as ao rentismo privado nas áreas mais afastadas da cidade, somente instituindo regulamentações sanitárias mínimas, para assim as intervenções públicas poderem se concentrar em bairros de elite (CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004). As intervenções urbanísticas dessa época conforme descrito por CAMPOS (2004) foram resultado da colaboração entre municípios, Estado, empresas e empreendedores particulares, mostrando que o caráter dessas intervenções eram para beneficiar os interesses dessa camada abastada da sociedade. Para isso, houve a regulação da atuação do mercado imobiliário, implantaram projetos de saneamento ambiental e de outros instrumentos urbanísticos (BOTELHO, 2007).

LOTEAMENTOS E AUTOMÓVEIS

No início do século XX, a industrialização na capital está consolidada e a racionalidade do capital monopolista se mostra nas grandes concessionárias de

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O modelo surgiu na Inglaterra do século XIX em contraposição ao modelo de cidade industrial, segundo a professora da FAU-USP Regina Maria Prosperi Meyer. Este iniciou no Brasil com a Companhia City em 1912, sua primeira inauguração de um bairro jardim foi o Jardim América, projeto conjunto com a Light. (VASQUES, 2012). 1

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Disponível em: <https://acervo.estadao. com.br/noticias/personalidades,washington-luis,566,0.htm> 2

Disponível em: <https://vejasp.abril.com.br/ cidades/quem-foi-francisco-prestes-maia/> 3

serviços públicos como iluminação, bondes - transporte público - loteadoras e indústrias, que mantiveram seus funcionários em vilas próximas ao trabalho, sejam em bairros ou mesmo cortiços (BOTELHO, 2007). Até 1923 a legislação não contemplava o loteamento como um instituto urbanístico de parcelamento do solo, somente os arruamentos eram considerados pela necessidade da cobrança de impostos. Com a Lei de Loteamentos, a começou a abranger tanto os arruamentos quanto os loteamentos. A sua concretização se deu pela pressão da Companhia City (City São Paulo Improvements and Freehold Land Company Ltd.), interessada na urbanização de bairros para as elites paulistanas, tanto que a lei previa lotes mínimos de 300 m², hierarquização das vias, traçados livres, áreas verdes, como num bairro-jardim¹. No entanto a Câmara acrescentou as “ruas particulares”, que não teriam a necessidade de atender os padrões urbanísticos, abrindo grandes oportunidades aos loteadores clandestinos e maior efetividade na expulsão da população mais pobre para lotes periféricos sem infraestrutura. Reforçando esse movimento, no início do século XX há a proliferação de ruas e avenidas, e um novo protagonista urbano: o automóvel, que foi muito bem recebido pelas elites visando diminuir seu tempo de deslocamento pela cidade. Logo foram tomando conta das ruas e pátios do centro, a partir de 1924 surgiram os ônibus que ameaçavam o monopólio da Light, que administrava além da energia elétrica o sistema de bonde, o principal meio de locomoção (CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004). O ideário rodoviarista divulgado por Washington Luís - prefeito de São Paulo em 1913-1919, presidente do Estado de 1920-1924 e o último presidente da república velha (1926-1930), indicado pelas oligarquias nacionais na política do café com leite que vigorava na época2 ganha novos patamares quando em 1930 é apresentada a proposta do Plano de Avenidas de Francisco Prestes Maia - engenheiro e depois prefeito de São Paulo nomeado por Vargas de 1928-19453 - um plano radioconcên-


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trico com vias radiais e perimetrais para acabar com os congestionamentos que já dominavam o centro e construir um plano de expansão ilimitada para a cidade. “(...) Prestes Maia era totalmente alinhado com os ideais de desenvolvimento urbano rodoviarista, expansionista e liberalizantes em relação aos interesses da promoção imobiliária.” (SILVA apud CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004, p.110). A introdução desse novo modo de transporte sob pneus, aliado aos grandes fluxos migratórios para o município que estava com a sua indústria em consolidação, incentivou cada vez mais os loteamentos clandestinos nas franjas municipais. A ocupação efetiva dos loteamentos mais afastados dependia da conexão com o centro e com o resto da cidade. Dos anos 1920 até os anos 1940 materializou-se a transformação de uma cidade cujo transporte público funcionava sobre trilhos em uma cidade onde o transporte sobre pneus se tornou hegemônico (CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004 p.102).

Nos anos 1930 de acordo com SILVA (apud CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004), as “ruas particulares” já tinham área maior que as ruas oficiais, em 1932 com a taxa de calçamento revogada houve a possibilidade de regularizar esses loteamentos clandestinos, prática que vai se consolidar ao longo dos anos. E como dito na citação acima os loteamentos estão ligados intimamente ao sistema de transporte público de ônibus, para transportar essa nova população a frota foi crescendo tanto que “[...]Em 1941, noventa linhas de transporte urbano cortavam suas ruas com mais de 3 mil ônibus, superando muito os quinhentos bondes elétricos.”(TOTA apud CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004, p.121). Outras legislações de extrema importância para entender a questão da segregação foi a instituição do sistema de vendas a prestação em 1937 e logo depois em 1942 a Lei do Inquilinato4 , que desestimulou a produção rentista de moradias. Agora juntando os fatores que

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Decreto-Lei nº 4.598, de 20 de Agosto de 1942. Disponível em: <https:// www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/ decreto-lei-4598-20-agosto-1942-414411-publicacaooriginal-1-pe.html>. 4


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5 Disponível em: <http://

educacao.globo.com/ geografia/assunto/urbanizacao/urbanizacao-brasileira.html>

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estavam incidindo nesse período: a migração em massa, crescimento demográfico, a flexibilidade na legislação para as “ruas particulares”, o transporte sobre pneus, o Plano de Avenidas, a crise na produção rentistas, consequentemente a valorização dos terrenos e possibilidade de comprar a prazo, as frágeis políticas habitacionais do Estado resultaram no afastamento da população de baixa renda para as autoconstruções em lotes periféricos comprados a prazo e acessíveis por ônibus, mas sem infraestrutura necessária (NEGRI, 2008). Neste período, segundo Maricato, o Brasil teve um alto índice de crescimento da sua população urbana, assim como a maioria dos países latino americanos, principalmente da segunda metade do século XX altos (NEGRI, 2008). Segundo IBGE5 , em 1940 a população urbana era de 31,24% do total - 18,8 milhões de habitantes - no ano 2010 passou para 84,36%, ou seja, a população urbana cresceu em ritmos altos. Nesse contexto de expansão populacional que a especulação imobiliária se tornou intensa. O intenso fluxo de migrantes do nordeste para a capital gerou uma falta de lotes e a alta dos preços dos lotes próximos a áreas mais densamente ocupadas da cidade fez com que essa nova população se estabelecerem em locais mais afastados (LANGENBUCH apud BOTELHO, 2007). Com as indústrias se fixando ao longo das ferrovias nos vales próximos aos rios, os operários tinham o estímulo da proximidade e também da construção de moradias próximas pelos proprietários das indústrias de se fixar ali - “fora da cidade” no entorno das estações, onde os terrenos têm preços mais baixos (BOTELHO, 2007). A enorme oferta de lotes baratos – pois distantes e desprovidos de benfeitorias urbanas –, podendo ser pagos a prestação, com a possibilidade de serem ocupados sem os custos e os aborrecimentos envolvidos na feitura e aprovação de uma planta e sem o risco de perturbação pela fiscalização viabilizou o mercado de loteamentos distantes e criou uma alternativa


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habitacional de massa para os trabalhadores (Bonduki apud BOTELHO, 2007, p.25)

Com a intensificação da escassez de moradia na década de 1940 surgem as primeiras favelas, localizadas em terrenos municipais (BOTELHO, 2007). A expansão cada vez maior desse processo de ida para a periferia das camadas mais pobres aumenta em 1960, a cidade ilegal representa a maior parte da área urbanizada e é onde vivem a maior parte dos habitantes da cidade (BOTELHO, 2007). Enquanto isso, o comércio e vida boêmia da elite paulistana concentrada no Centro Novo começa a se deslocar para o sudoeste, nesse primeiro momento para a Avenida Paulista, Rua Augusta e Jardins. Até a década de 1960 há um progressivo abandono do centro que se completa nessa década com bairros exclusivos da elite. O Centro se consolida como local do comércio popular associado com as atividades industriais e serviços especializados, assim como moradia das classes médias e baixas, deselitizando essa região que por muitos anos foi o eixo principal das classes abastadas (FELDMAN apud CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004). A evasão do centro da cidade em detrimento da valorização do quadrante sudoeste da cidade, produziu Figura 05 - Avenida Paulista, 1902

fonte: Guilherme Gaensly - São Paulo, 1902

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uma grande degradação da área, tornando-a problema social, mas sempre alvo de projetos de revitalização, pois envolvem importantes interesses imobiliários e financeiros (BOTELHO, 2007). A valorização do eixo sudoeste está associada com ação impulsionadora da Companhia City, a mesma que anteriormente pressionou a criação da Lei de Loteamentos para desenhar bairros para a população de alta renda, também incentivou a ocupação desse local por essas camadas da população e o poder público a investir em infraestrutura com a garantia de valorização imediata dos empreendimentos. A infraestrutura que estruturou tanto as mudanças de eixo, quanto as desigualdades no território, foi o principal investimento exigido do poder público para essa nova região: as vias. Mas presencialmente as perimetrais, pois são as que mais valorizam e atraem os interesses imobiliários por ligarem bairros nobres entre si, diferente do que acontece com as radiais, que por mais que passem por locais mais valorizadas conduzem majoritariamente o transporte público e usuários de baixa renda (VILLAÇA apud CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004). Se observar as legislações novamente nota-se desde sempre o favorecimento dos objetivos político-sociais e econômicos das elites (VILLAÇA apud CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004), o zoneamento é um grande exemplo, De 1964 até 1972, Nery Jr. identificou 17 decretos e 18 leis regulando o zoneamento na cidade e, de 1972 a 1984, 62 leis. A maioria das alterações introduzidas referia-se a bairros de classe média alta ou alta localizados no quadrante sudoeste da cidade. (VILLAÇA apud CAMPOS, GAMA, SACCHETTA., 2004, p.154)

Este também reforçou a segregação presente na legislação urbanística, classificando apenas algumas tipologias como permitidas, sem abranger


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a maior parte das habitações populares da época. Em 1957, um estudo realizado pela Sagmacs (Sociedade para Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais) já apontava a periferia como “[...] uma zona de penúria extrema, onde os equipamentos urbanos eram inexistentes ou estavam em fase inicial de implantação[...]” (GROSTEIN apud CAMPOS, GAMA, SACCHETTA,2004, p.131) além de apontar também um direcionamento e mais peso de investimentos públicos nas áreas centrais em função da periferia que era a área em expansão exponencial, onde quase ou não houve investimento na época. Coincidentemente nas periferias se concentram as populações mais pobres e vulneráveis, e com esse direcionamento dos investimentos do Estado, na periferia há uma grande carência de infraestrutura e equipamentos públicos assim como o acesso. Isso ainda combinado com a permanência de estratégias de controle social por meio da polícia, característica que permaneceu da primeira república. No decorrer das décadas de 1950 a 1970, são reguladas extensas áreas de arruamentos e loteamentos clandestinos, os processos só multiplicavam e a periferia continuava a se replicar nos moldes da década de 1930, sem qualidade urbanística ou suporte do poder público. Nesse processo os loteamentos nunca foram desconhecidos do poder público, foram ignorados por ele, pois assim eximia a sua responsabilidade de investir naquela área (GROSTEIN apud CAMPOS, GAMA. SACCHETTA, 2004). Além de que do ponto de vista do loteador era uma ótima maneira de se fazer um loteamento de sucesso, o investimento era baixo com garantia de venda. Devido ao desemprego, constante arrocho salarial e a grande rotatividade no trabalho a população trabalhadora sentiu maior dificuldade de ter acesso a propriedade - mesmo sendo irregular - para realizar a autoconstrução, as soluções encontradas foram as favelas, cortiços ou a ida para áreas mais distantes, nas divisas do município (BOTELHO, 2007).

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NEOLIBERALISMO

No mundo do fim da década de 1970 a década de 1980, para conter a crise gerada pelo “declínio da lucratividade dos setores fordistas, a intensificação da competição internacional, o agravamento da desindustrialização e do desemprego em massa e a suspensão da política monetária do sistema de Bretton Woods.” (ROLNIK, 2015, p.30) foram instituídas um conjunto de políticas a qual chamou-se de neoliberalismo, entretanto, por causa dessas medidas componentes institucionais básicos que sustentavam o Estado de bem-estar-social foram desaparecendo. A partir desse momento o neoliberalismo começou a ganhar influência nos países, pois - mais especificamente no caso do Brasil – o Estado já legislava, produzia políticas em benefício das elites e se isentava dos problemas das periferias, foi uma ótima maneira de delegar as funções que deveriam ser exercidas por ele para a iniciativa privada, com a justificativa de possíveis cortes de gastos. 36

No chamado neoliberalismo, o Estado se torna o estado mínimo, que abre mão de suas responsabilidades sociais; a sociedade civil é que tem de resolver os seus problemas. (MARTINS, 1997, p.36-37) Os Estados seriam “[...] “facilitadores”, cuja missão é abrir espaço e apoiar a expansão dos mercados privados.” (ROLNIK, 2015, p.36) para este prover habitação adequada a todos. A entrada desse modelo de atuação foi forte que técnicos do Departamento de Infraestrutura Urbana do Banco Mundial, Stephen Mayo e Shlomo Angel, afirmam que: “os governos deveriam renunciar a seu papel de provedores de habitação de custo acessível e se tornar facilitadores.” (ROLNIK, 2015, p.79), deixando o mercado agir, regulando a si mesmo e o Estado se tornando mínimo. Esta transferência de responsabilidade foi hegemônica e a ideia de casa própria se tornou protagonista e única na política de provisão de habitação popular. O que se aproxima muito com o modelo habitacional seguido pelo Chile e descrito pela Rolnik


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(2015), lá houve a mesma mudança das funções do Estado para o mercado privado com a oferta de capital para a compra da moradia própria. Nas décadas de 1960 e 1970 as provisões de incentivos eram as únicas políticas habitacionais em muitos países, principalmente as isenções fiscais e subsídios aos juros. Entretanto essa política de créditos, a desregulação dos aluguéis e a mercantilização habitacional destruiu possíveis alternativas de acesso à habitação, colocando a compra da moradia como única solução para moradia adequada, afetando profundamente o exercício do direito à moradia (ROLNIK, 2015). Acirrando mais as consequências tomadas desde a Lei do Inquilinato, a primeira medida para o incentivo da “casa própria” como única saída. Como dito por Nouriel Roubini, a moradia se transformou “[...] numa espécie de caixa eletrônico capaz de funcionar como garantia de empréstimos para financiar o consumo [...]” (ROLNIK, 2015, p.38/39). No mundo a questão da financeirização da moradia, a sua transformação em um commodity financeiro na mão do mercado privado administrar e como isso acarretou danos profundos e não controlados pelo Estado, o que ficou evidente nos EUA na crise imobiliária das hipotecas em 2008 “[...] quando a bolha estourou e os riscos e ônus recaíram sobre os endividados. Foram estes que, tendo sua existência exposta às oscilações do jogo especulativo das mercadorias fictícias, sofreram as consequências reais da crise: transformaram-se de endividados em sem-teto.” (ROLNIK, 2015, p.40/41). Fica visível a tamanha perversidade que pode atingir a especulação imobiliária, além de mostrar que quem é mais prejudicado e arca com as maiores consequências são os moradores, população de classe média baixa, que não possuía mais um teto e condições financeiras de retomar suas vidas. Dentro desse contexto que se consolidam e se expandem em larga escala de número de habitantes e núcleos das favelas. Já haviam referências das primeiras nos anos 1940, em 1950 se estimavam 141 núcleos e

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CAMPOS, et al., 2004, p.127. 6

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50 mil moradores nas comunidades da capital6 . Gerado pelo empobrecimento da população, a falta de alternativas de habitação social, a própria regulação fundiária excludente desde os primórdios, principalmente o modelo de urbanismo de expansão ilimitada com os transportes baseado no automóvel, empurrou a população para as franjas urbanas, normalmente áreas ambientalmente frágeis e com risco de desastres. E os locais anteriormente ocupados pelas classes baixas nos anos 1940 e 1950, nas antigas áreas industriais, depois da crise de 1980 e 1990 viraram locais de empreendimentos de classe média que com a crise perderam poder aquisitivo e recorreram a autofinanciamentos através de consórcios habitacionais e cooperativas (BOTELHO, 2007). Diferente das classes médias e baixas as crises econômicas não atingem o mercado imobiliário destinado às camadas mais altas da população por dependerem menos de financiamento público ou privado, o setor preferido do mercado. Durante a década de 1990 novas modalidades de captação de recursos para o setor imobiliário começam a surgir por conta a entrada dos capitais estrangeiros, da globalização e a transformação de ativos imobiliários em ativos financeiros. Estes são os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) e os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), ligados aos capitais financeiros, são aplicados no eixo sudoeste da cidade o reafirmando como área privilegiada e de grande valorização (BOTELHO, 2007). A partir desse período com a maior financeirização, entrada do mercado nas relações imobiliárias e saída da responsabilidade do Estado nas transações, gera um movimento na direção de formação de cidades mais fragmentadas e segregadas. Pois, quanto maior o controle na produção imobiliária (e particularmente a habitacional) pela lógica do mercado, maior será o nível de fragmentação do espaço e de segregação socioespacial na cidade, já que só os que podem pagar poderão ter acesso irrestrito ao que Henri Lefebvre (1999) chamou de “as positividades do urbano” [...] (BOTELHO, 2007, p.34)


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Levando em consideração o que apurou Huchzermeyer (2004) de que a segregação social e a polarização da ocupação territorial são diretamente ligadas a variedade de subsídios habitacionais oferecidos e o quanto o governo é envolvido, é possível notar que a ligação apurada por ele prevalece em São Paulo. As populações mais pobres paulistas tiveram poucas opções de subsídio, caindo principalmente no abate de juros e isenções fiscais, e o governo se ausentou das responsabilidades por muitos anos (BOTELHO, 2007). Importante reforçar quão forte é a ligação da tríade: planejamento radioconcêntrico, automóveis e lotes periféricos ocupados pelos pobres: Um modelo de cidade concentrador de oportunidades de desenvolvimento econômico e humano em setores restritos do território (onde vivem e circulam os segmentos de mais alta renda), aliado à expansão permanente de periferias homogêneas e escassamente urbanizadas, foi historicamente alimentado por uma política de suporte à circulação de automóveis privados e de manutenção de um sistema de transporte coletivo por ônibus de baixíssima qualidade. (ROLNIK, 2015, p. 271-272)

Esse padrão gera também atualmente um dos grandes problemas de mobilidade nos horários de pico, as viagens pendulares e os bairros dormitórios. É preciso destacar o papel desempenhado pelo Banco Mundial que compactuava fortemente com a mercantilização das moradias, deixando o marcado privado atuar como é visível na declaração - já citada – dos técnicos do Departamento de Infraestrutura Urbana do Banco, pois assim eles teriam uma ótima “[...] oportunidade de se envolver em processos de reajuste econômico mais amplos nos países credores, particularmente naqueles mais impactados pela crise da dívida.” (ROLNIK, 2015, p.80). Nas décadas de 1980 e 1990 houveram avanços na legislação em relação ao direito à moradia e a cidade,

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como a incorporação de um capítulo na Constituição de 1988 sobre [...] política urbana, estruturado em torno da noção de função social da cidade e da propriedade, do reconhecimento dos direitos de posse dos milhões de moradores das favelas e periferias das cidades do país e da incorporação direta dos cidadãos aos processos decisórios relacionados a essa política. (ROLNIK, 2015, p.264-265).

E após isso em 2002 a lei do Estatuto da Cidade foi aprovada. Porém, na mesma época que avança a hegemonia da globalização de capital e das finanças, assim como as políticas e agendas neoliberais, e o padrão discriminador e desigual da cidade. Portanto, o recuo da intervenção do Estado em geral, no ajuste e estabelecimento de instituições de mercado, entrada de capital e instituições estrangeiras, e incentivo às privatizações. A economia política do momento tinha a eficiência dos empreendedores privados como extrema certeza e caminho a ser seguido, mas substituiu os direitos sociais e a cidadania pela inclusão pelo consumo.

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Ele (processo de exclusão) cria uma sociedade paralela que é includente do ponto de vista econômico e excludente do ponto de vista social, moral e até político. (MARTINS, 1997, p.34)

Um exemplo citado por Martins de como a inclusão é feita somente por meios econômicos, negligenciando todos os outros âmbitos. Isso aparece de maneira dramática no caso das crianças. As crianças de Fortaleza que se dedicam à prostituição para ganhar a vida, aqui mencionadas, não são excluídas: elas são incluídas como prostitutas, isto é, como pessoas que estão no mercado possível de uma sociedade excludente que é essa.


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Elas estão vendendo um serviço, recebendo dinheiro para sobreviver. (MARTINS, 1997, p.33)

Cabe retomar a ausência de políticas compensatórias, num histórico de concentração de poder político e econômico e patrimônios nas mãos da elite, que com o avanço do neoliberalismo se agravou e pendeu a agravar a situação das classes mais baixas pela exclusão socioespacial por conta da especulação da terra. Nas periferias há uma sobreposição de fatores de exclusão: “[...] a baixa escolaridade, a precariedade das condições habitacionais, a alta mortalidade infantil, os altos índices de homicídios.” (CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004, p.174). E como causa do grande aumento das desigualdades, tensões e exclusões acentua-se as ações violentas, que atingem diretamente essas populações mais vulneráveis, e principalmente a convivência urbana, impactando na reestruturação das cidades. Produzindo novas formas de segregação e discriminação, os cenários enclausuradores tanto para as classes mais pobres quanto as mais ricas. Nos anos 1990 também que o narcotráfico entra nas cidades. Sob a égide da violência as classes médias e altas se fecham em bolhas condominiais, shoppings centers, privatizando os espaços públicos e implantando uma vigilância constante. Já nas periferias crescem os bairros dormitórios e a convivência com a própria violência o medo de estar nas ruas (CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004).

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PÍTULO 02 CAPÍTULO 02 CA


APÍTULO 02 CAPITULO 02 C

PARÂMETROS PARÂMETROS ATUAIS ATUAIS VIOLÊNCIA E MEDO MODELO SEGREGACIONISTA ISOLAMENTO DE RICOS E POBRES PAPEL DO ESTADO NA SEGREGAÇÃO ATUAL


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VIOLÊNCIA E MEDO

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Nos anos de 1980 e 1990 há um grande processo acontecendo na América Latina: a transições democráticas, países como o Brasil, Chile, Argentina, Bolívia e Uruguai passaram por regimes ditatoriais nos anos de 1960 e 1970 e nesse momento estavam se redemocratizando (CALDERA, 2011). Este entrelaçam outros processos de transformação econômica e social: o regresso do crescimento demográfico; a recessão econômica causada pela crise, gerando empobrecimento das camadas mais pobres, que aliado às melhorias da periferia aumentou a população vivendo em favelas e cortiços; a desindustrialização e expansão das atividades terciárias; o deslocamento das classes mais ricas para fora do centro, indo para a periferia; e a extensiva difusão do medo do crime e da violência, levando as pessoas buscar formas mais seguras de moradia (CALDERA, 2011). O medo do crime veio do seu aumento em meados dos anos 80 provocando estratégias de reação e de proteção dos espaços pela população. Junto com o medo os preconceitos articulados no que Caldeira (2011) chama de “fala do crime” ajudam a impor distâncias e separações dos diferentes grupos sociais, aumentando a desconfiança e tensões entre eles e multiplicando regras de evitação e exclusão (CALDEIRA, 2011). A “fala do crime” está no cotidiano, expressa: As narrativas cotidianas, comentários, conversas e até mesmo brincadeiras e piadas que têm o crime como tema contrapõemse ao medo e à experiência de ser uma vítima do crime e, ao mesmo tempo, fazem o medo proliferar. (CALDEIRA, 2011, p.9)

Mas também, [...] constrói sua reordenação simbólica do mundo elaborando preconceitos e naturalizando a percepção de certos grupos como perigosos. Ela, de modo simplista, divide o mundo entre o bem o mal e criminaliza certas categorias sociais (CALDEIRA, 2011, p.10).


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Criminalizando simbolicamente grupos sociais. Esse processo é tão difundido que as vítimas dos estereótipos acabam reproduzindo-o e produzindo discriminação social (CALDEIRA, 2011). [...] a violência que redesenhou as cidades nas últimas duas décadas e que permanece como uma das questões urbanas centrais é estrutural e institucional. Representa uma das formas mais visíveis de dominação étnica e de classe e impõe limites para a extensão da cidadania e da democracia ao conjunto do território [...]” (ROLNIK, 2015, p.274-275)

Houve nesse período de redemocratização, um grande avanço dos ideais neoliberais no Brasil, combinado com a crise econômica dos anos 1980, agravaram o histórico de disparidade social, concentração de recursos econômicos e políticos na mão de poucos e falta de políticas compensatórias. Esse aumento da desigualdade e acirramento das tensões intensificam as ações violentas, principalmente nas periferias (ROLNIK apud CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004). E atrelado a isso nos anos 1990, veio o narcotráfico e a disseminação das armas de fogo que foram logo ligados a violência urbana, ela que ganha notoriedade no debate público contemporâneo e se expande rapidamente nas grandes regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro (HUGHES, 2004). A sua origem, porém, não deve ser ligada somente entorno do tráfico, deve-se levar em consideração como descrito por Hughes (2004) a disseminação de armas letais, a banalização da vida e a valorização do consumo imediato de bens como sinal de status em alguns contextos sociais e o extremo empobrecimento, aumentando os crimes contra pessoas e bens. A sua origem, portanto, está intimamente ligada aos problemas socioeconômicos e as ações violentas de segurança pública que incidem sobre a população urbana mais pobre desde o século XIX7 . Ações que são toleradas por boa parte da população, que em várias oportunidades consideram alguns direitos de cidadania dispensáveis para

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7 “[...] desde fins da dé-

cada de 1860, uma experiência cosmopolita como pouca em todo o planeta, conviveria, portanto, com a violência urbana, as péssimas condições de moradia e de saúde pública, a exploração do trabalho, tudo mesclado com a implementação de instrumentos de reclusão espacial e de coerção pública.” (MARINS apud CAMPOS, GAMA, SACCHETTA, 2004).


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certas populações, como os direitos humanos. A associação das condições sociais de pobreza e a violência não quer dizer que estas pessoas tenham alguma tendência ou predisposição a violência, significa uma maior penalização dessa população, que está mais exposta à violência tanto dos conflitos internos ou entre organizações criminosas, quanto dos embates com policiais (HUGHES, 2004). A generalização de imagens da cidade como um ambiente violento e os sentimentos de medo e insegurança dela decorrentes passaram a fazer parte do cotidiano dos seus moradores, mas atingiram particularmente os que vivem nas favelas e bairros pobres alimentando os círculos viciosos da violência cotidiana em que os pobres tornam-se os mais temidos e os mais acusados, justificando a violenta e injusta repressão que sofrem. (ZALUAR apud HUGHES, 2004, p.99) 48

A questão da criminalidade é tratada pelo Estado como problema policial em vez de um problema social. As ações da força de segurança não estão separadas das questões da explosão da violência criminal e do desenvolvimento do tráfico de drogas em torno de bairros vulneráveis, entretanto, a ausência do Estado nesse território, produzem relações de poder exercidas pelas forças de segurança fundamentada na coerção e no constrangimento das comunidades que residem nesses locais (HUGHES, 2004). O enfoque tradicional legitima a via da reclusão dos envolvidos em crimes, que recai forçosamente sobre os mais pobres, independentemente da natureza dos crimes cometidos. (HUGHES, 2004, p.99)

Nas periferias quase todas as famílias conhecem ou viveram relatos de situações violentas, como mostra a pesquisa de “[...]Marsiglia et al. (2003), verifica-se que 56% das vítimas deixaram filhos, muitos dos quais


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assistiram a morte dos pais.” (HUGHES, 2004, p.100). É inegável o grande impacto psicossocial da violência na vida dessas comunidades e a impossibilidade de tratar o tema sob a ótica da criminalidade e de um problema policial. Atualmente com a estigmatização dos jovens envolvidos no crime colocam a punição sobre os sistemas correcionais a única possibilidade, em vez de alternativas mais adequadas. Segundo pesquisa do Instituto Datafolha apresentada por Hughes (2004): “a violência tem de ser prevenida mais pelo combate ao desemprego e melhoria da educação do que pela repressão policial.” (HUGHES, 2004, p.94). Deve-se levar em consideração o impacto que as ações públicas geram sobre as consequências da desigualdade social, tanto que a violência se consolidou pela ineficácia da atuação do Estado (CALDEIRA, 2011). Além da carência histórica de investimentos, a periferia foi pautada por mecanismos de controle social e repressão. Indicando que existem dois pesos e duas medidas no tratamento da cidade formal ou informal, mas de alto padrão e da cidade informal, com distinções dos privilégios na fruição do Estado de Direito. O tratamento da periferia é o oposto ao das elites a respeito das forças policiais e de segurança (HUGHES, 2004). Além da violência criminal, os moradores menos privilegiados das periferias tem que lidar com a violência cotidiana, situações que consomem a autoestima e a qualidade de vida como: acesso precário à saúde, principalmente em tratamentos específicos ou obtenção de remédios; falta de vagas em creches, na educação fundamental e médio; a violência no trânsito; a precariedade da mobilidade; a dificuldade de acesso a bens e serviços específicos na região que habitam, necessitando se locomover pela cidade; entre outros exemplos (HUGHES, 2004). Com o medo da violência aumentando, a desconfiança entre as pessoas aumenta junto, a suspeita é direcionada para alguém e a imagem do suspeito é carregada de estereótipos, os atingidos são

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principalmente pobres e negros. Os porteiros não incomodam as pessoas que têm os sinais de classe certos, mas podem chegar a humilhar os que não têm. Assim, para muitas pessoas o dia a dia na cidade está se transformando numa negociação constante de barreiras e suspeitas, e é marcado por uma sucessão de pequenos rituais de identificação e humilhação. (CALDEIRA, 2011, p.319)

Quem utiliza o transporte coletivo ou anda a pé diariamente sente que as hoje há muita agressão, tensão, desconfiança e muito menos cortesia e gentileza como era no passado.

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“O homem aproximando-se do portão é um bom candidato a suspeito, já que anda a pé em vez de guiar um automóvel, ou seja, usa o espaço público da cidade de uma maneira que os moradores do condomínio rejeitam.” (CALDEIRA, 2011, p.257)

Nesse contexto de progressivo medo do crime e apreensão com a decadência social, os moradores não têm tolerância com relação a pessoas de diferentes grupos sociais e nem para encontrar soluções comuns para os problemas urbanos (CALDEIRA, 2011). Ao contrário disso se isolam em áreas muradas e com alta segurança a fim de separar os desejados dos indesejados, os chamados pela Teresa Caldeira (2011) de “enclaves fortificados”. Os grupos que se sentem ameaçados produzem esses enclaves fortificados para suas casas, trabalho, lazer e consumo. O universo do crime apesar de não ser o único causador da discriminação nas sociedades, ele mostra duas novas maneiras de discriminação: privatização da segurança e o isolamento de grupos pelos enclaves fortificados, que estão mudando as relações entre espaço privado e espaço público tradicionais (CALDEIRA, 2011). Esses enclaves fortificados revelam relações muito agressivas e violentas como descreve Boaventura


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de Souza Santos (1998) a cidade fosse dividida em zonas civilizadas e selvagens. A civilizadas são as áreas da cidade formal onde vivem os mais abastados, esta que vive em constante ameaça dos selvagens - entendase como as pessoas de outras diversos grupos que podem ser suspeitos na lógica do crime - para então se defender os civilizados constroem “castelos neofeudais”, os enclaves fortificados que caracterizam a nova segregação socioespacial nas cidades (HUGHES, 2004). O modelo de enclaves fortificados se estendeu a todos os tipos de moradia em São Paulo como resposta ao medo do crime se enclausuraram (CALDEIRA, 2011). Atualmente a forma de segregação que impera na cidade de São Paulo é em decorrência do medo do crime e criação dos enclaves fortificados, houve uma sobreposição do padrão centro-periferia, mas que com essas modificações fizeram diferentes grupos sociais compartilhar os mesmos espaços, mas separados por barreiras, muros, tecnologia de segurança, sistemas de identificação e controle fazendo com que não haja interação e circulação em áreas comuns (CALDEIRA, 2011). A insegurança na cidade já estava sendo construída pelas imagens imobiliária dez anos antes do crime violento começar a assustar a população e se tornar a principal preocupação dos residentes. Essa imagem era para justificar um novo tipo de empreendimento urbano e investimento imobiliário, onde as terras eram baratas. Para isso faziam apelos à proximidade da natureza, saúde, controle, ordem, lazer e a segurança, oposição ao caos, poluição e perigos da cidade (CALDEIRA, 2011). Não só proteção contra a violência, os novos sistemas de segurança criam espaços de segregação onde a exclusão é uma pauta recorrente, protegendo-os de interações indesejadas (CALDEIRA, 2011). Essa ideia é muito mais forte e relevante para essa população do que viver enclausurada entre muros. E engana-se achar que esse modelo de segregação é exclusivo das terras brasileiras, com a ascensão do neoliberalismo esse modelo está sendo

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exportado para países que antes tinham uma forte política de bem-estar-social. Cada vez mais funções exercidas pelo Estado estão passando para a mão do capital privado e se auto regulando.

MODELO SEGRACIONISTA

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No século XIX na Europa a burguesia industrial se consolidava no poder econômico, simultaneamente o Estado intervia nas políticas para o uso do solo, os chamados instrumentos urbanísticos, com a intenção “[...] nada filantrópica – de racionalizar as cidades para tornálas um instrumento eficaz da acumulação.” (FERREIRA, 2011, p.74). Mas é no pós Segunda Guerra Mundial que o intervencionismo econômico se refletiu espacialmente, fazendo a provisão pública de habitação constituir-se como um dos pilares na política de bem-estar social na Europa. O Estado provendo equipamentos, serviços e moradia, garantindo uma certa igualdade na apropriação do espaço, um pacto redistributivo entre capital e trabalho que proporcionou décadas de crescimento. Assim os países constituíram grandes estoques públicos de moradia que atingiram seu auge no fim dos anos 1960 e início dos 1970. (ROLNIK, 2015). O modelo de habitação é explicado pela Rolnik (2015) nesse trecho: O modelo predominante era o de constituição de um estoque público de habitação construído por governos centrais, municipalidades, cooperativas ou empresas estatais e alugado para os moradores por valores subsidiados [...] também possuíam bancos ou agências públicas que subsidiavam empréstimos para que proprietários construíssem suas casas. (ROLNIK, 2015, p.85)

Entretanto, é na crise econômico-financeira da década de 1970, um dos grandes períodos de recessão internacional que formula-se o ideal de transformação


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do papel do governo que até então era provedor de habitação para agora “facilitar” para o mercado privado possa desempenhar esse papel (ROLNIK, 2015). Ideal este ligado com a consolidação do capitalismo financeiro globalizado de cunho neoliberal, que está gerando um desmonte dos direitos universais providos pelo Estado de bem-estar social e caminhando para a economia de mercado, que favorece as corporações e a concentração de renda, excluindo principalmente os imigrantes e mais pobres dos benefícios sociais (FERREIRA, 2011). Embora a maiorias das famílias, no início desse processo, usufruíram da segurança da posse e não houve um grande déficit de unidade a curto prazo, logo o tema do custo acessível da moradia aflorou como um problema para as camadas mais pobres (ROLNIK, 2015). Nos países a mercantilização das moradias se deu principalmente pela privatização dos estoques habitacionais, vendendo-os para seus moradores, a fim de aumentar a propriedade privada e onerar gastos estatais. Atrelado também a adoção de incentivos para a aquisição da casa própria, isenção fiscal ou subsídios aos juros, que incentivaram a compra dos estoques habitacionais (ROLNIK, 2015). De acordo com a Rolnik (2015), mesmo em locais onde a privatização dos estoques habitacionais não se realizou tão drasticamente, a mudança ideológica da responsabilidade de prover habitação do Estado para o mercado foi soberana e o modelo da casa própria se tornou um ideal e praticamente o único tipo de política habitacional. Nos Estados Unidos e boa parte dos países europeus além da privatização, houveram cortes drásticos no investimento e nos fundos habitacionais, redução de programas sociais e subsídios para aluguel. Medidas acompanhadas pela desregulação dos mercados financeiros, privatizações nos serviços públicos como: eletricidade, água e gás, aumentando o custo da moradia (ROLNIK, 2015). Outra consequência foi o setor de construção praticamente paralisado com o cessar da produção

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pública sem uma nova oferta do mercado privado. Deste modo as únicas possibilidades de acesso à moradia foi recorrer ao mercado privado de aluguéis, que podem comprometer mais da metade do valor dos salários em áreas urbanas (ROLNIK, 2015). A privatização foi apoiada pelo julgamento negativo e a residualização da habitação pública, passando a ser vista como sinal de pobreza e marginalidade (ROLNIK, 2015). Além da habitação outras esferas sociais foram afetadas nessa dissolução das instituições de bem-estar e pela construção de diversas políticas com o objetivo de ampliar a abrangência do mercado, batendo de frente com os sistemas econômicos-políticos consolidados durante décadas nesses países (ROLNIK, 2015).

REINO UNIDO 54

Ao longo das décadas no Reino Unido foi construída uma noção que o acesso a moradia justas e adequada, independente da renda, fazia parte do modelo de vida digna. Essa noção revelou-se na montagem de um sistema de bem-estar social com políticas fundiárias de moradia e planejamento territorial, lidando com as carências e a má qualidade das habitações públicas daquele momento (ROLNIK, 2015). No decorrer e após a Primeira Guerra Mundial, a política habitacional no país era prioridade na agenda pública, tanto que entre as duas guerras, cerca de 4 milhões de moradias sociais foram construídas. E posterior a Segunda Guerra houve uma grande construção de habitações para reparar os danos causados pelos bombardeios e as precárias moradias preexistentes. Nesse momento era consensual que era necessário o investimento em moradia pública de qualidade e a utilização de terras públicas para esse fim, pois a moradia era um dos pilares dos Estado de bemestar social (ROLNIK, 2015).


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Em 1942, o relatório do Inter-Departmental Committee on Social Insurance and Allied Services (Comitê Interdepartamental para Serviços de Seguridade Social e Afins), descreveu uma série de medidas para enfrentar a pobreza extrema, dentre elas que cabia ao Estado fornecer habitação adequada aos doente, desempregados, aposentados e viúvos. A partir desse relatório promulgou-se a Lei de Assistência Nacional de 1948, a qual incluiu auxílios para a moradia adequada (ROLNIK, 2015). O estoque de moradias populares atingiu seu auge entre o início dos anos 1950 e fim dos anos 1960, produzindo mais de 300 mil unidades por ano. Essa enorme produção só foi possível pelo uso das terras públicas. Apesar disso, nem todo contingente de habitações públicas construídas eram de boa qualidade e grandes conjuntos foram implantados em áreas periféricas (ROLNIK, 2015). Com a ascensão da reforma empreendidas por Margaret Thatcher no fim dos anos 1970 e início dos 1980 ocorre uma enorme mudança no modelo habitacional. Criaram-se políticas e instituições para desregular o sistema de financiamento de moradias, privatizar o estoque habitacional e cortar gastos públicos, restando apenas subsídios para as propriedades individuais de moradia (ROLNIK, 2015). O impacto do modelo da “casa própria” e a financeirização da moradia foi muito grande, transformou a habitação em ativo financeiro, e produziu um sistema de bem-estar social baseado em ativos, onde a responsabilidade pelo bem-estar e segurança social é do indivíduo e não mais o Estado, o qual se consolidou a partir dos anos 1990 (ROLNIK, 2015). E isso onerou o custo da moradia como mostra um estudo de Liverpool citado pela Rolnik (2015) que mostra com os cortes no bem-estar social as famílias de baixa renda estão usando cada vez mais empréstimos com altas taxas de juros para pagar suas despesas com aluguel e conta de luz, e pequenas alterações de renda ou atrasos nos salários deixam os pobres mais frágeis (ROLNIK, 2015).

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O processo de mercantilização das moradias correspondeu à uma dissolução do sistema políticoideológico do bem-estar social, que teve amplo apoio social. E estigmatizou os mais vulneráveis que dependiam dos subsídios e das provisões do Estado, os marginalizando e classificando-os como fracos, dependentes de direitos sociais e incapazes de lidar com o mercado (ROLNIK, 2015) A experiência britânica demonstra como o desmonte político, ideológico e econômico do sistema de bem-estar social impactou diretamente na redução de direitos dos mais pobres e os marginalizou (ROLNIK, 2015).

SUÉCIA

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O sistema de bem-estar na Suécia resistiu melhor à onda neoliberal que os outros países europeus, com exceção do setor de habitação. O modelo sueco era um dos mais radicais da Europa, universalista e neutro na questão dos tipos de posse, provia subsídios para a produção de habitação e auxílio aos inquilinos, e ainda estabelecia regulações rigorosas. O modelo foi planejado nos anos de 1930 e 1940 e teve seu auge depois do programa de construção de um milhão de casas de 1964 a 1975. Com a crise econômica e a perda de espaço na economia global, o modelo de bemestar foi responsabilizado e a habitação surgiu como um dos primeiros setores da reforma, com demolições, vendas de conjuntos habitacionais e a residualização da habitação social (ROLNIK, 2015). Emergiu então um novo modelo chamado Danell em 1993, que reduziu extremamente os subsídios e auxílios à moradia e reduziu drasticamente a produção de novas unidades habitacionais. Companhias que detinham os estoques habitacionais continuaram a operar só que agora visando o lucro e limitando o acesso a áreas bem localizadas e com infraestrutura para setores de baixa renda. Esse foi o setor social


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mais afetado com Danell, pois além da limitação de acesso alguns conjuntos habitacionais foram renovados e atraíram moradores de maior renda, aumentando a segregação e polarização do mercado (ROLNIK, 2015).

HOLANDA A Holanda, de acordo com a Rolnik (2015), é o país europeu com o maior percentual de habitação atualmente. Os conjuntos habitacionais começaram a ser construídos tanto pelos municípios, quanto por organizações privadas desde dos anos 1920 e atingiram o seu auge de construção entre 1945 e 1990. No modelo holandês as unidades habitacionais eram produzidas por organismos privados sem fins lucrativos (as Woningcorporaties) a aluguéis controlados e expandiram o setor em 15% de 1960 a 1985 contemplando setores de baixa e média renda. Expansão que foi possível através dos crescentes subsídios públicos entre 1970 e 1978, além de uma legislação de controle de aluguéis que fez parte do estoque privado de locação tem um controle de preços (ROLNIK, 2015). Na capital, essa política teve um complemento de um planejamento territorial conjunto com as terras públicas para manter o baixo impacto dos preços dos terrenos no custo da habitação (ROLNIK, 2015). A partir de 1974 com a introdução do governo de auxílios financeiros à população que morava de aluguel sob a forma de auxílio-aluguel, houve o primeiro reajuste de preços dos aluguéis nas unidades geridas pelas Woningcorporaties. E em 1995 que as condições das Woningcorporaties deixam de existir, impactando na oferta do novo estoque. O estoque existente foi mantido pelas vendas de unidade, aumento de aluguéis, novas formas de captação e gestão financeira dos locadores sociais. E desde então a compra da casa própria começou a aumentar significativamente e se desenvolveu um mercado de hipotecas.

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Resultando em uma reestruturação do parque habitacional urbano, que teve aumento da oferta de unidade a preço de mercado e baixa de ofertas acessíveis. Assim a população de baixa renda enfrenta dificuldades de possuir opções de moradia, o que vai acarretar em um processo de segregação socio territorial (ROLNIK, 2015).

LOS ANGELES

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Divergindo dos modelos apresentados até agora neste capítulo a cidade de Los Angeles se transformou a partir da virada do século com a industrialização, as migrações, o enorme crescimento urbano e a consolidação de regiões metropolitanas, assim como São Paulo. De acordo com Caldeira (2011) vários dos instrumentos usados para a segregação em diversas cidades parecem terem sido desenvolvidas primeiro em Los Angeles. A cidade estadunidense sempre foi dispersa e descentralizada, o que favoreceu o aparecimento dos subúrbios, sua região metropolitana é uma rede de núcleos dinâmicos, ainda mais depois da grande expansão da sua região metropolitana, principalmente com a maciça entrada de mão de obra imigrante da Ásia e América Latina (CALDEIRA, 2011). Los Angeles é caracterizada por Soja como: [...] “urbanização periférica”, essa expansão criou uma região multicentrada baseada na industrialização de alta tecnologia e pós-fordista, enclaves residenciais de luxo, imensos shopping centers regionais, ambientes programados para o lazer (parques temáticos, Disneyland), ligações com as principais universidades e com o Departamento de Defesa, e vários enclaves de mão de obra barata, a maioria de imigrantes (SOJA apud CALDEIRA, 2011, p.330)

Os enclaves residenciais de luxo entram como parte da chamada nova “exópole” por Soja, onde não só as residências, mas os empregos, produções e


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áreas de consumo se expandem na periferia em núcleos relativamente independentes. Um dos desencadeadores desse processo foi a mudança do meio de produção econômico rumo aos setores de serviços e Los Angeles assumindo um novo papel internacional, assumindo também grandes investimentos externos (CALDEIRA, 2011). Da mesma maneira que em outras cidades globais, essa reestruturação econômica promoveu uma bifurcação no mercado de trabalho entre trabalhadores extremamente especializados com altos salários e uma massa de trabalhadores de baixa especialização e baixos salários, normalmente imigrantes sem documentação. Nesse processo empregos foram perdidos, as políticas de bem-estar social foram desmanteladas e os custos com a moradia aumentaram, que fez aumentar também a quantidade de homeless. Se analisarmos a composição étnica da sociedade atual, nota-se que a desigualdade econômica coincide com as divisões étnicas com negros, latinos e asiáticos imigrantes nas posições mais longes (CALDEIRA, 2011). Uma das principais características da urbanização periférica de Los Angeles são as ruas largas, vazias e somente carros circulando rapidamente. Para circular no espaço há sempre a mediação do automóvel, na maior parte das vezes individual, pois o transporte público é limitado, a hegemonia do automóvel produz espaços de circulação voltado aos motoristas e não para os pedestres, o caminhar é desencorajado e o público são as áreas que sobram. Este é a tipologia de rua criada por instrumentos urbanísticos modernistas (CALDEIRA, 2011). As funções do espaço público, das ruas, foram deslocadas para espaços privatizados e controlados, separando mais intensamente os ricos da pobreza que habita nas ruas (CALDEIRA, 2011). Esses espaços são: shoppings, condomínios fechados, centros de entretenimento, parques temáticos - pioneirismo de Los Angeles - e são nele que a maior parte da vida pública da cidade realiza-se. Todos eles locais privados,

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administrados por empresas ou associações de proprietários, na qual os interesses conflitam com as da administração pública (CALDEIRA, 2011). Los Angeles não é só fragmentada, ela é constituída por enclaves. (CALDEIRA, 2011, p.334) Contudo Los Angeles ainda possui áreas abertas não privatizadas de uso público intenso em determinadas épocas que reúnem um número expressivo de pessoas, elas podem ser de dois tipos: um espaços segregados e socialmente homogêneos, onde apenas um grupo social circula como é o caso das lojas de luxo de Beverly Hills; o segundo são espaços especializados em lazer e consumo, como o Promenade de Santa Mônica e o calçadão de Venice, na qual os encontros heterogêneos e anônimos ainda são possíveis (CALDEIRA, 2011).

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CONSEQUÊNCIAS DA ENTRADA DO NEOLIBERALISMO NESSES PAÍSES Os casos dos países apresentados, principalmente o Reino Unido, a Suécia e Holanda, que tiveram maior influência dos ideais de bem-estar social, demonstram que ocorreu uma profunda mudança sociocultural e política (ROLNIK, 2015). As reformas nos sistemas bancário e financeiro ampliaram a possibilidade e o escopo da ação dos intermediários financeiros e incorporadores, assim, aumentaram a sua influência política para implantar ou influenciar em legislações e regulações na cidade (ROLNIK, 2011) Não por acaso, as reformas nos sistemas habitacionais nesses três países foram acompanhadas por reformas nos sistemas de planejamento e política fundiária, o que limitou o controle e intervenção públicos sobre a organização do território e flexibilizou as regulações para viabilizar a iniciativa dos incorporadores na produção das cidades. (ROLNIK, 2015, p.74). E nas últimas décadas com a consolidação do modelo neoliberal, cidades como São Paulo, Los Angeles,


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Johannesburgo, Buenos Aires, Budapeste, Cidade do México e Miami, tão diversas, viram especialmente grupos sociais das classes mais altas utilizando do medo da violência e do crime e da fala do crime para justificar as novas tecnologias para exclusão social e a sua retirada dos bairros tradicionais da cidade para enclaves fechados, como chama Caldeira (2011). Os espaços públicos criados atualmente negam o ideal moderno democrático de espaço público urbano, os espaços atuais não fazem questão de abertura, indeterminação, acolhimento das diferenças ou igualdades, pelo contrário utilizam os valores de desigualdade e separação como estruturante (CALDEIRA, 2011). Conforme descrito por Caldeira, desde Johannesburgo a Budapeste, do Cairo à Cidade do México, de Buenos Aires a Los Angeles, processos semelhantes estão acontecendo. Os muros se erguendo, a separação das classes mais altas, a privatização de espaços públicos, crescimento das tecnologias de segurança e vigilância, fragmentam o espaço público, separam grupos sociais de interação, muda o caráter de vida pública cunhado nos ideais modernos (CALDEIRA, 2011). Esse modelo conservador de muros legitimado pelo medo é inspiração para países centrais (FERREIRA, 2011).

ISOLAMENTO DE RICOS E POBRES Retomando o processo histórico de São Paulo na organização dos espaços que estruturam a vida pública e apontam como grupos sociais se relacionam na cidade. São Paulo possuiu até então três padrões: o primeiro aconteceu entre o final do século XX e os anos 1940, que construiu uma cidade centralizada na qual diferentes grupos sociais conviviam em uma pequena área urbana e a segregação se dava pela tipologia de moradia; o segundo que dominou de 1940 a 1980, era a forma de centro-periferia, onde os grupos sociais

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estavam separados por grandes distâncias, os mais ricos nos bairros centrais com maior infraestrutura e os pobres nas periferias precárias e distantes; o terceiro, inicia nos anos 1980 e segue até hoje mudando não só a cidade como a região metropolitana. Ela se sobrepõe ao padrão centro-periferia com diferentes grupos sociais habitando próximos, mas separados por um grande aparato de segurança e muros, não interagindo entre si ou circulando em áreas comuns, e a principal justificativa para a sua criação é o medo do crime violento, gerando o que a Teresa Caldeira (2011) chama de “enclaves fortificados”. Os enclaves fortificados são o atual padrão de segregação urbana, que utilizam da privatização da segurança e das transformações do conceito de público para construir espaços “privatizados, fechados e monitorados, destinados a residência, lazer, trabalho e consumo. Podem ser shopping centers, conjuntos comerciais e empresariais, ou condomínios residenciais.” (CALDEIRA, 2011, p.11-12). Modificando as cidades contemporâneas. Esse padrão não é exclusividade das grandes cidades brasileiras, diversos países estão sofrendo com a sua expansão, as classes médias e altas geraram um outro tipo de interação das pessoas em público e de espaço público. A justificativa para a criação dos muros com alta tecnologia e espaços privados é o medo da heterogeneidade dos bairros mais antigos, o medo do crime, então as classes mais altas preferem deixar os centros antigos para os pobres, os sem-teto e os “marginais” (CALDEIRA, 2011). Priorizando a privatização, muramentos, policiamento de fronteiras, técnicas de distanciamento o espaço urbano criado foi o fragmentado com separações rígidas, aparatos de segurança cada vez mais sofisticados, que colocam a desigualdade e o afastamento dos outros grupos sociais como valor estruturante. Esse criado pelos enclaves contradiz totalmente os ideais que ajudaram a organizar o espaço público moderno e as democracias modernas: a homogeneidade, acessibilidade e igualdade (CALDEIRA, 2011).


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Figura 06 - Parte do Condomínio Alphaville, mostrando seus muros ao redor.

fonte: Gavin Mather/Alamy. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/ng-interactive/2013/nov/walls#saopaulo

MODERNISMO E A CIDADE-JARDIM COMO BASE DOS ENCLAVES FECHADOS Uma das grandes influências dos condomínios fechados atuais de São Paulo é o modelo cidade-jardim, assim como influenciou nas numerosas new towns inglesas e estadunidenses, e os CIDs (common interest developments) dos Estados Unidos (CALDEIRA, 2011). Este modelo foi expresso primeiramente por Ebenezer Howard na Inglaterra no século XIX, onde os moradores viveriam próximos à natureza, teriam relações baseadas na mutualidade e na propriedade coletiva da terra. A cidade que ele imaginou teria uma combinação de moradias e empregos no setor terciário e industrial, onde essas atividades mais a administração seriam separadas por áreas verdes, com formas circulares e controladas pela administração pública para evitar a especulação e irracionalidade no uso da terra (CALDEIRA, 2011). Tendo em mente as definições dos condomínios fechados atuais vemos que as noções iniciais de cidade-jardim foram mudadas para se adaptar a essa nova realidade. Apesar de que podemos compará-lo com o modelo de bairro-

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Figura 07 - Cidade Jardim projetado por Ebenezer Howard

fonte: http://ipiu.org.br/planejamento-urbano-na-inglaterra/

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jardim que se instalou no Brasil a partir de 1912 com a Companhia City, bairros exclusivos para a elite com a noção bem definida de propriedade privada e apoiada pelo poder público, que preservou apenas a noção de grande áreas, áreas verdes, traçados livres e hierarquia de vias (VASQUES, 2012). Nos condomínios paulistas, o comunitarismo não é uma ideologia importante, sem o diálogo sobre os valores da comunidade local a inspiração da cidade-jardim é expressa de maneira mais crua com as intenções discriminatórias como a única questão principal (CALDEIRA, 2011). O repertório modernista, que até hoje é dominante na arquitetura e planejamento urbano no país, também é a inspiração para isolar, selecionar e separar no atual contexto de segregação. Um argumento comum dos modernistas e das cidades-jardins é a exclusão da rua como espaço público, retirando a interação de pedestres anônimos e dedicando esse espaço quase que apenas paras veículos. Desestimulam essas relações anônimas, desencorajando-as deixando as calçadas mais finas, as áreas de comércio mais longes e prédios icônicos separados por grandes áreas. O que é bem descrito por Caldeira:


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Figura 08 - Anúncio da Companhia City para a venda de lotes no Pacaembu

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fonte: Anuncio de Março de 1938. Disponível em: http://www.saopauloantiga.com.br/anuncios-historicos-da-ciacity/

Ruas projetadas apenas para o tráfego de veículos, ausência de calçadas, enclausuramento e internalização de áreas de comércio e grandes espaços vazios isolando prédios esculturais e áreas residenciais ricas efetivamente criam e mantêm a separação social (CALDEIRA, 2011, p.311-312)

Nem todos os aspectos modernistas foram incorporados, houve uma seleção voltada ao segregacionismo e agravada pelas novas tecnologias de segurança, que afirmaram a aura de exclusividade dos novos empreendimentos. Esses que prezam pela


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privacidade, individualidade e internalização, diferente do ideal moderno de exposição da vida privada pela caixa de vidro, a transparência foi negada (CALDEIRA, 2011).

ORIGEM DO CONDOMÍNIO E SEU DESENVOLVIMENTO

66 Primeira Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo - LPUOS do município de São Paulo Lei 7.805/72. Fonte: https:// www.prefeitura.sp.gov. br/cidade/secretarias/ upload/desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/ arquivos/OUCEN_caderno_GESTAOURBANA.pdf 8

A existência dos condomínios paulistanos data de 1928. Entretanto, precisou-se de um bom tempo para os edifícios multifamiliares perderem a imagem de cortiços e se transformarem em empreendimentos populares pela classe média. Somente a partir da década de 1970 que se tornaram difundidos por conta de mudanças no financiamento causando um boom de construções (CALDEIRA, 2011). Os primeiros condomínios fechados significativos com padrão parecido com clubes foram construídos nos anos de 1970, alguns deles eram fora da cidade. Empreendimentos estimulados pelo novo zoneamento8 , que permitia prédios ultrapassarem o C.A. (Coeficiente de Aproveitamento) em determinadas áreas se diminuíssem a T.O (taxa de ocupação) e criassem equipamentos públicos e áreas verdes (CALDEIRA, 2011). Nesse momento os ricos estão deixando o centro e suas regiões adjacentes para morar em locais distantes. Apesar da renda continuar concentrada nas regiões centrais, a maior parte dos bairros de classes médias e altas perderam habitantes entre 1980-1996 e em alguns municípios da região metropolitana ao noroeste aumentaram a proporções de ricos, assim como áreas do sudoeste onde pobres habitavam. O principal meio de moradia nesses novos lugares são os condomínios. A cidade de São Paulo na década de 1970 se torna um local onde: [...] pessoas de diferentes classes sociais não só estavam separadas por grandes distâncias, mas também tinham tipos de habitação e qualidade de vida urbana radicalmente diferentes (CALDEIRA, 2011, p.227).


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Os distritos mais pobres também tendem a ser em sua maioria pobres com poucos moradores de rendas mais altas. De acordo com Caldeira (2011) nesses distritos a razão de moradores que ganham menos de 3 salários mínimos para aqueles que ganham mais de 20 está em torno de 350 pessoas para 1 pessoa. Ou seja, a riqueza continua seguindo o padrão de concentração em uma pequena área da cidade. A disseminação dos condomínios fechados está diretamente ligada com a mudança dos mais ricos para fora das regiões centrais, pois requerem grandes lotes para a sua construção que inclui não somente o edifício, como áreas verdes e equipamentos de uso coletivo dos moradores e esse tipo de lote está disponível apenas em locais pouco adensados nas periferias. Dois exemplos de distritos característicos do boom do mercado imobiliário desse período são o Morumbi e a Vila Andrade, ambos no sudoeste de São Paulo, onde é possível ver apartamentos de classes altas ao lado de favelas enormes ou casas de autoconstrução (CALDEIRA, 2011). Depois de 15 anos de intensa incorporação imobiliária para as classes mais altas em regiões com infraestrutura precária combinada com a proliferação de favelas, o Morumbi exibe um quadro impressionante de desigualdade social e exemplifica a nova face da segregação social na cidade. (CALDEIRA, 2011, p.247)

A nova face da segregação falada por Caldeira mostra que pobres e ricos não estão mais separados por grandes distâncias, agora eles dividem o mesmo espaço só que separados por aparatos de segurança cada dia mais tecnológicos, seguranças particulares e muros altíssimos. E dentro dos muros há uma população interessada em viver somente com seus pares que prezam pelo uso dos automóveis. Pela escolha e dependência desse meio de transporte individual o tráfico nessas áreas é intenso e sempre há congestionamentos, as vias se tornam insuficientes e o transporte público mais precário, dificultando o acesso dos mais pobres. O

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que também é inconveniente para os moradores já que serviços e comércios básicos não são encontrados ali (CALDEIRA, 2011). Condomínios fechados, o novo tipo de moradia fortificada da elite, não são lugares para os quais as pessoas caminhem ou pelos quais passem. Eles são distantes para serem aproximados só de automóvel e apenas por seus moradores [...] (CALDEIRA, 2011, p.258).

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Entretanto para os moradores desses conjuntos fechados as inconveniências não têm tanto peso e são compensadas pela sensação de segurança que os muros e a tecnologia podem trazer, longe do que eles consideram como perigos da cidade. Valorizam a propriedade privada para uso coletivo, o valor do privado e do restrito, voltando-se para o interior, rejeitando a vida pública, e desvalorizando o que é público e aberto a cidade. “Aqueles que escolhem habitar esses espaços valorizam viver entre pessoas seletas (ou seja, do mesmo grupo social) e longe das intenções indesejadas, movimento heterogeneidade, perigo e imprevisibilidade das ruas.” (CALDEIRA, 2011, p.259). Os condomínios e a fala de crime estão transformando os espaços públicos e a qualidade das interações na cidade que agora é marcada pela desconfiança e restrição. Esse tipo de empreendimento e os estilos de vidas pautados no isolamento e vigilância se tornou símbolo de status e o tipo de moradia mais desejado, o que é evidente nos anúncios imobiliários, que estão se espalhando até para conjuntos de classes médias e pobres. As definições de segurança, cercamento, isolamento, equipamentos coletivos restritos ou privados estão pautando as escolhas, formas de elaborar, transformar e significar os espaços (CALDEIRA, 2011). Os conjuntos corporativos construídos na região


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Figura 09 - Charge sobre as prisões criadas com cercas e seguranças.

69 fonte: Andy Singer. Disponível em: http://3.bp.blogspot.com/-nqn8KNHDX_0/UNS5aWT52vI/AAAAAAAABkY/W_KTnZfwjz0/s1600/tumblr_lpsc1jgtsW1qf5g6ro1_400.jpg

sudoeste, assim como os condomínios partilham dos princípios de manter pessoas indesejadas a distância e controle sobre seus moradores e empregados. E ambos são resultados de grandes investimentos de incorporadores imobiliários, atraídos pelas atividades terciárias que ali se instalaram. O símbolo da expansão do vetor sudoeste é a Avenida Eng. Luís Carlos Berrini que deslocou uma antiga favela utilizando um programa pago pelos novos ocupantes do local. Essa construção intensa sob os interesses dos incorporadores, sem controle do Estado, transformou a passagem e criou um espaço caótico (CALDEIRA, 2011).


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QUESTÃO EMPREGO E DESLOCAMENTO/TEMPO

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Com a tomada de importância que as atividades terciárias tiveram, consequentemente o eixo sudoeste da cidade e os impactos na segregação habitacional que esses fatores tiveram é necessário acrescentar os fatores de emprego, locais de compra e tempo de deslocamento (VILLAÇA, 2011). Primeiro a localização das concentrações de empregos da maioria pobre e da minoria rica. Se analisarmos os empregos terciários quando atendem o público - a sua maioria - tem duplo interesse, pois além de local de emprego, atende a população nas compras ou serviços, diferente de outros setores como o secundário que não atende o público. A maior parte dos empregos nas metrópoles são os terciários, assim como a maioria que trabalha nele são os ricos. Ou seja, no setor terciário há uma grande concentração de empregos dos ricos principalmente em escritórios, multinacionais, bancos, sedes de empresas, no comércio varejista etc. Empregos esses concentrados em uma única área, onde justamente concentram-se as moradias dos mais ricos, o eixo sudoeste. Nessa região há uma infinidade de serviços voltados ao público mais abastado, minimizando os seus deslocamentos com lazer, diversão, trabalho, compras e serviços (VILLAÇA, 2011). Do mesmo modo que a maior parte dos ricos trabalha no setor terciário, a maior parte dos pobres também. O que para os ricos é o único local de concentração dos seus empregos para os pobres não. Eles têm várias áreas de concentração de empregos, além do terciário, há o setor secundário das indústrias. A localização da zona industrial é muito mais importante para os pobres por ser a segunda fonte de emprego (VILLAÇA, 2011). A Zona Leste é um exemplo de região que moram os que perderam na batalha de localização das suas moradias próximas às indústrias e próximas a maior concentração dos empregos terciários. O que reflete a região ser uma das mais pobres da metrópole com um serviço ruim de transporte público (VILLAÇA, 2011). Com a classe dominante comandando a


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produção do espaço, ela comanda além da produção em si do espaço, como as ações do Estado sobre o espaço, que é o caso da legislação urbanística, implantação de equipamentos, sistema de transporte e infraestrutura e também produz as ideias que dominam o seu uso (VILLAÇA, 2011). O papel da dominação social é explícito na organização do espaço urbano em relação ao tempo gasto nos deslocamentos dos moradores da cidades até seus trabalhos, áreas de lazer e casas. Estes são manipulados pelas classes dominantes priorizando a otimização do seu tempo de deslocamento. O que causa um grande impacto nas classes mais pobres com seus deslocamentos mais longos e difíceis, que recaem sobre a economia familiar e a saúde das pessoas (VILLAÇA, 2011). De acordo com Villaça (2011): [...] os mais pobres não são penalizados somente pela estrutura espacial urbana que produz os locais de origem e destino de suas viagens. São também muito penalizados por outros fatores associados aos deslocamentos espaciais, especialmente a propriedade e o uso de veículos privados [...] e ainda pelos sistemas viário e de transportes que, sabidamente, sempre privilegiaram os mais ricos (VILLAÇA, 2011, p.56).

Parte importante do deslocamento perpassa pela predileção do modo de transporte utilizado nas cidades brasileiras, o automóvel. As obras realizadas pelos governantes têm como prioridade o transporte individual, não o transporte coletivo (VILLAÇA, 2011). E considerando que quantidade de redes do sistema viário são discrepantes entre as áreas ricas e pobres, as ricas têm um sistema de maior qualidade e quantidade que as pobres, reforça o argumento da segregação estar intimamente ligada ao controle do tempo, os transportes e ao papel do Estado. Esse controle do tempo de deslocamento tem um poder muito forte na produção do espaço urbano, na distribuição da população, dos seus locais de trabalho,

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lazeres, compras, serviços, entre outras coisas. Como não é possível atuar diretamente sobre o tempo, a forma que encontram para controlá-lo é atuando no espaço. Acarretando nas disputas sociais em torno da produção do espaço, onde a segregação é o mecanismo para controle do tempo da população menos privilegiada. Portanto, no eixo sudoeste da cidade os mais ricos produzem uma tripla segregação: das residências, dos empregos e dos comércios e serviços, voltados a eles que vivem nesse local (VILLAÇA, 2011). E a população mais pobre necessitando transitar por diferentes locais, aumentando o seu tempo de deslocamento em função dos ricos, pois mesmo atualmente os serviços como os domésticos são uma obsessão pelas classes médias e altas, e há a criação de um novo tipo de serviço: a segurança privada (CALDEIRA, 2011). Mesmo com muitas mudanças recentes sobre esses serviços, como a PEC das Domésticas, que formalizou o trabalho das empregadas domésticas. Tradições como a separação de elevadores ou entradas/ saídas “sociais” e “de serviço” continuam inalterados, reforçando a noção de segregação, onde pessoas de diferentes classes sociais não interajam ou mesmo se vejam em áreas comuns dos prédios (CALDEIRA, 2011). De acordo com Caldeira em condomínios que ela fez trabalho de campo: [...] tanto empregados do condomínio quanto empregadas e faxineiras de apartamentos individuais (mesmo aquelas que viviam lá) tinham que mostrar seu crachá de identificação para entrar e sair do condomínio. Muitas vezes, elas e seus pertences pessoais são revistados diariamente ao deixarem o trabalho (CALDEIRA, 2011, p.272)

Os moradores desses novos empreendimentos de alta classe apesar de continuarem a depender de empregados pobres temem a “contaminação” por eles. E não só os empregados são submetidos ao controle excessivo, a própria família do morador também, mas se os moradores ignoram ou aceitam esse tipo de controle,


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só resta aos visitantes e principalmente aos mais pobres se sujeitarem a ele. “Uma vez estabelecido, esse controle é na verdade controle de classe, que ajuda a manter o condomínio como um mundo homogêneo e isolado” (CALDEIRA, 2011, p.272).

DIFERENÇA ENTRE OS CONDOMÍNIOS DE 1970 E OS DE 1990 As diferenças podem ser pontuadas pela localização, a diferença de configuração no espaço, os muros, a sua relação com a cidade, os seus equipamentos e empreendimento dentro deles. Os condomínios predominantes da década de 1970 são exemplificados pelos luxuosos edifícios no Morumbi, que convivem lado a lado com a favela de Paraisópolis. Dentro da malha urbana e onde o isolamento através de muros não era parte da sua concepção inicial, mas foi adaptada aos novos meios. Seus espaços comuns se limitavam às áreas de circulação, garagens, pequenos playgrounds e às veze um salão de festas (CALDEIRA, 2011). Já os condomínios que começaram a se sobressair em 1990 são principalmente os horizontais com casas independentes e áreas muradas como concepção inicial. Construídos em áreas mais longes pela necessidade de grandes áreas de construção, se espalharam principalmente na região metropolitana a oeste, como Santana do Parnaíba, mas atualmente estão presentes em todo interior do estado em áreas mais ricas e industrializadas (CALDEIRA, 2011). Outra característica marcante desses novos condomínios é que não contém apenas unidades habitacionais, além de abrigarem mais áreas comuns para quem ali mora, se aliaram às atividades terciárias como shoppings e centros de escritórios, por exemplo Alphaville, Tamboré e Aldeia da Serra (CALDEIRA, 2011). Esses condomínios atuais partilham de características dos subúrbios americanos e os CIDs

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Figura 10 - Paraisópolis e um condomínio do Morumbi separados por um muro

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fonte: Tuca Vieira, publicado da revista ZUM #3 em dezembro de 2012. Disponível em: https://www.tucavieira.com.br/A-foto-da-favela-de-Paraisopolis

(Common Interest Developments ou Incorporações de Interesses Comuns) como a homogeneidade social, também se diferem em alguns aspectos como: a não homogeneidade nos projetos das habitações, elas são pouco comuns no brasil assim como são desvalorizadas, há uma alta valorização na personalidade do imóvel. O que pode estar ligado a outra divergência com os CIDs, a falta do espírito de comunidade dentro dos condomínios, os brasileiros não são muito favoráveis a essa ideia (CALDEIRA, 2011). Esse tipo de empreendimento ganhou uma grande notoriedade e modificou drasticamente o mercado e para isso utilizou-se de anúncios e um repertório comum: moradias estão diretamente ligadas ao status social, é um dos meios de se afirmar em várias sociedades,


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Figura 11 - Parte do Condomínio Alphaville com suas torres e casas

fonte: Carlos Cazalis/Corbis. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/ng-interactive/2013/nov/walls#saopaulo

portanto a construção ou compra de uma casa é um dos projetos mais importantes da vida de uma pessoa. A partir daí nas últimas décadas consolidou-se através dos anúncios o que chamam de “novo conceito de moradia” que contempla 5 elementos primordiais: homogeneidade social, isolamento, segurança, equipamentos e serviços (CALDEIRA, 2011). O “novo conceito de moradia” se expandiu tanto que é tido como ideal a ser seguido por todos os empreendimentos. A relação que esses novos condomínios estão estabelecendo com a cidade é de negá-la, de matar os espaços heterogêneos onde os encontros inesperados acontecem, para seus moradores é preferível o controle e privações para se manter na homogeneidade social. Os moradores dispõem de tudo que precisam dentro dos muros para evitar um contato com a vida pública. Em seus anúncios vendem lugares onde não há inconveniências por terem poucas pessoas morando, amplos lotes e casas afastadas. Nem mesmo entre si dentro de sua bolha os moradores querem ter contato e interação (CALDEIRA, 2011).

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Figura 12 - Subúrbio em San Jose, Califórnia - EUA

76 fonte: Sean O’Flaherty. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:South_San_Jose_(crop).jpg

RELAÇÕES DENTRO DOS CONDOMÍNIOS Dentro dos muros pelas entrevistas realizadas por Caldeira, ela identifica que a maior parte dos moradores concordam que ali a maior parte dos problemas externos foram resolvidos, entretanto, há contínuos conflitos internos. Diferente do que alguns anúncios querem passar de harmonia dentro dos muros (CALDEIRA, 2011). Como já foi dito os condomínios paulistas foram inspirados pelos subúrbios americanos, lá é comum a designação de comunidade nesses condomínios, porém em São Paulo os condomínios não são anunciados como um novo meio de vida comunitária e sim como apenas um local de moradia de um grupo social homogêneo. E este vem a ser o maior problema, viver em sociedade com algum tipo de vida pública. Em sua maioria os


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moradores vêem aquele local como um grande complexo de casas particulares onde cada um pode fazer o que quiser (CALDEIRA, 2011). As disputas entre moradores são comuns, as pessoas preferem tentar convencer as outras e fazer prevalecer as suas opiniões em vez de discutirem e chegarem a um consenso comum. As questões normalmente são tratadas de forma privada e não como de interesse público ou da legislação (CALDEIRA, 2011). Como para a elite desobedecer a lei é fácil e algumas práticas ilegais se tornam “modas”. Dentro dos muros burlar as leis é praticamente regra, as pessoas se sentem mais livres para desobedecer às leis por estarem em espaços privados, onde a polícia é mantida a distância, assim as ruas dos conjuntos se tornam extensões de seus quintais (CALDEIRA, 2011). Na verdade, quando as pessoas têm noções frágeis de interesse público, responsabilidade pública e respeito pelos direitos de outras pessoas, é improvável que venham a adquirir essas dentro dos condomínios (CALDEIRA, 2011, p.279).

Viver dentro dessas bolhas privadas só colabora para enfraquecer as noções de responsabilidade pública. O que fica visível na decisão de manter a polícia do lado de fora. Recaindo assim os encargos que esta teria para os empregados dos condomínios e da segurança privada. E os adolescentes das classes mais altas se sentem livres pela decisão de seus pais de manter o estado fora e fazem das áreas comuns, espaços para fazer o que quiserem sem restrições, quando advertidos por seguranças, como tratam estes como seus subordinados não os obedecem. Isso é recorrente na relação de dirigir veículos e ao consumo de drogas (CALDEIRA, 2011). Os moradores veem esses problemas como um assunto privado que deve ser tratado internamente, como uma questão disciplinar e não de legislação. A sua principal solução é de acordo com o senso comum sobre como evitar o “mal” se espalhar: mais amor, atenção aos adolescentes com famílias mais fortes e controladas. E

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como são problemas domésticos devem ser resolvidos privadamente, com esse maior controle, leis da sociedade não precisam intervir. Ou seja, é totalmente desconsiderado discutir termos de ordem pública ou responsabilidade pública (CALDEIRA, 2011). Essa situação de escolha da desobediência da lei é uma reprodução de um status quo que somente a elite possui. Além disso muitos dos moradores acreditam que tornar esses problemas públicos iria desvalorizar suas propriedades (CALDEIRA, 2011). [...] relações entre os domínios público e privado na sociedade brasileira, que é marcada por uma incrível desigualdade social e a tendência a explicitamente desvalorizar a esfera pública (CALDEIRA, 2011, p.283).

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Apesar de o Brasil ter sido sempre desigual como sociedade, a privatização dos espaços da esfera público colocou tudo em outro patamar, criando “ilhas particulares de privilégios” onde as leis da sociedade não se aplicam (CALDEIRA, 2011). Devido a criação e consolidação dessas ilhas onde o controle está na mão dos mais ricos, atualmente eles se sentem no direito de intervir no espaço público ao redor das suas bolhas, querendo impedir construções, circulação de pessoas e carros ao redor privatizando essas áreas. Todas essas tendências em direção à privatização e à rejeição da ordem pública tornaram-se especialmente visíveis durante o período de consolidação do regime democrático (CALDEIRA, 2011, p.283).

TODOS PASSARAM PELO ENCLAUSURAMENTO EM SUAS PRÓPRIAS CASAS E AS ESTÉTICAS DA SEGURANÇA O fator medo do crime se espalhou por todas as classes desencadeando um processo de


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enclausuramento em todos os tipos de moradia paulistana. E todos os moradores, desde os das casas isoladas do Morumbi até os de residências coletivas parecem julgar negativamente esse processo. Conforme Caldeira (2011): Residentes da classe alta em condomínios fechados e edifícios associam viver dentro de uma dessas fortalezas às sensações de liberdade e proteção, sem falar da alta qualidade de vida. Pessoas que moram em casas independentes expressam o mesmo em relação a suas fortalezas individuais, embora não possam imaginar que os condomínios ofereçam o mesmo (CALDEIRA, 2011, p.291).

Os moradores do Morumbi parecem temer a difusão do mal mais do que ficarem enclausurados em suas casas. Diferente dos moradores do Jardim das Camélias, de acordo com Caldeira, as pessoas sentem que suas casas se transformaram em prisões e avaliam isso negativamente, sentindo uma perda de liberdade. Essa percepção diferente se dá pela relação que aquela população tinha com o espaço público. Nos bairros com pelo menos 15 anos as transformações são visíveis, os muros e cercas modificaram os desenhos originais das casas, deixando muitas menos confortáveis e aconchegantes do que eram. A transformação da casa para prisão é associada aos sentimentos da restrição e perda na crise econômica e a consequente decadência social, que se expressou nas portas fechadas (CALDEIRA, 2011). As portas fechadas foi a imagem mais comum para descrever essa insegurança causada pelo medo do crime e restrições causadas pela crise econômica. “Apesar de vários grupos de paulistanos resistirem às transformações recentes e se ressentirem da nova maneira corno estão vivendo, o “novo conceito de moradia “ é hegemônico na cidade” (CALDEIRA, 2011, p.293).

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O novo conceito de moradia influência nas opções e decisões das pessoas, moldaram as transformações das suas casas e estilos de vida. E se tornou o modelo mais benquisto, mais prestigiado, e o mais desejável por muitos (CALDEIRA, 2011). “Cercas, barras e muros são essenciais na cidade hoje não só por razões de segurança e segregação, mas também por razões estéticas e de status.” (CALDEIRA, 2011, p.294). Com toda essa transformação cercas e barras agora são elementos de um novo código estético e de status, são elementos de decoração e expressam a personalidade. Os aparatos de segurança: câmeras, interfones, portões automáticos, os projetos de arquitetura defensiva, se converteram em afirmações da sua posição social, quanto maior a quantidade de soluções para segurança e quanto mais moderna mais 80 Figura 13 - Frente de uma casa em Água Fria, São Paulo

fonte: Alberto Simon, projeto “tamanho M”. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/891894/as-arquiteturas-anonimas-de-sao-paulo-em-tamanho-m-de-alberto-simon/5ac43d3bf197ccbb700001cc-as-arquiteturas-anonimas-de-sao-paulo-em-tamanho-m-de-alberto-simon-foto


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alto estará na pirâmide social (CALDEIRA, 2011). Esses investimentos para além da própria segurança ficam aparentes para as áreas públicas promovendo a comparação entre vizinhos de quem está melhor socialmente e tem um gosto mais sofisticado. Há também a questão de agora a segurança fazer parte de qualquer projeto para se adequarem ao desenho das suas casas (CALDEIRA, 2011). Os paulistas estão investindo em transformar limitações, restrições, inseguranças e medos a seu proveito manipulando a estética da segurança, produzindo prisões que dizem sobre a sua posição social (CALDEIRA, 2011). “Muros, cercas e barras falam sobre gosto, estilo e distinção, mas suas intenções estéticas não podem desviar nossa atenção de sua mensagem principal de medo, suspeita e segregação” (CALDEIRA, 2011, p.297). Figura 14 - Frente de uma casa no Cambuci, São Paulo

fonte: Alberto Simon, projeto “tamanho M”. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/891894/as-arquiteturas-anonimas-de-sao-paulo-em-tamanho-m-de-alberto-simon/5ac43c94f197cca45f0002d4-as-arquiteturas-anonimas-de-sao-paulo-em-tamanho-m-de-alberto-simon-foto

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PAPEL DO ESTADO ESTADO PATRIMONIALISTA E SUBMISSÃO AOS INTERESSES DA ELITE

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Como já visto o Estado tem papel imprescindível nas cidades, principalmente nos últimos anos com o acirramento que o neoliberalismo gerou entre o mercado em busca o lucro e a sociedade civil que se interessa pelo valor do uso da terra urbana (FERREIRA, 2011). E com a diferenciação e desigualdade de classes possibilitou que cada uma apropriar-se de áreas desigualmente valorizadas, os mais ricos das áreas mais valorizadas e os mais pobres as menos, desequilibrando a balança. Então entra o papel do Estado regulamentando o uso e ocupação do solo, restringindo a supervalorização especulativa a fim de garantir o acesso democrático à cidade. Adicionando a esse papel é necessário colocar na conta que quem impulsiona a valorização da terra e imóveis nas cidades, é o próprio Estado. O valor da terra vem da sua localização definida principalmente pela disponibilidade de infraestrutura e quem produz a infraestrutura é o Estado. Então fica claro que ele tem todos os meios de fazer valer o equilíbrio da balança e que supostamente deveria regular e mediar as disputas do mercado e da sociedade, garantindo de acordo com Ferreira: [...] uma produção homogênea de infraestrutura, evitando a exclusão das parcelas populacionais de menor renda, construindo equipamentos acessíveis por todos, e recuperando, com tributos, parte do lucro obtido pelo mercado em decorrência de investimentos públicos, a chamada “mais-valia urbana” (FERREIRA, 2011, p.74).

Entretanto, o Estado brasileiro tem o viés patrimonialista que mistura o público e o privado em defesa dos interesses das elites, o que afetou imensamente o modelo seguido pela urbanização. As elites moldaram e aperfeiçoaram a máquina estatal como um instrumento a sua disposição, alimentando-se do


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atraso para se beneficiar. Esse Estado peculiar, no âmbito urbanístico, não planeja ações para a superação do atraso, mas confunde; não organiza, mas desestrutura; não facilita, mas embaralha os procedimentos burocráticos e administrativos; não é ético, mas tolera o favor e o clientelismo, não porque seja incompetente, mas por ser extremamente eficaz no seu objetivo de emperrar um desenvolvimento urbano mais justo, redistributivo e includente, que poderia contrariar o equilíbrio de forças políticas. (FERREIRA, 2011, p.75)

Nas décadas de 1950 a 1970 houve um crescimento econômico significativo, mas instruído a manutenção da pobreza em função dos investimentos na cidade hegemônica, que se traduziu como um padrão de segregação socioespacial. É visível na oposição de áreas muito reguladas, beneficiadas por investimentos públicos constantes e foco da atividade imobiliária e áreas símbolo de precariedade e abandono. Nesse contexto o Estado acentua a segregação com a legalização para a instalação de condomínios e incentivos a ele (FERREIRA, 2011). De acordo com Villaça (apud Ferreira) há três esferas de controle da produção e consumo do espaço urbano pelas classes dominantes: A esfera econômica, controlando o mercado imobiliário e o consumo desse mercado por esta classe; a esfera política que tem como articulador o Estado no controle da localização da infraestrutura, dos equipamentos públicos e as legislações urbanísticas; a esfera ideológica desenvolvendo ideias dominantes que auxiliam em determinados momentos a dominação da sociedade a aceitarem seus ideais (FERREIRA, 2011). Mostram que a cidade paulista é a cidade de vários pesos e várias medidas. Enquanto há uma lista de privilégios para um lado para o outro não sobra nada, quando não sobra violência, por exemplo, quando a violação de propriedade alheia é fortemente combatida

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se são moradores de movimentos de ocupação por moradia em um edifício sem uso a muitos anos, mas quando são setores de alta renda ocupando áreas não há tal vigor rigidez. Como acontece na Av. República do Líbano, que possui uma faixa de área pública pertencente ao Parque Ibirapuera e que foi tomada por mansões que ainda estão lá. Ou mesmo quando um dos mais importantes condomínios da região metropolitana está ocupando terras indígenas e não há problema pois para isso há uma taxa legal que permite esse uso (FERREIRA, 2011). O Estado patrimonialista busca se enraizar na modernização conservadora, cujo na história em nenhum momento ter rompido com a manutenção da hegemonia das forças das elites, desde a fundação da ordem hierárquica que foi base da sociedade escravocrata brasileira e que até hoje não foi rompida. 84

As elites consolidam a intolerância, aprofundam a ideologia da segregação e invertem o diagnóstico: não é a minoria abastada que destoa de um cenário generalizado de pobreza. É a pobreza que desfigura e ameaça a cidade moderna (FERREIRA, 2011, p.79).

A intolerância à pobreza além se refletir em declarações tem ações bem concretas como a manutenção da propriedade privada acima de muitos direitos descritos na constituição, como o direito à moradia. Assim como as instalações de pinos em bancos ou “rampas anti-mendigos” em vãos de viadutos, tudo para que pessoas sem-teto não durmam em determinadas áreas públicas (FERREIRA, 2011). Essa intolerância é legitimada pelas classes dominantes, como nesses casos descritos por Ferreira (2011) em 2006 nas audiências para a revisão do Plano Diretor de São Paulo: Um em que os moradores de classe média da Mooca solicitaram abertamente a retirada das ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) previstas ali por medo da “desvalorização” dos seus imóveis com a entrada de “pessoas pobres” no bairro; Outro em que


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empreendedores de um grande condomínio próximo a ponte Cidade Jardim que incomodados com a vista para a favela “incentivaram” a saída dos vizinhos pagando para cada família R$40 mil; o próprio Estado oferecendo um “cheque-despejo” de R$ 1.500,00 para sair de uma determinada área próxima ao rio Pinheiros ou R$ 5 mil para cada família que voltasse para seu estado de origem; e há também situações tão absurdas como esconder a favela de Jurubatuba com um outdoor gigantesco da vista de um prédio de luxo e usar o Estado para influenciar na saída de moradores por mil e quinhentos reais. Se acaso o Estado abandona a lógica patrimonialista é repreendido pelas classes favorecidas: Os moradores do condomínio argumentam com indignação e aparente sapiência sobre impactos viários e ambientais, questões da alçada do poder público. O discurso escamoteia certa parcialidade: a preocupação com os impactos não se revelou quando foram construídas as nove torres em que habitam (FERREIRA, 2011, p.81). Figura 15 - Piso “antimendigos” instalados pela prefeitura nas pilastras do viaduto da Linha Azul do Metrô na Avenida Cruzeiro do Sul em Santana

fonte: Rivaldo Gomes/Folhapress - 2014. Disponível em: http://www.folhapolitica.org/2014/02/prefeitura-de-sp-instala-piso-irregular. html

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Eles acreditam que a livre iniciativa só é válida quando aplicada para seus interesses, que possuem o direito de opinar sobre quem pode ou não ter privilégios na sua vizinhança. É considerado normal que seus empregados vivam em favelas as suas portas e se sentem certos do bem que promovem lhes dando emprego. Uma das principais razões para esse impasse está na dificuldade de transformação do próprio Estado, dos sistemas e práticas políticas. Pois foi um mecanismo aperfeiçoado durante séculos para dificultar qualquer mudança na lógica de produção do espaço, não facilitando para aqueles que participam das gestões com intenções de gerar um bem público. Enfrentando um mecanismo de gestão pautado por procedimentos centralizadores, com disputas internas, sendo interferido por projetos políticos pessoais, corrupção e clientelismo para pôr em prática transformações sociais efetivas (FERREIRA, 2011).

IMPACTO DOS CONDOMÍNIOS NA DINÂMICA URBANA

Conforme as elites se retiraram para suas bolhas dentro dos condomínios abandonando os espaços públicos, o número de espaços para encontros heterogêneos de pessoas de diferentes classes sociais diminui consideravelmente. As estratégias de segurança implantadas nos condomínios vão além da garantia de proteção, transformam a paisagem urbana, afetando os trajetos diários, padrões de circulação, hábitos e atitudes relacionadas ao uso dos espaços públicos. As pessoas se sentem restringidas em seus movimentos, assustadas e controladas; saem menos à noite, andam menos pelas ruas, e evitam as “zonas proibidas” que só fazem crescer no mapa mental de qualquer morador da cidade [...] (CALDEIRA, 2011, p.301)

Todas as estratégias de segurança perpassam o muro, ele segmenta o tecido urbano, eliminam as ruas


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como espaço de convívio na sua vitalidade, menosprezam as áreas verdes e favorecem a utilização dos automóveis. Tornando os encontros no espaço público cada vez mais tensos ou mesmo violentos, pois há como referência os preconceitos e medos das pessoas. “Tensão, separação, discriminação e suspeição são as novas marcas da vida pública” (CALDEIRA, 2011, p.301). No espaço público a sua qualidade é medida pela qualidade das relações que sociais que ali acontecem, não as determina, pois, há sempre margem para novos tipos de apropriação do espaço, mas esses espaços constituem um cenário para a vida pública e influenciam os tipos de interações sociais possíveis neles. E no atual cenário o primeiro plano das cidades é a separação e consequente transformou os tipos de encontros sociais possíveis e a qualidade dos espaços públicos (CALDEIRA, 2011). “A rua como elemento central da vida pública moderna é, então, eliminada” (CALDEIRA, 2011, p.310). Na cidade de muros não há tolerância com o diferente, o espaço público passa a ser vivenciado como zona perigosa, definido e fragmentado por grades e muros, privatizado com correntes fechando ruas e guardas armados em guaritas (CALDEIRA, 2011).

VIDA PÚBLICA – EXPERIÊNCIA DO CAMINHAR AO TRANSPORTE PÚBLICO A vida pública fora dos muros tem cada vez menos espaço para a indeterminação dos encontros públicos, o que se reproduz é intolerância, medo e suspeita. Na São Paulo atual, onde há os condomínios são onde os espaços públicos estão mais vazios e os usos das calçadas, praças e ruas pelos transeuntes é extremamente raro (CALDEIRA, 2011). Em razão da disposição voltada a seu interior, muitas ruas ao redor dos conjuntos têm calçadas e ruas não pavimentadas, as distâncias entre prédios são grandes, os muros muito altos com cercas elétricas,

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as ruas são voltadas ao trânsito de automóveis, um ambiente hostil para qualquer pedestre. Ambientes esses construídos para produzir esse efeito desagradável em quem anda por bairros como o Morumbi, onde o pedestre é tido como pobre e suspeito, já que os moradores das classes médias e altas circulam com seus próprios carros. (CALDEIRA, 2011). A sensação de estar sob vigilância é inevitável, já que os guardas ficam nas calçadas (e não dentro das construções, como no Morumbi), observam todos que passam e podem se dirigir diretamente às pessoas que acham suspeitas. Nada mais do que o esperado, já que são pagos para suspeitar e manter os estranhos afastados (CALDEIRA, 2011, p.316).

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Nas favelas os caminhos são espaços para se andar e de convivência da comunidade, entretanto acabam sendo tratadas como enclaves fechados, assim como os condomínios, pois apenas moradores e conhecidos se aventuram a entrar nas poucas entradas nas ruas públicas. Sendo assim é visível que ricos e pobres se isolam e ultrapassar as barreiras é algo cuidadosamente policiado, na qual sinais de classe são utilizados para determinar níveis de suspeita (CALDEIRA, 2011). Em bairros da classe trabalhadora como o Jardim das Camélias possuem ainda uma atividade social intensa nas ruas, embora tenha mudado de várias formas a partir de 1970: grades foram instaladas e os moradores se tornaram mais desconfiados. A vida cotidiana ainda é marcada pela sociabilidade entre vizinhos do tipo que torna o espaço público significativo, as casas cercadas normalmente por grades permitem a visibilidade e interação, diferente dos muros. Nesses bairros a segurança é feita não pelo isolamento, mas sim pelo uso intenso da rua, onde sempre há pessoas vendo o que acontece. Apesar disso, os moradores não se sentem mais tão seguros como costumava ser (CALDEIRA, 2011).


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A maior parte dos bairros centrais com uma boa infraestrutura urbana que a elite conservou, acabou misturando funções e possuem um uso relativamente intenso do espaço público. As ruas são usadas por diversos grupos sociais de pessoas, onde ricos e pobres andam pelas mesmas calçadas, porém agora essas ruas são vigiadas por guardas privados e câmeras de segurança (CALDEIRA, 2011). Nos transportes públicos podemos notar que as relações estão mais tensas e desagradáveis que no passado. O trânsito é um reflexo da qualidade da vida pública atual. As pessoas usam as vias públicas de acordo com o que acham conveniente e não há disponibilidade a obedecer às leis ou respeitar direitos das outras pessoas ou mesmo o bem público. Elas se colocam em um patamar que podem passar impunes e sem medo de serem afetadas pelos mesmos tipos de agressões que cometem (CALDEIRA, 2011). Com a expansão do consumo de massas as questões de distinção ficaram mais complicadas, no passado detalhes das vestimentas como luvas e gravatas diferenciavam as classes sociais, atualmente já não, tanto que pessoas de classes mais altas se incomodam com o consumo de pessoas pobre de bens que deveriam ter um status agregado mas atualmente não são mais exclusivos, vide a questão com os famosos celulares da Apple, que tem um valor de status agregado além do seu valor financeiros e atualmente está difundido entre ricos e pobres (CALDEIRA, 2011). Ademais com a democratização os pobres forçaram seu reconhecimento em espaços que anteriormente eram reservados à elite. Com os sinais óbvios de diferenciação diminuindo e mais dificuldade de afirmarem seus privilégios e códigos de comportamento no espaço público, os mais ricos se voltaram aos sistemas de identificação. Em espaços de circulação controlada eles servem para assegurar que diferenciação e separação ainda é possível em público (CALDEIRA, 2011). Com a redemocratização os moradores pobres

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da periferia passaram a atuar como importantes agentes políticos com movimentos sindicais e sociais que surpreenderam a população, foram reivindicar seus direitos no espaço público que foi aberto, mas não para eles. Essas mudanças na mente daqueles que preferem se isolar e abandonar a cidade, o medo do crime e outras ansiedades se unem de maneira complexa, fazendo-os querem se fechar mais em suas fortalezas (CALDEIRA, 2011).

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São Paulo demonstra que a forma da comunidade política e o espaço público da cidade podem se desenvolver em direções opostas. [...] as recentes transformações urbanas não um resultado de políticas impostas pelo Estado, mas sim da maneira pela qual os cidadãos se engajaram com sua cidade, elas podem ser vistas como o resultado de uma intervenção democrática. Embora esse engajamento possa ser visto como uma forte ação democrática, ele produziu sobretudo resultados não democráticos. A perversidade desse esforço dos cidadãos é que ele levou à segregação mais do que à tolerância (CALDEIRA, 2011, p.327)

Com ordens urbanas baseadas no enclausuramento e policiamento de fronteiras as cidades de muros negam o espaço democrático, se opõe a ele. O espaço público está se transformando em um espaço privatizado, enclausurado e com instrumentos para o distanciamento que criam uma esfera pública fragmentada, consolidada na base da separação e segurança, onde igualdade, acessibilidade e tolerância não são premissas básicas. Onde o medo do crime produz estereótipos de outros perigosos, sendo esses pobres, negros e imigrantes (CALDEIRA, 2011). “Se as experiências de separação expressas no meio urbano se tornarem hegemônicas em suas sociedades, elas se distanciarão da democracia” (CALDEIRA, 2011, p.340).


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As condições necessárias para a democracia está em que as pessoas reconheçam diferentes grupos sociais como concidadãos, com direitos equivalentes aos seus mesmo com suas diferenças. Entretanto, nas cidades divididas pelos muros o sentimento de que grupos diferentes pertencem a universos totalmente diferentes, separados e sem possibilidade de conciliação nas reivindicações é constantemente alimentado. Esse modelo de cidade corrói a cidadania e a democracia dos espaços públicos (CALDEIRA, 2011).

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PÍTULO 03 CAPÍTULO 03 CA


APÍTULO 03 CAPITULO 03 C

ESPAÇO PÚBLICO

ESPAÇO PÚBLICO

LUGAR E PERTENCIMENTO RUA RUAS ABERTAS


| CONTRAPONTO DA SEGREGAÇÃO |

LUGAR E PERTENCIMENTO

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O lugar é definido por Carlos (2007) como onde acontece a vida, onde a vida se apropria do espaço através dos sentidos, da identidade com o lugar, das caminhadas dos seus moradores, da rua, da praça e do bairro. É um local onde há uma variedade de relações que se dá pela vivência de uma prática social. Para Lefebvre (apud Carlos, 2007) os lugares se opõem ou se reúnem classificando-os pelos seus contrastes, mas há acima de tudo uma grande oposição entre os espaços que são dominados e apropriados. Os dominados têm como representantes as áreas fragmentadas, que vieram de um processo de mudança da forma de apropriação, com a cidade se expandindo, a dispersão para a periferia que reproduziu uma hierarquia socioespacial a qual determina usos através das camadas privilegiadas e produz guetos, tirando a dimensão humana das cidades e redefinindo os usos públicos e privados. Esse processo fragmenta também as relações sociais. Um notável exemplo são os condomínios fechados, já tratados neste trabalho, que se confinaram intramuros munidos de um forte esquema de segurança e controle, e preferem viver sem as relações sociais entre diferentes grupos sociais propiciadas pelas cidades, a não-vizinhança, onde só são abertos a poucas pessoas de sua confiança (CARLOS, 2007). Os espaços apropriados podem ser exemplificados como as sociedades amigos de bairros, citadas por Carlos (2007), que produzem movimentos reivindicatórios fortes, questionando a propriedade privada que impede o acesso à moradia digna. Esses movimentos revivam o uso priorizando as relações das pessoas com o lugar em vez de tratar apenas como consumo de espaço. Os laços são criados a base do reconhecimento do outro e através dos modos de uso dos espaços habitados. O contato cotidiano produz a identidade, perspectivas comuns, consciência de desigualdades e contradições que são as relações humanas. (CARLOS, 2007).


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A história do indivíduo é aquela que produziu o espaço e que a ele se imbrica por isso que ela pode ser apropriada. Mas é também uma história contraditória de poder e de lutas, de resistências compostas por pequenas formas de apropriação (CARLOS, 2007, p. 19).

RUA PERTENCIMENTO [...] a atividade prática vai mudando constantemente o espaço e os seus significados, marcando e renomeando os lugares acrescentando, por sua vez, traços novos e distintos que trazem novos valores, presos aos trajetos construídos e percorridos (CARLOS, 2007, p.45).

Essa atividade prática se mostra nos ambientes públicos e principalmente na rua, ela espacializa as relações sociais que acontecem durantes olhares, gestos e falas. Nelas que a apropriação da cidade se mostra de forma clara, assim como afloram as diferenças e contradições (CARLOS, 2007). As cidades são produto da interação entre o espaço urbano e a sociedade que intervém nela, com as articulações de diferentes temporalidades vindas da apropriação do uso por meio da cultura, hábitos e costumes, que produzem locais singulares e a rua é um desses locais. E o entendimento dos usos da rua e o entendimento dos hábitos e costumes da sociedade que nela se organizam estão ligados, pois é nela que se criam as construções dos caminhos que criam a vida urbana (CARLOS, 2007). Antigamente, as ruas eram para as pessoas transitarem e não as calçadas. Em cenas de filmes antigos retratando uma rua comercial, as calçadas eram usadas para colocar as mercadorias de um feirante, as

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mesas do bar e o engraxate a sua cadeira. As pessoas andando nas ruas dividiam o espaço com cavalos, bicicletas, crianças e o pequeno tráfego de veículos. Com o passar do tempo houve o aumento de automóveis e das velocidades, tornando o compartilhamento de espaço impossível (SCHLICKMANN, 2014). Se atribuiu muito espaço para poucas pessoas dentro dos carros e se diminuiu o espaço para muitos que andam pelas ruas, gerando uma desigualdade na distribuição de espaço e recursos aplicados pelo Estado (SCHLICKMANN, 2014). Entretanto, as ruas atualmente se transformaram de locais de estar para locais de passagem, apesar de não perder todo o seu sentido de local de reunião, hoje, se tornaram escassos. As ruas são empobrecidas pois estão cada vez mais subordinados ao mundo do consumo e de mercadorias, onde o status permeia as relações e as subjuga. 98

Nessa perspectiva o cotidiano se apresenta como o lugar dos gestos repetitivos e da uniformidade e homogeneidade de hábitos, formas de uso, comportamento, valores, etc.” (CARLOS, 2007, p. 54). As ruas tendo como característica um lugar de passagem e a insegurança, os shoppings se mostraram uma alternativa muito apelativa numa “democracia instável como a nossa” (SCHLICKMANN, 2014). Os shoppings são um ruas comerciais perfeitas colocada uma em cima da outra, com “calçadas” largas, iluminadas, limpas, muito seguras, sem carros para atrapalhar e consequentemente sem poluição (SCHLICKMANN, 2014). Segundo Lefebvre (apud Carlos, 2007) quando as ruas param de ser interessantes a vida cotidiana também perde o interesse, e a medida que isso acontece as ruas passam a não ter mais a característica de local de encontro. Quando se enchem de carros e a circulação de pedestre se torna escassa a cidade vira um “deserto


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lunar”. E a extinção da rua implica na também na extinção da vida na cidade. Como acontece nas cidades americanas e em São Paulo que com o urbanismo moderno construíram grandes vias expressas, amplas pistas de trânsito rápido, que ignoram a cidade, como o rodoanel ou mesmo o minhocão. Nos fins de semana que normalmente aparece o sentido de local de encontro que as ruas possuem, em virtude da diminuição do tráfego de automóveis, crianças e adultos podem se divertir e desfrutar a cidade em parques, praças, o próprio minhocão que fica aberto apenas para pedestres assim com a avenida paulista. Em festas como a de San Genaro, que acontece na Mooca, é visível que mesmo com o individualismo aumentando ainda há em alguns pontos da cidade usos que mostram que nem tudo se perdeu. Assim como as procissões que reunem fiéis em algumas comunidades, quermesses que reúnem vizinhos para conversar e tomar vinho quente ao redor das barracas, mudando a vida nos bairros (CARLOS, 2007). As ruas conforme Lefebvre descreve são locais de encontro na qual outros locais de encontro como cafés, parques, teatros dependem, esses locais não teriam força suficiente sem ruas ativas. Elas são locais de interferências, passagens, circulação e comunicação que refletem os usos que ligam, tornam público tudo aquilo que se esconde. [...] na rua, teatro espontâneo, eu me torno espetáculo e espectador, às vezes ator. Aqui se efetua o movimento, uma mistura sem a qual não existe vida urbana, mas separação, segregação estipulada e fixa” (LEFEBVRE apud CARLOS, 2007, p.54). Elas também são local de desordem e conflito, pois por meio nelas que um grupo pode se manifestar e se apropriar dos lugares. São o imprevisto e o espontâneo, como disse Lefebvre são parte da teatralidade que se sobrepõe a vida cotidiana.

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A multidão improvisa e ao se apropriar da rua, enquanto lugar da apropriação — seja para manifestar se politicamente, seja para a festa ou pela vitória de um campeonato de futebol, ou para participar de uma corrida ciclística, um jogo de futebol de várzea, uma procissão religiosa ou mesmo um comício ou show — em todas elas, muda o sentido da rua (CARLOS, 2007, p.59).

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A improvisação e espontaneidade caracteriza o cotidiano em determinado local marcando a sua especificidade, é isso que aflora na rua e é elemento principal para o cotidiano. Basta estar atento. É através também da identidade, do sentimento de pertencer, das formas de apropriação do espaço, dos lugares habitados que têm presença dos pedestres, que fica visível as noções de pertencimento. Assim como para quem mora ali olha o seu entorno e “sabe tudo de cor”, porque isso diz a respeito da vida e seu sentido, que vem e vai, se ressignifica e transformado pelas relações sociais a todo momento, produto de uma acumulação cultural inscrita nem tempo e espaço (CAMPOS, 2007). Com diz Baudelaire no poema “Lês Foules” citado por Carlos (2007): acredita que gozar a multidão é uma arte e o poeta, o passante solitário e pensativo, tira proveito pois têm paixão pela viagem e sua alma está inteiramente aberta “a poesia, à caridade, ao imprevisto, que se mostra, ao desconhecido que passa” (CARLOS, 2007, p.59).

O QUE A TORNA SEGURA As ruas e as calçadas são as principais áreas públicas de uma cidade, tem mais fins do que apenas comportar veículos e abrigar pedestres. São a principais características das cidades, são nelas que se pensam


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quando se pensa em cidade. Se uma cidade tem ruas monótonas, a cidade parecerá monótona e se as ruas forem interessantes, logo a cidade parecerá interessante (JACOBS, 2011). Quando as pessoas definem locais que acham perigosos, quer dizer que não se sentem seguros nas ruas e calçadas daqueles locais. E não é preciso muitos casos de violência em determinada rua ou bairro para que as pessoas temam aquelas ruas. O temor das ruas agrava a insegurança, pois com medo as pessoas param de usá-las, assim tornando-as mais perigosas. Mas para atingir a paz nas ruas não é preciso apenas da polícia, ela é necessária, entretanto a segurança é mantida principalmente por uma rede quase que inconsciente de controle e um padrão de comportamento espontâneo das próprias pessoas que circulam. A principal qualidade de um bairro promissor é que as pessoas que ali circulam se sintam protegidas e seguras em meio aos desconhecidos (JACOBS, 2011). A confiança nas ruas formam-se a partir de pequenos contatos públicos nas calçadas, como pessoas que param nas padarias para tomar café ou no bar para tomar cerveja, que recebem ou dão conselhos ao jornaleiro ou merceeiro, dão bom dia as pessoas nas portas de suas casas, ficam cuidando das crianças brincando na rua e as advertindo, trocam dinheiro nas lanchonetes, conversam com os farmacêuticos. Esses encontros com vizinhos e desconhecidos nos comércios e nas ruas que solidificam a confiança. Boa parte desses contatos é trivial, mas a soma deles resulta em uma compreensão da identidade pública das pessoas, cria uma rede de confiança e respeito entre as pessoas que podem eventualmente em alguma dificuldade se ajudar (JACOBS, 2011). O equilíbrio de uma boa vizinhança é mantido pelas pessoas que rodeiam garantindo que haja um mínimo de privacidade e desejo de poder variar os graus de contato, prazer e auxílio entre os moradores.

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Esse equilíbrio também vem dos contatos espontâneos e informais que acontecem de forma até despercebida (JACOBS, 2011). Ruas impessoais geram pessoas anônimas, e não se trata da qualidade estética nem de um efeito emocional místico no campo da arquitetura. Trata-se do tipo de empreendimento palpável que as calçadas possuem e, portanto, de como as pessoas utilizam as calçadas na vida diária, cotidiana (JACOBS, 2011, p.61).

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Uma rua prospera possui uma infraestrutura para receber desconhecidos e utilizar a presença deles como trunfo, para isso de acordo com Jacobs (2011) é preciso ter três características principais: uma separação clara entre público e privado; devem existir o que ela chama de “olhos da rua”, pessoas que se colocam como proprietários naturais da rua e cuidam dela; as calçadas devem ter pessoas transitando ininterruptamente, para aumentar os olhos atentos e para estimular um número suficiente de pessoas a olhar as ruas de dentro de seus edifícios (JACOBS, 2011). Quando as pessoas utilizam dessa rede de contatos e relações espontâneas, a segurança é mais eficaz, mais informal, menos hostil, sem se basear na desconfiança e as pessoas estão menos conscientes de que estão policiando o local. Para essa rede funcionar é necessário um número considerável de estabelecimentos e locais públicos ao longo das ruas do bairro, principalmente alguns que sejam utilizados a noite, dando as pessoas sejam moradores ou desconhecidos, motivos e interesse de utilizar essas calçadas (JACOBS, 2011). Uma figura muito importante na estrutura social da vida nas ruas e calçadas depende do que Jacobs (2011) chama de “figura pública autonomeada”. Ela é aquela que tem contato com um extenso círculo de pessoas e através da conversa com essa variedade de pessoas sabe das notícias de interesse da rua e as transmite. Normalmente são pessoas que cuidam de lojas, bares, padarias ou outros estabelecimentos parecidos. As


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figuras públicas fundamentais são essenciais, pois todas as outras figuras públicas que podem estar nas calçadas, circulando ou em outras funções pela rua dependem da fundamental. Dois exemplos que Jacobs (2011) cita em seu livro descrevem muito bem como agem as pessoas que criaram relação com a rua e o bairro, possuindo um sentimento de pertencimento e necessidade de cuidar daquele local mantendo os olhos na rua. No ano passado estive numa rua dessas, no Lower East Side de Manhattan, esperando um ônibus. Não fiquei lá mais que um minuto, pouco tempo para começar a perceber a movimentação de transeuntes, crianças brincando e desocupados sentados diante de casa, quando minha atenção foi atraída por uma mulher que abriu a janela do terceiro andar de um prédio do outro lado da rua e gritou um “Ei!” bem alto para mim. Quando percebi que era comigo e respondi, ela berrou de volta: “O ônibus não passa aqui aos sábados!” Depois, com uma mistura de gritos e mímica, me mandou virar a esquina. Essa mulher era uma de milhares e milhares de pessoas em Nova York que tomam conta das ruas, sem compromisso. Elas notam os desconhecidos. Elas observam tudo o que acontece (JACOBS, 2011, p.38/39).

Essa mulher que fala com Jacobs ela não apenas tem os olhos para a rua, ela também interfere no espaço quando ajuda uma desconhecida dizendo que ali naquele dia não passa o ônibus, mostra que ela é uma proprietária natural da rua, que tem uma tal segurança que até intervém nos acontecimentos. O incidente que me chamou a atenção foi uma discussão abafada entre um homem e uma menina de oito ou nove anos de idade. Aparentemente, o homem tentava convencer a menina a ir com ele [...] Do açougue de baixo do prédio, saiu a mulher que cuida do estabelecimento com o marido; ficou parada a curta distância do

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homem, com os braços cruzados e expressão muito decidida. Joe Cornacchia, que cuida da confeitaria com seus genros, saiu quase ao mesmo tempo e ficou firme, do outro lado. Várias cabeças despontaram nas janelas mais altas do prédio [...] Dois homens do bar vizinho ao açougue vieram à porta e ficaram olhando. Do meu lado da rua, vi que o chaveiro, o quitandeiro e o dono da lavanderia tinham saído de seus estabelecimentos e que a cena também era acompanhada de várias janelas vizinhas à nossa. O homem não percebera, mas estava cercado. Ninguém ia permitir que uma garotinha fosse levada, ainda que ninguém soubesse quem era ela [...] Enquanto durou esse pequeno drama, talvez uns cinco minutos, ninguém apareceu nas janelas do prédio de apartamentos de alta renda. Foi o único prédio em que isso aconteceu (JACOBS, 2011, p.39/40). 104

Todos os moradores da rua têm uma relação de proprietários da rua, muito diferente dos inquilinos do prédio de alta renda, na qual os moradores da rua nem sabem a sua fisionomia de tão passageiro que são as suas passagens pelas ruas. Os moradores do prédio de alta renda nem imaginam quem toma conta da rua e como isso acontece, boa parte deve acreditar que é papel somente da polícia. E quando um bairro for igual a esses moradores, as ruas serão cada vez menos seguras e quando a situação ficar muito difícil, eles se mudarão para outro bairro inexplicavelmente seguro (JACOBS, 2011). Em ruas onde só há edifícios de alta renda o que pode manter uma rua segura é a profusão de porteiros, zeladores, babás, entregadores, seguranças que fazem o papel da rede de vizinhança. Quando os moradores saem para passear com seus animais de estimação é que complementam a função das porteiros e seguranças. Mas essa rua é não possui olhos próprios e não há motivos para ser utilizada, observada tanto por moradores quando muito menos por estranhos. Se não fosse mais possível sustentar essa rede de trabalhadores


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que olham as ruas, elas se tornariam muito perigosas (JACOBS, 2011). Nos lugares onde a vida pública natural não existe os moradores mantêm normalmente uma relação de isolamento entre si e com a cidade. Se não uma clara definição do público e privado, estabelecer contato com os vizinhos quer dizer se envolver com a vida deles e eles com a sua, e não é possível fazer como as classes mais altas que selecionam seus vizinhos, a única saída é evitar contato e portanto oferecer ajuda eventualmente. A consequência disso são as várias barreiras colocadas para garantir a segurança pessoal. A insegurança e desconfiança pautam as relações e para proteger a família, os filhos permanecem dentro dos apartamentos, fazem poucas amizades e não mantém uma relação de ajuda dos vizinhos em eventuais necessidades. Geralmente esses locais são zonas residenciais sem comércio e vida nas calçadas (JACOBS, 2011). Esses locais geram padrões estranhos de convivência como Jacobs cita uma fala de seu sobrinho David de dez anos que mora em um condomínio privado chamado Stuyvesant Town: Da mesma forma, David, meu sobrinho de dez anos, nascido e criado em Stuyvesant Town, “uma cidade dentro da cidade”, comenta abismado como as pessoas podem andar pela rua diante da minha casa. “Ninguém verifica se elas pagam aluguel pela rua?”, perguntou ele. “Se elas não são daqui, quem as manda embora?” (JACOBS, 2011, p.51/52).

Apesar disso, as cidades não possuem apenas espaços para essas diferenças. As cidades possuem pessoas de diferentes gostos, propósitos, ocupações e propensões e quanto mais diversificado for o leque de interesses melhor para as ruas, para a sua segurança e para a gentileza das pessoas. A sua animação e variedade atraem mais interação e a sua apatia e monotonia destrói a vida (JACOBS, 2011). Nos bairros os parques urbanos podem ser elementos incríveis e uma vantagem econômica para

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as vizinhanças. Claro, que essa vantagem precisa de ruas ativas para acontecer. É preciso de edifícios com variedade de usos e que propicia diferentes usuários utilizarem aquele espaço em diferentes horas do dia para diversos compromissos. Os parques que tem sucesso ajudam a aproximar atividades vizinhas aumentando a sua diversidade de usuários e serviços (JACOBS, 2011). Quanto mais a cidade for capaz de mesclar a multiplicidade de usos e usuários no cotidiano das ruas, mais os habitantes se animarão para sustentar isso com naturalidade produzindo uma sensação de prazer e alegria para a vizinhança em vez do vazio (JACOBS, 2011).

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Sua essência é a complexidade do uso das calçadas, que traz consigo uma sucessão permanente de olhos [...] mas a um balé complexo, em que cada indivíduo e os grupos têm todos papéis distintos, que por milagre se reforçam mutuamente e compõem um todo ordenado. O balé da boa calçada urbana nunca se repete em outro lugar, e em qualquer lugar está sempre repleto de novas improvisações (JACOBS, 2011, p.52).

DIVERSIDADE E USOS COMBINADOS Para termos uma mistura de usos que seja complexa o suficiente para promover a segurança, o contato público e interação dos usos, é necessária uma quantidade muito grande de componentes diversos, é a partir da diversidade urbana que se estimula mais diversidade (JACOBS, 2011). Vale até mesmo para atividades comerciais comuns, mas de pequeno porte como farmácias, lojas de material de construção, docerias, bares, lanchonetes, que deles podem surgir bairros extremamente movimentados, porque há pessoas suficientes para frequentar o lugar em intervalos curtos e constantes, e o trabalho de vizinhança é peça chave para consolidar esse mercado. Onde existem locais ricos de vida e


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atraentes, os estabelecimentos pequenos são muito mais numerosos que os grandes, essas empresas não existiriam em locais com pouca vitalidade. E a paisagem urbana é mais ativa devido a grande quantidade de pequenos elementos (JACOBS, 2011). Para existir o comércio diversificado é preciso de uma combinação de usos econômicos e condições físicas, que são as mesmas que para a criação de outros tipos de variedade urbana. E os visitantes farejam os locais onde há vida e procuram compartilhar dela e a alimentando mais (JACOBS, 2011). Para Jacobs (2011) há quatro condições para gerar uma diversidade abundante nas ruas e bairros: Primeira, o local deve atender o maior número de segmentos e mais de uma função principal, para garantir que haja a presença das pessoas em diferentes horários com motivações diferentes mas que compartilhem da infraestrutura (JACOBS, 2011). Para isso é necessário ter usos principais combinados, que são aqueles que atraem pessoas para um local específico por si só, como por exemplo: escritórios, equipamentos de lazer, educação e cultura, e moradias. Se ele estiver isolado, é um gerador de diversidade ineficiente, é preciso de uma efetiva associação entre eles para produzir um ambiente fértil para a diversidade derivada. Com uma boa variedade de necessidades, preferências de consumo, variedade de serviços e estabelecimentos especializados o processo se multiplica por si mesmo (JACOBS, 2011). Em locais onde não é muito ativo nos usos principais é necessário focar nos usos noturnos e de fim de semana principalmente com eventos. E a medida que o bairro ficasse mais agitado nestes horários, poderiam surgir espontaneamente usos residenciais, que produzem e demandam diversidade por isso atraem outros estabelecimentos mais variados. O que conta é o resultado no dia-a-dia da mistura de pessoas como grupo de sustentação mútua (JACOBS, 2011). Um exemplo do comportamento de uma rua com a combinação de usos principais articulados é a Rua

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Hudson em Nova Iorque descrito por Jocobs (2011):

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[...] o balé da Rua Hudson. A existência permanente dessa movimentação (que traz segurança à rua) depende de um alicerce econômico de usos principais combinados. Os funcionários [...] garantem o funcionamento de restaurantes e lanchonetes e da maioria do comércio na hora do almoço. Nós, moradores da rua e das travessas majoritariamente residenciais, poderíamos manter sozinhos um comércio pequeno, mas pouco numeroso. Dispomos de mais facilidades, animação, variedade e opções do que “merecemos”. As pessoas que trabalham na vizinhança também têm, por nossa causa, mais variedade do que “merecem”. Mantemos isso tudo juntos, cooperando inconscientemente no campo econômico. Se o bairro perdesse o comércio, seria uma calamidade para nós, moradores. Desapareceriam muitas empresas incapazes de sobreviver somente com as compras domésticas. Ou, se o comércio nos perdesse, desapareceriam as empresas incapazes de sobreviver só das transações com os trabalhadores [...] os empreendimentos que somos capazes de manter atraem, para as calçadas, à noite, muito mais moradores do que se o lugar fosse morto. E, com menos intensidade, atraem ainda outro grupo além dos moradores e dos que trabalham no local: pessoas que querem espairecer, como nós. Essa atração expõe nosso comércio a um grupo ainda maior e mais diversificado de pessoas [...] (JACOBS, 2011, p.168).

Segunda condição, a maioria das quadras devem ser curtas com mais oportunidades de ruas e esquinas, pois vizinhanças isoladas, separadas tem muitas chances de ser desassistidas pela população, portanto, quadras menores podem ter uma variedade melhor de estabelecimentos e mais pessoas passando por elas pois tem uma variedade maior de caminhos (JACOBS, 2011).


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[...] em vez disso, que essas quadras longas de leste a oeste fossem cortadas por uma rua [...] mas uma rua contendo prédios onde as coisas pudessem ter início e crescessem em pontos economicamente viáveis: lugares para comprar, comer, ver coisas, tomar uma bebida. Com essa outra rua, aquela pessoa da Rua 88 não mais precisaria percorrer um trajeto monótono, sempre igual, até determinado local. Ela teria uma escolha ampla de percursos. A vizinhança literalmente se abriria para ela (JACOBS, 2011, p.199/200).

Terceira condição, o bairro deve ter uma combinação de edifícios de diferentes idades e estados de conservação, gerando rendimentos econômico variados. Os diferentes preços criam uma variedade de estabelecimentos e empresas para diferentes faixas de renda (JACOBS, 2011). Quarta condição, precisa ter uma densidade suficientemente alta de pessoas, isso inclui alta concentração de estabelecimentos, empresas, pequenos e grandes negócios e também residências. Sem a concentração de moradores não há boas infraestruturas e diversidade de usos, que só são possíveis por possuir rede de habitantes fixos (JACOBS, 2011). As combinações de usos e a diversidade nas cidades podem se parecer como a forma de caos, mas representam uma forma de organização complexa e muito bem desenvolvida. Se compararmos esses locais diversos com os lugares homogêneos de usos e de aparência, esse último será tratado com um ambiente de monotonia. nesses ambientes muito homogêneos há a tentação de ser diferente e para isso usa-se as mais mirabolantes arquiteturas. Entretanto pode acontecer o mesmo que em Wilshire Boulevard, em Los Angeles, conforme descreve Jacobs (2011): O Wilshire Boulevard, em Los Angeles, é um exemplo de tentativas sucessivas de produzir distinções superficiais, dispostas, ao longo de vários quilômetros de prédios

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de escritórios intrinsecamente monótonos (JACOBS, 2011, p.248).

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Quando há a inexistência de diversidade abundante e concentrada as pessoas pode levar as pessoas a andarem de automóvel por qualquer motivo. Por isso em locais com baixa densidade e sem usos diferentes, qualquer ponto de atração como um shopping center, clínicas e equipamentos de lazer, ocasionam uma concentração de trânsito (JACOBS, 2011). Já em áreas diversificadas e densas, o andar ainda faz parte da vida delas, quanto mais variado e concentrado for o local maior a oportunidade das caminhadas. Até mesmo pessoas de vão de carro ou transporte público a uma área viva, preferem andar até lá (JACOBS, 2011). A maior falha vem do zoneamento em permitir a monotonia de acordo com estudo de Raskin (apud Jacobs, 2011). Os zoneamentos ignoram a proporção dos usos, ou mesmo confunde o tipo de uso. Há também as tentativas de segregar espaços e usos independente das suas proporções ou efeitos práticos. A própria diversidade pode ser suprimida. Áreas urbanas com diversidade geram usos desconhecidos e imprevisíveis as expectativas. Mas isso não é um inconveniente, trata-se de algo essencial para o desenvolvimento de lugares ativos (JACOBS, 2011).

ENSINAR CRIANÇAS É provável que todos saibam que o coração das cidades depende de várias coisas. Quando o coração urbano para ou se deteriora, a cidade, enquanto conjunto de relações sociais, começa a sofrer: as pessoas que deveriam se encontrar deixam de fazê-lo, em virtude da falta das atividades do centro [...] A rede de vida pública urbana sofre rupturas insustentáveis. Sem um coração central forte e abrangente, a cidade tende a tornar-se um amontoado de interesses


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isolados. Ela fracassa na geração de algo social, cultural e economicamente maior do que a soma de suas partes constitutivas (JACOBS, 2011, p.181). Sem exceção, as crianças que iam embora a contragosto vinham de um conjunto habitacional próximo. E, também sem exceção, todas as que saíam de boa vontade vinham dos cortiços antigos de ruas próximas. O mistério, concluiu Guggenheim, era simples. Ao voltar para o conjunto habitacional, com seus generosos gramados e playgrounds, as crianças passavam por um corredor polonês formado por valentões, que as faziam esvaziar os bolsos ou então as espancavam, às vezes ambas as coisas. Essas crianças pequenas não conseguiam voltar para casa todos os dias sem sofrer essa provação aterrorizante. Guggenheim descobriu que as crianças que voltavam para as ruas tradicionais não corriam o risco de extorsão. Elas tinham uma quantidade enorme de ruas para escolher e, espertas, escolhiam as mais seguras. “Se alguém implicasse com elas, havia sempre um comerciante a quem podiam recorrer ou alguém que as ajudasse”, relata Guggenheim [...] o terreno ajardinado e o playground do conjunto habitacional eram extremamente desinteressantes; pareciam sempre desertos, em comparação com as ruas tradicionais da vizinhança, cheias de coisas interessantes, diversidade e elementos tanto para a máquina fotográfica quanto para a imaginação (JACOBS, 2011, p.81/82).

Este trecho que descreve a diferença da vontade das crianças de irem a escola, demonstra que o espaço ativo e o espaço monótono muda totalmente a relação das pessoas com o local quanto com as pessoas. As crianças que atravessavam o espaço vazio, sem vida dos conjuntos e eram espancadas por outras crianças, não tinham adultos atentos os seus passos, não tinham lugares interessantes para brincar, isso gerou crianças violentas e tristes. Já as que moravam nos cortiços

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próximos tinham uma infinidade de lugares para explorar com adultos nas ruas sempre supervisionando e as ajudando em algumas situações, assim teriam muito mais disposição e vontade de ir a escola. A mudança mais significativa dos dois casos é que as crianças que foram para os conjuntos saíram dos olhos vigilantes de vários adultos para ir para um playground onde a proporção de adultos é baixa ou inexistente (JACOBS, 2011). Assim como os playgrounds dos conjuntos, calçadas pouco usadas ou calçadas com olhos para ela, mas que a vizinhança troca de endereço constantemente não são seguras para as crianças. Esses locais dependem de funcionários contratados, equipamentos e espaço que poderiam ser melhor aproveitado como quadras, piscinas, lagos e outras atividades ao ar livre. É imprudente do ponto de vista social e econômico gastar com espaços pouco interessantes como certos playgrounds, quando as cidades possuem uma escassez de recursos monetários e de pessoas (JACOBS, 2011). As crianças precisam de uma boa quantidade de locais para aprender e brincar acessíveis e com oportunidade de praticar algum tipo de esporte e exercitar as capacidades físicas. Nas ruas há um tipo de recreação informal que nas calçadas mais movimentadas são possíveis (JACOBS, 2011). É preciso entender que para cuidar de crianças brincando em algum espaço é necessária uma grande quantidade de adultos e que espaço e equipamentos não cuidam delas (JACOBS, 2011). Nas calçadas as crianças aprendem com os adultos que ali estão a entender o fundamento principal para uma boa vida urbana “as pessoas devem assumir um pouquinho de responsabilidade pública pelas outras, mesmo que não tenham relações com elas” (JACOBS, 2011, p.90). Esse ensinamento é dado continuamente para as crianças que desfrutam do espaço público e da vida pública nas ruas, assimilando isso desde cedo (JACOBS, 2011). Tanto que elas:


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Elas dão indicações (antes de elas serem solicitadas) a pessoas que estão perdidas; advertem um sujeito de que ele levará uma multa se estacionar o carro naquele lugar; sugerem espontaneamente ao síndico do prédio que use sal grosso em vez de talhadeira para partir o gelo [...] (JACOBS, 2011, p.91).

Esse comportamento das crianças na cidade é uma indicação de existência de um comportamento de proprietário natural do espaço dos adultos em relação às crianças e as pessoas que por ali passam. São lições que funcionários contratados não conseguem passar. Este ensinamento deve ser emanado pela sociedade e isso ocorre normalmente quando estão brincando nas calçadas. (JACOBS, 2011). Conforme as crianças crescem, a atividade fora de casa é menos física e mais junto a outras crianças formando opinião, conversando, flertando, provocando, uma relação mais ligada a formação das convicções e crenças. E o requisito para qualquer dessas atividades é existir um espaço em um lugar conveniente e sobretudo interessante (JACOBS, 2011). Apesar dos benefícios das calçadas nos ensinamentos para as crianças, algumas calçadas são realmente ruins para qualquer pessoa. Nesses locais, precisa-se promover instalações que propiciem a segurança, a vitalidade e estabilidade nas ruas. É um problema complexo, mas enclausurar as crianças em parques, playground ou dentro de suas casas é improdutivo e uma solução péssimas para os problemas da rua e da cidade (JACOBS, 2011).

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EVENTOS QUE NOS APROXIMAM DA RUA

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Disponível em: < https://exame.abril.com.br/ brasil/avenida-paulista-sera-fechada-para-carros-aos-domingos/> 9

Disponível em: <https://www1.folha.uol.com. br/cotidiano/2018/03/ minhocao-sera-fechado-a-carros-o-sabado-inteiro-a-partir-desta-semana. shtml> 10

Na cidade pipocam eventos e muitos deles em espaços públicos que fazem com que as pessoas que frequentam aquele espaço sintam a criação de um laço afetivo com aquele local, que o início de uma apropriação. Mas além disso a apropriação pode começar em, por exemplo, um trailer de comida de rua que é encontrado em várias cidades, eles podem em diversas vezes atrapalhar o trânsito nas calçadas e não possuem uma estética tão bonita, mas eles tendem a gerar maior movimento e segurança durante a noite. Assim como os trailers situações de venda de comida de rua informal ou formal tendem a ter esse efeito (SILVA, SILVA, 2018). Situações simples como a instalação de mobiliário próximos a estabelecimentos comerciais ou bares e restaurantes incentivam a permanência nas ruas para conversar e surgem assim pequenas aberturas para a interação social. Nesse sentido há o movimento dos parklets, mobiliários que ocupam vagas de carro e produzem espaços de encontro em uma cidade em que normalmente para desfrutar de algum local de descanso é preciso consumir. Apesar desse ideal, os parklets em São Paulo estão em sua maioria instalados em regiões de maior poder aquisitivo, o que limita a sua atuação e poder de transformação. A ação de abrir a Avenida Paulista9 aos domingos e feriados somente para pedestres e ciclistas foi um grande avanço na apropriação da cidade, diferentes grupos são atraídos para esse local com diferentes intuitos, pois acontecem diversas atividades e há abertura para isso, para a espontaneidade. Assim como o minhocão10 que fica o final de semana todo aberto para as pessoas, onde há variados espetáculos e apresentações artísticas nas janelas dos prédios ao redor. O carnaval de rua em São Paulo que foi regulamentado pela prefeitura em 2014, depois de confrontos com a polícia no ano anterior pela festa ter excedido 15 minutos e a via precisava ser liberada para a passagem de carros. Em festas de rua em geral há uma naturalidade na forma em as pessoas se colocam no espaço público. De acordo com o geógrafo Alessandro


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Dozena11,

Disponível em: <https://www.redebrasilatual. com.br/cultura/2016/02/ carnaval-de-rua-contribui-para-apropriacao-de-espacos-publicos-diz-pesquisador-3509/> 11

“O carnaval de rua é acompanhado do improviso, da resistência às normas e ao que é disciplinador. Temos nele uma lógica da improvisação em que o ambiente urbano é apropriado e a espontaneidade permite um contraponto ao artificialismo da realidade cotidiana”.

Ele comenta que nos últimos anos os blocos carnavalescos ganharam força pela necessidade da população “por momentos de expressão e manifestação de relações sociais centradas na espontaneidade e na alegria, quando então é possível voltar a se apropriar das ruas do bairro, das praças públicas e de outros equipamentos públicos”. “O princípio do carnaval de rua é o da alegria, assegurando a utopia instantânea e fugaz, o convívio alegre, menos hierarquicamente arbitrário, menos tirânico e mais livre”. E é esse tipo de princípio que precisa ser levado para todos os outros dias do ano, não somente no carnaval. A apropriação do espaço nos faz mais humanos. Um exemplo de bloco de carnaval que tem um propósito ativista e de manifestação junto com a descontração é o “Tarado Ni Você”, um dos maiores blocos de São Paulo, embalado por canções de Caetano Veloso, o bloco atrai a atenção para questões importantes como neste ano que o tema foi “Terra Transe” que é “uma metáfora aos tempos de cegueira e apatia coletiva que estamos vivendo na política sócio-cultural brasileira” de acordo com Thiago Borba um dos fundadores do bloco. “Esse tema faz uma alusão clara ao filme do Glauber Rocha, Terra em Transe. Aos desastres ecológicos, enchentes e queimadas, ao desmanche da cultura e sucateamento da educação. Terra Transe é um grito à transformação do que realmente nos importa e nos forma enquanto sociedade” Thiago Borba (NERY, 2020).

Houveram discursos políticos a favor da criação do Parque do Bexiga e da Ocupação 9 de Julho, e

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críticas ao presidente Jair Bolsonaro, o ex-secretário da cultura e a atriz Regina Duarte, que viria a ser a Secretaria Especial da Cultura. Em entrevista os criadores do bloco disseram que “Em 2015 caiu a ficha que estamos vivendo um momento muito intenso de redescoberta da rua e de ocupação dos espaços públicos da cidade”12. E os blocos de rua são um momento importante em é reafirmado a apropriação da rua. Figura 17 - Bloco Tarado Ni Você no carnaval de 2020

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fonte: https://i0.statig.com.br/bancodeimagens/6e/cy/ai/6ecyainrek1ff0tbnzaupox1l.jpg

Assim como os blocos que são iniciativas independentes, o Festival Baixo Centro é um movimento colaborativo e autogestionado, que nasceu na Casa de Cultura Digital, localizada numa antiga vila italiana, nos Campos Elísios, com várias salas que são alugadas para diferentes coletivos, produtoras e empresas ligadas à cultura digital. Nesse ambiente houve a inspiração do movimento de softwares livres e a ideia de tentar aplicar essa metodologia para a discussão do direito à cidade (SILVA, 2016). O Festival tinha como premissa de estimular a


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organização dos cidadãos para criarem e promoverem atividades culturais independente do financiamento da prefeitura ou do financiamento privado e sim através de um crowdfunding, o que reforçava a ideia de fazer um festival de pessoas para pessoas (SILVA, 2016). “A proposta era realmente subverter a lógica de relação entre artistas e o espaço público, mas também entre artistas e organizadores de festivais; o artista passava a ser proponente e estar numa posição muito mais ativa dentro do jogo geral da ação cultural. Ele podia escolher o tempo, a hora e, em alguns casos, o local de apresentação. Tudo era conversado e discutido de modo a ser facilitado pelos cuidadores que só se comunicavam por e-mail com seus artistas e que, muitas vezes, só os conheciam no momento da execução da ação (SILVA, 2016, p.216).

No primeiro ano, 2012, era de comum acordo dos organizadores que não iriam pedir autorização do poder público para essa ocupação, buscou-se então entender a legislação para saber o que poderia ser feito ou não, enfatizando sua autonomia e a postura independente da prefeitura e procurando afirmar que a rua é um direitos de todos. “Nosso intuito foi o de exemplificar que as leis já garantem o direito de ocupação, que não é necessário pedir autorização para órgãos públicos para organizar uma oficina de estêncil, um cinema ao ar livre ou um show em horário comercial em uma praça pública. Legalmente, as ruas e praças já nasceram como palcos para arte, como lugares de encontro e expressão. E isso é um direito do cidadão, só cabe a ele usálas para dançar.” Thiago Carrapatoso (SILVA, 2016, p.230).

Infelizmente o festival teve 3 edições (2012, 2013, 2014) e foi descontinuado. Mas foi o início do entendimento geral sobre a apropriação e ocupação das ruas e o direito à cidade.

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Figura 18 - Festival Baixo Centro 2013

fonte: https://www.thecityfixbrasil.org/wp-content/uploads/2013/04/minhoc%C3%A3o_700_OK.jpg

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Outro grande evento na rua da cidade é a Virada Cultural, teve sua primeira edição em 2005, foi inspirada na ação da Prefeitura de Paris chamada Nuit Blanche (em português: “noite branca”), que tinha como objetivo propor um percurso noturno para os parisienses, uma redescoberta da cidade passando por lugares famosos, outros abandonados ou incomuns. Diferente da inspiração, as atividades acontecem por 24h e não é voltada a um público específico, abrange toda a população e incentiva a utilização do transporte público que permanece operando durante todo o evento (ZARPELON, 2013). De acordo com a Prefeitura a Virada busca “promover a convivência em espaço público, convidando a população a se apropriar do Centro da cidade por meio da arte, da música, da dança, das manifestações populares”. Motivar a população a ocupar o centro em horários em que normalmente é muito pouco frequentado, fins de semana e principalmente a noite (ZARPELON, 2013). Nas primeiras edições, a maioria dos pontos de


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evento estavam dispostos no espaço público (ruas, praças, largos, calçadas e calçadões), na rede Sesc-SP, CEU, alguns museus da rede estadual e poucas instituições culturais não ligadas ao poder público, como a Casa das Rosas e o Centro de Cultura Judaica. Ao longo dos anos, porém, ocorre uma expansão na quantidade de tais pontos: em 2006, toda a rede de museus do Governo do Estado de São Paulo passa a integrar a programação oficial da Virada Cultural, assim como o fazem progressivamente outras instituições culturais, como o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o Itaú Cultural, o Centro Cultural da Cultura Inglesa, e também teatros, salas de cinema, casas noturnas, bares e restaurantes. Hoje, qualquer estabelecimento privado pode ser inserido no calendário do evento, desde que ofereça programação especial e condizente com os propósitos da Virada, sujeita à aprovação da organização. (ZARPELON, 2013, p.159) Figura 19 - VIrada Cultural de 2017

fonte: https://dcomercio.com.br/public/upload/gallery/2019/vidaestilo/virada-cultural-2017-divulgacao.jpg

Estes e outros eventos de rua mostram a importância desse espaço na qualidade de vida de seus cidadãos e as possibilidades além de ser uma via projetada para transportar pessoas e um lugar hostil

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quando não há movimento. É necessário vê-la como espaço público e nos apropriar. O programa Ruas Abertas é um dos movimentos que está mudando a percepção desse espaço.

RUA ABERTAS Figura 20 - Adolescentes jogam vôlei na rua aberta para lazer em 1977

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fonte: https://fotos.estadao.com.br/fotos/acervo,ruas-de-lazer,470593

Em 1975, a SEME (Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação de São Paulo) propôs uma das primeiras atividade relacionada ao Esporte e Lazer, o projeto Ruas de Lazer (COSTA, SAMPAIO, 2015). Desenvolvido em conjunto com as associações de bairro, comunidades paroquiais e centros comunitários, na qual ruas e praças do bairro eram fechadas para o tráfego de veículos com cavaletes, deixando que as crianças e adolescentes brincassem livremente de carrinhos de rolimã, skate, bicicleta e bolas aos domingos (SÃO PAULO SÃO, 2018). A comunidade era responsável


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pela manutenção das atividades e a Secretária fornecia cavaletes, redes de vôlei, travas para partidas de futebol e bolas para os diversos esportes (BIKE ANJO et al, 2019). O objetivo do programa é desfrutar do espaço público através das ações socioculturais, esportivas e recreativas que sejam do interesse da comunidade ao entorno e se adaptam ao espaço. No ano seguinte, foi implantada a primeira Rua de Lazer no Bosque da Saúde e a segunda no bairro Casa Verde. Em 1977, já haviam cerca de 80 ruas de lazer por toda cidade (SÃO PAULO SÃO, 2018). O projeto foi aclamado por pedagogos e sociólogos da época e bem recebidas pelas associações de moradores por ser uma opção de baixo custo que possibilitava o desenvolvimento social, físico e de senso comunitário das crianças e adolescentes através das brincadeiras e esportes (SÃO PAULO SÃO, 2018). “De acordo com a missão da SEME, o programa Ruas de Lazer trata-se de uma iniciativa popular, cujos procedimentos para implantação de Ruas de Lazer na cidade de São Paulo foram regulamentados através da Portaria Conjunta Municipal 01/90 de 06 de março de 1990 (São Paulo, 1990) [...]” (COSTA, SAMPAIO, 2015, p.47).

Em 1996 haviam cadastrados 1.050 endereços no programa, mas boa parte deles já não fazia mais parte do programa. Nos anos 80 a iniciativa perdeu adesão. E nos anos subsequentes houve um desinteresse da administração da cidade pelo programa (IORY, 2015). Em 2013, iniciou-se uma tentativa de recuperar o Ruas de Lazer, uma empresa foi contratada para compreender quais ruas ainda funcionavam de fato, visitas foram feitas durante três meses entre fim de 2013 e início de 2014 (IORY, 2015). “No dia em que os pesquisadores estiveram nessas vias, apenas 138 estavam operando como ruas de lazer. Os moradores de 331 vias informaram que o fechamento ocorre frequentemente” (IORY, 2015). O primeiro teste do Ruas Abertas foi realizado em junho de 2015 com a inauguração da ciclovia na Avenida

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Paulista, justificado grande quantidade de ciclistas e transeuntes que estariam no local e necessitam de segurança. Alguns coletivos propuseram atividades diversas na rua, como piqueniques, exposições, atividades lúdicas e festivas. E também investigar quem eram as pessoas que estavam usando aquele espaço, de onde vinham e o que avaliavam da proposta da implantação do Ruas Abertas (IZELI, 2018). Figura 21 - Inauguração da ciclovia na Av. Paulista

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fonte: https://cdn2.ecycle.com.br/images/materias/Atitude/2015-06/ciclovia-paulista-525-2.jpg

12 SÃO PAULO. Secreta-

ria Especial de Comunicação, 2015.

Audiências públicas foram realizadas em 25 subprefeituras para debater a implantação do programa em vias de grande relevância da região abrindo-as nos domingos e feriados das 10h às 17h12. Segundo Izeli (2018) houveram pouca adesão popular e pouco espaço para a discussão, sendo assim as vias foram decididas pelo critério de menor impacto na circulação de veículos. A ideia da Prefeitura para o programa era que as vias abertas recebessem atividades esportivas,


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gastronômicas e culturais gratuitas, incentivando a apropriação do espaço público e consolidando as relações sociais da comunidade, o comércio e os serviços locais. Seguido um ano de pressões e dois testes bemsucedidos da abertura da Avenida Paulista, em outubro de 2015 o Ruas Abertas foi oficializado como programa municipal. Conforme a proposta, todas as subprefeituras da cidade deveriam abrir importantes vias para o uso da mobilidade ativa todos os domingos. Algumas subprefeituras conseguiram implementar com sucesso o programa (NUNES et al, 2017). Perante as fragilidades da proposta, a possível mudança de gestão e pressão de organizações da sociedade civil, o programa Ruas Abertas foi consolidado através do Decreto nº 57.086/2016, publicado no Diário Oficial da Cidade dia 24 de junho de 2016. A publicação coloca às claras as regras para a operação de abertura das vias e garante medidas para estimular a ocupação do espaço público, como os materiais que sinalizam e bloqueiam a via devem ser fornecidos pela Prefeitura e não é permitido a utilização de aparelhos de som instalados em veículos que estejam estacionados13. Apontou também que deveria priorizar a acessibilidade às ruas abertas por meios de transporte público e a necessidade de apresentar rotas alternativas caso as ruas se localizassem hospitais, prontos-socorros, capelas e cemitérios (BIKE ANJO et al, 2019). No mesmo dia foi lançada a Portaria nº 226/2016 que constituía um comitê de acompanhamento formado pelos coletivos: Minha Sampa, Sampapé, Bike Anjo e Cidade Ativa, a fim de fortalecer o programa e apoiar a prefeitura a aprimorálo (IZELI, 2018). Entre as 29 vias que já foram ou são beneficiadas atualmente pelo programa Ruas Abertas estão a avenida Engenheiro Luiz Gomes Cardim Sangirardi, na Vila Mariana; a avenida Sumaré, na Subprefeitura da Lapa; e a avenida Koshun Takara, na Casa Verde. Algumas dessas ruas ainda recebem atividades como shows do

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13 SÃO PAULO. Secreta-

ria Especial de Comunicação, 2016.


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Circuito Municipal de Cultura e outros eventos da cidade, como os aniversários dos bairros. Desde 13 de novembro, o horário de abertura da avenida Paulista para pedestres e ciclistas foi ampliado em uma hora, passando a vigorar das 10h às 19h. (SÃO PAULO, 05/12/2016). Figura 21 - Rua aberta aos pedestres

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fonte: https://www.redebrasilatual.com.br/wp-content/uploads/2017/05/596a242f-a5b4-46fa-8d98-1f985161d3a0.jpeg

As organizações do comitê de acompanhamento, junto com voluntários, fizeram dois mutirões de diagnóstico do Ruas Abertas com visitas surpresas em todas as vias indicadas pelas subprefeituras, de julho 2016 a março de 2017. Nos diagnósticos foi possível mostrar algumas ruas abertas que foram bem assimiladas pelas comunidades como: a rua Engenheiro Luiz Gomes Cardim Sangirardi, na Aclimação; avenida Sumaré, na zona Oeste; a avenida Abel Ferreira, na Zona Leste; e a rua Koshun Takara na Zona Norte. Houve


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notificação de não-abertura de ruas notificada pela população usuária (NUNES et al, 2018). A conclusão deste diagnóstico aponte que a abertura de ruas deve ser melhor estruturada com os grupos locais, vide que há vários grupos de cultura que poderiam utilizar esse espaço e muitos bairros sofrem com a escassez de espaços de lazer. As subprefeituras devem intermediar os interesses de participação, o apoio da comunidade e apoiar as iniciativas. O aprimoramento do programa depende de uma ação conjunta da prefeitura com a sociedade civil (NUNES et al, 2018). A mudança de gestão acontece em 2017, passando a administração da Prefeitura para João Dória e seu vice Bruno Covas, que no ano seguinte se torna o Prefeito após Dória renunciar o cargo e se lançar como candidato a governador, que por sinal vence. Segundo a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras, em 2018, ocorreu um levantamento nas subprefeituras indicando que quatro delas deixaram de participar do programa: Jabaquara, Vila Mariana, Guaianases e Itaquera. Em muitas dos lugares os mecanismos de participação social ainda não tinham sido criados, apenas três sedes administrativas possuíam conselhos gestores: Sapopemba e Itaim Paulista, M’Boi Mirim e a Avenida Paulista. Eles ainda informaram que a maioria das desistências acontece por causa das reclamações de barulho e desorganização (NUNES et al, 2018). Visto este “esvaziamento”, os coletivos ficaram responsáveis por reproduzir o desempenho que a Paulista Aberta vinha alcançando nas outras ruas participantes, mediando conflitos e mobilizando os moradores. A campanha “ Seja um Zelador” circulou pela internet sendo um meio de cadastrar pessoas interessadas em zelar pelas ruas, na qual elas

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evitariam notificações e atualizações das condições até a organização. Apesar dessa iniciativa estar vinculada ao Ruas Abertas, foi totalmente idealizada e implementada pelos coletivos, o que poderia apontar para uma abstenção do poder público na manutenção do projeto (IZELI, 2018). No fim de 2019, a Prefeitura lançou o Programa Rua da Gente como uma evolução do Ruas Abertas, de acordo com o prefeito seriam 320 edições do programa 100 em 2019 e 220 em 2020, com quatro edições por fim de semana em variados locais principalmente na periferia. Divergindo com o anterior, a proposta é realizar as atividades além da rua em praças e clubes municipais que tenham infraestrutura básica para comportar as modalidades estabelecidas: atletismo, basquete, futebol, futsal, lutas, alongamentos. exercícios funcionais, crossfit, dança de rua, brincadeiras, gincanas, oficinas de artesanato, práticas terapêuticas, danças e meditação (SÃO PAULO, 2019). No site da prefeitura a programação foi até o final de 2019, vide que logo após o carnaval a pandemia do COVID-19 atingiu o Brasil e a partir daí todos os eventos que gerassem aglomerações foram suspensos e a indicação da OMS (Organização Mundial de Saúde) foi de isolamento social.

PAULISTA ABERTA A questão da Paulista Aberta é ligada a reativação do programa Ruas Abertas, mas ela tem um caminho próprio que deu mais força para o programa se concretizar. Vivemos um momento, no mundo, em que a parte mais significativa das mudanças no modo de se usarem os espaços públicos nas grandes


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Figura 22 - Paulista Aberta

127 fonte: https://viatrolebus.com.br/wp-content/uploads/2016/08/paulista-aberta-renato-lobo-rl.jpg

cidades provém de ações da sociedade civil, e não do Estado. São as “jornadas”, “primaveras” e movimentos de “ocupações”, que têm tomado as ruas e as praças de inúmeras metrópoles do mundo, com resultados muitas vezes expressivos do ponto de vista político.(WISNIK, 2017).

Se iniciou com coletivos da sociedade civil que lideraram uma campanha para pressionar o poder público a favor da criação da Paulista Aberta em 2014. Simultaneamente que buscava diálogo direto com representantes da Prefeitura, criou-se mecanismos de ativismo por meio de ferramentas online, o Panela de Pressão (BIKE ANJO et al, 2019). Associações como Ciclocidade, Vá de Bike, Catraca Livre, Instituto Aromeiazero e mais de 20 outras entidades, também colaboraram divulgando a campanha virtual, articulando


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ocupações estratégicas na Avenida para promover o discurso de uma cidade mais humana [...] Além disso, as entidades também se articularam com intelectuais, como o ObservaSP, para apoiar a Prefeitura e cobrar o MPE-SP pela abertura da Paulista. A entidade Cidade Ativa se uniu com as duas primeiras para articular campanha virtual pedindo que a abertura da Paulista se tornasse lei. (BASTOS, MELLO, 2018, p.14). Figura 23 - Pesquisas realizadas sobre a abertura da Av. Paulista

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fonte: https://cidadeativa.org/wp-content/uploads/2017/10/150628_CidadeAtiva_PesqusiaPaulistaAberta_GC-48_1300px.jpg

O ativismo esteve muito presente para a concretização da proposta. Em junho de 2015 houve o teste do programa Ruas Abertas na Paulista com a conclusão da ciclovia, que foi um sucesso. Um segundo teste foi realizado em agosto com


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a finalização da ciclovia na Avenida Bernardino de Campos, continuação da Av. Paulista sentido Paraíso, que atraiu muitas famílias, ciclistas, skatistas, crianças e idosos (BIKE ANJO et al, 2019). A oposição a abertura da Av. Paulista vinha organizações como a Associação Paulista Viva, associações de moradores e de comerciantes da região (BASTOS, MELLO, 2018). Na audiência pública da subprefeitura da Sé a Av. Paulista foi escolhida para integrar o Ruas Abertas, com a reunião sediada no vão do MASP dos cerca de 200 participante apenas 5 foram contrários ao projeto (BIKE ANJO et al, 2019). Com momento de consolidação do programa o Instituto Datafolha14 realizou uma pesquisa de opinião detalhada com os moradores da região da Av. Paulista para avaliar como a estava sendo percebia a abertura da avenida. Revelou que 61% dos moradores eram a favor da Paulista, enquanto 35% era contra e 75% dos moradores do entorno já foram à Paulista pelo menos uma vez, já os contrários ao movimento 66% nunca estiveram ali durante o programa. Quatro anos depois da abertura da Paulista, a equipe formada pelo Laboratório de Mobilidade Sustentável (LABMOB/PROURB/UFRJ), Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento do Brasil (ITDP Brasil), Bike Anjo e Corrida Amiga e com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS) verificou quais os efeitos do programa na vitalidade do local. A conclusão dos dados apresentados nesse relatório mostram que a Paulista Aberta contribuiu para estimular o uso do espaço público não só na própria avenida como em outros espaços pela cidade. Assim como o uso desse espaço incentiva o consumo de produtos e movimento de clientes nos comércios locais, 63% dos frequentadores declara

Disponível em: < https://www1. folha.uol.com.br/ saopaulo/2016/02/ 1741137-polemico-fechamento-da-paulista-para-carros-conquista-apoio-de-moradores.shtml 14

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consumir produtos locais e mais de 80% dos comerciantes notaram o impacto favorável (BIKE ANJO et al, 2019). Em relação aos hábitos de lazer, viu-se que pelo menos 78% dos moradores da região visitam a Paulista aos domingos com alguma regularidade. E a análise contrafactual mostrou que a Paulista Aberta atraiu moradores a visitar com maior frequência o local. Sobre a poluição sonora, quase metade dos participante se sentem confortáveis com os ruídos provenientes das atividades, em relação aos moradores o mesmo índice é de 30%, o relato deles é do desconforto do barulho da aglomeração de pessoas e eventos musicais. Entretanto, a percepção de conforto sonoro é bem menor nos dias de semana quando há veículos passando na via, somente 12% se sentem confortáveis sonoramente. E o dado que significa muito é a aprovação do programa que este relatório mostrou que 97% dos frequentadores são favoráveis a Paulista Aberta (BIKE ANJO et al, 2019). É importante salientar que o sucesso da avenida como área de lazer está muito ligada ao fato da Av. Paulista ser uma centralidade, tem uma posição de destaque simbólica na cidade. As lutas mais recentes na Avenida deram-se pela democratização do uso daquele espaço. De forma que a Avenida Paulista se torne um espaço de lugar (de convívio, performatividade, permanência, sociabilidade) e não de fluxos (de circulação de corpos e materiais apenas). Visão que representa um retorno à ideia de apropriação do espaço público, que é uma resposta aos espaços públicos esvaziados atuais, com suas vias servindo apenas aos automóveis (BASTOS, MELLO, 2018, p.15/16).


| CONTRAPONTO DA SEGREGAÇÃO |

Figura 24 - Paulista Aberta

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fonte: https://bit.ly/3bUQ9p8




PÍTULO 04 CAPÍTULO 04 CA


APÍTULO 04 CAPITULO 04 C

LARGO DA BATATA LARGO DA BATATA

AV. FARIA LIMA

AV. FARIA LIMA

CONTEXTO HISTÓRICO PROPOSTA


| LARGO DA BATATA _ AV. FARIA LIMA |

CONTEXTO HISTÓRICO O bairro de Pinheiros foi oficialmente fundado em 1560, com a construção de uma capela pelos jesuítas. Instalando a Aldeia Nossa Senhora dos Pinheiros da Conceição em uma região que foi por quase três séculos uma centralidade indígena (BALIEIRO, 2015). Devido a posição estratégica na travessia do Rio Pinheiros era um local de passagem de tropeiros e viajantes para o interior no ciclo do ouro. Figura 25 - Planta da CIdade de São Paulo - 1916

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fonte: http://smul.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/img/mapas/1916.jpg

O isolamento de Pinheiros em relação ao centro da cidade fez com que no bairro ocorressem atividades varejistas para atender os residentes e o seu entorno. Se consolidando em 1910 como local de venda de alimentos e produtos agrícolas vindo das regiões rurais próximas como Cotia, Itapecerica, Carapicuíba, Piedade, Mboy, principalmente de agricultores imigrantes, o que


| LARGO DA BATATA _ AV. FARIA LIMA |

gera o “Mercado dos Caipiras” e também estabelece o bairro como uma centralidade intermediária baseada na passagem e permanência (MORAES, 2019). Figura 26 - Mercado dos Caipiras

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fonte: https://i2.wp.com/spcity.com.br/wp-content/uploads/2016/02/gazeta-de-pinheiros-452-1.jpg?fit=2048%2C1182&ssl=1

Um dos principais produtos comercializados eram as batatas que no fim da década de 20 deram nome ao Largo da Batata, produto cultivado por imigrantes japoneses de Cotia que lá vendiam sua mercadoria. Esses agricultores na falta de um local para armazenagem e transporte das batatas com ajuda do Consulado Geral do Japão de São Paulo criaram a Cooperativa Agrícola de Cotia para implantar o armazém comunitário em 1928 (BALIEIRO, 2015). Quem viveu o Largo (da Batata) nesta época, que estendeu-se dos últimos trinta anos do século XX aos primeiros anos do presente século, conta com saudosismo os encontros e desencontros de um Largo cheio de pessoas, trabalhadores das proximidades, mas, sobretudo, migrantes nordestinos que vinham de todo canto da região metropolitana. (MEIRELES, 2018, p.15)


| LARGO DA BATATA _ AV. FARIA LIMA |

Figura 27 - Cooperativa Agrícola de Cotia

fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/56/Cooperativa_Agr%C3%ADcola_de_Cotia.jpg

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O Largo apesar de não ser reconhecido pela prefeitura como um equipamento público, funcionava como um espaço público que propicia os encontros dessa parte mais isolada da cidade naquela época (MEIRELES, 2018). Durante o século XX por conta desse potencial comercial se fixa como um entreposto de extrema importância para a região oeste de São Paulo. E seu caráter de centralidade é fortalecido pela chegada dos bondes elétricos na primeira década do século XX, que conectam com a região central - Sé e Luz - sendo integrado com o tecido urbano da cidade (MEIRELES, 2018). Figura 28 - Bonde no Largo de Pinheiros

fonte: https://www.researchgate.net/publication/314293058/figure/fig3/AS:469767887822850@1489012800847/Figura-3-Largo-de-Pinheiros-primeira-linha-de-bonde-chegou-ao-bairro-em-1909-Fonte.png


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De maneira geral a cidade vivia um momento de desenvolvimento impulsionado pelo principalmente pelo café, os discursos sobre o progresso pipocavam nas falas da elite e dos governantes. Como comprovação desse momento ainda em 1867 houve a construção da São Paulo Railway Company financiada pelo capital inglês que ligaria o interior ao porto de Santos. Assim o fluxo da economia sendo escoado pela ferrovia tornando obsoleta a produção local e a retirada de alimentos dos rios, e transformando rios em obstáculos do progresso, o discurso sanitarista e as inundações eram as justificativas perfeitas (BALIEIRO,2015) . Sucedeu a retificação e canalização do Rio Pinheiros que iniciou com a lei de 1927 e só foi finalizado em 1943 pela São Paulo Trainway, Light and Power Company, ganhou-se 25 milhões km² para o adensamento imobiliário, onde hoje são as ruas Butantã, Cardeal Arcoverde e Eusébio Matoso (MEIRELES, 2018 apud REALE, 1982 e PETRONE, 1963). As várzeas foram ocupadas por residências de classe média, o que levou melhorias urbanas - novos calçamentos e linhas de transporte público. Nessa época os ônibus estão se tornando o meio de transporte público mais importante, comitantemente o Plano de Avenidas é elaborado e difundido apoiando os interesses imobiliários e empresariais, favorecendo a expansão ilimitada da cidade, o gasto com obras de infraestrutura, a segregação socioespacial e o aumento da demanda de viagens da população (BALIEIRO, 2015). A entrada desse novo meio de transporte alterou a morfologia urbana do bairro e o acentua como centralidade. A presença de sobrados e pequenos prédios dispostos em vilas e ruas estreitas passou a caracterizar a região, marcada pelos seus usos diversos – habitação, comércio e serviços. Muitas linhas de ônibus circulavam e partiam do Largo da Batata, tanto rumo ao centro, quanto à periferia, tornando a região um importante ponto de baldeação a partir dos anos 1950, articulando

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periferias da Zona Oeste, Sudeste e Sul, entre si e ao centro da Metrópole. (MORAES, 2019, p.50).

MEIRELES, 2018 apud. REALE,1862. 12

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Pouco tempo depois a descrição que temos do bairro já tem uma mudança significativa em seu adensamento. Tanto que em 1959 o bairro de Pinheiros é oficializado pela Prefeitura como um sub centro, exercendo influência para outras áreas da região oeste da cidade12. A necessidade de adensar o entorno da centralidade fez com que muitas construções térreas fossem demolidas para produzirem-se edifícios com mais de dois pavimentos. Petrone escreve que “a paisagem urbana [no entorno do Largo] é caracterizada pela densidade do casario, pelo compartilhado dos arranha-céus que começam a surgir, pela riqueza da vida comercial e especialmente pelo extraordinário movimento (MEIRELES, 2018, p.68 apud PETRONE, 1963).

Nos anos 50 é proibido o comércio por atacado dentro do Mercado de Pinheiros - antigo Mercado dos Caipiras. Para suprir o déficit deixado por essa intervenção municipal diversos estabelecimentos atacadistas se instalaram nas adjacências do Mercado (MORAES, 2019). Intensificaram-se também estabelecimentos impulsionados pelo adensamento residencial como armarinhos, mercearias, bares, oficinas, padarias, sapatarias, entre outros comércios e serviços que supriam a necessidade de seus moradores e trabalhadores da área (MEIRELES, 2018). Figura 29 - Construção da Av. Faria Lima

fonte: https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/11162-faria-lima-pinheiros


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A partir de 1968 a centralidade do Largo ganha mais complexidade com a aprovação do plano que previa o alargamento e ampliação do sistema viário do bairro, entre eles a construção da Avenida Faria Lima. Lembrando que o regime militar estava em vigor, por tanto, não houve discussão público. E o anúncio das desapropriações gerou protestos das áreas afetadas, moradores e pequenos comerciantes (MORAES, 2019). Devido às obras viárias o antigo Mercado de Pinheiros foi demolido e em março de 1971 foi reinaugurado no endereço atual. As áreas remanescente das desapropriações abrigaram o Terminal de Pinheiros no Largo da Batata, onde substituíram os bonde por mais de 70 linhas de transporte coletivo rodoviário municipal - Zona Oeste além do Rio Pinheiros e Centro - e intermunicipal - Osasco, Cotia e Taboão da Serra - se cruzavam (MEIRELES, 2018). Estas obras reestruturaram o comércio local visto que agora há um grande fluxo de pessoas indo e vindo do trabalho, atraindo um comércio popular de camelôs e ambulantes (MORAES, 2019). Figura 30 - Terminal de ônibus no Largo da Batata

fonte: http://www.saopauloinfoco.com.br/wp-content/uploads/2017/02/Terminal-de-%C3%B4nibus-no-largo-da-Batata-em-Pinheiros-no-ano-de-1991..jpg

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Os camelôs, entorno do Terminal, tinham como objetivo a venda para as pessoas que estavam em trânsito pelo lugar, em geral alimentos para serem consumidos na hora (café, pão, bolos, churrasquinhos etc.), alimentos típicos do nordeste e artigos eletrônicos baratos. É este comércio popular, de lojas e ambulantes, portanto, que vai caracterizar o Largo durante as duas décadas finais do século XX e o início do XXI. (MEIRELES, 2018, p.73).

Todos esses processos, essas camadas e camadas trouxeram um adensamento populacional com uma riqueza de relações socioespaciais entre moradores, comerciantes e trabalhadores de passagem.

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Era um local cheio de gente, democrático, com confluência de linhas de ônibus e de ruas comerciais, que eu conheci na minha adolescência, quando cheguei ao Brasil, onde nunca avia morado. Era lá que pegava o ônibus para o colégio, e adorava sempre que possível perambular pelas barracas da feira, pelo mercado, pelas lojas. Aquela riqueza cultural e social era, para mim, o retrato do Brasil. (MEIRELES, 2018, p.74 apud. FERREIRA, 2014).

A vida socialmente e culturalmente ricas são, ao mesmo tempo, para o Estado um local que precisa ser reformulado novamente, revitalizado, pois com o tempo pode se tornar degradado economicamente e socialmente para os interesses empresariais (MEIRELES, 2018). Vale lembrar que a partir da década de 70 previase o desenvolvimento de uma “nova cidade” nas margens do Rio Pinheiros e vários prédios com características inovadoras em relação aos da Avenida Paulista foram lançados naquela região que possuia fácil acesso, possibilidade de expansão e baixos preços de terrenos, avaliados em 100 dólares o metro quadrado (FIX, 2001).


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OPERAÇÃO URBANA Durante a gestão de Jânio Quadros elaborouse a “Lei do Desfavelamento”, projeto que possibilitou mudanças nos direitos de construção dos proprietários de terrenos e extinguiu favelas através da parceria público privada. Funcionava da seguinte maneira: O proprietário de um terreno ocupado por uma favela ganhava o direito de construir mais do que o permitido na Lei de Zoneamento. Parte do lucro adicional era destinado para construir casas populares na periferia e doá-las ao poder público. [...]. Todo o diálogo até a desapropriação ficava a cargo da Prefeitura [...] (FIX, 2001, p.72).

Por conta do pretexto de apelo a habitação social, um jurista deu o parecer favorável permitindo que o prefeito sancionou a lei no fim de 1986, sem a aprovação da Câmara de vereadores. No início do ano seguinte, houve a publicação de um edital da prefeitura para apresentar propostas do que seriam as parcerias de iniciativa privadas e se chamariam “Operações Interligadas”. No campo social o que era teoricamente proposto pela lei pouco se concretizou, mas funcionou como uma “limpeza” dos bairros de classe média e para as atividades imobiliárias (FIX, 2001). Quando Luiza Erundina assumiu a prefeitura em 1989 as “Operações Interligadas” agora chamadas de “Operações Urbanas” foram mantidas no Plano Diretor por ser considerada progressista, mas necessitava de ajustes levando em consideração os posicionamentos da Secretaria Municipal do Planejamento (SEMPLA). Assim foi elaborada um novo projeto de lei para corrigir as falhas (BALIEIRO, 2015). Diferente da Operação Interligada a Operação Urbana tem um perímetro definido para o qual estabelece novas regras como a quantidade de potencial construtivo que pode ser vendida aos proprietários da região e um programa para utilização dos recursos, em vez de ser aplicado nas habitações de interesse social, vai para

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fundos específicos para realização de projetos previstos nas leis da Operação que normalmente são obras e serviços públicos dentro do perímetro, tal qual o viário (FIX, 2001). O funcionamento das Operações é através da associação dos poderes público com a iniciativa privada para realizar um projeto urbanístico de transformação de uma área da cidade através da venda de solo criado (BALIEIRO, 2015). A principal qualidade desse recurso é ser autofinanciável, sem drenar recursos públicos, entretanto, esses projetos geralmente precisam de um investimento inicial do Estado para ser atrativa para o mercado privado.

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Um exemplo são as novas avenidas, que devem ser de algum modo propícias à construção de grandes torres, shoppings e outros empreendimentos, que pelo porte ou tipo de uso beneficiam-se da compra da exceção à legislação (FIX, 2001, p.79).

Se o local só for interessante para valorizar imóveis existentes e consolidar a região ou não for atrativa para o capital privado os custos são arcados apenas pelo Estado e o princípio básico de associação de público e privado produzindo um projeto autofinanciável para o Estado se quebra. Mesmo com a Operação sendo um sucesso o investimento inicial e o reembolso, se acontecer, é a médio ou longo prazo. Contraditório que a justificativa das parcerias é a escassez de recursos público, mas na realidade é apenas um priorização de obras nas áreas que concentram renda em vez de investir em locais vulneráveis da cidade (FIX, 2001). Instituída em março de 1995 na gestão de Paulo Maluf a Operação Faria Lima, se torna o grande exemplo das operações. O objetivo era realizar dentro do perímetro melhoramentos viários, obras, construção de equipamentos e áreas públicas, além de melhora a qualidade de vida e a paisagem urbana (BALIEIRO, 2015 apud MASCARENHAS, 2014). No projeto o arquiteto Julio Neves almejava


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fazer a Avenida Faria Lima ser como a 5ª avenida de Nova Iorque, na época a avenida que terminou de ser construída nos anos 70 tinha possibilidade de ser estendida seguindo o traçado da “Lei de Melhoramento Viário”, entretanto, depois de 25 anos bairros de classe média e alta - Pinheiros, Itaim, Vila Nova Funchal e Vila Olímpia - se consolidaram em cima desse traçado e precisam ser cortados (FIX, 2001). Figura 31 - Avenida Faria Lima em 1982

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fonte: https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/11162-faria-lima-pinheiros

Vista aérea da avenida Faria Lima em 1982 Folhapress

Na prática, a Operação compreende 650 hectares e foi dividida em quatro setores: Hélio Pelegrino, Olimpíadas, Faria Lima e Pinheiros (MASCARENHAS, 2014). Segundo a Prefeitura de São Paulo, com o principal objetivo de reorganizar o fluxo de tráfego e coletivos, a Operação vai implantar o prolongamento da Avenida Faria Lima interligando-a às avenidas Pedroso de Moraes e Hélio Pelegrino até alcançar a República do Líbano, além de construir um terminal multimodal junto às estações da CPTM e do Metrô. Também era de extrema importância promover a reurbanização do Largo da Batata e ur-


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banizar as favelas em seu entorno. As principais intervenções foram: a construção dos túneis jornalista Fernando Vieira de Mello e Max Feffer; prolongamento da Hélio Pellegrino, implantação de avenida duplicada no eixo formado pela Rua Funchal e Rua Haroldo Veloso e a reconversão do Largo da Batata, já na segunda fase da Operação que será o foco deste trabalho por ter agido sobre o objeto de estudo (BALIEIRO, 2015, p.22/23).

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O projeto não era sobre estender a avenida, mas sim, sobre a transformação daquela área da cidade para produzir o “novo centro” de São Paulo adaptando o local para as exigências do setor terciário de alto padrão, que a partir dos anos 90 se transformou de torres de escritório para uma união de vários equipamentos: centros de convenção, hotéis, locais de espetáculos, restaurantes, shopping centers, entre outros. Projetos normalmente financiados por um fundo de investimento, que permite o investidor aplicar seus recursos comprando uma cota de um empreendimento (FIX, 2001). Moradores tentaram impedir a Operação Urbana de diversas formas com associações para impedir as desapropriações para a abertura da avenida, ocuparam casas e utilizaram as mídias. Mas, antes mesmo da aprovação na Câmara da Operação a Prefeitura inicio a desapropriação e demolição das casas, pois com as residências destruídas questionar a legitimidade da obra quando de fato ela já havia começado resta pouco o que argumentar. Houve um acordo para no fim o projeto ser aprovado com unanimidade pela Câmara (FIX, 2001). [...] um clima de otimismo quase eufórico tomou conta das construtoras com a Operação Urbana [...] (FIX, 2001, p.29).

Nesse projeto a Prefeitura ampliou a sua dívida para investir 9 mega obras viárias na região sudoeste da cidade, onde coincidentemente concentra a população de maior renda (FIX, 2001). A real motivação da Operação


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Urbana Faria Lima era criar a nova centralidade, alterar o caráter popular que o Largo da Batata possuía já que agora é uma área financeiramente interessante para o mercado imobiliário, tanto que em pouco tempo Pinheiros começou a se verticalizar, mudando o seu uso residencial para corporativo com os arranhacéus de grandes empresas e multinacionais. Novos empreendimentos que foram financiados pelos fundos imobiliários (BALIEIRO, 2015). São iniciadas inúmeras obras de empreendimentos imobiliários a partir dos anos 2000 de alto padrão tanto de corporativos, quanto residenciais, contrastando com as pré-existências do bairro (MEIRELES, 2018).

RECONVERSÃO DO LARGO DA BATATA Após a consolidação do terminal de ônibus no Largo, houve uma concentração cada vez maior de pessoas de renda mais baixa e de comércio informal, indo de encontro com a vontade de captar recursos privados para aquela região (MORAES, 2019). A região que passou a concentrar um comércio popular, de camelôs e vendedores ambulantes, com os mais diferentes produtos, de alimentos, ervas e compostos medicinais naturais, artigos religiosos e de cultura nordestina foi considerada não conforme e o Largo foi taxado como degradado pela municipalidade, o que justificou as atuações em favor da reconversão da área (MORAES, 2019, p.52).

Então em conjunto com a Prefeitura de São Paulo, SEMPLA (Secretaria Municipal de Planejamento Urbano), EMURB (Empresa Municipal de Urbanização), Subprefeitura de Pinheiros, o IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) publicou o edital do “Concurso Público Nacional - Reconversão Urbana do Largo da Batata” em janeiro de 2002. A reconversão foi inserida na segunda

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etapa da Operação Urbana Consorciada Faria Lima (MORAES, 2019). [...] Termos de Referência do Edital do Concurso Público Nacional de Reconversão do Largo da Batata (EMURB no 91.501 de 15 de janeiro de 2002). [...] Manifesta (e sempre crescente) situação de precariedade física e deterioração ambiental foi de certa forma agravada pelo prolongamento da Avenida faria Lima, que desfez a última configuração espacial sem propor uma nova ordenação à altura do problema. (SÃO PAULO, 2001, p.3) [...] Diante desse diagnóstico, o edital propõe uma Reconversão Urbana (MEIRELES, 2018, p.74).

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Esse discurso veiculado na imprensa local pelo Estado e a iniciativa privada tem o objetivo de colocar o Largo como degradado, sujo, violento, que não seja possível utilizá-lo diariamente e portanto necessita de uma revitalização. Não era interessante para os agentes hegemônicos que um local na Avenida Faria Lima, o novo eixo de desenvolvimento da cidade, concentrasse comércio popular, pessoas de baixa renda e vindas das periferias (MEIRELES, 2018). O que interessava era a criação de áreas livres públicas que se encaixavam com o conceito da “nova centralidade” e promoveria o interesse da iniciativa privada. Além disso no projeto haveria a desativação do terminal de ônibus e a construção da Estação Faria Lima da linha 4 de metrôs (MORAES, 2019). Em maio de 2002, divulgaram a lista de classificação dos projetos com o primeiro lugar para o arquiteto Tito Livio Frascino. De acordo com a comissão este foi o projeto que melhores soluções, facilidade e rapidez de execução (MORAES, 2019). Concurso público de urbanismo é um instrumento urbano que pode construir uma cidade mais democrática, porém depende do cuidado na elaboração do edital de especificar algumas premissas que favoreçam a sociedade civil. Porém no concurso do Largo não foi bem assim.


 Área 1 - Esplanada (Figura 4)  Supressão do edifício comercial multiuso, centro de eventos e cultura e estacionamento de veículos. Em seu lugar está prevista a construção de um novo centro comercial de varejo, a ser erguido e explorado pela iniciativa privada, visto que a Prefeitura de São Paulo desistiu de implantar um centro de eventos culturais, elemento integrante do projeto original e marco da renovação urbana, alegando dificuldades na gestão de equipamentos | LARGO DA BATATA _ AV. FARIA LIMA | desta natureza;  Alteração de intervenções no sistema viário devido à dificuldade de realizar desapropriação de imóveis. Tais modificações implicaram em redução de capacidade viária, porém de impacto reduzido sobre o conjunto. Figura 32 - Projeto de Reconversão do Largo da Batata por Tito Livio Frascino

http://files-server.antp.org.br/_5dotSystem/download/dcmDocument/2013/10/06/87D2B872-0C0A-4A1B-A276-C50A4A19A5DD.pdf Figura 4fonte: – Projeto de Renovação Urbana do Largo da Batata

 Área 2 - Terminal de Ônibus (Figura 5) Neste foi caso, seriaintroduzindo-se, de se esperarno que o concurso  o espaço destinado ao terminal mantido, subsolo, estacionamento para 415 veículos e 81 motocicletas; tivesse sido precedido de amplo debate com a  as condições de acessibilidade foram civil melhoradas, Acesso Oeste, com a implantação de uma sociedade usuáriaprincipalmente do Largo, anofim de se faixa de tráfego “kiss and ride”; traçar democraticamente as diretrizes para a re as rotas de pedestres para a integração terminal – estação de trem – estação de metrô previstas em desnível, gião,(nível a partir da demanda popular. Infelizmente, foram mantidas na superfície da plataforma de ônibus).

isso não aconteceu. [...] o edital omite duas diretrizes fundamentais nesse sentido [democrático]: a provisão de habitações de interesse social e a manutenção do perfil popular da região (MORAES, 2018, p.60 apud. FERREIRA, 2002).

As obras iniciaram em 2007, com ela as primeiras desapropriações e demolições de imóveis. Com previsão de terminar em 2010, houve atraso na finalização pois em 2009 o IPHAN suspendeu a obra para investigar sítios arqueológicos. Antes disso, no entorno do Largo foram feitos a drenagem, pavimentação, enterramento de redes, passeios, iluminação pública e sinalização viária. O Largo da Batata foi reaberto em 2013, mas sem grande parte da intervenções propostas pelo projeto, a praça estava vazia, bancos, mesas ou mobiliário que mostrasse a ideia de espaço de lazer. Assim como não

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havia o centro de eventos ou a cobertura vegetal com o pinheiro que deu nome ao bairro - araucária - ou outra árvore prometida no projeto paisagístico (MORAES, 2019). Figura 33 - Obra do Largo da Batata finalizada

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fonte: https://jpimg.com.br/uploads/2017/07/largo-da-batata-1024x567.jpg

https://exame.abril. com.br/pme/potato-valley-vale-brasileiro-atrai-cada-vez-mais-startups-de-tecnologia/ 13

A prioridade, assim como em outras OUC (Operação Urbana Consorciada), foram as intervenções viárias, sem as intervenções locais com participação da sociedade civil. Após a obra viu-se o não cuprimento do principal objetivo do edital que eram as áreas livres públicas e de qualidade, o que não aconteceu no Largo (MORAES, 2019). A partir da Reconversão do Largo há um aumento de inaugurações relacionadas ao setor terciário superior de empresas e serviços de tecnologia, como sede de startups e coworking nacionais e estrangeiros, de acordo com uma reportagem da Revista Exame de 201813, mais de 20 startups estão próximas ao Largo, outros 20 coworkings localizam-se em Pinheiros, sendo 4 nas ruas ao redor imediato do Largo e mais 3 considerando o entorno de três quadras (MEIRELES, 2018).


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Esses espaços flexíveis de trabalho, assim como as grandes empresas instaladas na avenida, utilizam espaços alugados dentro de edifícios de planta livre, que podem aumentar ou diminuir e tem outros serviços no térreo como restaurantes e lojas. A grande vantagem de alugar é não imobilizar o capital (MEIRELES, 2018). No caso dos empreendimentos residenciais o grande atrativo é a proximidade com as estações de metrô - Faria Lima e Pinheiros - a Praça Victor Civita, o SESC Pinheiros, o Instituto Tomie Ohtake, bares e restaurantes e a Vila Madalena. Uma questão comum na publicidade desses empreendimentos novos é a caracterização do Largo como um local transformado, sofisticado, com importantes escritórios, variedade de restaurantes e bares renomados e comércio que vai do popular ao requintado (MEIRELES, 2018). Neste movimento, da cidade concebida e produzida como negócio, e, a partir do espaço tornado mercadoria, o lugar, o Largo da Batata e seus arredores transformam-se sob as diretrizes do financeiro, das intervenções do Estado e, reproduz-se, concretamente, a partir dos empreendimentos imobiliários (residenciais e empresariais) que trazem para o lugar dinâmicas estranhas ao que se conhecia até poucos anos atrás [...] “É o cidadão que vive, no dia-dia, a homogeneização, a fragmentação e a hierarquização dos espaços da cidade. (MEIRELES, 2018, p.88)

COLETIVOS Logo após a reinauguração do Largo da Batata, em 2013, grupos de moradores de Pinheiros organizaram encontros para reativar o Largo depois da intervenção que destruiu o espaço de encontros que ali existia. Inicialmente não havia uma liderança e partiram de uma regra simples de fazer os eventos (BALIEIRO, 2015). O primeiro coletivo criado com a ideia de dialo-

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gar sobre as consequências da Operação Urbana foi o Não Largue a Batata, liderado por Sasha Hart, composto inicialmente por 30 a 40 pessoas, agregando sobre as reivindicações dos moradores insatisfeitos com o projeto entregue (BALIEIRO, 2015). A partir daí o Largo começa a virar foco de coletivos que utilizam o espaço para questionar as intervenções realizadas. Movimentos ideologicamente amplos e formados a princípio por moradores e ex-moradores. Coletivos que atuam na escala metropolitana também chegam ao Largo, mostrando que moradores, ex-moradores e frequentadores foram impactados pelas transformações e não passaram por elas passivamente (MEIRELES, 2018). Os coletivos utilizaram da promoção de atividades artísticas, culturais, esportivas para a apropriação e ocupação do espaço. O propósito é que o Largo se torne efetivamente um local de encontro e permanência. É importante ressaltar a importância das redes sociais, que viabilizou a conexão das pessoas para fazer as ações no mundo real (MEIRELES, 2018).

A BATATA PRECISA DE VOCÊ Figura 34 - Encontro do coletivo A Batata Precisa de Você

fonte: https://piseagrama.org/wp-content/uploads/2015/10/img5.gif


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É com as atividades do Não Largue a Batata que surge o A Batata Precisa de Você. O coletivo tem como principal meta que as pessoas que passam apressadas pelo Largo tenham interesse em permanecer ali através do mobiliário urbano. A arquiteta Laura Sobral é uma das precursoras do movimento junto com mais sete amigos que decidiram numa sexta-feira com muito sol colocar cangas no chão, cadeiras de praia e guarda-sóis para passar horas conversando, ação que virou comum no Largo e mais pessoas se juntaram ao grupo por meio das redes sociais onde as atividades são anunciadas (BALIEIRO, 2015). “Ativando o espaço, na hora que você usa, você demonstra para as pessoas seus potenciais, as suas possibilidades. Ter uma agenda aberta para as pessoas entenderem que elas podem se apropriar, como a gente se apropria e faz coisas para as pessoas enxergarem de que maneira isso é possível, né?” Depoimento de Laura Sobral (BALIEIRO, 2015, p.33).

De acordo com a fundadora do coletivo, falta a cultura da apropriação e ocupação em São Paulo. E a obra de reurbanização do Largo não contribui para gerar a iniciativa de se ocupar, foi entregue um vasto local sem nada, praticamente todo impermeável, sem mobiliário, poucas e mirradas árvores, quase nenhuma proteção do sol ou da chuva, sem qualquer estrutura para receber atividades culturais, um enorme espaço desértico, desconfortável e nada atrativo (BALIEIRO, 2015, p. 33 apud. SOBRAL, 2014). O grupo utiliza os materiais que tem em mãos para produzir os mobiliários, sem megaestruturas, transformando o que se tem acesso em o que se precisa, baseando-se num consumo passivo. As atividades regulares nas sextas asseguraram a manutenção do coletivo e reforçaram a sua presença no espaço mostrando aos que andavam pelo Largo que é possível permanecer naquele local (BALIEIRO, 2015).

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“As atividades propostas e realizadas no Largo são as mais diversas, podendo-se destacar algumas realizadas a partir de 2015: oficinas de inclusão digital para idosos e moradores de rua; festa junina comunitária; rodas de conversa sobre mobilidade, memória urbana, espaço público e cultura hip-hop; encontro para meditação e alongamentos; shows de forró, samba, dança de rua etc. Os encontros para zelar pelo espaço também são recorrentes (limpeza, cuidado com as plantas. Reforma do mobiliário etc). Vale ressaltar que alguns eventos ocorrem sem a organização e supervisão do coletivo, estando este apenas auxiliando com ideias ou, quando necessário, os trâmites legais junto a Subprefeitura.” (MEIRELES, 2018. p.92).

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No diálogo com a Prefeitura e possíveis represálias da Polícia Militar não houveram dificuldades para o coletivo muito por conta do caráter midiático que conquistou trazendo credibilidade para o movimento. Apesar intenção do coletivo ser boa, ele pode se tornar um agente gentrificador, pois quando há ativação e valorização do espaço mais ele é financeiramente interessante, exatamente o que as construtoras e grandes gentrificadores querem. O que é complicado, pois se não houver atividades que promovam a ativação o espaço será gentrificado de qualquer forma, só que privatizada. E o que mais se preza é que o espaço seja público, as formas de agir são complexas (BALIEIRO, 2015).

BATATAMEMO O coletivo começou depois que alguns dos membros de outros grupos como o A Batata Precisa de Você, viram a necessidade de discutir outros assuntos além da instalação de mobiliário urbano, ativação e ocupação do espaço público. O objetivo é de manter a história do Largo da Batata viva e ter um diálogo com a comunidade que estava ali muito antes de ter qualquer coletivo (BALIEIRO, 2015).


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As mudanças de São Paulo podem ser muito bem representadas pelas intensas mudanças no Largo da Batata. No BatataMemo a ideia não é o saudosismo ou voltar ao que existia anteriormente, mas sim, achar um caminho melhor no desenvolvimento que respeite as pessoas que ali passaram, as que usam atualmente e as que vão utilizar no futuro (BALIEIRO, 2015). Em vez de ter uma estrutura comum de coletivo, eles preferiram ter uma estrutura em redes com diferentes pessoas em variadas frentes trazendo múltiplas discussões e pontos de vista para o grupo, não há um líder ou hierarquia (BALIEIRO, 2015). “Quero despertar nessas pessoas que a vida não é balada, gente. Isso aqui é uma questão séria, é uma causa séria. Daqui a pouco quem vai estar frequentando o Largo da Batata são os filhos do Itaim, achando que isso aqui é hipster, é cool. Não é isso que eu quero. Se eu puder distribuir sopão aqui, eu vou distribuir sopão por que está cheio de moradores de rua aqui. Tem um monte de gente nordestina aqui que tem vergonha da própria cultura. E tudo isso vai se perder e ninguém está nem aí. Quando a gente fez a reunião, todo mundo disse seus objetivos com o BatataMemo. O meu foi: Gente, eu só vou ficar feliz o dia que eu conseguir um centro cultural de história e cultura do Largo da Batata.” Depoimento de Katia Mine, fundadora do grupo BatataMemo (BALIEIRO, 2015, p.41).

LARGO DA BATALHA Todas as quartas-feiras desde 2016 acontece o Largo da Batalha, um encontro para realizar batalhas de rap. Os participantes vêm principalmente das periferias da zona sul e leste, e são na sua maioria jovens. A diversidade étnico-racial, cultural e de gênero dos participantes é algo muito valioso dos encontros. Eles escolheram o Largo por ser uma centralidade, fácil acesso de metrô, trem, ônibus, e como local que dá visibilidade das batalhas e do rap (MEIRELES, 2018).

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MANIFESTAÇÕES As manifestações do MPL (Movimento do Passe Livre) em junho de 2013, foram um marco muito importante das mobilizações sociais e trouxeram questões de direito à cidade e a qualidade dos serviços oferecidos (MORAES, 2019). Foi a partir dessa série de manifestações que notamos uma descentralização dos locais dos atos, a Avenida Paulista não era mais a única centralidade simbólica reconhecida pelos seus moradores, a Avenida Faria Lima, mais especificamente o Largo da Batata são inseridos nesse contexto (MEIRELES, 2018). Figura 35 - Manifestação do Movimento do Passe Livre em 17/06/2013

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fonte: https://diariodotransporte.com.br/wp-content/uploads/2013/06/manifestacao.jpg

Nesse sentido, ao mesmo tempo em que as transformações no Largo e arredores apontam para a homogeneização, a hierarquização nos usos e a fragmentação na vida cotidiana, o lugar é tornado, contraditoriamente, uma nova centralidade nas manifestações políticas na metrópole paulista, possibilitando um espaçotempo de uso e apropriação do Largo em si


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e das vias que o cercam (MEIRELES, 2018, p.101/102).

Além do reconhecimento simbólico, o Largo foi o local escolhido pelas transformações que sofreu que construiu uma extensa esplanada que viabiliza a concentração e permanência de numerosas pessoas, a facilidade de acesso ao transporte público coletivo, a presença de uma grande avenida - Av. Brigadeiro Faria Lima - como potencial de ocupação e geraria consequências no trânsito e a visibilidade de atos em uma região em desenvolvimento, moderna e de muito interesse econômico. Ainda há a proximidade com a Vila Madalena, onde há concentração de estudantes e intelectuais, e a proximidade com a USP (Universidade de São Paulo), um espaço historicamente conhecido por concentrar organizações políticas que estiveram a frente de diversos atos desde a ditadura (MEIRELES, 2018). Ao longo do tempo o Largo se consolidou como ponto de encontro, seja de início ou ponto final das passeatas, os trajetos foram diversos percorrendo a Av. Faria Lima e a Marginal Pinheiros (MORAES, 2019). Mais recente foram os protestos contra o corte de verbas da Educação, aprovação da Reforma da Previdência e o governo Jair Bolsonaro em 201914. Na época houveram uma série de manifestações contra o corte das verbas da Educação que levaram muitas pessoas a rua. Outro ato muito relevante no Largo da Batata foi em 201815 antes das eleições presidenciais contra o candidato à presidência Jair Bolsonaro, convocado por mulheres, se concentrou no Largo e seguiu em direção à Avenida Paulista. Levando cartazes, faixas, pinturas no rosto com #EleNão a manifestação reuniu ativistas de diversas áreas, movimentos sociais e partidos políticos (MORAES, 2019).

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https://g1.globo. com/sp/sao-paulo/ noticia/2019/05/30/ manifestantes-fazem-ato-no-largo-da-batata-em-sao-paulo-contra-cortes-de-verba-na-educacao. ghtml 14

https://www.bbc. com/portuguese/brasil-45700013 15


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Figura 36 - Manifestação contra os cortes da Educação 30M em 30/05/2019

fonte: https://arbejderen.dk/sites/default/files/styles/format_16x9/public/20190531-082421-L_21Mb.jpg?itok=FINUcDXu

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Figura 37 - Manifestação contra os cortes da Educação 30M em 30/05/2019

fonte: https://abrilveja.files.wordpress.com/2019/05/brasil-brasilia-protesto-corte-universidade-20190530-016.jpg?quality=70&strip=info&w=636&zoom=2


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Figura 38 - Manifestação contra Jair Bolsonaro #EleNão em29/10/2018

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fonte: https://pbs.twimg.com/media/DoTYouvXsAYiYf9.jpg:large


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PROPOSTA ESCOLHA DO OBJETO A escolha do objeto de estudo e intervenção se deu após compreender o papel essencial da rua nos espaços públicos, o espaço público que tem múltiplas funções, lugar de encontro, de vivência e que deve estar na escala humana. O anseio de resgatar a função social do lugar de encontro e que esses locais possam ser democraticamente geridos pela população (BASTOS, MELLO, 2018). A proposta é construir um outro tipo de diálogo com o de eixo de desenvolvimento pelo capital de grandes empresas e o bairro popular. Algo que não aprofunde a lógica que a cidade se pautou por todos esses anos e recupere conceitos como cidadania e coletividade. [...] uma metrópole que se desenvolveu sob uma lógica de automobilidade e está sendo pautada por valores neoliberais de liberdade econômica e do indivíduo, fazendo sua população a eles se adaptar, a hegemonia é a de uma racionalidade na qual o espaço urbano se dá para os fluxos, para o movimento de mercadorias e pessoas (BASTOS, MELLO, 2018, p.12/13)

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Com os espaços de fluxos dominando a cidade, os espaços de lugar vão sumindo, a cidade se tornando apenas paisagem e pessoas e lugares são deixados de lado. O incentivo aos espaços de lugar e a ocupação dele seriam a resposta para subverter essa lógica, fazer com que a população se sinta parte de uma cultura que é mais significativa que a individual. (BASTOS, MELLO, 2018).

[...] as cidades devem reforçar as áreas de pedestres como uma política urbana integrada para desenvolver cidades vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis de forma a reforçar a função social do espaço da cidade como local de encontro que contribui para os objetivos da sustentabilidade social e para uma cidade democrática e aberta. (BASTOS, MELLO, 2018, p.15)

Para isso a escolha foi no eixo de desenvolvimento financeiro, a Av. Faria Lima e o Largo da Batata.


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PROJETO URBANO AVENIDA ABERTA | AV. BRIG. FARIA LIMA Uma das ações que reforça o espaços de lugar é iniciativa de abrir as ruas para as pessoas e fechar o trânsito de veículos. “[...] o discurso do Ruas Abertas, construído

como uma reação ou contraposição à dominação do automóvel e privatização das cidades [...]” (IZELI, 2018, p.22). O paulistano passou a ter mais prazer em estar

nos espaços públicos como as ruas, praças e calçadas ainda que elas deixem a desejar. Assim como o carnaval de rua se ampliou muito na capital. O que aconteceu nos últimos anos foi a utilização de um “[...] urbanismo como meio de leitura integradora do complexo tecido social no espaço conflituoso da cidade” (WISNIK, 2017), principalmente na

gestão Haddad. Tendo isso em mente em um plano macro foi decidido como área de intervenção a Avenida Brigadeiro Faria Lima e o Largo da Batata. Na Av. Brigadeiro Faria Lima foi proposta a abertura da avenida nos parâmetros do programa Ruas Abertas, visto que a avenida tem muitas semelhanças com a Paulista para se tornar um sucesso assim ela e de acordo com a pesquisa feita pela Cidade Ativa, em 2015 no momento de implantação das Ruas Abertas, a Faria Lima ficou logo atrás da Paulista dentre as sugestões de vias para a aplicação do programa pelos participantes (BIKE ANJO et al, 2019). Por sua visibilidade como novo centro financeiro, proximidade de equipamentos de cultura e de grande relevância, a característica de centralidade apesar de ser um local de passagem pode potencializar a ação do Ruas Abertas. O mapa a seguir mostra a seção da Av. Brig. Faria Lima que seria implantado o programa de abertura da avenida, o Largo da Batata, local de intervenção também, os principais equipamentos ao redor culturais como: o Instituto Tomie Ohtake, o Sesc Pinheiros e o Museu da Casa Brasileira; a Praça Victor Civita e o Parque do Povo como áreas livres verdes; o Mercado de Pinheiros; as grandes vias de acesso e o terminal de ônibus; e os grandes equipamentos privados, o Edifício Pátio Victor Malzoni, que é sede de grandes empresas como a Google e a BTG Pactual, shoppings, o Clube Pinheiros e o Jockey Club.

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Mapa 01 - Principais Equipamentos próximos à Av. Faria Lima

fonte: elaboração própria


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Citando o relatório publicado sobre o impacto na vitalidade da paulista com a Paulista Aberta (2019) que fez uma comparação com a Faria Lima, é possível notar a proximidade das características dos espaços: os usos dos estabelecimentos nos térreos de ambas as avenidas tem como principais as mesmas atividades - serviços, empresarial, alimentação, lojas - evidenciando o padrão misto recorrente; ambas têm grande permeabilidade física, a média de entradas de pedestre por quadra na Faria Lima é de 6 enquanto na Paulista é de 9; na arborização as proporções de árvores por quadra são semelhantes, apesar da Paulista ser ligeiramente mais sombreada; e há na Faria Lima 9 estações de bicicletas compartilhadas e 33 paraciclos, diferente da Paulista que não tem estações de bicicletas na avenida apenas nas paralelas e 83 paraciclos. Apesar da Paulista ter mais recursos voltados à utilização pública a Faria Lima que não tem esse caráter público tão ativado está próxima e pode se desenvolver. Um dado muito importante deste relatório é a identificação de que a grande maioria dos frequentadores favoráveis a Paulista Aberta (97%) indiciou que também frequentaria outra avenida que fosse convertida para espaço de lazer aos fins de semana (76%), dando destaque a Av. Brigadeiro Faria Lima. E no grupo de moradores da região da Faria Lima a avenida é destaque nas indicações de receber o programa. Além da maioria dos comerciantes de lojas de rua se declarar favorável a abertura (86%) e com índice maior ainda estão os comerciantes ambulantes (92%) (BIKE ANJO at el, 2019). Outro fator importante para a consolidação de uma avenida aberta e para a reafirmação do caráter democrático é conexão com o transporte público e a região da Faria Lima por ser o novo eixo de desenvolvimento teve um grande investimento nessa área. É possível acessar os parques ao redor (Parque do Povo, Ibirapuera e Villa-Lobos) através das ciclovias/ciclofaixas, metrô, ônibus e andando. Assim como a Paulista Aberta através dos corredores de ônibus, metrô, ciclovias e ciclofaixas. Além da proximidade do terminal de ônibus de Pinheiros


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e o acesso próximo a três estações de metrô - Faria Lima, Pinheiros e Fradique Coutinho. O que fica visível no próximo mapa (02). No mapa (02) também é mostrado a densidade demográfica das quadras e ao redor da área de intervenção há alguns pontos de maior densidade, mas em geral é pouco densa. O que expõe a predominância de residências horizontais e arranha-céus corporativos. Conclui-se que a maior predominância de pessoas transitando no espaço é nos dias de semana durante o horário comercial e seria interessante estimular a presença de pedestres nos fins de semana e ativar o local como espaço público. O programa na Faria Lima teria aprovação de uma parcela influente na região, moradores e comerciantes. Entretanto é previsto que alguns equipamentos privados não sejam tão favoráveis a iniciativa, pois tem grande parte dos frequentadores, se não totalmente, que vão até eles de carro e tendo a via bloqueada impediria o acesso como o Shopping Iguatemi e o Clube Pinheiros. Considerando estas variantes foi feita uma proposta de abertura da avenida (mapa 03) que converse com os equipamentos privados fazendo concessões, mas sem dizimar o programa, que possa atrair os cidadãos e fortalecer o entendimento da apropriação do espaço público. Assim como um estudo de sentido de vias (mapa 04) e uma operação para os ônibus nos domingos e feriados (mapa 05).

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Mapa 02 - Contextualização com os meios de transporte e densidade habitacional

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VIAS VIASRELEVANTES RELEVANTES CORREDORES CORREDORESDE DEÔNIBUS ÔNIBUS CICLOFAIXAS CICLOFAIXASEECICLOVIAS CICLOVIAS

fonte: elaboração própria

VIAS VIASPARA PARACICLISTAS CICLISTAS

MM TT

ESTAÇÕES ESTAÇÕESDE DEMETRÔ METRÔEETREM TREM VIAS RELEVANTES PAULISTA PAULISTAABERTA ABERTA CORREDORES DE ÔNIBUS CICLOFAIXAS E CICLOVIAS VIAS PARA CICLISTASRELEVANTES PARQUES PARQUESEEPRAÇAS PRAÇAS RELEVANTES

M T

ESTAÇÕES DE METRÔ E TREM ÁREA ÁREADE DEINTERVENÇÃO INTERVENÇÃO FARIA FARIALIMA LIMAABERTA ABERTAEELARGO LARGODA DABATATA BATATA PAULISTA ABERTA AAárea áreaé émuito muitobem bemservida servidadedemeios meiosdede transporte transportepúblicos, públicos,que quedádáum umcaráter carátermais mais democrático a aintervenção. EEé épossível democrático intervenção. possívelseseligar ligar PARQUES E PRAÇAS RELEVANTES aos aosparques parquesaoaoredor redor(Parque (ParquedodoPovo, Povo, Ibirapuera e Villa-Lobos) através das ciclovias, Ibirapuera e Villa-Lobos) através das ciclovias, metrô, metrô,ônibus ônibuse eandando. andando.Assim Assimcomo comoa a Paulista Paulista Abertaatravés atravésdos doscorredores corredoresdede ÁREA DEAberta INTERVENÇÃO ônibus, metrô, ciclovias|ciclofaixas. ônibus, metrô, ciclovias|ciclofaixas. FARIA LIMA ABERTA E LARGO DA BATATA

A área é muito bem servida de meios de transporte públicos, que dá um caráter mais DENSIDADE DENSIDADEDEMOGRÁFICA DEMOGRÁFICA(hab/ha) (hab/ha) democrático a intervenção. E é possível se ligar aos parques ao redor (Parque do Povo, até até9292hab/ha hab/ha Ibirapuera e Villa-Lobos) através das ciclovias, metrô, ônibus e andando. Assim como a Paulista Aberta através dos corredores de 92 hab/ha 92a a146 146 hab/ha ônibus, metrô, ciclovias|ciclofaixas. 146 146a a207 207hab/ha hab/ha DENSIDADE DEMOGRÁFICA (hab/ha) até 92 hab/ha 207 207a a351 351hab/ha hab/ha

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92 a 146 hab/ha mais maisdede351 351hab/ha hab/ha 146 a 207 hab/ha Ao Aoredor redordadaárea áreadedeintervenção intervençãoháháalguns algunspontos pontosdedemaior maior densidade, densidade,mas masem emgeral geralé épouco poucodensa. densa.Mostra-se Mostra-sea a predominância de residências horizontais e arranha-céus predominância de residências horizontais e arranha-céus 207 a 351 hab/ha corporativos. corporativos. mais de 351 hab/ha

Ao redor da área de intervenção há alguns pontos de maior densidade, mas em geral é pouco densa. Mostra-se a predominância de residências horizontais e arranha-céus corporativos.


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Mapa 03 - Proposta para a Avenida Aberta

fonte: elaboração própria

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ÁREA DE INTERVENÇÃO Proposta de abrir a avenida de domingo e feriados para as pessoas funcionando como um grande local de lazer sem a arbitrariedade da função da atividade, atraindo diversos públicos que parte já frequentam a área em eventos como o carnaval ou manifestações, democratizando uma área com caráter elitista.

RECORTE DA INTERVENÇÃO Largo da Batata - espaço público muito relevante nesse eixo de desenvolvimento do capital financeiro e imobiliário. Abriga a única estação de metrô da avenida , tendo grande importância na distribuição de transporte. Apesar disso não é um local que atraía os pedestres sa ficar sem que algum evento aconteça, a aridez das praças e a difícil transposição entre elas torna o local apenas uma passagem.

ÁREA DE INTERVENÇÃO Proposta de abrir a avenida de domingo e feriados para as pessoas funcionando como um grande local de lazer sem a arbitrariedade da função da atividade, atraindo diversos públicos que parte já frequentam a área em eventos como o carnaval ou manifestações, democratizando uma área com MUSEU DA CASA caráter elitista. BRASILEIRA

RECORTE DA INTERVENÇÃO

público muito relevante nesse eixo de TA AVENIDA ABERTA AVENIDA Largo VENID-Aespaço ABERTdaA ABatata ABERTA AVENIDA e imobiliário. Abriga a desenvolvimento do capital financeiro única estação de metrô da avenida , tendo grande importância na distribuição de transporte. Apesar disso não é um local que atraía os pedestres sa ficar sem que algum evento aconteça, a aridez das praças e a difícil transposição entre elas torna o local apenas uma passagem.

CONEXÃO ENTRE ESPAÇOS CULTURAIS Conectar espaços como o Instituto Tomie Otake, o Museu da Casa Brasileira e o Sesc Pinheiros para promover atividades durante a Avenida Aberta e também no Largo da Batata.

CONEXÃO ENTRE ESPAÇOS CULTURAIS Conectar espaços como o Instituto Tomie Otake, o Museu da Casa Brasileira e o Sesc Pinheiros para promover atividades durante a Avenida Aberta e também no Largo da Batata.

PESSOAS Atrair tanto visitantes de outros bairros atraves do transporte público ou ciclovias quanto os moradores do entorno.


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A proposta da Avenida Aberta é delimitada pela Av. Pedroso de Morais e Av. Cidade Jardim com quatro interrupções - Rua Cristóvão Gonçalves/Rua Chopin Tavares de Lima, Rua Teodoro Sampaio, Rua dos Pinheiros e Av. Rebouças - tem o Largo da Batata como articulador do espaço e saída do metrô. E a partir da Av. Rebouças um dos sentidos segue aberto para pedestres e outro é liberado para os veículos.


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Mapa 04 - Proposta de sentido das vias do entorno

fonte: elaboração própria

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ESTUDO DE FLUXOS DE VEÍCULOS DURANTE A FARIA LIMA ABERTA ESTAÇÃO DE METRÔ SENTIDO DA VIA NÃO ALTERADO ESTUDO DE FLUXOS DE VEÍCULOS DURANTE A FARIA LIMA ABERTA ESTAÇÃO DE METRÔ SENTIDO DA VIA NÃO ALTERADO SENTIDO DA VIA ALTERADO ÍNICIO OU TÉRMINO DA RUA ABERTA Locais onde terão barreiras com cavaletes da CET impedidndo ou direcionando o fluxo de veículos.

AVENIDA ABERTA

Área destinada aos pedestres durante os domingos e feriados, seguindo as diretrizes da Paulista Aberta.

RUA SEM SAÍDA E LOCAL

Ruas que tem saída exclusivamente para a Av. Faria Lima, tem a sua saída bloqueada para a avenida se tornando sem saída, mão dupla e com um transito mais local.

LARGO DA BATATA Área de intervenção.

SENTIDO DA VIA ALTERADO ÍNICIO OU TÉRMINO DA RUA ABERTA Locais onde terão barreiras com cavaletes da CET impedidndo ou direcionando o fluxo de veículos.

AVENIDA ABERTA

Área destinada aos pedestres durante os domingos e feriados, seguindo as diretrizes da Paulista Aberta.

RUA SEM SAÍDA E LOCAL

Ruas que tem saída exclusivamente para a Av. Faria Lima, tem a sua saída bloqueada para a avenida se tornando sem saída, mão dupla e com um transito mais local.

LARGO DA BATATA Área de intervenção.


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O sentido das vias é alterado do original nas ruas que ficariam sem saída com a abertura da avenida, se tornando de mão dupla para o tráfego local conseguir outras rotas para circular.


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Mapa 05 - Desvio dos ônibus durante a Faria Lima Aberta

fonte: elaboração própria

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No desvio da rota dos ônibus foca-se principalmente nos veículos que têm a Av. Brig. Faria Lima como rota, desviado para ruas do entorno e retornando à avenida para o trecho que parte da via está liberada para o trânsito em ambos os sentidos.


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Os cortes explicitam a relação espacial das pessoas utilizando a avenida aberta, de proporções e alturas e a contraposição dos dias das semanas em que circulam os veículos representados com os carros e ônibus tracejados. Os cortes esquemáticos mostram a situação na avenida totalmente aberta para a população (corte esquemático AA) e no trecho entre a Av. Rebouças e a Av. Cidade Jardim que apenas um sentido está aberto para os pedestres e o outro acomoda nas quatro faixas de rolagem os dois sentidos da via (corte esquemático BB). Nos cortes de cruzamentos a intenção é mostrar a relação do início e fim do perímetro do programa e onde há as interrupções para passagem de veículos, como seriam as interações e proporções entre as duas forças. 174


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Figura 39 - Corte Esquemático AA

fonte: elaboração própria

rua aberta

RUA ABERTA

LARGO DA BATATA

CORTE ESQUEMÁTICO AA FARIA LIMA ABERTA 175 Figura 40 - Corte Esquemático BB

fonte: elaboração própria

CALÇADA

CORTE ESQUEMÁTICO BB FARIA LIMA ABERTA EM PARTE DA VIA

RUA ABERTA


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Figura 41 - Corte de Cruzamento AA

fonte: elaboração própria

CALÇADA

CANTEIRO

RUA ABERTA

CORTE CRUZAMENTO AA FARIA LIMA ABERTA | AV. PEDROSO DE MORAES 176

Figura 42 - Corte de Cruzamento BB

CALÇADA

fonte: elaboração própria

RUA ABERTA

CORTE CRUZAMENTO BB FARIA LIMA ABERTA | RUA DOS PINHEIROS

RUA ABERTA


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Figura 43 - Corte de Cruzamento CC

fonte: elaboração própria

rua aberta

CANTEIRO

RUA ABERTA

CORTE CRUZAMENTO CC FARIA LIMA ABERTA | AV. REBOUÇAS 177

Figura 44 - Corte de Cruzamento DD

fonte: elaboração própria

rua aberta

CORTE CRUZAMENTO DD FARIA LIMA ABERTA | AV. CIDADE JARDIM

CANTEIRO


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RECORTE ESPAÇO PÚBLICO | LARGO DA BATATA Figura 45 - Largo da Batata no Carnaval 2018

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fonte: https://img.estadao.com.br/fotos/crop/1200x1200/resources/jpg/8/1/1518282182418.jpg?xcd_image_optimization=false

O recorte escolhido foi o espaço que será articulador da proposta de Avenida Aberta, o Largo da Batata. Como visto nos capítulos anteriores o Largo foi um espaço extremamente emblemático nas manifestações a partir de 2013, é um ponto importante na conexão de transporte das áreas periféricas e de alto padrão. É um local com camadas sobrepostas e é democrático abrange do comércio popular ao capital financeiro, apesar de tender para um futuro ligado ao capital. Ainda sedia eventos públicos e ações de marcas, tudo isso num espaço amplo aberto e público. Intervir no Largo é delicado, pois recentemente houve a “requalificação” com o projeto ganhador de um concurso de arquitetura com diversos escritórios extremamente competentes. A ideia não é desqualificar este projeto, e sim partir do que foi construído e pensar sobre alternativas para melhorar o espaço numa abordagem adequada ao contexto atual, que apesar de próximo se transformou demais. A primeira ação foi entender as dinâmicas do território identificando os usos, eventos e propostas


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previstas para a área e os arredores. O que gerou o mapa a seguir com a espacialização das relações observadas. As principais pontos foram: as relações fortes do transporte e do comércio informal que fica próximo aos fluxos de passageiros; a relação do comércio e dos eventos que acontecem principalmente os que reúnem muitas pessoas e instalações tanto artísticas, de coletivos, quanto de marcas em datas comemorativas; o incentivo a uma área de estar iniciado pelos coletivos que atuam no Largo e deram visibilidade para ações que constroem mobiliários ou mesmo fazer o poder público instalar novos; há a presença do Mercado Municipal de Pinheiros, mas que não tem relação com a praça; as praças que compõem o Largo tem o potencial maior e melhor se conectadas; e atualmente há a construção de um edifício de alto padrão corporativo numa das áreas mais importantes do espaço ocupando 40 mil metros quadrados que tem previsão de inaugurar em 2021, o que mudaria muito o caráter público desse lugar. Vale ressaltar o que parece ser como a vocação daquela parte do espaço, o que ele tem mais relação. A praça mais acima na representação (A) tem ligação forte com o comércio popular sejam das lojas na Teodoro Sampaio. quanto dos ambulantes e das feiras, e o transporte público permeando os ônibus, o metrô e a ciclovia. E a praça mais abaixo na representação (B) tem a ligação com os eventos, instalações, ações de marcas, áreas de estar e está cercada por restaurantes e bares.

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Mapa 06 - Estudo da Setorização

fonte: elaboração própria

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O projeto se consolidou com o intuito das pessoas serem incluídas e conviverem nesse espaço comum no centro da lógica do capital. E a partir da leitura do mapa anterior se desenvolveu o programa de abrigar um coworking público em contrapartida do edifício corporativo de alto padrão; os boxes para as feiras e comerciantes informais; um palco com uma concha acústica para os eventos; a continuação do bicicletário público; e pensando sobre a inclusão um restaurante popular com uma horta própria e compostagem dos alimentos que sobram. Para melhorar a conexão das praças a rua entre o Largo da igreja e a praça se tornou compartilhada e o trecho entre as duas praças principais foi conectado com o elevamento da avenida e a descida do terreno que propicia essa fluidez sem intervenção dos carros nos dias que a Avenida não é Aberta. E é a partir da praça rebaixada que há esse encontro dos dois espaços e a nova saída do metrô acontecem. Assim o volume do Restaurante fica enterrado com uma fresta de luz na altura de quem caminha pela praça nos níveis onde não se mexeu na topografia, um volume sutil que não quer obstruir a visão principalmente para o Mercado. Na praça também é onde se encontram os boxes para o comércio informal que tem apenas delimitações simples e bancadas de exposição em um local sem portas, extremamente aberto ao público e voltado para quem vem do metrô. O volume do Coworking acabou seguindo paralelo à Teodoro Sampaio, com grandes pilotis e possuindo três pavimentos para não destoar do gabarito das casas e comercios, e não obstruir a visão do entorno na altura do pedestre. Visão essa que é diferente dependendo de por onde se vem até o Largo. A seguir estão os desenhos técnicos começando com as plantas do subsolo do metrô até o térreo da praça rebaixada e do térreo que não teve a sua topografia mudada, aos corte e a aproximação das construções.


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fonte: elaboração própria - sem escala

PRAÇA REBAIXADA

CO WO RK IN G PÚ BL ICO

RESTAURANTE POPULAR

BOXES

183

BIC ICL ETÁ RIO

Figura 47 - Diagrama do Programa

PA LC O


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CO WO R

KIN

O CI L R A MÉ RM O O C F IN

184

RES

TAU R

ANT

EP

OPU

LAR

G


GP

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ÚB

LIC O

185

PALCO DE EVENTOS


PLANTA SUBSOLO | METRÔ FARIA LIMA

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PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

| LARGO DA BATATA _ AV. FARIA LIMA |

723,14

720

187

724

0

5m

10m

20m

50m


188

PLANTA SUBSOLO | SAÍDA DO METRÔ FARIA LIMA

| LARGO DA BATATA _ AV. FARIA LIMA |


PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

| LARGO DA BATATA _ AV. FARIA LIMA |

727,16 731

189 727

728 729 730 732,30

731

0

5m

10m

20m

50m


190

PLANTA TÉRREO | NÍVEL DA PRAÇA REBAIXADA | 731

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7

733,50

732,69

732,30


| LARGO DA BATATA _ AV. FARIA LIMA |

PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

733,60

731 733,70

ENTRADAS | SAÍDAS DO METRÔ

731

732,79

731

191

732,30

732

0

5m

10m

20m

50m


PLANTA TÉRREO | NÍVEL DO ENTORNO

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192

7

733,50

732,69


| LARGO DA BATATA _ AV. FARIA LIMA |

PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

733,60

731 733,70

731

732,79

736

193

732,30

732

0

5m

10m

20m

50m


CORTES

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COWORKING PÚBLICO


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195

AV. FARIA LIMA ELEVADA


CORTES

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AV. FARIA LIMA ELEVADA


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197

METRÔ FARIA LIMA


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198


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199


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200


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201


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202


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203


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LAR

RESTAURANTE POPU ESPE LHO

BANH.

DEP.

BOXES | COMÉRC

PRÉ PREPARO

CÂMARA FRIA

UA

D’ÁG 731

SALÃO

HORTA

204

COZINHA

731

LAVAGEM

731


PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSI

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CIO INFORMAL

731

BANHEIRO PÚBLICO 0

5m

10m

20m

731

205

731

50m


CORTES

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COWORKING PÚBLICO

206

BOXES

RESTAURANTE POPULAR


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S 207

COWORKING PÚBLICO


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208


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209


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COWORKING PÚBLICO 1º PAVIMENTO AÇÃO

742,22

740,08 739,55 739,02

738,72

ÁREA PARA FOCO

738,72

ONTR | ÁREA DE DESC

210

ÁREA PARA FOCO

740,62

742,22

741,69 741,15 740,62 740,08 739,55 739,02

742,22

742,22


3º PAVIMENTO

745,72

CAFÉ

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ÃO

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AÇ ÁREA DE DESCONTR

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