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MÚSICA
TODAS AS ARTES/Música Clássica/ Nelson Nisenbau
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Dimitri Dimitreievich Shostakovich (1906- 1975) é um grande compositor russo do século XX que, na visão deste colunista, jamais obteve o devido reconhecimento, algo que certamente o tempo corrigirá. O mesmo aconteceu com Johann Sebastian Bach, esquecido por longas décadas até que Felix Mendelsohn ressuscitasse sua obra de forma quase espetacular. Talvez, em algumas décadas, Shostakovich se torne uma disciplina à parte no mundo acadêmico musical
Shostakovich compôs uma extensa obra, incluindo 15 sinfonias, concertos para piano e orquestra, violoncelo, violino, sonatas para instrumentos solo, trios, quartetos, quintetos, cantatas, música para teatro, cinema, ballet e ópera, entre outras composições. Embora não fosse judeu, a cultura e a música judaica foram tratadas em sua obra, seja nas composições para poesias judaicas populares, o aproveitamento de temas melódicos em algumas partituras e, de forma mais pungente, na Décima Terceira Sinfonia, Babi-Yar. A obra, de grandes proporções (cerca de uma hora de execução) temporais e orquestrais, foi escrita para orquestra sinfônica, coro masculino e baixo solo, compondo, na realidade, uma grande Cantata em 5 movimentos, todos musicando poemas de Ievguêni Ievtuchênko (grafia registrada na Wikipedia em português), entre os quais, o bloco “Babi-Yar” que dá o nome à obra e que foi a grande
Esta gravação é a ‘World Premiere”, ou seja, foi a primeira vez em que a obra foi apresentada ao público, lá no longínquo ano de 1962 sob a regência do maestro Kiril Kondrashin
motivação de Shostakovich, que se sentiu estimulado a compor uma obra exclusivamente a este bloco. No entanto, mudou de ideia posteriormente ao ler outros poemas alusivos à fase negra do stalinismo, ampliando sua composição para as dimensões sinfônicas. Shostakovich comunicou a Ievtuchênko as suas intenções apenas quando o primeiro bloco estava pronto, o que ocasionou o encontro entre os dois e a posterior ampliação.
“Babi-Yar” trata da tragédia ocorrida na cidade de mesmo nome, na Ucrânia, onde teve lugar talvez o maior massacre isolado da Segunda Guerra Mundial, fato que só foi trazido a público na era Krushev, quando a URSS abriu os arquivos
CORAL A TEMPO Um dos grupos do Estúdio Encanto, São Paulo, Capital Regência: Walter Chamun Regente Assistente: Daniel Carvalho Diretor Administrativo: Silas Carvalho
da era Stálin e foram descobertos este entre outros crimes contra a Humanidade. A revolta do poeta, endossada grandiosamente pelo compositor, foi causada pelo fato de ter se descoberto que Stálin, diante da invasão nazista, ordenou expressamente que a cidade não fosse defendida. Sua “motivação” para isto foi o seu antissemitismo. Estima-se que 30.000 judeus (entre todos os cidadãos), absolutamente indefesos, tenham sido massacrados pelos nazistas. O texto descreve o terror sentido pelo poeta ao visitar a arrasada Babi-Yar, onde não se encontrava qualquer lápide ou monumento que descrevesse ou prestasse homenagem às vítimas. Segue então em um denso emaranhado de descrições e emoções, relatando a tragédia do antissemitismo russo e a sua revolta com o que descreve como sendo uma perversão do verdadeiro caráter russo, fazendo ainda alusão à tragédia de Anne Frank e aos pogroms.
Nos movimentos seguintes (Humor, No Mercado, Medos e Uma carreira), o poeta e a música exploram o universo escuro do stalinismo, onde o humor conseguiu sobreviver, onde as mulheres mostraram sua força e dignidade e, ao fim, em um certo tom satírico, o poeta ironiza o totalitarismo cultural e científico que assolou a URSS. A estrutura do primeiro movimento guarda semelhanças com o formalismo do século XIX, em particular com o primeiro movimento da Nona Sinfonia de Beethoven, onde o tema apresentado logo à introdução será desenvolvido até o clímax estrondoso, que coincide com a parte que descreve a queda da casa de Anne Frank. Shostakovich não usa parcimônia nas emoções, sem entretanto fazer concessões. O segundo movimento é um clássico scherzo
típico de outras obras do compositor, onde agrega algo de lúdico e irônico. O terceiro movimento é quase uma passacaglia, onde a repetição temática faz alusão à dura rotina da mulher russa, que recebe aqui uma homenagem não menos que monumental pelo poeta. Lento, profundo, traz um pouco da herança de Mahler, com seus longos mergulhos nas emoções como no adagieto da sua Quinta Sinfonia. A experiência da audição desta obra é transformadora. Não é possível continuar a ser a mesma pessoa depois de ouvir a obra e ler o texto que a inspirou. Diversas gravações registram o esplendor desta sinfonia, desde a primeira, gravada ao vivo na sua estreia em Moscou, com o teatro cercado de blindados e a divulgação do texto proibida. Aprecio em particular as versões de André Previn, de Bernard Haitink e a de Mariss Jansons (recentemente falecido), que considero a melhor (disponível para os assinantes do Spotify). Curiosamente, a obra não é popular entre judeus, ainda que certamente seja a maior obra musical de protesto contra o antissemitismo jamais escrita. Espero também que o tempo corrija este fato e que um dia este grande compositor - Dimitri Dimitreievich Shostakovich - faça parte da educação e das reverências judaicas.
NOSSO COLUNISTA SAGAZ: NELSON NISENBAUM
Médico, músico amador, escritor e membro do Coral A Tempo de São Paulo
INDICAÇÕES SAGAZES/MÚSICA CLÁSSICA * As 4 Estações, Vivaldi. Indicado por Ingrid De Cusatis * Kol NIdrei Max Bruch, Indicado por Sofi Ninio * 5a. Sinfonia de Beethoven. Indicado por Luis Antonio Gomide * Carmen de Bizet. Indicado por Sergio Afonso Arruda
TODAS AS ARTES/Música Popular/ Marco Antonio dos Santos
Está faltando um “Zé do Caroço” no pedaço
A verdadeira história do samba “Zé do Caroço”
Uma das canções mais empolgantes de samba é Zé do Caroço, escrita em 1978 pela cantora Leci Brandão. A letra conta a história verdadeira de José Mendes da Silva, policial aposentado que se tornou uma das lideranças da favela Morro do Pau da Bandeira, que fica ao lado do bairro histórico Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Para se comunicar melhor com a favela, José Mendes resolveu colocar um alto-falante em cima de sua casa para ler notícias, dar notas de falecimento, falar
A cantora e compositora, Leci Brandão, autora de Zé do Caroço, um samba icônico de protesto
A história não para aí. Leci Brandão tentou gravar a música em 1981, mas a gravadora Polydor censurou. A cantora rescindiu contrato para lançá-la em outra gravadora, a Copacabana Records em 1985. A canção se tornou seu maior sucesso e é a mais regravada de Leci nos últimos tempos, com versões de Art Popular, Revelação, Mariana Aydar e ainda a releitura que fez escola por parte de Seu Jorge, no DVD em parceria com Ana Carolina. Ps.: Zé do Caroço faleceu no início da década de 2000, tendo tido a oportunidade de ver seu nome e sua luta eternizados num dos maiores sambas de todos.
Zé do Caroço é música título deste álbum, com a primeira gravação da música
de campanhas educativas, alertas sobre o risco de tempestades. Com o tempo, ele se tornou referência entre os moradores. Se o Zé falava era verdade, diziam. Quem não gostou da história foi uma dona de casa, casada com um militar, que morava perto da favela. Como era plena Ditadura Militar, ela chamou a polícia para reclamar que o som do alto-falante a incomodava, principalmente na hora de assistir suas novelas na televisão.
De boca em boca, a luta exemplar de José Mendes virou música nas mãos de Leci Brandão, com tom de samba social, com crítica à alienação da população por meio das telenovelas e a necessidade do povo de se organizar para brigar por seus direitos.
INDICAÇÕES SAGAZES/MÚSICA POPULAR * Scarborough Fair, música tradicional inglesa de autor desconhecido. Indicado por Sefora Elbaz * Não deixe o samba morrer. Composição de Edson Conceição e Aloísio Silva. Indicado por Alvia Pitombeira * Afogamento. Composição de Gilberto Gil e Jorge Bastos Moreno. Indicado por Antonio Carlos Rosa * Felicidade. Composição de Lupicínio Rodrigues. Indicado por Raul Silva e Castro * Lua Branca. Composição de Chiquinha Gonzaga. Indicado por Alda de Oliveira Souza * Lamento Sertanejo. Composição de Dominguinhos e Gilberto Gil. Indicado por Félix Azevedo