TFG FAUUSP | Dos pés à cabeça e da cabeça aos pés: por uma Liberdade a pé!

Page 1

CABEÇA

PÉS

POR UMA LIBERDADE A PÉ!





PÉS

CABEÇA




DOS PÉS À CABEÇA E DA CABEÇA AOS PÉS: POR UMA LIBERDADE A PÉ! projeto urbano de calçada no bairro da Liberdade e a ergonomia com qualidade sócio urbana, ambiental e histórica

André Eiji Sato Profa. Dra. Roberta C. Kronka Mülfarth

T F G - Trabalho Final de Graduação Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo Dezembro | 2016



Vamos trabalhar pela afirmação (ou reafirmação) da existência do pedestre, a mais antiga qualificação humana do mundo. Da existência e dos direitos que lhe são próprios, tão simples, tão naturais, e que se condensam num só: o direito de andar, de ir e vir, previsto em todas as constituições...o mais humilde e o mais desprezado de todos os direitos do homem. Com licença: queremos passar.


“ CrĂ´nica direito de ir e vir por Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)


AGRADECIMENTOS Primeiramente, a Deus por me permitir estar concluindo mais uma importante etapa da minha vida. À Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo por me proporcionar a realização de um grande sonho. À minha querida orientadora Roberta fica aqui expressa a minha enorme gratidão por todo apoio e carinho não só com esse trabalho, mas, sobretudo, comigo. Aos convidados da banca que gentilmente aceitaram o convite e se dispuseram a estar presentes em um momento muito significativo da minha vida. Aos Professores Myrna e Leonardo por terem me ajudado nas etapas mais importantes da minha vida acadêmica. A toda equipe do LABAUT por sempre serem uma fonte de aprendizado a mim. Aos meus queridos amigos fauanos que tive a belíssima oportunidade de conviver e aprender muito com eles. Em especial, a Paula, a Luciana, a Fernanda, a Nata, ao Felipe, ao Kakuta, ao Kiyoshi, a Bianca, a Paty, a Dani, a Karina e ao Heron. Meu muito obrigado a vocês, principalmente por toda força que me deram nesse ano. Às queridas companheiras de TFG e de FAUUSP Mef e Miki por todas as conversas edificantes, as risadas divertidas, os desabafos sinceros e os confortos carinhosos, especialmente durante esse ano. Ao querido Átila por todo carinho e apoio que me concedeu e concede sempre.


À minha madrinha, Cássia, por todo o amor depositado em mim e por sempre estar comigo e com a minha família. À minha segunda mãe, Rosângela, por ter me criado de forma tão amorosa e bela. À minha irmã, Mariana, por ser sempre uma grande companheira que confia em mim o seu amor. Ao Gustavo, pelo seu incrível e notável companheirismo. Muito obrigado por me estender uma mão quando caio, por me dar forças quando acredito não as ter, enfim, por estar sempre ao meu lado. Ao meu pai, Helio, por ser o grande incentivador da minha formação não só acadêmica e profissional, mas, sobretudo, pessoal. Muito obrigado, Pai, por sempre dispor incondicionalmente do seu carinho e do seu amor a mim. À minha mãe, Sonia, por ser essa pequena grande guerreira que é. Muito obrigado, Mãe, por ter me demonstrado esse ano que se temos uma chance de desistir ou recomeçar, devemos optar pelo recomeço de uma vida com melhorias. Deposito aqui todo o meu amor e toda a minha gratidão que eu tenho por você. MUITO OBRIGADO!


SUMÁRIO

1 2 3 4

DOS PÉS À CABEÇA... | 12 motivação pessoal | 14

problemática: a que ponto chegamos? | 17

POR NOVOS FUTUROS... | 28 ...como mudar essa questão? | 31

a qualidade de vida urbana | 36

a caminhabilidade e o caminhar | 39 pessoas + cidades = encontros da vida | 41 o papel das calçadas e o convite de passear | 43

AFINAL SOMOS TODOS PEDESTRES! | 48

a escala humana: ergonomia e percepção espacial | 51 os sentidos humanos, o comportamento e a comunicação | 60 os sentidos humanos e as diferentes escalas urbanas | 68

REFERÊNCIAS PROJETUAIS | 73 espaços urbanos para pedestres | 74 woonerf, living street, shared spaces | 76 rua exclusiva para pedestres: o caso de Stroget | 78

o calçadão no centro velho de são paulo | 83


5 6 7 8

A LIBERDADE DOS PÉS NO CHÃO | 86

a são paulo dos pés no chão: o pedestre e a cidade de são paulo | 88 o bairro da liberdade | 92 contexto histórico do bairro | 94 o processo imigratório japonês | 97 a instalação japonesa no bairro da liberdade | 99 o bairro da liberdade hoje | 101 a rua galvão bueno | 102

O PONTAPÉ INICIAL | 104 levantamentos | 106 a dinâmica do bairro | 106

a dinâmica da rua | 120

DA CABEÇA AOS PÉS... POR UMA LIBERDADE A PÉ! | 133

diretrizes projetuais | 134 o projeto | 138 etapa 1 - fase A | 148 etapa 1 - fase B | 152 etapa 1 - fase C | 156

...AOS PÉS | 165 considerações finais | 162 bibliografia | 168


DOS PÉS

À CABEÇA...



motivação pessoal

dos pés à cabeça...

MOTIVAÇÃO PESSOAL

A

ntes mesmo de eu me conhecer como ser humano e ter consciência de “ser” “humano”, a cultura japonesa sempre esteve presente em mim. Por ser descendente de japoneses, a cultura nipônica sempre fez parte de mim e acredito que sempre fará. É por tal razão que tenho uma enorme ligação com o bairro da Liberdade, um lugar na cidade de São Paulo no qual eu me identifico e possuo imensas ligações afetivas e pessoais. São incontáveis as vezes que fui ao lugar para passear com a minha família, seja para comprar mercadorias de origem japonesa, seja para comer pratos típicos da culinária oriental. Qual fosse o motivo da visita eu sempre ficava muito feliz ao saber que iria colocar os pés no bairro da Liberdade. Essa felicidade que transbordava de mim significava que me sentia muito à vontade no local. Hoje, ao olhar para aquela criança feliz há mais de vinte anos atrás, vejo o quanto podemos assimilar um espaço físico (seja ele urbano ou não) de forma tão natural e inconsciente através da simples identificação com um lugar. Acredito que isso se dava porque hoje vejo que é um lugar onde o material e o imaterial (da minha história de vida) se encontram. É onde a materialidade dos elementos urbanos de forte identidade visual japonesa se encontra com a imaterialidade dos valores e hábitos presentes dentro da minha própria família. Conforme os anos foram passando, fui percebendo que eu não conseguia mais andar livremente pelas calçadas. Cada vez mais o número de pessoas aumentava. A cada passeio na Liberdade, tínhamos que fazer mais esforço para ir de lugar a lugar. Eram pés, pernas e corpos, todos se esbarrando de forma muitas vezes violenta. Como se esse cenário já não bastasse, existia também outro ator em cena: o automóvel. Sempre tínhamos que desviar dos carros, sejam eles os estacionados ou os trafegando pela rua. Lembro-me dos infinitos alertas dos meus pais para ter cuidado ao atravessar a rua, de modo a olhar para os dois lados da via cautelosamente, mesmo que ela fosse de mão única. O que podemos ver não só dessa, mas de várias outras situações é que as calçadas parecem diminuir os seus próprios tamanhos. Parece ser um fenômeno sobrenatural urbano, mas na verdade é um pedido de socorro. Um pedido de socorro para o ser humano ser valorizado. Um pedido de socorro para as calçadas deixarem de ser um octógono de luta corporal que envolve crianças, adultos e idosos que são obrigados a disputar o mínimo espaço físico disponível para pelo menos permanecerem de pé e tentarem passear nas mínimas condições possíveis.

18


19

Quem vai hoje à Liberdade na hora do almoço e pós-almoço durante os finais de semana, pensa duas vezes se irá voltar no mesmo lugar, na mesma hora e no mesmo dia da semana. É gente que não acaba mais! Os passeios no bairro podem acabar se tornando penosos e estressantes, já que cada ser humano tem de exercitar o mantra da paciência e da calma. Entre trancos e esbarrões, tive que aprender a me comportar diante dessas situações. Vendo pelo lado positivo, aprendi a criar certa resiliência “pedestriana”, como muitas pessoas são forçadas a tal coisa. Hoje, nós como cidadãos não podemos exercer algo tão simples e primordial como andar pelas ruas. Este deveria ser o direito universal de qualquer ser humano em qualquer condição física, psicológica ou mental. No entanto, a cidade ainda pode ser bem prepotente e perversa a ponto de recusar os seus próprios cidadãos. Podemos enumerar vários fatores que nos tiram a calma e o prazer do simples caminhar pela cidade. No entanto, esses fatores têm uma base em comum: o medo do meio urbano. Medo de ser assaltado, medo de sofrer algum acidente, medo de chegar a um lugar totalmente lotado a ponto de não conseguir andar. É a partir desse difícil cenário que surgiu a motivação para este trabalho. Escolher um tema em um lugar como esse, tem significados muito pessoais para mim. Ao desenvolver este trabalho, sinto que posso dar um pequeno pontapé inicial através de uma investigação sobre o tema dos pedestres no meio urbano. O que vemos dentro da Arquitetura e do Urbanismo, é que muitos profissionais se esquecem de trabalhar em prol das pessoas, já que o ego e a fama podem ofuscar as suas próprias visões e entorpecer as suas mentes. motivação pessoal

O que todos nós acabamos nos esquecendo é que no fim, todos somos pedestres.

dos pés à cabeça...


“ problemática

enfiando o pé na cova...

“Quando perguntadas sobre as cidades, provavelmente as pessoas irão falar de edifícios e carros, em vez de falar de ruas e praças. Se perguntadas sobre a vida na cidade, falarão mais de distanciamento, isolamento, medo da violência ou congestionamento e poluição do que de comunidade, participação, animação, beleza e prazer. Provavelmente dirão que os conceitos ‘cidade’ e ‘qualidade de vida’ são incompatíveis. No mundo desenvolvido este conflito está levando cidadãos a enclausurarem-se em territórios particulares protegidos, segregando ricos e pobres, e retirando o verdadeiro significado do conceito de cidadania” Richard Rogers Arquiteto ítalo-inglês (1933 -) (ROGERS, 2001, p.8/9)

“Por décadas, a dimensão humana tem sido um tópico do planejamento urbano esquecido e tratado a esmo, enquanto várias outras questões ganham mais força, como a acomodação do vertiginoso aumento do tráfego de automóveis. Além disso, as ideologias dominantes de planejamento – em especial, o modernismo – deram baixa prioridade ao espaço público, às áreas de pedestres e ao papel do espaço urbano como local de encontro dos moradores da cidade. Por fim, gradativamente, as forças do mercado e as tendências arquitetônicas afins mudaram seu foco, saindo das inter-relações e espaços comuns da cidade para os edifícios individuais, os quais, durante o processo, tornaram-se cada vez mais isolados, autossuficientes e indiferentes” Jan Gehl Arquiteto e Urbanista dinarmaquês (1936 -) (GEHL, 2014, p.3)

20


21

PROBLEMÁTICA: ENFIANDO O PÉ NA COVA ...a que ponto chegamos?

entre automóveis e pessoas, quais são os lixos urbanos? imagem: autoria própria

“O caminhar é uma atitude espontânea para todos os que têm condições físicas de praticá-la. Assim, os princípios básicos que regem o caminhar não são sequer percebidos, conscientizados. Numa sociedade onde tempo é dinheiro, a meta é sempre alcançar um destino buscando instintivamente o melhor caminho, ou seja, o que envolva menor dispêndio de tempo, de energia e evidentemente, o mais seguro” Maria Ermelina Malatesta Presidente da Comissão Técnica Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP (Associação Nacional dos Transportes Públicos) (MALATESTA, 2007, p.14)

problemática

enfiando o pé na cova...


problemática

enfiando o pé na cova...

A

presento uma das minhas primeiras reflexões que tive antes de definir completamente o tema deste Trabalho Final de Graduação – TFG. Essas citações que antecederam, embora sejam de autores diferentes, correlacionam-se muito entre si pois elas ilustram a indagação que tive desde o início desse trabalho. A partir delas, podemos refletir sobre a atual situação do pedestre e questionar qual é o seu real papel na cidade. Afinal, se todos somos pedestres, por que temos tanta dificuldade de exercer esse direito primordial de cidadania? E por que somos tão esquecidos no meio urbano? Uma das respostas que encontrei para essa reflexão foi que apesar de sermos todos pedestres, nós não temos real consciência de que “somos pedestres” na cidade. O mais interessante é que por ser um ato em que muitos de nós utilizamos de maneira tão natural e instintiva, nós acabamos não tendo sequer consciência de nossas próprias existências como pedestres. Esse fator é ainda mais agravado pelo ritmo cada vez mais acelerado da vida pessoal urbana, onde o foco é lucrar em um intervalo de tempo menor consumindo cada vez mais espaço. Como Malatesta (2007) afirma, a primordialidade da caminhada acaba sendo tão repetida e automatizada que é pouco refletida como ato em si. E por essa razão pode ser responsabilizada pela reduzida importância que lhe é dada no tratamento do espaço urbano, tanto como sistema de circulação como no seu reflexo formal sob a forma do desenho ambiental urbano.

22


23

“Talvez nos tenhamos tornado um povo tão displicente, que não mais nos importemos com o funcionamento real das coisas, mas apenas com a impressão exterior imediata e fácil que elas transmitem” (JACOBS, 2009, p.6)

Assim, podemos perceber que se nós mesmos acabamos nos esquecendo como pedestres, o que dirá a cidade já que primeiramente somos nós quem a criamos e a moldamos? Ao mesmo tempo, é interessante perceber que ‘sociedade’ e ‘cidade’ formam uma simbiose na qual uma dá forças à outra. Então, se nós criamos a cidade, ela também nos molda como sociedade, influenciando na sua própria funcionalidade e também no nosso próprio comportamento como cidadãos. (GEHL, 2014) Diante desse cenário, não é de se estranhar que a dimensão humana tenha sido esquecida pelo planejamento urbano. No entanto, podemos perceber que há uma outra força ainda maior por trás disso. Afinal, quando problematizamos o pedestre, o grande vilão que vem em mente são os automóveis. Velozes, grandes e poluidoras, essas máquinas dominam o nosso espaço urbano. Grande parcela dos autores utilizados como base desse trabalho concordam em um fato: o advento do Modernismo praticamente anulou as oportunidades de ‘pedestrianismo’ nas cidades. Ou seja, ele acabou nos anulando.

problemática enfiando o pé na cova...


problemática

enfiando o pé na cova...

entre uma cidade automotiva e humana, qual é a melhor? ilustração do cartunista Andy Singer. imagem: andysinger.com

Esse grande conflito que dá início a perda de vida dos próprios pedestres e consequentemente da própria vida urbana, dá-se entre a transição dos séculos XIX para o XX. É durante esse período que o automóvel começa a se popularizar nas cidades industriais. Essas cidades conviviam com a explosão populacional, o que as levou a conflitos de salubridade e mobilidade. As cidades então acabam se transformando ao serem reguladas por novos paradigmas econômicos (o capitalismo industrial) e políticos (o liberalismo). Assim, questões de circulação de pessoas e mercadorias em um menor espaço de tempo acabam se tornando essenciais nesse meio urbano. Isso leva os planejadores urbanos da época a racionalizarem as suas cidades. A separação por função acaba se tornando a principal diretriz e é a partir desse momento que a calçada é oficialmente institucionalizada, mandando os pedestres para os extremos da via urbana. (D’OTTAVIANO, 2001) A partir de então, o automóvel acaba conquistando rapidamente a cidade. A sua difusão como meio prioritário de locomoção acaba alterando de forma extrema a relação entre cidades e pedestres. Com o domínio crescente dos carros, iniciam-se problemas graves de congestionamentos já que as ruas acabaram se tornando inapropriadas para o volume dessas máquinas. Assim, durante o século XX, o Movimento Moderno explode no mundo tendo como maior expoente o arquiteto franco-suíço Charles-Édouard Jeanneret (1887-1965), mais conhecido como Le Corbusier. O pensamento racional herdado das cidades industriais do século XIX, acaba sendo aplicado no modo de viver das pessoas de forma que também fosse uma máquivna. Para Le Corbusier, a vida dos cidadãos poderia ser dividida em funções – morar, trabalhar e recrear e a própria circulação seria também uma das funções que teria como objetivo ligar as demais. Para ele, os vários setores funcionais de uma cidade deveriam se comunicar de forma eficiente e rápida. Assim, o tráfego de pedestres (relacionado com as áreas de morar, trabalhar e recrear) deveria ser totalmente separado do tráfego de automóveis (relacionado às grandes vias) por terem velocidades muito díspares. (D’OTTAVIANO, 2001)

24


25

Considera-se que Le Corbusier foi a representação máxima do Movimento Moderno. Suas ideias rapidamente foram aclamadas por vários arquitetos espalhados no mundo inteiro e assim, revolucionou-se o conceito e a prática de cidade: “(...) reformadores habitacionais, estudantes e arquitetos popularizavam sem descanso os conceitos de superquadra, bairro projetado, plano imutável, e gramados, gramados, gramados; além do mais, estavam conseguindo firmar esses aspectos como símbolos de um urbanismo humano, socialmente responsável, funcional e magnânimo” (JACOBS, 2009, p.22)

o plano urbano Ville Radieuse de Le Corbusier serviu como inspiração para várias cidades modernas do século XX. imagem: archdaily.com

problemática enfiando o pé na cova...


problemática

enfiando o pé na cova...

Dessa maneira, a cidade dos sonhos de Le Corbusier acabou e acaba refletindo na herança das nossas cidades. Ao eleger o automóvel como elemento essencial no seu projeto, que na época dos anos 1920 e 1930 era uma ideia inédita e empolgante, o arquiteto acabou abrindo grandes artérias de mão única para trânsito expresso; reduziu o número de ruas porque quanto mais cruzamentos, mais lento seria o trânsito; e acabou mantendo o pedestre fora das ruas e dentro de seus parques extensos. Assim, nas palavras da jornalista americana nova-iorquina Jane Jacobs:

“Não importava o quão vulgar ou acanhado fosse o projeto, quão árido ou inútil o espaço, quão monótona fosse a vista, a imitação de Le Corbusier gritava: “Olhem o que eu fiz!” Como um ego visível e enorme, ela representa a realização de um indivíduo. Mas no tocante ao funcionamento da cidade só dizem mentiras” (2009, p.23)

imagem editada pelo autor imagem: archdaily.com

26


27

Hoje, quase 80 anos depois, estamos colhendo os frutos apodrecidos dessas árvores enormes e gigantescas que tiveram origem na semente plantada sobretudo pelo Movimento Moderno. Vemos o quão insalubre esses ideais modernos se tornaram para nós, cidadãos e pedestres. Perdemos nosso próprio espaço para o automóvel e ainda com o pouco que nos resta, temos que vencer barreiras físicas como buracos e degraus, postes e bancas de jornais. Perdemos também nosso próprio tempo ao ter que esperar uma eternidade para atravessar os cruzamentos, quase tendo que nos curvar e reverenciar diante dos automóveis que passam com pressa.

“Ela (Jane Jacobs) assinalava como o dramático aumento do tráfego de automóveis e a ideologia urbanística do modernismo, que separa os usos da cidade e destaca edifícios individuais autônomos, poriam um fim ao espaço urbano e à vida da cidade, resultando em cidades sem vida, esvaziadas de pessoas. (...) Jane Jacobs foi a primeira voz forte a clamar por uma mudança decisiva na maneira como construímos cidades. Pela primeira vez na história do homem como colonizador, as cidades não eram mais construídas como conglomerações de espaço público e edifícios, mas como construções individuais. Ao mesmo tempo, o florescente tráfego de automóveis estava efetivamente espremendo o restante da vida urbana para fora do espaço urbano” (GEHL, 2014, p.3)

Jane Jacobs imagem: slate.com

problemática

“Os automóveis costumam ser convenientemente rotulados de vilões e responsabilizados pelos males das cidades e pelos insucessos e pela inutilidade do planejamento urbano. Mas os efeitos nocivos dos automóveis são menos a causa do que um sintoma de nossa incompetência no desenvolvimento urbano. Claro que os planejadores, inclusive os engenheiros de tráfego, que dispõem de fabulosas somas em dinheiro e poderes ilimitados, não conseguem compatibilizar automóveis e cidades. Eles não sabem o que fazer com os automóveis nas cidades porque não têm a mínima ideia de como projetar cidades funcionais e saudáveis com ou sem automóveis” (JACOBS, 2009, p. 5 e 6)

Jan Gehl imagem: au.pini.com.br

enfiando o pé na cova...


problemática

enfiando o pé na cova...

Pela conversa entre esses dois autores anteriormente citados, podemos observar o quão podre estão os frutos colhidos das nossas cidades. Essa busca incessante pela racionalização e rapidez promovida pelo Modernismo, trouxe alterações muito significativas para a escala do Urbanismo. Trouxe a escala da verticalidade, da velocidade, da individualidade, do isolamento e não menos importante, do ego(ísmo). Ao perdemos cada vez mais espaços públicos de encontros, como nós poderemos habitar as cidades sendo que quem habita atualmente é o automóvel?

“A ordem vida-espaço-edificações não é novidade: novo é o modernismo e o moderno planejamento de prancheta que inverte essa ordem. O modernismo só predominou por um período de sessenta-setenta anos, exatamente o período em que a dimensão humana foi seriamente negligenciada” (GEHL, 2014, p.198)

Podemos perceber que estamos caminhando para uma situação urbana nada saudável e muito menos sustentável. O que não percebemos é que nós mesmos estamos destruindo o nosso próprio meio que vivemos. “É uma ironia que as cidades, o habitat da humanidade, caracterizem-se como o maior agente destruidor do ecossistema e a maior ameaça para a sobrevivência da humanidade no planeta” (ROGERS, 2001, p.4). As cidades hoje se tornaram um lugar de oportunidades de emprego e de riqueza e são encaradas como arena para o consumo. Cresceram de forma vertiginosa e se transformaram em estruturas tão complexas e de difícil administração que não nos lembramos que as cidades existem em primeiro lugar e muito menos que deveriam satisfazer as necessidades humanas e sociais das comunidades. Dados interesses políticos e comerciais, a ênfase do desenvolvimento urbano se deslocou para atender às necessidades dos indivíduos. Para tanto, o espaço público foi negligenciado e a vida pública foi dissecada em componentes individuais. Isso contribuiu e contribui ainda mais para os cidadãos enclausurarem-se

28


29

o famoso monstro japonês Godzilla aqui mostrado pode ser interpretado como símbolo de destruição das cidades, nesse caso, valendo-se da imagem do Movimento Moderno. edição: autor imagem: wikimedia commons

problemática enfiando o pé na cova...


problemática

enfiando o pé na cova...

dentro de territórios particulares protegidos. Com esse processo, a segregação social e econômica entre ricos e pobres é cada vez mais agravada e polarizada, gerando enorme desigualdade. O resultado dessa tendência é o declínio da vitalidade de nossos espaços urbanos. (ROGERS, 2001)

faz-se uma alusão aqui ao conflito entre ideias diferentes que são pautadas no medo e no preconceito para com o outro. edição: autor imagem: citystompers

Com o declínio da vitalidade urbana, surgem o medo, a desconfiança, a raiva e o estresse de tudo e de todos que estão na cidade. A polaridade social e econômica anteriormente citada além de nutrir as diferenças entre o público e o privado, acabam alimentando também o medo e a desconfiança com o próximo. O medo de ser assaltado, a desconfiança de ser furtado, o medo de sofrer algum tipo de agressão, a desconfiança de que o outro pode estar levando vantagem em cima de você e o medo de ir a um lugar por estar extremamente congestionado de carros e/ou pessoas, são apenas alguns dos pensamentos mais comuns de se ter no meio urbano. Confesso que eu mesmo tenho ainda muitos desses sentimentos. Mas graças à minha jornada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, fui perdendo esse medo e o sentimento de insegurança que a cidade provoca.

“As pessoas com mais posses se trancam ou mudam de cidade e, nestes espaços fechados e privatizados, os pobres são proibidos de entrar, já que há guardas em todos os portões de acesso. Aqueles que não têm dinheiro podem ser comparados aos ‘sem passaporte’, uma classe a ser banida. Desaparece a cidadania – a noção da responsabilidade compartilhada por um ambiente – e a vida na cidade torna-se dividida, com os ricos situados em territórios protegidos e os pobres fechados em guetos ou favelas. As cidades foram originalmente criadas para celebrar o que temos em comum. Agora, são projetadas para manter-nos afastados uns dos outros” (ROGERS, 2001, p.11)

30


31

Tudo isso acaba gerando também um outro problema extremamente grave: o preconceito – em especial o racial. Julgamos o próximo e o desconhecido sem ter as reais provas ou bases para tal ato de ignorância. Na verdade, preconceito e ignorância são dois sinônimos que andam de mãos e pés juntos. Como Jane Jacobs (2009) diz: “O contato público e a segurança nas ruas, juntos, têm relação direta com o mais grave problema social do nosso país: segregação e discriminação racial. (...) Levando em consideração a intensidade do preconceito e do medo que acompanham a discriminação e a encorajam, superar a segregação espacial é também muito difícil se as pessoas se sentem de algum modo inseguras nas ruas” (p.77)

Diante de todo esse cenário (negativamente pesado) discorrido brevemente nesse capítulo, como poderemos mudar isso? Talvez essa seja a questão principal desde trabalho, de explicar o porquê da pertinência desse tema. Um dos meus objetivos é chamar atenção para a importância da escala humana no projeto urbano. Atentar a todos nós que temos que nos reconhecer como integrantes de um todo e que devemos trabalhar para uma coletividade urbana. Muitas vezes acabamos esquecendo que devemos projetar em prol dos usuários e não em prol do nosso ego. Dessa maneira, o papel que mais tem a ver com a escala humana no meio urbano é o papel do pedestre. Voltando ao início desse texto, pudemos ver que uma cidade é um reflexo de sua própria sociedade. Se nós moldamos a cidade, ela nos molda de volta. Então, não seria mais do que o momento de tomarmos alguma atitude primeiramente para com nós mesmos? Não deveríamos reavaliar como agimos fora de nossa vida privada? Quando e como vamos mudar isso e caminhar pelas ruas? É chegada a hora de mudar antes que seja tarde demais...


POR NOVOS FUTUROS...



revisão teórica

por novos futuros...

“As cidades só podem refletir os valores, compromissos e resoluções da sociedade que abrigam. Portanto, o sucesso de uma cidade depende de seus habitantes e do poder público, da prioridade que ambos dão à criação e manutenção de um ambiente urbano e humano” Richard Rogers (ROGERS, 2001, p.16)

“Depois de quase cinquenta anos de negligência com a dimensão humana, agora, no início do século XXI, temos necessidade urgente e vontade crescente de, mais uma vez, criar cidades para pessoas”

34

Jan Gehl (GEHL, 2014, p.29)


35

POR NOVOS FUTUROS ...como mudar essa questão?

adesivo de pedestre grudado no semáforo no bairro da Liberdade imagem: autoria própia

revisão teórica

por novos futuros...


revisão teórica

por novos futuros...

MUNDO

51% da pop. mundial 54.5% é URBANA

51%

85,9%

S P 99% 20 10

URB

36

dados retirados da ONU, Seade e IBGE

URBANO

1964:

2016:

URBANO

BRASIL

66%

da pop. mundial será URBANA

2050:

2007: 2016:

da pop. mundial é URBANA


37

D

esde o ano de 2007, pudemos ser testemunhas de um acontecimento até então inédito no planeta Terra. Pela primeira vez na história mundial, a população urbana excedia a população rural (ONU, 2014). Embora no Brasil isso tenha acontecido muito antes no ano de 1964, esse fato nos alerta sobre algo que necessita da nossa atenção: a cidade. Se já não fazemos isso, devemos começar a olhar para ela a partir da sua importância em nossas vidas. Devemos olhar para ela como parte de nosso todo. Afinal, nós criamos a cidade e ela se encarrega de nos definir como cidadãos. Como dito na parte anterior, acabamos entrando em um ritmo urbano tão acelerado que ele se torna extremamente automático para nós. Entramos numa espécie de inércia urbana na qual esquecemos da cidade e só lembramos dela quando nos causa medo ou estresse. Apesar de muitos não ligarem para o fato de que a população global já é urbana, o ano de 2007 mostrou o quão acelerado está o processo de urbanização no mundo. Segundo projeções da Divisão de População (Population Division) da Organização das Nações Unidas (ONU), 66% da população mundial viverá em áreas urbanas em 2050. Hoje, no ano de 2016, essa porcentagem é de 54,5% (ONU, 2014). É importante destacar que existe uma enorme variedade de níveis de urbanização de espaços que podem ser considerados “áreas urbanas”. A própria ONU explicita em seu documento que não há um senso comum global sobre o que constitui um assentamento urbano. Assim, eles consideram como tal a partir da combinação de uma ou mais dessas seguintes características: uma quantia mínima de habitantes; densidade populacional; proporção da população empregada em setores não-rurais; a presença de infraestrutura básica urbana (abastecimento de energia e água, escoamento de esgoto e pavimentação de vias); e a presença de serviços ligados à saúde e educação. Trazendo esse dado para a nossa realidade brasileira, hoje contamos com incríveis 85,9% dos brasileiros morando em cidades (ONU, 2014). Dentro do Brasil, há duas megacidades e estamos morando atualmente em uma delas. São Paulo, ou mais especificamente a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) com os seus 20.284.981 habitantes (Seade, 2014) é considerada a 11ª maior megacidade do mundo segundo a ONU (2014). Se considerarmos apenas o município de São Paulo, ele conta com mais de 11.253.503 pessoas, sendo que 99% dessa quantia mora em áreas urbanas (IBGE, 2010). O que podemos depreender desses números e fatos é a enorme importância que o meio urbano tem e vai ter em nossas vidas e o quanto é imprescindível vivermos sob uma qualidade de vida urbana adequada. revisão teórica

por novos futuros...


revisão teórica

por novos futuros...

Ao mesmo tempo em que devemos reconhecer esse fato e essa urgência, temos o outro lado da moeda. Vimos anteriormente que chegamos a um ponto deplorável de desenvolvimento urbano ainda muito arraigado nos preceitos e moldes modernistas de se fazer cidades. Disputamos o nosso próprio espaço com os automóveis ao mesmo tempo em que os edifícios grandiosos de ego inflado de alguns arquitetos dominam o meio urbano. Podemos ver que ainda alimentamos uma cultura muito individualista proveniente desse modelo imposto às nossas cidades. A questão que se tem neste ponto é: se estamos e vamos viver em cidades, como poderemos sobreviver nela sendo que estamos caminhando para um modo de vida totalmente insustentável e individualista?

“São necessários novos conceitos de planejamento urbano para integrar as responsabilidades sociais. As cidades cresceram e transformaram-se em estruturas tão complexas e difíceis de administrar, que quase não nos lembramos que elas existiam em primeiro lugar, e acima de tudo, para satisfazer as necessidades humanas e sociais das comunidades” Richard Rogers (ROGERS, 2001, p.8)

38


39

senhores conversando em frente ao lixo urbano na Galvão Bueno, Liberdade. imagem: autoria própia

revisão teórica

Para tentar buscar uma solução para essa questão trivial, fui buscar socorro nas obras de vários autores que tratam do ambiente urbano de forma mais humana. Foi interessante notar que apesar de serem autores de origens totalmente distintas, ao discorrerem sobre o assunto é possível relacioná-los de uma forma bem clara e lógica. O que se tem nesta parte seguinte do TFG é a exposição dessa relação teórica entre eles, tendo em mente essa questão de como reverter essa degradação da vida urbana.

por novos futuros...


revisão teórica

por novos futuros...

a qualidade de vida urbana

POR NOVOS FUTUROS... a qualidade de vida urbana

C

omo já vimos anteriormente, podemos dizer que o mundo em que vivemos já pode ser considerado urbano. Se as cidades são o nosso futuro, é imprescindível termos qualidade de vida urbana. Mas o que é qualidade de vida urbana? E como atingi-la? Muitos autores ao discorrerem sobre esse tema, tratam dela a partir de suas próprias experiências pessoais e profissionais urbanas. Aqui, iniciamos com uma ideia do arquiteto ítalo-inglês Richard Rogers (2001). Para ele, a qualidade de vida urbana – ou vitalidade urbana, em suas próprias palavras é tida a partir do exercício da cidadania ativa. “A cidadania manifesta-se em gestos cívicos planejados e de grande escala, mas também em gestos espontâneos e de pequena escala. Juntos, eles criam a rica diversidade da vida urbana. As cidades permanecem sendo o grande imã demográficos de nossos tempos, porque facilitam o trabalho e são a sementeira de nosso desenvolvimento cultural. Elas abrigam grandes concentrações de famílias, concentram e condensam energia física, intelectual e criativa” (ROGERS, 2001, p.15) Assim, para se ter uma qualidade de vida urbana segundo o autor, devemos prezar pela cidadania. Rogers (2001) explicita que a cidadania deve ser ativa, ou seja, os cidadãos devem sentir que o espaço público é de responsabilidade e propriedade de todos e devem estar envolvidos com o processo de evolução de suas próprias cidades. Assim, nos enganamos ao pensar que quem deva garantir a vitalidade urbana são apenas os nossos governadores. Ao eleger um representante para a nossa cidade, é comum pensarmos que seja de responsabilidade total dele. Essa mentalidade errônea acaba nos prendendo em um ciclo sem fim. O que devemos fazer é abandonar nosso papel de vítimas e agir mais ativamente como cidadãos. Mas como damos o pontapé inicial para isso? A resposta é bem simples: tudo começa numa simples caminhada pelas ruas.

40


revisão teórica

tirinha sobre Cidadania da Turma da Mônica do cartunista Maurício de Souza. Mostra que desde pequenos somos ensinados sobre a cidadania, mas acabamos não colocando em prática imagem: hypeness.com.br

a qualidade de vida urbana

41

por novos futuros...


por novos futuros...

revisão teórica

a caminhabilidade e o caminhar

“Caminhabilidade é, ao mesmo tempo, um meio e um fim, e também uma medida. Enquanto as compensações físicas e sociais do caminhar são muitas, talvez a caminhabilidade seja muito mais útil, já que contribui para a vitalidade urbana, além de ser o mais significativo indicador dessa vitalidade. Após inúmeras décadas redesenhando áreas da cidade, tentando torná-las mais habitáveis e bem-sucedidas, observei meu foco se estreitar na direção dessa questão como a única que parece influenciar e incorporar a maior parte das demais. Garanta uma caminhabilidade adequada e muito do restante virá a seguir” Jeff Speck Urbanista e planejador urbano americano (SPECK, 2016, p.14)

“Caminhar é o início, o ponto de partida. O homem foi criado para caminhar e todos os eventos da vida – grandes e pequenos – ocorrem quando caminhamos entre outras pessoas. A vida em toda a sua diversidade de desdobra diante de nós quando estamos a pé”

Jan Gehl (GEHL, 2014, p.18)

“Deus nos fez animais que caminham – pedestres. Como um peixe precisa nadar, um pássaro voar, um cervo correr, nós precisamos caminhar; não para sobreviver, mas para sermos felizes. ”

Enrique Peñalosa Ex-prefeito de Bogotá, Colômbia (1954-) (In: SPECK, 2016, p.51)

42


43

POR NOVOS FUTUROS... a caminhabilidade e o caminhar

P

osso dizer que nunca havia pensado em como um simples caminhar poderia se relacionar tão intrinsicamente com qualidade de vida urbana. Ao ter dificuldades de passear pelas ruas do bairro da Liberdade, fui me conscientizando aos poucos do meu próprio papel como pedestre até chegar a esse trabalho, que trouxe além da minha própria conscientização integral, uma afirmação muito grande como pedestre e como cidadão também.

revisão teórica

Explorando ainda mais a definição de “caminhar” além de um significado objetivo de dicionário, podemos dizer que “caminhar” não quer dizer simplesmente “andar a pé”, ele vai mais longe. Jan Gehl (2014), arquiteto e urbanista dinamarquês, é um dos poucos profissionais da área que consegue demonstrar o seu grande e intenso amor pelas pessoas através de seu livro “Cidade para pessoas”. Sua belíssima e profunda obra é um verdadeiro manual de como a escala humana pode estar presente com sucesso dentro do projeto arquitetônico, mas sobretudo do projeto urbano. Para ele, “caminhar é uma forma especial de comunhão entre pessoas que compartilham o espaço público como uma plataforma e estrutura” (GEHL, 2014, p.19). Assim, podemos observar que para Gehl (2014) há dentro do caminhar um contato direto entre as pessoas e o meio urbano que acaba gerando prazeres e experiências de vida. O ser humano em geral e até mesmo por necessidade de viver, precisa ver outros semelhantes assim como ser visto por eles. Sejam eles conhecidos ou desconhecidos, os vários olhares no cenário urbano existem por conta do caminhar.

a caminhabilidade e o caminhar

Um dos conceitos mais interessantes de se trabalhar com objetivo de desenvolver a qualidade de vida urbana é com o de “caminhabilidade”. O urbanista americano Jeff Speck, baseia inteiramente o seu livro “Cidade caminhável” sobre o nosso passear a pé pelas ruas. Não apenas Speck (2016), mas também outros autores concordam e mostram que o caminhar é o meio mais direto em que pessoas e cidades se relacionam. O estar na rua promove forças maiores para estimular a qualidade de vida urbana, já que cidades são feitas de pessoas. E agora, podemos dizer também que pessoas são feitas de cidades. “Assim, enquanto eu me esforçava para explicar que a maneira como nos movimentamos é mais importante do que a maneira como vivemos, acontece que a forma como nos movimentamos é que determina, em grande parte, como vivemos” (Speck, 2016, p.58). Essa fala do urbanista nos mostra o quanto a caminhabilidade é um meio de definição da qualidade de vida urbana, sendo que no fim as duas coisas são igualmente importantes.

por novos futuros...


por novos futuros...

revisão teórica

os encontros da vida

Outro grande expoente a ser destacado nesse trabalho e que revolucionou a literatura sobre o urbanismo contemporâneo é a jornalista norte-americana Jane Jacobs. De título bem intrigante, o seu livro “Morte e vida de grandes cidades” é um alerta bem chamativo sobre os problemas de degradação da vida urbana. Após ataques imensos ao legado do movimento moderno e do seu expoente maior, Le Corbusier, Jacobs (2009) mostra o quão necessário são os contatos para a melhoria da vitalidade urbana. Ela mostra que o caminhar gera contatos que então se tornam encontros na cidade. “Aparentemente despretensiosos, despropositados e aleatórios, os contatos nas ruas constituem a pequena mudança a partir da qual pode florescer a vida pública exuberante da cidade” (JACOBS, 2009, p.78). Para Specks (2016), muito do envolvimento na vida civil, ou seja, na cidadania de uma pessoa é físico. E é um tipo físico que cresce a partir da interação com a rua e com os outros, que, portanto, cresce a partir dos encontros da vida no chão urbano.

os encontros da vida urbana se dão através da caminhabilidade. Foto: Fernando Pereira/ SECOM

44


45

POR NOVOS FUTUROS... pessoas + cidades = encontros da vida “Se a vida, como disse Vinícius de Moraes, é a arte do encontro, a cidade é o cenário desse encontro – encontro das pessoas, espaço das trocas que alimentam a centelha criativa do gênio humano. (...) as nossas cidades podem ser melhores se forem pensadas para aqueles que as criaram: as pessoas. ” (In:GEHL, 2014, p.XII).

Sejam eles entre conhecidos, mas, sobretudo, entre os desconhecidos, os encontros são peças fundamentais para a vida urbana. Eles se mostram como resultado das relações e interações humanas na cidade. É a partir disso que a liberdade e a diversidade urbana têm origem. Dessa maneira, os encontros são o meio no qual a própria democracia de uma nação se manifesta, ou deveria se manifestar.

“A cidade como local de encontro também é uma oportunidade para trocas democráticas, onde as pessoas têm livre acesso para expressar sua felicidade, tristeza, entusiasmo ou raiva em festas de rua, manifestações, marchas ou encontros. Além dos vários encontros diretos com os concidadãos, essas manifestações são uma condição indispensável para a democracia” (GEHL, 2014, p.157)

revisão teórica

os encontros da vida

Gehl (2014) também destaca que além da democracia e liberdade de expressão, a sustentabilidade social, segurança e confiança são conceitos-chave para descrever as perspectivas para uma sociedade atrelada à cidade como local de encontro. Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba ao escrever o prólogo da edição brasileira do livro de Gehl (2014), diz que o ritmo do encontro é o ritmo da caminhada e assim, o desenho das calçadas se torna determinante na dinâmica urbana. Dessa maneira, as calçadas são peça chave para tentarmos ao menos mudar o cenário atual urbano em busca de mais qualidade de vida nas cidades. E é por esse motivo também que elas são o destaque principal desse TFG.

por novos futuros...


revisão teórica

por novos futuros...

as calçadas e o passear

“O caminhar, mesmo não sendo a construção física de um espaço, implica uma transformação do lugar e dos seus significados. A presença física do homem num espaço não mapeado – e o variar das percepções que daí ele recebe ao atravessá-lo – é uma forma de transformação da paisagem que, embora não deixe sinais tangíveis, modifica culturalmente o significado do espaço e, consequentemente, o espaço em si, transformando-o em lugar. O caminhar produz lugares. Antes do neolítico, e, assim, antes dos menires, a única arquitetura simbólica capaz de modificar o ambiente era o caminhar, uma ação que, simultaneamente, é ato perceptivo e ato criativo, que ao mesmo tempo é leitura e escrita do território”

Francesco Careri Arquiteto e urbanista italiano (1966-) (CARERI, 2015, p.51) “A calçada por si só não é nada. É uma abstração. Ela só significa alguma coisa junto com os edifícios e os outros usos limítrofes a ela ou a calçadas próximas. (...) As ruas e suas calçadas, principais locais públicos de uma cidade, são seus órgãos mais vitais. Ao pensar numa cidade, o que lhe vem à cabeça? Suas ruas. Se as ruas de uma cidade parecessem interessantes, a cidade parecerá interessante; se elas parecerem monótonas, a cidade parecerá monótona”. Jane Jacobs Jornalista americana (1916- - 2006) (JACOBS, 2009, p.29)

46


47

POR NOVOS FUTUROS... o papel das calçadas e o convite de passear

foto da calçada da Rua Galvão Bueno, Liberdade. imagem: autoria própria

P

revisão teórica

Decorridos mais de 200.000 anos de existência do homo sapiens, chegamos a um ponto onde o ser humano transformou tanto a paisagem que a produção de lugares com novos significados atingiu níveis caóticos. Ao caminhar, somos capazes de modificar o ambiente no qual estamos inseridos pois ao mesmo tempo que é um ato perceptivo, é também um ato criativo, ou seja, é leitura e escrita constante do território (CARERI, 2015).

as calçadas e o passear

ara nós caminharmos, nós necessitamos de um meio físico. O arquiteto italiano Francesco Careri (2015) ao tratar do caminhar como prática estética, mostra em seu livro que antes mesmo do homem erguer qualquer tipo de construção, ele possuía uma fórmula simbólica simples com a qual transformar a paisagem. “Essa forma era o caminhar, uma ação aprendida com fadiga nos primeiros meses da vida e que depois deixa de ser uma ação consciente para tornar-se natural, automática. Foi caminhando que o homem começou a construir a paisagem natural que o circundava” (CARERI, 2015, p.27). Dessa maneira foi a partir dessa ação que o homem começou a modificar o ambiente em que vive.

por novos futuros...


revisão teórica

por novos futuros...

as calçadas e o passear

Alcançamos um nível de desenvolvimento humano e urbano tão grande que acabamos institucionalizando o caminho do nosso caminhar a pé. Para esse resultado criativo e perceptivo da/ na cidade é que damos a nomeação de calçada. A palavra “calçada” tem origem latina e raiz em calcatura, ae – que quer dizer ação de calcar, pisar (YÁZIGI, 2000). De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro – CTB (Lei Federal nº 9503 de 23/09/1997), a calçada pode ser definida como: “parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins”. Para a Prefeitura Municipal de São Paulo, as calçadas “têm uma única função: possibilitar que os cidadãos possam ir e vir com liberdade, autonomia e, principalmente, segurança”. A mesma afirma ainda que a livre circulação de pessoas é garantida por legislações federal, estadual e municipal. Ou seja, o direito de ir e vir de qualquer cidadão é garantido por lei. No entanto, há certa incongruência da Prefeitura em relação ao próprio CTB no que diz respeito aos termos calçada e passeio. Para a primeira, as calçadas podem ser chamadas formalmente de passeios destinados ao uso público. Para a segunda, o termo “passeio” significa: “parte da calçada ou da pista de rolamento, neste último caso, separada por pintura ou elemento físico separador, livre de interferências, destinada à circulação exclusiva de pedestres e, excepcionalmente, de ciclistas”. Dessa maneira, é possível observar que as esferas públicas entram em conflito no simples significado dessas palavras. Para o CTB, legislação federal, todo passeio é calçada, mas nem toda calçada é passeio – lógica que não é aplicável pela Prefeitura Municipal de São Paulo. É a partir desse conflito nas terminologias das palavras que é possível observar o descaso das diversas esferas públicas no que diz respeito às calçadas. Talvez quando as esferas públicas entenderem as ruas, e principalmente as calçadas como os “órgãos mais vitais de uma cidade” (JACOBS, 2009), a gente possa dar aquele pontapé inicial para uma maior qualidade de vida urbana. Ao mesmo tempo que esse entendimento serve para eles, também serve para nós como concidadãos. Segundo Jane Jacobs (2009), assim como as ruas das cidades servem para várias finalidades além de comportar os veículos,

48


49

Belíssima ação do projeto Serviços Gerais em uma calçada de São Paulo. O projeto levanta questionamentos sobre a nossa relação com o espaço público urbano. Imagem: Serviços Gerais <http://servicosgerais. tumblr.com/>

“as calçadas – a parte das ruas que cabe aos pedestres – servem a muitos fins além de abrigar pedestres. Esses usos estão relacionados à circulação, mas não são sinônimos dela, e cada um é, em si, tão fundamental quanto a circulação para o funcionamento adequado das cidades” (p.29)

revisão teórica

as calçadas e o passear

O que a jornalista americana traz é que as calçadas possuem uma complexidade maior que vai muito além do seu caráter de passagem de pedestres. A autora explica que o que garante a segurança e a liberdade de uma cidade é uma ordem complexa na qual a sua essência se resume a complexidade do uso das calçadas, que traz consigo uma grande variedade de olhos. A partir de movimentos e mudanças constantes, a autora compara as calçadas como palco de um grande e complexo balé no qual cada indivíduo

por novos futuros...


por novos futuros...

revisão teórica

as calçadas e o passear

e cada grupo possuem papéis distintos, mas que apesar de não serem sincronizados, são complementares e se reforçam. “O balé da boa calçada urbana nunca se repete em outro lugar, e em qualquer lugar está sempre repleto de novas improvisações” (JACOBS, 2009, p. 52) Dentre as frequentes sobreposições e mudanças desse balé da caminhada, as calçadas servem como meio físico para suportar as mais diversas ações espontâneas que geram a movimentação e a permanência do pedestre no meio urbano. Para essas ações podemos dar o nome de atividades no meio urbano. Jan Gehl (2013) identifica certo padrão dentro dessa complexidade de atividades, colocando-as em categorias de acordo com a sua escala e o seu grau de necessidade. A primeira delas diz respeito às atividades obrigatoriamente necessárias, ou seja, aquelas que as pessoas geralmente têm que fazer e que acontecem sob qualquer condição como, por exemplo, ir trabalhar ou ir à escola. Do outro lado dessa escala se encontram as atividades opcionais, as quais se relacionam com atividades prazerosas e recreativas como contemplar a cidade ou o local sem o caráter de ser apenas transitório. Segundo o autor, esse tipo de atividade é pré-requisito para uma boa qualidade urbana já que se as condições ao ar livre forem boas, as pessoas se entregam para além das atividades necessárias e assim, o número de atividades opcionais cresce. Dessa maneira, as calçadas têm imprescindível papel na origem e perpetuação dessas atividades.

adaptação de autoria própria do diagrama de tipos de atividades que podem ser realizados no meio urbano. A autoria desse diagrama é de GEHL (2014, p.21)

ambiente físico baixa qualidade

atividades necessárias (TRANSIÇÃO)

50

} }

+ +

ambiente físico alta qualidade

atividades opcionais (PERMANÊNCIA)

atividades sociais (QUALIDADE URBANA)


51 1950 - Hoje: crescimento e popularização dos automóveis nas cidades 1960 - Hoje: recuperação dos espaços públicos, aumento das ruas para pedestres e da importãncia da desacelaração nas cidadas

ativa

atividades opcionais acontecem apenas se o ambiente oferecer uma boa qualidade

atividades necessárias acontecem independentemente da qualidade do ambiente

passiva

1900

1950

1960

61 Jane Jacobs morte e vida de grandes cidades

2000 71 Jan Gehl life between cities

97 Richard Rogers cidades para um pequeno planeta

10 Jan Gehl cidades para pessoas

Outro aspecto a se destacar nesse contexto é em relação a outros fatores que influenciam nessas atividades destacadas. Um desses fatores é a influência do clima, já que ela é um importante aspecto para o alcance e o caráter das atividades ao ar livre. Se condições de clima fossem muito extremas no meio urbano, as atividades diminuiriam significativamente. Além desse aspecto, a qualidade física não apenas da calçada, mas de todo conjunto urbano é de extrema importância. O Planejamento e o projeto urbano podem e devem ser usados para influenciar o alcance e o caráter das atividades ao ar livre. É através dessa maneira que o convite das calçadas surge. Esse convite do meio físico pode estimular o pedestre a exercer outras atividades para além das necessárias, incluindo questões de proteção, segurança, espaço razoável, mobiliário e qualidade visual. Tudo isso é de extrema importância já que um convite do meio construído cuidadosamente feito às pessoas, pode fazer com que as mesmas participem de uma vida urbana mais versátil e variada de forma mais ativa. (GEHL, 2014).

12 Jeff Speck cidade caminhável

Diagrama adaptado pelo autor que por sua vez, foi adaptado anterioremente pela EMBARQ. O diagrama mostra a mudança nos tipos de atividades conforme o passar dos tempos. fonte: Gehl Architects

revisão teórica

A partir desse contexto, podemos afirmar que as calçadas trazem questões muito além do simples caminhar. É algo que vai muito mais além do que os nossos próprios olhos possam ver e a nossa mente sentir. Todavia, o ponto central de toda essa complexidade é a percepção espacial do pedestre em relação ao próprio ambiente, que pode a vir estimulá-lo sensorialmente. Como arquitetos e urbanistas, isso está mais do que ligado ao nosso próprio exercício profissional. Dessa maneira, ao se estudar as calçadas, devemos atentar aos estudos de nós mesmos, da escala humana.

as calçadas e o passear

“ ‘Convite’ é a palavra-chave e a qualidade urbana na pequena escala – ao nível dos olhos – é crucial” (GEHL, 2014, p. 115)

por novos futuros...


AFINAL SOMOS TODOS PEDESTRES!



afinal somos todos pedestres!

revisão teórica

ergonomia e percepção espacial

“O pedestre é uma espécie extremamente frágil, o canário da mina de carvão da habitabilidade urbana. Sob as condições corretas, esta criatura se desenvolve e se multiplica. Mas criar tais condições requer atenção a uma extensa gama de critérios, alguns mais fáceis de serem atendidos que outros” Jeff Speck

(SPECK, 2016, p.20)

“O sentido que o ser humano tem do espaço apresenta uma relação muito próxima com seu sentido do eu, que está em íntima interação com o ambiente. Pode-se considerar que o ser humano possui aspectos visuais, cinestésicos, táteis e térmicos de seu eu cujo desenvolvimento pode ser inibido ou estimulado pelo ambiente”

54

Edward T. Hall Antropólogo americano (1914-2009) (HALL, 2005, p.77)


55

AFINAL SOMOS TODOS PEDESTRES! a escala humana: ergonomia e percepção espacial

“A Ergonomia (ou Fatores Humanos) é uma disciplina científica relacionada ao entendimento das interações entre os seres humanos e outros elementos ou sistemas, e à aplicação de teorias, princípios, dados e métodos a projetos a fim de otimizar o bem-estar humano e o desempenho global do sistema” International Ergonomics Association – IEA (Associação Internacional de Ergonomia)

“De maneira geral, o estudo da ergonomia trata de compatibilidade entre o usuário e o edifício, resultando em recomendações para o planejamento dos espaços de maneira que eles possam ser funcionais e confortáveis” Roberta C. K. Mulfarth Professora Doutora da FAUUSP (MULFARTH, 2016, p.16)

revisão teórica

ergonomia e percepção espacial

afinal somos todos pedestres!


revisão teórica

afinal somos todos pedestres!

ergonomia e percepção espacial

A

partir dessas citações, podemos considerar a Ergonomia como uma verdadeira ciência que se propõe a estudar as relações intrínsecas e complexas entre Homem X Espaço. Cabe ressaltar que se trata de uma disciplina interdisciplinar que extrapola o âmbito da Arquitetura, chegando a envolver a Psicologia, Engenharia, Medicina e Antropometria (IEA). Diante do esquecimento da escala humana nas cidades, utilizar-se da ergonomia se torna imprescindível, principalmente ao se tratar de um projeto de calçada. Dado esse aspecto interdisciplinar, o estudo entre homem e espaço pode receber várias terminologias. Analisando-a sob a ótica da “Psicologia Ambiental”, a ergonomia assume um caráter ainda mais interessante: o homem se encontra em constante interação com ambiente de forma ativa, dinâmica e sistemática, sempre trocando informações com o espaço, seja através dos aspectos físicos, seja através das relações sociais presentes. Dessa maneira, “não se trata do homem e o meio, mas sim, o homem no meio” (RAPOPORT apud MÜLFATH, 2016, p.17) “Os elementos móveis de uma cidade e, em especial, as pessoas e suas atividades, são tão importantes quanto as partes físicas estacionárias. Não somos meros observadores desse espetáculo, mas parte dele; compartilhamos o mesmo palco com os outros participantes” (LYNCH, 1997, p.2)

Analisando agora a Ergonomia sob a ótica da Arquitetura e do Urbanismo vemos que ela não se modifica tanto quando comparada com a Psicologia Ambiental: “Partindo do pressuposto que a Ergonomia na Arquitetura tem como objeto o homem no espaço, podemos defini-la como o estudo das ações e influências mútuas entre o ser humano e o espaço através de interfaces recíprocas. E, desta forma, a principal contribuição da ergonomia na arquitetura e no urbanismo é reforçada em propor relações e condições de ação e mobilidade, definir proporções e estabelecer dimensões em condições especificas em ambientes naturais e construídos, tendo como base o conforto ambiental, que pressupõe a percepção individual de qualidades, influenciada por valores de conveniência, adequação, expressividade, comodidade e prazer” (MÜLFATH, 2016, p.22).

Dessa maneira, podemos dizer que se nós estamos interagindo constantemente com o espaço no qual nos inserimos e assim, trocando informações incessantemente, a compreensão de como as pessoas percebem, assimilam e agem a partir das informações que captam no ambiente à sua volta se torna um dos principais objetos de interesse e estudo para esse presente trabalho. É a partir dessa compreensão que as tarefas exercidas em determinado ambiente podem ser melhoradas, principalmente em relação ao conforto e à segurança do usuário.

56


57

cognição humana

紙面

estímulos

pção perce

ial

espac

ESPAÇO

Diagrama que mostra a interação de uma pessoa com o ambiente em que se encontra inserida. fonte: autoria própria

PESSOA

Esses processos de compreensão têm origem na cognição humana. Segundo Abrahão et al (2009), cognição é “um conjunto de processos mentais que permite às pessoas buscar, tratar, armazenar e utilizar diferentes tipos de informações do ambiente” (p.148).

revisão teórica

ergonomia e percepção espacial

Associando-se à cognição humana, temos o processo de percepção espacial, que pode ser caracterizado como um complexo e dinâmico processo que está relacionado ao fluxo de informações e estímulos que o usuário troca com o ambiente, que por sua vez, está aliado à sua própria capacidade de processá-los. As informações partem tanto das interações sociais entre indivíduos como também dos aspectos físicos espaciais, além de depender da origem cultural e da personalidade de cada um. Em resumo, “percepção” é a maneira como nós experimentamos o espaço a partir de seus aspectos físicos, sociais, culturais e históricos (KUHNEN, CHENG, RAPOPORT, GIFFORD, LEE apud MÜLFATH, 2016).

afinal somos todos pedestres!


afinal somos todos pedestres!

revisão teórica

ergonomia e percepção espacial

GEM CULTURA ORI L

E

SONALIDADE PER

PERCEPÇÃO ESPACIAL PESSOA

vivência espacial

processamento espacial

compreensão espacial

interpretação

significado diagrama que ilustra as variavéis contidas no processo de percepção espacial. fonte: autoria própria

58

experiência

vivência espacial

vivência espacial

identificação diferenciação espacial


59

OS

ESPAÇO

ÍSICOS, SOCI A I S SF ,C TO

紙面

AIS E HISTÓR TUR IC UL

atividades

vivência espacial

apropriação

criação espacial

revisão teórica

Fazendo uma recapitulação sobre a teoria exposta até aqui, podemos relacionar quase que diretamente todos os autores destacados nesse referencial teórico. Atualmente, encontramos dificuldades de nos locomovermos como pedestres na cidade, já que ao mesmo tempo em que perdemos o nosso espaço para os automóveis, não temos consciência própria de que somos pedestres e, portanto, cidadãos. Para revertemos esse quadro, necessitamos exercer uma cidadania mais ativa que por sua vez, conseguimos através do simples caminhar pelas cidades já que o caminhar é o meio mais direto de contato entre nós e a cidade. É onde conhecidos e desconhecidos se encontram e que assim, acabam desenvolvendo atividades no espaço urbano de forma natural. No entanto, nós só conseguimos concretizar essas atividades graças à nossa percepção espacial. Ao perceber um ambiente, nós o interpretamos e assim, construímos significados, que por sua vez, leva-nos a processos de identificação e apropriação do espaço urbano. Apropriando-nos de um ambiente, nós adaptamos o espaço a um determinado uso. Foi dessa maneira que nós instituímos a calçada, já que é uma apropriação de um ambiente de caráter público que foi adaptada e destinada ao andar a pé.

ergonomia e percepção espacial

ASP EC

A nossa percepção de qualquer ambiente pode ser considerada o ponto de partida para a atividade humana, pois perceber o espaço significa nos orientarmos nele. A partir dessa nossa capacidade de perceber ativamente o ambiente que nos cerca, esse processo de percepção nos leva a interpretação e construção de significados, que por sua vez nos levará a processos de apropriação e identificação dos ambientes. Essa apropriação é um reflexo de nossa própria projeção no espaço, transformando o local em um prolongamento de nossa pessoa. É dessa forma que se explica que toda atividade humana se relaciona com uma apropriação, já que “apropriarse de um ambiente, implica a adaptação do espaço a um uso definido pelo usuário e as ações implementadas para atingirse o objetivo” (FONSECA, HALL, CAVALCANTE & ELIAS apud MÜLFATH, 2016, p.18).

afinal somos todos pedestres!


revisão teórica

afinal somos todos pedestres!

ergonomia e percepção espacial

Trazendo a lógica da ergonomia para o meio urbano, podemos nos utilizar de pensamentos do urbanista e escritor americano Kevin Lynch (1997), que nos mostra como a nossa capacidade de percepção espacial pode trazer relações muito interessantes com e na cidade. Em seu livro “A imagem da cidade”, Lynch (1997) discorre sobre a intensidade de como o ambiente urbano nos estimula constantemente. “A cada instante, há mais do que o olho pode ver, mais do que o ouvido pode perceber, um cenário ou uma paisagem esperando para serem explorados. Nada é vivenciado em si mesmo, mas sempre em relação aos seus arredores, às sequências de elementos que a ele conduzem” (p.1). Para o autor, a cidade não é apenas um objeto percebido, mas também um produto de milhões de construtores (cidadãos) que nunca deixaram de modificar a sua estrutura. E é aí que aquela frase citada tem grande validade: “não se trata do homem e o meio, mas sim, o homem no meio” (RAPOPORT apud MÜLFATH, 2016, p.17) Ao tratar da fisionomia das cidades, Lynch (1997) explora a importância que a fisionomia da paisagem urbana tem para nós, em relação a ser algo visto e lembrado ou não e também em relação a ser algo que nos dê prazer ou não. Para atingir tal finalidade, o autor inicia discorrendo sobre as imagens ambientais que percebemos: “As imagens ambientais são o resultado de um processo bilateral entre o observador e seu ambiente. Este último sugere especificidades e relações, e o observador – com grande capacidade de adaptação e à luz de seus próprios objetivos – seleciona, organiza e confere significado àquilo que vê” (p.7) Uma imagem ambiental pode ser decomposta e classificada em três componentes: identidade, estrutura e significado. Cabe ressaltar que um se manifesta simultaneamente em relação ao outro, tendo conexão direta, apesar da análise a seguir separá -los. Primeiramente, uma imagem viável requer a identificação do objeto, o que implica na sua própria diferenciação em relação às outras coisas, ou seja, requer o seu reconhecimento enquanto entidade separável das demais. Vale também observar que o sentido de “identidade” aqui se refere ao significado de individualidade ou unicidade, e não de igualdade. Em segundo lugar, a imagem precisa incluir a relação espacial ou paradigmática do objeto com o observador e os outros objetos em si, isto é, devese estruturar em alguma coisa ou algum lugar. Por último, o objeto deve ter algum significado para o observador, seja ele prático ou emocional. Pode-se considerar que o significado também é uma relação, mesmo sendo ele bastante diferente da relação espacial ou paradigmática (LYNCH, 1997). Diante desse cenário mental que estamos explicitando aqui, surge o conceito e a definição daquilo que Lynch (1997) chama de imaginabilidade: “a característica, num

60


61

de tida n e id + ra utu r t s e + o cad fi i E sign = AD D I L BI NA ÃO I G IMA RCEPÇ L PE ACIA ESP

Diagrama que ilustra o processo de percepção espacial através da imaginabilidade. fonte: autoria própria

revisão teórica

ergonomia e percepção espacial

objeto físico, que lhe confere uma alta probabilidade de evocar uma imagem forte em qualquer observador dado. É aquela forma, cor ou disposição que facilita a criação de imagens mentais claramente identificadas, poderosamente estruturadas e extremamente úteis do ambiente” (p.11). Sendo assim, uma cidade altamente “imaginável”, no sentido específico do autor – evidente, legível ou visível, é dotada de uma forma bem distinta, consolidada e memorável que convidaria o olho e o ouvido a uma atenção e participação no ambiente urbano maiores. Dessa maneira, “o domínio sensorial de tal espaço não seria apenas simplificado, mas igualmente ampliado e aprofundado” (LYNCH, 1997, p.11).

afinal somos todos pedestres!


revisão teórica

afinal somos todos pedestres!

ergonomia e percepção espacial

Lynch (1997) assim, nos traz a questão do sensorial, ou seja, aquilo que diz respeito às nossas próprias sensações perante a cidade. Se por processos perceptivos podemos também entender como “um conjunto de processos pelos quais recebemos, reconhecemos, organizamos e entendemos as sensações recebidas dos estímulos ambientais” (ABRAHÃO et al., 2009, p.149), devemos então entender como as sensações e os sentidos trabalham em prol do nosso entendimento espacial e da nossa imaginabilidade urbana. Para tanto, o antropólogo americano Edward T. Hall (2005) fez em seu livro “A dimensão oculta” uma notória explicação de como percepção e sensação se relacionam. Na verdade, o nosso mundo perceptivo é dado a partir da importância dos chamados receptores sensitivos. “O equipamento sensorial do ser humano divide-se, grosso modo, em duas categorias: 1. Receptores remotos: ocupam-se do exame de objetos distantes: os olhos, os ouvidos e o nariz. 2. Receptores imediatos: são usados para examinar o mundo de muito perto – o mundo do tato, as sensações que recebemos pela pele, membranas e músculos” (p.51) Em relação aos sentidos humanos, “Hall (2005) aponta os sentidos com os quais recebe-se os estímulos permitindo o reconhecimento do espaço: 1. Sensorial: visão, olfato, paladar, térmico, tato, audição; 2. Espacial: o sentido da gravidade e do equilíbrio; 3. Sentido do movimento: detalhes do movimento, posturas e equilíbrio; 4. Cinestésico: percepção dos músculos, peso e posição dos membros no espaço. É o sentido mais relacionado ao universo quadridimensional do espaço e tempo. 5. Proxêmico: relação entre homem e espaço e o seu uso e relações; 6. Subconsciente: fome, sede, sexo, respiração, vitalidade, ou seja, a percepção interna do organismo” (MÜLFATH, 2016, p.18) Gehl (2014), utilizando-se da mesma base bibliográfica e simplificando os termos, trouxe os sentidos humanos para essa relação, sendo eles sentidos de “distância” – visão, audição e olfato – e sentidos de “proximidade” – tato e paladar. Além desses cinco sentidos mais básicos, há ainda mais dois que influenciam de forma significativa na percepção espacial: a propriocepção e o vestibular. A primeira diz respeito a questões de força e posição corporal enquanto que o segundo relaciona as forças da gravidade com a movimentação no espaço. (ACTIVE DESIGN, 2013).

62


63

orelha

nariz

boca

Os ideogramas japoneses “kanji” designando cada um, um sentido humano. fonte: autoria própria

revisão teórica

mão

A partir dessa breve descrição acerca dos sentidos humanos, podemos notar a sua grande complexidade. No entanto, somos capazes de fazer significativas relações a partir dos estudos sobre os sentidos humanos tanto com o corpo humano individualizado quanto com vários cidadãos habitando uma cidade coletiva. Ou seja, podemos abordar o sistema sensorial humano tanto a partir da sua individualidade quanto da sua coletividade.

ergonomia e percepção espacial

olho

Analisando os sentidos de forma geral, temos que de todas as sensações o tato é a experiência mais antiga e mais pessoal que existe, pois conseguimos relacioná-lo com os momentos mais íntimos de nossa vida já que está associado às texturas cambiantes da pele. É por essa razão que é considerado um sentido de proximidade. Já o olfato, por ter sido um dos meios de comunicação mais antigos e mais básicos desde a origem da vida, hoje é o menos essencial para a nossa sobrevivência. Apesar disso, sendo principalmente de natureza de química, o olfato é o que evoca as recordações mais profundas na nossa memória. A visão foi o último sentido a se desenvolver no ser humano. Acabou se tornando o sentido mais importante de todos já que um volume muito maior de dados é transmitido ao sistema nervoso através dos olhos, numa velocidade muito mais alta quando comparara ao tato ou a audição. Podemos considerar os olhos como o principal meio pelo qual nós colhemos informações. Eles conseguem chegar a ser até mil vezes mais eficazes que os ouvidos na varredura de informações. Cabe destacar também que as experiências visuais e táteis do espaço (um sentido de distância e outro de proximidade) estão tão relacionadas que não podem ser separadas já que o espaço “tátil” possibilita a separação do observador em relação aos objetos, e o espaço “visual” separa os objetos uns dos outros (HALL, 2005).

afinal somos todos pedestres!


revisão teórica

afinal somos todos pedestres!

sentidos, comportamento e comunicação

os sentidos humanos, o comportamento e a comunicação espacial: os espaços proxêmicos e as distâncias comunicativas interpessoais

Segundo as ideias expostas por Lynch (1997), vimos que a partir da percepção espacial nós somos capazes de interpretar um lugar e consequentemente, atribuir significados a ele. Vimos também que essa atribuição nada mais é que um processo inconsciente do ser humano em projetar o seu próprio ser no espaço, modificando-o de acordo com os seus desejos de uso. No entanto, podemos afirmar que se nós moldamos o espaço físico, este também nos molda de volta como uma relação intrínseca e simbiótica. Essa influência se manifesta através do nosso comportamento espacial, ou seja, manifesta-se através da nossa conduta espacial. O mais interessante é que primeiramente reagimos a um determinado ambiente de forma silenciosa e inconsciente. Nosso corpo fala e mostra através de gestos, posturas, distâncias interpessoais e orientação corporal, o que estamos realmente sentindo em relação ao estar em um meio. Assim, podemos afirmar que o nosso comportamento espacial resulta na nossa própria comunicação com o espaço (PINHEIRO & ELALI apud MÜLFATH, 2016). Hall (2005) nos mostra que através da “proxêmica” – termo que o próprio autor criou para indicar a “inter-relação entre observações e teorias do uso que o homem faz do espaço como uma elaboração especializada da cultura” (p.1), podemos entender um pouco melhor o comportamento humano diante de qualquer ambiente. Para tanto, o autor demonstra que todo ser humano é envolvido por espaços invisíveis e que cada um deles tem clara influência na própria reação humana. Eles podem ser: - Espaço de características fixas: tem a ver com a noção de território fixo e imutável no qual tem seus usos claramente definidos e legíveis; pode-se exemplificar aqui os cômodos de uma casa ou mesmo a construção física de edifícios. - Espaço de características semifixas: são espaços que lidam com os conceitos de adaptabilidade e flexibilidade no qual dependem dos desejos pessoais e da disposição de espírito de cada indivíduo; como exemplo, temos uma mobília na qual podemos alterar a sua posição ou uma parede semifixa que muda de acordo com a vontade do usuário. - Espaço informal: é definido a partir dos espaços ou das distâncias mantidas em encontros com outras pessoas sendo essas distâncias determinadas a partir de mudanças sensoriais, nesse caso humanas (HALL, 2005).

64


65

Cabe destacar que o espaço informal é a classificação que mais se relaciona diretamente com o comportamento espacial humano e, portanto, com a comunicação interpessoal. Após inúmeros e extensos estudos, Hall (2005) tinha o desejo de fornecer uma explicação maior sobre os tipos e a quantidade de atividades e relacionamentos humanos associados a determinadas distâncias. Para ele, o fator mais decisivo na classificação dessas distâncias foram “os sentimentos que as pessoas têm umas para com as outras” (p.142). Outro fator importante foi a altura da voz e os seus usos. Cabe também ressaltar que o sentido de espaço e de distância do ser humano não é estático e sim dinâmico já que está relacionado à ação, ou seja, no que pode ser feito num determinado espaço e não no que pode ser meramente observado (passivamente). Assim, o que se tem a seguir é a descrição das quatro distâncias determinadas por Hall (2005) e as suas respectivas fases próxima e remota. Diagrama ilustrativo de acordo com a teoria exposta por Hall (2005), segundo as distâncias do espaço informal, ou seja das distâncias mantidas entre os encontros pessoais de acordo com cada situação. fonte: autoria própria escala humana: PANERO, 2002, p.39

distância íntima até 45cm distância pessoal 45cm a 1,20m distância social 1,20m a 3,60m

distância pública 3,60m a 7,60m

revisão teórica

afinal somos todos pedestres!

sentidos, comportamento e comunicação

fases próximas


revisão teórica

afinal somos todos pedestres!

sentidos, comportamento e comunicação

Distância íntima É a distância mais pessoal existente já que há um inequívoco envolvimento com o corpo de outra pessoa. Diante disso, possui um enorme acúmulo de estímulos sensoriais já que olhares, cheiros, sons, e calores de outras pessoas se misturam para proporcionar uma experiência pessoal afetiva e emocional única. Distância íntima – fase próxima: 0 – 15cm Essa é a distância do contato e envolvimento físico e dos detalhes. É também conhecida pela distância que comunica o amor, o sexo, o consolo e também a raiva e a ira. O contato estabelecido nessa distância carrega fortes emoções já que abraços, beijos e também agressões são manifestados. Distância íntima – fase remota: 15 – 45 cm Também é a distância do contato, envolvimento físico e dos detalhes. No entanto, cabeças, coxas e pelves não entram em contato com facilidade. A visão nítida e periférica focaliza a face, o contorno da cabeça e os ombros da pessoa, mas de forma deformada. A voz é usada num nível muito baixo ou até mesmo no de um sussurro. Essa distância pode causar constrangimento físicos de acordo com a cultura do ser humano. Brasileiros em geral, têm nela a fase de cumprimentar as pessoas sejam elas conhecidas ou desconhecidas.

Diagrama que ilustra as fases próxima e distante dentro da distância íntima. fonte: PANERO, 2002, p.39

66


67

Distância pessoal Considerada por Hall (2005), a distância que separa constantemente os membros de espécies avessas ao contato, ou seja, é a escala da bolha invisível de proteção que envolve o ser humano e o certifica que esteja em uma distância aceitável de outro ser. É a distância de contato entre amigos próximos e familiares. Distância pessoal – fase próxima: 45 – 75cm Aqui se tem a noção do que podemos fazer com as nossas extremidades, ou seja, é onde podemos segurar ou agarrar uma outra pessoa. Não existe mais a deformação visual das feições do outro e é aqui que a qualidade tridimensional dos objetos é especialmente manifestada. Assim, os objetos nos informam que possuem volume, substância e forma, bem como a textura da superfície fica muito proeminente. É aqui que entra a distinção de objetos. Distância pessoal – fase remota: 75 – 120 cm Aqui vale aquela regra de manter alguém a uma distância de um braço estendido. Esse é o limite da dominação física, já que fora dessa distância uma pessoa não consegue colocar as mãos na outra com facilidade. É também aqui que dá a conversa de interesse envolvimento mais pessoal, pois o tamanho da cabeça é percebido em sua proporção normal bem como as feições da outra pessoa. O nível da voz é moderado e não é perceptível nenhum calor corporal.

revisão teórica

afinal somos todos pedestres!

sentidos, comportamento e comunicação

Diagrama que ilustra as fases próxima e distante dentro da distância pessoal. fonte: PANERO, 2002, p.39


revisão teórica

afinal somos todos pedestres!

sentidos, comportamento e comunicação

Distância social Como o próprio nome já diz, aqui é a distância na qual se pode compartilhar conversas sobre os mais variados assuntos entre conhecidos e também desconhecidos. É onde a altura da voz se modifica de acordo com a cultura da pessoa. Não há toques e contatos físicos sem esforços. Distância social – fase próxima: 1,20 – 2,10 m Essa distância nos mostra até onde existe o “limite da dominação”. As informações visuais de outra pessoa são cada vez mais ampliadas e podemos absorver mais informações acerca da outra pessoa. Aqui, se valem os contatos e relacionamentos entre amigos e colegas como por exemplo, em um ambiente de trabalho ou em uma reunião social. Distância social – fase remota: 2,10 – 3,60 m Segundo o próprio Hall (2005), “essa é a distância para a qual as pessoas passam quando alguém lhes diz: “Fique ali para eu poder ver como você está” (p.151). O discurso social e profissional empregados a essa distância, possuem caráter mais formal. Aqui não é necessário movimentarmos os olhos para enxergarmos o rosto inteiro de uma pessoa, mas essa é a distância na qual temos que manter impreterivelmente contato visual constante durante uma conversa de qualquer duração. Se não fizermos isso, significa que queremos interromper a conversa ou excluir alguém da mesma. No entanto, é essa fase que nos permite trabalharmos na presença de outra pessoa sem que pareça que estamos fazendo alguma grosseira ao ignorá-las. Ou seja, é a distância que possibilita isolar ou separas as pessoas umas das outras. Diagrama que ilustra as fases próxima e distante dentro da distância social. fonte: PANERO, 2002, p.39

68


69

Distância pública Aqui saímos do círculo de envolvimentos pessoais. O contato é predominantemente entre conhecidos apenas (sem envolvimento pessoal) e desconhecidos. É onde a formalidade alcança cuidado máximo e podemos dizer que é a escala pública da calçada, onde podemos ver e sermos vistos por outros de maneira a não invadir o espaço do outro. Distância pública – fase próxima: 3,60 – 7,50 m A dimensão dessa fase próxima é muito valiosa para inúmeros cidadãos, pois é onde o estado de alerta se evidencia. É onde podemos tomar medidas evasivas ou defensivas se formos ameaçados. A partir daqui a visualização e assim, o entendimento do corpo do outro começa a perder foco e nitidez. A voz é alta, mas não gritante. Distância pública – fase remota: a partir de 7,50 m

Diagrama que ilustra as fases próxima e distante dentro da distância pública. fonte: PANERO, 2002, p.39

revisão teórica

afinal somos todos pedestres!

sentidos, comportamento e comunicação

Aqui, ocorrem perdas significativas dos detalhes de expressão facial e do movimento, bem como de discursos orais. Assim, são necessários meios de amplificação e exageração de tudo que fazemos. Dessa maneira, muito da parte não-verbal da comunicação é transferido para gestos e postura corporal. Vale ressaltar que essa distância traduz aquele limite que damos a nós mesmos quando queremos apenas ver algum acontecimento e não participar ativamente a ponto de ser notado.


revisão teórica

afinal somos todos pedestres!

sentidos, comportamento e comunicação

“Ao contrário de outras espécies, o homem é um indivíduo cheio de “não-metoques”. A distância íntima é a zona para partilhar impressões emocionais fortes, uma zona onde a presença de outros só é aceita após convite especial. O indivíduo protege essa zona, que pode ser descrita como uma bolha pessoal, invisível. Todo o resto é mantido, literalmente, a um braço de distância” (GEHL, 2014, p.49)

O que podemos depreender de tudo isso que foi dito, é que onde existir comunicação direta entre as pessoas, percebe-se o uso constante do espaço e da distância. Sempre quando for fisicamente possível, nós buscamos manter uma distância curta, no entanto vital, que mantém a situação segura e confortável (GEHL, 2014). Talvez esse seja um dos motivos para as pessoas não conseguirem usar as calçadas também porque o ser humano necessita ter (aparentemente) o controle de todas as situações possíveis para viver. O que pode estar acontecendo no meio urbano é que a noção desse espaço razoável e aceitável, distante de outro ser humano esteja sendo violada na cabeça dessas pessoas. Isso acaba gerando insegurança e medo. Nesse ponto, cabe também ressaltar um aspecto importante que Hall (2005) deixa claro em seu argumento. Devemos entender que nós somos cercados por uma série de campos orgânicos que se expandem e contraem, fornecendo muitos tipos de informações sobre o ambiente em que estamos. Dessa maneira, cada um de nós acaba assumindo uma série de personalidades situacionais aprendidas a partir do nosso comportamento e da nossa comunicação espacial. “A forma mais simples da personalidade situacional é a que está associada a respostas diante de transações íntimas, pessoais, sociais e públicas” (HALL, 2005, p.143). É aí que o autor nos explica o porquê de certas pessoas não conseguirem preencher o espaço público, nesse caso, o urbano. Isso se deve pela falta de oportunidades que alguns indivíduos tiveram de nunca ter desenvolvido a fase pública de sua personalidade, seja qual motivo for. A seguir, temos um trecho do texto intitulado “Mãe, onde dormem as pessoas marrons?” de Eliane Brum para nós refletirmos sobre essa situação-problema.

70


71

“Mãe, onde dormem as pessoas marrons?” de Eliane Brum

“Uma amiga me conta, na volta de uma viagem a Paris com a família. “Só quando estava lá é que percebi que minha filha estava, literalmente, andando na rua pela primeira vez”. A menina tem quatro anos. Classe média. Mora em São Paulo, num condomínio fechado. Do condomínio, vai de carro para a escola privada. Da escola privada volta para casa. No fim de semana, fica dentro do seu condomínio ou vai para outros condomínios, de casas ou prédios, cercados por muros ou grades, com guaritas e porteiros. Ou vai a shoppings, onde chega pelo estacionamento, de onde sai pelo estacionamento. Desloca-se apenas de carro, bem presa na cadeirinha, protegida atrás de janelas fechadas, vidros escurecidos com insulfilm. De muro em muro, a criança passou os primeiros quatro anos de vida sem pisar na rua, a não ser por breves e arriscados instantes. E apenas quando a rua não pôde ser evitada. E apenas como percurso rápido, temeroso, entre um muro e outro. A cidade é uma paisagem do outro lado do vidro, uma paisagem que ela espia mas não toca. O fora, o lado exterior, é uma ameaça. O outro é aquele com quem ela não pode conviver, tanto que não deve nem enxergá-la. Até mesmo contatos visuais devem ser evitados, encontros de olhares também são perigosos. Qualquer permeabilidade entre o dentro e o fora, entre a rua e o muro, seja na casa, na escola, no shopping ou no carro, ela já aprendeu a decodificar como intrusão. O outro é o intruso, aquele que, se entrar, vai tirar dela alguma coisa. Se a tocar, vai contaminá-la. Se a enxergar, vai ameaçá-la. A rua, o espaço público, é onde ela não pode estar. E por quê? Porque lá está

revisão teórica

dentro dos muros” (BRUM, 2015).

afinal somos todos pedestres!

sentidos, comportamento e comunicação

o outro, o diferente. E ela só pode estar segura entre seus iguais, no lado de


revisão teórica

afinal somos todos pedestres!

os sentidos e as escalas

os sentidos humanos e as diferentes escalas urbanas

Dada a enorme complexidade que a relação homem X espaço traz consigo, existem muitas variáveis que influenciam na percepção espacial dos humanos. Podemos dessa maneira relacionar os sentidos humanos com o meio urbano. Em se tratando das calçadas, é importante ter em mente que se trata de um ambiente poli dimensional já que também não podem ser consideradas apenas como planos meramente estáticos. Para além da tridimensionalidade, as calçadas podem promover uma experiência multissensorial onde desde as limitações visuais existentes até o tato com a materialidade do revestimento do piso são de extrema importância. O governo de Nova York ao compor um documento exclusivo para as calçadas chamado de Active Design (2013) define certas escalas a serem trabalhadas nesse contexto e são a base desse TFG. Além da escala humana propriamente dita, o documento destaca mais outras duas escalas que influenciam no conforto e na segurança do caminhar pelas calçadas. A escala da dimensão vertical é composta por uma série de planos provenientes das fachadas dos elementos presentes no passeio, sejam eles edifícios propriamente ditos ou postes e árvores. A visão humana percebe o espaço dentro de 50 a 55 graus acima da linha do horizonte e dentro de 70 a 80 graus abaixo da linha do horizonte (CIDADE DE NOVA YORK, 2013). Gehl (2014) também concorda com esses valores e vai além, explicando que conseguimos enxergar numa angulação maior abaixo da linha do horizonte pois desde a origem do homem, sempre tínhamos que nos atentar mais para ver onde iríamos pisar. Enquanto isso, para enxergarmos acima da linha do horizonte temos que verdadeiramente esticar os nossos pescoços, pois segundo o autor, com o decorrer do tempo as ameaças vindas de cima eram cada vez menores. Dessa maneira, ao andar pela rua um pedestre consegue usufruir a dimensão vertical de forma adequada e confortável a partir do nível do térreo e não mais que o segundo andar, ou seja, um limite vertical de aproximadamente 5,30 a 6,50 metros. Enquanto que a conexão entre o plano da rua e os edifícios mais altos se perde totalmente a partir do quinto andar (GEHL, 2014).

72


73

5,3 m nível dos olhos

7,5 m

revisão teórica

A segunda escala se refere à escala da dimensão horizontal que por sua vez, pode ser subdividida em mais três escalas: a escala da unidade, a escala do edifício e a escala da rua. A primeira é o contato mais próximo do pedestre em relação à horizontalidade, pois é o ponto onde os sentidos humanos se manifestam diante dos detalhes arquitetônicos como texturas e acabamentos. O espaço percorrido dentro dessa escala varia de 0 a 7 metros de distância. A segunda escala abrange um conteúdo maior já que o pedestre tem contato com as articulações arquitetônicas entre diferentes edifícios. É o ponto onde o ritmo da caminhada começa a ser moldado dentro de uma distância de até 25 metros. Por fim, a terceira escala diz respeito à complexidade de um quarteirão dentro de 100 metros percorridos a pé. Geralmente essa é a medida tida como a distância limite na qual o olho consegue enxergar pessoas e objetos em movimento. (CIDADE DE NOVA YORK, 2013). Complementando a escala da dimensão horizontal, temos que a escala da unidade é a que traz o maior estímulo sensorial humano e, portanto, a que traz mais emoção e sentimento de uma forma mais intensa. A escala do edifício traz o reconhecimento facial e de expressões, fazendo com que a pessoa enxergue primeiro parte do rosto, depois o rosto e só por fim o corpo inteiro. Finalmente, a escala da rua possibilita menos informações já que a uma distância maior, o ser humano consegue enxergar apenas o movimento e a linguagem corporal de outros em linhas gerais. É por isso que essa última escala tem o nome de “campo social de visão” (GEHL, 2014).

Escala da dimensão vertical. Adaptado para o sistema métrico pelo autor. fonte: CIDADE DE NOVA YORK, 2013

os sentidos e as escalas

7,5 m

3,0 m 4,5 m

afinal somos todos pedestres!


afinal somos todos pedestres!

revisão teórica

os sentidos e as escalas

escala da unidade escala do edifício escala da rua/ do quarteirão

7,5m (5-6 segundos) 18m - 21m (20 segundos) 100m (77 segundos)

Escala da dimensão horizontal. Adaptado para o sistema métrico e para o português pelo autor. fonte: CIDADE DE NOVA YORK, 2013

Escala da velocidade. Diagrama feito de acordo com a teoria de Gehl (2014) fonte: autoria própria

74

Outra escala pertinente que cabe destacar aqui é a escala da velocidade. Gehl (2014) atenta para esse cuidado tão esquecido no meio urbano pela esfera pública e também pelos arquitetos e urbanistas. O autor inicia seu argumento dizendo que o nosso aparelho locomotor e os nossos sistemas de interpretação de impressões sensoriais estão adaptados para caminhar. Dessa maneira, é a partir da velocidade de 4 a 5 km/h – a velocidade aproximada de um caminhar, que captamos e absorvermos a maior quantidade de informações do meio urbano, porque temos tempo para ver o que está acontecendo à nossa frente e também para ver onde colocamos os nossos próprios pés. Assim, não sofremos perdas de informações ou pressões para reagirmos rapidamente nas cidades. “A arquitetura (e o urbanismo) de 5 km/h baseia-se numa cornucópia de impressões sensoriais, os espaços são pequenos, os edifícios mais próximos e a combinação de detalhes, rostos e atividades contribui para uma experiência sensorial rica e intensa” (p.44). Isso contrasta com a arquitetura e o urbanismo dos 50, 60, 70, 90 km/h. A essas velocidades, a demanda por espaços maiores e mais largos é imprescindível já que o movimento é mais importante do que o prazer de contemplar a cidade. Dessa maneira, acaba sendo uma experiência sensorial empobrecedora, desinteressante e cansativa porque os espaços devem ser amplificados e simplificados ao máximo para que motoristas e passageiros possam entender o local (GEHL, 2014). Enquanto que motoristas e passageiros entendem o local, o pedestre se torna uma coisa cada vez mais ínfima e insignificante que não precisa entender o local, já que afinal ele nem deveria estar nesse local.


75

revisĂŁo teĂłrica

os sentidos e as escalas

50 km/h 10 km/h

afinal somos todos pedestres!



PROJETUAIS

REFERÊNCIAS


estudos de caso

referências projetuais

espaços urbanos para pedestres

REFERÊNCIAS PROJETUAIS espaços urbanos para pedestres

D

entre os referenciais projetuais urbanos, destacam-se aqueles cujo espaço prioriza o pedestre e, portanto, a escala humana. Os primeiros exemplos começam a surgir na Europa durante o início da década de 1960 como uma reação pósguerra ao advento do automóvel e a sua supremacia espacial urbana. Segundo Brambilla (1977), tudo começou nos centros históricos das mais diversas cidades europeias que passaram a restringir o acesso do automóvel em detrimento da preservação dos edifícios históricos. Ou seja, podemos observar que a restrição aos automóveis partiu não da qualidade de vida dos pedestres e sim, do legado histórico arquitetônico. Especialistas argumentavam que a vibração da passagem dos veículos nas vias acelerava a degradação de edifícios históricos e, portanto, comprometia a preservação do patrimônio arquitetônico das cidades. A partir de então, muitas cidades passaram a adotar o mesmo princípio (BRAMBILLA, 1977). Só a partir de certo momento que as autoridades começaram a perceber que ao restringir totalmente o acesso de veículos nessas áreas centrais urbanas, a vida na cidade poderia e era estimulada. Esse processo começou a alertar os governos sobre a necessidade de devolver a cidade para os pedestres. Jan Gehl (2014), mostra que quando as primeiras ruas de pedestres foram implantadas na Europa durante esse período, só existiam dois modelos de ruas: com circulação de veículos e de pedestres. Conforme o passar do tempo, a variedade de modelos foi expandindo em relação aos tipos de rua e às soluções de trânsito. Dentre os diversos modelos utilizados pelo mundo, o autor destaca: ruas só para passagem de veículos; bulevares; tráfego a 30 km/h; prioridade aos pedestres; áreas com velocidade de 15 km/h; pedestres e bondes; pedestres e bicicletas; e só pedestres. Diante dessa variedade, Gehl (2014) afirma que houve significativa redução do número de acidentes de trânsito, possibilitando cenários mais seguros e confortáveis aos pedestres. É importante salientar aqui que as primeiras ruas de pedestres na Europa durante esse período de luta contra os automóveis foram de caráter residencial. As ruas Woonerf, Living Street, Shared Spaces entre outras denominações, designavam um espaço compartilhado entre todos os meios de transporte numa área residencial. Logo após a esse período, as ruas de preferência (e posteriormente, exclusivas) para pedestres começaram a surgir no âmbito comercial, principalmente na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. Aqui, cabem dois exemplos, um internacional – Strøget, Copenhague, Dinamarca, e outro nacional – O calçadão do centro de São Paulo. A seguir, têm-se os breves estudos desses casos.

78


79

Foto de uma rua tipo Woonerf na Holanda. imagem: wikipedia

estudos de caso

Foto da Praça da Sé, São Paulo, Brasil. imagem: marcos santos/ USPImagens

referências projetuais

espaços urbanos para pedestres

Foto de Stroget, Copenhague, Dinamarca. imagem: visit denmark


estudos de caso

referências projetuais

woonerf, living street, shared space

woonerf, living street, shared space

A

Woonerf em um bairro residencial holandês. imagem: canin associates

s ruas Woonerf foram as precursoras de uma tendência, ainda atual, cujo objetivo é ser uma rua residencial que propõe a convivência comum sem a divisão espacial rígida entre veículos, bicicletas e pedestres. Foram introduzidas na Holanda por dois engenheiros de tráfego Joost Váhl e Hans Moderman entre as décadas de 1960 e 1970. Segundo Malatesta (2007), essas ruas “podem ser definidas como uma reação à rigidez imposta pelas áreas restritas ao tráfego a pé, em que a restrição de acesso dos modos motorizados provoca a dificuldade do desenvolvimento de todas as atividades essenciais à vitalidade urbana e como consequência seu esvaziamento e deterioração” (p.38). A estratégia utilizada por esses lugares é através de um repertório físico urbanístico-ambiental para garantir a sua própria finalidade. Para tanto, utilizam-se materiais de revestimento diferenciados e redutores de velocidade, além de elementos de paisagismo e mobiliário urbano para bloquear o contato entre o veículo pesado e motorizado com as bicicletas e os pedestres (MALATESTA, 2007). Outro aspecto desse tipo de rua é que foi desenhado tendo em mente as crianças e as suas atividades recreativas. Por possuírem mais espaço, elas poderiam ser mais livres, porém dependeriam da cautela e

Placa holandesa que indica a zona de Woonerf em uma rua. imagem: psudelft2015drewdevitis

80


81

Foto da primeira Woonerf do mundo, localizada em Delft, Holanda. imagem: psudelft2015drewdevitis

estudos de caso

As Woonerf ganharam tanto destaque mundial que começaram a se multiplicar em várias cidades do mundo inteiro sob denominações diferentes como living streets e shared spaces, porém todas com o mesmo princípio de serem residenciais e compartilhadas com todos os meios de locomoção num mesmo nível.

referências projetuais

woonerf, living street, shared space

atenção do motorista, já que ao adentrar em uma zona dessas, o motorista deveria automaticamente reduzir a sua velocidade e aumentar a sua atenção. Gehl (2014) mostra a sua preocupação e insatisfação diante dessas ruas compartilhadas. O autor diz que pelo fato de automóveis e motos circularem ao lado de ciclistas e pedestres pode na teoria ser ideal, mas que na prática, crianças e idosos podem não ficar à vontade de se locomover livremente a partir da intimidação que essas máquinas podem provocar.


referências projetuais

estudos de caso

o caso de stroget

rua exclusiva para pedestres: o caso de Strøget

S

trøget é considerada a principal rua de pedestres de Copenhague, Dinamarca e está localizada em seu centro histórico. Os seus 1,1 km de extensão foram convertidos em uma zona exclusiva de pedestres no ano de 1962 sob a ação do prefeito Alfred Wassard. O motivo pela conversão se deu pela dominação do automóvel no espaço urbano e o seu suposto perigo para a degradação dos centros históricos. Como forma de preservar o coração da cidade e os seus edifícios, tomou-se a atitude de fechá-la para os automóveis e permitir apenas a circulação livre de pedestres. A inspiração para Strøget veio da reconstrução de diversas cidades alemãs após a Segunda Guerra Mundial. (GEHL, 2002).

O calçadão infinito de Copenhague, Stroget. imagem: anna schwensen

O projeto que na época era considerado como um esforço tremendo e puramente pioneiro, sofreu diversas e duras críticas. Os comerciantes da área diziam que teriam que fechar os seus negócios por suporem que as suas vendas iriam cair por não ter clientes vindos de automóveis. Muitos especialistas diziam que não era cabível ter um espaço público externo na Escandinávia já que não tinham esse costume e hábito. Gehl (2002) afirma que “os dinamarqueses nunca haviam tido espaço e oportunidade para desenvolver uma vida coletiva em espaços públicos” (p.54). Apesar disso, o projeto foi posto em prática com sucesso. Em pouco tempo, pôde-se observar uma mudança na vida urbana já que novas lojas, novos bares e restaurantes se instalavam no local, ao mesmo tempo em que as lojas de comércio e serviço ganhavam mais força ainda. Jan Gehl (2014) iniciou os seus próprios estudos sobre o pedestre neste local e então, começou a se envolver na mudança das políticas públicas

Stroget vista de cima imagem: ty stange (visit denmark)

82


83

“Um dia de sol em Copenhague, em pleno ano 2000. O centro da cidade, antes dominado por carros, mudou completamente seu caráter. Becos sossegados, ruas exclusivas ou preferenciais para pedestres formam uma extensa malha de vias de passeio confortáveis. A cidade atualmente convida ao tráfego de pedestre”

“O centro da cidade, em sua totalidade, possui agora um caráter e uma atmosfera que convidam as pessoas a andarem e a estarem ali. As ruas parecem indicar: “Venha, seja bem-vindo. Passeie um pouco, descanse e permaneça o quanto quiser”. Os espaços urbanos receberam uma nova forma e um novo conteúdo”

Jan Gehl (GEHL, 2002, p.10)

estudos de caso

o caso de stroget

Stroget: uma rua de passagem, lazer e permanência. imagem: wikipedia

referências projetuais


referências projetuais

estudos de caso

o caso de stroget

de Copenhague em prol da priorização dos pedestres. Segundo o autor, Strøget possui uma condição de caminhada agradável e confortável, já que a área é relativamente livre e desimpedida de obstáculos. Ainda ressalta que a grande maioria dos centros das cidades possui um quilômetro quadrado de área (1 km x 1 km), significando que esse caminho levará os pedestres de forma confortável à maior parte dos serviços localizados no trajeto. Gehl (2002) afirma ainda que 80% do movimento no centro da cidade de Copenhague é constituída pelos pedestres. Em um dia de Verão, cerca de 5000 a 6000 cidadãos vão até o lugar em busca de atividades urbanas recreativas e de permanência. O autor afirma que ao aumentar em seis vezes a área destinada aos pedestres, você possibilita as pessoas a expandirem seu leque de atividades, ultrapassando as atividades necessárias e chegando as atividades opcionais de lazer e contemplação.

Cafés em Stroget imagem: jens dresling (politiken)

84

No entanto, cabe destacar aqui que o caso de Strøget não deve ser simplesmente copiado para outros lugares já que temos que entender a lógica por trás dele. A rua é parte do centro urbano da cidade que por sua vez, desenvolveu-se a partir de aglomerações na Idade Média. O padrão medieval urbano é limitado a uma área de cerca de 1 x 1 km e seus edifícios têm no máximo entre quatro e cinco pavimentos com fachadas relativamente pequenas, o que confere à rua um ritmo de composição arquitetônica muito interessante e diversificado. Outro aspecto a ser observado é que o centro de Copenhague possui muitos habitantes já que cerca de 6.800 pessoas residem nesse local, um dado que é relativamente alto dentro dos padrões europeus. Além disso, esse mesmo centro é dotado de andares térreos ativos, edifícios de uso misto (comercial e residencial) e há uma grande diversidade de edifícios públicos. Dessa maneira, o centro da cidade de Copenhague já apresentava muitos dos elementos básicos para desenvolver um bom ambiente urbano (GEHL, 2002).


85

Stroget feita para andar mesmo com chuva e à noite. imagem: wikipedia

o caso de stroget

estudos de caso

Assim, Strøget logo se tornou referência mundial para ruas pedestrianizadas, espalhando o caso sucedido de uma rua comercial e de serviços cheia de vida urbana a partir da escala do pedestre. Houve um novo consentimento sobre o que é cidade e como podemos viver nela. Seus habitantes perderam o medo e o receio de estar efetivamente na rua – sem a preocupação de ser atropelados, e também os próprios comerciantes descobriram que os ambientes liberados do tráfego de carros eram uma indução para um comércio crescente e próspero. Concomitantemente, os proprietários dos veículos se conscientizavam da dificuldade de ir ao centro e estacionar seus carros ao mesmo tempo em que viam que se tornava muito mais fácil pedalar ou usar o transporte público na área. Desse modo, as pessoas tiveram tempo para mudar os seus hábitos viciosos e padrões de tráfego bem como desenvolver e assimilar uma cultura urbana totalmente nova e cheia de novas oportunidades para uma outra vida.

referências projetuais


estudos de caso

referências projetuais

Calçadão entre as ruas direita e XV de novembro. imagem: brevesinstantes.com

o calçadão de são paulo

“A principal característica dos calçadões no Centro de São Paulo é a sua integração a um programa de atuação na cidade como um todo. Não é uma questão apenas de projeto dos espaços urbanos e de seus equipamentos nem apenas de planejamento a longo prazo. É uma questão de projeto na medida em que propostas ruins podem pôr a perder o programa e não tornar claras suas intenções” José Eduardo de Assim Lefèvre Professor Doutor da FAUUSP (In: LEME, 2000, p. 50)

86


87

o calçadão no centro velho de são paulo

A

área central onde a cidade de São Paulo teve as suas origens possui hoje 7,2 km de ruas para pedestres. Elas foram implantadas a partir do ano de 1976 através de um projeto elaborado pela Empresa Municipal de Urbanismo (EMURB) e liderado pelo arquiteto brasileiro Jaime Lerner. Esse projeto possuía o nome de “Ação Centro” e tinha por objetivo requalificar a área central de São Paulo tendo em mente a moda da época que era converter espaços de automóveis para uso exclusivo de pedestres, a exemplo da própria Strøget na Dinamarca e de outros casos em vários países pelo mundo afora (D’OTTAVIANO, 2001).

estudos de caso

Foi a partir desse difícil contexto que os calçadões do centro de São Paulo começaram a se expandir pelas ruas. Primeiramente, fez-se um remanejamento da circulação de veículos, com a interdição através de bloqueadores móveis ao tráfego em ruas do Centro Velho e Novo até que fossem efetivamente convertidas em calçadões. Em seguida, trabalhou-se nas obras de remanejamento de elementos urbanos como pisos, drenagem, iluminação, mobiliário urbano, bem como nas obras de recuperação e reforma em edifícios (recuperação do Edifício Martinelli), viadutos (Viaduto Santa Ifigênia) e praças (Praça da Sé) (LEFÈVRE, 2000).

referências projetuais

calçadão de são paulo

Passando rapidamente pela história do centro de São Paulo, podemos partir do século XX, onde houve enorme crescimento da cidade através da acelerada industrialização da mesma. A área em questão se tornou rapidamente o centro administrativo, financeiro e comercial e assim, atraía fortemente tecnologias novas e expansão de vias e automóveis. Como exemplos, podemos citar a construção do primeiro arranha-céu de São Paulo em 1929, o Edifício Martinelli e também o Plano de Avenidas de Prestes Maia, em 1930, que trazia a sua grande rede viária concêntrica. Dada a situação, as ruas do Centro Velho – a área do triângulo, começaram a não suportar a demanda por espaço físico urbano e o congestionamento marcava o lugar. Depois de pouco tempo, foi a vez das ruas do Centro Novo. No entanto, um importante processo modificou totalmente a área. Durante a década de 1950, iniciou-se um processo de descentralização e a área central de São Paulo começou a perder o posto de polo administrativo, financeiro e comercial para outras regiões como a da Avenida Paulista e Consolação (D’OTTAVIANO, 2001).


estudos de caso

referências projetuais

o calçadão de são paulo

Vista do calçadão na Praça dos Correios. imagem: embratur

“As áreas reurbanizadas receberam um novo piso em mosaico português e placas de granito, iluminação especial (600 luminárias e postes), 1.210 vasos ornamentais (de três tamanhos, em concreto), 220 bancos (em concreto e madeira), 15 caixas de correio, 300 lixeiras e 65 orelhões. A nova iluminação e mobiliário urbano tentavam adequar as ruas ao tipo de uso e à escala do pedestre. A área total reurbanizada em 1978 era de 60.000 metros quadrados” (D’OTTAVIANO, 2001, p.216).

Exatamente 40 anos depois do início da implantação dos calçadões no centro de São Paulo, podemos observar que ele hoje se encontra em grave degradação. Se segundo Lefèvre (2000): “A implantação dos calçadões foi feita com o objetivo de reverter o processo de degradação e esvaziamento do Centro” (p.50), podemos observar que ele não cumpriu com o seu objetivo de forma eficaz. Cabe destacar aqui a validade de se estudar referências projetuais mundiais, dando mais enfoque ao seu contexto de construção, para evitarmos fracassos e gastos exorbitantes de dinheiro público. Contrariamente ao caso de Strøget, vemos que o Centro Velho e Novo de São Paulo já se encontrava em processo de degradação principalmente pela descentralização administrativa, financeira e comercial da área. Ela já não possuía mais forças vitais já que a situação do centro de São Paulo continua praticamente a mesma: prédios abandonados e desocupada por pessoas. A vida desse lugar se limita ao horário comercial de trabalho e das lojas. Após esse período, a área se torna vazia com exceção dos moradores de rua, que são os únicos e verdadeiros habitantes dessa região. Assim, desde o início da implantação, a área não era densa o suficiente para garantir uma vida prolongada, ao mesmo tempo em que predominavam edifícios verticalizados em certos ambientes, não estimulando o passeio e o próprio estar do pedestre.

88


89

D’Ottaviano (2001) destaca que ao contrário do que se observou nas experiências estrangeiras de pedestrianização, em São Paulo após os calçadões ocorreu uma queda no nível do comércio. A autora destaca que já era um processo que estava acontecendo no momento e as áreas exclusivas para pedestres não foram suficientes para reverter esse quadro. Além disso, “o tipo de usuário da área central foi determinante na queda do nível do comércio. O enorme número de pessoas que cruza diariamente os calçadões é na sua maioria de baixo poder aquisitivo e, apesar disso, são eles os principais consumidores desse comércio” (p.226). Ainda segundo a autora, o grande número de pedestres não utiliza a área central como destino e sim como meio para chegar em outro lugar.

estudos de caso

Multidão no calçadão do centro velho de SP. Um lugar onde pedestres podem transitar à vontade. imagem: marcos santos/ USPImagens

referências projetuais

calçadão de são paulo

“A situação cotidiana do pedestre na área central de São Paulo, apesar da presença dos calçadões, local em que o pedestre teoricamente fica protegido, é bastante ruim. Nem mesmo nos calçadões os pedestres podem ter certeza de estarem seguros. Muitas pessoas chegam a caminhar 1 km apenas para mudar de condução, tendo de atravessar calçadões mal conservados, muitas vezes interrompidos por obras, buracos ou pela presença maciça dos camelôs, e cruzamentos perigosos e inseguros” (D’OTTAVIANO, 2001, p.232 e 233).


A LIBERDADE

DOS PÉS NO CHÃO...



área de estudo

a liberdade dos pés no chão...

o pedestre e a cidade de sp

A SÃO PAULO DOS PÉS NO CHÃO o pedestre e a cidade de são paulo

“O pedestre em São Paulo continua sendo um cidadão de segunda classe, não obstante melhorias introduzidas, tanto ao nível do novo código de trânsito, como na legislação municipal” Associação Brasileira de Pedestres – ABRASPE

“O fato é que é mesmo difícil o deslocamento de quem anda a pé em São Paulo. Não apenas em termos de segurança, mas também da própria qualidade das calçadas, da iluminação, entre outros aspectos. Até mesmo o transporte coletivo recebe mais atenção por parte do poder público do que o espaço do pedestre” Raquel Rolnik Professora Doutora da FAUUSP

P

odemos não ter noção disso, mas as nossas caminhadas a pé são um meio de transporte sim. Dessa maneira, podemos considerar os deslocamentos a pé como um elemento que compõe a mobilidade urbana de uma cidade. É um meio de transporte ativo (já que gastamos energia para nos locomovermos), saudável, não poluidor e pode ser realizado tanto individualmente quanto coletivamente. O que não temos ciência é que 1/3 dos deslocamentos no Brasil são a pé, ou seja, aproximadamente 33% da população brasileira residente em cidades com mais de 1 milhão de habitantes se desloca a pé todo dia (ANTP, 2012). Isso nos mostra que temos um meio de transporte muito importante. Basta olharmos para baixo.

Trazendo esse dado para a realidade paulista, segundo a Pesquisa Origem e Destino (OD) 2007, podemos afirmar que mais de 30% das viagens na Região Metropolitana de São Paulo são feitas a pé. Viagens a pé são aquelas que tem por finalidade o local de trabalho e/ou escola independentemente da distância percorrida ou andar 500 metros sem ter a mesma finalidade. Essa pesquisa feita pela Companhia do Metropolitano de São Paulo (METRÔ) mesmo que realizada em 2007, traz muitas informações pertinentes em relação à caminhabilidade. Segundo ela, geralmente as pessoas gastam um tempo médio de 16 minutos no deslocamento a pé e quanto maior a renda mensal familiar, menor é o tempo gasto em viagens a pé.

92


93

Agora, se todos somos pedestres e a RMSP possui quase 20 milhões de habitantes, podemos ter ideia do quanto é imprescindível termos cuidados com a mobilidade urbana a pé. No entanto, o que vemos nas ruas de São Paulo é justamente o contrário. Segundo uma pesquisa da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) divulgada em 2009, 89,6% dos motoristas desrespeitaram a regra de prioridade ao pedestre na faixa. Enquanto que 69,5% dos pedestres sentem-se totalmente desrespeitados pelos motoristas (ROLNIK, 2009). Relatando mais casos que confrontam o papel do pedestre em São Paulo, na via mais letal para os viajantes a pé segundo relatório da CET, o tempo de espera para cruzá-la é de 5 minutos e 25 segundos, ou seja, uma eternidade. O engenheiro civil e especialista em transportes Sérgio Ejzenberg explica que esse tempo é absurdamente inaceitável tendo em vista que o pedestre pode achar que o sinal está quebrado e procurar uma brecha no trânsito intenso de veículos e pode ainda morrer. O engenheiro vai mais além dizendo que para o pedestre, o tempo máximo de espera deveria ser de até no máximo 2 minutos (PORTAL G1, 2016). De todos esses dados e relatos, podemos observar que essas “pequenas” arrogâncias urbanas perante o pedestre levam, infelizmente, à sua própria morte. O relatório anual de 2015 de acidentes de trânsito fatais no munícipio de São Paulo (CET, 2015), mostra que 42,2% das mortes eram pedestres. Um dado ainda mais impactante é que 1,1 pedestre morreu por dia no ano de 2015. “(...) um índice desproporcional à sua presença (dos pedestres) cotidiana nas ruas da cidade, deixando mais do que visível que as condições oferecidas pelos seus espaços públicos ao caminhar, refletem o desprezo e a pouca a importância dada a ele, pouco importando sua massiva presença” (MALATESTA, 2015). Dessa maneira, tento através desse TFG alertar a todos os leitores sobre essa grave situação da qual todos nós fazemos parte e corremos o risco de participarmos desses dados.

área de estudo

o pedestre e a cidade de sp

Após essas chocantes e reais estatísticas em relação aos pedestres, podemos nós mesmos notarmos que muitas das vezes o simples caminhar pelas ruas de São Paulo se torna uma verdadeira epopeia urbana cheia de aventuras e riscos. Ao tentarmos andar pelas calçadas da cidade paulistana, é extremamente comum termos dificuldades no nosso passeio. Se não são causadas pelas “calçadas-rampas’ em frente de todo domicilio, as dificuldades surgem pela dimensão desapropriada ou até mesmo pelos corriqueiros buracos e depressões na calçada. Dessa maneira se torna bem mais seguro tra-

a liberdade dos pés no chão...


Imagens ilustrativas da legislação de calçadas do município de São Paulo. imagem: prefeitura municipal de são paulo

área de estudo

a liberdade dos pés no chão...

o pedestre e a cidade de sp

fegarmos pela rua – mesmo que correndo risco de vida – do que pela própria calçada. Esse problema nós podemos compreender um pouco através da legislação e da ação da Prefeitura Municipal. Segundo a mesma, a manutenção das calçadas é de responsabilidade do proprietário ou responsável pelo imóvel lindeiro a ela. Ou seja, cabe a você cuidar da sua parcela de calçada. Adicionalmente, a maioria de nós cuida dela para os nossos próprios automóveis e assim, rebaixamos a guia em forma de rampa. O pedestre que vem na direção longitudinal ao da entrada dos carros nas casas tem que andar inclinado, podendo até ter que escalar infinitas calçadas-rampas. O que se pergunta agora é, diante desse cenário o que fazem as pessoas com algum tipo de incapacidade locomotora ou os idosos com as suas bengalas ou as mães e os pais empurrando os seus carrinhos de bebês? Eles ficam literalmente sem chão. Em se tratando de lugares com bastante frequência de pessoas como é o caso do Bairro da Liberdade, a regra muda. A Prefeitura deve reformar as calçadas das edificações públicas municipais, adequar as das vidas estruturais (grandes vias de tráfego intenso que foram determinadas no Plano Diretor) e desde janeiro de 2008, “o Executivo Municipal - depois da lei 14.675/08 - também passou a ser responsável por reformar e adequar as calçadas que estejam estipuladas pelas Rotas Estratégicas e de Segurança, que são circuitos determinados em todas as Subprefeituras da cidade que agregam o maior número de serviços, meios de transportes coletivos, circulação de pedestres, hospitais, centros de saúde, escolas e outros equipamentos sociais ou privados. Ou seja, este é um dos mais importantes passos para que a capital se adapte a todas as

94


95

pessoas e possibilite a locomoção de quem tem algum tipo de deficiência ou mobilidade reduzida” (Prefeitura Municipal de São Paulo). Assume-se aqui que o Bairro da Liberdade faça parte dessas Rotas Estratégicas e de Segurança, embora não tenha achado dado oficial em nenhuma das duas Subprefeituras (Sé e Liberdade). Segundo ainda a Prefeitura de São Paulo, todas as calçadas da cidade devem estar adequadas aos padrões municipais que são definidos por legislação. É passível de multa as calçadas fora da norma ou que depois de reformada não forem devidamente cuidadas. No entanto, cabe ressaltar que se a Prefeitura não fiscalizar todas as calçadas da cidade, de nada vale essas regras. As normas incluem: passeio mínimo de 1,20 metros (antes de 90 centímetros); a inclinação transversal da calçada, entre a rua e o imóvel, não pode ser superior a 2%; se houver buracos é aplicável a taxa de R$300/ metro dentro da extensão da calçada e não da dimensão do buraco; como materiais possíveis de empregar, têm-se: concreto armado, moldado in loco, ladrilho hidráulico, concreto estampado ou placas pré-moldadas de concreto.

área de estudo

o pedestre e a cidade de sp

Imagens retiradas do site da prefeitura de São Paulo que ilustram a legislação de calçadas. imagem:prefeitura municipal de são paulo

a liberdade dos pés no chão...


a liberdade dos pés no chão...

área de estudo

o bairro da liberdade

A LIBERDADE DOS PÉS NO CHÃO qual a área de estudo e intervenção?

O BAIRRO DA LIBERDADE

Foto do bairro da Liberdade. imagem: autoria própria

96


97

H

oje, o Brasil é conhecido mundialmente por abrigar a maior população japonesa fora do Japão. De acordo com dados do Governo de São Paulo, a somatória já é de 1,5 milhão de pessoas, sendo que cerca de 1 milhão reside no Estado de São Paulo. Apesar de ter sido inicialmente um processo de difícil assimilação dos nipônicos em terras brasileiras, atualmente, os descendentes de japoneses já se encontram na sua sexta geração. Localizado na área central de São Paulo e fazendo parte do distrito da Sé e da Liberdade ao mesmo tempo, o Bairro da Liberdade é hoje tido como o maior reduto da comunidade japonesa na capital paulista. Apesar da sua grande fama por ser um lugar etnica e culturalmente marcado pela presença desses imigrantes orientais, a Liberdade teve significativa importância histórica para a expansão da cidade de São Paulo três séculos anteriores à chegada das primeiras levas de imigrantes nipônicos no bairro. Era um lugar que fazia parte do trajeto para o caminho que levava ao sul, ou seja, para a região de Santo Amaro e Santos e desde então funcionava como ligação entre o centro histórico urbano (centro velho) e a região sul de São Paulo.

Subprefeitura da Sé

Distrito da Sé Distrito da Liberdade

Mapa do município de São Paulo com destaque para as subprefeituras e os distritos adminitrativos imagem:prefeitura municipal de são paulo edição: autor

o bairro da liberdade

área de estudo

A denominação do bairro de “Liberdade” surgiu a partir de uma reação contrária do povo ao próprio uso local já que durante o período colonial, a região era conhecida como o “Largo da Forca”. Após a ocorrência de vários episódios, o lugar ficou conhecido como “Largo da Liberdade”, permanecendo assim desde então. O que muitas pessoas não sabem é que antes dos imigrantes orientais se instalarem no local, o bairro já continha muita informação histórica representativa para a expansão da cidade de São Paulo. A seguir, há um breve contexto histórico relatando alguns fatos para o desenvolvimento do bairro e a sua importância histórica para a cidade. Em seguida, relatamse como os imigrantes japoneses chegaram ao Brasil e a sua posterior instalação na Liberdade.

a liberdade dos pés no chão...


a liberdade dos pés no chão...

área de estudo

o bairro da liberdade

CONTEXTO HISTÓRICO DO BAIRRO

LARG O

DA FO

RCA

CA

MI

NH

OP AR AS AN

TO A

MA

Mapa da Capital da Província de São Paulo, de 1842, com destaque para a área que viria a ser o bairro da Liberdade, com destaque para o Largo da Forca e o Caminho para Santo Amaro. imagem: arquivo histórico municipal de sp. edição: autor

98

RO


99

A

história do bairro da Liberdade se inicia a partir de meados do século XVII. Apesar de ser totalmente despovoada durante esse começo de século, ela simbolizava o início do caminho que levava ao sul de São Paulo (Santos e Santo Amaro). Dessa maneira, a área ficou por muito tempo caracterizada por caminhos de terra onde passavam gados carregados com os mais variados tipos de produto em direção ao Sul (Jornal Nippo-Brasil, 1999).

área de estudo

Antes da denominação de “Liberdade”, a região era conhecida como o “Largo da Forca”. Isso se deu pelo fato da atual Praça da Liberdade ter sido palco de execuções de penas de morte através de enforcamentos a partir de 1604, quando a forca foi transferida para o local. Assim, o entorno próximo ao largo era marcado por igrejas: a Igreja dos Aflitos (local de prece para as pessoas que aguardavam punição); a Igreja dos Enforcados (local onde os corpos dos enforcados eram velados); e a Igreja das Almas (locas das missas dos condenados); e também marcado por um grande cemitério. Ele foi inaugurado em 1779 e considerado o primeiro cemitério público aberto em São Paulo entre as atuais ruas Galvão Bueno, da Glória e dos Estudantes. Foi utilizado como tal até 1888 quando foi criado o Cemitério da Consolação. A modificação do nome “Largo da Forca” para “Largo da Liberdade” foi realizada em 1821 a partir do episódio do soldado “Chaguinhas”, cuja corda da forca se arrebentou três vezes ao som do povo pedindo clemência e “Liberdade”. Há também outra versão segundo a pesquisadora do Museu da Imigração Japonesa no Brasil, Angelina Obata que diz que o nome do bairro é atribuído também pelo fato de que muitos condenados à forca obtiveram ali a sua “liberdade espiritual” (Jonal Nippo-Brasil, 1999).

o bairro da liberdade

Considerada como uma das poucas vilas localizadas no interior do Brasil (e não no litoral), a Vila de São Paulo pouco prosperou entre 1554 a 1854. Assim, apesar da dinâmica local ser bem fraca na época, as primeiras habitações que surgiram na região da Liberdade foram grandes chácaras e casarões de características tipicamente coloniais. As edificações se localizavam em grandes latifúndios de terra, apresentando longos beirais e enormes quintais. O local desde então passou a se configurar como uma extensão da Sé, ou seja, do centro histórico e também essas primeiras habitações surgiram em decorrência do caminho para o Sul (GUIMARÃES, 1979).

a liberdade dos pés no chão...


área de estudo

a liberdade dos pés no chão...

o bairro da liberdade

A dinâmica urbana do bairro se alterou a partir de 1875 quando a Câmara Municipal de São Paulo pressionou os grandes latifundiários a aproveitarem melhor os seus próprios lotes em decorrência do enorme crescimento populacional observado na cidade. Assim, o órgão municipal inicia uma série de ações como a abertura de ruas, alamedas e largos nesses grandes loteamentos de terra e assim, a sua posterior nomeação e numeração. Guimarães (1979) destaca que isso foi realizado sem qualquer previsão urbanística, pois se deu de acordo com a demanda populacional por novos bairros. Com isso, houve a possibilidade de uma verdadeira ligação interbairros circunvizinhos. 23 anos depois, em 1898, a cidade de São Paulo passou por sensíveis melhoramentos de infraestrutura urbana como obras de saneamento, canalização, fornecimento de água potável, pavimentação das vias e mais novas ruas e avenidas. Tudo isso foi consequência do processo de industrialização paulista decorrente por sua vez, da produção cafeeira (GUIMARÃES, 1979). O que muitas pessoas desconhecem é que antes da instalação dos imigrantes orientais no bairro da Liberdade, houve a predominância dos imigrantes portugueses e italianos no local entre o final do século XIX até 1910. Durante esse período, os imigrantes se instalaram nos mais diversos tipos de habitação da época como os casarões, os sobrados e os palacetes. À medida que foram prosperando economicamente e socialmente, acabavam por procurar outros locais em São Paulo.

100


101

O PROCESSO IMIGRATÓRIO JAPONÊS

área de estudo

Após 52 dias de viagem, 781 pessoas distribuídas em 165 famílias chegavam a um local totalmente diferente da sua terra natal. A maioria deles passou por enormes dificuldades na sua própria adaptação às condições brasileiras. Não estavam acostumados com o clima, a comida e o modo de vida bem como tiveram significativos problemas na comunicação linguística. Logo após a sua chegada, os imigrantes foram designados a várias fazendas cafeeiras nos Estados de São Paulo e Paraná. Os japoneses tinham

Kasato Maru (1908) atracado no Porto de Santos com a primeira leva de imigrantes japoneses no Brasil. imagem: gatebr.com

o bairro da liberdade

1

803 foi o ano em que houve o primeiro registro da presença de japoneses em território nacional. Cabe destacar que vieram a partir do naufrágio do barco Wakamiya Maru e foram resgatados por um navio russo, o qual atracou na Ilha de Nossa Senhora do Desterro na atual Florianópolis, Santa Catarina. No entanto, a imigração japonesa efetiva teve início a partir do firmamento do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre Brasil e Japão em 1895. O Brasil num contexto pós-escravatura se encontrava na necessidade de mão de obra nas fazendas cafeeiras. O Japão por outro lado, necessitava realocar a sua própria população para outro lugar já que se encontrava em situação de profunda crise com um elevado índice demográfico bem como um elevado índice de desemprego. Em decorrência desse tratado, no ano de 1908 atracava-se em Santos o navio Kasato Maru com a primeira leva de imigrantes japoneses em território brasileiro (Jornal Folha de São Paulo, 2015).

a liberdade dos pés no chão...


a liberdade dos pés no chão...

área de estudo

o bairro da liberdade

Uma família de imigrantes japoneses no seu local de trabalho. imagem: oblogdoestagiario.blogspot.com.br

elevada expectativa de enriquecimento e pensavam que a permanência no Brasil seria temporária, pois desejavam retornar ricos ao Japão e realizar as suas próprias vidas por lá. No entanto, as circunstâncias fizeram com que isso não se realizasse já que muitos deles não enriqueceram de forma significativa. Os que conseguiram economizar certa quantia, conseguiram comprar os seus primeiros pedaços de terra a partir de 1911 (Jornal Folha de São Paulo, 2008). Em decorrência dos maus tratos e das más condições de trabalho, muitos japoneses abandonaram as suas próprias fazendas e começaram a procurar outros lugares possíveis para se instalarem. Como muitos vieram em família e puderam também ter no Brasil a primeira geração de descendentes, a maioria dos japoneses havia desistido de voltar ao Japão (Folha de São Paulo, 2008). Assim, a cidade de São Paulo começa a ser visada pelos primeiros imigrantes e descendentes na esperança de acharem um lugar mais próspero.

102


103

A INSTALAÇÃO JAPONESA NO BAIRRO DA LIBERDADE

U

m desses lugares foi o bairro da Liberdade. Em 1910, inicia-se a presença de japoneses no bairro ao mesmo tempo em que se observa a saída dos imigrantes portugueses e italianos do local. Os japoneses percebem que esse lugar mais próspero não existe na capital paulista e quando chegam ao bairro veem nos porões dos grandes e antigos casarões a solução para os seus problemas de habitação. Assim, os porões desocupados dessas construções começaram a ser ocupados rapidamente já que era possível que várias famílias nipônicas dividissem o mesmo local, minimizando dessa maneira, os custos de vida. Esses mesmos casarões, sobrados e palacetes foram transformados posteriormente em pensões, repúblicas e casas de comércio, atraindo cada vez mais os imigrantes japoneses ao local. (GUIMARÃES, 1979).

Ilustração de como era a Rua Conde de Sarzedas entre 1910-194 por Tomoo Handa, um dos primeiros imigrantes japoneses Imagem: HANDA, 1987.

o bairro da liberdade

Aqui, cabe ressaltar a importância das pensões para os imigrantes japoneses. Segundo Handa (1987), a rua Conde de Sarzedas foi o cerne de apropriação dos nipônicos na cidade de São Paulo pois as primeiras pensões e mercearias totalmente japonesas tiveram origem em aproximadamente 1914. Dessa maneira, as primeiras habitações e os primeiros comércios davam as caras no meio urbano e conquistavam cada vez mais imigrantes para o local e também para a proximidade. Um aspecto interessante é que o fato de serem considerados extremamente diferentes dos habitantes nativos de São Paulo, as famílias japonesas se uniram e ajudavam umas às outras de tal forma que isso dava alívio às suas próprias aflições de se sentirem excluídos de uma sociedade inteira.

a liberdade dos pés no chão...


a liberdade dos pés no chão...

área de estudo

o bairro da liberdade

Esse sentimento de identidade de uma nação em terras estrangeiras foi a principal base para a formação de uma verdadeira colônia dentro da cidade de São Paulo e por consequência deixavam marcas de sua cultura no espaço urbano. Em decorrência da eclosão da Segunda Guerra Mundial, o governo brasileiro impediu que os japoneses vivessem totalmente fechados em colônia por poder representar uma ameaça ao país. Assim, iniciou-se uma dispersão dos mesmos em outros territórios localizados na Zona Sul de São Paulo como os bairros da Aclimação e Paraíso (GUIMARÃES, 1979).

Rua Galvão Bueno em 1975, com destaque para o portal japonês “torii”, uma das principais marcas da orientalização do bairro. imagem: portal oriente-se

Rua Galvão Bueno X Rua Américo de Campos, no final da década de 1960 com uma intervenção espacial nipônica. Dança típica japonesa “Bon Odori” no evento “Toyo Matsuri” na Rua Galvão Bueno na década de 1970. imagens: família mizumoto; portal oriente-se

104

O bairro da Liberdade passou por profundas transformações com o advento do metrô na cidade de São Paulo entre as décadas de 1960 e 1970. Em Agosto de 1973 foram finalizadas as obras do metrô e o bairro da Liberdade foi entregue com uma cara totalmente remodelada. Essa remodelação teve início em 1969 quando o governo da cidade decidiu por aplicar um plano de orientalização do bairro, a exemplo da tendência mundial dos bairros “Chinatown” em diversos países. Assim, o local poderia se tornar uma atração turística além de ser marcada fisicamente a consolidação e a assimilação da cultura japonesa em São Paulo. Para tanto, houve a remodelação das fachadas dos edifícios à maneira oriental nipônica, bem como a instalação de elementos visuais característicos e tradicionais da cultura como, por exemplo, os lanternins, os portais e a própria escrita japonesa. Cabe ressaltar que esse plano foi realizado também para tentar minimizar os estragos causados tanto pelo metrô de São Paulo (estações São Joaquim e Liberdade) quanto pela Avenida Radial Leste, elementos urbanos totalmente marcantes no bairro. Guimarães (1979) também destaca que desde essa época o bairro apresentava um dos maiores contingentes de população flutuante como estudantes, professores e comerciantes.


105

área de estudo

Apesar de toda essa significação japonesa no bairro da Liberdade, atualmente ele não é mais dominado e habitado por japoneses. Estes acabaram por se instalar em outros bairros da Zona Sul de São Paulo como Saúde, Vila Mariana e Praça da Árvore. Hoje, a Liberdade é marcada especialmente pela presença de chineses e sul coreanos nas habitações, mas principalmente no comércio local. Apesar de isso ocorrer, os descendentes de japoneses marcam ainda uma significativa presença no bairro como uma população flutuante que se identifica etnica e culturalmente com os atrativos locais. Cabe também ressaltar que a Liberdade possui uma diversidade muito grande contando hoje com bolivianos e angolanos que participam do comércio ambulante do local assim como locais de cultos religiosos fora do âmbito católico e budista como a umbanda e o candomblé. Dessa maneira, podemos observar que o bairro se encontra ainda totalmente ativo e vivo, sendo cenário de vários atores urbanos nessa peça chamada vitalidade urbana.

o bairro da liberdade

O BAIRRO DA LIBERDADE HOJE

a liberdade dos pés no chão...


área de estudo

a liberdade dos pés no chão...

a rua galvão bueno

A LIBERDADE DOS PÉS NO CHÃO qual a área de estudo e intervenção?

A RUA GALVÃO BUENO

106


107

A

Rua Galvão Bueno ganha destaque nesse presente trabalho por ter sido escolhida como área de intervenção do projeto a ser proposto. Com aproximadamente 978 metros de extensão, pode-se considerá-la como uma das ruas mais essenciais do bairro da Liberdade, senão a principal via. É onde aqueles elementos visuais característicos nipônicos se manifestam com a sua força total. Além das lanternas (suzuranto), é o local onde o grande portal vermelho (torii) se faz presente de forma imponente. É uma rua que possui grande vitalidade urbana principalmente em termos econômicos já que a força comercial reside principalmente nela. Ademais, a Galvão Bueno tem por objetivo ligar a Praça da Liberdade com a Rua Tamandaré (mais próxima do metrô São Joaquim).

Por ser tão significativa à vitalidade urbana da Liberdade, a Galvão Bueno hoje necessita de atenção pois ela não suporta a demanda por pedestres principalmente aos finais de semana e eventos. Como várias outras ruas de São Paulo, além dela ser estreita, conta com diversos buracos e outros obstáculos que põe em risco a vida das pessoas. Eu mesmo já presenciei várias pessoas tropeçando e até mesmo caindo sob a sua superfície dura e fria. Esse descaso não somente com os frequentadores do bairro, mas também com a própria cidade de São Paulo se agrava cada vez mais a cada ano que se passa. É importante destacar que as calçadas da Galvão Bueno se encontram sob gestão da Prefeitura Municipal de São Paulo por ser considerada uma Rota Estratégica e de Segurança, determinada por sua vez pela Subprefeitura da Sé. Ao andar por ela, é possível observar que esporadicamente há algumas melhorias. No entanto, são medidas paliativas, do tipo” tapa-buracos” e nunca permanentes que deem real preferência pelo pedestre. Assim, a Rua Galvão Bueno tem urgência em ser adequada já que essa artéria se encontra entupida de veículos que querendo ou não, limitam a vitalidade urbana do bairro e porque não dizer também, de São Paulo.

área de estudo

Imagem de satélite do Bairro da Liberdade com a Rua Galvão Bueno destacada imagem: google earth pro edição: autor

a rua galvão bueno

A seguir, iremos analisá-la de maneira mais profunda através dos levantamentos empíricos realizados com o objetivo de compreender um pouco mais sobre a sua dinâmica e a sua relevância para um projeto urbano de calçada.

a liberdade dos pés no chão...


O PONTAPÉ INICIAL!



levantamentos

da cabeça aos pés...

o pontapé inicial!

O PONTAPÉ INICIAL!

LEVANTAMENTOS

A

credito que qualquer que seja o projeto urbano e arquitetônico que venha ser realizado, é imprescindível observar como funciona a dinâmica desse determinado local. Sem essa análise, que deve se fundamentar nas diversas visitas de observação, um projeto dificilmente terá reais qualidades e usos futuros. Acaba-se enfim projetando a partir de ideias sem realmente perceber como é o dinamismo local e qual é a sua demanda, ou seja, o ego inflado acaba se sobrepondo aos próprios usuários e a própria construção. Dessa maneira, essa parte do trabalho mostra os levantamentos empíricos realizados para juntamente com os levantamentos teóricos e projetuais se solidificarem em uma base concreta para o projeto urbano de calçada no bairro da Liberdade. É importante destacar que esses levantamentos foram realizados in loco, ou seja, indo até ao bairro em vários dias da semana bem como em vários horários do dia. A priorização destes levantamentos foram os pedestres, ou seja, a escala humana. Assim, para tentar compreender um pouco mais a dinâmica atual do bairro, comecei a observar as pessoas e os seus respectivos comportamentos. Acabei percebendo que apesar de cada cidadão possuir a sua própria individualidade, é possível notar que o ser humano acaba se comportando de uma maneira semelhante, isto é, de tão diferentes que somos uns dos outros, acabamos agindo igual. Essas observações se traduziram em mapas e diagramas os quais são apresentados a seguir e as análises conclusivas estão descritas no próximo capítulo. Como forma de organização, separei-os em dois tipos de dinâmicas que se inter-relacionam onde uma dá sustentação a outra. São elas: a dinâmica do bairro e a dinâmica da rua.

A DINÂMICA DO BAIRRO “Os bairros são as regiões médias ou grandes de uma cidade, concebidos como dotados de extensão bidimensional. O observador neles “penetra” mentalmente, e eles são reconhecíveis por possuírem características comuns que os identificam. Sempre identificáveis a partir do lado interno, são também usados para referência externa quando visíveis de fora. Até certo ponto, muitos estruturam sua cidade dessa maneira, com diferenças individuais em suas respostas a quais são os elementos dominantes, as vias ou os bairros. Isso não parece depender apenas do indivíduo, mas também da cidade” (LYNCH, 1997, p.52)

110


111

V

0 10

50

100

200m

levantamentos

o pontapé inicial !

5 20

da cabeça aos pés...


levantamentos

da cabeça aos pés...

o pontapé inicial!

Essa definição de bairro do autor Kevin Lynch (1997), mostra-nos que os bairros possuem características comuns responsáveis pela sua própria identificação. Já vimos que o bairro da Liberdade é fortemente dotado de elementos visuais característicos japoneses o que o torna extremamente fácil de ser limitado. No entanto, é possível afirmar que os bairros em geral não são delimitados fisicamente assim como o são os distritos e as subprefeituras do município de São Paulo. Apesar do bairro da Liberdade possuir as suas tão famosas lanternas japonesas (suzuranto), ele carece de uma limitação física propriamente dita. A Prefeitura de São Paulo estabelece um perímetro e o descreve, mas, todavia, não o limita explicitamente. Diante dessa questão, optei por trabalhar com mapas circulares cujo raio de 500 metros estabelecem a delimitação de uma caminhada leve, tranquila e contempladora e tendo como ponto de referência a Rua Galvão Bueno. E por que os 500 metros? Segundo Gehl (2014), após diversos estudos de vários especialistas não só da área de Arquitetura e Urbanismo, mas de várias disciplinas, chegou-se à conclusão de que a velocidade média do caminhar humano se encontra entre 4km/h e 5km/h. Dada essa velocidade, nós conseguimos percorrer uma distância de 500 metros em aproximadamente 6 minutos e assim, 1 km em 12 minutos. O autor afirma que a distância de até 1 km de extensão pode ser percorrida a pé de forma agradável e não exaustiva. O mais interessante é que a Rua Galvão Bueno possui aproximadamente 978 metros de comprimento, o que a torna propícia para uma intervenção urbana de calçada tendo em vista a caminhabilidade. Outro aspecto a ser levado em conta é que essa velocidade “normativa” diz respeito a adultos aptos física e mentalmente para a caminhada. Vale lembrar que uma criança, um idoso ou uma pessoa com mobilidade reduzida não se encaixam dentro desses padrões. No entanto, por possuírem velocidades diferentes de locomoção é imprescindível que as calçadas acolham essas diversas velocidades determinadas por cada usuário. Dentro dos mapas dessa primeira grande escala de bairro, tem-se os seguintes mapas: mapa ilustrativo de raio 500m; mapa de delimitação do bairro da Liberdade; mapa de organização viária; mapa de mobilidade urbana; mapa de uso do solo e mapa de

112


113

500 metros 5 km/h

V

0 10

50

100

200m

levantamentos

o pontapé inicial !

5 20

da cabeça aos pés...


levantamentos

da cabeça aos pés...

o pontapé inicial!

o bairro da liberdade delimitação

bairro da liberdade

luminárias “suzuranto”

114


115

0 10

50

100

200m

levantamentos

o pontapé inicial !

5 20

da cabeça aos pés...


levantamentos

da cabeça aos pés...

o pontapé inicial!

organização viária logradouro e sentido

sentido da via

116


Corre dor N orteSul

117

Praça da Liberdade

R. Taguá

o

ad R. Conselheiro Furt

R. da Glória R.

im qu oa oJ Sã

R. G licé rio

aquim

0 10

50

100

200m

5 20

levantamentos

o pontapé inicial !

ui

no R. Galvão Bue

R. Taguá

R. Pirapiting

Tam an da

Av. da Li berdade

ia R. da Glór

a ch Ro

R. Bueno de An drade

juí eI od R. Ba rã

eT rês de M

s R. do Lavapé

es

do R. Conselheiro Furta

Av.

a

R. São Jo

R

ira rre Fe sé o .J

i lór

R. Fa gun d

R.

qu im

R. Galvão Bueno

oa

iber dad e

oJ

R. Barão de Iguape R. Barão de Iguape

aG R. d

Vin te

R. dos Aflitos

Av. da

Av. V inte Sã

R. São Paulo

Pça. Almeida Junior

R. Sinimbu

de

cério Viaduto do Gli

R. Lins

da L

ssa

Av. Radial Leste

R. Dr. Lund

R. Mituto Mizumoto

nd e

Junior

R. Thomaz Gonzaga

Av.

Co

Ligação Leste-Oeste

Pça. Almeida

pos R. Américo de Cam

Corre dor N orteSul

R. C ond e de São Jo

aqu

im

e Trê s de

Maio

Rua Jace guai

ai o

R.

R. Galvão Bueno

Liberd ade

Viaduto J aceguai

s R. dos Estudante

da cabeça aos pés...


levantamentos

da cabeça aos pés...

o pontapé inicial!

mobilidade urbana

meios de transporte público

118

linhas de ônibus

linha do metrô

pontos de ônibus

estação do metrô


119

0 10

50

100

200m

levantamentos

o pontapé inicial !

5 20

da cabeça aos pés...


levantamentos

da cabeça aos pés...

o pontapé inicial!

uso do solo tipos de uso

120

residencial

cultura

residencial vertical

alimentação

comercial

religião

misto (residencial + comércio)

saúde

serviço

área verde

institucional

estacionamento

educação

vazio urbano | abandono


121

0 10

50

100

200m

levantamentos

o pontapé inicial !

5 20

da cabeça aos pés...


levantamentos

da cabeça aos pés...

o pontapé inicial!

densidade demográfica habitante/hectare

0-92 hab/ha 92-146 hab/ha 146-207 hab/ha 207-351 hab/ha 351-30346 hab/ha

122


123

0 10

50

100

200m

levantamentos

o pontapé inicial !

5 20

da cabeça aos pés...


levantamentos

da cabeça aos pés...

o pontapé inicial!

A DINÂMICA DA RUA

Após tentar compreender um pouco mais sobre a dinâmica real na escala do bairro, propus-me a fazer o mesmo dentro da escala da Rua, nesse caso da Rua Galvão Bueno. É interessante observar que ao mesmo tempo em que a rua sofre grandes influências do bairro como um todo, ela também acaba influenciando o bairro. É a partir dessa simbiose urbana tida a partir das análises que serão mostradas a seguir que podemos considerar a Galvão Bueno como a artéria principal desse coração chamado Liberdade. Para entendermos essa dinâmica, é necessário estudar a escala da rua estabelecida como a última dimensão horizontal do meio urbano já anteriormente citada. Essa escala é limitada numa distância de 100 metros de extensão pois é o limite em que nós conseguimos enxergar pessoas e objetos em movimento. Assim, é o limite no qual enxergamos pontos de referências bem como pontos de fuga das nossas perspectivas visuais e pessoais (ACTIVE DESIGN, 2013). Tendo em mente atingir uma representação gráfica clara e legível para os leitores, optei por mostrar a rua Galvão Bueno tanto em vista superior, quanto através de uma simples linha na qual se separa o lado par (parcela superior do desenho) do lado ímpar (parcela inferior) da rua. Outro aspecto a se destacar é a metodologia utilizada nesse tipo de estudo. Para facilitar um pouco os levantamentos empíricos, separei a Rua Galvão Bueno em oito áreas de observação. Cada uma delas foi definida por apresentar características urbanas distintas como por exemplo, diferentes usos do solo, alturas de edifícios e fluxos de pedestres. Para também compreender ainda melhor a dinâmica da Galvão Bueno, dividiu-se a análise da rua em três esferas: a esfera urbana, a esfera qualitativa e a esfera quantitativa.

A ESFERA URBANA: Páginas 122-123 Daqui se observam as características de funcionamento urbano da rua. A maioria dos dados foram retirados dos mapas circulares da dinâmica urbana. Diferenciam-se aqui os diagramas de morfologia urbana (alturas de edifício) e dos tipos de estacionamentos (privados e públicos).

124


125

A ESFERA QUALITATIVA: Páginas 124-125 Essa esfera traz uma representação de dados que influenciam a caminhada de forma qualitativa. Ou seja, quão prazeroso é andar pela rua e o quanto o meio físico influencia nesse ato. Aqui, tem-se os diagramas de fachadas ativas, dimensão das calçadas e obstáculos. Cabe ressaltar que a classificação das fachadas ativa, problema e inativa vieram da obra de Jan Gehl (2014). Elas dizem respeito à variedade de estímulos no térreo seja em diferenciações de uso, de materiais e revestimentos, de ritmo construtivo e de pessoas. Já a classificação dos obstáculos entre fixos e móveis se deu através da classificação estabelecida pela Orientadora desse TFG.

A ESFERA QUANTITATIVA: Páginas 126-131

levantamentos

o pontapé inicial !

Após mostrar o resultado das observações in loco urbanas e qualitativas, apresento por fim os levantamentos quantitativos de pedestres. Cabe explicar aqui, a metodologia utilizada para chegar a esses resultados. Para tanto, utilizei-me de uma mesma experiência acadêmica prévia que tive junto ao Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética – LABAUT da FAUUSP. Ela consiste no levantamento de pedestres através de uma contabilização de quantas pessoas passaram por uma linha imaginável perpendicular à direção do tráfego de pedestres por quatro minutos. Ao ter o número total de pessoas, é feita uma média aritmética dividindo-se pelo número de minutos. Dessa maneira, chega-se a média estimada de quantos pedestres circulam por minuto em cada área de estudo. É importante destacar também que esses levantamentos foram feitos em três cenários diferentes: dia de semana, final de semana e dia de evento. Para cada cenário, fez-se levantamento por horário a cada três horas. Assim, tem-se os horários: seis da manhã, nove da manhã, meio-dia, três da tarde, seis da noite e nove da noite. Em dias de evento, o levantamento se reduziu aos horários dos mesmos.

da cabeça aos pés...


área 01

da cabeça aos pés...

levantamentos

o pontapé inicial!

área 02

área 03

área 04

área 05

área 06

área 07

RUA GALVÃO BUENO: 957.29 metros

morfologia urbana altura dos edifícios 1-2 andares

lado par

3-5 andares 6-10 andares

lado ímpar

11-16 andares 16-25 andares

uso do solo tipos de uso

misto

cultura

serviço

institucional

comercial

educação

residencial vertical

hospital

alimentação

estacionamento

lado par lado ímpar

R. Fagundes

R. Thomaz Gonzaga

mobilidade urbana transporte urbano

sentido da via

ponto de ônibus

lado par

via ortogonal e sentido

estação liberdade do metrô

lado ímpar

trajeto e sentido do ônibus

126

4114-10

4114-31

R. São Joaquim

R. Barão de Iguape

R. Américo de Campos

R. dos Estudantes

área 08


127

lado par

densidade demográfica hab/ha

lado ímpar

600 500 400 300 200 100 0 100 200 300 400 500 600

0-92 hab/ha 92-146 hab/ha 146-207 hab/ha 207-351 hab/ha 351-30346 hab/ha

lado par lado ímpar

áreas verdes arborização viária

lado par lado ímpar

estacionamento

G

tipos

G garagem

idoso

G G

G

G

G G

G

G

lado par

deficiente

permitido

motocicleta

zona azul

caminhão

táxi

ambulância

lado ímpar

G G

G G G

G G

G

G

G

G G G

G

o pontapé inicial !

privado

G

G da cabeça aos pés...


da cabeça aos pés...

levantamentos

o pontapé inicial!

área 01

área 02

área 03

área 04

RUA GALVÃO BUENO: 957.29 metros

fachadas ativas e fachadas-problema

lado par

fachada ativa

lado ímpar

fachada monótona fachada inativa

metros

lado par

dimensão das calçadas medida em metros

4,00 3,75 3,50 3,25 3,00 2,75 2,50 2,25 2,00 1,75 1,50

RUA

lado ímpar

1,50 1,75 2,00 2,25 2,50 2,75 3,00 3,25 3,50 3,75 4,00 metros

128

área 05

área 06

área 07

área 08


129

templo da associação budista

UNICSUL

edifícios notáveis

museu da imigração japonesa sociedade brasileira palácio dos trabalhadores de cultura japonesa (sindicatos) (BUNKYO)

largo da pólvora

praça da liberdade

lado par lado ímpar

FMU

hospital bandeirantes

capela n. senhora dos aflitos (IPHAN)

1a D.P. - sé

associação comercial de sp - distrital sé

obstáculos fixos e móveis buracos e depressões

poste eletricidade

saliências e degraus

poste iluminação

árvores

poste semafóro

lixeiras

poste sinalização

bancas de jornal

orelhão

ponto de táxi

ponto de ônibus

área 01

área 02

área 03

área 04

área 05

área 06

área 07

área 08

o pontapé inicial !

vendedores ambulantes

da cabeça aos pés...


da cabeça aos pés...

o pontapé inicial! área 01

área 02

área 03

área 04

área 05

área 06

área 07

área 08

RUA GALVÃO BUENO: 957.29 metros

lado par lado ímpar

6h (seis horas da manhã) dia de semana

pessoas/minuto

12

8

8

8

7

7

9

15

20

13

16

12

11

12

15

24

25

18

15

18

20

22

25

30

200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

9h (nove horas da manhã) dia de semana

pessoas/minuto 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

12h (meio-dia) dia de semana

pessoas/minuto 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

área 01

130

área 02

área 03

área 04

área 05

área 06

área 07

área 08

*escalas humanas desenhadas por Lizzy Stewart (About Today)


131 área 01

área 02

área 03

área 04

área 05

área 06

área 07

área 08

RUA GALVÃO BUENO: 957.29 metros

lado par lado ímpar

15h (três horas da tarde) dia de semana

pessoas/minuto

10

5

7

10

17

18

22

25

20

11

9

12

10

15

27

35

11

3

3

5

4

6

10

12

200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

18h (seis horas da noite) dia de semana

pessoas/minuto 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

21h (nove horas da noite) dia de semana

pessoas/minuto

área 01 *escalas humanas desenhadas por Lizzy Stewart (About Today)

área 02

área 03

área 04

área 05

área 06

área 07

o pontapé inicial !

200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

área 08

da cabeça aos pés...


da cabeça aos pés...

o pontapé inicial! área 01

área 02

área 03

área 04

área 05

área 06

área 07

área 08

RUA GALVÃO BUENO: 957.29 metros

lado par lado ímpar

6h (seis horas da manhã) final de semana

pessoas/minuto

1

1

1

1

2

6

9

12

2

5

10

18

24

25

36

75

5

10

35

47

61

75

85

175

200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

9h (nove horas da manhã) final de semana

pessoas/minuto 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

12h (meio-dia) final de semana

pessoas/minuto 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

área 01

132

área 02

área 03

área 04

área 05

área 06

área 07

área 08

*escalas humanas desenhadas por Lizzy Stewart (About Today)


133 área 01

área 02

área 03

área 04

área 05

área 06

área 07

área 08

RUA GALVÃO BUENO: 957.29 metros

lado par lado ímpar

15h (três horas da tarde) final de semana

pessoas/minuto

5

5

43

52

78

90

130

195

3

1

17

39

60

89

117

139

1

1

7

16

20

21

25

50

200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

18h (seis horas da noite) final de semana

pessoas/minuto 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

21h (nove horas da noite) final de semana

pessoas/minuto

área 01 *escalas humanas desenhadas por Lizzy Stewart (About Today)

área 02

área 03

área 04

área 05

área 06

área 07

o pontapé inicial !

200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

área 08

da cabeça aos pés...


134

levantamentos

da cabeça aos pés...

o pontapé inicial!


135 área 01

área 02

área 03

área 04

área 05

área 06

área 07

área 08

RUA GALVÃO BUENO: 957.29 metros

lado par lado ímpar

12h (meio-dia) dia de evento

pessoas/minuto

1

2

6

16

75

128

103

123

7

20

43

81

189

178

161

204

5

8

22

43

148

130

139

125

200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

15h (três horas da tarde) dia de evento

pessoas/minuto 200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

18h (seis horas da noite) dia de evento

pessoas/minuto

área 01 *escalas humanas desenhadas por Lizzy Stewart (About Today)

área 02

área 03

área 04

área 05

área 06

área 07

o pontapé inicial !

200 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0

área 08

da cabeça aos pés...



AOS PÉS...

DA CABEÇA

POR UMA LIBERDADE A PÉ!


o projeto

da cabeça aos pés...

por uma liberdade a pé!

DA CABEÇA AOS PÉS...POR UMA LIBERDADE A PÉ! DIRETRIZES PROJETUAIS

A

partir de um extenso trabalho de coletar as informações mais imprescindíveis acerca do pedestre, pude dar forma ao alicerce em que o projeto urbano desse TFG se apoia. Toda essa base concreta e sólida demorou para chegar a esse ponto e reconheço que por se tratar de um tema tão complexo e pertinente, ela ainda é passível de mutação contínua. Mas por quê? Porque ao lidar com o tema de pedestres, na verdade estamos lidando com nós mesmos como cidadãos. Apesar de ainda não termos manifestado quaisquer tipos de poder sobrenatural somos passíveis de mutação contínua em relação ao nosso próprio comportamento urbano. Acredito também que ter que lidar com nós mesmos nesse nosso papel de seres humanos é o objetivo da Arquitetura e do Urbanismo. Diante dessa imensidão de informações coletadas tanto dos levantamentos teóricos e práticos como também dos levantamentos empíricos, pude ver o quão importante é a vivência do cotidiano urbano para um projeto desse tipo. Agora, é chegado o momento de eu tentar retribuir uma gentileza para o meio em que não só eu, mas todos vivem. É chegado o momento da parte “da cabeça aos pés: por uma liberdade a pé!”.

Diagrama ilustrativo com as diretrizes projetuais da escala urbana. imagem: autoria própria

138

Começo aqui com uma breve explicação das diretrizes projetuais que guiaram o projeto urbano de calçada. Foi somente após consolidar todas as informações e conhecimentos adquiridos dos levantamentos que pude organizar o direcionamento projetual, que por sua vez, divide-se em duas grandes escalas: a escala da cidade e a do pedestre. Vimos anteriormente que muitos autores afirmam que para resgatar a vitalidade urbana de uma cidade é necessário da caminhabilidade. No entanto, sozinha, esta não se sustenta para tal finalidade. Isso porque a cidade é um organismo vivo e complexo onde é preciso de certas variáveis que juntas se tornam poderosa força vital. Dessa maneira, para que a caminhabilidade possa trazer a vitalidade urbana é imprescindível criar um ambiente que seja de uso misto, compacto, denso e interligado com transporte público. Para nós como pedestres, é de extrema importância que sejamos estimulados a curtas distâncias. Um lugar onde há uma série de diferentes estabelecimentos organizados de forma ritmada e variada ao nível dos olhos, ou seja, do térreo, cria um forte estímulo para que andemos prazerosamente e não por mera obrigação. É importante também que a caminhada não seja exaustiva fisicamente, pois longos caminhos nos desestimulam a andar. E que sempre possua pessoas, afinal quanto mais pessoas diferentes, melhor. Não esquecendo também de dispor de alternativas de locomoção, de preferência por pontos intermodais públicos. Cria-se assim, uma esfera urbana.


139

USO MISTO

térreo permeável + fachada ativa

COMPACTO redução de distâncias materiais e imateriais

DENSO

MOBILIDADE conectividade intermodal pública da malha urbana

por uma liberdade a pé!

mais pessoas habitando

da cabeça aos pés...


PRAZER

CONFORTO

PROTEÇÃO

da cabeça aos pés...

o projeto

por uma liberdade a pé!

140

PROTEÇÃO CONTRA O TRÁFEGO E ACIDENTES SENSAÇÃO DE SEGURANÇA

PROTEÇÃO CONTRA O CRIME E A VIOLÊNCIA SENSAÇÃO DE SEGURANÇA

PROTEÇÃO CONTRA EXPERIÊNCIAS SENSORIAIS DESCONFORTÁVEIS

- proteção aos pedestres - eliminar o medo do tráfego

- ambiente público cheio de vida - olhos na rua - sobreposição de funções de dia e à noite - boa iluminação

- vento - chuva - frio/calor - poeira, barulho, ofuscamento

OPORTUNIDADES PARA CAMINHAR

OPORTUNIDADES PARA PERMANECER EM PÉ

OPORTUNIDADES PARA SENTAR-SE

- espaço para caminhar - ausência de obstáculos - boas superfícies - acessibilidade para todos - fachadas interessantes

- efeito de transição: zonas atraentes para permanecer em pé - apoios para pessoas em pé

- zonas para sentar-se - tirar proveito das vantagens: vista, sol, pessoas - bons lugares para sentar-se - bancos para descanso

OPORTUNIDADES PARA VER

OPORTUNIDADES PARA OUVIR E CONVERSAR

OPORTUNIDADES PARA BRINCAR E EXERCITAR-SE

- distâncias razoáveis para observação - linhas de visão desobstruídas - vistas interessantes - iluminação (quando escuro)

- baixo níveis de ruído - lmobiliário urbano com disposição para paisagens e para conversas

- convites para criatividade, atividade física, ginástica e jogos - durante o dia e à noite - no verão e no inverno

ESCALA

OPORTUNIDADES DE APROVEITAR OS ASPECTOS POSITIVOS DO CLIMA

EXPERIÊNCIAS SENSORIAIS POSITIVAS

- edifícios e espaços projetados de acordo com a escala humana - escala da baixa velocidade - escala vertical baixa - escala horizontal ritmada

- sol | sombra - calor | frescor - brisa

- bom projeto e detalhamento - bons materiais - ótimas vistas - árvores, plantas e água


141

Agora o mais interessante disso tudo é que lugares como o descrito acima já existem em várias partes do mundo. E a Liberdade, em especial a Rua Galvão Bueno já apresenta muito desses quesitos, o que a torna muito propícia a receber um projeto urbano de calçada. O que falta a esse lugar é que ele ofereça mais oportunidades para os pedestres usufruírem mais o “estar” ao “passar”. Há ainda certas arrogâncias urbanas físicas e mentais aos pedestres que foram detectadas e que podem ser revertidas. Assim, precisamos torna-la uma rua que permita ser degustada ao nível dos olhos.

Essa tabela ao lado tem autoria de Gehl (2014) e foi adaptada visualmente para esse trabalho. Os critérios que estão contidos nela se referem a como melhorar uma determinada paisagem em prol do pedestre. Assim eles se acham divididos em três grandes subgrupos: critérios de proteção, conforto e prazer. É interessante observar que entram neles questões acerca dos nossos próprios sentidos que por sua vez, acham-se diretamente interligados com os processos de percepção espacial. Outro ponto a ser destacado é que esses subgrupos estão organizados também de forma prioritária, ou seja, segundo Gehl (2014) e os demais autores, o primeiro quesito a ser satisfeito é em relação à segurança do pedestre. Garantir que o nosso caminho como pedestres seja livre de interferências físicas, mentais ou psicológicas, é a primeira coisa a ser trabalhada. Em seguida, devemos garantir o conforto do lugar perante nós, isto é, conforto de poder escolher livremente e sem pressão o que podemos fazer no meio urbano. Assim,

Diagrama com a lista de 12 critérios de qualidade com respeito à paisagem do pedestre. fonte e autoria: GEHL, 2014, p.239 edição e adaptação: autor

o projeto

por uma liberdade a pé!

Para chegarmos nisso, basta atentarmos para o nosso próprio corpo humano e estudarmos como percebemos o espaço. As sensações derivadas desse processo perceptivo possuem enorme influência nessa nossa degustação urbana pelas ruas de uma cidade. Ela pode se tornar em algo belo e prazeroso, mas ao mesmo tempo pode vir cair no nosso desgosto. Com isso em mente, nada melhor que utilizar-me dos conceitos e conselhos expostos na obra do arquiteto e urbanista Jan Gehl (2014). Ao final de seu livro “Cidade para pessoas”, o autor dispõe gentilmente a qualquer leitor de uma caixa de ferramentas na qual insere vários conselhos e sugestões de como criar cidades para pessoas. Utilizo-me aqui da seção intitulada “A cidade ao nível dos olhos: doze critérios de qualidade” em que Gehl faz um apanhado geral de doze diretrizes para que um espaço urbano se torne mais funcional em termos de qualidade. É interessante que essas doze diretrizes resumem também as sugestões dos outros autores que buscam uma cidade mais viva como os já citados nesse trabalho: Jane Jacobs, Richard Rogers e Jeff Speck. Assim, se eles mesmos convergem para esses critérios, é sinal de que esses mesmos critérios devem realmente ser utilizados como base projetual para qualquer intervenção urbana de qualquer escala, afinal cada um dos autores possui uma enorme vivência e experiência teórica e prática sobre o assunto.

da cabeça aos pés...


o projeto

da cabeça aos pés...

por uma liberdade a pé!

depois de nos sentirmos seguros, podemos então nos sentirmos confortáveis se, e somente se, o ambiente te permitir. Concomitantemente ao processo de conforto, trabalha-se também o processo de atração de pessoas ao lugar, já que o ser humano gosta de ver e ser visto por outros. Dessa maneira, parte-se por fim para o último critério que também pode ser o primeiro. Explicando melhor, Gehl (2014) diz que o subgrupo do prazer está atrelado às ações da arquitetura e do design e, portanto, não podem ser trabalhadas isoladamente. Ambas as disciplinas necessitam dos demais subgrupos e de todos os critérios destacados para então serem trabalhados de forma a criar experiências estéticas bem como impressões sensoriais agradáveis. Assim, as diretrizes projetuais desse TFG se baseiam basicamente nessas duas escalas anteriormente descritas que apesar de serem diferentes, elas se complementam. Ou seja, procurei trabalhar tanto com a dinâmica urbana como também com os critérios de qualidade para o pedestre segundo o que foi exposto anteriormente. A partir da consolidação das diretrizes projetuais expostas, tem-se uma breve análise da Rua Galvão Bueno e do Bairro da Liberdade.

O PROJETO

ONDE?

Funcionando como a principal artéria do corpo humano, a Rua Galvão Bueno hoje tem por função primordial oxigenar o Bairro da Liberdade. Diante de sua significativa extensão - de quase um quilômetro e de sua enorme diversidade de uso, essa via liga a Praça da Liberdade com a Rua Tamandaré. Além de funcionar como elo de ligação, funciona também como palco para os pedestres andarem já que conta com diversos dos principais estabelecimentos do bairro. São lojas, restaurantes, agências bancárias, instituições, residências, universidades, hospital, centro cultural, entre outros tipos de uso e atividades. Possui em sua maioria uma densidade significativa e não conta com muitos edifícios verticais. Ou seja, sua dinâmica se assemelha um pouco com o caso de Stroget em Copenhague, Dinamarca. Assim, podemos observar que muito da oxigenação do bairro se dá por causa disso tudo, pois essa rua traz vida à dinâmica do local. Acredito que seja impossível uma pessoa que tenha visitado a Liberdade não ter pisado e caminhado pela Galvão Bueno. No entanto, qualquer pessoa que hoje se disponha a estar nela sofre duros estresses e sensações nada agradáveis. Como a comparação do início desse texto, o diagnóstico atual da rua é de entupimento severo da artéria.

142


143

POR QUÊ?

Hoje, o que vemos na Galvão Bueno são carros ocupando a rua e pessoas se amontoando em calçadas que se tornam cada vez mais estreitas. Não foi à toa que os levantamentos no local acabaram nos revelando certos dados incríveis em relação ao passeio do pedestre. Chegar a um nível de se ter 204 pessoas transitando na rua a cada minuto que se passa, não é algo a ser ignorado. Apesar de esse ser o maior número de pedestres por minuto dentro de todos os levantamentos, cabe ressaltar que a rua estava totalmente bloqueada para os automóveis já que era dia de evento. Em dias em que apenas as calçadas se encontravam como único meio de transição para os pedestres, obteve-se o número de 195 pessoas transitando por minuto. Ou seja, um número bem semelhante ao do dia de evento, mas com 7 metros a menos à disposição dos pedestres. Dessa maneira, à primeira vista, pode-se entender que a gravidade desse problema urbano resida dentro desse conflito entre automóveis e seres humanos. Não é à toa que a pertinência desse projeto seja justamente oferecer uma das possibilidades de se reverter esse quadro clínico totalmente grave. Dado o enorme potencial da Galvão Bueno para a vitalidade urbana da Liberdade, é imprescindível que nós nos permitamos a gostar de andar por suas calçadas. Com mais gente e menos agressões físicas e mentais, é possível potencializar ainda mais a capacidade de a rua gerar mais vida para o bairro. Para isso, basta o ambiente possibilitar esse caminho de mudança e é a partir desse ponto que apresento o projeto urbano de calçada na rua Galvão Bueno.

o projeto

por uma liberdade a pé!

ANÁLISE

Analisando a Rua Galvão Bueno ainda mais em sua profundidade e extrapolando a análise quantitativa para uma análise qualitativa das calçadas, podemos perceber que o problema em questão não reside 100% em cima dos automóveis. Há uma grave má distribuição dos pedestres ao longo da rua. Todos se concentram e se amontoam entre as áreas 5 e 8, que ficam entre a Rua Américo de Campos e a Praça da Liberdade, respectivamente. Contudo, não é culpa dos pedestres. Ao analisarmos qualitativamente o passeio ao longo da Galvão Bueno, podemos perceber que ela é bem rica dentro dessas áreas citadas, mas bem pobre fora delas. Através dos diagramas expostos anteriormente é possível observar que entre as áreas 1 e 4 não há tantas fachadas ativas ao mesmo tempo em que as dimensões das calçadas são menores. Além disso os estabelecimentos são em sua maioria de caráter privado, fazendo com que não haja real

da cabeça aos pés...


o projeto

da cabeça aos pés...

por uma liberdade a pé!

interesse por parte dos pedestres. O problema é que a minoria pública fica comprometida em termos de frequência. Assim, a Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social (BUNKYO), o Museu da Imigração Japonesa e alguns templos budistas (localizados na área 2) se tornam subutilizados, pois muitos visitantes do bairro não sabem sequer da existência desses lugares. Ao mesmo tempo, podemos observar que o bairro da Liberdade necessita de um resgate histórico também. A representatividade nipônica no bairro pode ser exageradamente explícita através dos elementos urbanos, mas falta mostrar as pessoas o real significado que o bairro teve para os próprios imigrantes japoneses. É por tal maneira que esse trabalho fez questão de mostrar o processo de apropriação espacial pelos japoneses. É preciso aliar a qualidade de passeio do pedestre com o valor histórico do cenário no qual ele está inserido.

MEMORIAL

Diante dessas questões, o projeto tem como objeto as calçadas da Rua Galvão Bueno, localizada no Bairro da Liberdade, e tem como objetivo promover um resgate da vitalidade urbana através das pessoas, do ambiente e da história do bairro. Por tal razão, o produto desse TFG pode ser considerado como um projeto urbano de requalificação das calçadas tendo como foco a ergonomia com qualidade sócio urbana, ambiental e histórica. O projeto em si prevê três etapas de ação que por sua vez, foram classificadas de acordo com a definição dos polos de atração. Estes foram determinados através da vivência in loco tida a partir das observações dos pedestres, já que os próprios destinos das pessoas mostram muito sobre o uso da rua. A partir disso, criou-se o mapa de uso do solo e assim, pela predominância de certos tipos de estabelecimentos em dadas alturas da Galvão Bueno, definiu-se então os polos de atração de pedestres. São eles: polo comercial, polo gastronômico, polo do cotidiano (residencial), polo cultural-histórico e polo institucional-educacional. Estabeleceram-se assim três etapas de execução do projeto de acordo com a intensidade de atração pedestriana: Diagrama ilustrativo com as delimitações dos polos de atração de pedestres, bem como das etapa projetuais de intervenção imagem: autoria própria

144

- ETAPA 1: polos comercial e gastronômico - ETAPA 2: polos do cotidiano e cultural-histórico - ETAPA 3: polo institucional-educacional


145

uso do solo tipos de uso

cultura

serviço

institucional

comercial

educação

residencial vertical

hospital

alimentação

estacionamento

POLO COMERCIAL

ETAPA 1

misto

POLO GASTRONÔMICO

ETAPA 2

POLO RESIDENCIAL

ETAPA 3

POLO INSTITUCIONAL EDUCACIONAL

por uma liberdade a pé!

POLO CULTURAL HISTÓRICO

da cabeça aos pés...


o projeto

da cabeça aos pés...

por uma liberdade a pé!

Dentro de cada etapa instituíram-se também fases de intervenções urbanas conforme os prazos de ação. São eles:

FASE A: CURTO PRAZO (IMEDIATO)

- OBJETIVO: Alertar as pessoas para a importância da DESACELERAÇÃO dos veículos em prol dos pedestres.

- AÇÕES: Obras de correções das “arrogâncias urbanas” perante o pedestre dentro de cruzamentos *Travessia elevada: com essa gentileza urbana se reverte a arrogância do pedestre ter que atravessar a rua descendo e subindo a guia. Para uma pessoa de mobilidade reduzida, ter que descer e subir a guia ao atravessar a rua rapidamente é extremamente desgastante. Concomitantemente, desacelera-se a velocidade dos automóveis quando esses atravessam as vias. *Extensão do meio-fio: através dessa extensão da calçada para dentro da faixa de rolamento, nesse caso para a faixa destinada ao estacionamento público, e limitada primeiramente aos cruzamentos entre vias, consegue-se ampliar a visibilidade do pedestre, diminuir a distância e assim o tempo de cruzamento a pé e também reduzir a velocidade dos automóveis que passam. *Semáforo de pedestres: uma mudança em como o pedestre é informado para atravessar a rua, pode gerar uma gentileza simples e fácil de execução. Ao invés do semáforo sinalizar às pessoas com aquele vermelho piscando que de repente para de piscar, ele poderia informar o tempo restante para a travessia.

FASE B: MÉDIO PRAZO (BREVE)

- OBJETIVO: Alertar as pessoas para PRIORIZAÇÃO dos pedestres dentro do meio público.

- AÇÕES: Alteração da dimensão das calçadas + redução da disponibilidade de vias para o automóvel Parte-se então para um aumento das calçadas expandindo totalmente em direção à faixa pública de estacionamento (zona azul). Resta então ao motorista apenas uma faixa de transição e nenhuma de permanência, sendo o contrário para o pedestre, que encontra muito mais espaço útil para as suas caminhadas e é estimulado a vivenciar o local.

146


147

Instalação de mobiliário urbano de permanência

O que falta hoje na Liberdade é espaço para permanecer no local confortavelmente. Ampliando as calçadas, tem-se uma oportunidade para estimular o pedestre a ficar no bairro seja descansando, seja contemplando a paisagem urbana.

FASE C: LONGO PRAZO (FUTURO)

- OBJETIVO: OCUPAÇÃO total do pedestre no meio urbano

- AÇÕES: Elevação da via dos automóveis e limitação dos mesmos em determinados dias e horários Elevando a via de automóveis para o nível das calçadas, tem-se um amplo espaço para ocupação pedestriana. Ao limitar o tráfego de veículos em determinados dias e horários, o pedestre se acha livre de preocupações quanto a ser atropelado e pode desenvolver atividades dentro do meio urbano

Instalação de mobiliário urbano de prazer

o projeto

por uma liberdade a pé!

É nessa etapa que podemos deixar a disposição do pedestre, oportunidades para eles mesmo gerarem atividades urbanas no espaço. Ao implantar mobiliários urbanos leves e não permanentes, as pessoas podem usá-los conforme os seus desejos e as suas necessidades. Coloca-se também mobiliário verde que delimita a calçada na área destinada ao tráfego de veículos para funcionar como a faixa livre, ou seja, desimpedida de obstáculos físicos.

da cabeça aos pés...


ru a am ér ico de ca m po s O

ru a ga l vão b ue no O

ru a ga l vão b ue no

148

por uma liberdade a pé!

rua dos estud antes

esc ala 1:5 00

da cabeça aos pés...


149

ru a am ér ico de ca m po s

FASE B FASE A A

B

C

ru a ga l vão b ue no A

B

C

esc ala 1:5 00

por uma liberdade a pé!

rua dos estud antes

FASE C FASE B

da cabeça aos pés...


o projeto

da cabeça aos pés...

por uma liberdade a pé!

PROGRAMA LIBERDADE A PÉ!

Além dessas etapas, formaliza-se através desse projeto de TFG o programa denominado “Liberdade a pé!”. Muito comum em algumas ruas de São Paulo, o programa tem por objetivo fazer parte de outro maior chamado de “Rua Aberta para Lazer” da Prefeitura Municipal de São Paulo. O seu objetivo é estimular caminhabilidade e a ocupação total dos pedestres em vias que normalmente trafegam os automóveis para assim potencializar e dinamizar a vida urbana de São Paulo. Trazendo para o bairro da Liberdade o programa seria também muito propício já que aos feriados e finais de semana ocorrem as feirinhas da Liberdade onde produtos e comidas de diversas origem se encontram em um mesmo local. É importante salientar que o Liberdade a pé! também acompanha as fases de intervenção urbana citadas acima: - Fase A – curto prazo (imediato) Programa limitado às ruas Galvão Bueno e Américo de Campos aos Domingos das 9h da manhã às 16h da tarde - Fase B –médio prazo (breve) Ruas Galvão Bueno X Barão de Iguape, Sábado, Domingo e Feriados das 9h da manhã às 16h da tarde - Fase C – longo prazo (futuro) Ruas Galvão Bueno X Barão de Iguape, Sábado, Domingo e Feriados das 9h da manhã às 21h da tarde

150


151

OBSERVAÇÕES DE PROJETO

ETAPA 1

ETAPA 2

ETAPA 3

POLOS

Comercial / Gastronômico

Residencial / CulturalHistórico

Institucional / Educacional

1º MOMENTO

FASE A

2º MOMENTO

FASE B

FASE A

3º MOMENTO

FASE C

FASE B

FASE A

4º MOMENTO

BUFFER ZONE Observação da implantação das fases

BUFFER ZONE Observação da implantação da fase

OBSERVAÇÃO

MORADORES Não há como proibir o acesso de veículos de residentes. São muitos edifícios residenciais verticais e densos

FINAL DE SEMANA Não há atrativos aos finais de semana nessa região EDUCAÇÃO: Seg – Sáb SERVIÇOS: Seg – Sex

Tabela com o plano de ação do projeto urbano de calçada proposto por esse TFG. fonte: autoria própria

o projeto

por uma liberdade a pé!

Saliento aqui algumas observações dentro da dinâmica do projeto a ser estabelecido. Ao separar a Galvão Bueno em polos e, por conseguinte, em etapas de execução projetual, acabei dando prioridade para trabalhar primeiramente com as áreas de extrema frequência de pedestres (polos comercial e gastronômico). Ao pensar nas demais áreas, acabei refletindo se o projeto teria a mesma eficácia. A conclusão que cheguei foi que o projeto deve ser realizado aos poucos, sempre observando se está funcionando em termos de estimular os pedestres a ultrapassarem as atividades de permanência. Ao criar a Fase C, tem-se em mente que dentro da Etapa 2 que abrange o polo do cotidiano, ou seja, das residências, encontrar-se-ia extrema resistência dos moradores já que os mesmos necessitam dos seus veículos para chegarem ou saírem da sua casa. Outra questão se refere ao projeto chegar até a Fase C da Etapa 3. Essa é área dos polos institucional e educacional que não oferecem quaisquer tipos de atração para os pedestres. Assim, antes de implantar essa etapa, seria necessário remanejar os seus usos, criando novos edifícios que atraiam as pessoas para o local. Foi por tal razão que o projeto chega apenas à Fase C da Etapa 1, sendo as demais fases e etapas postas para sugestão em termos de projeto, já que é necessário avaliar a real eficácia do mesmo para esses locais.

da cabeça aos pés...


da cabeça aos pés...

o projeto

por uma liberdade a pé!

ETAPA 1 - FASE A ANTES

CORTE O-O 0

1

2,5

*escalas humanas desenhadas pelo VectorOpenStock.com

152

5

10m


da cabeça aos pés...

por uma liberdade a pé!

*carros e escalas humanas desenhadas pelo freepik.com

153


da cabeça aos pés...

o projeto

por uma liberdade a pé!

ETAPA 1 - FASE A DEPOIS

CORTE A-A 0

1

2,5

*escalas humanas desenhadas pelo VectorOpenStock.com

154

5

10m


da cabeça aos pés...

por uma liberdade a pé!

*carros e escalas humanas desenhadas pelo freepik.com

155


o projeto

da cabeça aos pés...

por uma liberdade a pé!

ETAPA 1 - FASE B ANTES

156


da cabeça aos pés...

por uma liberdade a pé!

*carros e escalas humanas desenhadas pelo freepik.com

157


da cabeça aos pés...

o projeto

por uma liberdade a pé!

ETAPA 1 - FASE B DEPOIS

CORTE B-B 0

1

2,5

*escalas humanas desenhadas pelo VectorOpenStock.com

158

5

10m


da cabeça aos pés...

por uma liberdade a pé!

*carros e escalas humanas desenhadas pelo freepik.com

159


o projeto

da cabeça aos pés...

por uma liberdade a pé!

ETAPA 1 - FASE C ANTES

160


*carros e escalas humanas desenhadas pelo freepik.com


*carros e escalas humanas desenhadas pelo freepik.com


*carros e escalas humanas desenhadas pelo freepik.com


da cabeça aos pés...

o projeto

por uma liberdade a pé!

ETAPA 1 - FASE C DEPOIS

CORTE C-C 0

1

2,5

*escalas humanas desenhadas pelo VectorOpenStock.com

164

5

10m


*carros, escalas humanas, cadeiras e plantas desenhadas pelo freepik.com


*carros, escalas humanas, cadeiras e plantas desenhadas pelo freepik.com


*carros, escalas humanas, cadeiras e plantas desenhadas pelo freepik.com


168


AOS PÉS...


considerações

aos pés...

“Os pontos centrais são respeito pelas pessoas, dignidade, entusiasmo pela vida e pela cidade como lugar de encontros. Nesses quesitos, não existem grandes diferenças entre os sonhos e desejos das pessoas nas várias partes do mundo. Os métodos para tratar essas questões também são surpreendentemente similares, porque tudo se resume às pessoas, que têm os mesmos pontos básicos de partida. Todas as pessoas têm em comum os aparelhos locomotor e sensorial, opções de movimento e padrões básicos de comportamento. Em mais larga medida do que conhecemos hoje, no futuro o planejamento urbano deve começar com as pessoas. É barato, simples, saudável e sustentável construir cidades para as pessoas – bem como é uma política óbvia para atender aos desafios do século XXI. Já está mais do que na hora de redescobrirmos a dimensão humana no planejamento urbano – no mundo todo” Jan Gehl Cidades para pessoas, 2014, p.229

170


171

AOS PÉS... CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que todos nós acabamos nos esquecendo é que no fim, todos somos pedestres. É com o final do início desse Trabalho Final de Graduação que eu abro as considerações finais. Não trago aqui conclusões objetivas e simplesmente feitas, mas sim, reflexões acerca de nós mesmos como seres humanos, como pedestres e por fim, como cidadãos de uma cidade. Acredito que o objetivo principal desse TFG seja despertar em nós mesmos a importância de nos conhecermos pessoalmente, sobretudo, como pedestres. Acabamos reclamando que somos negligenciados ao andarmos a pé, mas basta percebemos que nós não nos reconhecemos como tal. Somos seres vivos e humanos que só e somente só andam sob rodas ou trilhos. Não, não somos. Somos primeiramente e, sobretudo, pedestres. Exercemos o nosso pedestrianismo ou a nossa caminhabilidade todos os dias assim que nos levantamos da cama e nos colocamos para fora de casa. E é assim, que conseguiremos salvar a nossa cidade, afinal, o nosso próprio futuro se encontra nas suas mãos. No entanto, não basta reclamarmos dela e nos refugiarmos dentro dos inúmeros shoppings centers ou dos condomínios fechados que existem por aí. Temos que estar na rua e aproveitar o encontro com o Sol, com as pessoas, enfim, com a cidade. E estarmos nela significa estarmos pisando sobre os seus chãos. É dessa maneira que o pontapé inicial para cidades mais vivas começa com o simples caminhar pelas ruas. Posso dizer que nunca havia pensado no quão complexo uma simples caminhada pode se tornar. Ser pedestre em uma cidade pode não parecer, mas envolve lógicas e assuntos bem complexos. Com esse TFG pude, e espero que você também possa ter tido uma pequena e mínima noção do quanto esse tema demanda por atenção e cuidado. Apesar de vermos que hoje, a cidade e a sua administração ainda priorizam o automóvel em detrimento do transporte público, da bicicleta e do pedestre, o cenário está mudando. Pessoas e organizações surgem a vários instantes buscando estudar e mostrar o quão importante é uma cidade ativa, humana e viva. Assim, não basta elegermos representantes que prometem milhares de coisas mirabolantes e útopicas, a mudança tem que começar em nós mesmos. Nós temos que vencer o nosso preconceito com o desconhecido. Temos que encarar o medo e nos desafiarmos a andar na e pela rua com os nossos próprios pés (e não com as rodas). Nós temos que viver a cidade para que ela mesma viva. Afinal, somos todos pedestres. considerações

aos pés...


bibliografia

aos pés...

BIBLIOGRAFIA ABRAHÃO, J; PINHO, D.; SARMET, M.; SILVINO, A.; SZNELWAR, L. Introdução à Ergonomia – da prática à teoria. São Paulo, 2009 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 9050: 2015: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2015. CARERI, Francesco. Walkspaces: o caminhar como prática estética. São Paulo: Editora Gustavo Gili, 2015. CIDADE DE NOVA IORQUE. Active Design Guidelines: promoting physical activity and health in design. Nova Iorque, 2013. _____. Active Design: Shaping the sidewalk experience. Nova Iorque, 2013. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (CTB). Lei federal nº 9503. Brasília, 1997 COMPANHIA DE ENGENHARIA DE TRÁFEGO (CET). Áreas de pedestres: técnicas e aplicações. São Paulo, 1957. D’OTTAVIANO, Maria Camila L. Áreas de Pedestres em São Paulo: Origens, História e Urbanismo Contemporâneo. FAUUSP, São Paulo, 2001. Dissertação de Mestrado. GEHL, Jan. Cidades para pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2014. GEHL, Jan; GEMZOE, Lars. Novos espaços urbanos. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2002. GUIMARÃES, Laís B.M. Liberdade – História dos bairros de São Paulo. São Paulo: Prefeitura Municipal de São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura, 1979. HALL, Edward T. A dimensão oculta. São Paulo: Martins Fontes, 2005. HANDA, Tomoo. O imigrante japonês - História de sua vida no Brasil. São Paulo: T.A. Queiroz: Centro de Estudos Nipo-Brasileiros, 1987. JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2009. MÜLFARTH, Roberta C. K. A inserção da ergonomia no ambiente construído: proposta e método para avaliação ergonômica do ambiente urbano e do edifício existente. FAUUSP, São Paulo, 2016. Tese para Livre-Docência.

172


173

LERNER, Jaime. Prólogo a edição brasileira. In: Cidades para pessoas, 2013 LEFÈVRE, José E. A. In: LEME, Mônica B. e VENTURA, David V. B. O calçadão em questão: 20 anos de experiência do calçadão paulistano. São Paulo: Belas Artes, 2000. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997. MALATESTA, Maria Ermelina B. Andar a pé: Um modo de transporte para a cidade de São Paulo. FAUUSP, São Paulo, 2007. Dissertação de Mestrado. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). World Urbanization Prospects. Nova York, 2014. PANERO, J.; ZELNIK, M. Dimensionamento humano para espaços interiores. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2002. ROGERS, Richard. Cidades para um pequeno planeta. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2001. SAITO, Hiroshi. Assimilação e integração dos japoneses no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 1973. SPECK, Jeff. Cidade caminhável. São Paulo: Perspectiva, 2016. YAZIGI, Eduardo. O mundo das calçadas. São Paulo: Humanitas/FFLCH6/USP; Imprensa Oficial do Estado, 2000.

SITOGRAFIA http://brasil.elpais.com/brasil/2015/06/22/opinion/1434983312_399365.html ELIANE BRUM, publicado em 22/06/2015. Acessado em 15/08/2016 https://raquelrolnik.wordpress.com/2011/05/09/a-dura-vida-dos-pedestres-na-cidade/ RAQUEL ROLNIK, publicado em 09/05/2011. Acessado em 29/09/2016 http://www.mobilize.org.br/noticias/8122/genocidio-de-pedestres.html?print=s MELI MALATESTA, publicado em 21/05/2015. Acessado em 29/09/2016 http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/07/na-mais-letal-para-pedestres-de-sp-espera-para-cruzar-e-de-5-minutos.html PORTAL G1, publicado em 20/07/2016. Acessado em 29/09/2016

bibliografia

aos pés...



“Para ser um bom arquiteto você tem que ter amor pelas pessoas, porque a arquitetura é uma arte aplicada e lida com a moldura da vida das pessoas. Simples assim” (Ralph Erskine, arquiteto inglês, apud Gehl, 2014, p.229)






fauusp fauusp


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.