Um grito desesperado

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UM GRITO DESESPERADO

Tradução de Andrés Ayala


Direitos reservados: © 1992 Carlos Cuahutémoc Sánchez. © 1994 Ediciones Selectas Diamante, S. A. de C V. Libros que transforman vidas. Convento de San Bernardo No. 7 Jardines de Santa Mónica, Tlalnepantla, Estado de México, C.P. 54050, Ciudad de México. Tels. e fax: (01-5) 3-97-79-67, 3-97-31-32, 3-97-60-20, 3-97-59-21 E-mail: diamante@data.net.mx Miembro de la Cámara de la Industria Editorial Mexicana No. 2778 Registrada en la Dirección General del Derecho de Autor e en el International Standard Book Number. ISBN 968-7277-00-9 (Rústica) ISBN 968-7277-03-3 (Tela) Fica proibida a reprodução parcial ou total por qualquer meio incluindo o fotocopiado, assim como a realização do material baseado no argumento desta obra sem a autorização expressa do editor.

IMPORTANTE: Na portada de todos os livros "Um grito desesperado", impressos a partir de julho de 1995, devem estar u holograma de autenticidade, dourado, tridimensional, com a figura dum diamante, exclusivo dos livros originais. Se este volume u outro não o tem, favor de dar aviso a la P. G. R. o a Ediciones Selectas Diamante, reportando el lugar en donde lo adquirió. IMPRESO EN MÉXICO PRINTED IN MÉXICO Portada: "The cre". Edward Munch, Nasjonalgalleriet, Oslo, Noruega (1893). Esta obra se terminó de imprimir en febrero de 1999. En los talleres de Imprentar, S.A. de C.V. La edición consta de 50,000 ejemplares.


CONTEUDO

Cap. 1 A metamorfoses............... Cap. 2 O roubo do portfólios............ Cap. 3 Documentos excepcionais........ Cap. 4 Assalto à escola.............. Cap. 5 Três passos para a superação plena..... Cap. 6 Alboroto na aula.............. Cap. 7 A escala de gente prioritária ........ Cap. 8 O sistema emocional............ Cap. 9 Abraço fraternal............... Cap. 10 Só cinco leis............... Cap. 11 Lei de exemplaridade............. Cap. 12 Lei do amor incondicional ......... Cap. 13 Lei das normas de disciplina....... Cap. 14 As normas da família Yolza........ Cap. 15 Lei de comunicação profunda....... Cap. 16 Um grito desesperado............ Cap. 17 Reencontro................. Cap. 18 Lei do desenvolvimento espiritual......... Cap. 19 Prólogo no epílogo............ Introdução......................

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Com amor incondicional, dedico este livro às três mulheres que me dão a motivação para escrever e a inspiração para viver:

IVOHNE SHECC1D

S AHIAN


1 A METAMORFOSE Amor: Tenho dado voltas na cama intentando abandonar a vigília inutilmente. Faz uns minutos saí arrastando-me dentre os cobertores buscando pena e papel. Escrever-te é o último recurso que me resta nesta feroz luta por controlar meu torvelinho mental. Ignoro a que me dedicarei amanhã, nem se você seguirá sendo professora, nem se teremos o ânimo para continuar vivendo aqui, nem se alguma vez recuperarei a confiança na gente como para voltar a dar um conselho de amor. O único que sei é que amanhã, quando amanheça, não poderei voltar a ser o mesmo... Esta é a primeira noite que passamos em casa despois da tragédia. É o ponto final duma historia escrita em três dias de angustia, incertezas e choro. Sei que você foi a protagonista principal do drama, mais gostarias de saber como se viu o espetáculo desde minha poltrona? Estava ministrando uma conferência de "relações humanas" quando fui interrompido pela secretaria. — Licenciado — proferiu antes que me tivesse aproximado o suficiente nela como para que os assistentes ao curso não escutassem — .Sua esposa! Acabam de falar do Hospital Metropolitano! Teve um acidente no trabalho. — Como? —pergunte sobressaltado —. Não será uma brincadeira? — Não creio senhor Yolza. Chamou uma colega dela. Me diz que um aluno a atacou e que é urgente que o senhor fosse... Saí da sala como centelha sem despedir-me dos meus ouvintes. Subi ao automóvel com movimentos torpes e iniciei a precipitada viajem ao hospital. Não vi ao taxista com o que estive a ponto de bater num cruzamento, nem ao ônibus que se deteve escandalosamente a uns milímetros da minha portinha quando efetuei uma manobra proibida. Como era possível que um aluno te tivesse atacado? Não se supunha que era uma professora num dos melhores institutos? Estacionei o auto em fila dupla, desci abruptamente e corri até a recepção do sanatório. Reconheci de imediato a três empregadas de tua escola sentadas nas poltronas de espera. Vendo-me chegar ficaram de pé — Foi um acidente — diz uma delas apressadamente, como para eximir responsabilidades. — O jovem que a golpeou já foi expulso — aclarou outra. —A golpeou? E onde a golpeou?


As professoras ficaram mudas sem se atrever a dar-me a informação completa. —No ventre — diz por fim uma que não podia dissimular seu espanto. Fechei os olhos tratando de controlar o incalculável furor que despertaram em mim essas três palavras. Pela preocupação que me produz o fato de saber que poderias estar ferida tinha me esquecido do mais importante, meu Deus!: Que estava gravida! — Foi realmente um acidente? — pergunte sentindo como o sangue me cegava. — Bom… sim — titubeou uma de tuas amigas —. Embora o rapaz a perturbava desde algum tempo… Disso apenas soubemos hoje. Não quis escutar mais. Abri o passo bruscamente e fui direto à sala de emergências. De longe vi o teu ginecologista. — Doutor! —o chamei levantando uma mão enquanto ia ao seu encontro—. Espere, por favor... Como está minha esposa? — Delicada — contestou friamente —. A interveremos em uns minutos. — Posso vê-la? — Não. — Começou a se apartar. — E o menino? Se salvará...? Mexeu negativamente a cabeça. — Sinto muito, senhor Yolza... Fiquei gelado encostado na parede do corredor. Isto não poderia estar acontecendo! Não era admissível! Não dava para acreditar! Teu médico tinha te permitido que trabalharas meio período com a condição de que o fizeras cuidadosa e tranquilamente. Eu mesmo o acetei sabendo que se tratava duma gestação de risco! Mais quem poderia imaginar que um imbecil te golpearia? E faltando três meses para o nascimento! Pus-me a caminhar pelos corredores entrando em zonas restringidas, como um ladrão. Conheço à perfeição o hospital porque nele nasceram nossos outros dois filhos e eu participe em ambos partos, assim que, com a esperança de te ver, me acaçape num cubo de luz pelo que pude vislumbrar-se o interior da sala cirúrgica. Não tive que esperar muito tempo para presenciar como te conduziam ao lugar numa caminha… Foi uma cena terrível. Estavas deitada boca para cima com o braço direito unido ao canudinho do soro e uma mangueira de oxigeno em tua boca. Parecias morta. Igual que esse "volume", antes cheia de vida, horrivelmente estático debaixo do asséptico lençol que te cobria o ventre. Fiquei pasmado, transido de dor, rígido pela aflição. O que tinham te feito? E por quê? É verdade que os jovens de hoje são impulsivos, imaturos, inconscientes; que até nas melhores escolas se infiltram, cretinos capazes das piores atrocidades… Mais, ao grau de te fazer isso a ti… a nós? Senti que as lágrimas se aglomeravam em minhas pálpebras. Meu amor... Vendo como te preparavam para a cirurgia, jurei que, se fosse possível, trocaria meu lugar pelo teu… — Desculpe-me, senhor, o senhor não pode estar aqui — me diz um individuo enorme,


vestido como guarda de seguridade, quem amavelmente mais com firmeza me encaminhou à sala de espera. E a espera na sala foi um suplicio lento e desgarrador. Não teve tuas noticias durante horas. Saí varias vezes a caminhar, um pouco por averiguar si o ar fresco era capaz de apagar as chamas de minha ansiedade e outro pouco para evitar a proximidade de teus colegas de trabalho. Vivi momentos inenarráveis. Cri que te perdia. Tinha sido operada duas vezes e estiveste em observação por mais de quinze horas. Hoje pela tarde te deram de alta. Saíste do hospital tomado pelo meu braço mais com a cabeça baixa, arrastando o desânimo. Além de ter perdido o bebê terias ficado estéril. Durante o trajeto a casa não falaste nada. Eu também. Que palavras poderiam servir para atenuar a aflição produzida por essa amarga experiência? Que bálsamo era capaz de adormecer o suplicio dessa chaga supurante? Não tinha nenhum. Talvez o silêncio. Abrimos a porta da casa e nos adentramos a sua tranquilidade absoluta. Os meninos já dormiam. Ascendemos às luzes e os estáticos móveis pareceram dar-nos boas vindas compadecidos. Me, ofereceste café e pão. No ambiente sentia-se pena. Não desejávamos comer, mais era parte da rutina requerida para voltar à normalidade. — Que desgraça tão grande, verdade? — disseste rompendo o silêncio. Não respondi. Resultava-nos muito difícil comunicarmos! No hospital, quando não se interpuseram doutores o fizeram familiares ou amigos… Ao final estávamos sós. — Que foi o que aconteceu exatamente? — O que sabes meu amor. Um aluno da minha classe de idiomas me golpeou. — Pero como foi chegar a tanto? Disseram-me que já faz um tempo te molestava e que não o disseste a ninguém. Nem sequer a mim! — É um jovem descabido e tímido. Cri que necessitava apoio, compreensão. Quis ajudá-lo… Jamais pensei que reacionária como o fez. Pus-me de pé furioso, sentindo que o sangue cegava-me, e caminhei dum lado a outro da cozinha com as mãos na cabeça, respirando agitadamente. — Mas como pode ser? Ambos desejávamos mais que nada no mundo a vinda de este filho. Como te permitiste, por ajudar a um lunático, correr um risco desse tamanho? E, sobre tudo, como pudeste manter-me a margem do problema? — Não me o recrimines. Foi um acidente. Quem ia imaginar que o rapaz chegaria tão longe? — E tua voz se quebrou numa manifestação de enorme dor. Vendo-te angustiada controlei um pouco meu crescente furor. Você foi quem padeceu a tortura da intervenção cirúrgica. De tuas entranhas, não das minhas; extraíram esse pequeno ser que se nutria com teu sangue. Numa palavra, você era a mãe. Não existe na terra pessoa mais afetada física e emocionalmente pela perda desse bebê, assim que era injusto que te recriminara.


Voltei a assentar-me tratando de acalmar-me. Permanecemos calados durante o resto da refeição. Dei-lhe a meu café uns pequenos sorvos, mais por atenção que por gosto. Em minha mente desfilaram uma traz outra vez às distintas formas de como podia vingar-me. Em primeiro lugar adquiriria uma arma e te ensinaria a usa-la; em segundo lugar, demandaria o rapaz por assassinato e no pararia até vê-lo refundido numa prisão purgando a condena mais severa que pudera aplicar-se por sua falta; em terceiro lugar, deixaria de dar estúpidos cursos sobre "pensamento positivo" e trocaria radicalmente o giro do meu negocio; em quarto lugar… Não poderia estar sentado. Levantei-me novamente cheio de excitação. Em quarto lugar tinha que devolver o golpe a mais pilantras como ele. Não bastava com desaparecer da sociedade ao culpável desta desgracia quando pululavam milhões de rapazes igualmente, alastrar-se por todas as partes. Mirei meu rosto sem rasurar no espelho da cozinha integral e por primeira vez percebi de que estava com a mesma roupa já fazia três dias. —Quisera tomar um banho. Assentiste sem me dizer uma palavra. E é que à consternação de tua recente perda se lhe associava a dor de adivinhar em mim um perigoso rancor, um doentio desejo de vingança que nunca antes tinhas me visto. Agradeci-te pelo café e fui direto ao chuveiro sim mais preâmbulo. Introduz-me na água quente e deixe que o divino líquido escorresse por minha cabeça e meu corpo, relaxando-me. Fechei os olhos e permaneci imóvel como uma estatua que se encolha um pouco ao sentir a chuva caindo sobre seus ombros. Permaneci assim alguns minutos nessa posição, sem pensar em nada. Então te escutei pela porta do quarto de banheiro e através do acrílico branco vi tua silhueta entrando. Deslize a porta do boxe corrediço e te vi de pé junto ao lavabo. Tinhas-te posto tua camisola de dormir. — Vinhas a despedir-te? — ri. A nuvem de vapor começou a estender-se ao redor de ti. Não fechei a chave d’água. — Me preocupas, carinho — murmuraste. — E você me preocupa a mim — contestei —. O que te ocorreu é terrível. Ficaste calada mirando-me ternamente. Sabias que isso não era verdade. Se estivesse afligido por tua dor estaria brindando-te meu apoio, como costumava faze-lo quando tinhas algum problema. — Maldição! —resmunguei dando um forte murro na parede —. Isto não deveu ter acontecido! — Mais aconteceu! Agora temos que nos recompor para não perder mais do que já perdemos. Temos dois filhos vivos! Lembras?


Esfreguei fortemente o meu rosto me sentindo um desventurado. — Nada vai voltar a ser como antes. Percebo a maldade correndo por minhas veias. — Não, não — rebateste —. O jovem que me atacou é produto duma sociedade corrupta que à vez é o resultado de famílias torcidas. Você é a cabeça desta família e se te deixas levar pelo desejo de vingança que supões correr pelas tuas veias, tem a seguridade que nossos filhos também acabarão, cedo ou tarde, afundados na lama da degradação que os espera lá fora. — Amor — sussurrei sentindo como as palavras se recusavam a sair —. Não posso ficar com os braços cruzados depois de que tem matado a um filho nosso. — Entende que não foi intencional… — E você entendeu…? — mais fiquei com a frase no ar. Entender o que? Meu Deus. Tinha tanta vontade de chorar… Então entendi o grande erro: tenho me dedicado ao trabalho em toda a minha vida a brindar elementos de superação a empresários, quando são outras as pessoas que realmente necessitam dele. — Vida — me disseste —. Neste momento não sei por que estou mais triste: se pela morte do bebê ou pela atitude para comigo. Com esse comentário me aniquilaste. Senti que perdia forças e com as forças a ira. Quis abrasar-te, mais estavas vestida e seca e eu nu e molhado embaixo do chuveiro. — Perdoa-me — logrei articular ao final —. Não tenho que comportar-me assim, porque diante de todo o mal que tenho passado há algo verdadeiramente formoso: que agora te amo muitíssimo mais… Esta vez meu tom de voz ecoo intensamente afligido, uma lágrima se deslizou por minha bochecha confundindo-se de imediato com a água que caía sobre mim. Te me acercaste nervosamente. O esguicho, ao golpear meu corpo, começou a espirrar-te. Não te importou. — Sabia…? —te diz—. Quando estavas no centro cirúrgico jurei que se pudesse trocaria meu lugar pelo teu… Você não suportou essas palavras e eu não suportei mais teu doce olhar. Estendi-te os braços e, vestida como estavas, te refugiaste neles de imediato. A água da ducha caiu sobre ti molhando-te totalmente. Achegaste-te em meu corpo buscando mais calor. Acaricie teu pescoço e tuas costas com um carinho quase desesperado; logo comecei a desbotoar tua camisola, deslizando-a suavemente para baixo enquanto te beijava. Estreite tua pele nua delicadamente mais com muita força e tu começaste a chorar abertamente, esfregando teu rosto em meu peito. Não tinha sensualidade alguma. Era algo superior. Algo que não tínhamos experimentado jamais. Era o milagre duma dolorosíssima mais extraordinária metamorfoses. Nesse instante, separados um do outro, me sussurraste que não te importava ter tido um aborto, nem te importava nada do que pudesse acontecer no futuro se nos mantivéssemos juntos.


Não precisei contestar-te para que soubesses que eu pensava igual. Fundidos num abraço eterno éramos, você e eu, uma só alma outra vez.


2 O ROBO DO PORTFÓLIOS A caligrafia perfeita brilhava diante de mim. A observé superficialmente con gran desconfianza. Sua leitura tinha-me deixado um estranho sabor metálico no paladar. Quem tivera pensado que nesse portfólios roubado ia encontrar documentos tão pessoais? ¿Todos seriam assim... ? Tinha conhecimento de que a escola ao que assistia tinha sido originalmente um centro de capacitação para empresas. Incluso à data ainda davam-se cursos de "princípios para o êxito", "relações humanas" e "personalidade", há mais de uns cinco anos o motivo central do Instituto não eram os cursos senão a Preparatória Intensiva. A troca de giro teria alguma relação com a penosa experiência relatada pelo autor daquela carta? Pudera ser... Mais se era assim, não me comovia. Em realidade tinham muito poucas coisas que podiam comover-me. Talvez nenhuma. Estava acostumado a reagir como a "carga social", "o delinquente em potencia" que tinham me convencido que era. Porem, às vezes meu papel me desgostava. Sobre tudo quando motivado por alguma circunstância especial percebia a sensação interna de não ser tão malvado. E a leitura dessa carta tinha despertado em mim uma sensação assim. Sacudi a cabeça apreensivamente e joguei as folhas no guarda-roupa. Seguramente todo o escrito ali não era mais que uma fantasia imaginada por esse homem a quem eu detestava sobremaneira. Em meu entendimento não cabia à possibilidade de que alguém pudera experimentar sentimentos tão nobres. E muito menos ele… Consolei-me com razoamentos apropriados: se essa carta era verdade, o diretor de minha escola era um fanático santarrão o uma marica declarada. Exatamente… Para poder relatar como furte esse portfólios primeiro necessito falar de um personagem importantíssimo naquela época de minha vida: meu irmão Saul. Era um tipo bastante imprevisível. Levava muito a serio seu papel de irmão mais velho, atribuindo-se o privilegio de admoestarmos a Laura e a mim a diário. Quando o desafiávamos se alterava imoderadamente e não lhe falava a ninguém durante dias. Com frequência discutia com o tirano do pai e consolava à mártir da mãe, mais nada melhorava em casa; não entendia meus conselhos de que aceitara as coisas assim. Realmente era um sujeito raro e, por aquilo, incluso tinha se ganho minha secreta admiração. Gostava tocar o violão até altas horas da


noite e também escrevia poesias (meus amigos e eu nos burlávamos muito disso), uma manhã seus companheiros de grupo fizeram lhe una brincadeira, que ele mesmo planejou e consentiu cujas consequências chegaram a extremos inverossímeis: O encerraram no banheiro com uma garota; clausuraram os ferrolhos externos usando um enorme cadeado e jogarão a chave pelo corredor. O alvoroço ressoou em todos os cantos. Houve aplausos, cantos, gritos. A os poucos minutos na escola inteira estavam sabendo de que Saul e sua noiva se encontravam sozinhos nos sanitários fazendo quem sabe o que. Houve que chamar a um serralheiro para que pudesse abrir-lhes, e como foi impossível dar com os cúmplices de tão original travessura, detiveram na direção a os amantes protagonistas. Apresentei-me ao escritório para esperar que o deixassem em liberdade depois de admoestalo. Mais o assunto se complicou: chamaram pelo telefono a meu pai. Nunca o tivessem feito! O vi entrar na recepção da escola com ar de prepotência sem sequer ter-se tirado o avental branco que o distinguia em seu trabalho. — Sou o doutor Hernández — lhe gritou à secretaria —. Chamaram-me para me dizer que iam expulsar o meu filho. Tenho muitos pacientes e não posso me dar o luxo de fazer antessala, assim que me faça o favor de anunciar-me de imediato com o diretor. O máximo censor saiu a receber ao escandaloso visitante. — Passe, por favor. Saul está aqui, com sua noiva. Fiquei de fora tratando de escutar o que se dizia no privado. Não foi difícil. Papai recebeu as queixas fazendo grandes alaridos, perguntando teatralmente como era possível tudo isso. Meu irmão levantou a voz para defender-se e foi esbofeteado cruelmente frente ao diretor e a noiva. Depois houve um momento em que não se escuto nada. Nesse silêncio imaginei à garota chorando a cântaros, ao administrador como estatua de gelo, incrédulo da agressividade que tinha presenciado, e ao meu irmão aguentando estoico, a dor da humilhação. Uns minutos depois se abriu a porta do departamento e saiu Saul. Detrás o papai. — A onde crê que você vai, garotinho? —. E dizendo isto o pegou pela orelha. Saul suava e tinha o rosto extremadamente vermelho. Libertou-se da mão opressora de uma zarpada e se foi a caminhar para fora sem dizer nada. — Um momento! Para; ou te arrependerás por toda tua vida! Na rua vários estudantes observamos o penoso cenário em que o adulto tratava de sujeitar ao jovem puxando-o pelos cabelos enquanto este se defendia ágil e ferozmente para afastar-se a longos passos do lugar. Saul não voltou a casa. Ninguém soube para onde foi. Pelo que meu pai ficou chamando pelo telefone a todas as autoridades da cidade para reportar ao fugitivo, minha mãe esteve chorando inconsolavelmente, Laura e eu nos acostamos com a excitante novidade de que o primogénito tinha abandonado o ninho. Não podíamos acreditar que tivera tido tanto valor e com o pensamento lhe mandávamos nossas mais calorosas felicitações. Nessa noite tardei muito em conciliar o sono. Perguntava-me constantemente a que lugar iria um jovem ao escapar de casa. Desejava sabe-lo para ter a opção de fazer o mesmo quando


minha família me fartara. E não faltava muito para isso acontecer. No dia seguinte muito cedo, eu diria de madrugada, meu pai entrou a minha habitação fazendo muito ruído e chamando-me de folgazam. Descobriu-me jogando as cobertas ao chão e berrando-me para que me levantasse. — Despreguiça-te, garotinho. Vou sair contigo à escola para vigiar a entrada dos alunos a ver se aparece teu irmão. — Sinceramente acredita que irá a classes depois de escapar de casa? — Me arrumei para juntar os lençóis e cobrir-me novamente encima —. Permita-me rir: je je je. Papai se pôs verde, mais por ter a razão que por minha insolência, pois diante dele, ter a razão era um pecado mortal. — De qualquer jeito iremos para escola. Quero falar com o senhor Yolza para pô-lo a par do que fez teu irmão. — Esse maldito diretor fuxiqueiro — sussurrei—. Por sua culpa está acontecendo o que está acontecendo. Levantei-me indolentemente e me vesti. Estivemos na escola justo antes da hora de entrada. Em pouco tempo chegou o diretor. Papai o interceptou para perguntar-lhe de maneira presuntuosa por que tinha se proposto arruinar a vida de seus filhos, pelo qual, por agressivo e incoerente, me assombrou muito. Vários companheiros curiosos se detiveram a escutar a iminente discussão, mais o licenciado Yolza os evadiu invitando-nos a passar a seu privado. La dentro, os dois homens se miraram fixamente como velhos inimigos. Meu pai se acalmou um pouco, mais não deixou de levantar o tom da voz. — O senhor não tem sabido guiar os meus filhos. Um vem aqui lhe brindando toda a confiança, paga pontualmente as mensalidades e que recebe em troco? uns garotos tímidos e complexados. Saul tem caído tão baixo por culpa do senhor. O senhor Yolza se esfregou o queixo com ar preocupado. Seu trabalho consistia em atender vizinhos queijosos, empregados irresponsáveis, inspetores corruptos, sindicalistas prepotentes, alunos grosseiros (como eu) e pais de família desequilibrados (como o meu). Porem, não parecia ter-se acostumado do tudo a tais situações. Assento se e com ademão cortes convidou a papai a fazer o mesmo frente a ele. Também a mim, com uma mirada, me indicou que me assentara. — Quere explicar-me de que se trata exatamente, doutor Hernández? — Ontem meu filho Saul saiu de casa. — De verdade? —Perguntou interessado —. E que lhe faz supor que foi por minha culpa? — Que não tinha necessidade de chamar-me para dar-me a queija. Todos os jovens chegam ao sexo com suas noivas. O diretor abriu uma caixa central de seu escritório para extrair uma caixinha com comprimidos medicinais; tomou uma e colocou na boca de imediato enquanto meneava a cabeça negativamente (que jeito de começar o dia!). Ato seguido desligou seu intercomunicador para pedir-lhe ao arquivista o expediente de Saul e o meu. Sem querer


saltei da minha cadeira. O meu? Eu somente estava de sapo, não tinha vela nesse enterro. Por que pediria também meu expediente? Voltei-me assentar. Houve um silêncio desagradável. Finalmente a secretaria entrou presentando lhe as pastas e o licenciado começou a dizer com voz firme: — Doutor Hernández: seu filho Saul tem antecedentes muito graves e foi admitido aqui condicionalmente. Ainda assim, seu histórico está cheio de irregularidades. Ontem não houve tempo de analisa-lo, mais: "fumar em classe", "contestar altivamente aos professores", "não cumprir com tarefas" e "cabular aulas" são notas comuns e repetitivas neste registro. Ademais, já havia estado a ponto de ser expulso em outra ocasião. — Meu pai levantou as sobrancelhas simulando-se indignado e ri interiormente dele —. Saiu de socos com outro jovem que ao parecer pretendia a sua noiva "de turno". Nessa oportunidade armo se um grande alboroto. Vieram patrulhas e os vizinhos me citaram para fazer-me prometer que isso não voltaria a acontecer nesta rua. O detetive em meu escritório durante quase una hora. Intentamos comunicar-nos com o senhor, mais foi inútil. Nem conseguimos localizar sua esposa. Assim que preenchi sua forma de expulsão e se a entreguei. Então seu filho me diz que me odiava que odiava este mundo, esta vida, esta escola e a seus pais. Depois disso se pus a chorar e seu choro demostrava uma tristeza enorme. — O licenciado se levantou ligeiramente apontando com o índice — Doutor Hernández, se não tem visto a seu filho chorar dessa maneira ultimamente, o senhor está muito longe dele para poder ajudar-lhe. — Voltou a sentar-se e antes de continuar parecia escolher as palavras —: Diante duma situação tão patética no pude deixar de dar-lhe outra oportunidade. Senti que, no fundo, Saul não era culpável de seus erros, um jovem que se desprecia tanto a si mesmo deve ter uma péssima família. A origem da auto valoração de um individuo encontra se em sua família. A gente se comporta na rua como aprendeu a fazê-lo em sua casa. Se Saul está em maus passos não há mais culpados que o senhor e sua esposa… Meu pai estava petrificado. O matiz sanguíneo de suas bochechas me fez perceber sua raiva. Esta era tal que não podia falar. O diretor, porem, mostrava se muito mais seguro e indiferente que ao principio. Seguidamente abriu meu expediente e começou a folheá-lo detidamente. — Seu filho Gerardo é outra amostra do que estou lhe dizendo. Para que se calara o mirei com todo o repudio que pude…, mais ao individuo pareceu não importar-lhe minha ameaça visual. — É impontual, cabula aulas, é preguiçoso. Os professores o reportam como um aluno de última categoria. Caso não o saiba, ele também tem estado a ponto de ser expulso. Não por irregularidades graves senão por uma infinidade de reportes simples de indisciplina e apatia. Gerardo é um cabecilha para os maus atos. Incita a seus companheiros a cometer pilherias encontrando sempre a forma de sair exculpado, mais os mestres e eu nos temos dado conta de seu jogo. Por trás das infracções de seus amigos ele sempre está. Reconheço que é muito inteligente e estou quase seguro de que também em sua casa aparenta ser um bom filho, mais secretamente acumula um grande rancor que o faz atentar contra todos quando se sente


resguardado. Meu pai, mordendo-se feiamente o lábio inferior, se voltou para mim com claras intenções de matar-me, mais eu me fiz o dissimulado cavando-lhe meu olhar ao diretorzinho. Cedo ou tarde vai me pagar. Papai se pôs de pé listo para sair de ali. O senhor Tadeu Yolza levantou a voz com a firmeza de alguém que tem ganhado um convite. —Doutor Hernández: suas birras de pai indignado não ajudaram em nada. Seus filhos são muito espertos mais terrivelmente infelizes. Tanto Saul como Gerardo necessitam recuperar em primeiro lugar sua autoestima. Entende isto? Como costuma corrigi-los? Aproxima-se deles para tratar de entender suas razões e despois os guia com mão forte porem amistosa, o simplesmente lhes grita, os insulta e esbofeteia como fez ontem com Saul em este escritório? Permite que em seu lar se chamem apelidos, se façam chacotas e críticas destrutivas, se exaltem as capacidades de uns para menosprezar as dos outros, se invoquem desejos de que tal o qual filho seja distinto, ou se admirem invejosamente as condições de outras famílias? Se assim tem sido, o senhor tem criado neles uma auto valoração perigosamente pobre. Todo ser humano aprende a auto valorar-se no lugar onde cresce, ajudado das pessoas com quem convive. Na família nascem as expectativas do individuo, sua moral, sua forma de sentir, sua personalidade… O diretor parecia ansioso de continuar falando, como si o tive se esperado durante meses a oportunidade de dizer-lhe tudo isso. Meu pai se voltou para ele com a vista desengajada. Por um momento pensei que se iria para cima dele. — Vocês, os me… mestres — tartamudeou visivelmente afetado, — são demagogos e mimados. Creem ter o direito de se meter na vida dos demais como si fossem perfeitos. — Doutor Hernández, o senhor e eu já nos conhecíamos. Eu o considerava um homem sensato, mais nestas duas últimas entrevistas tenho percebido de que necessita duma grande ajuda. Se seus filhos se perdem o fracassam não haverá outro responsável direto mais que o senhor. Vi como meu progenitor apertava os punhos até que os nos se lhe puseram brancos. Sua seguinte objeção apenas foi inteligível: — Vocês os mestres se creem sábios… Voltam à responsabilidade para nós, mais são incapazes de fazer algo pelos garotos. Cabisbaixo, deu a volta e sem despedir-se saiu bruscamente do lugar. Ao vê-lo afastar-se, por primeira vez percebi de que não era tão imune como eu tinha pensado. Senti lástima por ele. Ademais, sua estatura me pareceu mais baixa do que sempre acreditei. O diretor correu para alcança-lo. Possivelmente não desejava que a desavença terminasse desse jeito. Fique no escritório só. Olhei ao meu redor buscando algo, algo… não sabia que… O portfólios pessoal do senhor Tadeu Yolza estava a um lado do escritório! O tomei e saí como


relâmpago para evitar ser detido pela secretaria. Na rua os dois adultos ainda discutiam. Não me deteve: não queria saber mais nada do assunto. Durante horas caminhei pelas avenidas abraçando fortemente o portfólios roubado. Tinha vontade de chorar, mais não compreendia a razão. Talvez pelo que tinha se dito em minha presença conceitos muito sérios nos que jamais tinha pensado, um especialmente cruel e verdadeiro me torturava as têmporas: que meu irmão e eu éramos inteligentes mais terrivelmente infelizes.


3 DOCUMENTOS EXCEPCIONAIS O que estou relatando aconteceu faz muitos anos, mais foi o inicio da transformação de minha vida. Meu pai era um homem instruído. Tinha estudado medicina fazendo sua residência e especialidade quando já casado. Si algo eu lhe reconhecia era seu carácter duro e tenaz. Na época à que me refiro tinha uma trajetória profissional brilhante, o que nos permitia viver desafogadamente, mais seu trabalho de "prócer salva-vidas" o absorvia tanto que convivia pouco com sua família e os problemas que com essa atitude enganosa começaram a mermar seu equilíbrio emocional. Adquiriu patrões de neuroses depressivas: exagerava nossas faltas e ao principio nos reprendia em forma humilhante para despois desfazer-se em lamentos e saudades respeito de como devíamos ser e não éramos. Algo digno de despertar ternura. A isto devia somar-se a conduta hipocondríaca de mamãe: para ela tudo era motivo de angustia, e passava horas inteiras lamentando-se e chorando. Era fácil adivinhar que não mantinham uma boa relação conjugal. A nenhum de nós nos agradava estar nessa casa carente de calor, assim que quando tínhamos oportunidade, os três filhos voávamos como pombas assustadas. Minha irmã Laura, de quinze anos, se passava as tardes em companhia de suas amigas (ao menos isso dizia). Saul, de vinte e um, saia com sua noiva. E eu, de dezoito, o filho intermédio (mamãe me chamava o presunto do sanduiche), saía com meu bando a fazer loucuras pelas ruas a assustar as meninas que andavam sozinhas. A meus amigos e a mim nos gostava guiar os coches de nossos pais a grande velocidade. Com frequência a policia nos perseguia, mais a boa sorte, a audácia ou o dinheiro sempre nos salvavam de ser apreendidos. Todo o proibido nos causava grande excitação. Porem tem que esclarecer que quando meus velhos amigos roubavam aos transeuntes, por travessuras más que por necessidade, eu não participava. Isso sim observava tudo desde as esquinas mais próximas mais sim mexer um dedo. O portfólios do senhor Yolza foi o primer objeto furtado em meu historial. Tal vez algum dia o devolveria… já que só o fiz porque queria dar-lhe uma lição ao arrogante, esse que se atreveu a chamar-me "aluno de última categoria". Aquela noite li respeito ao aborto de sua esposa. Que emoções tão curiosas despertou em mim esse relato! Principalmente porque conhecia os


antecedentes da escola e ao relaciona-los com a carta resultava uma equação incoerente, ilógica. O dono tinha decidido deixar de dar discursos de capacitação a empresas para organizar uma preparatória com o fim de ajudar a jovens entre os que poderia estar o responsável da morte de seu terceiro filho? Que coisa tão absurda e afeminada! Fui a meu dormitório e me encerre com chave. A habitação, completa, era para mim só. Saul estava "de ferias", assim que a poderia estender sobre o piso minhas revistas "proibidas" sem que ninguém me molestasse. Empuxei a cama de meu irmão até encosta-la com a minha. Essa noite dormiria comodamente numa matrimonial. Pobre Saul: sempre tão louco e impulsivo. Seguramente enquanto ele passava incomodidades só Deus sabia por onde, eu disfrutava de seus territórios como um senhor. Comecei a folhar as fotografias de minhas revistas… mais me deteve insatisfeito: não me apetecia mirar isso. Guardei meus "tesourinhos" clandestinos e trate de dormir, mas não deu porque fui pressa duma insônia enlouquecedora. Às três da manhã ascendi à luz, me incorpore como sonâmbulo e me dirigi ao guarda-roupa em busca dos papeis subtraídos. Os contemple uns minutos e, como movido por um magnetismo estranho, comecei a examina-los embelezado. Nesse arquivo tinha muitas cartas íntimas. Em busca de alguma que me permitisse pegar o fio da historia recentemente conhecida, li os primeiros parágrafos de varias. E isto foi o que encontrei: Amor:

Faz alguns meses abrimos uma escola preparatória com intenções altruístas. Tem sido muito mais complicado e difícil do que imaginamos ao principio. Ocupados num mundo de trabalho administrativo, temos descuidado a razão principal do que empreendemos. Não devemos seguir permitindo-o. Nas duas semanas anteriores tenho-me informado de situações assombrosas que talvez você desconheça: três jovens do turno matutino abandonaram sua casa, uma garotinha de secundaria externa ficou gravida e um ex-estudante se acidentou em seu carro por conduzir ébrio. O meio em que se desenvolvem os jovens é cada vez mais perigoso. As bebedeiras, o amor livre, a deserção escolar, a rebeldia contra os pais são tópicos usuais entre eles. Ultimamente tenho posto atenção nesta grande decadência transmitida duma geração a outra. O mal se tem infiltrado incluso em lares de pais aparentemente instruídos e responsáveis que em forma inexplicável têm vindo a verme, desconsolados porque não sabem onde é que falharam. Então minha desesperação se converte em pânico. Na educação dos filhos se cometem muitos erros involuntários, erros que cedo ou tarde se revertem como uma avalancha de neve que nunca se sabe como nem quando se originou… Porem devo dizer-te que esta recente percepção do mal não é o único nem o principal que gira em minha agitação mental. Este último fim de semana encontrei algo. Algo tão estranho e inverossímil que não tenho


querido amostrar-te até saber o que é (ou até saber se é o que imagino). Esteve basculhando três velhas caixas com relíquias de meus pais. São as que resgatei da casa de mamãe quando faleceu, lembras?, e até o domingo passado não havia tido ânimo para revisa-las. É incrível a quantidade de coisas que guardam os andados: fotografias desfocadas, documentos escolares arcaicos e roídos, recortes de jornais amarelados e quebradiços, cartas inelegíveis e uma infinidade de objetos velhos como botões, cartões, livros e peças de roupa que, ainda deveriam jogar algum papel importante em suas lembranças, para mim não eram, más que lixo. Pois bem, entre todas essas curiosidades achei uma pasta com manuscritos ancestrais escritos em castelhano antigo com um valor verdadeiramente incalculável. Não me explico como puderam chegar aí, pois apesar de meu pai era historiador, nunca mencionou ter conseguido testemunhas originais. É tido que desempoeirar meus dicionários e anotações de raízes românicas para tentar decodificar a respeito desses escritos. Tem sido emocionante, meu amor, porque já tenho logrado interpretar alguns parágrafos e, sabe?, versam sobre o mesmo tema que me inquieta no trabalho: a superação dos jovens! Seu anónimo autor deveu ser um experto em textos bíblicos, e digo isto porque tenho achado muitas frases apoiadas claramente nas Escrituras. Não entanto, o interessante do caso não é a doutrina plasmada nessas folhas senão a sensação que me produzem de estar transitando o caminho adequado. Quem as escreveu morreu faz vários centos de anos tendo as mesmas inquietudes das que tenho eu! Te quero muito, meu anjo, e estou um pouco assustado. Sinto que Deus, a través de ti, temme encaminhado neste trabalho e agora tem começado a dar-me elementos para que faça nele algo mais do que tenho feito. Quero compartir-te que estou pendente de cada eventualidade com a firme convicção, nunca experimentada no passado, de que nosso terceiro filho não morreu em vão antes de nascer. Teu, Tadeu. Apenas terminei de ler, colhi o portfólios furtado para remexer nele com a avidez dum sedento que busca água. Saquei tudo o que guardava e o deposite sobre a cama de meu irmão. A localização do que ansiava encontrar foi quase imediata: uma pasta contendo documentos ligeiramente mais largos que as folhas tamanhas carta, pelo que suas bordas amareladas sobressaíam do resto. Extrai com cuidado a pasta e contemplei seu curioso conteúdo feito de um material resistente como a pele, flexível como a teia e fino como uma folha: se tratava de pergaminhos cor de açafrão e de odor ranço escritos com tinta violácea de traços irregulares. As letras eram quase normais, salvo um que outro símbolo estranho que se intercalava entre as palavras. Intentei ler, mais não logrei captar nem um ápice. Haviam frases como a seguinte: Joven, creed et cuedat todas cosas tales que sean aguisadas et non fiuzas dubdosas et


vanas. Guardatvos que non aventuredes nin ponga desde lo vuestro, de que vos sintades por fiuza de la pro de que non sodes cierto. E abonde nos estoque dicho vos avernos Cristo en qui creemos. E o mais fantástico era que se tratava de pergaminhos originais. Os acariciei com respeito, os aproximei ao meu rosto para cheira-los e sentir sua textura em minha bochecha. Nisso me encontrava quando se desprenderam algumas folhas brancas que tinham sido guardadas no interior. Com grande curiosidade me apressurei a levantá-las e descobri que eram os esboços de uma tradução desses documentos. Não se necessitava ser experto em testemunhos arqueológicos para perceber-se de que esse vade-mécum e sua incipiente interpretação eram em extremo valioso. De algo pude estar seguro então: ia a ter que devolve lo. Na tradução dos pergaminhos dizia: Não sejas altivo nem orgulhoso, pois perderás o tempo lendo conceitos de paz. Não porque tenhas ouvido muito podes considerar-te erudito. O que crê saber só é um fanfarrão. As verdades não se sabem, se sentem; não se aprendem se vivem. Ninguém pode ser sábio em sua própria opinião. Deixa-te guiar. Podes supor que estás fazendo o bem quando na realidade estás fazendo o mais cómodo e prazeroso. 1 O tolo tem por reto seu caminho. O sábio sempre está atento a os conselhos. 2 Só submetido à autoridade de Deus farás o bom e te irá bem. Cedo ou tarde todos têm que entender às leis morais da criação. Os rebeldes com lágrimas, sensabores e amargura. Os competentes (que fazem seus a experiência dos outros) com alegria e paz. 3 Examina tudo sem prejuízos e aprende o bom de tudo, porque até no ser mais insignificante ou estranho e até no problema mais "desnecessário" há uma mensagem para ti. 4

“Fingido, rosado, religioso, manipulador, impraticável", falei fazendo a um lado os papeis. De momento me pareceu que todo o que esse homem guardava em seu portfólios era produto de uma pessoalidade amaneirada ou de uma estúpida vocação sacerdotal. Contudo, creio que meus viscerais juízos não eram do todos sinceros porque retomei os escritos e segui lendo: 1 Romanos, 12, 16. 2 Proverbios, 12, 15. 3 Romanos, 12, 2-3. 4 1 Tesalonicenses, 5, 21.

Não te equivoques ao escolher a teus amigos.


Se eres bom busca aos bons. Que consorcio há entre a justiça e a iniquidade? Que comunhão entre a luz e as trevas?5 Não sigas o conselho dos malvados nem te sintas no banco dos burlões, porque o caminho dos perversos sempre tem mal fim. Tua visão é corta e imperfeita. O orgulho e a arrogância te faz supor que a gente está em tua contra e que ninguém te entende, mas isso é uma miragem mortal. 6 Sé de coração humilde. A vida te devolve sempre o que tu lhe das. O que é bom semeia o bem e lhe vá bem. Nunca o esqueças. 7 Mais que raios estava lendo? Para ouvir sermões me bastava meu pai. Mexi a cabeça desapontada. De modo que o diretor não era mais que outro adulto ordinário que colecionava máximas moralistas para perturbar aos jovens… Guardei todo no portfólios e lhe dei as costas para intentar dormir, mas aos poucos minutos me voltei sobre meus passos sem entender a razão e extrai da pasta de escritos pessoais outra anotação, cuidando-me de que no se tratara de más admoestações. Más una carta íntima. "Vamos a ver que outra historia inventa este doidinho", zombei em voz alta, ainda em meu foro interno, do que não tinha consciência, existia um grande desejo de seguir encharcando-me dessa estranha e inovadora forma de ver a vida. Elegi a missiva ao azar, sem preocupar-me por saber se estava datada antes ou depois da anterior, una curiosidade hipnótica mais forte que minha natureza sarcástica e leviana me impulsava a ler qualquer coisa que me ajudara a conhecer más a esse singular individuo que administrava minha escola. Levei a carta comigo à cama e a li completa antes de fechar os olhos. 5

2 Corintios, 6, 14-15.

6

Salmos, 1, 1-3. 7 Salmos 1, 4-5.

Helena: Há gente esperando-me na recepção e tenho assuntos pendentes sobre o escritório. Não estou em faculdades de atender nem a uns nem a outros. Preciso falar-te. Dizer-te que te amo e que me doe muito que tenhamos discutido. Estou convencido que a arte das artes é a convivência matrimonial, porque é a única disciplina que exige a perfeita coordenação de dois virtuosos na destreza de dar e perdoar. Hoje pela manhã ocorreu algo que me consternou sobremaneira. Cometemos o erro de fazer grande uma discussão pequena. Tornamos a chuvinha num furacão. Ambos contribuímos: tínhamos que sair no mesmo carro e tuas pequenas atividades num tempo valioso ameaçavam com retardar-nos a todos. Chamei-te a atenção porque, a meu juízo, se estava fazendo-nos tarde por tua culpa, e você me pediu que te ajudasse a por a mesa do café-damanhã de Ivette.


Nenhum dos dois escuto ao outro. O matrimonio é uma equipe no que se deve remar de forma semelhante sob pena de que o barco perca seu rumo. De termos sido "assertivos", o incidente não haveria passado a maiores. Eu só queria escutar-te dizer que sim, que me entendias, que ias a tratar de apressurar te, e você só desejava ouvir da minha boca que sim, que em quanto terminara de vestir-me te ajudaria com a menina. Mais em nenhum de nos coube a prudência. Defendeste tua posição e começaste a reprochar-me que "nunca" te ajudava. Então eu arremeti com mais severidade em minha reprimenda na orla da fronteira do respeito. Sentiste-te agraviada e contra atacaste usando a arcaica e ineficaz regra do "olho por olho". Mordemos o anzol de Mefisto. Caímos na armadilha de discutir sem controle. Usaram-se as duas palavras que devem estar terminantemente proibidas em nossos diálogos. As palavras malignas: "sempre" e "nunca". Quando se usam, mentimos e a difamação abre a porta de entrada à ira. É mentira absoluta que um dos cônjuges "nunca" ou "sempre" faça alguma coisa. Você foi a primeira em descer do carro com o bebê. Ivette e eu ficamos sós; chorou todo o caminho até sua escola e se negou a falar-me. Não nos percebemos de que nossos filhos eram os mais afetados pelo problema. Com cada desgosto dos pais se semeia no mais fundo do ser infantil a semente da inseguridade. E isso, ademais de injusto e vil, é desnecessário. Não posso atender meu trabalho porque tudo o que faço perde sentido se estou mal com minha família. Te quero muito, meu amor, e quero muito às crianças. Não gostaria que por viver um matrimonio sem ordem nem acordos os afetemos a eles; ou pior ainda, afetemos nosso mutuo amor. Vou a lutar por pensar em ti antes que em mim, em satisfazer tuas necessidades antes que as minhas. A regra de que o matrimonio é um intercambio ao cinquenta por cento é uma patranha. Se vivemos pendentes de que nosso parceiro faça a metade da relação, nos passaremos a vida julgando a atitude do outro e jamais estaremos satisfeitos. O verdadeiro amor é se entregar cem por cento, regozijando-se por ser correspondido, mais sem estar sopesando essa correspondência a cada minuto. Nada de que "te ajudo em tuas tarefas para que logo você me ajude com as minhas"; esse é um intercambio egoísta. Eu quero aprender a ajudar-te sem esperar tua ajuda, presentear-te meu ser inteiro, ainda que não receba una entrega igual. Desejo faze-lo porque te amo meu bem. Isso é tudo. Quero que saibas que faz muito tempo tenho deixado de atormentar-me com a ideia do "amor ideal". Isso não existe. No sou um príncipe de conto nem você uma princesa encantada. Somos seres humanos cheios de defeitos e eu te aceito tal como eres sem exigir-te mais. O amor cego é pueril. É miragem. De noivos os sentimentos são intensos e as emoções excitantes; de casados o coração late tranquilo e o entendimento mira a realidade. Mais não por isto o carinho se tem desvirtuado senão, pelo contrario, se trata de uma relação mais madura. O amor verdadeiro não é um "viveram felizes para sempre"; o amor verdadeiro é uma promessa, um voto de entrega; não é felicidade eterna senão crescimento harmônico


(ainda as vezes doloroso), não grande paixão ansiosa senão união beatífica. É certo que com o tempo se perdem detalhes formosos que se acostumavam antes. Detalhes importantes na medida em que se sentem saudades. Nós podemos recupera-los se o desejamos, como o ser atentos um com o outro, corteses, amáveis, considerados e delicados. Demostrar nos com esses detalhes diários quanto nos importamos. Eu quero lograr tudo isso porque meu amor por ti é honesto e verdadeiro. Desculpa-me a imprudência que cometi esta manhã. Não quis lastimar-te. Demos-lhe as costas ao rancor e às feridas e que esta raiva não nos abisme para subir um degrau a mais dessa formosa escada que nos conduze a Deus. Por sempre teu, Tadeu.


4 ASALTO À ESCOLA As ideias se compactavam uma traz outra como se de repente em minha vida se tivesse aberto uma porta, antes fechada, aos novos horizontes. Por primeira vez senti melancolia e solidão. Até então não tinha experimentado desejos de amar e ser amado. Parecia muito estranho, mais todo era produto de ter penetrado furtivamente na intimidade dum adulto tão despreciado. Finalmente me dormi. Quando abri os olhos haviam dado às nove da manhã. Pareceu-me inusitado que papai se tivesse ido ao hospital passando por alto sua rutina de acordar-me arrancando violentamente os cobertores de minha cama e abrindo as cortinas do quarto de par em par. Talvez o fato de que meu irmão Saul não estivera, ou talvez a desagradável lembrança da discussão que teve com o diretor o dia anterior, o tinha feito reflexionar ao respeito à forma de tratar-nos. O ruído da aspiradora me permitiu reconhecer à empregada em pleno inicio de jornada e a música clássica a mia mãe fazendo sua ginástica matutina. Excelente: era demasiado tarde para ir à escola. Levantei-me a recolher os papeis que tinha estado lendo até avançadas horas e que deixei cair ao ficar dormido. Os acomodei cuidadosamente. Ao fazê-lo, aprecie detalhes que na véspera me passaram despercebidos: No portfólios havia três pastas distintas, uma azul e duas verdes. A primeira continha manuscritos pessoais ordenados por datas: cartas a sua esposa, cartas a seus filhos e simples relatos íntimos como os que detalham um adolescente em seu diário. A pasta verde continha escritos à máquina: resumos expositivos, anotações e conclusões de temas pedagógicos, algo assim como as notas nas que um professor se apoia para dar sua cátedra. E a terceira pasta continha àqueles documentos estranhos e ininteligíveis com seus incipientes rascunhos de tradução. Também achei algumas canetas e vários lápis, uma calculadora, um belo dicionário espanhollatim/latim-espanhol e nada mais. Na casa não existiam sinais de que alguém se fora a preocupar por perturbar-me, assim que me embebi no material saboreando essa estranha sede de saber mais que experimentam os homens que leem. Já tinha penetrado nos domínios da coleção de redações íntimas e, como as traduções dos papiros arcaicos me causava uma espécie de mal estar estomacal, decidi extrair um folio dos expositivos. Antes de começar a leitura pensei em Saul. Onde haveria passado a noite? Que teria jantado? Com quem estaria nesse momento? Senti tristeza por ele. Oxalá que voltara pronto porque


necessitávamos lutar juntos para refazer essa decadente mais ainda não desenganada família. As anotações diziam assim: • O 48% dos matrimônios de primeiras núpcias fracassam. • O 80% dos fracassados se voltam a casar e na metade dos casos a família volta a ficar comprometida. • Quatro de cada dez meninos passam sua infância em lares de um só progenitor. • O 20% dos nascimentos são ilegítimos e o 60% destes proveem de adolescentes. • O 80% dos pais maltratam a seus filhos. A primeira causa de morte em meninos menores de cinco anos é o maltrato. • Em média, 32 adolescentes se tiram diariamente a vida em América. • O crime mais numeroso sem denunciar são os espancamentos a mulheres. • O 80% das famílias têm pelo menos um filho fracassado nos estudos. • O 60% dos pais renunciam à direção do lar quando os filhos se rebelam e fracassam. • El 95% das famílias de hoje sofrem um ou vários dos seguintes problemas: Frialdade e distancia moral do pai. Hostilidade, chacotas e falta de comunicação entre os irmãos. Machismo do pai e filhos varões. Normas rígidas, cambiantes e injustas. Malos entendidos contínuos pela comunicação superficial. Vidas independentes embaixo o mesmo teto. Vicios.* Caminhar pela vida arrastrando no subconsciente as lacerações que deixa uma má educação é como escalar uma grande montanha levando nas costas um baú com imundícias. De cada dez filhos de famílias anómalas somente um consegue desfazer-se da carga do lixo herdado e escalar a cima do êxito. Só um o consegue! Os jovens rebeldes elegem — não sempre de modo consciente —, o mal caminho para dar uma lição a seus pais ou irmãos, fazendo-os sentir culpáveis de seu fracasso. Estudos psiquiátricos revelam que a primeira atitude para regenerar atos delinquentes e depravados é lograr que consigam PERDOAR a algum familiar com o que conviveram em sua infância. Isto lança a premissa de que "rapaz problema" pode albergar em sua mente a mesma classe de ressentimentos familiares. Os pais danificam a seus filhos e os filhos devolvem de uma ou outra forma o dano, criando um círculo espantoso que lança enormes quantidades de indivíduos insatisfeitos ao mundo. A delinquência, a droga, a prostituição (a maldade em se), que ensombrecem à humanidade não são senão os frutos das sementes que se semeiam nos lares. A família é à base da sociedade porque todo homem e mulher que a conformam se fizeram numa família. Se a família se corrompe, a sociedade, o país, o mundo inteiro se


corrompe. Os governantes fazem o ridículo tratando de acabar com o mal; a origem de uma sociedade corrupta são as famílias corruptas. A procedência de um homem mau é uma má família. Não há mais. Isto é uma verdadeira mensagem urgente, Um grito desesperado antes que seja demasiado tarde: o que não luta por SUA família é alguém que, NÃO SE IMPORTA PORQUE OUTRA COISA LUTE, não merece ter o lugar que Deus lhe tem dado nesta terra. *Fuente de estadísticas en Latinoamérica, Revista People.

Eram palavras demasiado fortes para mim. Assim que joguei os papeis ao ar num gesto de birra pueril. "Embromação" me diz; mais ao ver as folhas voar por minha habitação de imediato prosseguia a reorganiza-las. Encontrava-me em tão molesta necessidade quando soo o telefone. "Meus amigos!", pensei. Saltei como lebre ao aparato e contestei: — Pois não? — Casa da família Hernández? — Sim, aqui é. — Necessito falar com o senhor ou a senhora da casa. É urgente. Chamo do Instituto Bécquer. Sou a secretaria do diretor. — Os senhores não se encontram — menti —, pode deixar-me o recado? — Se trata do jovem Saul — gritou a voz exasperada —. Está aqui, na escola! Veio a pedir dinheiro prestado ao diretor, parece estar bêbado e… A comunicação se cortou repentinamente. Alguém a interrompeu em origem. Saí da casa correndo passando junto a minha mãe que se encontrava em posição de flor de loto. Me pregunto para onde ia? mais não lhe respondi. A escola estava a só uns quarteirões, assim que corri com todas as minhas forças como se a vida de meu irmão mais velho dependera de minha presteza. Só eu podia convencê-lo de que voltara à casa (nem meu pai nem minha mãe, eles menos que ninguém, o conseguiriam), pelo que me alegrava de ter contestado o telefone a tempo. Quando cheguei à escola havia um grão alvoroço no vestíbulo. Vários mestres atendiam à recepcionista desvanecida; os alunos entravam e saíam. Lhe preguntei a um deles por meu irmão e me informou que acabava de ir-se. — Vinham num Ford preto. Saíram disparados depois de assaltar ao diretor. — Vinham? Pero não pude obter mais informação porque chegou a policia e a gritaria se fez ainda maior. Tadeu Yolza saiu a receber aos policiais e me mirou de soslaio. Teve o impulso de fugir mais me conteve: não tinha por que; eu era inocente. Enquanto ele falava com os agentes voltei a perguntar, agora a um de meus mestres, que foi o que tinha acontecido. Me informou que três supostos drogados ameaçaram à secretaria Gabriela e um deles entrou à direção a roubar. Mais também me diz mais porque o distraíram os improvisados paramédicos quando a


menina voltou em si. O licenciado Tadeu dava aos guardas uma descrição dos atracadores e fazia um breve relato do ocorrido. Quando quis aguçar meu ouvido, os pormenores já tinham sido mencionados. Havia urgência por prender aos malvados, assim que os oficiais se despediram prometendo voltar em quanto tivessem noticias. Os veículos da policia se retiraram fazendo ulular suas espantosas sirenas. O diretor entrou ao hall. Voltei-me de costas fingindo mirar a calendário da parede, mais ele caminhou direto para mim, me tomou do braço com muita pouca delicadeza e me fez passar a seu privado. — E teus pais? — Não o sei — lhe contestei com indiferença e me assentei presa de una inexplicável turbação. — Esta sabendo do que acaba de ocorrer aqui, verdade? Não contestei. O buchicho do exterior, todavia era demasiado forte como para permitir-nos falar com o sossego que ele pretendia. Ademais eu estava incontrolavelmente ansioso, ao grau de perceber certo reflexo temático que ameaçava pôr fim à entrevista com um espetáculo asqueroso. Intentei controlar-me. Respirei fundo varias vezes. Nesse instante não pude dilucidar o que agora, à luz de quem revive lembranças muito antigas, entendo. Não era por meu irmão, nem por o assalto, nem por o alvoroço geral que me encontrava tão nervoso; era porque frente a mim estava o proprietário do portfólios que tão escrupulosamente inspecione depois de furta-lo, o dono desses documentos excepcionais, o recompilador de dados e conclusões de valor doutrinal e, sobre todo, o autor das cartas de amor que tão indiscretamente analisei na véspera. Era ele. Estava frente a mim participando de uma larga pausa para recuperar a paz roubada (que era de momento, o único que podia recuperar-se). — Não diretor... —diz ao fim —. Não sei que passou. — Pois veio teu irmão Saul. Entrou no meu escritório intempestivamente pedindo-me dinheiro. O convidei a tranquilizar-se e então se deixou cair na cadeira na que você esta agora, queijando-se e levando-se as mãos ao rosto — se deteve com a vista fixa como tratando de compreender ele mesmo o ocorrido. Logo continuo —: Aproveite o momento para escrever lhe a minha secretaria una cartão urgente indicando-lhe que se comunicara com vocês. Teu irmão se balanceava murmurando coisas ininteligíveis quando dois sujeitinhos sujos e igualmente alienados entraram na escola para lançar-se sobre minha secretaria. Saí para tratar de acalma-los, mais vinham armados. Saul, detrás de mim, me pediu dinheiro outra vez. Dei-lhe o que trazia na carteira e imediatamente fugiram… — Que vergonha... —creio que murmurei. O diretor se pôs de pé para fechar as cortinas. Era um tipo grisalho de aspecto imponente, de estatura mediana e de complexão mais bem grossa. Pelo que li em suas pastas, devia ter uns quarenta anos, ainda que para meu gosto


aparentasse bastante más. O realmente interessante nele era a sua voz. Sempre pausada e tranquila, inspirando confiança e serenidade. Havia algo nela que me lembrava ao sacerdote que me confessou quando fiz minha primeira comunhão. — Queres um café? — me pergunto e eu franzi o entre sobrancelhas dizendo imediatamente que não. Claro que apetecia um café! Qualquer coisa era boa para tirar-me o sabor metálico do paladar… Mais tomar café com ele "guru" se me apeteceu ridículo. "EU? Já me imagino…" — Quero que me fales um pouco de tua família. Como são teus pais? Como se tratam entre irmãos? Mexi a cabeça sem poder articular som. Minha família é o pior desastre que um possa imaginar. — Vamos. Necessito saber de vocês. E não penses que me estou imiscuindo no que no me importa porque teu irmão me imiscuiu faz uns minutos. — De acordo… — contestei ao fim—. Meu pai é um tipo gordo de bigode escasso e irizado. Não gosta de usar gravata e nas festas sempre toma conhaque. Tadeu Yolza sorriu. Nunca antes o tinha visto sorrir. — Não me refiro a isso. De carácter…, como é seu carácter? — É como todos os senhores que conheço. Enjoado, exigente, gritão. Sempre crê ter a razão e é absolutamente fechado. Não aceita mais verdades que as suas, uma muralha; assim o qualifica a minha irmã Laura. Com ele não se pode falar. Ele diz que sim, mais é mentira. O meu pai também gosta de mentir. Crê-se um Deus. Senti que o rubor me invadia o rosto. Excedi-me em minha descrição, mais Yolza parecia comprazido. — E Saul? — increpou—. Como é teu irmão? — Antes era muito alegre. Passava-se escutando música e cantando. A todos nos gostavam suas piadas subidas de cor. Era estudioso e brincalhão nunca reprovou uma matéria. Assim era ele. Mais antes… — Antes...? — Antes que o expulsassem por primeira vez da preparatória. Ia a uma boa escola, o "Amsterdam". Isso foi faz cinco anos mais o menos. O mui idiota se enamorou de uma de suas professoras. Sempre o critiquei por isso. Imagine-se… Sua mestra era casada e estava gravida… Deteve-me assustado do que acabava de dizer. Era casual, mais encaixava com… Deus meu! Eu no me estava muito por dentro do que lhe passou a meu irmão Saul faz cinco anos. Só sabia que quis beijar a sua mestra e que o esposo o demandou. Meu pai não me permitiu assistir ao juízo mais parece que o demandante se arrependeu e levantou os cargos, pois o problema se solucionou pronto. O mais estranho foi que ficou proibido falar do tema em casa. Todos o esquecemos, menos Saul, que nunca voltou a ser o mesmo. —Minha esposa tem sido mestre toda sua vida — comentou fleumático o diretor —. Seu último trabalho foi precisamente na escola "Amsterdam"… Faz como cinco anos…


Apertei os punhos e senti que o suor me corria pelas bochechas. Era evidente que a desgraça da esposa do diretor podia relacionar-se com a de meu irmão. Yolza me mirava fixamente com a sobrancelha franzida. Sua mirada era demasiado profunda e sufocante. Pus-me de pé com intenção de sair imediatamente de ali. Tinha que fazê-lo. Desejava estar só. No me importava ser descortês, mais apenas comecei a caminhar à porta o diretor me alcançou para tomar-me fortemente do braço; voltei-me para ele, assustado, e me encontrei com seus penetrantes olhos. Então, aproximando seu rosto exageradamente ao meu, com a voz mais firme e o gesto mais seguro que lembro ter visto, murmurou: —Devolve-me mi portfólios…


5 TRÊS PASOS PARA A SUPERAÇÃO PLENA Ao voltar a casa parecia um velório: para chegar cedo, papai não deu consultas pela tarde; Laura não saiu com sua amiga; e mamãe se passou o dia chorando como Magdalena. Tinham investigado em hospitais, delegações, centros de assistência social… e nada, não tinha rastros de Saul. O que menos queria eu era aumentar a mortificação geral, de modo que traz sopesar o ocorrido na manhã, não comentei com ninguém o ocorrido. Não obstante, intentei faze-lo enquanto jantávamos. Fazia anos que não jantávamos todos juntos. Normalmente cada um se preparava o que podia e se ia com o prato a ver a televisão de seu quarto. Mais, coisa rara, essa vez mamãe fez no jantar. A cadeira de meu irmão precisou estar vazia para que isso ocorresse. — Creio que Saul se foi da casa para dar-lhes uma lição — proferi audazmente rompendo o silêncio. — Que dizes? — saltou papai. — Digo que a esta família lhe faz falta amor. Saul se os está gritando! Não estão percebendo? Meu pai se colocou de pé dizendo que não estava de humor para tolerar minhas impertinências. Contestei-lhe que ele nunca estava de humor quando se tratava de escutar a seus filhos. E despois de enrijecer sobremaneira, manifestou ter perdido o apetite. Retirou-se a sua habitação indicando que o pacote fechado sobre a mesa era um pastel que tinha levado para a janta. As mulheres da casa se comoveram e começaram a chorar, implorando ao varão que voltara à sala do jantar, mais ele não as ouviu. Foi una bofetada com luva branca para mim. A meu pai gostava dar esse tipo de bofetadas e eu o detestava por isso. Não quis retratar-me nem pedir-lhe desculpas. Para meu gosto sua paternidade deixava muito que desejar. Minha mãe se pôs de pé e se enxugou as lágrimas com um pano de cozinha; logo começou a repreender-me, ao que lhe contestei petulantemente. Então suavizou seu tom e tratou de explicar-me que pai se encontrava sumamente tenso e nervoso. Não a escutei. Nessa casa ninguém escutava a ninguém, assim que, por que tinha que fazê-lo eu? Mamãe se aproximou enjoativamente e me acaricio a cabeça. Eu no tolerei o carinho e, a minha maneira, repeti a mesma cena de papai: aventei o guardanapo e me fui a minha habitação. As duas mulheres da casa ficaram sozinhas. Não creio que tenham podido jantar. Em minha habitação me sentei na cama e me passai varias horas pensando sem poder mexer-


me. Sentia-me triste, arrependido, melancólico, nervoso. Por que meu pai era tão orgulhoso e difícil? Com a respiração alterada extrai os rascunhos dos documentos com exortações bíblicas e comecei a passear a vista sobre eles. Senti uma ansiedade sufocante ao encontrar recomendações que valeria a pena fazer conhece-las a meu pai. Tomei uma pena e papel e comecei a transcrever os conselhos, uma vez terminada a labor sai com intenções de deslizar a folha por debaixo da porta do quarto de pai. Era a única forma de fazer sê-la chegar, pois se o chamava, era seguro que ademais de não abrir-me, me lançaria algum insulto. Mirei o escrito anónimo duvidando e ao levanta-lo vi como mia mão tremia. Por isso, antes de decidir-me o li pela última vez: Quando estiver em tua casa evita gritar. Seja prestativo para escutar e tardo para a ira. 8 Uma resposta suave acalma o furor e detêm pelejas a tempo. 9 A língua mansa é árvore de vida; a perversa rompe os laços de afeto. 10 Não devolvas nunca mal por mal nem insulto por insulto. Seja compassivo, ame sem condições; seja dócil e fiel, assim abençoarás teu lar. 11 Quando estiver tentado a condenar a alguém, detenha-se e lembre-se que todo o que peca não sabe o que faz e merece ser perdoado. 12 8 Tiago, 1, 19.

9 Provérbios, 15,1. 10 Provérbios, 15, 4. 11 1 Pedro, 3, 89. 12 San Lucas, 23, 34.

Mexi negativamente a cabeça. Meu pai era doutor e os doutores que eu conhecia, ademais de nunca ter tempo para seu lar, criam ser os possuidores exclusivos do dom da "sabedoria infinita". Não. Se, jogava a folha por debaixo da porta lhe daria elementos para condenar-me e de nenhuma maneira o faria cambiar. Regressei a minha habitação e novamente me refugie nos escritos de Yolza. Os folhei um instante e ao final extrai um da segunda pasta (seu material para conferências). Por aquelas coincidências estranhas da fortuna, nessas notas se me deram com enorme claridade as respostas que buscava. Antes de atrever-me a começar a leitura li várias vezes o título. TRÊS PASOS PARA A SUPERAÇÃO PLENA

INTRODUÇÃO As Verdades do Amor existem desde sempre. É parte da criação divina. Para CRESCER verdadeiramente é imprescindível que te ponhas em contato com elas. Busca-las nos bons livros de superação pessoal, na Bíblia, em conferências sobre o êxito, em


homilias, em tratados de moral, em conselhos de amigos, em poesias, em canções. As Verdades do Amor estão ao teu alcance e deves empapar-te delas. Com sua ajuda irás descobrindo uma poderosíssima energia interior que há dentro de ti e que até agora desconheces. Uma energia com a que lograrás a realização diária e a felicidade. As formas nas que as "verdades" se nos dão são extraordinariamente variadas, bem que pelo mesmo existe o grande perigo de ficar imune a elas. Quase qualquer pessoa tem escutado muitas ao largo de sua vida e isso lhes faz supor que o sabem tudo. Por isso é tão difícil aconselhar a um adulto e por isso as pessoas adultas se superam com tão vergonhosa lentidão (em comparação com a celeridade com a que os jovens se superam). Todo o que digas à maioria dos adultos respeito a como melhorar, são sentencias que de uma ou outra forma já conhecem; mais não é suficiente com manejar os conceitos ou recita-los como pregador; há homens que atesouram toda a sabedoria do êxito e não entanto são uns perfeitos fracassados. Assim, pois, é imprescindível ler muito, documentar-se avidamente e, ao fazê-lo, seguir cuidadosamente três passos para que todas as leis lidas funcionem: PRIMER PASSO: CURVE TEU ORGULHO Imagina que estás ao borde de una montanha, justo no ponto em que si das um passo mais cairás ao precipício. Deténs-te e miras. Frente a ti, perto mais inalcançável, se encontra outro monte com verdes prados; podes vê-lo perfeitamente, mais não podes atravessa-lo. Necessitas uma ponte. Exatamente assim esta a gente que presume de possuir sabedoria, mais que é desafortunada. Conhece e é capaz de mencionar os segredos para triunfar, mais não pode vive-los. Encontra-se ao borde do precipício e apesar vislumbra a montanha da superação com toda claridade, esta forma parte de seu entendimento pero não de sua vida. Falta-lhe uma ponte para poder cruzar até ela: A PONTE DA HUMILDADE . Quando escutes conselhos de amor reconhece-te imperfeito; por mais que te queiras a ti mesmo, perceve que ainda te falta muito por aprender e que incluso um menino pode ensinar-te si eres receptivo. Sensibiliza-te e deixa a um lado o orgulho e a vaidade. Não percas o tempo murmurando sobre as aparências. Evita a toda costa distrair-te fazendo críticas insanas com relação ao aspecto à voz do orador numa conferência; não te recreeis inutilmente buscando erros ao estilo de um escritor; não zombes das expressões confusas; no censures os defeitos do mestre. Sé humilde e permanece atento para que sejas capaz de traspassar a densa nevoa das aparências e recebas o centelhar da luz que se te dará. Tua vangloria pode impedir-te entender até as verdades mais evidentes. Não sejas como os tolos que se creem superiores ao que está narrando uma historia só porque já a tem ouvido antes e se adiantam ufanos contando o final. Exclui-te e aprende. Nunca penses "é obvio", "isso eu já o sabia", "não é nada novo para mim", "tanto chegar para algo tão conhecido". Os adultos estancados repetem estas frases com frequência. Não basta com saber as coisas, há que vivê-las. O que abre sua mente, é simples de coração e guarda silêncio disposto a aprender, consegue


assimilar o que o ufano só consegue ouvir. Não há outro primer passo à grandeza: curve teu orgulho. Ao fazê-lo começarás a cruzar a ponte da humildade e então ocorrerá em ti o fenómeno iniludível: te, sensibilizarás e comoverás. Inclusive chorarás. Quando o orgulhoso logra quebrantar seu ego, se emociona e com lágrimas nos olhos reconhece: Realmente é grande e poderoso isto que escuto; eu o sabia mais nunca o tinha meditado tão a fundo! E só então começa a crescer. SEGUNDO PASSO: PERSEVERA EM SOLEDADE Que há do outro lado da ponte da humildade? Que ocorre na mente humana despois de que o cruza se comove e chora? Si pisa um prado em que podemos viver em carne própria os conceitos de superação e nos inundam enormes desejos de mudar. Desejamos ser melhores, fazemos planos, nos abraça a chama da automotivação e nada más. Quase sempre até ali chegamos para despois de uns dias voltamos pela mesma ponte rumo à mediocridade de antes, só que agora acreditando ter a experiência e a sapiência de palavras formosas, ainda inúteis. O anterior nos ocorre ao voltar às atividades e problemas diários despois de um retiro espiritual, uma conferência, ou a leitura de um livro que nos fez reflexionar. É um fenómeno do homem ordinário: sempre esquece seus propósitos e volta a ser como antes. Se quiseres superarte, deves ter a precaução de não regressar. Uma vez que aprendas algo e te proponhas aplicar ló, há que dar o segundo passo: Lutar em soledade para interpretar a teu modo os conceitos. A filosofia do êxito é como um perfume que não pode cheirar-se até que o combinas com tua própria essência. Não aceites sem pensar as coisas que se te digam por que seria igual que si não se te tiveram dito. Só quando dilucides a tua maneira as teorias de outros as converterás em tua verdade. Ao chegar a este ponto deves estabelecer longas considerações à porta fechada contigo mesmo; deves orar meditar, relaxar-te, fazer que os conceitos penetrem em ti, chegando a tuas próprias conclusões, pondo-te de acordo contigo e nada mais que contigo da maneira como aplicara em tua vida o aprendido. Esta prática em soledade é imprescindível e deve ser constante, deve volver-se um hábito. Só nela o conceito de "Deus" deixa suas matizes mitológicas para brindar-te alternativas de realidade. Há muita gente que lhe teme à soledade, que apenas se vê apartada acende a televisão ou chama a algum amigo pelo telefone; é gente que nunca deixa o lodo da mediocridade. Aprende a encontrar-te contigo mesmo para disfrutar de tua própria companhia. Só assim assimilarás a sabedoria que te levará à cima. TERCEIRO PASSO: DÊ TESTEMUNHO DE TUAS CONCLUSÕES Uma vez que tenhas permanecido no vale da meditação a sós, deverás compartir tuas conclusões com as pessoas. Não tenhas medo de dizer algo que já se tem dito. Tua maneira de comunicar-te pode ser, para muitos, mais poderosa e reveladora que as que conheceram


anteriormente. Deus pode usar teu estilo único de expressar-te para salvar alguma vida perdida. Assim que fala, escreve dita-cursos, dá conselhos, converte-te em pregoeiro do amor que tens logrado assimilar e viver em soledade. Só cuida-te de não volver-te um charlatão ou um presumido. Não te ufanes de teus conhecimentos, não ensines com altivez. Para falar deves praticar constantemente a humildade de espírito e a meditação em soledade. Se assim o faces, aconselha sem medo. Não importa que ainda não tenhas comprovado a eficácia de tuas teorias, porque nunca o lograrás até que as compartas. Há pessoas muito “sabias” que não diz quanto sabe por que espera que seus segredos a transformem primeiro em alguém superior. Mais isso nunca ocorrerá. Para que as verdades do amor transformem a uma pessoa deve fechar-se o círculo de comparti-las. É uma espécie de broche de ouro que só mostra seu brilho quando se exteriorizam os nobres ideais. É uma lei infalível: os escritores de superação, os psicólogos, os laicos e até os sacerdotes mesmos só começam a viver plenamente as ideias nas que creem até que se comprometem com elas ao divulga-las. Os grandes tesouros que não se compartem se voltam como água estancada que em pouco tempo se descompõe e faz dano a quem a tem. É importante lembrar que para lograr o êxito na vida se requer, primeiramente, pôr-se em contato com os conceitos do amor, e una vez frente a eles seguir três simples passos: l.- A humildade de coração. 2.- A meditação em soledade. 3.- O testemunho de tuas conclusões. Não pode faltar nenhum dos elementos. Agora já o sabes. O caminho ao êxito está ao teu alcance. Só falta que o transites.


6 TUMULTO NA AULA Estavam começando a baixar a pesada cortina de ferragem quando entrei ao estabelecimento. Minha respiração era agitada e sonora. Por causa disso tal vez decidiu atender-me, ainda quando fosse hora de cerrar. — Quero una copia de cada folha — diz ofegando, ao momento que depositava sobre o mostrador o voluminoso conteúdo das três pastas. — Tens que deixa-las para pega-las despois. — Não posso. Urgem-me. Tenho que devolvê-las amanhã cedo. Era verdade. A empregada fez um gesto de franca moléstia e virou-se a ver a seu patrão. Este pessoalmente se aproximou e tomando as folhas começou a fotocopia-los. Entregaram-me as folhas terrivelmente desordenadas. Passei quase uma hora arrumando-as em minha casa. Mais valeu a pena. Não podia devolver o portfólios a seu proprietário sem conservar para mim copias do material que havia causado tão excitante revolução em meu estado de ânimo. Com a calma de quem vê os toros, já não desde a barreira senão na comodidade de sua sala num vídeo projetor retrospectivo pode dizer agora que fotocopiar essas folhas foi o ato mais sensato que teve em minha juventude. Quando hoje delineio com a pena são lembranças de faz muitos anos que, ainda escritos cronologicamente, os extraio de um banco de memoria no que aparecem unidos, revoltos e emaranhados. Desde aquela época já pensava em escrever o aprendido, pero agora me dou conta que não poderia fazê-lo fielmente carecendo de essas copias fotostáticas nas que me apoio tanto e que, por certo, ao longo de minha vida tenho lido e relido. Percebo-me, incluso hoje, que talvez por essa influência tão grande tenha adoptado uma forma de relatar mui similar à usada pelo diretor em suas anotações. Por isso os comentários feitos aqui e postos na boca do jovem que eu era então provavelmente não correspondam na linguajem florida e vulgar que realmente costumava usar. O dia seguinte chegue muito cedo à escola. Antes que o senhor Yolza e que Gabriela. Espiei durante uns minutos ao faxineiro e quando este saiu do escritório limpando o chão, com a vista fixa no assentamento, me apressei para depositar sobre o escritório da direção o portfólios de pele. Não deixei nem una nota nem quis esperar ao proprietário. Entrei a classes


como flecha, esfregando-me as mãos suadas na calça. Outra vez tinha me saído com a minha. Não ia a ser sempre assim. Nosso professor chegou tarde à classe. A aula estava ligeiramente sobre ocupada, assim que a algaravia dos alunos sem o que fazer era quase una romaria. Uns vocalizavam, outros, em grupinhos, contavam piadas de alto conteúdo erótico-filosófico, outros se puxavam e se golpeavam numa brincadeira tosca e perigosa, uns pichavam as paredes enquanto outros brincavam ao cachorro e a lebre perseguindo-se grosseiramente sobre as escrivaninhas e companheiros como se não existiram. Os vapores iam subindo de tom ao passo dos minutos. Um professor impontual numa escola preparatória pode ser o culpável de que os alunos terminem queimando as instalações. E o professor Ricardo era impontual, ademais de tímido e ansioso. Quando entrou ao salão com quarenta minutos de retraso, ninguém fez o menor intento por comportar-se. O recinto se havia convertido em um bacanal. Pululavam os gritos e queixas, émulos de uivados, balidos, mugidos e bramidos. Esses em cima de estes opinavam sobre as meninas e as meninas se queixavam agredindo como resposta a aqueles. Fazia calor e havia humidade. O professor intentou calar-nos, mais foi vaiado estrepitosamente, a mais de receber projeteis manufaturados com bolas de papel, cadernos e lápis. Como menino assustado se cobriu o rosto impotente e todos nos rimos dele. Não éramos um grupo de delinquentes como os que se vem nos filmes de bandos estadunidenses; só éramos garotos comuns e correntes empunhando erroneamente o estandarte da liberdade. Nessa escola quase qualquer mestre houvera podido deter a bagunça e controlar-nos, mais Ricardo não. Faltavalhe autoridade. Sempre lhe havia faltado. — Jovens — nos espetava quase inaudível —: fiquem tranquilos o chamarei ao diretor. Mais sabíamos que não se atreveria a fazê-lo; era como declarar abertamente ante seu chefe o incompetente que era. Não entanto, infiro que o ruído produzido esse dia em esse lugar traspassou um traz outro os canceles da escola porque repentinamente a porta se abriu e apareceu o senhor Yolza. Os gritos foram abaixando de intensidade até converter-se em murmulhos. Todos voltaram aos seus lugares escudando-se na quietude do grupo. Ninguém estava disposto a deixar-se culpar pelo ali ocorrido. O diretor entrou na aula fazendo a um lado com os pés o lixo que encontrava em seu caminho. Fulminou com a mirada ao “professorzinho”, quem abaixo o olhar envergonhado, e logo nos enxergou a nós. O homem tinha presencia e autoridade. Em varias ocasiões o tinha visto expulsar sem nenhum temor a companheiros altaneiros duas vezes mais corpulentos que ele. Ademais: era sua escola. De imediato me percebi de que na mão direita trazia a pasta azul do portfólios, a que continha suas anotações a máquina, como se ao estar revisando-os houvesse tido que vir de pressa à sala trazendo-os consigo sem dar-se conta. Senti-me sumamente angustiado ao pensar que pudesse mencionar algo do botim recentemente recuperado, assim que me abaixei tratando de passar despercebido.


Passeou-se frente ao quadro-preto sem falar; quando advertiu de soslaio as obras pictóricas nele realizadas, se deixaram ouvir umas risadinhas furtivas: plasmada sobre o encerado estava à caricatura franzina e larga do professor Ricardo unida morbidamente excitante à rechonchuda figura da professora Anita. Dentro do contorno, como numa radiografia clandestina, se tinham desenhado os órgãos sexuais dos docentes: dum girino narigudo jogando-se sobre una bolinha sorridente que lhe alargava os braços. Yolza tardou um pouco em reagir. Finalmente segurou o apagador e fez desaparecer com mão firme a ilustração. "É uma lástima", pensei, "realmente era um bom desenho". Logo passou a mirada sobre seu caprichoso público e moveu a cabeça. Exibia-se cansado e preocupado. Em seu semblante não se advertia enojo algum, era más bem algo parecido à desilusão. — Não me molesta o que tem acontecido aqui — diz finalmente com voz grave, — são jovens, estão cheios de energia, a euforia se desborda por seus músculos — se encolheu de ombros —. Não me perturba…, é normal… Quero dizer, eu também fui estudante e era divertido alocar-se e desafiar à autoridade. Eu entendo isso... Parecia um cenobita lutando por compreender filosofias ascéticas. Começou a caminhar de um lado a outro da sala mui lentamente. Os alunos ficaram intrigados. Esperáramos uma forte reprimenda e eis ali que o máximo censor se passeava frente a nos como si tivesse um grande problema e precisara de nossa ajuda. — Estou tratando de entender — começou a levantar o tom da voz — porque jovens mais velhos, como os senhores, que deveriam estudar já na universidade, tem decidido por perder a sua vida. Porque não estão preocupados por sair do buraco, porque seguem reprovando matérias com tão despreocupado descaro, porque se seguem comportando como adolescentes de treze anos… por que…? Ao chegar a este ponto havia aumentado tanto o volume de sua voz que os murmulhos iniciados quando o vimos titubear desapareceram totalmente. Yolza levantou com a mão direita à pasta azul que continha as anotações de superação e espetou: — Tenho passado noites inteiras tratando de decifrar a razão pela que tantos rapazes, aparentemente normais, filhos de boas famílias, se deixam arrastrar pela abulia e se voltam rebeldes fracassados. Pero me faltam elementos — deixou cair o maço sobre o escritório como se nada do que houvesse nele servira —. Os senhores são esses jovens, e uma de duas: ou há algo em seus sentimentos que ainda desconheço ou são uns bandos de idiotas "quadrados"… As palavras do diretor provocaram excitação no ânimo de vários de nós. Ele não tinha ido a corrigir-nos nem a castigar-nos. Tinha finalidades distintas. Queria meter-se em nossas vidas e isso, por desusado, nos pus imediatamente à defensiva; mais à vez, coisa curiosa, nos agradou sobremaneira. — Quero fazer hoje o que nunca tenho feito. Falar com os senhores como um amigo. Um


amigo que se interessa por ajudar, pero à vez necessita de ajuda. Tira-me o sono pensar que a festa romana que se armou aqui faz uns minutos é o comum denominador de suas vidas. E não sei si me entendam, pero se sou incapaz de mudar isso, meu trabalho neste lugar perde totalmente seu sentido. Eu sim o entendia. Meus companheiros não. Mais ninguém falou. A todos nos parecia dispostos a escuta-lo. Os inteligentes pressentiam algo benéfico e o resto ao menos estava disposto a participar dessa classe tão fora do comum. — Vou começar dando-lhes meu ponto de vista, pero lhes advirto que não tenho vindo a pregar sermões. Quero escutar o que pensam, quero rebater e que me rebatam. Hoje todos vamos a tirar algo bom de esta sessão. Estamos de acordo? Ninguém contestou. Estávamos acostumados aos resmungos, às ameaças e os gritos e essa atitude de cumplicidade nos desconcertavam. O diretor parecia ávido de comunicar-se, como se estivera seguro de que obteria algo, já de esses jovens desconhecidos, já dessa serie de tolos "quadrados". Lembrei que a simplicidade de coração era o primer passo para aprender; recordei que para poder receber uma mensagem não devia criticar, nem buscar defeitos, nem censurar a aparência do expositor e, posto que estivesse recebendo um exemplo claro de humildade, eu mesmo quis concentrar-me nela. Ignoro o que meus companheiros pensavam, pero se adivinhava um ambiente ansioso. O que se sei é que nenhum imaginou que essa ocasião se converteria numa das lições mais inesquecíveis de nossas vidas. — Eu cheguei à conclusão de que a maioria de vocês são o bastante maduro em muitos aspectos, exceto num: seu sentimento de aceitação social. Por isso tem fracassado nos estudos e por isso fazem tantos disparates. A gente necessita ser aceita e querida pelos demais. É uma necessidade psicológica do ser humano; proba de isto é que quando nos vemos deslocados ou ignorados, a ira se desperta facilmente em nos. Assim de simples: vocês não se sentem suficientemente queridos e aceitados… Ninguém pareceu num principio muito de acordo com o diagnóstico, e vários de meus companheiros se adiantaram ao borde de sua cadeira dispostos a protestar. Emocionei-me um pouco. A polémica se punha interessante. O diretor caminhou até o escritório, tomou a pasta azul entre suas mãos e folheou o conteúdo até que se deteve e começou a ler. — O individuo que se crê pouco aceito adopta algumas das seguintes atitudes: l.-Se retrai para converter-se num ser calado, tímido e fugidios. 2.-Faz brincadeiras, piadas pesadas ou protagoniza agressões, sempre escondido entre os demais. 3.- Tem una marcada tendência a falar de se mesmo e não é capaz de escutar a alguém sem pensar à vez no que contestará para seguir-se vangloriando. 4.-Adota atitudes fingidas e acomodatícias. Para ser aceito aparenta ser o que não é e diz pensar o que não pensa.


5.-É tímido e servil com os poderosos e autoritário e sarcástico com quem crê ter poder. 6.-Se auto etiqueta em quase todo. Com frequência se classifica dizendo "eu sou das pessoas que…" 7.-Se preocupa excessivamente por sua aparência física. 8.-Critica constantemente aos demais . La voz do senhor Yolza ressonou na aula como si tivera eco. Fechou sua pasta lentamente e nos mirou a um por um por primeira vez. Meus companheiros, que pareciam tão dispostos a objetar, o tinham pensado melhor. Assim que quando levantei a mão todos me observaram ansiosos. Eu mesmo me assombrei de tê-lo feito, mais isso que o mestre leu me parecia desmedido. Identificava-me com os oito pontos! Quando Yolza me concedeu a palavra, o coração começou a later-me até a dor. De algo pude estar seguro nesse instante: ninguém sairia de ali sem ter aprendido algo.


7 A ESCALA DE GENTE PRIORITÁRIA — No estou de acordo — proferi sem ter previsto o que desejava expressar —. Quero dizer, pode ser que nos falte isso que o senhor mencionou, porque eu me identifico com os oito pontos… una gargalhada coletiva, que diluiu a tensão e me produziu um sorriso inesperado, interrompeu minha dissertação. Yolza também sorriu. — Esperem — levantei uma mão tratando de recuperar o silêncio—, me refiro a que se ser aceito pelos demais é uma necessidade tão importante, não creio que tenha uma só pessoa capaz de satisfazê-la. Sempre haverá alguém que nos desprecie. Um murmulho matizado ainda de certa hilaridade por minha recente confissão se levantou como sinal de acordo. Tomei assento comprazido. — A que te referes Gerardo? A ser aceito e querido por todos? —preguntou o licenciado colocando uma exagerada ênfase na palavra ‘todos’—. Se for assim, estás no correto. Não existe ninguém nesta terra que possa conseguir isso, pero há oito características no individuo que se sente rechaçado e não todos as manifestamos, assim que onde crês que está a clave? Fique mudo percebendo como se incrementava novamente minha frequência cardíaca. A clave? Lembro que recém essa noite julgue a resposta como algo evidente, mais nesse preciso momento não se me ocorreu nada. — Una escala de valores? —falou timidamente a miúda mais inteligente companheira Avelina. — Exatamente! — explodiu Yolza—. Isso é! Ainda não o chamaremos de "valores" porque teríamos que mencionar slogans como procurar a honradez, adquirir cultura, defender a verdade e outras similares. Melhor a chamaremos "escala de gente prioritária". É preciso, o melhor direi "é urgente", que cada um de vocês faça uma lista das pessoas com quem convive para despois classifica-las em ordem de importância: noiva, amigos, companheiros de escola, de trabalho, conhecidos, vizinhos, familiares distantes, pais, irmãos, etecetera. E uma vez feito isto, por especial cuidado em cultivar não só a aceitação, senão o amor mesmo de quem ocupem os primeiros lugares em sua escala. O resto da gente não deve interessar-lhes neste aspecto! Entendem isso? Se algum companheiro de pouca jerarquia para vosso sentido de aceitação lhes pede que façam algo no que não estão de acordo e vocês se negam, o rechaço, à burla ou a agressão que obtenham por negar-se não poderá afetar-lhes. Tal vez lhes incomode, pero nada mais. Cada um de vocês conhece suas prioridades. São amados pela gente que lhes importa e pronto. Ante vocês mesmos e ante os demais começaram a exibir a


imagem de pessoas maduras e firmes que não são fantoches de ninguém. Deixaram de seguir o jogo aos insolentes que alimentam sua suposta segurança chamando a atenção e não participaram mais em tertúlias como a que se organizaram aqui faz um instante. Yolza terminou mirando-me outra vez diretamente. Tal vez por casualidade…, tal vez não. — Que pensas? — me perguntou—. Qual seria tua escala de gente importante? Neguei-me a contestar. Se por houver tomado em "préstimo" o portfólios um par de dias atrás, estava decidido a bombardear-me a preguntas, eu lhe demostraria o teimoso que era capaz de ser. Ademais, o licenciado podia estar seguro de que não figurava em minha lista de gente prioritária, assim que seu rechaço me seria indiferente. — Alguém deseja participar? — preguntou ao detectar minha pouca disposição a fazê-lo e sinalando com o índice a Tomas, um companheiro a quem descobriu distraído. — Bom — contestou este para nossa surpresa—, eu diria que as pessoas importantes para mim são minha noiva e dois, não mais bem três amigos; logo minha mãe e depois todos os demais. — Bem — assentiu Yolza meditabundo—, alguém mais? Ainda de momento no houve quem se atrevera a fazer pública sua escala, aos poucos às opiniões se sucederam uma trás outra. O licenciado moderava a longitude das intervenções dando e concedendo a palavra, em espera talvez de um juízo mais organizado e maduro. Seu nascente sorriso de triunfo se assomava para desvanecer-se uma e outra vez. Finalmente, quando ninguém mais quis opinar, se esfregou o queixo em gesto dubitativo e voltou a sua pasta azul para dizer enquanto a folheava. — Nestas páginas tenho transcritos parte de uns textos antigos mui interessantes que versam sobre a moral e o êxito. Um dos primeiros pontos que tratam é precisamente do que estamos ocupando-nos agora. Deteve sua elocução para dar uma longa mirada aos rostos de seus jovens ouvintes. "Escala de valores" e "gente prioritária" eram assuntos sobre os que não costumávamos meditar. A maioria dos garotos de minha geração vivia sem mais complicações que simplesmente viver. Obviamente não era o caminho mais seguro. Tadeu Yolza começou a ler suas notas com a seguridade de quem pregoa uma lei infalível: O homem saudável e triunfador exalta seu coração primeiramente a Deus e nada mais que a Deus. E em segundo lugar a sua família. Despois pode querer a qualquer outra pessoa, mais se os primeiros dois lugares do espírito se alteram, sobrevém o desequilíbrio e com o desequilíbrio o mal… Um longo silêncio nos envolveu. Não houve um só que manifestara essa ordem em suas prioridades: primeiro Deus e logo a família. — O tema de "Deus" — retomou o diretor—, é delicado porque se trata de um conceito muito pessoal. Tem que ver de algum modo com certo tipo de crescimento interno similar ao físico e cujas análises nos levaria horas. Por hoje pensemos simplesmente em Deus amor. Não nele Deus dos fanáticos delirantes que matam e violam os diretos de outros por


"inspiração divina". Concentrem-se no Amor Infinito e chame-lhe como costumam chamarlhe. É seu Criador. De quem e para quem provem e se dirigem. É a parte bela de vocês, é a moral, a caridade, a esperança; é seu enorme desejo de bondade; é sua razão transcendental de existir; é a pessoa de virtudes infinitas com a que de algum modo se relacionam; a pessoa que deve ocupar o primer lugar em sua vida. E nada mais. O diretor se deteve como duvidando se seguir o não falando de essa prioridade. Evidentemente decidiu não fazê-lo porque continuou da seguinte forma: — Em segundo lugar devem ter em seu coração a sua família e depois todos os demais que desejem. Não importa que seja o que seja. Mais não se troque nunca a ordem das prioridades básicas, porque sobrevirá o desequilíbrio e com este o mal. — A que se refere o senhor quando diz "família"? — preguntou ironicamente Tomas —. Na minha somos tantos que para as reuniões de Natal temos que alugar campos esportivos. Um novo buchicho se suscitou em festejo à colocação de Tomas, mais pronto se apagou. Tinha-se despertado um interesse verdadeiro pelo exposto. — De acordo — contestou Yolza —. A família a quem deves reservar tão importante lugar em tua escala de prioridades está composta por teus irmãos e pais. Nada mais. Mais tem cuidado: quando te cases, a família que formes com a tua esposa, tenhas filhos o não, ocupará a primeira jerarquia deslocando irretocavelmente à de teus pais. Nesta sala não há ninguém casado, assim que ao falar da família nos referimos aos pais e irmãos de vocês, a quem deveram fixar no primer lugar de importância depois de Deus. O silêncio que seguiu não era de avidez nem de meditação: era de desacordo, de ira. Os que antes se haviam adiantado ao borde de sua cadeira o tinham voltado a fazer como dispostos a pular sobre o orador. O restante, inclusive os distraídos habituais, agora se encontravam atentos com gesto de contrariedade. Sonia, uma mocinha de longas tranças, não destacada precisamente por sua desenvoltura, começou a objetar com intensidade decrescente, de modo que até o final de sua intervenção ninguém entendeu o que diz: — Isso é ilógico. Nossos pais pertencem à outra geração. Não nos entendem nem os entendemos, ademais… — e Ainda seguiu mexendo a boca, sua vozinha se perdeu por completo na lama. — Pode explicar-se melhor? — a invitou o licenciado, mais Sonia não quis voltar a falar. Ao verme livre de pressões me pus de pé presa de una excitação inarrável disposto a refutar ao adulto que tão interessado se tinha mostrado antes, em meu discernimento. —Eu não sei nada de Deus — diz com voz forte Ainda estranhamente aguda —. Se existe, creio que é um ser injusto e indiferente, mais como já se mencionou isso seria tema longo. Eu quero falar do que, segundo o senhor, deve ser nossa segunda prioridade: a família. Pois bem, eu não aguento à minha, e melhor dito não aguento a meus pais, assim que lhes falo o menos que posso, os ignoro porque não se merecem outro trato, parecem ser de galho seco quando reclamo, por tanto não me dirijo a eles mais do que para o necessário. Eles têm o que merecem. Não tem sabido serem meus amigos. Claro que os obedeço quando me ordenam


algo. Sempre o fazem gritando e de má vontade eu faço seus mandatos sem objeção, mais os amaldiçoo por dentro. Às vezes penso em dar-lhes uma boa lição. Se o merecem. Mais não o faço. Quero manter minha consciência limpa. Risadas, aplausos, felicitações e protestas foi todo unanime. Não pude seguir porque Adriano, um companheiro dos que chamávamos "moranguinho" por suas alusões continuas à opulência, tomou a palavra: — Todos os adultos são iguais. Aos rapazes nos odeiam porque somos diferentes. Já se lhes olvidou que eles também foram rejeitados por seus pais. É una lei natural. Eu não me levo bem com meus pais porque é o natural. — Natural? —contestou violentamente o licenciado com o queixo estranhamente desajeitado de seu lugar—. Eu sim te vou a dizer o que não é natural: que um jovem neófito e improdutivo venha em carro a uma escola particular, carregando seu telefono celular na mochila. — O dinheiro não o é tudo — se defendeu Adriano. — Não o é tudo, mais vem de carro, não é? E tens para por gasolina, vistes bem e, ao igual que teus companheiros presentes, têm uma casa para onde ir quando sais daqui. E nessa casa há una caminha onde dormes. Não o é todo, é certo, mais como o disfrutas? Como o disfrutam todos vocês? Não foi o único que quis rebater. O descontento era geral, mais o mestre levantou ainda mais o tom da voz para evitar ser interrompido. — Seus pais não são maus, reconheçam-no. Não tem em absoluto malas intenções para com vocês! A vida deles gira em torno do trabalho e a imponente responsabilidade de dirigir um lar em que não querem que lhes falte nada! Com grande esforço tem ganhado o que tem para brindasse-lo a vocês! Entendam isso! Se eles são tão desprezíveis e não merecem sua amizade, por que vocês recebem seus presentes? Como podem ser vocês tão vis para desfrutar o que lhes dão sem protestar e em troca, pelo baixo, detesta-los? Não lhes parece una baixeza? Se tão razoavelmente argumentam que não querem saber nada deles, que fazem ali vivendo a seu lado? Por conveniência? Tomando a casa como um hotel, ingerindo a diário comida que não tem ideia de como se conseguiu nem preparou, prestos sempre para exigir bem-estar sem estar de nenhum modo dispostos a corresponder. E no me venham com que é obrigação deles dar-lhes dinheiro, comida e casa porque há muitos, muitíssimos pais que não o fazem. — Abaixou um pouco o tom de sua elocução para prosseguir com o ar de quem confessa um grande temor —. Eu tenho dois filhos e vivo por eles. Todo o que faço de uma ou outra forma, é em pro de seu bem-estar e — abaixou a cabeça consternada —, que injusto e triste seria para mim que dentro de pouco decidam ignorar-me só porque a seu juízo não tem sido o pai ideal! E o pior é que seguramente será verdade; não o haverei sido, mais Deus saberá quanto terei luchado por sê-lo. Se meus filhos e eu chegamos a sentir um antagonismo como o que se tem referido aqui, mais honesto será que vivamos longe. Entendem isto? Que fazem vocês na casa de seus pais se eles não merecem sua amizade? Extrair-lhes o que eles produzem como verdadeiras parasitas?


— Basta — protestei não podendo suportar tão controverso ataque —. Meu irmão se foi da casa — anunciei com certo ar de presunção — e sabe una cosa? Eu também estou pensando fazê-lo mui pronto. — Pois adiante! Não é vital que vivas com gente à que detestas por tanto. Larga-te desse lugar igual que Saul e dá-lhes um pouco de paz a teus pais. Tomei minhas coisas com raiva e tratei de sair pela porta, mais o diretor se interpôs. — Antes terminará de ouvir-me, Gerardo. Já pensaste onde pode estar teu irmão? Ele regressará pronto, terrivelmente arrependido de haver-se ido. E se não volta, jamais logrará endireitar sua vida. Pensa-lo um pouco. Não há nada como nosso lar, por mais defeitos que tenha. Se fugires, terás que buscar teu refugio em casa de algum amigo ou familiar para converter-te, agora sem publicamente, num arrimado mantido, e isso enquanto te aguentem. Buscarás trabalho? E de que? Se não sabes fazer nada. Não estás capacitado. Andarás rodando de um lado a outro como vagabundo e deixarás de estudar. Tal vez consiga emprego de garçom e te fales de "você" com as vassouras e os desinfetantes para banheiros; serás tratado como um burrico pela gente e aprenderás a odiar cada dia mais a teus progenitores, juntamente que lembrarás tua cama suave, teu lar limpo, tua sopa quente, lutando por sair da lama e afundando-te nele cada dia mais. Conhecerás mui de perto a droga, a prostituição, a delinquência e todo porque eres um tolo que se crê injustamente tratado por seus pais, quando seguramente tens sido você quem os tem qualificado com injustiça. Sem dar-me conta havia ido retrocedendo passo a passo até volver a meu lugar. Senti uma terrível pressão em meu peito a ponto de explodir. Debandei-me no banco e abaixe a cabeça. Tadeu Yolza continuou falando-me com voz mais pausada e suave. —Não sejas tonto. Você tem uma família. Tem! Quanto vale o que tens? Se te deram cem mil reais pela vida de tua mãe, permitirias que se morresse? Se te pagaram duzentos por teu pai, o deixarias morrer? Você possui o que muitos jovens quiseram: uns pais que, é certo, não são perfeitos, mais a sua maneira só vivem para dar-te o melhor. Não te correspondem julga-los nem critica-los; corresponde-te ama-los, perdoa-los. Com tuas atitudes rebeldes o único que consegues é que eles te tratem com energia, confundidos e temerosos porque querem educarte e tem muitas duvidas sobre como fazê-lo. Ninguém lhes ensinou a serem pais. Mais podes estar seguro de que suas intenções são as melhores e anseiam proceder com bondade. Dizes que não sabem escutar-te, mais por que tem de fazê-lo se você tampouco os escutas? E não me refiro ao ato de calar quando te falam; refiro-me ao fato de interessar-te em seus sentimentos (porque eles também têm sentimentos e sofrem e temem igual que você!), de perguntar-lhes sobre suas tensões e problemas, de dar-lhes uma opinião sincera ao respeito, de adentrar-te realmente em suas vidas com o interesse e agrado de alguém que os ama de verdade. Uma lágrima caiu sobre a paleta de minha banca e minha visão nublada se aclarou um pouco. Quando éramos menores, meu padre costumava comentar-nos as coisas que lhe ocorriam no hospital e todos opinavam. Pouco a pouco ele se foi precatando de que seus assuntos já não nos interessavam e deixou de conversar. Todo se combinava nessa repentina tribulação: a compreensão do que seguramente estava sofrendo meu irmão prófugo, a


reflexão do muito que meus pais deveriam querer-me e meu severo autojulgamento de ser um filho ingrato. — A eles lhes foi muito pior em sua infância — continuou o licenciado, agora com o tom sereno e consolador que lhe caracterizava —. Você conhece sua historia. Teus pais arrastram frustrações e complexos que lhes foram inculcados em o mais profundo de seu ser a faz muitos anos. Neuroses inconscientes que lhes impedem atuar como a ti te gostaria mais se tem superado muito, você o sabe. Não os condenes pelo que não tem logrado fazer. Não os julgues amá-los! Assim como são! Aprende a aproximar-te a eles, faze-os partícipes de tua vida, contem-lhes suas coisas e ensina-lhes a escutar-te, e se o fazem mal perdoa-los. Não intentes expia-los. Teus pais pagarão seus erros porque a vida não perdoa os erros de ninguém; mais evita converter-te no verdugo executor, posto que você, como filho, também pagarás, e mui caro, os erros que cometas com eles… Apertei os punhos tratando de controlar-me, mais foi inútil. Comecei a chorar em silêncio e com a cabeça abaixada. De qualquer modo todos meus companheiros se deram conta. Doeu-me muito cruzar a ponte da humildade por primeira ocasião em minha corta existência. Sobre tudo porque ocorreu em público. Unicamente lembro ter chorado com tanta aflição duas vezes na vida. Essa foi à primeira.


8 O SISTEMA EMOCIONAL A aula, depois da reconvenção a que me fiz credor, ficou num ambiente propicio para a assimilação dessas verdades, ocasionalmente mencionadas mais sempre rejeitadas pela juventude. Vários estudantes de outros cursos que tinham saído de sua primeira classe se encontravam de pé na porta tratando de escutar a discussão. Tadeu Yolza os invitou a passar. — Adiante, ainda há algumas cadeiras libres. Em realidade ficavam mui poucas, mais os garotos de qualquer modo entraram permanecendo de pé nos corredores. Aos poucos segundos o lugar se havia abarrotado de adolescentes curiosos, o qual produz uma momentânea inibição em quem estavam desejosos de opinar. Mais em quanto a desordem que ocasionou a inclusão dos novos ouvintes começou a atenuar-se, Avelina, a companheira miúda e sagaz, se pus de pé e pediu a palavra: — Licenciado, quero dizer algo. Meu pai é autoritário e resmungão. Eu trato de sobrelevar seu mal carácter iludindo-o no possível e até o procuro quando fica aborrecido comigo, só que com ele não se pode falar. Permanece irritado durante dias inteiros tratando-me mal e então também me volto grosseira. — O iludes o mais possível e quando se aborrece contigo ou procuras? — increpou com fingida estranheza o assessor —. E por que não intentas aproximar-te a ele quando todo está em calma, de modo natural, em tua vida diária, como se realmente desejaras sua amizade? — O faço — contestou Avelina emitindo um gemido infantil. — De verdade? O cumprimentas pela manhã? O abraças e o beijas quando chega do trabalho? Lhe perguntas como lhe foi? Lhe, ofereces algo de beber quando está descansando? Brindas-lhe tua ajuda quando ou vês fazendo seus labores? Lhe das à boa noite sempre…? — Sou sua filha, não sua escrava. — Estás equivocada! Teu compromisso com ele é um compromisso de amor! Ninguém se rebaixa ao demostrar amor! Avelina guardou silêncio franzindo ligeiramente os lábios em ademão de desacordo. Foi Tomas quem interveio então fazendo gala de seu habitual cinismo. —Eu sim lhe faço reverências a meu pai — diz com um sorriso gigante — quando minha mãe me obriga. Para sua surpresa foram poucos os que riram. Em sua intervenção havia más verdade que


chasco. A maioria dos filhos nos mordíamos a língua e aguentávamos a respiração para ser amáveis com papai quando mamãe nos o pedia. — Que ingenuidade — contestou Yolza levantando os braços em ademão de desesperação —. Nunca lhe tem feito caricias a um cachorro ao que lhe tens medo? Tens visto como o animal resmunga e ataca ao detectar a hipocrisia? Se una mascota percebe quando falsamente o acaricias, imagina-te o desagrado que deves despertar em teu pai ao aproximar-te a ele artificiosamente. Ainda não que não diga nada, ele se da conta de todo. Entre familiares diretos não se pode fingir: o sangue se fala sem palavras e sempre com a verdade, as queiras o não. Os vapores do desacordo se haviam tornado em ares de reflexão. Eu costumava presumir que minha atuação teatral era o suficientemente acertado como para embaçar a meu pai. Agora me parecia uma hipótese precária. A repulsa entre ambos tinha que dever-se a algo. (O sangue se fala sem palavras e sempre com a verdade…). Uma formosa jovem das recém-integradas levantou a mão. Calculei que teria ao redor de dezessete anos. Incorporei-me a medias para observá-la bem. Não a havia visto antes. Tivesse sido imperdoável presenciar seu particular encanto e desconhece-lo depois. Por se o anterior fora pouco, também dava a aparência de ser sumamente inteligente e seria. — Meu nome é Sahian — se presentou com esquisita seguridade —. A mim me passa algo curioso que, a o melhor, também lhe ocorre a outros. Meus pais e eu nos entendemos em aspectos superficiais, mais quando se trata de opiniões mais pessoais ou problemas íntimos, a comunicação se corta radicalmente. Eles dão seus pontos de vista com tal autoridade que não me é possível opinar. Então me desespero e contesto com violência, a o que lhe segue sempre uma repreensão maior. Se depois dos problemas procuro aproximar-me a eles com intenções de aclará-los ou incluso de pedir-lhes perdão por minhas faltas, não posso falar, entende isso? : Não posso falar! E ao verme titubear, meu pai, em especial, supõe que sou una menina boba e começa a dar-me conselhos outra vez. Insiste-se em comunicar-me, senhor diretor, se me faz um nó na garganta e se me quebra a voz. Às vezes o sobrelevo e volto a intenta-lo, pero minhas palavras se perdem num choro terrível. E sofro como não se imagina… Não posso fazê-lo de outra maneira. Algumas vezes, ao verme tão aflita e vacilante, eles se sentem comovidos, mais se controlam mantendo sua imagem invulnerável e eu regresso ao meu quarto mais vazio e triste que nunca. A jovem terminou sua revelação com um ligeiro quebrantamento na voz. Havia falado com una sintaxes e claridade superiores. Fiquei encantado vendo-a. — Muito bem, Sahian — assentiu o diretor —, é uma opinião valiosa. Mais, como disseste, o que te ocorre não é raro. Eu lembro que na tua idade, Ainda me levava relativamente bem com minha mãe, me sentia mui apartado de meu pai. Intentava-se falar de coisas serias com ele, começava a tremer e se me fazia um nó na garganta. Tem que ver diretamente com o sistema emocional de cada um de nos. Tomou um giz e no quadro preto desenhou rapidamente a silhueta de um corpo humano. No interior marcou linhas representando condutos pelos que circulavam os pensamentos. Vários


companheiros, talvez más por costume que por interesse, se apressuraram a copiar o croqui em suas cadernetas. Do cérebro saíam duas vias até a boca. Uma direta ampla e curtíssima; outra sinuosa e larga, que baixava ao coração para volver a subir. — O que vou a explicar-lhes é uma figura apegada mais à filosofia que à anatomia, más que certamente pode ser-lhes de muita utilidade — se voltou de costas para sinalar no quadro preto o que ia explicando —. Imaginem que, assim como no corpo há um sistema ósseo, muscular nervoso e demais, nele também existe outro sistema chamado emocional. Observem bem: todas as ideias se criam no cérebro, e cedo ou tarde devem sair para materializar-se em atos ou palavras. Vamos a supor que a saída ao exterior de quanto se gera na cabeça é por aqui — sinalou com o dedo a cavidade bucal —. Sim se trata de ideias simples, que por sua significância podem comunicar-se a qualquer que tenhamos enfrente, cruzaram este conduto rápido que une o cérebro e a boca — o remarcou com o giz —, mais se pelo contrario se trata de pensamentos íntimos, profundos ou pessoais, baixarão por este outro canal até o coração, onde se carregarão de emotividade antes de continuar seu rumo para fora. Está claro? É muito simples: o problema começa quando não deixamos sair essas ideias carregadas de energia sentimental e ao armazena-las perdem sua essência afluente para aderir-se às paredes dos condutos do sistema emocional, como o colesterol se adere aos do circulatório. Imaginem-se os tubos de una pessoa introvertida que nunca manifesta seus sentimentos. Devem estar cheios de crostas e pústulas endurecidas que obstruem a saída de modo realmente crítico. Todos têm emoções atoradas e aderidas nos tecidos mais sensíveis de nossa natureza. Por isso aflora-las custa tanto. Dói, Sahian; dói muito arrancar das entranhas inquietudes que se tem envelhecido e confundido com outras que tampouco saíram a seu tempo. Intentas exteriorizá-las e choras sem nenhuma razão concreta; reconheces teu malestar, pero não alcanças a vislumbrar suas causas. Perguntam-te que tens e não consegues falar algo coerente; tartamudeias, titubeias e te enfureces porque são demasiadas coisas e não é nenhuma à vez. O diretor Yolza fez uma pausa para tomar ar e acalmar seu crescente furor. Logo continuou dirigindo-se à garota: — Pero tem muito cuidado: se por essa sensação de dor decides seguir calando, acumularás amargura, fazendo mais grossas as crostas e obstruindo ainda mais o caminho a os sentimentos que vem atrás. As emoções devem fluir ou cedo ou tarde te faram explodir como um tanque de gás. Assim que aprende isto bem: limpa teu coração, Ainda que te doa; exterioriza tua intimidade falando ou escrevendo. Desafoga-te com tua parelha, se é que a tens, ou com um amigo, ou num grupo de autoajuda, ou em tua família. Não temas abrir-te a eles. Há infinitamente mais possibilidades de que ao desafogar-te com alguém, esse alguém, longe de burlar-se, te respeite e ame muito más. Pero Ainda por má fortuna te confiasses em quem não aprecie teu valor, de todos os modos haverás ganhado ao limpar e sarar teu sistema emocional. Deves começar a sacar para fora teus sentimentos hoje mesmo. Ao eleger as pessoas com quem o farás, pensa em teus pais. Enfrenta o reto de melhorar tuas relações com


eles entregando-lhes o mais valioso de ti, sem medir o que te darão em troca. Fala-lhes com o coração, Ainda isso te aflija, e verás que cada vez dói menos. Se os perceves torpes para corresponder-te, considera que eles também têm infinidade de emoções atoradas impedindolhes comentar-te com soltura seus sentimentos. Deves tomar a iniciativa para, à vez, ajudarlhes, porque teus pais também necessitam ajuda. Se em tua juventude tens de limpar teus condutos afetivos, procura fazê-lo com eles. Fala-lhes. Não importa que te desfaças em choro. É necessário que enfrentes a dor do lavado de tua alma; chora e logo te joga em seus braços e beija-los com todo o amor de teu ser. Expulsa o rancor acumulado, porque é ao espírito como o veneno ao corpo. Quere a teus pais como são e os verás responder-te com o melhor de sua intimidade; mais se não o conseguem perdoa-los porque são humanos; amá-los porque eles te amam mais que a ninguém no mundo; e respeita-los porque são a autoridade que Deus tem posto em tua vida para guiar-te. Ainda os que escutavam desde a porta por não haver logrado entrar ao recinto se encontravam em absoluto silêncio. A palestra do diretor havia concluído com tanta força e poder que, em quem não havia movido emoções, havia motivado um ensimesma mento inusitado. Eu pertencia parcialmente aos dois grupos. Não desejava derramar mais lágrimas, mais tampouco lograva o êxtase da hipnótica testemunha. Girei a cabeça e descobri a grande quantidade de jovens ali reunidos. Calculei que as classes se haviam suspendido parcialmente porque entre o amontoamento do exterior pude vislumbrar a vários professores. O licenciado folheava suas notas com lentidão. Encurve-me para extrair de “meu”, portfólios as copias fotostáticas clandestinas das razões anteriormente citadas e, a minha vez, comecei a revisa-las. Voltei a deter-me nas anotações de citas bíblicas. Naquele então eu não tinha religião e me ria de aqueles que professavam alguma; mais me encontrava tão fascinado com o que estava aprendendo que as sentencias que outras vezes me causaram dor de estômago, agora me atraíam sobremaneira: Filhos obedeçam a vossos pais no Senhor, porque isto é justo. 13 Eles te têm visto nascer e crescer. Conhecem-te melhor do que crês. Teus pais são capazes de ver em ti debilidades e forças que desconheces. Que nunca te lamentes por haver ignorado sua instrução. 14 Honra a teu pai e a tua mãe. Tal é o primer mandamento que leva consigo una promessa: para que sejas feliz e prolongues tua vida sobre a terra. 15 Tadeu Yolza começou a falar. Falou algo respeito a uma serie de sinais que nos podiam indicar o mau caminho. Algo assim como focos de alarma vermelha que devíamos evitar. Não o escutei. Segui lendo para mim as citas, presa de una inefável avidez intelectual: Somete-os todos às autoridades, pois no há mais autoridade que não provenha de Deus, e as que existem, por Deus tem sido constituídas. 16 Assim que quem se opõe à autoridade vá à contra do que Deus tem ordenado, e quem se opõem serão castigados. 17


Uma autoridade é alguém com faculdade de dar-te instruções e que, sem sabê-lo, é instrumento divino para indicar-te o caminho reto. O maior problema que temos com as autoridades é nosso orgulho. Este nos faz brigar com qualquer pessoa que intente dizer-nos que fazer ou como viver. Nada tem sido mais destrutivo e ha afetado mais a existência do homem que o orgulho. Quem se opõe à autoridade se revela contra a ordem de Deus e os rebeldes atraíram a suas vidas a perdição. Si te deixas guiar por teus pais, te deixas guiar por Deus; pero si te revelas, Ele usará autoridades cada vez mais duras e dolorosas com o fim de corrigir-te. 13 Efésios, 6,1.. 14 Provérbios, 1, 8 15 Êxodo, 20, 12. 16 Romanos, 13, 1. 17 Romanos, 13, 2.

— Pode ler mais devagar? Quero escrever isso — pediu Sahian, que estava tomando notas. Ao ouvir novamente sua voz levantei o rosto. Que tinha dito? Enfadei-me comigo mesmo por estar distraído. O mestre repetiu com maior ênfase e lentidão o parágrafo que chamou a atenção à menina mais bonita, enquanto eu folheava minhas anotações buscando apressadamente as palavras que se diziam. Uma nova motivação me inundou: sim essa jovem desejava escrever os últimos dois pontos de uma leitura específica, tal vez eu pudera oferecer-lhe os demais. Fazia calor, pero os olhos estranhamente abertos não pareciam precatar-se de aquilo. Folhei e folhei com a desesperação de alguém que busca um segredo de vida ou morte. Yolza terminou de ler e agregou com voz potente e firme a finalização de seu discurso: — Todo isto lhe ocorrerá a vocês se não se esforçam por lograr boas relações com seus pais — conteve uns segundos o ar e terminou —: O que tenha ouvidos que ouça. O que tenha olhos que veja… O diretor foi rodeado por vários garotos que desejavam fazer consultas pessoais. O resto das pessoas empezou a ir-se. Por minha parte, finalmente encontrei o que buscava. Levantei-me bruscamente e sai com falta de tempo rompendo o harmônico ambiente que se mantinha ainda no desalojo da aula. Girei a cabeça de um lado a outro até que a localizei. Sahian me tinha produzido uma fome de falar quase tão desesperante como a fome de saber que me produz Yolza. Dei alcance e a chamei cuidadosamente sua atenção tocando-lhe o ombro. — Olá — saludei em quanto volteou a verme —, me permites dizer-te algo? A tomei da mão dando amostras de uma nunca manifestada galanteria e a conduz até o pátio. Ella me seguiu sem falar, franzindo a sobrancelhas. — Quero mostrar-te uma coisa — lhe diz ao fim —: as anotações do diretor. Os tenho. Me os emprestou para fotocopia-los e como te vi tão interessada pensei que poderias querê-los. — De verdade os tens? — brincou com a alegria de um menino ao que se lhe promete um


sorvete —. Não o posso acreditar. — Mais não os tenho completos — menti —. Na tarde, se aceitas, nos poderíamos ver, que te parece? Invito-te a tomar um sorvete. Mirou-me fixamente como quem estuda uma espécimen rara de animal. Tal vez entendeu minhas intenciones de conquista e um quase imperceptível sorriso assomou a seus lábios. Creio que não lhe pareci mal porque acedeu. Essa tarde, sentados à mesa de um café, repassamos juntos varias páginas das anotações do diretor. Encontramos tanto notas soberbas como redações incompreensíveis. Sahian me pediu que lhe permitisse copiar de seu punho e letra os últimos dez pontos que se leram ao final e que eu, por distraído, não pude escutar. Explicou-me que queria fotocopiar essa folha porque pretendia obsequiasse-la a seu irmão menor como uma carta pessoal. Al escrever se aproximou tanto a mim que por minha mente cruzou o insano desejo de beija-la, mais pronto borrei de meu pensamento essa ideia e me envergonhe por tê-la tida. Essa menina me inspirava um respeito que não tinha sentido por nenhuma outra. Feito um manojo de nervos, me ofereci a ditar-lhe. A folha dizia assim: Dez sinais que marcam o caminho até o fracasso e a perdição de um jovem, detectadas na relação com seus pais: 1. Crê-se incompreendido por eles. 2. Não quere perdoa-los. 3. Sente tristeza, rancor, amargura. 4. Afasta-se deles. Fala-lhes pouco. 5. Volta-se ingrato, os critica e ataca. Não lhes agradece nada. 6. Volta-se teimoso. Justifica seus maus atos e não escuta seus conselhos. 7. Defende a liberdade sexual. 8. Sem querer, busca amigos também incompreendidos por seus pais, para sentir-se apoiado. 9. Pensa em dar-lhes una lição (e com isto se nasce vulnerável ao vicio, ao sexo, ao suicídio). 10. Dana sua capacidade de amar. Volta-se, sem dar-se conta, uma pessoa incapaz de construir relações afetivas de qualidade. Todo isto lhe ocorre a aquele que não tem boas relações com seus pais. Ao terminar, eu de ditar e ela de escrever, nos miramos ao rosto fixamente. Havia algo que nos identificava em segredo. E eu entendi, por primeira ocasião, o que era o nascimento de um carinho legítimo, longe da paixão e a lascívia. — Brigar com nossos pais pode em verdade causar grandes estragos — diz com a vista perdida —. Tenho um amigo na escola que em este preciso momento se encontra extremadamente confundido por isso. Tem-me chamado por telefono varias vezes durante os últimos dois dias só para dizer-me o muito que sofre. Lástima que não esteve hoje na classe.


Houvesse-lhe servido o que se diz. — Hummm — conteste desinteressado —, a maioria preferimos evadir os estudos quando temos problemas familiares. —Não. Ele não está evitando a escola. Se, foi definitivamente de sua casa. O coração me deu uma fisgada terrível. — E como se chama teu amigo? —preguntei. — Tal vez o conheça. Seu nome é Saul. Saul Hernández.


9 O ABRAÇO FRATERNAL Fiz antessala perto de quinze minutos, lapso no que mais de una vez esteve tentado a retirarme. A incerteza se engrandecia dentro de mim por um infundado temor, para decrescer depois ante a quase certeza de que o diretor me ajudaria. A noite anterior a passei entre vigília e sonolência, fantasiando com a efigie de meu irmão Saul. Seu autodesterro havia chegado a latitudes imprevistas. Em casa meu pai parecia estar acostumando-se a sua ausência, ao mesmo tempo em que acumulava animadversão contra ele. Seguia-se demorando seu retorno talvez já não pudesse recobrar o lugar que lhe havia pertencido. Ademais, o fato de que não houvesse voltado depois de quase una semana me fazia adivinhar que sua turbulência anímica não era produto de uma simples desavença passageira senão de uma crise francamente perigosa. Não se acendeu a lâmpada do intercomunicador indicando à secretaria que podia receber-me; foi o diretor da escola pessoalmente quem abriu a porta de seu despacho para invitar-me a passar; sorrindo me estendi-o a mão excessivamente firme e em ademão de cortesia me cedeu o passo. Uma vez dentro, tomei assento sem falar. — Em que posso servir-te, Gerardo? Eu não sabia se era culpa do sistema emocional ou de que raios, pero parecia que una batata cosida se me houvesse atorado o pescoço. — Quero agradecer-te por ter-me devolvido meu portfólios — agregou ao verme calado. Assenti. "Não tem por que dá-las. São galanterias que acostumo", pensei dissimuladamente. —Me alegra que venhas a verme — continuou entusiasmado simulando no precatar-se de minha inibição — porque a próxima sexta-feira vai iniciar una serie de conferências para pais de família. É algo que venho planejando desde faz muito tempo. O material que lhes darei é o resultado de muitos anos de estúdio e trabalho. É tão poderoso que, acredita, vale a pena escutá-lo. Deves tratar de convencer a teus pais para que assistam. — As anotações de suas três pastas — fale ao fim — os fotocopie. Yolza franziu as sobrancelhas, confuso mais quase de imediato a desconfiança o faz saltar como impulsado por uma mola. — Os fotocopiaste? Para que? Tal vez me gostava brincar com a gente porque no havia necessidade de confessar isso, o tal vez por primeira vez começava a tratar de não brincar ante a enorme urgência que tinha de ser


honesto. O diretor tomou assento parcimoniosamente sem apartar a vista de meu rosto como um caçador vigilando a sua presa. Pretenderia eu chantageá-lo com suas cartas pessoais ou algo assim? — Se o senhor quer se os devolverei íntegros — proferi sem muito entusiasmo. — Que estás tramando, Gerardo? — Nada licenciado. O fiz porque de maneira incrível isso que lhe roubei para desquitar minha coragem foi o principio de uma transformação enorme em meus pensamentos. Com suas anotações, senhor, entendi coisas que ninguém havia logrado fazer-me entender. Ainda que o senhor não o creia, me volvi menos agressivo, e senti que se os conservava poderia apoiar-me neles no futuro. Tenho que preparar-me muito para ajudar a meu irmão Saul quando regresse. O homem pareceu preocupado. Esfregou seus olhos como si quisera saca-los de seu lugar, e suspirou. Parecia mais tranquilo, Ainda definitivamente não de acordo. — Que tens sabido de Saul? Tens noticias de onde se encontra? — Mais ou menos, senhor diretor. Tem telefonado a uma amiga comum. Hoje na tarde irei a busca-lo. — Porque no tens ido até agora? — Está fora da cidade. ~~ Se quedó pensando con las pupilas fijas un largo rato. — Pobre Saul. Necessita muitíssima ajuda. Então vi a oportunidade para ensamblar o quebra-cabeça e não a deixei passar. — o senhor já conhecia a meu irmão antes de entrar a estudar aqui, não é verdade? Assentiu: — A teu irmão e a teu pai… — O senhor foi quem levantou uma demanda judicial a Saul pelo que foi detido faz cinco anos, não é certo? Tardou em contestar. Mais antes que o fizera, sua atitude absorta já era para mim uma afirmação. O coração me latia a mil por hora. — Tem passado muitas coisas desde então — suspirou com catadura melancólica —. Em aqueles tempos eu trabalhava como encarregado para empresas e minha esposa como mestre de idiomas. Sempre nos havia unido à similitude de nossos postos e críamos que já não tínhamos mais que fazer — se pus de pé e fechou lentamente as persianas de seu privado —. Desde minha nova perspectiva tenho chegado a compreender que tanta perfeição na realidade era una tétrica monotonia. Nosso matrimonio havia caído num estado de homogeneidade que resultava fastidioso. Então, desejosos de reviver a alegria em nosso lar, decidimos ter outro bebê, pero sua gestação nos foi negada durante vários meses. Traz luchar tanto, o ter logrado finalmente nosso propósito foi una verdadeira festa familiar. Necessitávamos mais a esse filho do que havíamos necessitado aos outros dois. O embaraço trouxe consigo novos ventos de popa ao matrimonio. Todo marchou à perfeição até que um dia apareceu no cenário teu


irmão Saul… Voltou a sentar-se se acariciando mui devagar o queixo, como duvidando se seguir adiante ou não. Pero já era demasiado tarde para voltar-se atrás. Minha mirada ansiosa se o dizia a gritos. — Era um aluno brilhante do primeiro semestre de preparatória ao que minha esposa dava classes. Brilhante mais arrebatado e com alguns desplantes de franco machismo. Primeiro se aproximou a ela para pedir-lhe que fora sua "amante platónica"; minha esposa lhe agradeceu o elogio e lhe recordou que era casada. Pero Saul seguiu acossando-a, mandando-lhe recados e cartas que, devo reconhecer, num principio foram ternas e doces para depois converter-se em atrevidas e insinuantes. Ela não me comentou seu problema para não provocar-me raiva ou preocupação. Decidiu arrumasse-la sozinha, pero errou o sistema. Pensou que ao por em ridículo ao teu irmão frente a seus companheiros ele a deixaria de molestar e lio no grupo sua carta más insolente; ante as risadas e burlas dos demais o jovem se pus de mil cores. Esse dia a esperou junto ao coche para reclamar-lhe o que fez. Minha esposa tratou de tira-lo do meio com intenções de abordar seu automóvel, mais teu irmão a sujeitou fortemente pelos ombros. Não sei o que passo por sua mente, mais ao vê-la debater-se em seus braços intentou beija-la. Minha esposa se defendeu gritando e por azares da fortuna, na pugna Saul propinó um forte golpe ao abdômen de minha esposa, um golpe que por sua intensidade e colocação foi suficiente para provocar-lhe una ruptura de membranas e com aquilo um aborto de emergência no que sua vida perigou grandemente. Houve testemunhas do ocorrido… E bom, soa mal, mais teu irmão cometeu infanticídio doloso com agravantes de aleivosia, vantagem e lesões tanto físicas como psicológicas. De haver sustentado a acusação, neste instante ele estaria purgando sua condena. Não me perca-te de estar com a boca aberta senão até vários segundos depois de que o diretor deixou de falar. O resto da historia já a conhecia eu por seus escritos. — Todos os acontecimentos que o homem qualifica como desgraças, Gerardo, eventualmente são bênçãos magnas de Deus. Esse aborto quebrantou nosso orgulho e nos fez humildes para entender o quanto de vazio que havia em nossas vidas. De não ter ocorrido, talvez eu seguisse sendo o tipo mimado e ególatra que fui preocupado unicamente por minha família e por mia superação. A fatalidade marcou o inicio de uma nova era para nos. Foi nascer e morrer num todo ante a contemplação direta do poder de Deus. Deixamos de ufanar-nos por nossa vida "perfeita" ao compreender que todo pelo que podíamos presumir eram presentes dEle, regalos que, assim como se nos haviam dado, se nos podiam quitar. Entregamo-nos a Deus e Ele derramou seu amor em nosso lar brindando-nos uma paz que não havíamos conhecido antes. Depois de perder um filho já não nos importava perder nada más; oferecemos-lhe nosso trabalho, nossos bens materiais, nossa saúde, nossa família. Em realidade todo era dEle antes de entrega-lo, pero a entrega lhe deu sentido a tudo. Na véspera do dia em que se ia a ditar sentencia a Saul, teu pai acudiu a vernos para suplicar-nos que levantáramos os cargos, mais foi una visita desnecessária porque nos já havíamos decidido fazê-lo. — Diretor — o interrompi fascinado pela explicação de algo que me entristecia, tanto pelo


que deve haver sofrido minha família como pela forma em que me estava inteirando de isto —. Ao fundar esta escola o senhor alguma vez imaginou que meu irmão poderia chegar a estudar aqui? —Sim. Sempre teve a inquietude de volver a vê-lo para dize-lhe que não havia rancor e estender-lhe minha mão amiga, una tarde, revisando os cartões de inscrição da semana, vi seu nome numa delas, um pouco atemorizado pelo desafio que o destino me presentava, à manhã seguinte vigie a entrada dos alunos. Quando ele me viu parado na porta da escola se turbou a tal grau que deu a impressão de estar a ponto de volver-se por onde havia vindo, pero o deteve lhe brindei minha amizade e meu apoio, lhe diz que esta escola era sua e que nada me faria mais feliz que poder ajudá-lo. Sua estância aqui foi irregular; varias vezes nos encerramos a sós, como o estamos você e eu agora, para analisar como viver plenamente o momento presente sem ser perseguido pelos fantasmas da culpa. Pero as sementes da inseguridade e o autodesprezo haviam colocado já raízes profundas nele. Lamento não ter podido arrancasse-las. Observei fixamente a expressão de carinho sincero que manava dos olhos do mestre e senti nascer em mim uma grande admiração por ele. — Me diz o senhor que o curso para pais começava amanhã? — lhe perguntei. — Assim é. Faz o possível para que os teus assistam. — Posso vir eu também? De ouvinte? Por favor… Tardou mais em contestar essa pergunta que qualquer que lhe houvesse feito antes. Não era prudente que um jovem estivera presente quando se deram recomendações aos adultos sobre como tratar-nos, mais o diretor sabia que a iniciativa dos garotos conta e muito para o melhoramento do ambiente familiar. Ademais, tal como se havia planteado que devia ser a comunicação entre pais e filhos na “conferência” do dia anterior, não havia nada de mal em que os meninos conheceram os deveres de seus progenitores e vice-versa; na família não devia ter secretos nem estratégias unilaterais, não se tratava de uma guerra de manipulações senão de um encontro de amor no Amor. Mirou-me fixamente. Algo similar passou por sua mente antes de contestar-me: — Serás bem-vindo na palestra si queres. — E é certo que essa reunião de pais a tem desejado fazer desde faz muito tempo? — Você melhor que ninguém podes assegurar-te de isso. Franzi a sobrancelha sem entender. — Em março já faz quatro anos o pensei por primeira vez — e esboçando um grato sorriso de cumplicidade agregou —: podes consulta-lo em tuas copias de minhas anotações. Quase de imediato reparei em que havia dito "tuas" copias. Pus-me de pé e lhe tendi a mão, comovido. Teve desejos de abrasa-lo, pero me conteve. Ele não. Atraiu-me até se para dar-me um forte abraço fraternal. Saí de seu escritório sem poder, nem querer, ocultar minhas lágrimas. Meu pai avisou que não iria a comer. Era algo mui usual. Urgia-me falar com ele, assim que o telefonei ao hospital e, logo de esperar vários minutos, contestou com voz cansada e mal-humorada. — Sim?


Pai, fala Gerardo. — Passa algo malo? — Não. Chamo para pedir-te permissão para não dormir em casa hoje. Cinha amiga da escola me comentou que Saul lhe havia falado por telefono desde Guanajuato e quero ir a busca-lo. Se o senhor me deixa, por suposto. Do outro lado da linha só se escuto silêncio. Lamentei não poder ver a reação de seu rosto. Haveria ansiedade? Gosto? Indiferença? Fazia tempo que meu pai não queria falar de meu irmão e quando o fazia só era para deprecia-lo e insulta-lo. A última vez que Laura o mencionou em sua presencia, falou que não queria volver, a saber, nada de esse filho ingrato. Mamãe chorou muito e eu me preguntei si essa reação de repulsa repentina não seria o reflexo de um inconfessável sentimento de culpa. — Em que te irias? — Em ônibus, pai. Sei mexer-me, te o asseguro. Não tens porque preocupar-te. Alguém deve ir a buscar a meu irmão… Por favor. —Ele se merece todo o malo que possa estar passando-lhe. “E o senhor se merece…" Mais me deteve antes de dizê-lo. Se não começava a por em prática o recém-aprendido, minha família terminaria nos sedimentos das cloacas. — De acordo… Pero eu quero ajudá-lo. E no vou a ir-me sem permissão, nem ainda por algo tão justo. Dá-me tua autorização. Dormirei na casa de um ex-colega escolar com quem me disseram estava Saul e amanhã a meio-dia regressarei…, espero que com ele. — Teu irmão não volverá a ser bem-vindo. — Isso é mentira. O senhor é o mais preocupado e triste de todos nos. Por favor, deixa-me ir. Para dizer-me que "estava bem, que fora" se demorou mais de um minuto. Teve que lidar mentalmente contra o silêncio do aparato para não soltar um palavrão por sua tolice. Finalmente obteve a permissão, mais antes de cortar a comunicação lhe comente o da conferência que se daria na escola ao dia seguinte, suplicando-lhe que não deixara de assistir, a o que me contestou emitindo um largo gemido gutural. Papai se considerava a se mesmo um homem letrado e em suas entenderas não cabia à ideia de que outro pudera dar-lhe conselhos. Informei a mamãe do mesmo e, a sua vez, lhe pedi autorização para o que pretendia. Não só obteve sua vênia com farta maior facilidade, senão suficiente dinheiro como para hospedarme num hotel em caso de necessita-lo e um taxi que mandou pedir para que me levasse ao terminal de ônibus. Senti compaixão por sua segreda tristeza e lhe dei um forte abraço antes de sair. Fazia muitos anos que não nos abraçávamos e ela empapou minhas bochechas com suas lágrimas. Esse dia experimentei o estranho poder contido no contato físico de um abraço. Primero o diretor e logo minha mãe. Havia algo no calor de seus corpos que me havia feito sentir um ser humano digno e bondoso. Subi ao taxi e diz adeus com a mão, como um menino pequeno que se despede de sua mãe para ir ao jardim de infantes.


10 SÓ CINCO LEIS Nessa época do ano as carreteiras eram seguras e os ônibus costumavam correr a grandes velocidades. O ar se filtrava pelo resquício da janelinha de alumínio causando um assobio tênue mais continuo. Tirei-me a blusa para pendura-la no marco e evitar o furtivo arejar. Abri a pasta de epístolas pessoais do diretor e busquei algum aponte datado em março de quatro anos atrás. O único que havia. Não se tratava precisamente de una carta para sua esposa, Ainda estava dirigida a ela. Era algo assim como um escrito para recordar experiências pessoais. Eu imbui nele com a atenção e cautela com que se penetra nos aposentos íntimos de um verdadeiro amigo. Eram às onze da manhã duma quarta-feira qualquer. A diáfana claridade do céu límpido se vislumbrava no zênite e o agradável calor de março nos envolvia. Respirei fundo, embargado pela alegria de estar, em pleno dia de trabalho, caminhando com minha família pelo parque. Se tantas outras vezes abandonava o escritório para realizar incômodos trâmites e visitas, porque não haveria de fazê-lo para invitar a minha esposa e a meus filhos a deambular como se não houvesse nada mais importante no mundo? Íamos abraçados enquanto os meninos achincalhavam ao nosso redor. De pronto o pequeno Carlos tropeçou raspando-se os joelhos. Ivette e você quiseram correr em seu auxilio pero as deteve. Si compadeces ao menino cada vez que se machuque, sempre andará buscando a condolência dos demais, se volverá chorão e mentiroso. O fato de que tropece não é nenhum acerto que abone cólera. — Se caiu? Pois que se levante. O guri, logo de girar a cabeça para ambos os lados com gesto de mártir e ver que não chegava o consolo acostumado, se incorporo, sacudiu sua calça e seguiu brincando. — É um pai mui duro — disseste enquanto me voltavas a abraçar. Como contestação te tomei pela cintura e te beije carinhosamente. Ivette correu a propor um jogo a seu irmãozinho e nós nos sentamos à sombra de um enorme eucalipto. —Quando contemplo aos garotos tão moldáveis e receptivos me pregunto si estamos pondo as ênfases adequadas ao instrui-los. Queremos que sejam doutores em ciências, artes, historia? E com que fim? Ter cultura é como possuir uma coleção de pinturas caras: é algo mui apreciado mais que não serve para nada… — Falas em serio?


Assenti. — O que vale na educação dos meninos não são os conhecimentos técnicos ou históricos senão a habilidade mental que adquiram o desenvolvimento de sua capacidade para aprender quanto possam requerer no futuro, a apertura intelectual conseguida que se traduza numa vida plena, sem medos nem estereótipos. —¿Queres dizer que tantos anos dedicados ao estudo são inúteis? — Helena, é um fato que só uma mínima parte do que te ensinam nas aulas é aplicável a tua vida posterior. O que vale da escola é aprender a conviver, a solucionar problemas, a ter confiança em tua potencialidade de estudo e trabalho. O importante não é adquirir uma coleção de pinturas senão saber que és capaz de adquirir o que necessites quando o necessites. Arrancaste una florzinha silvestre para caçoar com ela e me miraste atenta como me indicando que desejavas escutar mais… — numa ocasião, à idade de quinze anos — continue cavilando —, teve uma experiência que no contexto de minha vida adulta me tem sido mais útil que muitos anos de estudo. Meu pai me invitou de ferias a uma cidade situada a mil duzentos quilômetros de distância, mais antes de sair estabeleceu regras singulares: iríamos e volveríamos de "borlista", sem gastar um só centavo; eu seria o guia e ele se fingiria mudo todo o caminho. Algumas vezes, estando sós, me fazia perguntas para obrigar-me a pensar no que podíamos fazer. Com seu enorme apoio, pero sobre tudo com minha atuação, conseguimos alimentos e transporte gratuito e depois de três dias de receber formação intensiva chegamos a nosso destino. Senti-me tão forte e seguro de mim mesmo que minha vida não voltou a ser igual. Acomodada frente a mim me observavas com grande atenção. Acariciei teu cabelo e te voltei a beijar. Sabe? Fascina-me a forma em que costumas escutar-me. — Levamos um ano dirigindo a escola — continuei — e sinto que os jovens tem perdido a bússola. Tudo quanto lhes dizes o aceitam sem obtemperar. Não tem curiosidade por nada. Não leem, não perseveram por adquirir una disciplina mental. Vivem levianamente sem preocupar-se por questionar o que se lhes impõe. Eludem as responsabilidades e os problemas. Todo para eles é motivo de Jogos obscenos e embaças ofensivas. — A que crês que se deva? — Definitivamente não a os sistemas educativos. Os adultos habituam lavarem-se as mãos argumentando que tal o qual filho é a ovelha negra da casa o que as malas amizades o têm deitado a perder, pero essas são evasivas ingênuas. Nem existe a ovelha negra nem os amigos são a causa direta dos incômodos. Algum dia ei de reunir aos pais para tratar de não fazer preleções no que, a meu juízo, tão desesperadamente necessitam seus filhos. — E por que não as faces já? Tua pergunta flutuava no ar uns segundos… Por que não…? — Já é o mesmo falar de "êxito" referindo-se ao trabalho ou aos negócios que fazê-lo referindo-se à família. O material que ei usado durante anos com empresários me parece parco ao tratar de aplicá-lo aos pais. Com os jovens há resultado simples pelos receptivos


que são, mais os pais é outro assunto. Necessito sintetizar princípios claros, breves, fácies de entender e de memorizar, para oferecê-los como caminho seguro para uma melhor paternidade. Ainda não estou preparado. — Você crê que se requeiram conceptos que possam memorizar-se? — Se. Para que uma verdade penetre até as profundidades do entendimento e se converta em convicção ativa, a pessoa precisa envolver-se com ela em uma contenda intelectual, repassando, sopesando, aprofundando nas células e remontando os montículos da ideia, até chegar finalmente a memoriza-la na essência de seu mesmíssimo ser. — Então é por isso que alguns livros de superação pessoal baseados na advertência de que o leitor deve ler e reler os conceptos durante dezenas de centos de dias, tem tido tanto êxito! — Claro. São livros que funcionam se segues a sugestão de repassá-los continuamente até integrá-los a tua filosofia de vida, mas à vez são altamente prejudiciais para quem os toma como um passatempo novelesco. — Que? Como pode um livro de superação pessoal prejudicar a alguém? —Lido superficialmente te da às ideias para crer-te superior e vangloriar-te de não necessitar conselho algum; convences-te de que já o sabes tudo e tu intelecto começa a decrescer convertendo-te em um tolo que sabe-tudo. O verdadeiro homem de êxito aprende antes de ensinar, observa antes de atuar, escuta antes de falar, e obedece aos sinais que Deus lhe brinda para entregar aos demais o que a ele lhe tem sido dado. Eu espero esses sinais com ânsia, meu amor. O anelo muito; não imagina a forma em que estou pendente de cada eventualidade. Quero ter em minhas mãos algum dia o material adequado para darem-no a tantos pais de ovelhas brancas que, ante a iminência de seu fracasso tutelar, se tem conformado com tingi-las de negro. Observaste-me com teus lábios entreabertos e o rosto ligeiramente ladeado. Inclinei-me para ti para beijar-te. Perdemos o equilíbrio e rodamos na grama abraçados como soíamos fazêlo quando éramos noivos. Um choro dolorido nos interrompeu. Saltamos alarmados e vimos ao pequeno Carlos que se havia voltado a lastimar com una pedra e desta vez sangrava. Segurei-te pelo pulso e me miraste de modo suplicante. — Deixa-me intentá-lo. Assenti e te acercaste ao crio, quem berrando te mostrou o antebraço ferido. — Que te ocorreu, filho? — lhe perguntaste com voz neutra. El menino respondeu balbuciando ininteligivelmente. — Eu te direi o que passou. Vinhas correndo. Não te diste conta do bordo e caíste de frente sobre o filo de esta pedra. E ao explicar-lhe, o conduziste como um boneco repetindo o cenário em câmara lenta; o filhote, interessado na explicação, começou gradualmente a esquecer de seu berrinho; fizeste que sua mão ferida tocasse ligeiramente a rocha sobre a que caiu e finalmente deixou de chorar para por atenção à mecânica da aresta incrustando-se na pele. — Mais sai sangue, mamãe.


— não lhe dês importância. Imagina que é salsa de tomate. E o choro de Carlitos se tornou em alegres risadas. Veio correndo para mim ensinando-me seu corte. — Mira papai, mira! Está-me saindo salsa de tomate! Observei-te com um sorriso enorme e você se encolheu de ombros num gesto de franca coquetaria. Não pude evitar a lançar-me a rir. Meu querido: faz muito que não te o digo e todo este relato não tinha outra intenção: depois de tantos anos me sinto verdadeiramente enamorado de ti. Foi uma viaje infrutuosa, pois apesar de quando logrei arribar ao lugar no que meu irmão se refugio os últimos dois dias, não pude vê-lo. Saiu a receber-me a mãe de meu ex-colega escolar com alarde de franco cansaço e logo de estar ao tanto de que efetivamente Saul havia estado dormindo e comendo ali, me notificou que finalmente decidiu regressar a sua casa. Despedi-me cortesmente e não me parecendo sano dar más moléstias, me retirei em busca de um hotel. Era curioso saber que quando eu saía de minha casa ele voltava. Talvez nos houvéssemos cruzado no caminho… Passei a noite num cubículo de passo e ao dia seguinte empreendi o regresso. Consegui ônibus ao meio-dia. No caminho li a carta. Depois fechei a pasta de argolas e mirei o relógio. Iriam a dar às três da tarde. Estava ansioso de chegar à cidade. Há essas horas Saul devia estar já na casa e, si o drama de recebê-lo não se havia alargado perniciosamente, cabia a remota possibilidade de que meus pais tiveram assistido à conferência para famílias que dava inicio às quatro, como tão encarecidamente se os supliquei. Folheei novamente as anotações do mestre matutando no plausível que resulta o fato de que quatro anos depois de seu incipiente inquietude de convocar aos pais, já tivera logrado reunir o material com as características que tão definidamente afanava. Repassei os rascunhos das traduções de aqueles textos antigos e compreendi a frase obedecer aos sinais que Deus lhe brindará para entregar aos demais, o que a ele lhe ha sido dado. Eu devia estar nessa palestra. Em quanto o ônibus se deteve no terminal desci como centelha à caça de transporte urbano. Não quis pagar taxi para poupar-me o dinheiro sobrante, assim que me encarei na primeira camioneta coletiva que passou. Graças a minha mesquinhes cheguei meia hora mais tarde do que tivera chegado de haver alugado um carro. A conferência seguramente já haveria começado. Passei correndo frente à escola e cruzei os mil metros que a separavam de minha casa em tempo recorde. Por cuidar-me de levar a pasta com as notas de Yolza havia olvidado carregar minhas chaves, assim que toquei a campainha mais ninguém me abriu; chutei a porta usando tal energia que os vizinhos se assomarão a bisbilhotar. Não havia ninguém na casa! Sorri. Talvez estivessem na escola assistindo à conferência. Onde si não? Fechei o punho emocionado e me voltei sobre meus passos brincando e cantando, ignorante de que, dadas as surpresas que me deparava o destino, era a última vez que brincaria e cantaria em muito


tempo. Entrei à escola ofegando. A recepcionista me deteve para preguntar meu nome. Se o dei e ela o conferiu com os que tinha anotados. Enquanto tratava de localizar-me em sua lista, não pude evitar observar uma cartolina com elegante letra manuscrita pegada no quadro-preto de avisos. O título da palestra me chamou a atenção por alarmista e enigmático. Não dizia muito e à vez o dizia tudo. "MENSAJEM URGENTE DE SUPERAÇÃO FAMÍLIAR" Conferência para pais AULA OCHO — O diretor só deu autorização para permitir a entrada a dois jovens… E, sim… Você é um de eles. — Quem é o outro? — Uma senhorita chamada Sahian. Não pude evitar que um sorriso se desenhara em meu rosto. Ela deveu haver-se inteirado do evento e seguramente perseverou, ao igual que eu, para que se lhe permitira assistir. Fantástico. Necessitava muito vê-la! Tinha tantas coisas que contar-lhe! Ao subir a escada, as mãos me suavam copiosamente. Entrei a aula sem tocar e ninguém voltou à cabeça. Os invitados estavam atentos escutando ao diretor, que se passeava de um lado a outro enquanto falava. No lugar havia uma enorme mesa retangular coberta com um pano verde, em torno do qual se encontravam sentados os ouvintes. Tomei assento numa escrivaninha aleijado da mesa e busquei com a vista a minha família. Nada: não estavam. Minha preciosa amiga ocupava uma poltrona do centro; o restante dos assistentes eram pais de família. Contei quinze damas e dez cavaleiros, o que indicava que não todos eram matrimônios completos. Cocei-me a cabeça desnorteado: onde poderiam estar meus familiares? Talvez saíssem juntos a festejar o regresso do filho pródigo, Ainda meu pai distava muito de pensar como ele progenitor que descreve Lucas no capítulo 15 de seu Evangelho. Todo podia haver passado no reencontro, desde o melhor até o pior. Pelo tanto não devia preocupar-me, pois, fosse o que fosse já havia passado. A assistente se acercou a mim para dar-me papel e lápis e o expositor, sem deixar de falar, me cumprimentou com um ligeiro movimento de cabeça. — Não é o mundo o que está em decadência — declarava —. Nem a corrupção, nem a delinquência, nem a prostituição, nem a droga se tem semeado na rua. Todo aquilo a o que temes tem sua origem no seio de uma família. São as famílias as que decaem e quando perdem sua essência, o homem se autodestruirá irremediavelmente. »Toda a criação — explicava o mestre —, se rege a base de leis. Ninguém pode desafiar às leis. O que o faça sofrerá as consequências da transgressão. É mui simples. Si sais pela janela de um prédio tratando de caminhar pelos ares, a lei de gravidade te matará. As leis se cumprem sempre, a sabedoria se mede em função das leis que se compreendem. Para dirigir um lar é preciso entender e respeitar estas cinco leis.


1 .-Lei da exemplaridade. 2.-Lei do amor incondicional. 3.-Lei da disciplina. 4.-Lei da comunicação profunda. 5.-Lei da força espiritual. Sempre supus que os preceitos para alcançar a felicidade se contariam por centenas, e este homem cuja sapiência era digna de encomio, anunciava unicamente cinco! Mirei o portfólios e copiei os titulares que se desplegaban apoiando-me sobre a pasta de argolas que atesourava as copias das anotações pessoais do expositor. Suas pastas duras sobre minhas pernas podiam fazer às vezes de escrivaninha si desejava evitar incorporar-me a uma mesa na que, a exceção de Sahian, todos eram adultos. O expositor fez uma pausa ao cambiar o texto do portfólios e me senti tão repentinamente interessado pelo que estava a ponto de escutar, que finalmente decidi aproximar-me à mesa. Ao perceber que aproximava minha cadeira, os adultos me deram espaço sem reparar em minha corta idade. Só Sahian girou a cabeça para mirar-me. Seu rosto se iluminou com um formoso sorriso enquanto o meu se opacava com um intenso rubor. Ambos, porem, mui pronto retomamos a atenção a o que se exponha ao frente. Pressentíamos que estávamos a ponto de escutar algo verdadeiramente importante.


11 LEI DA EXEMPLARIDADE O cartaz anunciava a lei com grafias vermelhas brilhantes: "OS FILHOS CARREGARÃO NO SUBCONSCIENTE POR MUITOS ANOS, OS PADRÕES DE CONDUTA QUE OBSERVARAM EM SEUS PAIS”. Depois de um breve silêncio, O mestre continuou: — Entendem isto? Os atos valem mil vezes mais que as palavras. Não é conveniente cerimoniar continuamente aos filhos, pois eles observam muito mais do que escutam. Deem-lhes um exemplo digno e cabal e as palavras de correção saíram sobrando. De todo o que lhes digam a seus filhos, unicamente o dez por cento será recordado por eles; sem embargo, sempre os acompanhará o noventa por cento de quanto lês vejam fazer. Nossa influência se da em essa escala: dez por cento com palavras e noventa por cento com atos. Enquanto o mestre dava a volta ao enorme bloco de papel rotulado, me deteve a reflexionar no que acabava de dizer. Eu lhe achava correlação com una desagradável experiência vivida muito tempo atrás, quando tinha ao redor de sete anos de idade e surpreendi ao catequista que me preparava para fazer a primeira comunhão roubando as esmolas dos fieis. A partir de então me neguei a ir à igreja e todo quanto havia aprendido em vários meses com palavras o desaprendi ante a contemplação dum exemplo em dois segundos; rebele-me contra tudo o que se me havia ensinado e alguns dias depois fui preso num supermercado por furtar una bolsa de doces. — Está o senhor sugerindo que por culpa dos maus exemplos inculcados os filhos nunca poderão ser melhores que seus pais? — perguntou una senhora de penteado alto e maquilagem indiscreta. — A lei da exemplaridade é mui clara — contestou o expositor —, não diz que é impossível a superação dos descendentes; diz que as atitudes observadas se gravaram neles para acompanha-los durante anos, e isto não deixa de ser grave. É certo que quase todos os filhos superam a seus pais porque, de modo consciente, detectam seus erros e se prometem a se mesmos não cometê-los jamais, mais também é certo que no plano subconsciente levam latentes os exemplos recebidos e que estes dão informação "inexplicavelmente" a seu temperamento. No nível exterior se desenvolve o que queremos ser e no interior o que somos realmente, mais os padrões de este último afloram de modo involuntário una e outra vez. Se


forem observadores, seguramente se terão surpreendido a vocês mesmos dizendo ou fazendo coisas que seus pais diziam ou faziam e tem confrontado mais de una vez a sua vontade de não querer fazer algo com seu hábito de fazê-lo. Não há muito que podamos rebater-lhe a esta lei: Os filhos carregarão no subconsciente os padrões de conduta que observarão em seus pais. A sentença emergiu num ar carregado de vibrações reflexivas mais confusas. Se essa primeira lei era certa, que utilidade tinha para mim, como filho conhece-la e que utilidade para os pais presentes? Mais que uma guia de superação familiar parecia una maldição. El diretor Yolza tomou ar para sublinhar com tal potencia que me arrepiou a pele: — O grande desafio da paternidade, senhores, se entendem o que acabamos de dizer, não estriba em como tratar melhor aos nossos filhos senão em como dar-lhes um melhor exemplo. E para isto, a única fórmula infalível é nossa superação pessoal. Só sendo melhores como indivíduos, engrandeceremos o modelo que lhes brindemos. — Senhor — falou um homem com aspecto de típico pai dominante não mui instruído —. Eu não bebo, não ando com mulheres, não lhes castigo a meus meninos nem a minha esposa, sou trabalhador e honrado, assim que me considero um bom exemplo e, ainda assim, meus filhos tem-me resultado tremendamente ingratos. — Perfeito, senhor — contestou Yolza sem ocultar sua exasperação —: o senhor se considera bom exemplo. Pois me deixe dizer-lhe que pelo simples fato de considerar-se assim demonstra não sê-lo. O pai que crê estar fazendo todo bom é o que mais profundamente grava em seus filhos o prejudicial padrão da arrogância, e isso os converterá "incompreensivelmente" em malos rapazes. Que ninguém cometa o grave erro de crer-se perfeito porque então deixaram de crescer e melhorar! E no há ninguém na Terra que não possa ser melhor. Isto é definitivo. O homem ficou calado pero visivelmente indignado. Em principio eu ri interiormente dele, pero logo me reprendi a mim mesmo por tal ação. —Eu não me considero perfeito — comentou outro homem —, pero meus filhos se têm rebelado contra todo o que lhes ensino. Por mais que luto não veio que melhorem. — Ensinar sem esperar resultados é a lei do bom mestre. Se se quere que os meninos aprendam, não deve pedisse-lhes a cada instante que demostrem o que sabem, um pai cabal vive dando exemplo reto e não exige resultados imediatos. O exemplo o face todo firmemente, mais em longo prazo. Sua missão não é levantar a colheita, senhor; sua missão é semear. Houve um silêncio total. O licenciado Yolza aproveitou para extrair de seu vade-mécum um pacote de folhas que o estendi sobre a mesa para que se fizesse circular. — Este escrito lhes ajudará a entender melhor a importância de superar-se vocês mesmos antes de pretender obrigar a seus filhos a que se superem. Tratava-se de um texto de Ignacio Larrañaga. Eu gostei e ajudou tanto que, más tarde, não só o memorizei senão que me motivou a investigar respeito à obra do autor. Qual não seria minha surpresa ao encontrar-me com um imenso pântano de sabedoria e paz que ao passo dos


anos se converteria numa de minhas mais firmes e poderosas guias vitais. Queres ajudar? Ajuda-te primeiro. Só os amados amam. Só os livres libertam. Só são fontes de paz quem estão em paz consigo mesmo. Os que sofrem, fazem sofrer. Los fracassados necessitam ver fracassar a outros. Os ressentidos semeiam violência. Os que têm conflitos provocam conflitos a seu ao redor. Os que não se aceitam não podem aceitar aos demais. É tempo perdido e utopia pura pretender dar ao teu semelhante o que você não tem. Deves empezar por ti mesmo. Motivarás a realizar-se a teus achegados na medida em que você este realizado. Amarás realmente ao próximo na medida em que aceites e ames serenamente tua pessoa e tu passado. "Amarás ao próximo como a ti mesmo", mais não perderás de vista que a medida és "você mesmo". Para ser útil a outros, o importante é você mesmo. Sé feliz você, e teus irmãos se encheram de alegria. Ignacio Larrañaga Havia ficado claro que antes de pretender ser um melhor pai se devia lutar por ser uma melhor pessoa. Isto implicava a reflexões interessantes: os presentes haviam acudido a um curso de superação familiar quando seguramente poderia ser-lhes de mais proveito em sua paternidade

tomar um curso de superação individual. Quedava, sem embargo, um resquício de duvida que impedia dar por terminado o assunto. Que ocorria com o mau exemplo que já se havia dado? O filho erroneamente instruído não tinha esperanças de supera-lo? A lei era mui severa ao respeito e havíamos alguns desconformes com isto. Finalmente, um dos pais de mais distinguido aspecto se atreveu a intervir: —Há algo que não compreendo ainda. De que maneira pode superar-se uma pessoa que na infância recebeu malos exemplos de seus pais se toda sua vontade ponderada não serve para nada quando o subconsciente entra em ação? — Muito boa pergunta. Precisamente é um ponto que merece a pena aclarar-se detalhadamente. O licenciado Yolza deu a volta ao enorme bloco do portfolios e apareceu una inscrição em elegantes letras manuscritas: Para penetrar até a medula do banco de hábitos adquiridos e poder troca-los, só há dois caminhos. Ambos árduos e fatigosos, mais definitivamente seguros: l.-A repetição perseverante. 2.-O isolamento voluntario. — O primer ponto significa — explicou o diretor da escola — que para que uma nova conduta se converta em parte de nós e se grave no subconsciente se requere vê-la, experimentá-la, lê-la, ouvi-la, vive-la, um significativo número de vezes. Assim trabalha a exemplaridade do pai. Suas atitudes repetitivas começam a formar parte da pessoalidade dos filhos sem que nenhuma das partes involucradas se dê conta.


Fazendo uma pausa na explicação, aproveito para acercar-se à mesa e tomar um pouco de água. O silêncio estava carregado de certa glutoneria intelectual. Todos queriam saber mais e mais… — O segundo ponto para superar os modelos subconscientes e melhorar de raiz — continuou — depende da frequência com que se tenha por costume reflexionar, ou seja, penetrar sozinho à zona de intimidade absoluta, uma região na que se incursiona quando se deseja meditar e induzir sossego a turbulências que não são para descrever nem compartir. Nem o mais íntimo amigo tem cabida nesta região na que se debatem duvidas, temores, propósitos de emenda, orações e lutas espirituais. Só imersos nela a alma do homem cresce, mais para mexer-se em seus domínios se requere de um isolamento voluntario, isolamento que deve ser respeitado cabalmente por nossos próximos deixando de afetar gravemente a relação. Para entender melhor isto imaginem, por exemplo, a um pai terrivelmente aborrecido. Sem que ele possa controla-lo, seus modelos subconscientes afloram: se altera, grita, agride e ameaça cheio de raiva para depois retirar-se desejoso de estar longe de todo ser humano. Nesse confinamento voluntario começa sua luta interior. Fez mal, o sabe, mais não podia dominar-se; ademais, tinha razões para enfadar-se, Ainda lhe molesta ter gritado dessa forma. Esta luta para a paz deve librar-se a sós, A SÓS!, Gravem-se muito bem isto!, Porque com frequência os familiares profanam a região de intimidade da pessoa isolada metendo-se em seu espaço para falar, buscar concerto à desavença e, em muitas ocasiões, até para seguir discutindo. É típico que ao furor anterior se lhe some a cólera de não haver-se permitido o recolhimento e um problema simples se agrave com frases tales como "deixa-me em paz", "esfuma-te da minha vista", "tenho nojo", "não quero ver-te" ou "larga-te". Profanar a região de intimidade de alguém aborrecido o que simplesmente se encontre na contemplação de seus pensamentos, é o pior erro que se possa cometer. A ira da pessoa denigrada por tal ato soe chegar a extremos inusitados tales como romper coisas, chorar, ir-se da casa. A introspecção de alguns de nossos familiares é algo que deve respeitar-se pacientemente e com agrado, porque é parte de seu processo de superação. O diretor se deteve para consultar suas notas e terminou dizendo: — Primeiro com repetições continuas das verdades do amor e segundo em íntima solidão é como se consegue mudar os hábitos e destruir os modelos de conduta que furam inculcados pelo mau exemplo dos progenitores, mais ambos os processos requerem disciplina, o qual dificulta gravemente o assunto, vocês devem vencer a dificuldade porque esses dois são os únicos procedimentos garantidos para melhorar como pessoas e, com isto, corrigir os exemplos de atitudes que estão dando a seus filhos. Não olvidem jamais que os rapazes observam tudo e o registram caladamente. Sobre vossos ombros de pais descansa a gravíssima responsabilidade de serem observados diariamente por esses seres receptivos, ávidos de aprender. Ninguém diz nem objetou nada. Todo estava muito claro. Era bom sabe-lo, pero à vez dava medo. Pensei nos princípios de Newton, Boele, Pascal e de tantos outros científicos cujas conclusões tínhamos que memorizar na escola. De que serviam as leis académicas quando


não se conheciam nem remotamente as leis para viver melhor? Anunciou-se que teríamos dez minutos de descanso. A gente começou a pôr-se de pé. Eu me quede sentado. — Não vás a cumprimentar-me? Ao reconhecer a voz de minha querida amiga Sahian voltei instantaneamente. Estava mais linda que nunca. Levantei-me de minha cadeira para estreitar sua mão mais ela se aproximou desinibida dando-me um beijo na bochecha. — Que bom que vieste. Como te permitiram entrar? — Lhe pedi permissão ao diretor. E você como o fez? — Igual… Não foi fácil. — Sahian, me acompanhas a falar pelo telefone? Tinha que averiguar si já havia algum de meus pais em casa e insistir-lhe em que se presentara na escola. Pero sobre tudo tinha que saber se Saul tinha voltado e como foi recebido. — Claro — me contesto mirando-me fixamente com seus doces olhos grises. Não deixei minha pasta sobre a mesa, como tivera sido próprio, senão que a levei comigo debaixo do braço. Tomamo-nos da mão e déssemos correndo as escadas sem parar de falar e rir. Depois de marcar escutei soar até que se cortou automaticamente. Era inútil volver a chamar. Em minha casa não havia ninguém. Esfreguei-me o rosto espirando um lamento de preocupação. A minha doce amiga olho-me perplexa. — Passa algo malo? — Não o sei. Sem volver a pedir-lhe permissão à secretaria, tomei novamente o aparelho e disquei o número de minha tia Lucy. Si se houvesse presentado algum acontecimento de transcendência em minha família a irmã de minha mãe estaria sabendo. Eram íntimas confidentes. Minha tia atendeu o auricular quase de imediato. Sua voz me pareceu extremadamente fria e cortante, como si estivesse intensamente aborrecida ou preocupada. — Tia? Fala Gerardo… Como vão? Não contestou. — Tia me escuta? — Sim… — Sabe onde está minha família? Silêncio. — Me escuta, tia? — Ainda não o sabes…? — Não! Que passa? Evadiu minha pergunta fazendo-me outra. — Onde estás? Há ocasiões em que a informação que recebes pelo telefone é tão confusa que anseias o


adianto da ciência para poder transportar-te subitamente ao outro lado da linha e ver no rosto de teu interlocutor o que te quere, ou não te quere, dizer. —Na escola. —Não te movas de ali. Vou a encontrar-me com teus pais. Vou dizer-lhes que vão por ti. Espera-los. E cortou. Que raios estava sucedendo? Fiquei com o auricular na mão uns segundos escutando o tono intermitente. Logo, com um esmagador tremor nas mãos e especialmente nos dedos, marquei o número do hospital de papai. — Me comunicaria com o doutor Hernández, por favor? —Hoje não veio a trabalhar. — Não…? Obrigado. Abaixei o rosto tratando de recuperar o controle de meus pensamentos. Sahian me mirava sem compreender: — Há problemas? —Não sei… Em minha mente crepitavam como relâmpagos mil possibilidades sinistras. Mexi a cabeça negativamente e repeti: —Não… não os há… Que ganhava com preocupar-me? Em minha casa os conflitos não podiam estar piores do que já haviam estado… Assim que, por que mortificar-me colocar-me, e dar-lhe a ela, a perder a conferência? Tomamo-nos da mão para subir as escadas. O fizemos mui lentamente, sem falar e sem rir.


12 A LEI DO AMOR INCONDICIONAL No portfólios se anunciava com grandes letras o texto da segunda lei: "A ÚNICA ENERGÍA QUE FORTALECE VERDADEIRAMENTE AO LAR E A CADA UM DE SEUS MEMBROS É O AMOR SEM CONDIÇÕES" (Esta força vivificante deve emanar da entidade conjugal) Quando Sahian e eu entramos ao recinto, a explicação já havia começado. Sem embargo, não era ainda da lei do que se estava falando senão da pequena sentencia que figurava embaixo seu enunciado. — O essencial na família são os cônjuges — declarava o expositor —. Arranquem de sua mente a como dê lugar a ideia simplista de que seus filhos são o principal. É mentira, é uma armadilha mortal. Ainda pareçam contraditório, os pais que navegam com o estandarte de "nossos filhos são o único e o primeiro" estão destinados a levar a sua família ao naufrágio. São os erros mais graves que soem cometer inclusos os adultos que se creem instruídos na educação infantil. Desatender ao casal por atender aos meninos é um veneno lento mais seguro que terminará por intoxicar a todos os membros de esse lar. Entendam isto muito bem! Ante a escolha de ter que descuidar a seu cônjuge ou a seus filhos, não o duvide nem um segundo: descuidem a seus filhos! Se eles presenciam o amor de seus pais não estarão descuidados, se amontoaram como pintinhos ao calor do ninho. Senhoras, senhores, memorizem isto: quando se cultiva o amor incondicional no matrimonio, a os meninos lhes vá bem Ainda não se façam grandes esforços para educa-los. A união conjugal é a melhor educação. Os meninos que a vem não torcem seu caminho, se fazem criteriosos e sensíveis, convertendo-se a sua vez em fontes de amor e, mais cedo que tarde, fundam com alegria sua própria família. Pelo contrario, os filhos de casais que estão em constantes disputas se infectam de desconfiança, inseguridade frequentemente se voltam causadores de deformações sociais tales como o amor livre e os vícios carnais; busca carinho no engano, calor no prazer e postergam o matrimonio todo quanto lhes seja possível. — Licenciado — interrompeu uma mulher que havia ido sozinha, — como vou a preferir atender o meu esposo, que é adulto, antes que a mis filhos, que são meninos? Isso não é lógico. — Senhora, tire-se essa ideia da cabeça ou sua família nunca será feliz, a senhora se uniu a seu marido antes de ter filhos e quando seus filhos se forem seguirá unida a ele. A promessa que fez ante o altar inclui o compromisso de defender e amar a seu esposo antes que a


qualquer outra pessoa! O carinho prioritário nesta terra, para todo adulto saudável, é o de seu par. Lute por ela antes que por ninguém mais. Protege-la, respeita-la, aceita-la, ama-la a pesar de qualquer defeito que tenha, é uma força motriz tão poderosa que salva do abismo aos lares mais conflitivos. — Eu vivo separado — confessou um homem extremadamente jovem — porque minha esposa e minha mãe nunca se entenderam. Tiveram diferencias tão serias que eu tive que escolher. Mãe só há uma e mulheres há milhares. Não me vai a dizer que fiz mal, verdade? Tadeu Yolzá, antes de responder, mirou ao sujeito com gesto de sincero pesar. — Me temo que sim se o vou a dizer… Se o senhor quer e defende a sua mãe não está fazendo nenhuma proeza. São o mais normal. Até os piores indivíduos da sociedade fariam isso. O amor para com nossa mãe se sente de modo natural e é poderosíssimo, é certo; o senhor a quererá a ela lhe pese a quem lhe pese; mais um homem cabal não se limita a sentir o que seu instinto lhe dita, senão que usa o cérebro e enfrenta o desafio de aprender a amar a sua esposa. Porque o amor conjugal não se da de modo inato, como o amor filial. Para levar ao êxito um matrimonio há que esforçar-se a braço partido, há que estar disposto a um verdadeiro esforço, a uma entrega crucial, a um sacrifício enorme, a lutar contra vento e mareia. O amor conjugal não se da por se só. Aprende-se com lágrimas, se cultiva entre duvidas, se vê crescer a um preço mui caro. Pero a recompensa é a maior benção que um homem pode receber. De modo que se sua esposa e sua mãe se separam, o senhor deverá permanecer ao lado de seu par; e se elas discutem o senhor apoiará a sua mulher. Não é fácil, pero escute-me muito bem: somente quando logre fazê-lo haverá deixado de ser menino. O homem se acariciou a bochecha com ar mais de moléstia que de meditação. O haviam catalogado, limpidamente, de infantil. — Quere dizer que nossos pais já não poderão dar-nos conselhos só porque nos temos casado? — insistiu. — Conselhos sim, pero ordenes no. Uma vez casado o senhor já não tem obrigação de obedecer-lhes e elos já não tem direito de mandar-lhe, e muito menos se com isso afetam sua vida matrimonial. A sentença que diz: "O homem deixará a seu pai e a sua mãe para unir-se a sua esposa" se refere não a deixá-los física nem emocionalmente, senão a emancipar-se radicalmente deles em atos e decisões. — Eu tenho una duvida — declarou novamente, entre opinando e discrepando, a senhora solitária com ar de insatisfação continua —. Meu marido é rabugento, vulgar, tolo e se preocupa muito pouco por mim. Ontem pela noite nosso filho menor se sentia doente, assim que considerei meu dever estar com ele Ainda meu esposo tivera que preparar-se sua janta só. Esteve bem? — Esteve perfeitamente mal. Em primer lugar o senhora está fazendo sua pregunta aclarando de passo o rabugento e vulgar que é seu companheiro. Deve evitar falar mal dele, este o não presente. Faça-se à ideia de que ao denigra-lo se denigra a senhora mesma; de una mulher que se queija do marido todos pensam em segredo: "pobre tonta, tem o que se merece". Se lhe desagradam os defeitos dele, ajude-lo em privado, mais nunca o deixe mal ante outros. Em segundo lugar, os meninos são egoístas e com frequência exageram suas dolências para que


se lhes preste atenção, de modo que, Ainda o pequeno comediante houvesse estado dizendo a verdade respeito a o mal que se sentia, se sua vida não perigava a senhora deveu atender primeiro ao papai. Em longo prazo a os rapazes lhes faz maior bem ver que seus pais se abracem que os abracem a elos. O melhor presente que poderão dar-lhes jamais será a contemplação e vivencia de seu mutuo amor in-con-di-cio-nal. — Um momento — se defendeu a senhora com a agressividade de uma fera ferida —, Ainda diga que não devo falar mal dele, como vou a querê-lo do modo que o senhor diz se sempre me trata com indiferença, se é desatento e quando lhe peço coisas nem sequer me faz caso? — Sabe qual é a clave para que comece a levar um bom matrimonio? Yolza respirava agitadamente com aparência de enfado. — Se a direi — e falou com a vista bem fixa e com gesto de absoluta convicção —. Deixe de reclamar como um direito o que pode pedir como um favor. 18 A senhora soltou uma sonora gargalhada pondo-se de pé teatralmente. — De veras? Diga-lhe isso a meu esposo. A mim me o ensinaram de pequenininha… A ele não. Tadeu Yolza arqueou as sobrancelhas assombrado, mais pela risada fingida que pela irónica resposta. Deixou lentamente sobre a escrivaninha seus papeis e começou a caminhar diretamente para a mulher. 18 ¿Quién puede hacer que amanezca? Anthone de Mello. Editorial Sal Terrae, p. 207.

19 1 San Pedro, 3, 1-5.

— O senhor pode burlar-se do modo que queira, pero estou seguro de que seu marido terá boas razões para portar-se como o faz. A mulher altiva e autoritária é pior que uma serpente no lar. Só uma senhora que não tem aprendido as regras elementares do matrimonio pode dizer que seu esposo no lhe concede o que ela lhe pede. A companheira inteligente sempre se sai com a sua usando o único método efetivo: a sedução, o amor, as caricias… Porque crê que muitos homens s acabam por ser-lhe infiéis as suas mulheres? Porque são uns monstros lascivos degenerados? Não senhora, um homem, mui rara vez busca "sexo" fora da casa; o que busca é compreensão, carinho, paz. Entende? Algo que se o senhor realmente se o propõe pode dar-lhe em abundancia. 19 Yolza terminou de falar a só uns centímetros da mulher, quem se tinha voltado a sentar com os olhos mui abertos. Sorri ao lembrar-me de mim mesmo numa situação similar quando se tratou o tema dos pais na sala de classes. Ao tranquilizar-se um pouco, o mestre se deu a volta e regressou a seu lugar, desde onde continuou falando-lhe a essa senhora: — Se tem de convencer, dirigir ou dispor, não o faça jamais exigindo. Na família deve cultivar-se o amor incondicional, empezando pelo casal, e não há mais que discutir ao respeito. — Que é exatamente o que significa isso de “sem condições"? Perguntou um senhor corpulento e de voz grave.


—Existem três niveles de afeto. O primeiro nível é o mais corrente e elementar, se o denomina "amor se…": amo-te SE és bom, se te comportas bem comigo, se cumpres minhas exigências, se fazes o que me agrada, etc. O segundo nível, ao que mais comumente se chega, é o chamado "amor por que…": amo-te porque tens bons sentimentos, porque te esforças, porque tens obtido notas aceitáveis, porque é honesto, etecetera. Pero nenhuma destas duas formas de amar é verdadeira. Ambas estão baseadas em condições, e as condições emanam uma mensagem mui claro que é: "deves ganhar-te meu carinho com atitudes que me satisfaçam, não esqueças nunca que te quererei mais enquanto mais te pareças a mim…" Isso não é amor senão um intercâmbio egoísta no que sempre queremos sair ganhando. O único e verdadeiro amor é o do terceiro nível e que deve praticar-se entre os membros de uma família, é dizer: te amo a pesar de teus erros e tuas carências. Não com isto quero significar que os desatinos sejam benvindos. Odiamos ao mal Ainda amemos a quem cometeu esse mal. — Isso que diz é utópico. Como temos de amar igual ao filho delinquente que ao responsável? — Perdoe-me, senhor, mais se o senhor tem um garoto delinquente é precisamente porque só lhe deu amor condicionado. E creia-me, esse "amor" em longo prazo resulta tão depreciável, que finalmente aos garotos não lhes interessa perde-lo e se voltam ingratos e briguentos. — De acordo — acrescentou uma senhora—, mais não seriam más prejudiciais demostrar aos filhos sempre afetos, permitindo-lhes fazer o que lhes venha na cabeça? —Ninguém falou "permitir". O amor incondicional precisa ser sobre todo um amor inteligente, a senhora deve proibir as malas atitudes; deve incluso repudiar os erros, irar-se e demostrar toda sua animadversão contra o mal; mais quando se enfade por algum feito reprovável, não se enfade tanto com seu filho senão com o "fato". Deve aprender a separar a seus filhos de seus atos, o senhor pode fingir muitas coisas, mais daria as costas realmente, de coração, a uma pessoa amada só porque cometeu um erro? Se o face não vale nada. É clássico o exemplo do pai que humilha, fere e lhe retira a palavra por anos a sua filha que, seduzida por uma “saidinha”, resulta gravida antes de casar-se. Não há atitude mais antinatural e absurda. O pai sofre mais ou igual que ela. Los erros de nossos filhos nos doem muito precisamente porque os queremos muito. Se não os amáramos não nos sentiríamos tão mal quando se equivocam, assim que, porque não dizer selo assim? Porque fingirmos agraviados quando o único prejudicado pelos erros é o rapaz mesmo? Sejam sinceros e manifestem seu carinho abertamente evitando a sobre proteção. Vocês no devem viver por eles. Temos que aplicar a inteligência para demonstrar-lhes amor e em vez de deixa-los sofrer por seus malos atos; jamais consenti-los ou evitar-lhes as experiências amargas porque isso seria aplicar tontamente o amor que lhes temos. Os garotos devem saber que desaprovamos suas faltas, mais que os queremos a pesar de seus tropeços. Devem estar perfeitamente conscientes de que cada pessoa ceifará SÓ a colheita de seus atos, e terá que comer-se os frutos que semeou. O amor entre cônjuges e entre pais e filhos não deve medir-se pelos tinos o desatinos. Vamos a ajudar a nossos próximos, a motiva-los a superarse, a levantar-se depois das caídas; a dar-lhes apoio, abraça-los e fazer-lhes saber que os


queremos como são e que os pecados que cometam os prejudicaram só a eles. Isto é o amor incondicional. Não houve quem se atrevera a profanar o silêncio da pausa, um ligeiro fluxo de emoções intensas começou a espargir-se entre os assistentes. Era fácil adivinhar o formoso que seria ter esse tipo de relação no lar, mais ademais de formoso existia alguma outra razão mais prática? O mestre era tão perceptivo que contestou a pregunta antes que ninguém a formulara. — E, concretamente, esta forma de viver eleva a auto valoração dos filhos a níveis extraordinários. A auto valoração é a causa direta do êxito ou o fracasso de una pessoa. É aquilo que seus filhos têm chegado a crer que são e que, cedo ou tarde, serão. Se com frequência se os chama tontos, ineptos, frouxos, feios, chaparros, gordos e demais, eles darão forma a sua auto valoração com esses elementos, um triunfador não tem o físico distinto ao que possa ter um mendigo. Isso se, tem distinta o olhar, a postura, o passo, o tom de voz… Todos os quem de acordo a sua auto valoração. Se escutarem aos filhos fazer comentários que denigrem respeito a sua posição social, suas capacidades físicas ou intelectuais, sua mala sorte, etecetera, será uma amostra clara de que a informação que tem recebido de vocês tem sido produto de amor condicionado. Eles têm gravado todo o malo que são e todo pelo qual não merecem ser amados. Fez una pausa para moderar a força de sua elocução e em forma menos efervescente continuou: — Se tem descoberto em grupos de jovens órfãos que una parte de eles tem franca predisposição à droga e a delinquência, enquanto outra parte não. Depois de minuciosos estudos se tem chegado à conclusão de que invariavelmente os pirralhos careceram de amor e aceitação em sua etapa de criança, enquanto que os órfãos bons e mentalmente sãos, Ainda igualmente estavam faltos de um lar, anteriormente haviam recebido certas doses de aceitação e amor incondicional. Por mínimas que estas tenham sido, foram suficientes para dar-lhes a auto valoração que os salvou de cair na perdição. Novamente se havia despertado um hálito de reflexão nos presentes. Na medida em que o tempo transcorria, eu mesmo me havia sentido mais atraído pela dissertação. Yolza era um bom orador. Repentinamente, e sem que pudesse controla-lo, me veio à mente uma grande preocupação por minha família. Porque as circunstancias se haviam dado de tal modo que só eu, “o presunto do sanduiche”, me encontrava presente nessa palestra? Deveria transmitir-lhes a meus pais o que estava aprendendo? Mexi a cabeça negativamente. Como ia a dizer-lhes que com o exemplo de seus atos nos estavam marcando um caminho involuntariamente mau e que seus resmungos e conselhos não serviam para quase nada? Como explicar-lhes que nos sentíamos pouco amados e às vezes até desprezados por eles quando fazíamos as coisas mal? Como falar-lhes da necessidade de aprender a dar-nos mutuamente amor sem condições? Como expressar-lhes que para que os ingredientes de este novo guisado puderam mesclar-se, era indispensável que se cozinharam ao calor do forno de seu mutuo amor homem-mulher?


Não… Não ia a ser capaz de explicare-los... E Ainda pudera, eles seguramente não me tomariam em serio. Mirei o relógio: se lograva localizá-los ainda era factível que acudiram à conferência e aproveitarem o que faltava dela. As voluntarias começaram a oferecer café dado que a explicação da segunda lei havia terminado e mestre ordenava seu material para a terceira. Pôs-me de pé esquecendo esta vez de levar minha pasta comigo e caminhei até o lugar de Sahian. — Me acompanhas outra vez a falar por telefono? — Claro… Bajamos. E enquanto eu sustinha a buzina, ela marcou. Era inútil. Na minha casa não havia chegado ninguém. Com pouca delicadeza lhe tirei o auricular e comecei a discar o número do hospital de papai, mais me deteve e colguei. —Tenho que ir-me sentenciei. — Vai voltar? Uma intuição negativa tomou meu coração, assim que, enquanto falávamos, começamos a sair da escola. —Não o sei. — Te espero aqui? — Não. Melhor volta à sala. — Vai ficar bem? — Sim, não te preocupes. O intercambio de palavras anterior o sustivemos eu caminhando pela aceira rumo a minha casa e ela seguindo-me. De pronto, deixando-a só e sem despedir-me, corri desesperado, presa de um incompreensível temor. Havia recorrido esse caminho milhares de vezes, pero nunca me pareceu tão largo. Muitos anos depois de aquilo Sahian me confessou que essa tarde, ao verme afastar correndo tão preocupado por minha família, sentiu por primeira vez que me amava. Cheguei a minha casa ofegando. Todas as luzes estavam apagadas, assim que não me deteve a tocar. Saltei a grade, cruzei o pátio e escalei a saliência do banheiro principal; ali havia um domo roto pelo que podia entrar como o fazia em outras ocasiões, quando me demorava em minhas vagâncias, para burlar a meu pai. Já antes de deslizar meu corpo pela rachadura da claraboia pude sentir una forte carga de vibrações negativas. Cai agilmente junto à bacia e me pareceu perceber certo odor ranço e um ar frio. A pele se me arrepiou e as palmas das mãos me suavam imoderadamente. Ascendi à luz do banheiro e revisei as instalações detalhadamente. Ali todo estava bem. Custou-me trabalho abrir a porta. O fiz mui sigilosamente temendo estar a ponto de encontrar-me com algo desagradável. Não me equivoquei. Apenas pôs um pé na sala quase me fui de costas: havia una bagunça descomunal. No escritório os enormes livreiros pareciam ter sido arrojados violentamente ao chão, os livros estavam tirados por todos os lados, havia


vidros quebrados. Deus meu! O ocorrido ali não havia sido uma simples discussão. Acaso una peleia? Tal vez um roubo… Tal vez um encontro furioso entre meu irmão e meu padre. Caminhei entre os restos de figurinhas de porcelana, papeis discos… Agachei-me a recolher um pedaço de vidro da janela rota e detecte rastros evidentes de sangre. Senti que perdia o equilíbrio. Levei-me as mãos à cabeça e comecei a chorar. Que havia passado? Deus meu! Tenha que fazer algo, pero que? Quis levantar um livreiro nele que costumava guardar-se a agenda de telefones para buscar o endereço de algum conhecido e logo chamar-lhe para perguntar-lhe, pero não pude: era demasiado pesado. Ademais, que conhecido? Mia tia Lucy era a única opção. Incorporei-me de um salto. A escola! Mia tia me tinha dito que não me mexera de ali. Não podia dar-me o luxo de não estar se meus pais acudiram ali a buscar-me. Controlei minha aflição e com a presteza de um ladrão escalei o lavabo e a regadeira para sair por onde havia entrado. O cachorro dos vizinhos láteo e girou sobre se mesmo como desquiciado ao verme retirar pela cornija da casa. O pesadelo havia começado.


13 LEI DAS NORMAS DE DISCIPLINA Cheguei à escola e parei na porta mirando de um lado a outro. Cada automóvel que se aproximava pela avenida me parecia igual ao de meus pais e o coração me latia com força. Ao pouco tempo o céu se obscureceu e impressionantes descargas eléctricas começaram a surcar o espaço. Não me refugiei da chuva quando esta se precipitou sobre minha cabeça. Tomei assento na banqueta e me deixei empapar, escutando as elucubrações de minha mente. Cavilava com mistura e desordem como devem discorrer os desventurados que tem perdido o juízo, primeiro abstraído com a desgraça de meu irmão mais velho, logo preocupado pelo evidente atraco que havia ocorrido em minha casa e depois enfrascado nas considerações sobre como melhorar nossa situação familiar. Era um letargo similar ao sono de Eutíco que se relata no capítulo vinte do libro dos Atos. Não sei quanto tempo esteve nessa posição, só lembrou que comecei a sentir frio e, comi uma sopa, me pôs de pé para entrar à recepção da escola. A secretaria me proporcionou uma toalha e quis enterrar-se da razão de meu choro. Não o tolere e lhe supliquei, com uma ansiedade que a deixou sem fala, que em quanto meus pais chegaram me mandara chamar: estaria no terceiro andar escutando a conferência. Obviamente, no tempo que permaneci lá fora se expuseram algumas ideias que não me gostaria deixar à margem do presente relato. Graças a que Sahian e eu posteriormente fizemos "algo mais" que uma amizade entranhável, ela tem supervisado e corregido o descrito em estas páginas, amém de relatar-me detalhadamente quanto ocorreu em minha ausência, razão pela qual me atrevo a escrever o exposto no salão com a consciência de que é fidedigno. A terceira lei se presentava nos fólios de papel bonde do portfolios com as mesmas grafias brilhantes que mostravam as anteriores. "AS NORMAS DE DISCIPLINA DELIMITÃO A ÚNICA ÁREA CONFIAVEL SOBRE A QUE PODE EDIFICAR-SE A TORRE DO ÊXITO FAMÍLIAR E PESSOAL" (Os quatro vértices de essa área são: respeito, união, prosperidade e autonomia) — Contam que a um circo mui famoso chegaram dois leões para ser amestrados — relatou o licenciado Yolza —. Um foi confiado a um treinador que desde o principio estabeleceu


patrões de recompensas e castigos perfeitamente claros: proibiu-lhe ao animal que lhe resmungara ferozmente o lançaram flagelos, de modo que em quanto o fazia recebia um imediato, ainda corto, castigo físico. Ademais lhe ensino pacientemente a realizar certas rutinas depois das quais invariavelmente o recompensava com comida e água. Por sua parte, o segundo leão foi posto em mãos de um treinador neurótico. Este homem em ocasiones lhe permitia ao animal resmungar e ameaçar com as garras sem dar-lhe maior importância à agressão e em ocasiões, se não estava de humor, o açoitava ante a menor manifestação de rebeldia. Ademais, se o felino fazia as coisas que se lhe pediam não recebia una recompensa clara: quando o treinador estava de bom humor lhe dava enormes quantidades de alimento, lhe aplaudia e o felicitava efusivamente, pero quando estava de malas simplesmente considerava o acerto do animal como si tivera cumprido com seu dever e saía da jaula sem dar-lhe a menor gratificação. O primer leão, tratado com um código de regras justas e constantes, aprendeu rápido e não só se converteu na estrela do circo senão que adquiriu carinho e respeito de seu treinador; porem, o segundo leão, educado à libre regra emocional, acabou assassinando a seu instrutor e atacando a quanta gente se lhe acercava para intentar ensinar-lhe, assim que teve que ser sacrificado… Se havia acendido um projetor que projetava na parede as fotografias das feras quando chegavam ao circo, quando eram treinadas e quando a primeira fazia seus atos com extraordinário êxito enquanto a outra era levada à câmara para animais selvagens indomesticáveis. — Isto é exatamente o que ocorre num lar, tanto quando há regras estabelecidas clara e publicamente, como quando não as há. Como se conduzem as normas numa casa? Permite-se em umas ocasiões algo que está proibido em outras? Podem os pais realizar às vezes atos vedados aos filhos? Fortuitamente, tal o qual fato bem pode ter a sorte de ser ignorado ou correr o risco de ser motivo de repreensões e ferozes castigos? Na boa educação a razão deve prevalecer ante a emoção. Já se falou que não é suficiente com amar incondicionalmente aos filhos; estes devem ser amados inteligentemente. Estabeleçam vocês regras justas e permitam lhes façam valer. Senhores: as normas de disciplina são vitais na família, pero não podem ser segredas nem mutáveis. Recomenda-se que se escrivam num papel e se coloquem num lugar visível para todos. Determinem clara e publicamente o caminho a seguir e ninguém se apartará dele! Intente-lo, por favor. Se o fazem, não haverão desperdiçado seu tempo vindo a esta apresentação; é uma das principais recomendações para superar sua qualidade familiar. Não perdem nada com provar e em cambio não imaginam todo o que podem ganhar. —Ouça… E os filhos devem cooperar para a criação das regras? — perguntou a mulher solitária. — Não necessariamente. É importante, sim, que eles não acatem as normas pela força senão que as entendam e aceitem de boa gana, incluso que as comentem, enriqueçam e critiquem; pero os únicos que possuem o direto e a responsabilidade de dita-las são os pais, como também serão os únicos com o poder de atualizá-las quando forem tornando-se obsoletas, o ampliá-las, reduzi-las e até fazê-las flexíveis se alguma circunstancia específica a requererá.


— Pero não dizem que as leis se fazem para ser violadas? Não será que os filhos as respeitaram somente enquanto esteamos observando-os? — Isso dependerá da forma como se as conduza. As regras obscuras e inexplicáveis se desobedecem sempre. Só as proibições que os filhos se façam a se mesmos com base no que estão convencidos serão eficazes. Assim que antes de dar-lhes ordenes, convença-os. Não pretendam que seus filhos acatem as proibições de vocês senão as de eles. —Estou de acordo em que haja regras, licenciado, pero deve existir uma guia para não cair em extremos repressivos. —Muito boa observação, senhor. Existe uma guia infalível para estabelecer bem os preceitos. Simplesmente a disciplina deve cumprir quatro objetivos: não importa o que esteja proibido o permitido si se logram a realização de essas quatro metas. O mestre fez uma pausa enquanto revolvia seu material em busca da seguinte lâmina a projetar. Eu entrei precisamente nesse momento à aula. Alguns pais me recriminaram francamente com a mirada por minha interrupção, pero Yolza não. Tomei assento desanimado em minha antiga cadeira, ainda tiritando pela recente ducha pluvial. Sahian me mirou com assombro e teve intenções de acercasse-me para… ajudar-me? Enxugar-me? Perguntar-me? Para que…? Mais se ficou sentada em seu lugar sem apartar a vista de mim ainda quando o mestre havia começado a falar. La pasta de argolas estava intacta no mesmo lugar. O abri e a voltei a fechar. Não me custo muito compreender que havia chegado num momento neurálgico da exposição. Agradavam-me as coisas simples e acertadas, de modo que se estabelecerem regras num lar dependia de cumprir quatro simples requisitos, me interessava conhecê-los. Não era o único atraído por essa ideia. Os assistentes se esqueceram de quase imediatamente de meu inesperado aparecimento e Sahian terminou por volver a cabeça para frente. O diretor colocou a ilustração sobre a placa iluminada e apareceu na parede um retângulo com uma palavra em cada vértice: RESPEITO

UNIÃO

PROSPERIDADE

AUTONOMÍA

— Analisemos o primer requisito: RESPEITO. Como definiriam vocês o respeito num lar? Uma senhora entusiasmada com o tema levantou a mão para opinar: — É não ser grosseiro, ou seja: ser educado. Ante a dificuldade que se apresenta quando se querem definir os conceitos mais simples, não


houve nenhum outro voluntario. — O respeito é uma linha imaginaria —explicou o licenciado — traçada de mutuo acordo entre duas pessoas, um limite que nunca se deverá ultrapassar. É certo que em alguns consanguíneos sua linha de respeito lhes permite falar-se a gritos, dizendo-se palavrões, sem que nenhum se ofenda; pero a cambio existem outros casos nos que um simples levantar a voz, mostrar-se brincalhão ou dizer uma grosseria pode significar uma falta de respeito. Entre gente que vive embaixo o mesmo teto, Ainda que não sejam familiares, a linha do respeito é algo que deve estar claramente delimitado pelas regras. — E como se faz isso? — As normas que se ditem devem incluir alguns conceitos, tales como a proibição absoluta de burlar-se dos erros dos demais e de mencionar as frases tão comuns: "cala-te", "não sejas tolo", "te cri mais listo", "és louco", "estás idiota", "te falta cérebro", "teu cérebro não alcança para más?" As proibições referidas me pareceram tão usuais que não pude evitar sorrir. Si se puseram em prática em minha casa, de que falaríamos então? — O segundo objetivo que devem cumprir as normas disciplinarias é a UNIÃO — continuou o expositor depois de uma breve pausa na que não houve comentários —. A união é o que faz forte às famílias. Estar unidos é compartir juntos tanto os momentos importantes como os nímios. Há lares cuja união é tão precária que todos os quem chega e se vai à hora que quer sem avisar, come o que há na refrigeradora ou o guisado que alguém fez, não importa quem, fez o favor de deixar sobre o fogão; os filhos raríssima vez saem com os pais e estes são tão indiferentes que nem protestam pela indiferença de aqueles. Não há nada mais absurdo que uma família desunida. Se não é como uma equipe, se não há mutuo interesse pelos demais membros e ajuda espontânea, se não se solucionam juntos os problemas individuais, a família não tem sentido de existir. — Antes os lares eram mais unidos, licenciado — interrompeu um senhor —. Por que é tão comum agora a desagregação? — Porque temos confundido os valores. Todos possuímos algo precioso e insubstituível que, uma vez que se da, não se repõe jamais: NOSSO TEMPO. É o maior tesouro com que contamos e costumamos dá-los como presente em abundancia ao trabalho, a as amizades e a satisfações como comer, dormir e divertir-nos, pero em cambio o poupamos terrivelmente quando se trata de brindasse-lo a nossa família, sendo esta a prioridade principal de todo homem de bem! Devemos dedicar mais tempo "de qualidade" a nossos filhos e cônjuge! É uma advertência grave. Não a tomem à ligeira. — Nos poderiam dar algum exemplo de regras que persigam a união? — Podem dar-me vocês. — Poderia ser que todos os domingos se reservaram para sair o conviver juntos? — Perfeito. Alguma outra? — Que se deve fazer pelo menos una comida ao dia, reunidos. — Que os membros da família devem praticar um esporte juntos.


— Que nunca se deixe só a alguém que tenha algum problema. A chuva de sugestões foi interrompida pela brusca entrada de meu pai à sala. Meu pai! Pôs-me de pé como movido por uma mola. Todos, sem exceção, voltaram à cabeça para ver ao recém-chegado. Houve um silêncio incómodo no recinto. Vinha vestido em um traje negro liso e elegante que só lhe havia visto em algumas ocasiões, não lembrei em quais. Traía a mão direita enfaixada em tipoia de ombro, um parche na frente e o cabelo despenteado em forma incomum. Mais o realmente grotesco de sua aparência era seu rosto evidentemente inchado e vermelho. Movi a cabeça. Não me couve a menor duvida de que tomou parte na luta que deixou a casa feita um desastre. Mirou-me com um gesto que não lhe conhecia, entre enfadado e suplicante. — Vamo-nos — falou em voz baixa com articulação babosa. Haveria voltado a beber? Cinco anos antes, quando Saul teve o problema com o casal Yolza, a meu pai lhe deu por embebedar-se. A primeira vez que o vi assim me senti mui deprimido, mais que por seu estado pela impactante realidade de que aquele herói infalível não era tal. Foi o dia em que deixei minha infância atrás. Pôs-me de pé nervoso e apenado pela desagradável interrupção. O diretor se adiantou para convidar ao recém-chegado a ficar. — Porque não escuta a palestra? Asseguro-lhe que pode ser-lhe útil. Era obvio que meu pai estava a ponto de realizar uma tola encenação de insensatez, mais sua alienação tomou matizes contraditórios. Fez um gesto feio e se deixou cair na primeira cadeira que encontrou. Parecia um enorme bebê malcriado, uma das assistentes se apressurou a dar-lhe um lápis e papel que o tomou mecanicamente com a mão sã, como si estivesse hipnotizado. Caramba estranho pai que Deus me tinha dado. Ao ver que todo parecia novamente disposto para permitir que a sessão continuara, Yolza se aclarou a voz para falar com uma força e entusiasmo que não havia usado até esse momento. — O terceiro objetivo que devem perseguir ao determinar as regras é a PROSPERIDADE. Os pais devem ser mui firmes e estritos na conformidade das normas que persigam a prosperidade, porque de elas dependeram grande parte dos bons hábitos inculcados de por vida. Não importa quanto se queixem ou protestem os filhos, estes deveram aprender a ser perseverantes e diligentes. — Quere dizer que devemos exigir-lhes que sejam bons estudantes? — perguntou uma senhora. — Isso e muito mais. Em toda família digna a ociosidade deve estar terminantemente proibida! — E ao dizer isto deu um golpe na mesa que me fez saltar —. Por nenhum motivo deverá permitir-se desertar da escola ou dar-lhe as costas às responsabilidades. Os jovens não podem optar pela vagância frente ao nariz de um bom pai. As normas de prosperidade são as mais graves e as mais difíceis de fazer cumprir porque requerem um grado maior de energia. Os pais fracos e ineptos fracassam com elas e permitem a seus filhos fracassar.


— Pero se os garotos não querem estudar, como vamos a força-los? — De qualquer jeito! Pelo bom o pelo mal! — Está o senhor sugerindo que sejamos duros? — Se. Nenhum corretivo será o suficientemente forte para leva-los à senda do trabalho. Não deve tolerar-se que os filhos se voltem preguiçosos! Não lhes deem a escolher. Não lhes digam: "se não queres estudar te vou a conseguir um emprego de obreiro o de criada". Simplesmente eles não têm que opinar ao respeito. Se quiserem viver em sua casa deveram obedecer às regras e uma das mais importantes é que por nenhum motivo poderão evadir seus deveres. Meu pai levantou sua vista com olheira e pareceu interessar-se um pouco no que se estava expondo. — A "prosperidade" também significa "seguridade". Todo pai sabe que pela noite as ruas da cidade estão atestadas de vagabundos, delinquentes, briguentos, ladrões, bêbados e demais; pelo tanto é lícito que haja uma hora estipulada como limite para chegar a dormir. Não vou a sugerir nenhuma. Os pais decidiram isso segundo seu critério, pero a hora que estipulem será respeitada. É um hábito de decência em toda pessoa prudente estar em casa à uma hora segura. Os filhos tampouco tem que opinar ao respeito. Não importa se o rapaz chora e esperneia porque há "essa hora as festas apenas começam a ficar boas". No há escusa pueril que os pais engulam com mais frequência. Se eres um bom dirigente de família aprende a dizer "sinto muito, filhinho!" No lar o progresso e os bons hábitos vão unidos ao amor. Só o que não ama a seus filhos evita um bom corretivo a tempo. No terreno da prosperidade entram regras que controlam o fumar, o beber álcool, o levantar-se e dormir-se depois de determinada hora, ver a televisão, tender a cama, comer de certo modo, ser cortes, sincero, honesto, não roubar, não mentir, etecetera. Os bons hábitos são o caminho à superação e deveram adquirir-se proteste quem proteste. O diretor terminou de falar usando tal energia que me pôs um pouco nervoso. Todos os presentes estavam com os olhos mui abertos, embargados por um sentimento similar. Yolza lhe pediu a meu pai que passara ao frente a ler uma pequena pero extraordinária carta ilustrativa da anterior. Papai pareceu não escutar o convite. Mirava ao frente como narcotizado, sem piscar. O coração queria sair sê-me do peito. Esse não era mi pai. Dava a impressão de estar desmaiado com os olhos abertos. Todo quanto ocorria respeito a ele era demasiado estranho. Outra pessoa se levantou, tomou a folha que lhe ofereceu o relator, e começou a ler com excelente dicção: Filho meu: A família é como uma empresa. Nas empresas existem lineamentos e políticas estabelecidas pelos diretivos. Estas políticas não se discutem. Cumprem-se. A mim me tem tocado ser o diretivo desta família. Foi Deus quem o dispus assim, não eu. De modo que, te goste o não, eu ponho as regras.


Quero que sempre falemos de frente e com o coração. Somos amigos, mais entre nos há um limite que não deves esquecer. A conduta respeitosa, unida e próspera dos membros desta casa não se pode negociar. Eu gosto da modernidade, mais a coluna vertebral é intocável, não se moderniza. Em ocasiões doe obedecer, mais na vida terás que sofrer qualquer dos seguintes das dores, (não te escapas e a eleição é tua): A dor da disciplina ou a dor do arrependimento. O pai que herda só dinheiro deixa a seus filhos na pobreza; o que herda princípios, lhes da um motivo de viver. Esta carta a escrevi por isso. Amo-te infinitamente. Daria a vida por ti. TEU PAI… (CCS.) Quando o leitor voluntario voltava a sua cadeira, aproveitei para dar-lhe una mirada a papai. Assusteme do que vieram meus olhos. Seu rosto carmim se havia matizado de roxo, tinha a boca seca e grandes olheiras grises. Ele também aproveitou o movimento de cadeiras para pôr-se discretamente de pé e sair do lugar. Em seu caminhar para fora detecte um ligeiro bamboleio, assim que procurando a minha vez deslizar-me sigilosamente para não interromper a conferência, sai traz ele. O encontrei recargado no corrimão da escada com a cabeça abaixada. Ao sentir-me cerca se incorporou e começou a descer os degraus. Caminhei a suas costas sem falar, mais apenas havíamos descido três

degraus se voltou para mim e me indicou que o deixara em paz, que só queria tomar ar fresco. Diz-lhe que necessitava saber o que minha tia Lucy não considerou pertinente confiar-me, a o qual respondeu gritando-me, com uma dureza tão humilhante como incongruente: — Que não eres capaz de acatar uma ordem simples? Vai ao salão e deixa-me só. Eu volverei depois. — Regressarás por mim, verdade? Não contestou. Fiquei paralisado com um terrível nó de frustração na garganta vendo-o aleijar-se escalones abaixo. Havia olvidado o recentemente exposto referente à região de intimidade das pessoas, pelo que me senti sumamente desafortunado. Sahian me alcançou na escada e se deteve frente a mim mirando-me com essa faísca de inteligência e ternura que brilhava sempre em seus olhos; logo me tomou do braço sem dizer palavra para conduzir-me escalones acima de regresso ao salão. Não teve forças para resistirme a seu carinhoso gesto. Deixei-me conduzir como um boneco. Havia começado a perder o controle de meus pensamentos.


14 AS NORMAS DA FAMÍLIA YOLZA "Ao estabelecerem-se as regras de um lar devem tomar-se em conta o respeito, a união e a prosperidade". Em minha mente não deixavam de repetirem-se estas palavras. Ainda quando o quarto requisito, a autonomia, foi explicado imediatamente depois, estando eu presente, o conceito nem sequer se dignou roçar levemente mis faltas de entendimento. Foi Sahian quem me relatou o que se falou respeito a este último ponto para que pudesse escrevê-lo. — Finalmente — sinalou o diretor simulando no ter visto a saída de papai —, temos o requisito más descuidado nas regras: a AUTONOMIA. Este é o contrapeso que equilibra a balança de paz num lar. Sem ele a disciplina pode adquirir matizes de repressão militar. Autonomia significa liberdade de pensamento e conduta dentro dos limites das outras regras. A autonomia permite um ambiente laxo no que não se tem medo a nada ou a ninguém, muito menos aos pais. Em toda família equilibrada deve ter absoluta liberdade de ser um mesmo, de determinar nosso futuro e declarar abertamente nossos gostos sem temer o rechaço dos demais. Cada individuo da casa deve ter autonomia total para tomar decisões pessoais sem necessidade de someter a juízo civil seu parecer. No lar não é permissível um ambiente tenso o inibidor; cada uno deve estar capacitado para disfrutar plenamente o momento presente entregado à alegria de estar crescendo precisamente a seu modo. Isto insiste, não significa que se possa fazer o que se deseje, senão que encontrados e encaminhados por o bom sendeiro, para todos quem deve exercer seu direto de ser O MESMO. Para chegar á consecução de este objetivo vital e indefectível, o código familiar deve incluir a proibição de: impor ideias como únicas e absolutas, de tildar as opiniões alheias de imaturas, bobas o impensadas, de zombar-se do que vista, penteie o se expresse de modo especial, de falar mal, por molestar, dos amigos ou noivos, de criticar mal saudavelmente a música, os programas de televisão ou os gostos dos demais. Para dizê-lo numa frase: deve estar absolutamente proibido contemporizar e intentar mudar os anelos e quiseres de nossos familiares só para que eles o façam a nossa forma. Ninguém tem a obrigação de parecer-se a alguém. A mala costume de criticar ao próximo deve arrancar-se de raiz. A pessoa realizada, ao não ter o hábito de julgar, não se sente julgada, não lhe importa o "que dirão" e não tem tempo para imobilizarem-se com preocupações, temores, culpas ou ansiedades… Que em suas famílias não falte à autonomia e pela mente de vossos filhos não cruzará jamais o pensamento de fugir de casa, já que nela se sentirão libres, amados e


aceitados com todos os extravagantes que se lhes desejem ser! Yolza terminou sem poder ocultar um leve sorriso de satisfação. Algo fora do comum estava ocorrendo. Todos o percebíamos, um murmulho de opiniões aprobatórias começou a levantarse no salão e eu aproveitei para incorporar-me a medias com o fim de esticar as pernas e dar uma olhada pela janela que estava justo detrás de mim. Ao mirar à rua senti um escalafrio em minha espinha dorsal. Havia um homem agachado com a cabeça baixa justo debaixo do farol que alumia a fachada da escola. Era meu pai, de isso não havia duvida. Ainda garoava e sua particular postura o fazia parecer um vagabundo ou um triste desenganado cuja concepção das coisas lhe permitia entregar-se a atitudes que para um individuo sarado resultariam grotescas. Voltei a sentar-me em minha cadeira e percebi como a garganta novamente se me fechava. Sahian não deixava de mirar-me de vez em vez, assim que abaixei totalmente a cabeça e para dissimular a incorreção de essa aparência, abri minha pasta folheando as copias das anotações de Tadeu Yolza. Os assistentes à conferência seguiram perguntando e o mestre respondendo. Então me encontrei com algo verdadeiramente maravilhoso, algo extraordinário que à vez era normal… e era de esperar-se. Numa das tantas seções das notas que ainda não havia revisado se encontravam arquivadas as normas da família Yolza. Quatro listas diferentes que, segundo deduz pelas datas do cabeçalho, regiram o lar do diretor nos quatro anos anteriores. As coisas se me estavam dando com una oportunidade inverossímil, mais eu havia começado a pensar que em todo o que estava passando-me havia outras forças maiores que o azar. A lei da exemplaridade se cumpria uma e outra vez frente a mim: para o aluno importa mais um exemplo do mestre que mil palavras. A leitura dessas páginas me permitiu pensar no exposto recentemente, esquecendo-me um pouco de meu pai e de toda essa serie de situações confusas. Ao ler incluso deixei de escutar o que se dizia ao frente, o nó na garganta se diluiu e as lágrimas que estavam a ponto de brotar se recolheram. Devo confessar ainda tal vez não deviera, que de tanto levar e trazer aquelas copias ei extraviado algumas, entre as que se encontram as listas de normas; porem, Ainda minha memoria nunca tem sido particularmente prodigioso, me atrevo a mal copiar de ela o que diziam essas folhas, primeiro porque graças a elas desde então não tem faltado às regras por escrito em minha casa e segundo porque esse exemplo que agora transcrevo, Ainda não seja especialmente fiel ao que recebi, teve em minha vida mais força formativa e leccionadora que a que tivesse podido ter um volume de razoamentos similar à dissertação pedagógica de Makarenko. REGRAS FAMILIARES PARA ESTE ANO GERAIS (PARA PAIS E FILHOS)


1.- Toda a família fará junta pelo menos uma comida ao dia. 2.-Toda a família passeará unida como mínimo una vez por semana. 3.-Os pais saíram sós (sem filhos) ao menos uma vez ao mês. 4.-Não esta permitido em dias comuns ingerir guloseimas ou comida “rápida”, tomar refrescos, nem comer na sala ou no carro. 5.-Depois de comer, cada um levantará os pratos e talheres que tenha utilizado. 6.-Nas iras e discussões está proibido (referindo-se incluso às desavenças conjugais): a) Dizer grosserias, palavras ofensivas, "sempre", "nunca", "me vou". b) Impor regras novas ou invalidar as que há. c) Mostrar-se indiferente e evitar fazer as passes depois de una hora de ocorrido um problema. d) Dar maior importância ao problema que à relação. 7.-O horário limite para ir-se à cama entre semana será: Meninos: 8.30 Pm. — Papais: 10.30 Pm OBRIGAÇÕES ESPECIAIS DE PAPAI 1.- Trabalho em escritório. 2.-Reparações e melhoras à casa ou carros. 3.-Ir com mamãe a comprar a despensa ao menos uma vez por quinzena. 4.-Levar às criança à escola. 5.-Brincar com os meninos como mínimo uma hora durante a semana. 6.-Vigiar o cumprimento das regras. OBRIGAÇÕES ESPECÍFICAS DE MAMÃE 1.-Comida diária (exceto una vez à semana, que comeremos fora). 2.-Supervisión do ASEIO e bom estado da casa, a roupa e os carros. 3.-Pegar aos meninos da escola. 4.-Levarlos a sus classes extras (vespertinas). 5.-Brincar com os meninos um momento diariamente. OBRIGAÇÕES COMUNS PARA OS FILHOS l.-Se lhes permite una hora diária como máximo de televisão. 2.-Deveram escovar os dentes depois de cada comida. 3.-Deveram levantar os brinquedos e arrumar seu quarto antes de ir à cama. 4.-Deveram depositar no cesto sua roupa suxa e guarda-la limpa. 5.-Não está permitido mentir em nenhum caso, nem dizer grosserias. 6.-Para obter dinheiro extra deveram fazer labores especiais na casa. OBRIGAÇÕES ESPECIFICAS DE IVETTE (8ANOS DE IDADE)


1.- Tender sua cama diariamente. 2.-Dar de comer ao cachorro todos os dias e banha-lo uma vez ao mês. 3.-Poupar pelo menos o 30% do dinheiro que obtenha. OBRIGAÇÕES ESPECIFICAS DE CARLOS (5 ANOS DE IDADE 1 .-Banhar-se e vestir-se só. 2.-Ajudar a Ivette a banhar o cachorro. 3.-Poupar pelo menos o 20% do dinheiro que obtenha. 4.-Não lhe está permitido correr na casa nem brincar nas camas. 5. -Não pode sair só à rua nem atravessar avenidas. 6.-Em ausência de seus pais obedecer a Ivette. RESPONSABILIDADE FUNDAMENTAL DA FAMÍLIA Viver em comunhão com Deus. Estudar Sua Palavra ao menos uma vez à semana. Ir ao serviço religioso os domingos. Estas regras se revisaram e atualizaram ao principio de cada ano, pero poderão modificar-se em qualquer momento pelos pais. TODO O QUE NÃO ESTÁ PROIBIDO ESTÁ PERMITIDO E AS ATIVIDADES PESSOAIS DE CADA UM PODEM FAZER-SE LIVREMENTE SI SE TEM CUMPRIDO AS OBRIGAÇÕES ESPECIFICAS.

Ao pé da última sentencia apareciam as assinaturas de todos os membros da casa. Observei as folhas de cima para baixo e de baixo para cima. Eram mais que umas simples regras: era um manual de organização. Contra o que eu havia entendido do tema, não só se expunham claramente as normas para os meninos senão que se mencionavam também abertamente os lineamentos dos pais. Chamou-me a atenção que aos "enfadados" se lhes concedia uma hora de indiferença e rebelião, pero passado esse tempo se lhes exigia buscar fazer os “passes”. Também em esta curiosa normatividade para as desavenças reparei em que nem ainda aos pais se lhes permitia agregar o invalidar regras enquanto estivessem enfadados. Não pude deixar de observar, além disso, que a pequena Ivette tinha mais liberdades mais também maiores responsabilidades que seu irmão menor. Encontrava-me imerso nessas meditações quando certa frase mencionada pelo expositor me fez voltar à realidade com uma veemência similar à que deve sentir una pessoa dormida sobre a que se volca uma pia de água fria: — Gosta sentar-se, doutor Hernández? Meu pai se encontrava de pé apoiado ligeiramente no marco da porta. Quanto tempo levava ali? — Não, obrigado — diz notavelmente reposto, mais sem deixar de ostentar um aspecto desagradável, agora com o cabelo molhado e o traje suxo.

—Já vou embora. Ainda antes quisera fazer-lhe uma pergunta.


— A que queira. — Ao existir as regras deverá castigar-se ao infrator, não é certo? — Invariavelmente. — E o senhor crê que é bom dar uma palhiça de vez em quando? Levei-me as mãos à cabeça. Deus meu, por que perguntava isso? Papai nunca havia sido mui afeto a golpear-nos. Não entanto, pude dilucidar que na noite passada os acontecimentos em minha casa não haviam ocorrido de forma usual. De qualquer modo, tinha a sensação de que mui pronto me inteiraria de todo, pero também a tinha de que desgraçadamente não me gostaria.


15 LEI DE COMUNICAÇÃO PROFUNDA — Golpear a um filho é uma táctica que não esta vedada do tudo — sentenciou Yolza ante minha surpresa —. E digo táctica porque deve usar-se como isso, como um recurso extremo e eventual que não deve ir acompanhado jamais de ira; é algo reservado para circunstâncias delicadas tales como grandes transgressões às normas de respeito e prosperidade, as desobediências que não podemos dar-nos o luxo de permitir que se repitam. — Se diz fácil — protestou papai —, mais existe algum sinal que nos indique quando e quanto devemos castigar? — Se: a violação aos princípios. Unicamente ao verificar este o pai tem direito a reprender. A repressão é lícita só ante a desobediência. Se um jovenzinho faz algo malo sem o antecedente de ter sido advertido de não fazê-lo, admoesta-lo será injusto. Por mui enfadados que estejamos com sua ação, deveremos limitar-nos a explicar-lhe porque esteve mal o que fez e sentar o precedente de uma nova regra… — Se dirigiu ao resto dos ouvintes para advertir —: Pais, se não tem estabelecido um código de normas na casa, seus castigos serão tildados de tiranias e sus enfados de histeria. O pecado só se verifica ante a iminência de ter feito algo que se tinha proibido. — Pero o senhor não tem satisfeito minha duvida — retomou papai —. Se os açoites estão reservados para faltas graves, como castigar então normalmente? — Com palavras firmes, demostrando descontente de forma imediata. Não importa quantas vezes se cometa a mesma transgressão, sempre deverá corrigir-se. É imprescindível que ambos os progenitores estejam de acordo, mais se um chegara a não está-lo, evitaram a toda costa discutir frente aos filhos. O castigo imposto deverá levantar-se apenas o jovem tenha compreendido seu erro. A clave de uma reconvenção eficaz estriba em não prolongar demasiado o descontento. Há gente que permanecem enfadadas durante dias ou semanas: nada á mais insano e tonto que eternizar desnecessariamente um desgosto. Quase imediatamente depois da admoestação se deve FALAR; a reprimenda será explicada pelos pais e compreendida pelos filhos. — E se os filhos não entendem? — Se os filhos não entendem é sinal de que não se lhes a falado com suficiente amor. Amor incondicional, doutor Hernández. Não há ser humano que se resista a ele. Os olhos de meu padre se cristalizaram com gotas de confusão. Por um momento me pareceu um impostor. Eu sempre cri que esse homem não tinha lágrimas. Nunca em minha vida o


tinha visto chorar, nem ainda quando faleceu sua mãe, assim que vê-lo afligido era todo um acontecimento para mim. — Eu os ei guiado com dureza e lhes ei pegado quando tem desobedecido — sussurrou —. O senhor se rosou com meu filho Saul. Um mau rapaz incorrigível. Nada funcionou com ele. Se soubesse o que me fez… E suas palavras se fundiram num soluço afogado. Não se tapou o rosto com as mãos. Só frâncio a sobrancelha e deixou que as lágrimas corressem por suas bochechas ante a mirada absorta dos assistentes. Senti que umas tenazes ardentes me apertavam o pescoço e os olhos se me humedeciam. A preocupação do que houvera passado na véspera não tinha a menor importância em contraste com o impacto que me causava ver a meu pai em esse estado. Teve desejos de levantar-me e acercar-me a ele… Quanto tempo faz que não o toque? — A dureza na educação, doutor Hernández, deve ir acompanhada de uma comunicação abundante e profunda. Senão se faz desse modo, os filhos acumularão rancor e desejos de vingança. Sabe o que passa pela mente de um rapaz que tem sido golpeado ou reprendido com severidade? Faça um pouco de memoria: o senhor deve tê-lo vivido. Depois do azote o aprecio para o pai corretor e para se mesmo merma irremissivelmente; a ira se torna indignação e este inquina. O dano é tal que ainda depois a tempestade se converta em calma, as marcas do ódio ficam gravadas no mais profundo. Meu pai controlou seus gemidos e eu, a minha vez, me apressurei a respirar fundo intentando calmar minha crescente turbação. —Para que aquilo não ocorra, devemos aplicar constantemente a quarta lei: "COMUNICAÇAÕ PROFUNDA". Digamos que castigar a um filho é como produzir uma ferida necessária, similar à incisão que praticam os cirurgiões para extirpar um tumor. Não basta com fazer a fendi dura e extrair o quisto da desobediência, é indispensável costurar cuidadosamente a abertura e protege-la de toda infecção. Os pais que não aplicam a comunicação profunda depois de um azote, são como cirurgiões que traz a intervenção permitem que o paciente volte em se com a ferida aberta e sem suturar. Voltou-se de costas e desdobrou no portfolios o enunciado da quarta lei: LEI DE COMUNICAÇÃO PROFUNDA "UM PARÂMETRO FIEL PARA DETERMINAR A QUALIDADE DE UMA FAMÍLIA ESTA DADA PELO NUMERO E FREQUÊNCIA DE CONVERSAÇÕES SERIAS ENTRE SEUS MEMBROS”'

As luzes se apagaram e de imediato se projetou na parede um quadro explicativo da lei: EXISTEM TRÊS FORMAS DE CONVERSAR: Primer nível de comunicação. — (Superficial). Utiliza-se para comentar assuntos sem sustância nem transcendência. É o tipo de palestra que se da entre gente que se conhece mais não se estima. Em este nível trivial é fácil insultar, vituperar ou criticar


sarcasticamente, pelo que com frequência se comete o erro de ferir a quem nos fala com maior profundidade. Nada é mais prejudicial na família que uma constante comunicação superficial. Segundo nível de comunicação. — (Social). Participa um em ele quando se comentam ideias, experiências, vivências ou inquietudes pessoais em forma fria e calculada, sem involucrar sentimentos. Terceiro nível de comunicação. — (Profundo). Sem máscaras nem escudos. Se da só entre pessoas que se querem, e ao verificar, se abre o cofre do tesouro no que se guardam as duvidas, temores, os anelos, dores, tristezas, gostos, quereres. Um cofre que deve estar sempre aberto para nossa família. Curiosamente o licenciado Yolza não explicou este quadro. Limitou-se a deixa-lo projetado um logo momento. Quando começou a falar sua voz era — como um bom exemplo de comunicação profunda — suave e íntima. — Ao correr do tempo muitas experiências se tem apagado de minha mente, mais à que vou a relatar-lhes, jamais. Faz muitos anos, quando eu estudava o terceiro grau de secundaria, um dia cheguei a casa com amigos, ufanando-me de meu machismo e exigindo de comer. — Se deteve ensimesmado. Tal parecia que a anedota que estava a ponto de compartir conosco havia sido transcendente para ele. Quase imediatamente se animou e continuou —: Essa tarde, ao não ver nada na estufa lhe gritei a minha mãe que onde raios estava, que se essa era a forma em que "lhe havia ensinado" a receber-me. Minha mãe se presentou com os olhos mui abertos assombrada por minha insolência e eu, luzindo-me frente a meus comparsas, lhe preguntei que tinha feito toda a manhã já que não via panelas de guisado… A terra se abriu embaixo meus pés quando vi a meu pai aparecer detrás de mamãe. Deus meu! Não pensei que estivera em casa! Em uma ocasião anterior ele me havia advertido que, baixo minha responsabilidade, eu podia falhar-lhe grosseiramente a minha mãe se assim o queira, pero que me cuidara de que ele não me surpreendera nunca lhe falando assim a sua esposa. Como era lógica, essa vez se adiantou para pedir-lhe a meus amigos que se foram e de imediato se sacou a cinta. Antes de pegar-me me falou que quando recebera os golpes devia dar graças a Deus por ter um pai que me corregia. Foi uma palhiça sem igual; a cada golpe, chorando lhe falava a Deus, e pouco antes que a tunda terminara, eu estive seguro de que Ele me ouvia. La semiobscuridade no recinto e o silêncio absoluto deram à anedota um impactante matiz de seriedade. Só a parte esquerda do rosto do expositor estava parcialmente iluminada pelo reflexo da luz projetada na parede. — Subi a meu quarto banhado em lágrimas — continuou o licenciado Yolza —. O ardor dos açoites me impediu recostar-me, assim que me encerrei no armário. Chorei desconsolado sentindo-me degradado, indigno, cheio de rancor e ódio contra todo o mundo. Só pensava em morrer. Então ocorreu algo que mudou minha vida. Meu pai entrou ao quarto a buscar-me. Ouvi seu chamado e me neguei a sair de meu escondi-te, pero ele não duvidou: abriu a porta corrediça e se agachou para estender-me seus braços. Não pude conter os soluços e terminei


abraçando-o cheio de aflição. Então me acariciou a cabeça dizendo-me todo o que me amava. Com enorme pesar confessou o muito que lhe doía ter-me castigado, pero não se mostrou arrependido. Falou-me que com toda a dor de sua alma teria que corrigir-me sempre que o requiriera, e me pediu que o entendesse. Minha insolência havia sido tão seria que ele podia ter prolongado seu enfado durante dias e incluso nunca esquecer o agravio que cometi contra minha mãe (e sua esposa), pero o fabuloso da lição foi que aos poucos minutos de ter-me propinado a merecida palhiça, olvidou todo e me perdoo. Fez-me ver a forma em que eu lhe importava e, senhores, meu pai tremia ao abraçar-me porque falava com o coração. Chorou quando me abraçava. Olvidei a moléstia dos golpes e me bebi suas lágrimas com beijos. Seu forte e prolongada opressão me apertou a alma mesma. O licenciado Yolza fez uma pausa em seu relato para respirar e controlar a avalancha de emoções que esse capítulo de seu relato lhe provocava. Quando se recuperou, continuou: —Se eu tivera que mencionar uma vivencia à que deva todo o que agora sou, sem nenhuma vacilação elegeria aquela. Provavelmente no há nada que de mais gosto a Deus que ver a um pai cumprir com a obrigação de disciplinar e vê-lo depois acercar-se a seu filho para falar-lhe com a alma e dizer-lhe todo o que o quere. De uma coisa ao menos se estou seguro: não há método mais poderoso e eficaz na educação. Em suas palavras havia uma convicção tão firme que a ninguém lhe restou duvida de sua franqueza. —Jamais se incrementou tanto em mim o respeito para meu pai como em aquelas ocasiões que o vi afligido — continuou —. A mui corta idade cheguei á conclusão de que meus progenitores eram seres humanos com erros, pero de bons sentimentos, seres que amavam e mereciam ser amados. Eles soíam deixar-me só na luta diária, mais quando as coisas me iam mal, sempre estavam ali para apoiar-me e mostrar-me seu amor incondicional. Entendam isto: a comunicação na família deve ser de terceiro nível! Todo ser humano tem necessidade de comunicar-se em forma profunda e sincera! A insatisfação desta necessidade em casa arrastará a seus filhos à rua em busca de quem estejam dispostos a intimar com eles, e na rua todo pode suceder. Percam o medo a abrir seus sentimentos e logo percam o medo a disciplinar. Se os filhos faltam às regras, repreenda-os com dureza; não duvidem em repreender se a falta o merece. Pero depois da reprimenda ou do flagelo, abrace-los, beije-los, desnudem sua alma falando-lhes com o coração na mão, demonstrando-lhes sem reticencias todo o que os amam. Por favor, não esperem a que estejam dormidos para ir a beija-los e acariciar suas cabeças! La verdadeira direção eficaz esta acompanhada de uma lealdade e honestidade tal que nos concede o deleite de mostrar o carinho que sentimos cara a cara, um pai não será menos homem ao beijar a seu filho varão nem este perderá virilidade ao estreitar a seu pai. Esses são complexos machistas que, ao acolher-se, se inculcam nos filhos com graves consequências. A família sã deve abraçar-se, beijar-se e falar-se habitualmente com muito afeto. Os pais que restringem a comunicação profunda tarde ou cedo o lamentam… Uns gemidos entrecortados mais lastimáveis se escutaram na penumbra. Antes que o


licenciado Yolza lhe indicara à assistente que ascendera a luz, eu já sabia de quem provinham. Quando a claridade das lâmpadas fluorescentes nos inundou, me percebi de que havia vários adultos com os olhos chorosos, pero que se cuidavam muito bem de não fazê-lo notório. Só a meu padre não lhe importou demostrar seu deplorável estado de ânimo. — Eu tenho que aportar algo a o que o senhor tem dito — anunciou entre soluço e soluço —. Todos os daqui presentes devem saber o que me tem ocorrido antes que algo similar lhes suceda. Caminhou lentamente para mim fazendo uma enorme inalação. Foi um recurso efetivo porque se controlou. Deteve-se nas minhas costas e eu senti que a ansiedade me matava. Todos nos miraram. Finalmente, apoio suas mãos sobre meus ombros e começou com resolução ingente: — Saul, meu filho mais velho, faz cinco anos esteve a ponto de ir a cárcere porque golpeou a uma mestra gravida e lhe produz um aborto. Hubo una pausa incómoda en la que mi padre dudó si abrirse o no por completo. —O senhor Tadeu Yolza conhece muito bem essa historia. O menino perdido nessa desgraça era seu filho… E a senhora atacada sua esposa. Um murmulho de assombro se levantou. Yolza mirava a meu pai com vista de lince. Por primeira vez vi nos olhos de Sahian assomarem-se as lágrimas. Abaixei a cabeça envergonhada. — Graças a que o licenciado foi considerado e levantou os cargos, Saul no teve que ir à correcional. Agora me dou conta que tivera sido o melhor. — uma contração involuntária de seu nariz lhe impediu continuar com soltura. Estava anormalmente vermelho e as lágrimas banhavam literalmente seu rosto —. Em casa nada voltou a ser igual. O rapaz se converteu num filho rebelde e grosseiro e eu me converti num pai intransigente. Não soube endireitar seu caminho torto. Agora veio com toda claridade no que falhei: usei a força, mais nunca lhe falei… Sahian estava pálida com os olhos abertos tão desmesuradamente que parecia que houvesse visto um fantasma… Se estava falando de um Saul Hernández… Acaso meu pai se referia a Saul, ou o companheiro que lhe havia telefonado desde Guanajuato para confiar-lhe sua desgraça? Como corolário Saul era meu irmão…? Assenti com a cabeça lentamente contestando-lhe sem palavras essas perguntas que, à distância, sem palavras me formulou. — Saul era aluno de esta escola até que o expulsaram a semana antepassada. Foi surpreendido... quando estava com sua noiva no sanitário… Caramba! Essa parte do testemunho pode ter sido omitida. —Eu pessoalmente vim a recolher sua documentação e me senti tão defraudado que o insultei e o golpeei frente ao diretor… Não há que assombrar-se do que ocorreu depois: se foi da casa. Por um momento pareceu que ninguém respirava. As mãos de meu pai se crisparam sobre meus ombros lastimando-me. — Ontem pela noite voltou…


Começou a chorar e a falar misturando as palavras com seus lamentos de um modo francamente desgarrador. —Deus meu! Deus meu! Não soube recebe-lo. O tratei mal. Por que, Senhor? O insultei, o humilhei… Pero é que não sabia que era o correto. Só queria que ele entendesse que o que fez esteve mal… Não soube comunicar-lhe meus sentimentos. O amava. E creio que ele também. Um queixado impressionante lhe cortou a fala. Voltei-me para mira-lo e senti que minhas entranhas se destroçavam como se estivesse num poço ao perceber que esse terno negro que trazia só o usava para ir aos velórios. Apenas escutei o que diz depois. —Meu filho se suicidou anoite… Não deixou nenhum recado… Ele tampouco aprendeu a comunicar-se.


16 UM GRITO DESESPERADO Todos os presentes ao curso nos acompanharam no velório. Tem passado tantos anos desde então que ei esquecido por completo os nomes e rostos de quem estiveram conosco essa noite. Ademais não me fixei muito neles. Aos pés do féretro de meu irmão, a bomba mental que se havia ido elaborando em meu entendimento os últimos dias estalou definitivamente e a través dos escombros do que antes foi minha ideologia, penetraram até o centro mesmo de meu ser os conceitos que havia recebido do diretor, e chorei com a certeza de que, de haver-se conhecido em minha casa esse material de superação familiar um tempo antes, a prematura morte de meu irmão não houvesse ocorrido. Incluso possivelmente o terceiro filho de Yolza viveria. Sentado nos elegantes sofás da estancia para familiares, percebi a presença de meu irmão comigo e, à sombra de seu corpo etéreo, tomei decisões radicais: terminaria o ensino médio e ingressaria à faculdade de filosofia e letras para converti-me escritor. Tinha que relatar o que nos sucedeu; era um dever mais que imperioso. Era uma missão que se me havia encomendado a mim. O sabia por que durante o velório não deixaram de afluir a minha cabeça alguns dos primeiros parágrafos que li do portfólios roubado. Há milhares de seres que morrem a diária física o psicologicamente sem saber como nem quando se afundaram nesse pântano de depressão. Pero todo se origina no seio familiar. Se a família se corrompe, a sociedade, o país, o mundo inteiro se corrompe. Já é hora de escutar esse chamado de urgência lançado constantemente desde o mais íntimo de cada congregação humana. De que nos serve tanto avance tecnológico se estamos esquecendo o fundamental? Não podemos seguir fingindo-nos surdos ante o grito desesperado de um mundo que se encontra em plena decadência por nossa falta de interesse na família. Não foi senão até então que compreendi cabalmente o título da conferência "MENSAGEM URGENTE PARA A SUPERAÇÃO FAMÍLIAR". Era urgente, pero na minha casa chegou demasiado tarde. Publicando a historia de meu irmão e as anotações do diretor tal vez lhe dera ao destino a oportunidade de brindar-lhe a outras famílias "a tempo" o que à minha se lhe regalou tão fora de tempo. Devo confessar que durante meses ei postergado a redação de este capítulo. Temo não saber relatar como aconteceu a morte de Saul. Creio que qualquer ligeira desvio à verdade dos fatos em que haja incorrido nas páginas precedentes, não afeta a mensagem; antes bem pudera


enriquecê-lo. Pero no que se refere à forma em que meu irmão se despediu deste mundo, por respeito a sua memoria (e à de meu pai, que faleceu há pouco), não posso permitir-me ser inexato. De qualquer modo, me ei prometido no eludir o desafio um dia mais. Tal vez depois de escrever o ocorrido possa dizer-lhe a meu irmão — Ainda tarde —, com o carinho de quem lhe deseja o melhor a seu maior amigo: adeus Saul e obrigado. Quando Saul decidiu regressar haviam transcorrido seis dias de exilio inútil e prejudicial. Longe de amadurecer com a experiência, teve uma regressão. Em sua mente se fixaram as cenas que haviam colocado a perder sua vida: o acidente involuntário (porque isso foi exatamente) de sua mestra de inglês, as desavenças com a autoridade paterna, a dificuldade de relacionar-se afetivamente com as meninas, a impossibilidade de encontrar a seu "amor ideal", sua confusão sexual… Seu terrível, ingente, pavorosa soledade. Todo aquilo o foi afundando no pântano da degradação e totalmente humilhado e desmoralizado, ainda vendose soçobrar, não teve forças para salvar-se. Quantas coisas devieram passar por sua mente nesses dias, quantas lágrimas haverá derramado quanto desconsolo, quanto frio físico… pero, sobre todo, quanto frio emocional. Pelo que se sabem, só duas das cinco noites que passou fora de casa dormiu sobre una cama. É verdade que pediu pousada a um ex-colega escolar que radicava no interior, pero como viajou? Onde pernoitou o resto das vezes? Ninguém pode assegura-lo. O certo é que finalmente um estalo de esperança brilhou em sua mente e decidiu regressar; pediu ajuda económica à família que o alojava e esta, mais por librar-se da moléstia de hospeda-lo que por favorecê-lo, lhe pagou seu boleto de ônibus; e ele voltou com a ideia de que seu pai o receberia com os braços abertos. Por outro lado, para meu pai o que Saul estava fazendo carecia de toda lógica: era um pirralha infantil, um desplante arrogante de ameaça e desafio. Em sua ausência papai se sumiu num tremendo estado de ansiedade, indignação e ira. Não se cruzou de braços aguardando o voluntario retorno do desquiciado bastado: o procurou — Ainda unicamente durante dois dias e uma noite — por todos os médios a seu alcance: acudiu à policia, centros de ajuda juvenil, hospitais, delegações, familiares e amigos, pero foi inútil. E com o passo de intermináveis horas sem noticias foi acumulando uma perigosa mistura de tristeza e rancor. Não era justo que Saul fizera isso. Se lhe havia dado todo quanto um jovem de sua idade pudera pedir. Angustia e desespero de ter um filho desobediente se tornaram lentamente em corolários práticos: a rua lhe daria lições duras e cedo ou tarde valoraria seu lar, estimaria a família que abandonou e regressaria cambiado. Ambos se equivocaram. Nem meu irmão retornou cambiado nem meu pai o recebeu com os braços abertos. Por essas questões do destino que ninguém pode explicar, só papai estava em casa quando Saul chegou. Minha mãe e Laura, Ainda não soíam faze-lo, essa noite haviam ido à casa de tia Lucy fugindo, a dizer verdade, das maldições e protestas do senhor da casa, quem se mostrava relutante a aceitar (de nenhum modo!) ao insistente convite que lhe faziam para assistir ao curso de superação familiar do dia seguinte.


A campainha soou três vezes. — Quem raios poderão ser a esta hora? — murmurou papai sabendo que as mulheres tinham chave. Deixou o cómodo sofá da sala de televisão e se dirigiu à porta com pior mal-humorado que o normal. Tardou uns segundos em reconhecer a seu filho. — Saul? Seu rosto pálido lhe dava a todas as luzes aspecto doente e muito magro. Ainda caberia a possibilidade de que se houvesse asseado ultimamente, era evidente que não se havia barbeado nem trocado de roupa desde que se foi. Meu pai o contemplou sem saber que fazer. A inesperada aparição lhe produz mais medo que gosto. Voltou-se de costas e deu uns passos sem invitar a meu irmão a entrar. A parte emotiva de seu ser lhe suplicava que permitisse a seu filho passar, oferecendo-lhe calor, tranquilidade, descanso. Pero o lado cerebral de sua pessoa, que sempre o dominou, se o impedia. Em nenhum tempo se havia deixado levar por suas emoções e essa vez não ia a ser a exceção. Seu raciocínio, ainda em esse trance era um pouco turbada, lhe indicava que como pai agraviado não podia mostrar-se consequente com o que o jovem fez. Havia regressado? Bem. Era de esperar-se! Pero que não se lhe ocorrera pensar que com seu teatrinho de fugir e volver ganhava concessiones nessa casa. (Por que diabos não estavam às mulheres?) Saul entrou à sala de espera com passos lentos e inseguros. Necessitava desesperadamente ver um gesto de aceitação, pero tampouco falou. Sempre se lhe inculcou que os homens são fortes, frios e formais e, por conseguinte os sentimentalismos bobadas femininas. — Perdoa-me, papai — articulou ao fim. — Perdoa-me? Um homem de bem não pode ser capaz de largar-se sem importar-lhe quantas mortificações cause para depois simplesmente pedir perdão e pretender que nada ocorreu. Saúl calló con la cabeza hundida en el tronco e la vista en el piso. — Não crês que já tens feito demais dano à gente? Tuas imprudências não podem solucionarse com pedir perdão. O que conta são os fatos! É hora de que entendas isso e cambies. Você supõe, por exemplo, que com pedir-lhe desculpas a tua mestra de inglês ressuscitará a seu filho? — Isso foi um acidente! — E também foi um acidente que te encerraras com essa garotinha no banheiro para manuseá-la? Ou dirás que te seduziu? E tua bebedeira de faz um mês? E tua indiferença na casa? ¿E tua rebeldia para obedecer ao que se te ordena? E tua deserção escolar? E tua “saidinha” pela rua estes idas? Todo tem sido um acidente? Todo se soluciona pedindo perdão? A reprimenda resultava ainda mais cruel e abrupta pelo que tinha de verdadeira. De haver sido injusta, Saul houvesse podido alegar em sua defensa. Pero era certa. E ante a dor de comprovar como a vergonha produzida pela voz de sua consciência era reforçada pelas


recriminações de seu padre, guardou absoluto silêncio. Pero não ficou quieto. Ainda esmagado pela denegação, tomou uma decisão rápida. Deu a media volta disposto a sair. — A onde vai? — Vou embora. Nunca mais volverei a vir a esta casa. — Isso crê — e caminhou traz ele para detê-lo pelo braço —. O que você necessita não é largar-se senão receber uma boa palhiça. E a terás, te o asseguro. Acaso sentes que já não pertences a este lugar? É lógico! Com tuas imbecilidades tens perdido tudo. Até o carinho de teus pais... Caramba, fedes como um porco! Sobe a teu quarto imediatamente e troca-te. Saul levantou a mirada com altivez e murmurou: — Já não me assusta, pai! — Que? — Que eres detestável e te ódio. Então papai perdeu os estribos. Levantou a mão com toda a energia possível e lhe deu a Saul tão terrível bofetada que este caiu ao chão como um boneco de pano. — E você é um feto maldito! Não deveste ter nascido. Seguramente nem sequer é filho meu. — O tomou dos cabelos e o puxou para dentro novamente, obrigando-o a entrar gatinhando —: Sobe imediatamente e banha-te! Saul se pôs a chorar como uma criança. Podia ter devolvido a agressão com bastante êxito, podia ter-se librado dos punhos que lhe tiravam do cabelo para defender-se e ir-se sem que meu padre tivesse a possibilidade de detê-lo. Pero a cambio de isso se pôs a chorar. Depois de um momento se incorporou e obedeceu a última ordem como uma tétrica caricatura humana, como um desgraçado morto andante. Ao chegar à escada virou-se para ver a papai. E sua mirada foi um chamado de auxilio que não encontrou palavras para deixar-se ouvir, um grito desesperado desde o último corrimão do precipício. Pero papai não voltou o rosto. E se o fez, estava demasiado encolerizado para sentir a dor, a tortura, o tétrico lamento desse último alarido que emitem com a mirada os seres humanos antes de renunciar a viver. Meu pai apagou o televisor e se serviu um copo de uísque. Sabia que não estava bem o que acabava de fazer. Pero, como retifica-lo? As circunstâncias o haviam obrigado. Ademais tinha que tratar a seu filho com mão dura se queria ajudá-lo a reivindicar-se. Serviu-se outro trago e tratou de controlar seus pensamentos para deixar de atormentar-se. A chegada de seu filho havia acontecido de modo lamentável, pero tinha muito tempo por diante para ajudá-lo a sair do buraco. E o faria. Ao decidir isto se serviu um terceiro copo de uísque. As mulheres ainda tardaram perto de uma hora em regressar. Finalmente a porta se abriu com sigilo. — Já chegamos meu amor. — Tenho algo que dizer-lhes — anunciou papai com voz taxativa e seria. Minha mãe e minha irmã se lhe acercaram um pouco atemorizadas —: Saul acaba de chegar. O mandei a seu quarto. Não quero que ninguém vá a vê-lo até amanhã. Deve dar-se conta de que estamos


desgostados pelo que fez. Já falaremos largamente com ele. — E como chegou? Está bem? Já jantou? Deve estar morto de fome! Mamãe se encaminhou decidida para o quarto de seu filho com o gesto ardente de alegre excitação, pero papai a alcançou e a sujeitou pelo braço. — Não fui claro ao que acabo de dizer? Você e eu lhe brindaremos todo o apoio que requere, pero não hoje. — Por que não? Ele nos necessita agora! — No há nada que discutir. Não vamos a fazer-lhe uma homenagem de saudação. — Me perdoas amor, pero ainda não lhe façamos uma festa, sem importar o que você opine eu vou subir a dar-lhe um bom recebimento. — Recebimento? Esta noite Saul deverá estar a sós em seu quarto para que assimile todo o que vale sua casa. —Saul já assimilou quanto tinha que assimilar e te asseguro que há estado sozinho mais tempo do saudável. — Porquê sempre tem de dar-me a contra em tudo? Se eu digo branco você diz preto. Que é o que te passa ultimamente? — Que é o que te passa a ti? Eu te obedeço mais do que por teu estreito critério te mereces. — O que você falou? Repete o que você falou. — Que eres um tolo intransigente. Que toda tua família te tem medo, não respeito senão medo?, O medo que se sente ante um verdugo injusto. O sinto muito mais vou a ver a Saul. Papai a apertou do pulso com a força de alguém descontrolado pela ira. —Se o fazes te arrependerás por toda a vida. Não me desafie, esta advertida. — Pero me amor… E mi mãe soltou a chorar. Faltou-lhe o empurrão final para salvar a seu filho. Perdeu o ar em pleno embalo, desertou quando um último esforço houvesse sido suficiente. Mais, ¿suficiente para que? Nem ela, nem ninguém suspeitavam quanto deterioradas estava à autoestima de meu irmão. E em cambio era fácil perceber o perigo latente de danar, como não o havia feito antes, sua relação matrimonial. Perseverar em rebelar-se houvesse significado chegar a extremos inusitados. Como superar os gritos do marido?: Gritando ainda mais forte. E como quitar-se a opressão da mão que a sujeitava pelo pulso?: Empurrando, mordendo, esbofeteando a seu esposo. Tudo frente à Laura. E logo, que? O que passaria depois podia chegar a menoscabar irremediavelmente uma relação conjugal que havia defendido tantos anos com não poucos sacrifícios. Sentou-se na escada tampando-se o rosto com ambas as mãos. Laura, não podendo suportar a cena, subiu a encerrar-se em sua habitação. Não houve necessidade de advertir-lhe que tampouco ela tinha permissão de cumprimentar a seu irmão. A discussão havia sido tão veemente que seguramente Saul a escutou desde seu quarto entendendo que sua presencia causava inflamadas e desnecessárias brigas. Tal vez isto foi a gota que derramou o copo, tal vez o copo se derramou desde antes. Quem o sabe? Ninguém jantou essa noite. Por primeira vez em sua vida mamãe se atreveu a fazer o que


mais desejava: ignorar e tratar com aspereza a papai. Evitou cruzar com ele uma só palavra e durante horas chorou em sua cama antes de conciliar o sono. Papai não dormiu. Não podia dar-se o luxo de seguir falhando em sua direção tutelar. Não com Saul. Sem embargo, algo em seu foro interno lhe dizia que o que havia feito estava mal. Às três da manhã, procurando fazer o menor ruído possível, se levantou com intenciones de ver a seu filho. Necessitava ao menos certificar-se de que não havia voltado a fugir. Cruzou sigilosamente o corredor que unia sua habitação com a dos varões e entrou cuidadosamente. Acendeu a luz e seu rosto se encolheu num gesto de assombro e ira. Não estava. Maldição! Nem sequer havia desarrumado a cama. Maldição, maldição, maldição! Se havia voltado a ir! Deu uma pancada de rabia à parede e girou a cabeça com a respiração alterada buscando algum rastro. O sangue se lhe gelou nas veias ao notar um resquício de luz ascendida no quarto de ferramentas. Saul se haveria escondido ali? Ou havia tratado de entrar um ladrão… O primeiro era absurdo posto que o lugar fosse frio e sujo; o segundo o era ainda mais porque os ladrões não soim interessar-se em serras de cortar, guinchos colgados da viga que sustem um teto falso, pneus usados e caixas de pregos e parafusos, que era o único que ali havia. Baixou cuidadosamente pela estreita escada sem poder controlar um repentino tremor nos joelhos, sentindo a boca seca e a saliva acidificada. Ao chegar à porta duvidou uns segundos: estava entreaberta quando sempre se a mantinha fechada. Talvez houvesse sido demasiado temerário ao baixar desarmado, pero tinha o pressentimento de que ainda nesse lugar houvera uma grande ameaça, no era para ele… Abriu a porta que, como de costume, emitiu um leve rechinado. O quadro com o que se encontrou o fez levantar as mãos e abrir a boca com todas suas forças sentindo que a alma mesma se lhe escapava num grito. Saul estava aí, frente a ele, colgado da viga dos guinchos, enforcado com sua própria cinta. Uma faca gelada penetrou nesse instante até o mais profundo das entranhas de meu padre, paralisando-o. Com seus dedos contraídos tratou de arrancarem-se os cabelos, mais só conseguiu arranhar-se cruelmente o rosto pasmado, atónito. — NÃOOOO! NÃO! ¡NÃO! ¡NÃO! Não, não… não… — clamou enquanto o corpo de seu filho girava levemente no ar suspenso pelo pescoço com seu cinto de pele. Papai venceu o intumescimento produzido pela bebedeira e correu a desprender a Saul, gritando, bufando, afogando-se de dor… Ao deposita-lo no chão quis revive-lo, mais estava inerte e já havia começado a esfriar-se. A última vez que papai chorou foi quando apenas contava dez anos de idade. Nunca mais voltou a fazê-lo… até essa noite. Derramou sobre seu filho morto às lágrimas contidas durante toda una vida de fingir-se forte. Seus gemidos foram tão terríveis que creu que se afogaria com seu próprio choro, pero não lhe importava. Quando levantou a cabeça pode distinguir a mamãe parada na entrada do quarto, contemplando-o. Não viu a Laura, que também estava aí. A mamãe não se lhe ouviu gritar. Sua reação foi contraria porque talvez o crossing de seu


espírito fosse tão profunda e dolorosa que superava todo o suplicio que um ser humano consciente é capaz de suportar, e, por conseguinte manifestar. Havia ficado como idiotizada, com um rictus de dor no rosto, pero sem mexer-se. Então papai se incorporou pressa de uma rabia enlouquecedora. Subiu a escada dando tombos. Começou a destruir os moveis. Abateu livreiros, vitrines, espelhos; rompeu vidros com o punho e se golpeou a cabeça contra a parede uma e outra vez até que perdeu o conhecimento e caiu sangrando sobre a alfombra. Desde esse momento e até muito depois do acontecido, Laurita não deixou de chorar nem um minuto. Mamãe, definitivamente afetada da razão, não conseguiu dizer uma só palavra; sem embargo, é de notar que o dia seguinte do funeral teve a lucidez necessária para empacar suas coisas e mudar-se à casa de sua irmã Lucy disposta a separar-se para sempre de papai. Muito cedo se levaram o corpo de Saul para praticar-lhe a autopsia, a qual, por mais que se lhe suplicou às autoridades, não lhe foi dispensada. O forense nos informou de algo mais que, por grotesco e desagradável, ei estado tentado de omitir em estas memorias. A meu irmão se lhe descobriram rastos de uma infecção venérea adquirida recentemente. Ao sabê-lo, meu pai se pôs tão mal que por um momento todos temíamos que fosse a seguir os passos de seu filho cometendo a mesma atrocidade. Papai saiu da agencia em que velavam os restos de meu irmão para ir a buscar-me. Quando chegou à apresentação creu encontrar nela um possível bálsamo para sua dor, pero foi pior. Escutou quase tudo respeito à lei das normas de disciplina e o referente à lei de comunicação profunda. Na apresentação se deu conta do fácil que houvesse sido dar-lhe a benvinda a Saul com um forte abraço, acariciar lhe o cabelo e manifestar-lhe o gosto que lhe dava volver a vêlo. Pero também na palestra se precatou de que nunca lhe havia sido fácil demostrar seus sentimentos e muito menos comunicar-se a nível profundo. Nenhum dos assistentes à conferência se imaginou que a sessão desse dia terminaria com as frases más desgarradoras e duras que o padre de um jovem morto pudera dizer jamais. Frases que ao transcrevê-las, ainda muitos anos depois, arrancam de mis olhos amargas lágrimas de tristeza e frustração: Mi filho se suicidou ontem anoite… Não deixou nem um recado… Ele tampouco aprendeu a comunicar-se…


17 REENCONTRO

A apresentação para pais não continuou ao dia seguinte, como originalmente se havia planejado. O diretor, sua esposa, vários mestres, alunos, e pais de família assistiram ao funeral. A o largo de minha vida ei tido a oportunidade de presenciar um bom número de inumações, e ainda evidentemente em todas há prevalecido a tristeza, não lembro nenhuma tão esmagadora e tétrica como aquela. É mui distinto, por exemplo, dar sepultura a um ancião que disfrutou, sofreu, construiu e viveu, em soma, quanto tinha que viver, a fazê-lo com um jovem que cortou voluntaria e desnecessariamente sua existência. No primer caso, uma vez levado a cabo o enterro os familiares chegam a sentir certo sossego e resignação; pero no segundo não: em nosso caso, o ambiente esteve carregado de uma dor pasmada, incrível, inenarrável, que não mingou — acaso incluso se incrementou — com a consumação do fato. Os dias que seguiram ao funeral foram quase infernais. Laura se foi com mamãe. E papai e eu nos ficamos sós na casa pero quase não nos falávamos. Ele não suportava a presença de ninguém, assim que despediu à serventia e solicitou licencia no hospital para descansar. Nosso lar se converteu num imóvel sujo, gélido e grosseiro. Nem ele nem eu fizemos o menor esforço por reacomodar os livreiros ou repor os vidros quebrados; passávamos sobre eles chutando-os. Nem ele nem eu levantávamos um pano. A cozinha se foi enchendo de desperdícios, sujeira e moscas; os moveis de pó; as camas de roupa sucia. Sahian me chamava por telefono e, ainda nunca contestei, era agradável ouvir soar ao aparelho insistentemente uma e outra vez. Também foi a buscar-me em um par de ocasiões: não lhe abri. Um dia que não pude suportar mais a situação, banhei-me barbeie-me, pôs-me roupa limpa e sai em busca de minha amiga. Recebeu-me com um enorme gesto de assombro e alegria. — Onde tens andado, Gerardo? Não ei parado de buscar-te. Teu pai e você se mudaram? — Não,… Temos estado ali dentro, pulverizados pela depressão. — Pero não pode ser! Tem passado duas semanas ocultos, com as luzes apagadas e as cortinas fechadas?


Assenti. — Tens visto a Laura e a mamãe? — Sim —baixou a mirada —. Tampouco estão bem. As ei visitado quase a diário. Tua tia Lucy me tem pedido ajuda. Laura se tem recuperado quase por completo, mais tua mãe… — Que passa com minha mãe? — lhe insisti ante sua interrupção —. É que pode passar algo pior do que tem passou? —Me temo que sim — Sahian se encolheu de ombros indecisa. Parecia não saber como expressar o que devia dizer-me —. A morte de Saul é só o inicio de uma cadeia de coisas terríveis que estão a ponto de ocorrer. Se não faces algo… — Pero como está minha mãe? —Pálida… Descorada… de cabelos grisalhos… Com a mesma roupa desde faz dias. E algo mais… Algo que tua tia Lucy não ha querido dizer-me… Pero me da à impressão de que necessita ajuda psiquiátrica. Tua mãe está cambiando, Gerardo. Acorda, por favor, e faz algo! Senti-me abatido. A infelicidade era demasiada como para que se seguisse incrementando. —¿ Que posso fazer? — Procura que teu pai vá a busca-la. Só Laura e você podem propiciar o reencontro… E crême: si eles não se reconciliam os infortúnios os arrasarão a todos. — Não creio que possa… — Esse é teu problema. Observe a minha linda amiga frente a mim e me senti tão atraído pela paz de seus olhos que me acerquei a ela. —Ajuda-me, Sahian… Por favor. Então a abracei e me abraçou. Permanecemos enlaçados vários segundos. A quentura de seu corpo foi derretendo lentamente a congelação de minha alma. Desejava entregar-lhe toda minha intimidade. Contar-lhe da grande pena que inundava meu ser, da falta de ar que se sentia em minha casa; desse ter sono pero não querer dormir; sentir fome, sede, pero não apetecer nada; de essa dor aguda e incessante cravado na parte mais sensível de minha natureza; dessa repentina e enfermiça misantropia de papai… E, sobre tudo, dessa terrível paranoia que nos fazia ver a meu irmão detrás de cada porta que abríamos. Separando-me um pouco, intentei falhar-lhe de todo isso, pero em cambio articulei palavras mui distintas: — Quero pedir-te algo desde faz tempo. Mirou-me fixamente, como esperando que lhe fizera uma solicitude de suma importância. E assim era: — Queres ser minha noiva…? — Falas em serio? Como podes pensar nisso agora? — Penso nisto desde que te conheci… E precisamente agora é quando estou mais seguro. Não te o peço porque me estejas ajudando, e de que forma!, A sair de este impasse, senão porque eu gosto de você de verdade e sobre todo porque te quero. Se tiver que eleger uma


companheira por toda minha vida não o duvidaria nenhum momento: te escolheria a ti. Guardou silêncio e bajou a vista. — Não te parece que quando a situação se estabilize teremos muito tempo para falar de isso? Deus meu! Que doce e formosa me parecia. —Se — convém—. Tens razão. E cambiamos o tema da conversa. — Sabes? —me diz —. O licenciado Yolza pospus a disponibilização da quinta e última lei vários dias esperando que vocês pudessem assistir. Meus pais e eu estivemos ali quando a expus. Não te imaginas o impactante que resultou. O tema sobre desenvolvimento espiritual foi mais poderoso que todo o que se falou antes. — Que lástima que não tenhamos podido ir... — Porque não falas com ele? Talvez nos ajude a reconciliar a teus pais. — Tal vez... — Gerardo. Na última exposição o licenciado Yolza nos repartiu uns cartões com cinco sentencias que resumiam as leis expostas. Pareceu-me uma lembrança muito bela e lhe pedi uma extra para ti. — De verdade? Não me contestou. Entrou a sua casa e regressou de imediato. — Aqui esta. O mestre recomendou memorizar os princípios com estas frases cortas e levalos na mente literalmente sempre. Observei ao pequeno e duro cartão de plástico impresso em tipografia cursiva. Ademais era apropriada para portar na carteira. Nesse instante não a li, pero depois, ao conhecer os conceitos ali sintetizados, achei em sua simpleza e brevidade a guia para uma superação radical, não só familiar senão estritamente pessoal. Devo mencionar incluso que as melhores e mais importantes decisões, assim como os mais louváveis e transcendentalizes atos de minha vida, tem estado regidos em forma evidente por alguma de essas cinco sentencias. O cartão dizia: I.— EXEMPLARIDADE Se quiser ser de utilidade para o mundo e para as pessoas que me rodeiam, empezarei por superar-me EO MISMO com constância e excitação. II.— AMOR INCONDICIONAL Não amarei a os demais em função de seus acertos ou erros. Os aceitarei sem julga-los e lutarei por minha parceira antes que por ninguém. III.— DISCIPLINA


Estabelecerei e respeitarei um código de normas que me guiem pelo sendeiro do trabalho e do bem. IV.— COMUNICAÇÃO PROFUNDA Não usarei máscaras ante as pessoas que amo. Lhes darei minha intimidade falando-lhes frequentemente com o coração . V.— DESENVOLVIMENTO ESPIRITUAL Viverei em comunhão com Deus e estarei continuamente receptivo para encher-me de seu infinito amor. — Crês que Yolza aceitaria vir a casa da tia Lucy para falar com mamãe? — Você crê que não? Nossas últimas palavras haviam sido ditas com voz mui suave dado que pela cercania de nossos corpos não se requeria falar mui alto. Ela estava recargada de costas na grade de sua casa e eu me apoiava na mesma com a mão direta, passando o braço sobre seu ombro. Repentinamente nos demos conta de tão singular postura. Havíamos chegado a ela de modo natural, quase sem dar-nos conta. Não foi necessário que Sahian respondera se desejava ou não ser minha noiva. As vibrações falavam por se sós com toda sinceridade. Envoltos num aliento de doçura e amor, permitimos que a inercia desse estranho magnetismo nos movesse e quase sem que interviesse em aquilo a vontade, nossos lábios se encontraram num beijo cálido, suave mais apaixonado, carregado tanto de sensualidade como de espiritualidade, um beijo que marcaria o começo dum amor como o que nunca sonhei que chegaria a viver. Quando cheguei a casa subi direto ao quarto de papai. O encontrei com aspecto de terrível desolação afundado num sofá. E senti tão enorme pena que não pude menos que tomar-lhe uma mão e dizer-lhe com voz suplicante pero firme que as coisas não deviam continuar assim, que mamãe necessitava ajuda, que ele não podia deixar-se vencer pelo ocorrido, que ainda tinha dois filhos desejosos de viver e que ele era o único que estava em possibilidade de dar-nos essa oportunidade. Falei-lhe de nosso plano de reunirmos em casa da tia Lucy: todo estava arrumado. Minha tia sairia com seu esposo e filhos a noite da próxima sexta-feira e nos deixariam a sós para que pudéssemos falar. Sahian se poria de acordo com Laura e planejaria os detalhes. Foi mais fácil do que cri. Papai aceitou ir á cita sem fazer questionamentos. Ele, mais que ninguém, necessitava ser perdoado por seus seres queridos e resgatar o que pudera de sua vida matrimonial. Por primeira vez depois de três semanas de desagregação, minha família voltou a reunir-se. Eram às sete da noite quando papai e eu tocamos a porta. Ambos estávamos nervosos. Mui nervosos. Laura saiu a abrir e se deitou carinhosamente em braços de seu pai. Logo nos meus. Passamos à sala e nos sentamos. A casa havia sido asseada por Laura. Nem meus tios nem meus primos estavam, assim que não se escutava o menor ruído.


— Agora volto. Vou busca-la. — Não lhe digas que somos nós. — Por suposto, já o havia pensado. A tia Lucy deixou o forno ascendido e eu não o sei apagar… — nos piscou um olho. A os poucos minutos mamãe saiu de sua habitação e foi direto á cozinha passando junto à sala sem precatar-se de nossa presencia. — O forno está apagado, Laura… Que te passa? Porque me fizeste sair…? E sua vista se deteve em nós. Ficou-se de pé mirando-nos com os olhos cheios de enfado. Laura apareceu então e mamãe a recriminou de imediato. — O que tens na cabeça menina tonta? — Querem falar contigo. — Eu não tenho nada que falar com eles. Pusemo-nos de pé e nos acercamos um pouco a ambas. — Temos que definir o que vai a ocorrer com a família — diz papai. — Definir? Não sejas ridículo. O único que há que aclarar é a forma em que não volte a verte jamais. — E você crê que a min me entusiasma buscar-te? És uma mulher histérica e rancorosa. — E você um assassino. Essa palavra congelou a meu pai e elevou sua adrenalina ao grau que seus olhos pareceram a ponto de sair-se de seu lugar. — Ambos temos culpa de que Saul tenha morto. Você viu como decaía e não fizeste nada por ele. — Mais você o matou. — Cala-te! Mamãe ficou mirando a meu pai de uma forma terrível. Papai lhe deu as costas e caminhou para a porta. Laura e eu cruzamos miradas angustiadas. Porque os Yolza tardavam tanto em chegar? Minha mãe já não trazia posta a mesma roupa de fazia dias. Via-se acabada pero firme como um roble. Papai já havia saído de seu encerro e parecia disposto a empreender o voo para outras árvores que não rangeram assim. Era inútil. Nunca se reconciliariam. Minha família estava destinada à extinção. A campainha! Laura correu para o exterior fazendo a um lado a nosso padre, que estava a ponto de ir-se. O coração começou a later-me a toda velocidade… Ainda ficava una pequeníssima possibilidade… Desde a porta minha irmã anunciou com uma grande alegria matizada de ansiedade: — Temos visitas… Passem, passem. Os estávamos esperando. Não houve tempo de esclarecer nada. Tadeu Yolza e sua esposa Helena entraram com grande desenvoltura. Vinham vestidos de modo informal mais elegantemente.


A senhora não era mui bonita, mais seu porte distinguido e gentil lhe davam um aspecto atrativo. Era um belo casal. — Boa noite, senhora Hernández. — Boa noite — sorriu minha mãe comprometida. — É o diretor de minha escola e sua esposa — comentei—. Os conhecias? Assentiu. — Sentem-se, por favor. Estão em casa. Laura tomou da mão a papai. O ambiente se voltou em extremo tenso, mais Yolza, atuando mui naturalmente, começou a expor com meu pai como o faria com um grande amigo e a este não lhe restou mais remédio que sentar-se a conversar. — Desejam algo para beber? —perguntou Laura diligentemente. — Um refresco estará bem. —Eu lhe ajudarei a servi-los, senhora — se levantou Helena Yolza. E a minha mãe não lhe restou mais remédio que ir à cozinha a preparar as bebidas.


18 LEI DO DESENVOLVIMENTO ESPIRITUAL NA FAMÍLIA DEBE LEVAR-SE BEM UMA RELIGIÃO DE AMOR. SÓ MANTENDO UMA ESTREITA E CONTINUA RELAÇÃO COM DEUS PODE LOGRAR-SE A PAZ INTERIOR.

A voz da senhora Helena ressoo no recinto por uns segundos. Me, dei conta que estávamos pisando um terreno vedado, pero os convidados haviam vindo a isso: a sacudir-nos, a fazer-nos enfrentar os temas que comumente procurávamos evitar. Meus pais, o quiseram ou não, necessitavam falar de Deus. Estávamos todos sentados ao redor da mesa de centro da sala. Com grande habilidade, Tadeu e sua esposa haviam ido encaminhando o tema da palestra até chegar a onde pretendiam. O ambiente era agora mais inibidor que tenso. Meus pais houveram desejado não participar nessa conversação, pero por cortesia se viam obrigados. A mim tampouco me agradava o tema; porem confiava cegamente em que o licenciado Yolza sabia o que fazia. — Creem em Deus? — perguntou. Silêncio. Todos tinham a vista fixa na mesa. —Só um homem de mui corta visão pode argumentar que as incompreensivelmente perfeitas maravilhas do cosmos se tenham criado "sós" — comentou interpretando nosso silêncio como una indecisão —. A magnificência de cada órgão do corpo humano, a excelência da vida em vegetais e microrganismos, a pureza das leis físicas, químicas e cósmicas, a esquisitices do funcionamento dos ecossistemas, a sublimidade dos planetas, as galáxias, universo, toda a gigante criação não pode existir por casualidade. Ao ir descobrindo cientificamente tanta perfeição inexplicável, o homem se tem precatado com mais claridade de sua pequenez. — Dizem que todo isso não é outra cosa que "a Mãe Natureza" — interrompeu papai, dando um gole a sua bebida e tratando de outorgar ao tema um matiz de superficialidade. — Se assim quere chamar-lhe, está bem. Pero indiscutivelmente detrás de essa "Mãe" há uma grande sabedoria. O que propicia a excelência de todo o natural é uma Inteligência infinitamente suprema que ha desenhado e posto em marcha quanto vemos a nosso ao redor. O azar não pode tê-lo feito. Se a palavra "impossível" logra usar-se em sua justa medida, é em este caso. Só um tolo poderia negar algo tão obvio.


— Espere — rebateu papai —, eu entendo que deve ter uma inteligência infinitamente superior que organizou todo como existe, pero isso não significa que devamos ter uma religião o sim? — Não falaremos de religião porque muitos adultos relacionamos, erroneamente, essa palavra com "manipulação". Falaremos de Deus. Não só sua criação nos grita que Ele existe; também está essa sensação que levamos dentro de necessitar fazer aquilo para o que fomos criados. Nada causa mais paz ao homem que praticar o amor; nada mais prazer que ter uma atividade criativa; nada mais alegria que atuar com verdade, honestidade e perdão. É ai, no interior de nosso ser, ao comparar a satisfação de fazer o bem com o desassossego de obrar o mal e, sobre tudo, ao recapacitar em nossa natural tendência de buscar a perfeição, que nos convencemos melhorar da presença de Deus. — Que tem que ver todo isso conosco? — protestou mamãe molesta pondo uma mirada a seu relógio —. O senhor seguramente está sabendo de que em esta família acaba de ocorrer uma grande desgraça. Algo mui real, senhor diretor. Deus pertence a outra dimensão. Falar de Ele não nos vai a ajudar em nada. — Se equivoca senhora. O problema de cada um dos membros desta família é uma severa infecção na alma que não pode ser curada por medicinas humanas. Se o desejam, minha esposa e eu sairemos de imediato pela porta que entramos para não molesta-los mais e então vocês poderão acudir à filosofia, à terapia psicanalítica, ou ao mapa astral, pero nada de isso o sarará; serão paliativos que lhes tiraram a dor só de momento, e quando o efeito dos analgésicos passem, a infecção ressurgirá desde o mais profundo de seu ser, agora mais grave. Podem dar-lhe mil voltas ao assunto, pero tarde ou cedo compreenderam que Deus é a única força que pode saca-los do buraco em que estão. Estendeu a mão esquerda a sua esposa e a senhora Helena, como adivinhando as intenções de seu marido, lhe alargou uma pequena Bíblia que havia trazido dentro de sua bolsa de mão. O licenciado a folheou como quem sabe perfeitamente o que busca e leu: — Quando os fariseus lhe preguntaram a Jesus onde se encontrava o reino dos céus, Ele lhes diz: "O reino dos céus não virá a vocês em forma visível. Não se dirá ai está ou lá está, porque de certo lhes digo que o reino dos céus se acha já entre vocês HOJE". 20 — Levantou lentamente o libro —. Sabem o que isto significa? —questionou —. Significa que Deus é uma presencia viva em nossas vidas, que não pertence à outra dimensão senão que está presente para todo aquele que deseje ter uma relação pessoal com Ele. — Espere — voltou a interromper mamãe, fazendo caso omisso ao comentário anterior e dando a aparência de estar molesta pelo assunto que se discutia —, não é aceitável que sendo um Deus de amor presente, como o senhor falou, a cada momento em nossas vidas, nos envie tanto sofrimento — e sem poder evitar um tono de desolação, agregou —: Em que cabeça cabe supor que um pai amoroso permita quanto permitiu em minha casa? Yolza detectou que mamãe não estava protestando só por protestar. Por traz de sua arrogância se escondia una desesperada necessidade de achar razões lógicas a essa dor que tão ilogicamente a estava matando.


— Vamos a ser realista, senhora. Nem o senhor nem ninguém pode conceber que Deus Amor propicie o sofrimento. Simplesmente nossas medidas não são Suas medidas, nem Seus juízos os nossos. Ocorre algo indesejado e o culpamos a Ele, mais o sofrimento não é causa de sua vontade senão consequência de violações que fazemos a suas leis. Ele nos tem dado liberdade e usando-a, bem o mal, semeamos para depois colher. Se a senhora lança uma pedra pela janela não a poderá deter em sua caída. Deus ha criado as LEIS, senhora, que estão ao nosso serviço; mais se alguém, querendo ou não, as desafia, por exemplo, lançando-se ele mesmo pela janela, sofrerá as consequências. Isso é todo. — E porqué, se nos ama, não evita esse "sofrer as consequências"? — Porque é nosso único meio de aprender e crescer… — Folheou novamente sua Bíblia e leu —: "Quando somos corrigidos, isso no momento nos parece motivo de tristeza e não de alegria. Porém, mais tarde, os que foram corrigidos recebem como recompensa uma vida correta e de paz.".21 Entende isso? A morte de Saul não tem sentido algum se vocês não melhoram radicalmente com ela. Devem exercitar sua sensibilidade na dor para que graças a o que lhe passou a ele, logrem essa vida de paz que não conhecem. Assimilem a mensagem que se lhes ha enviado e sigam adiante com alegria e entusiasmo. Que um problema não os abata; no contexto de toda sua vida, esta que hoje qualificam como una tragédia atroz, não é mais que um tropeço de ensino. Levantem a vista do jogo de xadrez que os têm enfadonhos e relaxem-se; admirem a perfeição da Natureza e entreguem sua existência inteira a Deus… "ENTREGA" é a palavra clave. A vida em comunhão com o Amor é o único bálsamo infalível que lhe de sentido aos maiores abatimentos, sara as feridas, faz desaparecer a preocupação, o medo, a ira, a culpa, a tristeza e as converte em Paz. 21 Hebreos, 12, 11.

A senhora Helena havia tomado a Bíblia e, enquanto seu esposo falava, havia buscado uma passagem para sustentar o que se dizia. À primeira oportunidade leu: — "Muita é a paz para quem respeita suas leis. Não há tropeço para eles" 22 — e depois—: "Não se aflijam com problema algum, apresentem todo a Deus em oração pedindo e dando graças; então Ele lhes dará sua paz, uma paz que é maior do que o homem comum pode entender uma paz que inundará seu coração e seus pensamentos”… '23 A voz de Helena Yolza não só contrastou pelo doce e grata senão porque ia carregada de una convicção maior, se isso fosse possível, que a de seu marido. — Eu insisto em perguntar — increpou papai retomando o aspecto do tema que mais lhe incomodava —. ¿Se requere seguir uma religião para comunicar-se com o Criador? — Qualquer pode entrar em harmonia com Deus, pero si se faz na modalidade de libre pensador essa harmonia será momentânea; a natureza do homem susceptível a experimentar o mal não pode guiar-se só. Os apetites insanos requerem de uma lei que lhes ponha freio. Si não se tem e obedece a um guia espiritual, até os piores assassinos podem justificar seus malos atos e racionalizar convencendo-se de que são bons à vista de Deus. Os pais devem inculcar a religião no seio de seu lar; não há pior dislate que permitir aos filhos que cumpram


a maioria de idade para que elejam. O desenvolvimento espiritual é um processo largo de aprendizagem e maduração, e ao igual que outras ramas do "saber", seu estudo não deve postergar-se, porque fazê-lo seria tão absurdo como esperar que os rapazes sejam adultos para que escolham eles mesmos sua escola primaria! 22 Salmo 119, 165. 23 Filipenses, 4, 6.

Houve um silêncio repentino, estático, mais carregado de intensas vibrações. Hoje, ao momento de escrever, entendo todos aqueles razoamentos como algo normal e evidente, pero lembro que então a minha família lhe resultava tão incómodo escutar esses conceitos como o seria, para um jovem analfabeto que ha aprendido a viver sem ler, um discurso encaminhado a faze-lhe entender seu retraso intelectual. Lembro que por um momento ninguém falou. Eu estava perdido em meus pensamentos. Aquelas não eram palavras para ouvir-se e compreender-se com simpleza: era ouro moído, uma bomba, uma comida forte e nutritiva que caía repentinamente em estômagos paralisados pela falta de alimento. Foi meu pai quem rompeu o mutismo. Aclarou-se a garganta e levantou levemente a mão para dizer: — Todo está muito bem… Pero eu não me sinto digno de dirigir-me a Deus. O matrimonio Yolza duvidou uns segundos. Foi a senhora quem interveio primeiro: — Esse sentimento deve extirpa-lo de raiz. Pense que Deus é o Amor Incondicional Personificado. Ele ha querido que o senhor caminhe a sós para que cresça firme e com liberdade, mais isso não significa que o senhor esteja "só" ainda que caia. As caídas ensinam e fortalecem e Ele não vai reprochar-lhe suas caídas. Tens cometido erros? Tens sido um mal pai, um mal esposo? Tens falado coisas indevidas? Tens deixado de fazer o correto? E que há de malo em todo isto? Não há um ser humano perfeito! Ninguém lançará a primeira pedra, doutor Hernández. Nossas obras, boas ou malas, sempre levam implícita a recompensa a receber, às vezes de imediato, às vezes muitos anos depois, e não há nada de vergonhoso nisso porque estamos aprendendo e crescendo. Esse é o plano de Deus! Se Ele nos amara por nosso "curriculum" no haveria nem um só ser humano que merecera seu amor. Entenda isto! Nossas obras serão premiadas o castigadas de todas as formas. A Ele no lhe interessam os erros humanos senão o coração, a humildade, o arrependimento, a fé. Se o senhor faz algo mal sofrerá as consequências e sansões eacabó, pero o padecer o castigo das leis violadas não exime a ninguém do amor de Deus. Ele o conhece ao senhor muito bem, doutor, e o ama com todos seus erros, o ama com seu passado, qualquer que este seja. Ele é Amor e tem os braços abertos para o senhor… Meu pai abaixou a vista e pareceu afetado pelos últimos argumentos. —E há algo mais — complementou o licenciado Yolza —. Deus quer que seu lar seja restituído, porque Ele é quem planejou e organizou a família. Ele a desenhou, não os senhores. Se algo anda mal em seu lar, acerquem-se ao desenhador. Quando um aparelho


electrónico complicado se descompõe, os senhores acodem com o fabricante para voltar a fazê-lo funcionar. Façam o mesmo agora. E não tem que sair a busca-lo, porque Ele é quem vem a vocês. 24 Escutem com atenção e verão que chama à porta. Enquanto sigam ignorando todos os sinais que lhes está dando, serão como o filho pródigo descarnado e caído em desgraça. Só quem aceita a Deus e crê nEle será considerado seu herdeiro. 25 Abram a porta já, e Ele ceara com vocês e vocês com Ele. — Fez uma breve pausa para permitir que as palavras se infiltrassem até o mais fundo de nosso ser, e agregou —: Se o Senhor não edifica sua casa, em vão trabalham os construtores…, 26. As posturas de todos nos eram tanto similares e curiosas: a vista dirigida ao chão, os olhos fixos, os dedos nervosos e os lábios ligeiramente franzidos. Era possível haver vivido tantos anos em essa inópia? Yolza deixou passar uns segundos respeitando nossa meditação e logo, em tom de íntima cumplicidade, indicou o que faríamos. 24 Apocalipsis, 3, 20. 25 San Juan, 1, 12. 26 Salmo 127, 1.

— A única forma de enfrentar-nos a Ele é falando-lhe. Entregando-lhe nossas penas e alegrias. Tratá-lo como a um amigo exclusivo... Nos lares fortes se costuma a oração em conjunto e em voz alta. Poucas coisas sublimam e unem mais profundamente às famílias. Estariam vocês dispostos a fazer a prova conosco agora? Ninguém contestou. — Bem — falou, assumindo como afirmação ao nosso silêncio —. Vamos a tomar-nos das mãos fechando um círculo ao redor da mesa. Eu orarei e todos reforçarão mentalmente e a seu modo minha demanda; logo o fará minha esposa; posteriormente Laurita, a senhora Hernández, Gerardo e finalmente o senhor, doutor. No recinto despertou novamente um ambiente de incertezas. Eu estava em médio de meus pais assim que, ainda que tampouco me entusiasmasse a proposta, busquei as mãos de ambos e se as juntei fortemente. Eles nem cooperarão nem se negaram. O círculo se fechou com as mãos unidas e o licenciado Yolza começou a falar usando uma força emotiva que não o conhecíamos. Instintivamente bajamos a cabeça quase ao uníssono, como quando um soldado raso se dirige a um general. — Deus meu. Estamos reunidos aqui para buscar teu consolo. Cada um de nós quer dizer-te algo. Dizer-te: Pai, não me sinto capaz de conduzir minha vida e meus problemas. Estou cansado de tanto sofrimento. Deixa-me descansar em ti. Necessito ajuda. De todo coração, hoje te entrego minha mente, minha alma, minha vida. Sou teu, estou aqui, com meu coração aberto para ti para receber-te, para que em todas as áreas de minha vida se manifeste tua vontade e guia meus passos, Senhor. Quero entregar-te a minha família para que com teu bálsamo curativo cicatrizes nossas feridas e nos fortalezas em teu amor. Faz-me saber o que tenho que fazer para cooperar contigo. Sou matéria disposta, Senhor; utiliza-me, por favor.


A suplica nos sensibilizou a tal grau que senti vontade de chorar à vez que me inundou uma sensação de sossego e descanso. Entendi que si Deus se manifestava de alguma forma nos seres humanos seria de essa. A senhora Helena continuou a oração. — Deus, Santo Padre bom. Somos um pequeno grupo de filhos teus que estamos grandemente necessitados de tua paz, de teu perdão. Graças porque percebemos tua presencia e teu infinito amor e uma calma enorme surpreende nossas almas. Sabemos que não nos guardas rancor, que perdoas nossos erros e incluso as ofensas que te fazemos. Já não desejamos dar mais tombos. Temos reconhecido que empenhar-nos em viver longe de ti, ademais de desgastante, resulta doloroso e inútil. Toma em tuas mãos nosso ser e guia-nos por sempre, Pai. Somos teus. Crí que o processo se interromperia ao tocar-lhe o turno a Laurita e depois a minha mãe, mais me equivoquei. A oração de minha irmã foi curta, além disso, poderosa. — Eu te conheço, Deus. Faz muito tempo que deixei de falar contigo, pero creio que, todavia me queres… porque outra vez está reunida toda a família... não deixes que nos separemos. Ampara a papai e a mamãe. Obrigada. Minha mãe tardou mais em retomar a oração. Sua voz foi estranhamente débil e entrecortada. — Ajuda-me a aceitar o que passou… — um leve quebrantamento de sua garganta a interrompeu, pero se repus —. Não é fácil ficar gravida, dar a luz, educar a um filho, vê-lo crescer e depois vê-lo morrer dessa forma… Se eu tive culpa nisto… perdoa-me... e devolveme a paz antes de que também eu morra… Ajuda-me, por favor… — Então seu choro se volveu tão aberto e profuso que ninguém creu que pudera articular uma só palavra más, pero se controlou apenas o necessário e continuou —: Saul se foi fugindo da pressão de ser varão. Se diz que os homens devem ser fortes, competentes, invulneráveis, duros e até infiéis. Creio que ele não esteve nunca de acordo com isso. Era mui sensível. Por isso se foi. Recebe-o em teus braços. Dá-lhe Senhor o que nós não pudemos dar-lhe… Te o entrego a ti… Senhor. E su voz se ahogó en el fluir de su llanto. Mamãe não havia chorado no funeral. A pressão acumulada nas últimas três semanas de continua oposição à realidade havia sido demasiada. Assim que a vimos desfazer-se em soluços e lamentos de forma impressionante e desgarradora, mais ninguém se mexeu. A cadeia de oração continuou. Era minha vez. Minha subversão para toda teologia se havia tornado em sede, sede de esse sumo vivificante que oferece Deus. Porem, as palavras se me atoraram e apenas pude dizer: — Os que estamos aqui, estamos vivos. É por algo, verdade? ajuda-nos a entender por qué… O senhor tem um propósito para cada uno de nós. Faz-nos sabê-lo… Agora nossos ouvidos estão abertos a tua voz. Fala-nos, Senhor... Antes de começar, papai se aclarou a garganta. Sua mão, que tinha juntado à minha, me apertou com força. Desejava comunicar-se com Deus, pero se encontrava como mamãe, no fiozinho do quebrantamento. — Pai Nosso que estás no céu… Deteve-se. Ninguém continuou a oração que iniciou. —Eu só quero pedir-te… que lhe digas a meu filho que o quero.


Começou a chorar. —Diga-lhe que daria minha vida por saber que me ha perdoado. Ninguém me ensinou a ser papai, por suposto que isso não justifica as tonteiras que fiz porque a ninguém se lhe ensina… Pero quero dizer-te que si me das à oportunidade de refazer esta vida, não cometerei os mesmos erros com meus outros dois filhos. Se minha esposa me o permite, irei abraça-la, a beija-la e compartirei com ela meus problemas e alegrias... Deus meu, eu tampouco tive um bom pai… e crê-me que é uma carência que sempre me ha danificado... Dá-me outra oportunidade, Senhor. Dá-me a paz de saber que Saul agora pode ver a forma em que o amo. Ultimamente não ei pensado em nada mais. Quando ele era pequeno, orávamos juntos. Como e quando foi que deixei de ensinar-lhe? Causava-me graça vê-lo inverter as partes do Pai nosso e persignar-se torpemente com a mão esquerda. Meu menino… meu menino. Foi tão formoso tê-lo… Ninguém se imagina a pena que me embarga ao entender que não volverá a estar aqui. Deus meu. O Senhor sabe do tormento que sinto desde que Saul se foi… Lembro que quando começou a dar seus primeiros passos o fazia rindo e abrindo as mãos para guardar o equilíbrio. Lembro que não gostava dormir-se sem que lhe contasse um conto. O lembro de pequeno fazendo-me mil perguntas que eu não sabia contestar. O lembro de colecionar pedrinhas estranhas, falando com os peixinhos do globo de cristal, chorando quando reprovou seu primer exame na secundaria, e logo, repentinamente, o veio confundido, rebelando-se contra sua família, contra sua escola, pero sobre todo contra seu pai inepto, e logo, Senhor, o sono ali, girando levemente no ar, suspenso pelo pescoço com sua cinta. Sua voz perdeu tono e timbre. Todo meu pai era uma chaga aberta e supurante, um ser abatido pelo peso da dor, um corpo inanimado asfixiado pelos gases venenosos da tristeza. Não levantei o rosto para vê-lo. Era desnecessário contempla-lo porque sua aflição podia sentir-se como uma brisa de ácido. — Me lembro de estar abraçando seu corpo frio… —continuou com uma voz que não era sua — como se, todavia pudera sentir depois de morto minha pele, que nunca sentiu em vida. E é que, Senhor, a pesar que fosse tarde, eu só queria pedir-lhe perdão, queria que soubesse que o amava e que nunca havia desejado que se fora… Dize-lo tu. E, sobre todo, perdoa-me Senhor. Agora que vejo meus atos para traz, posso distinguir que antes da tragédia me diste muitas sinais de que estava fazendo as coisas mal, te comunicaste comigo de mil modos distintos, me o advertiste… pero não soube ouvir-te. Ei tido que passar por esta experiência horrível para entender que nos falas a cada instante a través de gente que conhecemos de coisas que vivemos de escritos que chegam as nossas mãos. Deixa-me reconstruir o destruído e te prometo que não viverei mais levianamente, que buscarei até nos mais insignificantes sucessos as mensagens que o Senhor me envie, pero sobre todo que serei para meus dois filhos o pai que não tem tido, o pai que eu não tive Senhor… E para minha esposa… o homem que ela necessita… O esposo que algum dia deixou de sonhar que teria… Não me havia dado conta de que a ronda se havia desunido, pois todos necessitávamos das mãos para limpar-nos o rosto. Mamãe se pôs de pé e se dirigiu ao meu pai feito um mar de lágrimas. Papai se incorporou para recebê-la em seus braços. Vi, ainda muito apagadamente, a força


com que se abraçaram. Laura se acercou e os rodeou. Eu fiz o mesmo. Permanecemos assim muito tempo, fundindo nossa dor e carinho, pero também unindo nossas energias. Foi um abraço de quatro pessoas que se necessitavam e se queriam tanto que, entre gemidos e soluços, tiveram nesses momentos a renovadora experiência de sentir assim o autêntico calor do amor de Deus. Essa noite, morremos juntos e voltamos a nascer. Nossa visão das coisas depois dessa germinação espiritual cambiou radicalmente. Orar juntos se converteu num costume e uma necessidade. Depois, nada voltou a ser igual.


19 PRÓLOGO NO EPÍLOGO Os conceitos da "MENSAGEM URGENTE PARA A SUPERAÇÃO FAMÍLIAR" não somente salvaram da extinção total a minha família. Em maior ou menor medida cada um dos pais que assistiram ao curso assumiram novas atitudes e com aquilo muitos lares renasceram. Eu sou o mais fiel testemunha de que, aplicando cabalmente as cinco leis, é possível reconstruir famílias desfeitas. Vi como a benção dos conceitos se estendeu entre meus companheiros de escola produzindo extraordinários resultados. Desde então me tenho perguntado uma e outra vez como seria este mundo si se lograra difundir a grande escala o que o licenciado Yolza ensinou no ciclo de conferências… Sahian terminou a preparatória ao mesmo tempo em que o meu, e ele foi nosso padrinho de graduação. Nunca mais voltamos a vê-lo. Nesse verão papai propus vender a casa e irmos ao interior para recomeçar. Eu teria que deixar a Sahian, Laura a suas amigas e mamãe à tia Lucy. Sem embargo, o aceitamos porque sabíamos que nosso sacrifício era mínimo comparado com o de ele: abandonava uma enorme carteira de pacientes ganhada com muitos anos de trabalho, una antiguidade valiosíssima no hospital de especialidades e, sobre tudo, uma seguridade económica da que não é fácil desprender-se quando se tem cinquenta anos de idade e uma família que manter. Arrancamonos de raiz o sentimento de culpa que em maior ou menor medida a cada um de nós nos provocava o passado, renunciando totalmente a ele. Compramos casa nova, móveis novos e ingressamos a uma sociedade nova. Meu noivado com Sahian foi difícil e arriscado. Durante anos tivemos que conformar-nos com escrever-nos. Terminamos varias vezes, mais sempre nos reconciliamos. Nosso amor foi crescendo sem pressa, sem paixões desventuradas ou sensualidade precoce. Isso lhe deu a força para, depois, sustentar o peso de um lar. Curiosamente, papai logrou fazer com muita facilidade algo que toda a vida qualificou de impossível: exercer sua profissão e à vez ter tempo de conviver conosco. Deixou de sonhar com salvar o mundo e organizou as prioridades de maneira que sua família ficou em primer término. Se de algo estou absolutamente seguro é que a humanidade doente não sentiu a sua falta. Por suposto que nosso nível económico baixou um pouco, mais nesse lar tão diferente apenas notamos a carência de luxos.


Nesse novo estilo de vida tivemos poucas desavenças. A mais forte que lembro ocorreu quando comuniquei a carreira que desejava estudar. Se houve algo que se lhe dificultou a papai foi respeitar minha autonomia no referente a essa decisão. Ele sempre aspirou a que o primogénito fosse médico pediatra e dado que ante a constante ausência de Saul eu fiquei como depositário de seus anelos de projeção paterna, intentou dissuadir-me por todos os meios. — A licenciatura em letras não te deixará para viver comodamente — me falou —. Trabalharás igual ou mais que outros profissionais e não poderás alcançar a solvência que eles desfrutam. Seus intentos foram vãos. Assim como ele decidiu fortalecer sua essência paterna e conjugal ante a efigie etérea de seu filho morto, eu, ante a de meu irmão, decidi ser escritor. Tem passado muitos anos de aquilo e temo reconhecer que papai tinha razão, ainda ele terá que reconhecer que eu também a tenha: não lhe ei dado riquezas a minha família nem temos vivido com opulência, pero cada vez que escrevo experimento a enorme emoção de enfrentar meus próprios desafios. Creio que o segundo vale mais que o primeiro. Ademais, Sahian me apoia. Tem aprendido a viver com um homem distraído que frequentemente se levanta na madrugada para escrever o que sonhava. Este livro é o trabalho mais importante de minha vida. Quando o terminei, minha primeira reação foi buscar a Tadeu Yolza. Desejava que me desse seu ponto de vista e escrevesse o prólogo da obra. Era tão sua como minha. Sahian e eu visitamos nossa velha escola preparatória esperançados de encontra-lo ali. Quase nos caímos de costas ao encontrarmos com uma imponente universidade. Sua filha Ivette, convertida numa lindíssima mulher, nos recebeu no privado do administrador. Tive medo de que seu pai tivera falecido e lhe lembrei de minha historia nervosamente, da que não entendeu nem um ápice. — Papai vem muito pouco por aqui — nos falou —. Sua última visita foi faz seis meses. Por causa de uma enfermidade pulmonar já não lhe é possível viver nesta cidade. Ivette nos deu o endereço onde poderíamos encontra-lo, mais minha esposa e eu não tivemos os recursos necessários para fazer a viagem. Assim que lhe mandei o livro por mensageria privada. Esperei sua resposta durante varias semanas. Até me resignei a que a obra não se consta com um prólogo, pois de não ser escrito de punho e letra por Yolza, não me interessava que o tivesse. Finalmente chegou ontem pelo mesmo conduto que utilizei para enviar-lhe o livro. Eu me encontrava fora de casa compartindo minhas habituais classes de literatura na Escola Superior de Jornalismo. Ao voltar, Sahian me esperava impaciente por dar-me a surpresa. Não me enfadei com ela quando me confessou que lhe foi impossível suportar a tentação de abrir o envelope e ler seu conteúdo. —Há uma pequena carta — me comentou — na que te felicita e deseja o melhor… ademais


do que lhe pediste. — O prólogo…? — Se e não. — Como…? —Escreveu uma introdução para tua obra, mais tem conceitos tão especiais que me pareceriam inadequados que apareceram ao inicio. Se deseja que teus leitores entendam em toda sua magnitude a profundidade das palavras de Tadeu Yolza, te recomendo que as coloques ao final e não ao principio do livro. — Um prólogo como epílogo…? Encolheu-se de ombros. — Bom… porque não? Depois de lê-lo me dei conta de que era o melhor. Sahian, como outras vezes, tinha razão. E se não a tinha, sua opinião teve novamente maior peso em mim que o que soem ter os parâmetros habituais das coisas. Um fenómeno que soe suceder-lhe a os maridos enamorados.


INTRODUÇÃO O dia em que Jesus entrou à cidade de Jerusalém, pouco antes de culminar seu ministério, o fez montado num pequeno burrico tal e como o advertiam as profecias. Os habitantes do povo o receberam com grandes vivas e ovações, cantando e exaltando ao Messias. Ao terminar de ler este livro me veio à mente essa pequena anedota. Lembrei que na sociedade há muita gente à que lhe gosta aplaudir sem saber por qué, e curiosamente o fazem sempre mirando ao burrinho. Dito de outra forma: Quando um sábio sinala a lua, as pessoas ordinárias levantam a vista para contemplar o dedo. Leitor: não cometas esse erro. Estás ante um livro escrito com algo mais que palavras, algo mais importante que a ilação literária, a estrutura de ideias e a redação de conceitos. É um trabalho feito com abandono. Espontaneamente. Desde o mais profundo do coração humano, reunindo elementos poderosos e quitando o "eu" de em meio. Isso o converte, a meu juízo, no burrinho no que Deus vem montado. Seja receptivo e veja mais além das palavras escritas. E se recebes a mensagem, observe muito bem a quem lhe aplaudes... Os chamados que chegam a tua vida se conduzem desde esferas muito altas das que não tens a menor suspeita. É seguro que este texto cairá em mãos de quem más o necessite, ainda que não esteja consciente de aquilo. Assim trabalha a lei de causalidade (no de casualidade). Todo ocorre por una razão. Causalmente você o tem. Não teus pais, irmãos, cônjuge o filhos. Seja humilde de coração e pensa, ao contrario nem que seja por um momento, que só se trata de umas folhas de papel, e que há milhares de milhões de pessoas em cujo poder puderam ter caído. Te será fácil supor que é uma eventualidade fortuita, mais e se não fosse assim? Se realmente houvesse um plano de Deus que faz chegar a tua vida no momento preciso os elementos que te fazem falta? Não lhe dês as costas a essa possibilidade. Este libro no é uma novela para revisar um fim de semana e esquecer. Sou testemunha de que a historia nela relatada é verdadeira, pero a historia é só o dedo. E se não eres cuidadoso, tal vez a lua te passe despercebida. Provavelmente sua estrutura te obrigue a lê-lo apressado sem que possas fazer nada por evitalo, como o sedento que apura até a última gota do copo com água sem respirar; mais, uma vez saciada tua curiosidade, regressa ao principio e retoma a leitura para analisa-la melhor.


Não trates este testemunho como uma bela novelinha de aparador. Convertê-lo num manual de trabalho muito teu. Sublinha-lo, escreve sobre ele, aprecie, resuma, aprofunda-te sem reparos, analisa detalhadamente cada ideia e encontra-lhe aplicação. Extrai das páginas sentencias que possas gravar em tua memoria e proponha-se leva-las contigo a tuas atividades diárias. Uma mente profunda não só descobrirá a poderosa sabedoria ancestral encerrada em muitas frases, senão que reconhecerá nelas um verdadeiro chamado pessoal. Quando um tolo encontra verdades como as contidas aqui, se ufana de conhecê-las e as faz a um lado, mais quando o inteligente as escuta, cala (ainda as haja ouvido antes) e as palavras lhe dizem coisas novas cada vez. Se estiverem em tuas mãos, não as tomes com ligeireza. Assimilá-las para ti e logo as comparte. Dá-los a teus amigos próximos. Teu lar não se conforma de una só pessoa. Por tanto, estudalas com cada um dos membros de tua casa. Obsequia-las a as famílias que vejas que andam mal. Quando se te questione que fizeste com o que o Senhor te presenteou, poderás dizer que não só o atesouraste para ti. Vive uma vida de serviço. Se não vives para servir, no serves para viver. Para ser o primeiro deverás ser o último e o servidor de todos. Tens muito que fazer em tua casa e para tu casa. E o mais importante é que podes empezar hoje mesmo. Não o postergues mais. Tadeu Yolza


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