![](https://assets.isu.pub/entity-article/user-assets/38381926/0d7fcd2718438407b5af59795fc4e76e27805a871698108847898.jpg?crop=876%2C657%2Cx610%2Cy315&originalHeight=1424&originalWidth=2105&zoom=2.16841778054088&width=720&quality=85%2C50)
8 minute read
Racionalismo e Empirismo
RACIONALISMO E EMPIRISMO
Andrei Vanderlei de Siqueira Alves
Dentro dos múltiplos campos de estudo da filosofia, a dedicação à origem, natureza, limites, fonte e outros aspectos que envolvem o conhecimento são sine qua non para o desenvolvimento filosófico, uma vez que o objetivo precípuo e teleológico da filosofia é conhecer.
Faz-se mister destacar que o conhecimento filosófico precisa ser mais que doxológico, na perspectiva platônica, ultrapassando, portanto, a crença efêmera e superficial e se propondo a buscar a episteme, como uma crença que se demonstra verdadeira e justificada. É importante compreender neste ínterim, que o próprio conceito de conhecimento como assaz expendido (crença verdadeira justificada), também passou por processos de transformação e modificação; entretanto, este não é o foco deste trabalho.
Uma vez destacada a relevância da temática, este opúsculo ensaio acadêmico se dedica a demonstrar en passant a celeuma filosófica que se revela na busca pela origem do conhecimento, formando duas linhas de pensamento, a saber, o racionalismo e o empirismo. Destas, muitas outras estruturas filosóficas surgem em busca de respostas para a pergunta: “qual é o papel da razão e dos sentidos na construção e no desenvolvimento do conhecimento?”.
De forma vestibular, o desenvolvimento conceitual a respeito das duas linhas de pensamento é bem demonstrado por Moser, Mulder e Trout (2004, p. 112):
O empirismo básico assevera que não é possível adquirir conhecimento da realidade através do uso não empírico da razão. Afirma, por exemplo, que não podemos ter conhecimento algum acerca da realidade ou irrealidade dos unicórnios pelo puro e simples exame do conceito ou idéia de unicórnio. O mesmo vale, digamos, para a questão da realidade dos elefantes: não podemos saber se eles são reais ou não pelo mero uso não empírico da razão. O racionalismo básico, por outro lado, afirma que temos acesso a alguns conhecimentos por essa via. Não podemos determinar se os elefantes existem pelo simples uso não empírico da razão, mas, segundo o racionalismo básico, podemos determinar, por exemplo, que todo acontecimento tem uma causa.
Diante de tal argumentação, o desafio lógico e racional da filosofia está concentrado em descobrir qual linha de pensamento está mais próxima da realidade e sob qual fundamento o filósofo deve dedicar a sua atenção, a fim de conhecer a verdade a respeito da realidade observada.
No que diz respeito ao racionalismo, as palavras do filósofo moderno francês René Descartes, descreve com maestria o sustentáculo lógico que se assegura os racionalistas ao afirmar que a razão é a fonte do conhecimento:
[...] Não há nada em nossas ideias que não seja inato à mente ou à faculdade de pensar, com a única exceção daquelas circunstâncias que dizem respeito à experiência, como o fato de que julgamos que essas ou aquelas ideias – que agora temos presentes em nossa mente – refiram-se a alguma coisa situada fora de nós. [...] Nada chega à nossa mente dos objetos externos através dos órgãos dos sentidos, exceto certos movimentos corporais [...]. Daí se segue que as próprias ideias dos próprios movimentos e das figuras são inatas em nós. (DESCARTES, 1985)
Diante dessa asserção de Descartes, é possível afirmar que a epistemologia racionalista se dedica a estudar o objeto cognoscível por meio da razão (do latim ratio, que se refere a uma medida, cálculo, razão, proporção ou relação), ao afirmar que as verdades a priori não podem ser compreendidas por meio das experiências particulares promovidas pelos sentidos. Ademais, o conhecimento de certos conceitos (tais como: metafísica, matemática, entre outros) é inato, uma vez que a mente seria dotada de capacidade para processá-los.
Destarte, é possível assegurar que existem alguns pontos em comum em relação aos principais pensadores do racionalismo (Descartes, Malebranche, Spinoza e outros), ao afirmarem a crença: em verdades a priori, na condição inata de alguns tipos de conhecimento ou verdades, bem como o entendimento de que existiria uma capacidade cognitiva da mente de processar de forma lógica essas verdades. Ainda, esta linha de pensamento faz uma distinção entre intelecto (capacidade da mente de julgar de forma lógica e válida sem cometer erros) e a imaginação (evento psicológico que varia entre os indivíduos e pode cometer erros). O racionalismo enfatiza a metodologia da dedução (princípios universais e absolutos aplicados em realidades específicas), sendo o seu principal campo as ciências exatas, como a matemática e a geometria.
Considere alguém dizendo "Tenho visto mui. tas coisas, mas nunca vi algo existindo e não existindo ao mesmo tempo", ou dizendo "Todos os experimentos conduzidos até aqui têm mostrado que duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si". Estas afirmações não são do tipo que podemos provar através da experiência. Elas são, em vez disso, simplesmente lógicas. São conhecidas "por si", como alguns filósofos dizem. Não é só que não podemos imaginá-las como sendo falsas; pessoa alguma poderia, nem mesmo Deus. Os racionalistas sustentam que existem algumas afirmações cuja justificativa (ou seja, cuja prova) não depende da experiência, mas se apoiam em vez disso na razão. (HUENEMANN, 2012, p.14)
A contrario sensu, os empiristas afirmam que nihil est in intellectu quod prius non feurit in sensu (adágio latim que significa que “nada existe no intelecto que antes não tenha estado nos sentidos”), como bem aludiu (MEYERS, 2017, p.17):
“Não há nada no entendimento que não estivesse antes nos sentidos” (COPLESTON, 1952: 393). Eles afirmavam que o mundo natural contém objetos com forma e matéria; quando os percebemos, ficamos cientes das formas sem a matéria, que então se tornam o conteúdo do nosso conhecimento. Podemos ter certeza de que esse conhecimento é genuíno porquanto há uma correspondência entre as formas em nossa mente e as formas na realidade.
Portanto, a epistemologia empirista (do grego empeiria, que significa “experiência”) afirma que o ser humano é como uma tábula rasa ou uma folha em branco e à medida em que sua mente é estimulada pelas experiências com um mundo e uma realidade externa a ele (sujeito cognoscitivo), os seus sentidos captam essa realidade e depois esses elementos captados são processados pela mente. É justamente por esse motivo, que uma das máximas empiristas está no fato de que o conhecimento seria a posteriori, ao afirmar que é da experiência, e não da razão, que a consciência cognoscente retira seus conteúdos.
Um dos principais pensadores empiristas é o filósofo inglês John Locke que afirmou:
“Não tem o poder, mesmo o espírito mais exaltado ou entendido, mediante nenhuma rapidez do pensamento, de inventar ou formar uma única nova ideia simples na mente, que não tenha sido recebida pelos meios antes mencionados; nem pode nenhuma força do entendimento destruir as ideias que lá estão. (LOCKE, 1999, p. 63-64).
Ao ressaltar a importância dos sentidos no processo epistemológico, tanto Locke como outros empiristas de renome como George Berkeley e David Hume, promovem uma celeuma com seus sistemas filosóficos, que apesar de tangenciar inúmeros pontos em comum, chegam a resultados bem divergentes, como no caso do ceticismo de Hume.
Enquanto o racionalismo se dedica à metodologia dedutiva, o empirismo foca na observação de fenômenos específicos, para a partir dessa realidade observada por meio de diversas experiências testadas, levando em conta as múltiplas variáveis, busca extrair princípios gerais que podem ser aplicadas a outras realidades: esse processo é denominado de indução. Um outro aspecto interessante, é que enquanto o racionalismo busca construir o seu sistema baseado nas ciências exatas, o empirismo tem como foco as ciências naturais, como biologia.
Vale salientar que existem linhas de pensamentos que foram desenvolvidas buscando um ponto de equilíbrio entre as afirmações racionalistas e empiristas, a saber:
intelectualismo e o apriorismo.
O intelectualismo ao tentar mediar o encontro entre o empirismo e o racionalismo, afirma que tanto a razão como a experiência compõe a construção do conhecimento.
Difere do racionalismo, porque afirma que os conceitos não são a priori, mas abstraídos da experiência. Nessa linha de pensamento, a razão humana decodifica os conceitos obtidos pela experiência, que organiza e julga as percepções e impressões cedidas pela experiência. Difere também do empirismo, pois a razão humana atua diretamente no conhecimento. São pensadores que fundamentam essa teoria: Aristóteles e Tomás de Aquino.
No apriorismo, assim como o intelectualismo, a razão e a experiência colaboram no processo do conhecimento. Entretanto, no apriorismo os conhecimentos a priori, que auxiliam o sujeito cognoscitivo a formular esses conhecimentos. O apriorismo se aproxima mais do racionalismo, enquanto o intelectualismo está mais próximo do empirismo. O pensador Immanuel Kant seria um dos expoentes desse pensamento. Pode-se, portanto, afirmar que nessa linha de pensamento os conhecimentos são formais, atuando como recipientes para o conteúdo que é extraído da experiência.
Diante do assaz expendido, é possível compreender tanto as dificuldades em se propor uma questão final a respeito do tema, como a importância de permanecer em uma dedicação contínua sobre este. Portanto, esse opúsculo ensaio chega à conclusão que a respeito dessa temática a filosofia se encontra diante de uma aporia
BIBLIOGRAFIA
DESCARTES, René. Comments on a Certain Broadsheet. In: _______. The Philosophical Writings of Descartes, volume I. Cambridge: Cambridge University Press, 1985, p. 304, tradução nossa.
HUENEMANN, Charlie. Racionalismo. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 11-32.
LOCKE, John. Ensaio acerca do Entendimento Humano. Tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p. 63-64.
MEYERS, Robert. G. Empirismo. Petrópolis: Vozes, 2017, p. 8-15.