7 minute read

Hagar, o Terrível, e o Conhecimento

HAGAR, O TERRÍVEL, E O CONHECIMENTO

Por Andrei Vanderlei de Siqueira Alves
http://tiras-hagar.blogspot.com

Dik Browne, cartunista e ilustrador norte-americano, ficou reconhecido como o criador da icônica tirinha de “Hagar, o terrível”. As histórias dessa tirinha se passam num contexto da Era Viking, tendo como personagem principal o guerreiro viking Hagar.

Em uma de suas histórias, Dik Browne narra uma conversa de Hagar com uma pessoa desconhecida. Hagar percebe a chegada de alguém e diz: “Alto Lá! Quem vem aí? Amigo ou inimigo?!”. Então, ele ouve a voz misteriosa dizendo: “Eu sou amigo de uns e inimigo de outros, mas em última análise eu sou apenas um ser humano vivo tentando seguir seu caminho na vida como qualquer outra pessoa”. Então, Hagar responde: “O que um filósofo está fazendo por aqui?”.

Com o objetivo de expor alguns dos principais conceitos que versam sobre a possibilidade de conhecimento, por meio da tirinha de Dik Browne supracitada, este opúsculo estudo fará uma discussão vestibular da temática, abordando os seguintes conceitos: dogmatismo, ceticismo, pragmatismo, relativismo e subjetivismo, e criticismo.

Antes de adentrar especificamente em cada conceito, faz-se mister apontar que o processo do conhecimento se dá no relacionamento entre o sujeito cognoscitivo e o objeto cognoscível. Em outras palavras, o sujeito cognoscitivo é aquele que possui a capacidade de conhecer a realidade dos fatos e fenômenos que estão à sua volta e o objeto cognoscível é a própria realidade que pode ser conhecida. Destarte, o conhecimento é o resultado dessa relação entre o sujeito e objeto. Na perspectiva do sujeito, o conhecimento se dá quando este sai da sua esfera e invade a esfera do objeto, captando suas informações e interiorizando-as. Já na perspectiva do objeto, o conhecimento seria a transferência de suas propriedades, quando este se relaciona com o sujeito.

Dentre as teorias selecionadas para esta análise, este estudo se inicia com o dogmatismo. O dogmatismo pode ser compreendido como a “doutrina que crê na possibilidade de conhecer a verdade absoluta das coisas de modo direto e imediato, por meios empíricos, racionais ou supra-racionais” (BAZARIAN, 1994, p. 94). Nessa linha de pensamento, o conhecimento pode ser obtido de forma autoevidente e sem reflexão crítica. A construção lógica do dogmatismo se propõe a esta conclusão ao compreender que o conhecimento não se dá na relação entre o sujeito e objeto, pois acredita que objetos do conhecimento são dados diretamente, corporeamente. Portanto, essa linha aceita o que se propõe sem contestação e a dúvida quanto à sua ineficácia, não existe.

Na tirinha, Hagar tem uma postura dogmática, quando ele tira conclusões imediatas sem se propor a fazer uma reflexão crítica a respeito da pessoa com quem ele conversava. Por exemplo, pela resposta dada pelo sujeito, Hagar acredita que ele seja um filósofo. Seria possível acreditar que Hagar fosse, de certa forma, um dogmático ingênuo. Já o ceticismo, seria o lado oposto radical ao dogmatismo, uma vez que o primeiro nega a possibilidade de conhecimento e o segundo afirma a possibilidade de conhecimento. Enquanto, o dogmatismo desconsidera o sujeito, o ceticismo não enxerga o objeto. Pode-se afirmar que o ceticismo seria a impossibilidade de apreensão do objeto, levando, quando absoluto, à suspensão de juízo. Enquanto, alguns filósofos defendiam o ceticismo no campo moral, ético e metafísico, como o pensador renascentista Michel de Montaigne; outros, propuseram o ceticismo como uma método para se buscar o conhecimento, como na dúvida metódica de René Descartes. Há ainda o positivismo de Auguste Comte, que propõe à ciência o estudo dos fenômenos, uma vez que o conhecimento da “coisa em si” (númeno) seria impossível de ser alcançado. Na tirinha, Hagar poderia se utilizar da dúvida metódica proposta por Descartes para procurar conhecer o que estava à sua frente. Por exemplo, na afirmação final, ao invés de uma conclusão imediata, Hagar poderia ter submetido o desconhecido a uma dúvida, a fim de que encontrar uma verdade indubitável.

Já o pragmatismo, abandona o conceito de verdade como a harmonia e concordância entre o juízo e o ser do objeto. Segundo Hessen, para essa concepção verdadeiro “significa o mesmo que útil, valioso, promotor da vida” (HESSEN, 2000, p. 40). Portanto, o conceito de verdade não está fundamentado na teoria, mas na ação e resultados práticos. Isso deve ao fato de que na concepção de pensadores como Charles Sanders Pierce, William James e John Dewey, o ser humano não é essencialmente um ser teórico ou pensante, mas prático, de vontade e ação. Dessa forma, os fins práticos vão determinar aquilo que pode ser conhecido. Na tirinha de Hagar, inicialmente é possível perceber que havia uma preocupação do guerreiro viking em saber se a pessoa que se aproximava era amiga ou inimiga. Hagar agiu de forma pragmática quando procurou conhecer o desconhecido pela utilidade desse conhecimento, corroborando com a proposta de Pierce.

Numa relação próxima, com algumas nuances importantes a serem consideradas, as teorias do relativismo e subjetivismo afirmam em consonância que não há verdades absolutas, universais e ilimitadas. Entretanto, estas teorias se diferem, quando o subjetivismo afirma que a validade da verdade está restrita ao sujeito que a conhece (mesmo que seja de forma individual ou genérica) e o relativismo propõe que a verdade

estaria condicionada aos fatores externos e as circunstâncias locais. Em outras palavras, no subjetivismo a verdade se restringe ao sujeito e no relativismo a verdade é limitada pelo meio e pelo tempo onde ela é cognoscível. Existe um problema, no plano lógico, que precisa ser considerado em relação à essa linha de pensamento, a saber: a questão do autocontraditório, uma vez que a verdade que esta teoria afirma ser relativa, seria uma verdade universal. Na tirinha de Hagar, tanto o relativismo como o subjetivismo podem ser ilustrados pela atitude do guerreiro viking. De certa forma, podemos dizer que a pessoa que respondeu para Hagar era adepta da teoria subjetivista, quando afirmou que “Eu sou amigo de uns e inimigo de outros, mas em última análise eu sou apenas um ser humano vivo tentando seguir seu caminho na vida como qualquer outra pessoa”. Tal afirmação demonstra a teoria subjetivista, porque permite perceber que não é sobre a verdade do objeto cognoscível, mas sobre a percepção do sujeito. Já a teoria relativista é percebida quando as opções que se mostram a respeito do sujeito, estão envolvidas no tempo e espaço em que eles se relacionam, sendo portanto ele: amigo, inimigo ou filósofo (de acordo com Hagar).

Por último, o criticismo apresenta uma terceira via, ou ponto de equilíbrio entre o dogmatismo e o ceticismo, ao unir uma confiança no fato da razão poder conhecer a realidade com a desconfiança cética diante do conhecimento já determinado. Não há uma aceitação despreocupado a respeito do conhecimento. É crítico e reflexivo, compreendendo que o conhecimento é possível, mas tem suas limitações. O maior expoente dessa linha de pensamento é Immanuel Kant, que afirma que o conhecimento sempre se inicia com a experiência, mas termina na junção entre a experiência e as categorias da razão. Para essa linha de pensamento, não existiria conhecimento fora da realidade. O fenômeno que conhecemos seria apenas uma representação da realidade e não, a coisa em si. Na tirinha, a voz misteriosa que dialoga com Hagar, poderia também se assemelhar ao criticismo, uma vez que diante das experiências, esta se dedica à reflexão crítica para compreender quem verdadeiramente é.

BIBLIOGRAFIA

A POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO: dogmatismo. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=YfnPckAQnmE. Acesso em: 10 jan. 2021.

A POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO: pragmatismo. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=KnBn7cwjk5w. Acesso em: 10 jan. 2021.

BAZARIAN, J. O problema da verdade: teoria do conhecimento. 4. ed. São Paulo: AlfaÔmega, 1994.

HESSEN, J. Teoria do conhecimento. 2. ed. Tradução de João Vergílio Gallerani Cuter. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MOSER, Alvino; LOPES, Luís Fernando. Para compreender a teoria do conhecimento. Curitiba: Intersaberes, 2016. (Biblioteca Virtual Pearson).

This article is from: