Scarlet
Sumário
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Editorial
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A depilação no Brasil do Séc. XXI
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O desenvolvimento sexual freudiano
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Somos naturalmene monogâmicos?
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Ensaio nu (e cru)
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A igreja e o sexo
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Aparelho excretor não reproduz... mas fala
E há quem diga que o machismo é história da carochinha...
26 Curiosidades
34 Crônica: “Eu não estava sonhando”
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A paixão de Bergman
32 A censura e a moral nas novelas
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editorial A cor vermelha.
Colore a paixão, a energia e a excitação. É uma cor quente, cor do fogo e da intensidade. No contexto religioso, é a cor do pecado, do diabo, da tentação e do desejo carnal. Na política, está associada à revolução e à resistência. Escarlate: a cor que estimula o sistema nervoso, que vibra, que inspira glamour, que agita. A cor vermelha está tão presente em nós quanto um de seus mais difundidos significados: a sexualidade, entranhada em todas as culturas. Uma das características mais universais do ser humano e, paradoxalmente, objeto de tabu. A experiência sexual, por muito renegada e encarada com vergonha, hoje caminha por vias mais libertárias e menos repressoras, é verdade – o que não quer dizer que tenhamos alcançado a elevação necessária para encará-la como ela é: ponto de convergência e união de todos os seres humanos, uma situação por qual todos passamos ou passaremos, independentemente de nossas diferenças. A revista Scarlet apoia a liberdade acima de tudo, e, para tanto, é preciso discutir o sexo. Sexo como forma de amor, sexo como expressão, sexo como via para o prazer, sexo como arte, sexo como direito inalienável. Em nosso material, analisamos a cultura de opressão e de segregação sexual; comentamos sobre a importância de movimentos libertários; falamos sobre preconceito e violência contra minorias sexuais; descontruímos a representação da sexualidade na mídia; tratamos dos avanços e dos atrasos em nossa sociedade. Sexo é a maior e melhor expressão de nossa condição humana. Sexo é necessidade. Sexo não é promiscuidade. Sexo é vida, no ápice de sua intensidade.
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A Depilação no Brasil do Séc. XXI Como e por que a "ditadura do pelo zero" instaurou-se ao longo dos últimos 20 anos. por Cainã Dittrich Historicamente, sempre existiu uma certa tendência ao desaparecimento dos pelos. O ser humano em si nunca conseguiu frear o processo de autonegação, tentando sempre se distanciar de sua própria natureza. Tira-se a barba. Tira-se o bigode. Ao que tudo indica, tira-se praticamente tudo, exceto pelas sobrancelhas e pelos cílios... Muitos certamente diriam que tal postura é radical ou extremista – mas nem de perto a mesma consegue se impor tão fortemente quanto o paradigma estético vigente. As pessoas se vêem obrigadas a se livrar de seus pelos incessantemente, obstinadamente – sem sequer saberem o porquê disso! Paulatinamente, a indústria da estética conseguiu consolidar sua visão de mundo. E assim como o Mito da Caverna de Platão, tornou-se algo tão arraigado na sociedade brasileira que qualquer um contrário à ela é automaticamente execrado. Foram-se os tempos em que ter pelos era algo
aceitável; hoje em dia, estes caracterizam um “atentado ao pudor” quase tão grave quanto tirar a roupa em praça pública... O pior de tudo sequer consiste em no quão presente a cultura da ausência de pelos é, mas... No quão rápido ela conseguiu consolidar-se. Pelos nas axilas, de fato, nunca foram algo “popular” entre as mulheres brasileiras; todavia, já houve uma época na qual a depilação íntima mais exuberante, por assim dizer, foi vangloriada. E isso nem faz tanto tempo assim. Conforme as décadas foram se passando, não somente os setores da indústria da depilação cresceram, mas sua principal aliada também: as publicações masculinas mainstream, responsáveis por ditar o padrão a ser seguido pelo grande público feminino. Funcionando num sistema cooperativo onde uma fornece suporte à outra, ambas Scarlet
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conseguem obter respaldo o suficiente para ditarem a norma social – fazendo-o primorosamente. Analisando 60 edições da Playboy emitidas entre 1985 e 1990, o resultado é bastante previsível: nenhuma das edições contém uma mulher depilada. O motivo? Simples. Não somente aquele era o padrão estético da época, como também era reforçado por estas publicações. Os veículos de comunicação tem o poder não somente de criar preferências, mas também de reforçar as mesmas. E à época, depilações não eram exatamente o padrão vigente. Entretanto, analisemos as edições de qualquer revista erótica – seja ela voltada ao público feminino ou masculino – nos últimos 10 anos. Dificilmente se encontrará alguma pessoa que não esteja completamente depilada em qualquer uma das publicações, demonstrando claramente a mudança de modelo ocorrida. Argumentos estapafúrdios como a suposta “falta de cuidado que pelos aparentam” ou “o quão antihigiênicos eles são” propagam-se rapidamente, de forma que nem seus próprios enunciadores dãose conta do quê estão fazendo ou porque estão fazendo. Seguindo uma lógica completamente incoerente, estes apelam pro senso comum (como em qualquer outra questão passível de polêmica), e sequer se dão ao trabalho de formular argumentos plausíveis. Apenas balbuciam incessantemente o que já lhes foi dito por outrem, reafirmando uma opinião que nem mesmo é de sua autoria. Mas qual a origem de tudo isso? Por quê, a partir de um certo momento na história, os pelos passaram a ser ainda mais atacados do que o normal, passando a carregar a imagem tão negativa que possuem hoje? Com o encurtamento natural das roupas – indo de shorts a biquinis –, por conseguinte o público feminino passou a se preocupar em tentar diminuir a quantidade de pelos aparentes, resultando no crescimento (e no uso) de técnicas de depilação. Além disso, um fator
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importante no Brasil é sua temperatura: média, de acordo com um determinado segmento, “pelos durante o calor são insuportáveis”. Não tomo a razão dos portadores destes discursos nem tampouco discordo enfaticamente; todavia, há um problema no surgimento do mesmo. Se este padrão apenas existisse por existir, de forma que não incomodasse os demais que não o obedecessem, tudo bem. Contudo, como é de conhecimento público, não é exatamente isso que ocorre... Qualquer não-depilado(a) é praticamente um ser à parte do resto da sociedade. Alguém que, sob a ótica das massas, “só quer chamar a atenção” ou “quer ser assim só pra ser rebelde”. Alguém que é praticamente destituído do direito de andar livremente por qualquer espaço público sem ser incomodado ou constrangido por conta da sua aparência – e nada mais além disso. Veja bem, caro leitor: não cabe a mim determinar se a ausência da depilação é algo a ser vangloriado ou não. Tampouco a ti, e tampouco a uma horda de acionistas desesperados em manter seu status baseado na venda de um produto x ou y. A única pessoa que deve determinar se está confortável com um determinado estilo visual é, adivinhe? Ela própria! Logo, por que todo esse estardalhaço por um simples apanhado de pelos? Por quê, literalmente, marginalizar uma pessoa (pois sim, qualquer um que não atenda aos padrões estipulados vai ser alvo desse tipo de comportamento) só por causa da escolha estética dela..? Devo confessar que sempre achei o termo ditadura da moda algo demasiadamente incisivo – mas a cada dia que se passa, dou mais e mais credibilidade a ele. À parcela masculina da população, do mesmo modo que em tantas outras questões, há uma certa zona de conforto: a cobrança pela
famigerada depilação é muito menor, quase que Claudia Ohana (em 2008) Gyselle (2008), inexistente. No entanto, o mesmo não se pode Fernanda Young (2009)... Findada a década de 80, dizer a respeito das mulheres. Assim como em são poucas as mulheres capazes de contestar outras diversas instâncias sociais, há uma cobrança o tédio gerado pela incessante repetição da infatigável; há essa exigência implícita de que ela mesma estética a todo preço. É, inclusive, deve não somente crer nesse padrão como fazer estranho pensar que de certa forma, estas o máximo possível para atingi-lo. Seja proveniente mulheres são tão peculiares e tão únicas por delas mesmas pra si mesmas ou por cobrança de simplesmente continuarem assumindo sua própria parceiros(as), a aparência 100% lisa é vista como natureza, como se isso fosse algo anormal. uma meta absoluta e inexorável a ser alcançada. Não, não é anormal. Pelo contrário, é a Caracterizando praticamente um tabu, onde forma natural de ser! Anormal é ter de pagar todo aquele que discordar é prontamente pra submeter-se a um processo de autopunido, a depilação pubiana consagra-se hoje mutilação; anormal é ter de pagar pra arrancar como algo essencial à mulher. Não são poucas um pedaço do próprio corpo; anormal é renderas publicações ou portais femininos que abordam se a um sistema por mera pressão social. o assunto como uma “questão de higiene, bom Obviamente, não clamo por uma proibição da gosto e elegância”, ajudando a manter uma visão depilação. É importante que ela exista, dada a preferência de certas pessoas preconceituosa, tacanha e hostil. Infelizmente, lutar em prol Veja bem, caro leitor: não cabe por tal opção; entretanto, tal de mudanças neste campo a mim determinar se a ausência opção deve ser optada por é praticamente dado como da depilação é algo a ser meio de um processo lógico uma batalha perdida – seja vangloriado ou não. Tampouco de tomada de decisões – e não para o público feminino ou a ti, e tampouco a uma horda mera coerção social. Da mesma masculino. Não se trata mais de acionistas desesperados maneira como a qual existem de uma questão de apelo em manter seu status baseado mulheres que optam por não se industrial ou midiático, mas... na venda de um produto x ou depilarem, deveriam haver as que Cultural. Durante sua escalada y. A única pessoa que deve optam por se depilar, ao invés rumo ao panorama vigente, determinar se está confortável de a horda obrigada a se depilar. É necessário pensar o porquê o liso absoluto conseguiu com um determinado estilo cair no gosto popular, e hoje, visual é, adivinhe? Ela própria! de pelos serem geradores de tanto pavor e por que a busca qualquer um que o conteste desenfreada por se livrar deles é um estranho no mundo. perdura. Por que é tão agressivo simplesmente Existem, ainda, pessoas que discordem dessa estética imposta goela abaixo. Mas estas, como optar por manter uma axila peluda, ou um púbis peludo? Isso deve dizer respeito àquele tantas outras minorias, não conseguem obter que terá de lidar com isso – e ninguém mais! alcance em seu discurso – e se conseguem, são prontamente desdenhadas ou silenciadas. A opinião das massas quase sempre é de que “é feio”, “é sujo”, “é nojento” e isso leva muitas Nanda Costa, por exemplo, há cerca de 1 ano protagonizou um episódio peculiar para os dias pessoas a automaticamente quererem se livrar desse estigma. Todavia, essas massas nada mais de hoje: estampou a capa da “Playboy” de agosto de 2013 com uma relativa exuberância de pelos são além da voz proveniente de alguém que, pra início de conversa, nunca deveria ter sido escutado. e... Obviamente, um enorme frisson foi criado Vivemos em uma sociedade capaz de perpetrar em torno de nada mais senão um punhado de tanto o ódio quanto o amor. Capaz de realizar pelos. De incontáveis piadas na internet até a feitios magníficos e inimagináveis a qualquer organização de boicotes àquela edição, Nanda conseguiu evidenciar o quão infantilizada a outro animal em toda a natureza. E mesmo assim, vivemos em uma sociedade permeada sociedade brasileira se encontra – e o quão habituada a mesma está a louvar sempre o por um conservadorismo exorbitante, capaz de retroceder não apenas relacionamentos como mesmo padrão estético: algo artificializado, também vidas. Será que é tão difícil mudar isso? sintético e com pouquíssima vivacidade. Scarlet
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Desenvolvimento sexual freudiano Freud realizou um célebre e revolucionário estudo sobre o desenvolvimento sexual, afirmando pioneiramente que a libido é parte fundamental do crescimento humano. Apesar de sua importância, a teoria freudiana foi amplamente criticada, principalmente devido ao seu teor machista. por Ana Rosa Alves
A sexualidade está presente em cada um de nós. Nossa mera existência, assim como a da maioria dos seres vivos, só se dá como consequência de um ato sexual. Somos seres dotados de libido. Precisamos do sexo para viver e para nos reproduzir. Muito tem sido estudado sobre o assunto durante a história, com diferentes graus de seriedade e profundidade. Até Freud, contudo, nada havia sido dito sobre a sexualidade infantil. O tema da sexualidade infantil foi abordado primeiramente por Sigmund Freud, o austríaco pai da psicanálise. Neurologista por formação, Freud abandonou a pesquisa puramente neurológica após ganhar uma bolsa de estudos para trabalhar com Jean-Martin Charcot, estudioso da psicopatologia, focando suas pesquisas na histeria. Até as primeiras publicações freudianas sobre o assunto, acreditava-se que crianças eram assexuais e que os impulsos sexuais só seriam despertos durante a puberdade. Ele dividiu o desenvolvimento psicossexual em cinco fases: oral, anal, fálica, de latência e genital. A primeira delas, oral, estende-se pelos primeiros 18 meses da vida, em que o prazer está centralizado na boca, nos atos de mamar e
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chupar a chupeta, por exemplo. Freud afirma que a quantidade errada de estimulação oral pode fazer com que a pessoa desenvolva uma fixação pela gratificação oral, abusan do de comidas, bebidas ou fumando. Os conflitos dessa fase também são expressos oralmente, como o vômito e as inibições da fala. A segunda fase é marcada pela substituição do prazer libidinal oral pelo anal, e dura dos 18 meses aos três anos. A criança aprende a controlar seus esfíncte res, tendo prazer em manter as fezes no seu intestino e depois soltá-las. Esse recém-adquirido controle é responsável pelos conflitos dessa etapa, como teimosia e ambivalência. A próxima fase, fálica, ocorre entre os três e seis anos, e é marcado pela descoberta do pênis como símbolo de virilidade. O Complexo de Édipo, nomeado em homenagem ao rei mitológico que matou seu pai e casou com sua mãe, simboliza essa etapa. As meninas, ao perceberem que seus pênis não crescerão, passam a nutrir uma vontade de tomar o lugar de sua mãe e os meninos, receosos da castração, passam a competir com seus pais. O período de latência vem a seguir, durando do fi
nal da fase fálica até a puberdade. Essa é uma época em que os desejos sexuais são reprimidos e as crianças se relacionam de uma maneira assexual. A segunda fase é marcada pela substituição do prazer libidinal oral pelo anal, e dura dos 18 meses aos três anos. A criança aprende a controlar seus esfíncteres, tendo prazer em manter as fezes no seu intestino e depois soltá-las. Esse recém-adquirido controle é responsável pelos conflitos dessa etapa, como teimosia e ambivalência. A próxima fase, fálica, ocorre entre os três e seis anos, e é marcado pela descoberta do pênis como símbolo de virilidade. O Complexo de Édipo, nomeado em homenagem ao rei mitológico que matou seu pai e casou com sua mãe, simboliza essa etapa. As meninas, ao perceberem que seus pênis não crescerão, passam a nutrir uma vontade de tomar o lugar de sua mãe e os meninos, receosos da castração, passam a competir com seus pais. O período de latência vem a seguir, durando do final da fase fálica até a puberdade. Essa é uma época em que os desejos sexuais são reprimidos e as crianças se relacionam de uma maneira assexual A última fase, genital, é marcada pela puberdade. A grande liberação hormonal faz com que os jovens descubram seus órgãos sexuais como fonte de prazer e se desenvolvam atração pelo sexo oposto. Todos os seres humanos, de um jeito ou de outro, passam por essas fases de desenvolvimento. Todos os seres humanos, de um jeito ou de outro, passam por essas fases de desenvolvimento. A criança, contudo, pode sentir-se frustrada por não ter todos os seus desejos realizados, ou então exageradamente satisfeita, o que pode levá-la a não querer progredir em seu desenvolvimento. Esse fenômeno pode levar ao que Freud chamou de fixação, em que a libido fica investida na fase de desenvolvimento problemática. A patologia no desenvolvimento gera consequências na personalidade adulta: pessoas que desenvolvem fixações orais são inocentes, dependentes e otimistas, enquanto pessoas com fixações anais tendem a ser controladoras e organizadas. A teoria de Freud gerou (e ainda gera) inúmeras críticas acerca da desconsideração de fatores sociais, culturais e políticos. O principal dos argumentos de ataque às teses freudianas, é, contudo, o menosprezo ao sexo feminino. Ao
apresentar a mulher quase como um homem deficiente cujo pênis está faltando, Freud deixa um enorme espaço para questionamentos. Assim, algumas das maiores críticas à tese freudiana vêm de escritoras feministas do Século XX. Uma das principais autoras dessa corrente foi a francesa Simone de Beauvoir, cujo pensamento atacava a ideia de que a libido feminina estava diretamente ligada à masculina. Beauvoir também atacava o pensamento de Freud afirmando que ele não considerava as origens sociais e históricas dos poderes e privilégios pa
triarcais. Criticava também a concepção freudiana de que a libido feminina é desenvolvida com base falta de um pênis, ausência anatômica que gera inveja dos meninos. A intelectual feminista argumenta que se essa inveja ocorre, ela se dá meramente pelos poderes e privilégios dados exclusivamente aos homens. A tese freudiana é indubitavelmente incompleta e falha, principalmente quando a analisamos em pleno Século XXI. Seu foco no desenvolvimento sexual masculino e a subordinação da libido feminina a ele é algo que merece ser — e vem sendo — desconstruído. Apesar disso, não podemos negar a importância de Freud como precursor da psicanálise nem muito menos desconsiderar seus estudos pioneiros sobre a sexualidade. Scarlet
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Somos naturalmente ?
monogâmicos
A cultura judaico-cristã ocidental é adepta da monogamia mas será que essa tendência é evolucionária ou apenas uma mera imposição social?
por Ana Rosa Alves Perdoem-me criacionistas e adeptos da biogênese, mas daremos um voto de confiança a Charles Darwin e partiremos da simples premissa de que a teoria da evolução está correta. Somos, assim, descendentes dos bons e velhos macacos, primatas polígamos. A incerteza sobre qual ato sexual resultaria em uma gestação associada à conveniência era fundamental para a manutenção da espécie, garantindo a mutação genética e a não-extinção. Muitos macacos machos adultos, por exemplo, chegam a subornar as fêmeas de suas espécies, oferecendo comida em troca de sexo. As disputas entre machos, contudo, levavam muitas vezes ao infanticídio dos filhotes, na tentativa de dominar a parceira de seu rival. Pesquisas atuais indicam que a monogamia tem aí seu embrião: ao ficar com a mãe de sua prole, os machos garantiam a proteção e a sobrevivência de seus filhotes. Acredita-se, contudo, que o início da nossa existência também tenha sido dominado pela multiplicidade de nossos parceiros sexuais, garantindo o sucesso reprodutório. Em algum momento, contudo, fizemos uma transição para a monogamia. Não sabemos ao certo quando essa mudança aconteceu, mas acredita-se que tenha sido em algum momento entre a Antiguidade greco-romana e o início da Idade Média. A sociedade grega era adepta do casamento mas relatos indicam que os homens poderiam ter várias parceiras sexuais, principalmente escravas — e muitas das crianças geradas a partir dessas situações eram tratadas como filhos legítimos, recebendo a mesma educação e parte da herança, por exemplo.
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Estamos caminhando na direção de uma sociedade monogâmica em série, em que um ser humano tem vários parceiros sexuais exclusivos ao longo da vida.
O fortalecimento do Cristianismo, contemporâneo à queda do Império Romano, trouxe consigo estigmas morais que impediam o compartilhamento da herança por filhos ilegítimos e punia quem os tivesse. Essa nova postura moral é considerada por grande parte dos autores como a marca da transição da poli para a monogamia. Atualmente, com o enfraquecimento da tradição judaico-cristã, os números de divórcios têm crescido espantosamente. No Brasil, estima-se que entre 20% e 25% dos casamentos não duram para sempre. Em países ocidentais desenvolvidos essa taxa é ainda maior, ficando, por exemplo, entre 40% e 50% nos Estados Unidos. Países árabes não ficam muito atrás. Podemos assim afirmar que estamos caminhando na direção de uma sociedade monogâmica em série, em que um ser humano tem vá
rios parceiros sexuais exclusivos ao longo da vida. Não podemos, contudo, generalizar. Por mais que a monogamia seja predominante, não podemos nos esquecer de que a infidelidade caminha lado a lado com ela. Também é errado ignorar sociedades tribais e certos grupos islâmicos que não adotaram a monogamia. Jacob Zuma, presidente da África do Sul, pertence à etnia zulu, tradicionalmente poligâmica, e tem atualmente quatro esposas. Em meio a tantos expoentes, não podemos afirmar ao certo o que somos. Pesquisas sobre o tema se contradizem a todos os momentos: em uma a monogamia é uma convenção social e, na outra, uma conquista evolutiva. A única coisa que não podemos negar é que a sexualidade é fator fundamental para a construção da nossa sociedade.
O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, e suas esposas.
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Nu e cru Sem roteiro. Sem roupa. Sem nada. É desta maneira que este ensaio se dá, buscando ao máximo absorver a essência do retratado - tornando-se mais um relato do que um mero retrato por Cainã Dittrich
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Acredita que a experiência lhe foi enriquecedora, de alguma forma? Acho que serviu para mostrar que eu estou comprometido com o que acredito. Sou muito inseguro em relação a diversas coisas, sabe, mas, na questão "corpo", tenho certezas e crenças muito firmadas. Levar isto para o âmbito prático só serviu para confirmar isto para mim mesmo.
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Foi seu primeiro ensaio nu? Sim. Se você tivesse de aplicar um significado específico pra este ensaio, qual seria? Eu vejo vários significados em cada uma das fotos, individualmente. Temos fotos que explicitam angústia, temos fotos mais dóceis. Mas não é difícil encontrar um significado que as una. É claro que eu, e suspeito que você também, preferiria deixar em aberto possíveis significações para que o público, os leitores, tenham sua própria interpretação; mas vou deixar a minha aqui, descomprometidamente. Eu vejo um vazio muito grande nessas fotos. Os ambientes, apesar de internos, são sempre muito grandes, extensos. A cor branca predomina, até mesmo ressaltada pelo efeito monocromático. A minha expressão (que escolhi casualmente, sem pensar muito sobre isso) é sempre muito plácida, pouco interessada. É quase como se estivéssemos encarando uma pessoa que não se afeta por nada, o que estabelece dois diálogos interessantes com a nudez: o personagem pode estar tão alheio ao mundo exterior que
não se importa de estar nu - ou podemos estar encarando uma pessoa pelo que ela realmente é, despida de qualquer obstáculo, simpatia ou reação socialmente imposta, o que seria representado pela falta de roupas. É óbvio que não pensei nisso na hora; não quero intelectualizar a situação toda, foram só coisas que me ocorreram quando parei para pensar. Como foi se despir diante das câmeras? Eu não tenho bem uma palavra certa para descrever. Não pareceu certo nem errado, nem melhor nem pior, só diferente. Não tenho muitos pudores em relação ao meu corpo. De fato, não demorou muito tempo até que eu estivesse confortável. Então eu não tentaria classificar de maneira dualista, maniqueísta, nem mesmo avaliar a situação. Diria que foi apenas uma experiência, e o que tem de positivo nela é o fato de ter sido diferente para mim e por ter tido sucesso em alcançar um belíssimo resultado final. As fotos não ficaram nada menos do que lindas, não por minha presença, mas pela construção de um cenário. Sinto harmonia quando vejo para elas. Não vejo somente a mim, mas toda uma cena, todo um contexto. Scarlet 15
Como você vê a estereotipação do nu nos dias de hoje? Crê que ainda hajam muitos tabus a ser quebrados? Eu vejo como um embate. De um lado, temos um moralismo ferrenho, que prega vergonhas e pudores. Do outro, temos um desejo cada vez maior por parte do público (que, pasmem, muitas vezes reproduz o mesmo moralismo), e que cobra por mais e mais nudez, encarando-a como entretenimento. Mas, que fique claro, não é qualquer nudez: precisa ser a nudez bela, de corpos esbeltos e abençoados. Não seria errado dizer que cobra-se mais também pela nudez feminina, uma vez que vivemos numa sociedade densamente machista e que este machismo encontra base no senso comum, amplamente difundido e, infelizmente, ainda muito aceito. Pode-se dizer que existe uma abordagem juvenil à nudez, vista como produto. Qualquer tratamento que fuja a esta concepção será rejeitado, às vezes até de forma agressiva. É bastante contraditório, até hipócrita, e me assusta que não seja identificado como tal. É claro que isto depende muito do local, uma vez que alguns países avançaram mais neste assunto do que outros. Não desejo esteriotipar esta questão, é deveras densa e rende muito debate. Por isto, falo apenas do meu convívio, do meu país, da minha cidade: a nudez precisa ser desistigmatizada. Corpo é corpo, é universal. Deve haver liberdade para cada um tratar do seu como bem entender, claro. Mas querer interferir na abordagem escolhida pelo outro é inaceitável.
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Se tivesse de deixar uma mensagem àqueles que ainda temem sua própria aparência, qual seria? Eu não poderia deixar somente uma mensagem. Cada caso é um caso, não posso dizer a mesma coisa para todos. Se eu tivesse que tentar, eu diria para que se perguntassem por que estão tão desconfortáveis com seus próprios corpos. Muitos sofreriam por pressão social, claro, mas alguns podem estar genuinamente insatisfeitos consigo mesmos e podem querer mudar. No final, eu não tenho o direito de interferir. Seja qual for o motivo, a última palavra deve ser da própria pessoa. Eu estaria sendo hipócrita se dissesse o contrário. Todos têm o direito de decidir sobre o próprio corpo, e meus conselhos não deveriam significar nada para ninguém.
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Alto Clero mantém séculos de políticas sexuais e mostra falta de sensibilidade com os fiéis por Marcelo Castro
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A príncipio, a grande discussão sobre a liberação do uso do preservativo ou não está diretamente ligada com a AIDS, o que não está errado, porém tal tema merece um olhar ainda mais aprofundado. As doenças sexualmente transmissíveis (DST) são o carro chefe do debate sobre a permissão da camisinha, porém dentro de um contexto maior, vemos também as questões sociais e econômicas permeando esse debate. Tópicos como descontrole de natalidade, planejamento familiar corrompido e aumento dos gastos sociais do Estado, também são muito importantes e influentes na Sem dúvida, a Igreja busca um caminhar len- vida dos fiéis mas acabam por serem esquecidos ou to para resolver a questão da camisinha, afinal de posto de lado no debate por algumas vezes. contas, tal tema põe o Papa e as principais lideSeja qual for o seu lado, não pode se neranças numa situação muito incômoda. Ao passo gar que os tempos atuais necessitam de políticas em que a não liberação do uso do preservativo atualizadas e menos conservadoras. Também não para os fiéis católicos se traduz como um atraso se pode deixar de lado a bíblia que vem sendo na questão de saúde, muitas pessoas dentro do a base da nossa sociedade ocidental mas mesmo Vaticano também temem que a liberação do uso nesse espaço, a Igreja pode encontrar subsídios vida camisinha possa ter como consequência futura, sando priorizar a saúde e a qualidade de vida de a banalização das relações sexuais. Porém, a banaseus fiéis. A partir do momento em que prime pela lização tão temida pela Igreja Católica se mostra vida, pela saúde e bem dos fiéis. Muitos Bispos são no fundo, um medo de perder sua autoridade socontra, pois acham que o sexo se transformaria bre seus fiéis, pois se a preocupação vigente fosse numa vida desordenada e um mero produto de a saúde e outras questões econômicas e socias de consumo, como afirma a Conferência Nacional de seus seguidores, o Papa e seus bispos admitiriam tal Bispos (CNBB). Porém, a vida desordenada, caótica concessão. No fundo, podemos perceber que na e o mero produto de consumo podem ser praticaverdade, o papado e seus assistentes temem que dos com ou sem o preservativo. O ministério da ao admitir tal concessão, estejam abrindo caminho saúde, todos os países e diversos setores da sopara um comportamento mais liberal em outras ciedade recomendam e até estimulam o uso da areas por parte de seus fiéis, de maneira a perder o camisinha pra evitar as DSTs, logo, porque a Igreja controle sob os mesmos. Mas se o Vaticano connão flexibiliza um pouco a sua postura e permite o fia tanto no seu poder e influência, porque esse preservativo ? Para muitos, a resposta está nas pomedo de uma possivel banalização e ´´estímulo`` líticas autoritarias seculares que mantém muitos das relações sexuais, com a liberação do uso da fiéis sob o amplo domínio da Igreja. camisinha, para fins de proteção contra a AIDS ? Igreja Católica recentemente anunciou seu primeiro Papa fransciscano, porém nem Franscisco tem conseguido mudar algumas mentalidades seculares da alta cúpula do Vaticano. A mais polêmica e debatida é a sexualidade e as orientações vindas do clero católico, principalmente no caso do uso ou não do preservativo. Durante muitos anos, esse tema vem sendo debatido constatemente mas nem João Paulo II e nem Bento XVI conseguiram (ou manejaram) mudanças nas políticas adotadas no Vaticano.
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Muitos Bispos são contra, pois acham que o sexo se transformaria numa vida desordenada e um mero produto de consumo, como afirma a Conferência Nacional de Bispos (CNBB)
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Atualmente, a mais debatida é o uso da camisinha, porém outras questões como o aborto também são evitadas frequentemente no Vaticano. Tanto no caso do preservativo como em outras questões como a do aborto, a Igreja busca base na bíblia, porém não rechaça uma mudança de postura. Tal bipolaridade, vem irritando e acirrando muitas críticas, principalmente de grupos como os homossexuais e das alas mais liberais dentro do catolicismo. Muitos esperavam que com a entrada de um Papa novo, seguidor da ideologia fransciscana, com idéias renovadas e uma relação menos desgatada, pudesse alterar algumas metodologias seculares, como a política sexual adotada. Porém, tal expectativa ainda não se concretizou.
Franscisco briga por mudanças mas encontra um Vaticano engessado por Marcelo Castro Com a renúncia de Bento XVI e a entrada do Papa Franscisco, muitos esperavam mudanças nas estruturas políticas e administrativas da Igreja, porém apesar de algumas tentativas e início de conversas, pouco se progrediu. Reconhecidamente, o argentino Jorge Mario Bergogli (ou Franscisco I) trouxe para o alto clero, uma imagem mais acolhedora e positiva. Logo na seu primeiro discurso, citou São Franscisco e afirmou que pretendia resgatar as pessoas e o papel acolhedor e social da Igreja Católica. Porém, nem tudo são flores para o pontífice, apesar de ter uma alta aceitação entre os fiéis e contar com a confiança dos bispos e cardeais, ele ainda encontra dificuldades em algumas reformas. Mais recentemente, o Papa deu algumas declarações sobre tais temas. Com relação a uma abertura e aproximação da Igreja com os homossexuais, durante uma entrevista concedida no avião que retornava do Brasil para a Itália, Franscisco respondeu a uma pergunta da jornalista Ilze Scamparini sobre o lobby gay dentro do Vaticano. Em sua resposta, disse ser a favor de um acolhimento da Igreja quanto aos fiéis homossexuais, num sentido de irmandade, mas também acrescentou ser contra qualquer tipo de lobby. Já na questão do uso ou não do preservativo, o pontífice disse ser a favor em casos de combate a AIDS. Jorge Berogli se manifestou também contra o aborto, dizendo que é contra a interrupção da gravidez.
do Vaticano, também temos com relação ao aborto e a camisinha uma rejeição e uma desaprovação velada. No final, a Igreja busca agradar a gregos e troianos, haja visto que a sinalização a causa homossexual tem um passo progressista, porém, concomitantemente temos a manuntenção da postura contrária ao aborto e ao preservativo. É natural que a primeira posição seja de rejeição, pois a biblia, livro base, caminha nesse sentido mas nos dias atuais, na globalização e nos contextos do dia a dia desse mundo cada vez mais compacto, uma atualização e flexibilização mesmo que minimas são necessárias.
Apesar da entrada de um novo pontífice com idéias mais arejadas e uma renovação de padres e bispos, a Igreja ainda luta contra as mudanças. Para muitos as idéias das concessões caminha devagar pelo seu próprio histórico retrógrado e controlador , já para outros, toda estas declarações do Papa Franscisco e os recentes lobbies que vem ocorrendo no Vaticano, não passam de um As posições do Papa Franscisco mostram jogo de cena. A única certeza que se tem é de que uma esquizofrenia católica de certa maneira, pois a falta de uma política (liberal e ) mais compatível ao mesmo tempo em que os gays são sinalizados com os dias atuais só vem afligindo mesmo os fiéis com uma (maior e) possível aceitação por parte que ficam entre a cruz e a espada.
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Aparelho excretor não reproduz, mas fala por Marcelo Castro
Durante esta última campanha presiden-
cial, muitos ânimos se acirraram de todos os lados. Uma das principais polêmicas levantadas, causadora de um tom ainda mais agressivo ao já singularmente conturbado período, foram as falas exageradas e preconceituosas do então candidato Levy Fidelix durante o debate presidencial do primeiro turno, organizado e transmitido pela rede Record no dia 28 de outubro.
ções. Pelo contrário: o que aconteceu de fato foi um caso de homofobia, no qual um homossexual foi agredido com uma lâmpada na cabeça. Outro aspecto espantoso no discurso do presidenciável é sua afirmação de que uma boa criação dos filhos implica na heterossexualidade da criança. Primeiro que criação é um tema muito delicado no Brasil, tendo em vista os intermináveis debates a respeito da palmada e tantos outros castigos arcaicos. Segundo, pais ruins com criações ruins e/ou indivíduos com desvios de caráter se encontram em todos os setores e classes da sociedade, seja entre heterossexuais, homossexuais, pobres, ricos, executivos, motoristas.
Conforme as campanhas e a eleição avançavam, também ganhava força o tema a respeito da causa LGBT+, fosse pelas críticas feitas a uma possível omissão de Marina Silva, fosse pelos embates promovidos por Luciana Genro e seu aliaApesar de todas as infelizes falas de Fidedo e amigo Jean Wyllis. Esta última inclusive foi personagem preponderante no fatídico caso de lix, um fator positivo foram as manifestações conintolerância, preconceito e conservadorismo prota- trárias sofridas pelo mesmo. Tais atos só mostram gonizado por Fidelix. Não que a candidata tenha incitado ou participado do discurso, mas sim pela sua constante indagação e defesa das causas das minorias sexuais, uma de suas principais pautas políticas. As falas do presidenciável foram em resposta a uma pergunta feita por Genro a respeito de como o mesmo pretendia abordar a questão familiar e da união civil entre os homossexuais. Levy demonstrou um intenso radicalismo ao afirmar categoricamente que “aparelho excretor não reproduz”, que uma possível legalização da união Levy tenta imputar ao homoafetiva seria um estímulo por parte do Esmesmo tempo uma conotado para a homossexualidade e que a mesma tação deplorável, como poderia causar a redução da população brasileira em 50%. Tais declarações não exibem somente se a Avenida Paulista fosse um total despreparo do candidato com relação ao um antro de degradação tema, mas também um uso muito forte da emoção e putrefação moral. e apelo moralistas e da religiosidade extrema para buscar apoio e fundamentar argumentos e declarações sem base. Um aspecto muito preocupante, perceptível na fala do candidato, é o apoio sem pudor em estereótipos. Em determinado momento, solta a seguinte pérola: “Vá pra Paulista e vê, é feio o negócio”. Ao citar um dos mais importantes lugares da cidade de São Paulo, Levy tenta conferir ao mesmo uma conotação deplorável, como se a Avenida Paulista fosse um antro de degradação e putrefação moral. Porém, não temos nenhum relato de exageros nem reclama22 Scarlet
que suas declarações são de uma classe que hoje se encontra menor do que o mesmo acredita ser a (ampla) maioria. Só na Avenida Paulista, segundo a Polícia Militar, cerca de 400 pessoas se reuniram para protestar contra as declarações feitas em rede nacional. Aos xingamentos e brincadeiras, a comunidade LGBT+ soube responder sem agredir. A classe política também se manifestou contrária as declarações: o candidato Eduardo Jorge do PV e Luciana Genro do PSOL foram os que se manifestaram mais abertamente, condenando-o. Já Marina Silva, Dilma Rousseff e Aécio Neves, os principais candidatos até então da campanha, preferiram apenas se manifestar contra, sem entrar em muitos detalhes. Porém, seja de maneira velada ou aberta, o mais importante foram os posicionamentos dos outros candidatos mostrando que precisamos e buscamos menos Levys. Conforme avançamos, percebemos que apesar de infelizes e preconceituosas, as afirmações de Levy Fidelix demonstram que estamos caminhando no muito importante rumo da libertação e democratização religiosa e sexual. O posicionamento e as manifestações contrárias só ratificam
isso, pois, se considerarmos que nossa democracia é jovem e que passamos por um trauma muito grande, que foi a ditadura militar, tais atos só demonstram um amadurecimento político e social. Se formos mais além e compararmos nosso estágio atual com a formação da nossa sociedade, sem dúvidas veremos um grande avanço, pois, diferente de muitos países europeus que possuem uma base histórica progressista, nossa base foi totalmente patriarcal, conservadora e preconceituosa. No final de toda essa polêmica, podemos constatar que Levy é o passado que está marcado em nossa história, o que sempre buscamos apagar. Porém, talvez, desta vez, o Brasil tenha conseguido, junto sua sociedade, criar uma consciência e uma resposta. Não apaga o passado e suas mazelas, incrustrados em nossa carne, mas mostra que agora andamos para frente.
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E há quem diga que o machismo é história da carochinha… O mais recente vazamento de fotos de celebridades nuas é a mais clara prova de que nós, mulheres, ainda somos objetificadas e sexualizadas pela sociedade. Culpabilizar a vítima é ignorar o grave problema social que ainda nos assombra. por Ana Rosa Alves O privado é hoje uma terra de (quase) ninguém. Nós, mulheres, não fazemos parte desse grupo. Somos julgadas não só pelas nossas escolhas, mas pelas nossas roupas e aparências. Somos a maior minoria do mundo. Nossos direitos são ignorados, nossos corpos censurados, nossas vozes sufocadas — e essa situação se estende para todos os outros grupos minoritários. Enquanto tais, vivemos sob o constante risco de sermos xingados, violentados, assassinados. Se a privacidade pertence a poucos, para os famosos ela é quase uma realidade parelela. Não tenho pena de pessoas que escolhem a fama como estilo de vida, muito pelo contrário, mas acho que tudo tem limites. Uma coisa é a esfera pública da vida de uma celebridade — os tapetes vermelhos, as entrevistas de divulgação e os anúncios — outra é o vazamento de suas fotos e vídeos íntimos em sites de compartilhamento. Decidi ler os comentários em alguns sites de fofoca sobre o recente vazamento das fotos de celebridades nuas e me deprimi. Em meio a tantos “Fulana é gostosa, tem mais é que tirar foto peladinha mesmo” e “Quem mandou tirar foto sem roupa? Caiu na rede é peixe”, percebi que a minha revolta é quase sufocada por um bando de marmanjos que se acham donos dos corpos dessas mulheres. No caso de você, caríssimo leitor, ter acabado de desembarcar de uma longa viagem à Coreia do Norte, mais de cem celebridades do sexo feminino — e, pasmem, um homem — tiveram suas contas do iCloud hackeadas e as fotos íntimas que lá estavam, publicadas e compartilhadas na internet. Obviamente a invasão tipifica um crime moralmente hediondo, mas mesmo assim, a opinião das massas continua rechaçando tais fotos e considerando a atitude dos hackers totalmente legítima. Jennifer Lawrence, Winona Ryder e Kate Upton são pura e unicamente vítimas. Tinham todo o direito de tirar essas fotografias de seus próprios corpos e, se quisessem postá-las, também não haveria problema algum. A sexualidade feminina é, afinal, algo que deve ser exalto e celebrado. A violação, que fique bem claro, não está na nudez e sim na ilegalidade da
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obtenção e publicação dessas imagens. Vamos acabar com a penalização das vítimas: os únicos criminosos nessa história são os hackers e também aqueles que visualizam essas fotos. Se adquirir bens roubados é considerado crime, por que ter acesso deliberado a esses arquivos não seria? Visualizá-los é compactuar com a ideia de que é aceitável invadir a privacidade alheia e violar mais uma vez os direitos dessas mulheres; é cometer, de uma forma ou outra, um crime sexual. A fama dessas mulheres ou o fato delas “já terem aparecido nuas em filmes ou vídeos” não legitimizam, sob instância alguma, a visualização dessas fotos. Os diretos à privacidade e à escolha existem para todos nós e nenhuma curiosidade justifica violá-los. E isso é só a ponta do iceberg. Tal “escândalo” constiui apenas um reflexo de como a violência contra a mulher está enraizada no nosso cotidiano. Infelizmente, não se pode esperar nada diferente de uma sociedade que julga a mulher que apanha do marido e que culpa uma vítima pelo seu estupro. A divulgação dessas imagens é uma consequência daquilo que acontece diariamente com cada uma de nós: a encoxada no metrô, os olhares indesejados, o assédio na rua. Tudo isso só vai mudar quando as regras pararem de ser ditadas por homens de cabelos brancos, barriga de chopp e valores morais do século XVIII. Todas nós, famosas ou não, somos vítimas de uma cultura que tenta controlar o nosso comportamento, punir nossa sexualidade e nos culpar pelos atentados ao nosso direito. Nós temos o direito de beber, de usar roupas curtas e de sair de casa à noite, sim. Isso não constitui uma justificativa para nenhum ato contra nós. Não existem e nunca existirão justificativas para qualquer tipo de violência contra a mulher que não sejam a perversão do opressor. Já passou da hora do patriarcado voltar para o seu inferno de origem. Quero poder me vestir em paz, sair de noite em paz e tirar fotos do meu corpo em paz. A curto prazo, devemos garantir que o infeliz responsável por esse leaks seja punido da maneira correta, como um criminoso sexual. A longo prazo, devemos continuar a luta de nossas mães e avós. É necessário que continuemos a lutar para que meninas e meninos tenham as mesmas oportunidades e aspirações; para que homens e mulheres sejam igualmente respeitados e reconhecidos; para que sejamos julgadas exclusivamente pelo nosso caráter e por nossas conquistas. A abolição dessa organização social misógina é a única solução para o fim da violência contra as mulheres.
A divulgação dessas imagens é uma consequência daquilo que acontece diariamente com cada uma de nós: a encoxada no metrô, os olhares indesejados, o assédio na rua. Tudo isso só vai mudar quando as regras pararem de ser ditadas por homens de cabelos brancos, barriga de chopp e valores morais do século XVIII.
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A paixão de Bergman Durante as seis décadas de sua carreira, o cineasta sueco revolucionou não só o cinema, como a maneira como o moralismo e as mulheres são retratados nele. por Yuri Costa “A moralidade te tortura. Só há uma cura: reagir”. Com esta frase, Ingmar Bergman marca o roteiro do primeiro segmento de Quando As Mulheres Esperam, de 1952, filme que, contando com uma forte influência teatral, trata a história de três mulheres que, enquanto esperam seus maridos voltarem de uma viagem, relembram situações amorosas que viveram ao longo dos anos. Além desta, há outra passagem em outro de seus argumentos, Tortura, de 1944, dirigido por Alf Sjöberg, na qual determinado personagem defende sua tese de que não existem mulheres puras e inocentes: “Todas as mulheres são vagabundas. E se não forem, querem ser”. Ao final, porém, este mesmo personagem voltaria atrás, argumentando que não mais acredita nisto, provavelmente influenciado pelos eventos que decorreram ao longo da película. Com estes dois momentos, o cineasta demonstra que desde já dominava alguns dos temas que
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radicalizaria nas décadas de 1960 e 1970. Quando se fala em Ingmar Bergman, é inevitável pensar em seu maior clássico, O Sétimo Selo, uma parábola extremamente metafórica sobre a existência de Deus na modernidade. Porém, a obra de Bergman não se resume às reflexões religiosas que o consagraram: grande parte de sua carreira é dedicada a questões como a moralidade, a psique feminina, a ansiedade sexual, a solidão e a violência psicológica da angústia de maneira geral. Tais temas se repetem ao longo dos mais de cinquenta roteiros bergmanianos, sem jamais serem tratados da mesma forma. Mesmo dedicando cerca de quinze das suas primeiras obras a analisar vários tipos de relações amorosas problemáticas, Bergman jamais se contentou em apenas repetir seus recursos, trazendo para cada um de seus filmes uma visão unicamente desesperadora, desde o tom de parábola em Chove Sobre Nosso
Amor até o melodrama de Música na Noite, ou ainda o realismo de Porto. Assim Bergman prosseguiria ao longo de toda sua carreira, trabalhando nas pequenas interseções entre determinadas temáticas, mas sempre evoluindo em ambição e impacto.
AS ORIGENS De fato, esta preferência por tópicos específicos pode despertar a curiosidade no espectador desavisado. De onde teria surgido este interesse quase obsessivo em dissecar certos aspectos da vida, sempre de maneira absurdamente poética? Para entender a obra de Bergman, é preciso também entender sua juventude. As origens de Ingmar Bergman se encontram em sua dura infância. Filho de um pastor luterano, o cineasta se enquadrava numa típica família de classe média alta, jamais passando por dificuldades financeiras. Sua criação, porém, marcou-se pela amargura e pela autoridade. Em Lanterna Mágica, sua autobiografia, Bergman narra relatos impressionantes. Sobre o pai, escreveu que “a violência física era um constante argumento”. Bergman fala de uma educação rígida, baseada em conceitos como pecado, confissão, castigo, perdão e misericórdia, fato que relaciona como provável causa à simpatia e aceitação familiar ao nazismo. Os castigos eram sempre constrangedores, tais como ser obrigado a desfilar vestido de menina ou ser trancafiado num armário. O cineasta pinta este período de sua vida como um momento marcado pelo constante sentimento de vergonha e humilhação, o que influenciaria a maior parte de sua obra. É desta juventude de castigos e repressões que imergiria o conflito em relação à moral tradicional em sua vida e em sua obra. Em seus
filmes, Bergman constrói um constante embate entre o bem e o mal, sem jamais recorrer ao maniqueísmo. Seus personagens nunca estão completamente alinhados a valores socialmente aceitos, mas sempre saem em busca de uma significação maior em seus julgamentos; seus roteiros analisam rigorosamente a relação entre ações e motivos, baseando-se num mundo em que o mal sempre se sobrepõe ao bem. Em seu livro Eyewitness Companions: Film, Ronald Bergan descreveria a relação entre a infância e a obra de Bergman: “Filho de um pastor, Ingmar Bergman fez filmes cheios de imagens religiosas, o que paradoxalmente expressa um universo sem Deus e sem amor. Toda sua obra pode ser vista como a autobiografia de sua psique”. Os vários aspectos da moral bergmaniana estão intrinsecamente conectados ao desenvolvimento de seus personagens e roteiros, sendo impossível analisá-los como tópicos separados.
A OBRA O melhor comentário sobre o estilo e a obra de Bergman provavelmente partiu de Jean-Luc Godard, em seu texto Bergmanorama para a revista Cahiers du Cinéma: “O cinema não é uma profissão. É uma arte. Não é uma equipe. Estamos sempre sozinhos, sobre o palco como em frente à página em branco. E para Bergman, estar só, é fazer perguntas. E fazer filmes, é respondê-las. Não saberíamos como ser mais classicamente românticos”. Analisar completamente a obra de Bergman seria um exercício vasto, trabalhoso e, provavelmente, vão. As inquietações, interpretações e estudos sobre seus filmes ainda são tópico de debate Scarlet
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mesmo depois de décadas. Aqui, iremos nos limitar na vizinhança que havia uma cena de nudez. a um único tema, que por si só será extremamente Isto era muito incomum em um filme americano, vasto e detalhista: a moral bergmaniana. este nível de avanço. É engraçado pensar desta maneira. Eu o vi, e era um filme muito interessante A primeira fase de suas obras, que englobaria além da cena de nudez completamente benigna”. seus trabalhos na década de 1940 e de parte da década de 1950, tratam majoritariamente de Já a segunda fase bergmaniana seria marcada relações entre jovens casais, casados ou não. pela forte discussão religiosa. O próprio O Sétimo Nestas, o personagem masculino geralmente é Selo, longa responsável por atrair a atenção do mundo para o cineasta, contém várias passagens introduzido como uma pessoa comum, enquanto em que se questiona o conceito de fidelidade a personagem feminina carrega consigo um passado trágico e polêmico, como, por exemplo, e pecado. A sexualidade reprimida é uma forte questão neste momento, como se vê em A Fonte uma gravidez indesejada ou um aborto, tópicos comuns à maioria dos filmes desta época. Talvez, da Donzela, uma chocante parábola sobre a um dos exemplos mais bem sucedidos deste vingança de um camponês após sua filha ter sido primeiro momento seja Prisão, filme de 1949 que estuprada e morta, e na Trilogia do Silêncio, que retratou insinuações de incesto em Através De recapitula todas as características de produções Um Espelho e despertou polêmica com uma cena anteriores, de forma talvez demasiadamente sexual forte em O Silêncio. ambiciosa para um diretor ainda “O cinema não é uma Ainda nesta fase, Bergman dirigiu em fase de experimentação, mas profissão. É uma arte. Não é e roteirizou a comédia satírica servindo como importante base uma equipe. Estamos sempre O Olho do Diabo, que gira em para os filmes que viriam a seguir. sozinhos, sobre o palco torno da premissa de que um A partir daí, Bergman se propôs como em frente à página em a dirigir histórias sobre temas branco. E para Bergman, estar terçol está se desenvolvendo mais maduros, como a análise só, é fazer perguntas. E fazer no olho do Diabo pelo fato à estrutura de um casamento filmes, é respondê-las. Não de que uma jovem estar em Quando As Mulheres saberíamos como ser mais prestes a se casar virgem. A última fase de Bergman nos Esperam ou no prazeroso Rumo classicamente românticos” cinemas, antes de passar a se à Felicidade. A infidelidade, -Godard em Bergamanorama, dedicar à produção teatral e ou meramente a falta de texto para a revista televisa a partir da década de comprometimento com uma Cahiers Du Cinema relação estável, foi um tema 1980, é também o seu ápice. É nesta época em que Bergman recorrente neste momento, cujo maior exemplo é Sorrisos de Uma Noite de Amor, encontra o tom e o estilo tipicamente bergmaniano uma comédia sobre uma festa da alta sociedade pelo qual seria lembrado, e em que são produzidos em que ocorrem várias trocas entre casais e alguns de seus maiores sucessos, como Persona, amantes. Monika e o Desejo, por sua vez, se caracterizado como terror modernista, no qual destacaria ao se tornar tópico de debate mundo alguns críticos identificam algumas insinuações de afora por sua franca representação de nudez, uma possível relação lésbica; Gritos e Sussurros, contribuindo para criar a imagem da Suécia como filme dedicado inteiramente a analisar a psique um país sexualmente livre. Em 1955, o filme seria feminina de forma extremamente dolorosa e lançado nos Estados Unidos numa versão editada intimista, novamente recorrendo a imagens de para ressaltar a única cena de nudez, renomeado forte cunho sexual; e Cenas de Um Casamento, como Monika, a História de Uma Garota Má. Tal minissérie de seis capítulos, também lançada nos fato demonstra a disparidade da discussão moral cinemas em versão reduzida, que se propõe a naquele momento em particular, especialmente contar a história de um casal em crise, analisando entre os dois grandes polos culturais: o norteo amor em sua relação de mais de dez anos. Uma americano e o europeu. Monika e o Desejo curiosidade é que Cenas é considerado a causa também seria o primeiro contato de Woody para um surto de divórcios ocorrido em países Allen com uma obra de Bergman, e, sobre isso, escandinavos no ano em que o filme foi lançado. ele comentou: “Vi-o por que havia comentários A obra de Bergman é marcada pela
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contestação e pela reflexão em cima da moral, mas também tem uma interessante relação com sua vida pessoal, especialmente no que tange às mulheres que conheceu ao longo de sua carreira.
AS MUSAS Bergman foi casado cinco vezes, quatro das quais terminaram em divórcio. Mas suas relações não se restringiram ao casamento; sabe-se que manteve relações com pelo menos três de suas musas: Harriet Andersson, Bibi Andersson e Liv Ullmann. Todas continuaram a trabalhar em seus filmes mesmo depois de terminados seus casos. Sua relação com Harriet Andersson durou três anos, e foi especialmente para ela que fez Monika e o Desejo. Já Bibi Andersson manteve um relacionamento de quatro anos com o cineasta. Com a norueguesa Liv Ullmann, a situação foi mais complicada. Considerada uma das maiores atrizes de todos os tempos, Ullmann detalhou no documentário Liv & Ingmar sua relação de
mais de 40 anos com Bergman. Conheceu-o quando este ainda era casado com sua terceira esposa, assim como ela era casada com seu primeiro marido. O primeiro trabalho dos dois juntos seria Persona, e, ao fim das gravações, os dois estariam apaixonados e ela, grávida. Ullmann mudou-se com Bergman para a ilha de Farö, onde viveu com ele por cinco anos. A relação entre os dois seria marcada pelo ciúme, pela violência física e psicológica, pelo abuso e pela solidão. A atriz relata situações em que Bergman costumava se trancar em sua sala e trabalhar o dia todo; além disso, o cineasta só a permitia sair uma vez na semana para “fazer coisas que pessoas comuns de 28 anos faziam”, e que estipulava um horário rígido para voltar para casa. Bergman ainda a castigava fisicamente durante gravações, como, por exemplo, durante a filmagem de Vergonha, em que obrigou o elenco a passar o dia num barco, a trinta graus negativos, com apenas os panos finos do figurino da cena. É interessante como a obra de Bergman dialoga constantemente com sua vida. Apesar do cunho feminista e sexualmente livre de suas
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obras, Bergman se portava como uma figura cinema e como protagonista de uma das mais extremamente controladora diante das mulheres icônicas histórias de amor de todos os tempos. com que se relacionava, assumindo, muitas vezes, o papel tipicamente masculino de seus roteiros, que muitas vezes apelavam para a violência física contra suas companheiras. Talvez, Cenas de Um Casamento seja a melhor ilustração da relação de Bergman com Liv Ullmann; apesar de não terem se casado, as experiências de Ullmann evocam diretamente a história de Marianne e Johan. A relação se tornou insustentável, e, em 1970, os dois se separaram. A partir daí, Ullmann se voltaria para o teatro e estrearia nos Estados Unidos, tanto em Broadway quanto em Hollywood, tornando-se uma espécie de nova Greta Garbo. Entretanto, a atriz continuou a manter contato com o cineasta, acabando por tornarem-se amigos. Ullmann conta que costumava ligar “"Ele pegou minha diariamente para ele, e que mão e me disse: Bergman, que tinha medo de Eu tive um sonho aviões, voou para Nova York ontem à noite. Que apenas para vê-la estrear em eu e você estamos Casa das Bonecas. Mais tarde, dolorosamente a atriz voltaria para a Suécia conectados." e trabalharia novamente nos - Liv Ullmann em filmes de Bergman, estando entrevista para o também presente em documentário “Liv momentos como a morte de & Ingmar: Uma sua quinta esposa e de sua mãe. História de Amor” O último contato que teve com o cineasta foi no dia anterior à morte deste, em que, segundo ela, sentiu que “algo acontecera com Ingmar, diferente e absoluto”; Ullmann alugou um avião, e, ao chegar em sua casa em Farö, Bergman indagou-a sobre por que estava ali. A resposta da atriz foi uma referência a Saraband, último filme de Bergman, em que ambos trabalharam juntos também pela última vez: “por que você me ligou”. Numa das conversas que tiveram ao longo de sua relação, Bergman declarou para a atriz que os dois estariam “dolorosamente conectados”. Ao encontrar um bilhete que escrevera para o cineasta, numa das últimas cenas do documentário, Liv Ullmann se emociona, recitando: “Às vezes você sente saudades de alguém, e não sabe o quanto”. Grande representante da liberdade sexual e dos valores feministas, Bergman deixa sua marca como um dos maiores mestres do 30 Scarlet
ncisão o u c ir c A 0% i em 6 rair u in im d e cont risco d ids. A
As mulheres podem desenvolver barba durante a menopausa.
Curiosidades Sexuais por Victoria Cruz
5% das mulheres são alérgicas a esperma.
da primeira A idade média em caindo 2 menstruação v a ano. meses a cad 40% das mulheres solteiras preferem comer seu prato favorito a fazer sexo.
Mulheres baixas tem mais orgasmos.
nos Pelo me s 50% da á sj mulhere ter fingiram mo. s um orga
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Uma em cada 17 pessoas fará se xo nas próximas 24 horas.
A força de 3 e sp consecutivos q irros ue o mesmo númer ima calorias que um o de orgasmo.
a tonin r o r e s to da pode cura n e m O au e o sexo beça. t a duran ores de c d
Aproximadamente 8% da população mundial não se sentem atraídos por homens nem mulheres. Segun mulh do pesqu eres isas, têm u mais bon as itas m natur al ma cheiro do qu is atrat iv e as f eias. o Metade dos jovens de 16 a 21 anos tem problemas sexuais.
Para tor n sêmen ar o mais nutritiv homem o o ingerir a deve lim ricos em entos ômega3.
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A censura e a moral nas novelas
Por Victoria Cruz
Tão brasileira quanto comer feijoada ao som do samba, a novela é um dos maiores símbolos culturais do Brasil no exterior. Mostrando as desigualdades socioeconômicas das nossas cidades, cheias de personagens heterogêneos que trafegam entre o cômico e o dramático, elas conquistaram as maiores audiências das emissoras. Foi justamente essa massa de telespectadores que despertou os interesses dos governantes que começaram a enxergar essa influência como passível de ser contrária aos seus comandos. Se engana quem pensa na censura como exclusiva do governo militar. Pouco se fala a respeito da ditadura que ocorreu durante o governo Vargas em 1937. O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) realizava diversas mudanças nos principais jornais. Porém, pouco foi alterado nas radionovelas, que na época eram traduzidas de países latino-americanos e não possuíam cunho político. A única medida tomada foi a criação da “Hora do Brasil”, que enaltecia o Estado, possuindo horário anterior aos dos populares folhetins, espalhando assim a propaganda política entre a massa. A mídia também foi de interesse político para os militares durante os 21 anos de ditadura no Brasil. O regime antidemocrático instaurado tinha como opositores os artistas, atores e jornalistas, ou seja,
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profissionais que possuíam acesso direto a grande população, podendo espalhar as suas ideias com muita facilidade. Temendo essa difusão dos ideais democráticos e/ou “subversivos”, o governo criou a DCDP (Divisão de Censura de Divisões Públicas) que censurava música, cinema, teatro, literatura e televisão. A partir daí, começaram os cortes nos roteiros das dramaturgias e até o impedimento de cenas que já haviam sido gravadas de irem ao ar. O que muita gente não sabe é que não eram só as cenas com interpretações políticas que foram cortadas: as que infringiam a moral e os bons costumes também sofreram repressão, algo que nunca havia acontecido antes. A censura defendia o casamento (só se casava por amor), por isso não poderiam ocorrer divórcios e o sexo era só depois do “sim”. Traições e bigamia eram repudiadas. A homossexualidade era vetada, houveram cortes em pelo menos cinco novelas com personagens gays ou com traços afeminados. Não poderia também ser abordada a questão do racismo. Todas essas normas visavam assegurar a moral e os bons costumes da audiência brasileira em plenas décadas de 60 e 70, quando os movimentos pela liberdade sexual eclodiram pelo mundo, evidenciando o retrocesso do nosso país.
Não é possível constatar o número exato de telenovelas que sofreram modificações naquela época. Muitos dados foram alterados ou não registrados, porém, atualmente há uma estimativa de que foram 52 novelas somente da emissora Globo. Entre elas estão grandes sucessos como ”Irmãos Coragem” (1970), “Escrava Isaura” (1976) ,”Dancing Days” (1978) e “Roque Santeiro” (1985). Alguns exemplos da ação dos censores nas novelas brasileiras não só em relação a temática sexual, quanto ao tabu da homossexualidade e do racismo estão nas dramaturgias a seguir. Em 1977, a novela “Duas Vidas” de Janete Clair sofreu diversas imposições como a proibição de cenas de namoro entre personagens descompromissados, porque isso iria mostrar “de forma clara ou camuflada que eles praticam o ato sexual”. Outra alteração forçada no folhetim foi o casamento de dois personagens (Maurício e Sônia), uma vez que Maurício (Stephan Nercessian) traía a noiva Juliana (Christiane Torloni) com Sônia (Isabel Ribeiro) em cenas que insinuavam que os dois tinham relações sexuais. Também em 1977 Janete foi avisada de possíveis cortes em “O Astro” por possuir “situações de homossexualismo”. A novela “Vale Tudo” passou por cortes em cenas que mostravam a relação entre duas personagens lésbicas para “proteger os telespectadores infantis“, segundo os militares. Mostrar preconceito racial no Brasil era para o DCDP incitar a descriminação, por isso cenas de “Escrava Isaura”(1976) que mostravam agressividade dos feitores contra os escravos eram atenuadas para evitar o corte.
A democracia que vivemos atualmente promove cada vez mais as artes. Com a internet ficou ainda mais difícil controlar a liberdade de expressão no século XXI e isso permite que todos os artistas sejam livres para manifestar suas opiniões e ideias sem sofrer retaliações. Os autores de novelas, apesar da liberdade criativa que possuem, ainda não progrediram muito no âmbito homossexual, tendo retratado o primeiro beijo gay em uma novela da Globo apenas em 2014, em “Amor À Vida”. Uma mudança positiva que também ocorreu nessa novela foi a presença de personagens gays não mais no núcleo cômico como personagens caricatos, e sim como personagens tão sérios quantos os outros. De fato, o que era considerado “bons costumes” há 40 anos não é mais. A sociedade está aceitando mais o diferente de forma respeitosa do que antes, mostrando a importância que esse grande veículo de massa possui na cultura do nosso país.
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Eu não estava sonhando. T
arde da noite. Eu já estava quase apagando… Até que meu olhos, quase fechando, são bombardeados pela luz do celular - ao menos ele estava no silencioso, não sou tão idiota. Era Bianca, uma garota com a qual já devia estar namorando (mas sou bom de enrolar), me chamando para ir até a casa de uma amiga dela ajudar em um projeto da faculdade. Grogue de sono que estava, concordei em ajudá-las… E então no dia seguinte tive de ligar para ela tentando desmarcar a qualquer custo. Aleguei ter muito trabalho pendente mas logo fui contraposto por ela dizendo que eu tinha comentado que “minhas provas já haviam terminado e que já podia me considerar de férias”. Puta que pariu. Fui obrigado a ir no dia combinado e apareci na hora informada… Porém, havia um problema. As pessoas, particularmente a Bianca, não sabem olhar pra porra do relógio. Toquei o interfone da casa da tal amiga dela sendo quase imediatamente atendido. Expliquei que era o “namorado” da Bianca e ela abriu a porta a mim. A amiga estava usando uma camisola e disse que eu tinha chegado muito cedo mas mesmo assim me deixou entrar. Vá entender. Ela me ofereceu um whisky que simplesmente não pude recusar, e à medida que ela andava para pegar a garrafa eu a fitava. A maldita tinha pernas lindas, coxas fartas e um cabelo castanho que descia quase à bunda. Ela, então, pegou uma dose bem grande e sentou-se ao meu lado. — A Bianca costuma demorar pra se arrumar, você sabe, né? — Sim, respondi brevemente. Senti que ela se aproximava cada vez mais… Fiquei um tanto quanto nervoso e me dirigi até o banheiro. Lavei o rosto e fiquei encarando meu reflexo até ser rompido pela amiga dela me chamando. De acordo com a mesma, ela precisava de ajuda com algo. OK. Fui até o cômodo do qual ela me chamava, e quando abri a porta fique paralisado ao ver que ela estava… Completamente… Nua. Que pernas. Que seios!
Senti que ela se aproximava cada vez mais… Fiquei um tanto quanto nervoso e me dirigi até o banheiro Ela tinha um corpo lindo, e eu não conseguia me mover. Fiquei ali, estático, observando aquilo e pensando se de fato, era real. Ela veio em minha direção, colocou a mão atrás da minha cabeça e me beijou violentamente. Sua perna subia e se enroscava no meu corpo. Peguei meu copo novamente e tentei pausar aquilo, mas… Não resisti. A joguei de quatro na cama e brincamos por um bom tempo. Ao término, olhei pro celular e a Bianca havia mandado uma mensagem dizendo que estava chegando. Eu sabia que ela tinha a chave do apartamento, já que as duas viviam uma na casa da outra. Corri pro bawnheiro, enquanto a “amiga” dela foi para o outro. Joguei uma água na cara e voltei pra sala, me servindo outra dose de whisky, dessa vez bem servida. Sentei no sofá aguardando Bianca. O nervosismo me dominava, a filha da puta me olhava estranho. Ela deve ter percebido, do nada abriu um sorriso e me disse que eu tinha chegado cedo demais. Puta que pariu, será que eu era o único com relógio lá? Por Pedro Santos Azevedo
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