Literatura Comunica! Número #1 / Ano #1 / Janeiro a Junho 2019 Distribuição gratuita
#ARTIGOS Relações de gênero e violência doméstica em “Quarto de Despejo” e “Casa de Alvenaria” - Raíza Barros. p. 3 Educação e racismo em Carolina Maria de Jesus Gabriella Alves, p. 4 Seis anos de Literatura Comunica! - Miriane Peregrino, p. 5
O dia em que visitei o Museu Afro Brasil - Thaís Cavalcante, p. 7
Roda de leitura com alunos da UERN - Chico Arruda, p. 15
Rodas de leitura nas escolas ocupadas - Eliza Vianna, Gabriel da Mata e Miriane Peregrino, p. 12
O quarto que despeja para o mundo - Luiz Lourenço, p. 16
A disputa do projeto educacional do Br e a importância de Carolina de Jesus - C. Gonçalves, p. 14
Série depoimentos: + Especial Mulheres + Entrevista + Dicas de preservação
EDITORIAL COMUNICA
O projeto Literatura Comunica! entra em sua 7ª edição e para comemorar seus 6 anos de existência decidimos reunir um pouco da sua história, debates e ações em um jornal. A ideia inicial era lançar um livro, mas vamos que vamos!
Mesmo conhecendo a dificuldade que é manter a produção de um jornal sem recursos financeiros, nossa meta é distribuí-lo em pré-vestibulares comunitários, compartilhar nossas alegrias e experiências, incentivar leituras e sonhos. Sai agora o primeiro número, o segundo já está no forno e sairá em breve. Este primeiro número é dividido em duas partes. A primeira mais feminina e feminista; a segunda sobre rodas de leituras em escolas e universidades. Do projeto, tem texto da Raíza, Gabi, Miriane e Carlos. Raíza Barros abre o jornal com um artigo so-
bre as relações de gênero e violência doméstica na obra de Carolina de Jesus. Em seguida, Gabrielle Alves traz uma leitura de Carolina de Jesus a partir da reflexão sobre racismo estrutural. Raíza e Gabrielle produziram esses artigos no período de bolsa que tiveram no Literatura Comunica! financiadas pelo Prêmio Todos Por Um Brasil de Leitores (2015).
Thaís Cavalcante, nossa convidada, apresenta um relato sobre a viagem ao Museu Afro Brasil, em São Paulo, onde cerca de 40 jovens leitores de Carolina de Jesus (da Maré, Providência, Cerro Corá, Alemão e Fallet) foram conhecer a biblioteca em homenagem a escritora e a exposição patente “Carolina em Nós” organizada pelo grupo Ilú Oba de Min, em 2016.
realizada na Maré. Mais adiante, a Série Depoimentos: Especial Mulheres apresenta relatos de mulheres da Maré, Cerro Corá e Vila Autódromo (favelas cariocas) que participaram das nossas atividades. Além do depoimento da Professora Julia de Almeida que viabilizou nossa ida para o Espírito Santo e da então estudante Mayara Ferreira que participou da roda que realizamos numa ocupação universitária em Pernambuco, contamos também com o depoimento da Professora Daniela Henrique, diretora da EM Bernardo Vasconcelos, na Penha. Aqui destacamos também as dicas de preservação de livros da estudante, Thamires Ribeiro. Ela compartilha com a gente como restaurou nossa edição do livro “Casa de Alvenaria”, já bastante gasta.
Na Entrevista, Raíza Barros conversa com Joyce Eliza, Gabriel e Miriane Rodrigues que, assim dão início a segunda parte como ela, participou da temática dos artigos deste primeira roda de leitura número. Nós nos conhece-
mos no Pré-vestibular Machado de Assis, no Morro da Providência e juntos organizamos rodas de leituras em escolas ocupadas do Rio de Janeiro. Essa experiência marca a segunda parte deste jornal reunindo ainda textos do Prof. Chico Arruda de Mossoró-RN, Carlos Gonçalves e Luiz Lourenço. O Literatura Comunica! é uma iniciativa que começou na favela da Maré, zona norte do Rio de Janeiro, e ganhou outras partes da cidade, outros estados brasileiros (ES, RN e PE) e outros países (Angola, Moçambique e Portugal) através do Prêmio Todos Por Um Brasil de Leitores (2015) e Prêmio Culturas Populares (2018), ambos concedidos pelo agora extinto Ministério da Cultura. Nós prosseguimos porque a comunicação é um instrumento potente e a educação é transformadora!
EXPEDIENTE REALIZAÇÃO APOIO Prêmio Culturas Populares (2018) Prêmio Todos Por Um Brasil de Leitores (2015) Telefone: (021) 99719-3398 E-mail: literaturacomunica@ gmail.com Facebook: fb.me/ literaturacomunica Instagram: @ literaturacomunica Twitter: @literaturacom
UMA INICIATIVA Literatura Comunica! COORDENAÇÃO Carlos Gonçalves Miriane Peregrino
EDITORA E JORNALISTA RESPONSÁVEL Miriane Peregrino (Mtb 37462/RJ) REVISÃO Matheus Frazão FOTÓGRAFAS Miriane Peregrino Pâmela Peregrino PROJETO GRÁFICO / DIAGRAMAÇÃO Anísio Borba COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Raíza Barros Gabrielle Alves Miriane Peregrino
Thaís Cavalcante Eliza Vianna Gabriel da Matta Carlos Gonçalves Chico Arruda Luiz Lourenço IMPRESSÃO Folha Dirigida TIRAGEM 1.000 exemplares É permitida a reprodução dos textos desde que citada a fonte.
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RELAÇÕES DE GÊNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM “QUARTO DE DESPEJO” E “CASA DE ALVENARIA” RAIZA BARROS
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leitu- poderia sim, dar uma vida digna ra de para seus filhos sozinha. Entretanto em algumas linhas notamos tamQuarto de bém, que ela lamenta não ter uma Despejo é presença masculina para dividir a uma leitura criação dos filhos, mas defendia-se muito refle- dizendo que preferia viver sossegaxiva que nos da sem homem a ter que viver com faz pensar no quanto aqueles anos eles sendo maltratada. Em algumas foram difíceis para Carolina e seus passagens a escritora narra histófilhos. A luta diária que ela tinha rias de mulheres sendo espancadas catando papéis para que os seus ti- pelos maridos, alguns com mais de vessem ao menos o que comer. O uma mulher ou até mesmo aquelas preconceito enfrentado pelos seus que preferiam os homens a seus fivizinhos que a tratavam com indi- lhos. ferença por ela andar sempre suja. O esforço maior de Carolina é para Suas reflexões sobre fome e preconceito estão presentes do início ao fim do diário. Em certos momentos, a escritora fala da falta de vontade de viver por conta das dificuldades. Mas lembra que tem seus filhos e eles não tem mais ninguém além dela. Demonstra que é por eles que faz tudo, pois quer lhes dar uma vida digna. “Refleti: preciso ser tolerante com os meus filhos. Ele não tem ninguém no mundo a não ser eu. Como é pungente a condição de mulher sozinha sem um homem no lar.”Carolina M. de Jesus. Quarto de Despejo (1960, p.22) Um dos fatos mais curiosos encontrado nas leituras de Quarto de Despejo é a importância da figura feminina defendida pela autora. Lógico que não de uma forma tão explícita como encontramos hoje. O assunto que, para muitos teve o bum há pouquíssimo tempo, já era defendido por ela na década de 50. Como uma mulher, cria três filhos sem a presença de um homem? Esse era um dos motivos pelos quais Carolina enfrentava preconceito e dificuldades, mas nem por isso mudava sua forma de pensar que
que seus filhos não passem fome. Ela faz de um tudo para eles terem o que comer. As narrações sofridas de Quarto de Despejo nos leva a uma reflexão sobre a fome que muitas pessoas passavam naquela década. E, por mais curioso que pareça, atualmente ainda conseguimos encontrar casos assim. Lógico que não tão frequentes como naquela época.
va lhe pedindo dinheiro. Narrava ainda, suas adversas impressões sobre a vida que agora leva. “Minhas impressões na casa de alvenaria varia. Tem dia que estou no céu, Tem dia que estou no inferno e Tem dia que penso ser a gata borralheira.” Carolina M. de Jesus. Casa de Alvenaria (1961) Por conta dos compromissos como autora, nota-se também que Carolina não é mais tão presente na vida dos filhos. Ela contrata uma pessoa para tomar conta das crianças, que agora vivem felizes porque têm o que comer e não precisam mais se alimentar com coisas do lixo.
No auge de sua carreira, Carolina já morava na sua Casa de Alvenaria, fora da Favela e conciliava a criação dos filhos com sua conturbada vida de escritora. As narrativas que antes eram de tristeza, fome e desesPor fim, Carolina escreve seu diá- pero, agora são felizes, de mesa rio na esperança de publica-lo, ga- farta e realizações. nhar dinheiro, ter sua tão sonhada “Hoje é o meu grande dia. A casa de alvenaria fora da favela e tristeza estava residindo comiter o que dar para seus filhos cogo há muito tempo. Veio sem mer. No livro seguinte as narrações de fome, desespero e tristeza, dão convite. Agora a tristeza parlugar a uma vida conturbada de tiu, porque a alegria chegou. compromissos, pessoas pedindo Para onde será que foi a trisajuda e mesa farta. teza? Deve estar alojada num barraco da favela.”Carolina Já a leitura de Casa de Alvenaria M. de Jesus. Casa de Alvenaria torna-se menos sofrida em relação a leitura do livro anterior a partir do (1961) momento que notamos que Carolina e os filhos já não passam mais fome. Agora sua vida é cercada por *RAÍZA BARROS - estudante de compromissos em livrarias, viagens jornalismo da UNICARIOCA, mopelo Brasil e por pessoas que que- radora da Maré e participante do rem ser aproveitar do dinheiro que projeto desde 2013. Foi a repreela está ganhando. Esse é um dos sentante do LC! no Festival Femimotivos pelos quais, em algumas nista de Lisboa 2019 passagens, Carolina dizia preferir ser pobre, pois ninguém a azucrina-
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EDUCAÇÃO E RACISMO EM CAROLINA MARIA DE JESUS GABRIELLE ALVES
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er Carolina de Jesus depois de ter consciência do racismo estrutural e retalhado é magnificamente triste, uma vez que conseguimos mostrar através de seus textos como que a cor da pele influência a forma como ele é tratada pela sociedade. Muito mais que a classe social, em “Quarto de Despejo” o trecho em que retrata a questão racial é: 16 de junho “... eu escrevia peças e apresentava aos diretores de circo. Êles respondia-me: - Ê pena você ser preta.” Nesse trecho temos um dos muitos exemplos de como Carolina foi cerceada de oportunidades por ser negra. Contudo, Carolina é maravilhosa, entendia muito bem a questão racial e se orgulhava da sua raça. Em seu livro o 13 de maio é sempre lembrado e o seu amor próprio é sempre reafirmado. Tanto que ela continua no trecho: “Esquecendo eles que eu adoro a minha pele negra, e o meu cabelo rústico. Eu até acho o cabelo de negro mais iducado do que o cabelo de branco. Porque o cabelo de preto onde põe, fica. É obediente. E o cabelo de branco, é só dar um movimento na cabeça ele já sai do lugar. É indisciplinado. Se é que existe reincarnações, eu quero voltar sempre preta.” (pg 65) Obviamente sabemos que existem muitos casos semelhantes ao de Carolina, mas por se tra-
tar de um diário, conforme a leitura passa você começa a recriar essa luta diária entre a fome e a leitura. Outra coisa muito marcante na Carolina é o seu amor pela leitura /escrita, amante das novelas, compositora e mãe preta, no decorrer do livros temos vários relatos onde conseguimos criar um perfil: A leitura era sua droga! Sim, mesmo com fome, triste, feliz, cansada ou estressada sua válvula de escape eram seus livros ou pedaços de papel para onde ela podia fugir um pouco de sua realidade. 23 de julho “...liguei o radio para ouvir o drama. Fiz almoço e deitei. Dormi uma hora e meia.
24 de julho “li um pouco. Não sei dormir sem ler. Gosto de manusear um livro. O livro é a melhor invenção do homem.” (pg 26) Carolina era uma amante das palavras, tanto que conseguiu ser atemporal e entrou para a história! Como mulher negra e favelada teve que andar cem passos a cada um do branco para conseguir uma oportunidade e como sabemos ela ainda continuou atrás, porém já não como antes. Assim termino concordando com as palavras de Paulo Freire: a educação é libertadora!
Nem sei como começar... Vou tentar falar das minhas primeiras impressões, nas 3, 5 primeiras páginas senti a miséria mas não achei nada Nem ouvi o final da peça. que comparace ao que as pessoas Mas, eu já conhecia a peça. [...] falavam. Até que veio a primeira fome e eu tive um baque... Depois -_Nunca vi uma preta gostar foi queda atrás de queda! Tinha dias tanto de livros como você. que eu ficava muito triste lendo, de Todos tem um ideal. O meu é alguma forma me sentia miserável gostar de ler.” (pg 27) também, ficava com raiva do munEu achava engraçado quando Ca- do, imaginando que existem milharolina brigava com os vizinhos e res nessa situação em pleno século ameaçava por tudo em seus livros, 21! meio que ela cumpriu isso mas com Minha mãe passou fome. Mas ler amor. Tirando os bêbados por que um relato assim, em forma de diáela odiava os homens da favela que rio onde você consegue sentir a anbebiam e iam perturbar suas espo- gustia da fome. Sem esse livro acho sas. Ela preferia ficar só por que que meu imaginário não iria tanto, homem e pinga não davam certo. fiquei pensando que talvez minha Ela até criou uma música “Você vai mãe não contou-me mais afundo embora que essa casa não é sua”. pra eu não sentir tanta tristeza, Ela ficava horrorizada com as con- ou seja, só de escrever agora estou fusões que os embriagados faziam. triste. Em seus livros, Carolina conseLendo lembrei de quando eu era guiu passar emoção sem grandes criança. Especificamente de umas detalhes, isso deve ser muito difícil. pessoas que moravam na minha Não acredito que ela nasceu com rua. Depois de tanto tempo eles um dom ou propensa para isso, na tinham uma vida parecida com a verdade ela só leu e lutou. A vida da Carolina. Lembrei das pessoas de Carolina sempre foi com muitos que moravam na rua H, nos barraaltos e baixos. E o mais incrível era cos tipo a MacLaren. Ficava onde a certeza de que publicaria seus li- estão construindo as “Escolas do vros, ela sabia que era boa, acredi- Amanhã” e quando criança eu cirtava em si e fazia um bom trabalho!
culava lá. Era no nível do livro, mas eu criança não entendia. Lembrei do dia que eu cheguei em casa e fiz repolho com farinha e óleo, minha mãe perguntou por que eu estava comendo aquilo, disse que vi as crianças comendo e quando eu perguntei por que comiam elas falaram que era gostoso. Hoje em dia consigo entender melhor porque a voz da minha mãe mudou e ela tentou explicar de um jeito que eu não entendia muito bem.
Achei a leitura importante, todos não se apresentavam, eles eram redeviam ler. Talvez criassem mais presentados por brancos pintados empatia com os outros! de negro sempre rotulando e ridiComo disse não sei escrever mui- cularizando nossos jeitos e traços.
to bem, estou tentando. Acho que é Como qualquer negro ela teve que isso.. se quiser me fazer umas per- andar cem mais passos na frente do guntas tamo aê! branco para conseguir uma oportuAssim, sobre os fichamentos, per- nidade e como sabemos ela ainda cebemos que a questão de classe continuava sempre atrás, porem diz muito, mas o divisor de águas é como diz Paulo Freire a educação é o racial! Isso fica bem nítido quan- libertadora!
do o cara do circo lamenta por ela ser negra! Talvez mesmo pobre e Surreal o modo que ela escreve. favelada com o potencial que teve Teve um momento que consegui provavelmente mudaria de vida ouvir a voz da Carolina. Quando mais fácil! estava com fome e como se sentia Lembrei que antigamente negros uma rainha quando podia comer.
*GABRIELLE ALVES - estudante de matemática da UNIRIO, moradora da Maré e ativista no campo da educação popular. É educadora do CEC Orosina Vieira.
6 ANOS DE LITERATURA COMUNICA! MIRIANE PEREGRINO
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que não faltam são histórias para colocar aqui. Tantas que permaneço com vontade de reunir todas em um livro. Não foi agora, nos 6 anos do projeto, quem sabe dá certo nos 10? Tomara!
tal não me tornei Tia Creuza, mas mas estão nessa edição, muitas oume descobri Miriane. Nem melhor tras não. Mas a todas e todos que nem igual, diferente. participaram, acreditaram, contriNão gosto da ideia de que a cultura buíram de alguma forma: muito letrada não pertença ao povo. Que obrigada por esses 6 anos!
Sou do interior do Rio, cresci na casa de uma tia que proibia tudo (tv, rádio, amigos, rua) e aí descobri a literatura como lazer. Uma professora da minha escola ajudou muito. Todo mundo na escola chamava ela de “Tia Creuza”. Ela conhecia toda história da minha vida. Tinha sido professora da minha mãe e da tia que me criava.
A aplicação da Lei 10.639/2003 e da Lei 11.645/2008 alargaram nossas possibilidades de olhar e pensar a história do Brasil. Pela primeira vez, a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira, africana e indígena coube a todas e todos nós, professores, e isso influenciou muito as escolhas de textos e autores que fiz ao longo desses seis anos de rodas de leitura. Em especial, porque a partir de 2013 comecei a trabalhar na favela da Maré, zona norte do Rio de Janeiro.
Tia Creuza criou a biblioteca da escola, fez campanha pra arrecadar livros e ela mesma catalogava tudo num caderno grande com aquela letra bonita dela. Era 1993. Naqueles dias, não tinha política pública de livro e leitura que chegasse na escola pública de uma cidade dormitório, como era Itaboraí. Tia Creuza era a minha heroína e eu desejei ali ser como ela um dia. Já adulta, migrei pro Rio. Na capi-
literatura boa é difícil, tem certa incomunicabilidade como disseram na faculdade. Eu acredito numa literatura que comunica, que dialoga, que planta sementes e transforma.
Na Maré, conheci a história de D. Orosina Vieira e lembrei de Carolina de Jesus. A ideia das rodas de leitura relacionando narrativas de ontem e hoje começou aí, o nome do projeto veio depois. Tanta gente pra agradecer! Algu-
*Miriane Peregrino é educadora e jornalista comunitária, idealizadora e coordenadora-geral do projeto Literatura Comunica!
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RAÍZA BARROS ENTREVISTA JOYCE RODRIGUES LC! Como foi para você participar da roda de leitura sobre Carolina de Jesus? JR: Foi uma grande experiência. Eu acho que agregou muito na minha vida porque quando eu conheci a Carolina eu não me reconhecia como negra. Foi uma época de descobrimento. A pessoa que eu sou hoje em dia é muito por conta da literatura dela. LC! O que isso mudou em você? JR: Mudou e ainda muda muita coisa porque é construção, não só dela, mas como escritoras negras têm um grande peso
em minha vida. É muita resistência, escrever e publicar e ainda ser reconhecida pelo trabalho. Isso mudou minha visão porque eu passei a ver a vida de forma muito diferente e a enxergar outras possibilidades.
muito porque tudo o que fala isso, na nossa cabeça, ela escreveu, ela viveu. abrem muitos questionaLC! Carolina vendeu mentos. muitos livros, mas as escolas não adotaram a literatura dela para os alunos. Porquê você acha que não adotam os livros dela?
LC! Antes das rodas de JR: Por a literatura ser leitura você já tinha ou- uma grande arma, uma vido falar no nome dela? grande potência, é periJR: Não porque eu não ti- goso. É perigoso você ter nha o hábito de ler e não uma possibilidade de ser tinha a menor ideia dessa uma escritora, como Caropotência. Não tinha ideia lina foi. A gente tem uma que uma mulher podia es- identificação com ela. Eu crever dessa forma e con- acho muito interessante tar com o seu sentimento. quando ela coloca a favela É diferente a gente falar como um quarto de desdo outro e falar de si mes- pejo. Ela coloca isso permo. Eu acho que isso pesa feitamente. Quando ela
Joyce Rodrigues em Roda de leitura realizada na Exposição Leituras para mover o centro. CCBB Rio, 2016
*Joyce Rodrigues participou da 1ª turma das rodas de leitura na favela da Maré. Foi uma das organizadoras da exposição “Da Maré ao Canindé, inspiração para as periferias” realizada no Museu da Maré (Brasil, 2014). Participou da visita ao Museu Afro Brasil, em São Paulo, financiada através do Prêmio Todos Por Um Brasil de Leitores concedido ao Literatura Comunica! em 2015 pelo antigo Ministério da Cultura.
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O DIA EM QUE VISITEI O MUSEU AFRO BRASIL THAÍS CAVALCANTE
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ela primeira vez, em janeiro de 2016, visitei um museu que fala exclusivamente sobre a história e cultura dos negros, o Museu Afro Brasil. E não estava sozinha: mais de 35 jovens participantes do Projeto Literatura Comunica!, que realiza rodas de leitura na Maré, também foram. Saímos do Rio de Janeiro para o Parque Ibirapuera, em São Paulo. Em meio a muita conversa, as seis horas de viagem de ônibus até que passaram rápido. Chegamos em uma sexta-feira de sol. Ainda fora do Museu, sentamos no chão, próximos às paredes amarelas, inteiramente dedicadas a vida e obra de Carolina Maria de Jesus, escritora e catadora de material reciclável. Ali era a exposição temporária “Carolina em Nós” com painéis, fotografias e trechos de livros da autora. Acredito que ela seja a única catadora valorizada dessa maneira em toda a literatura brasileira. Quando li parte de sua obra “Quarto de Despejo”, publicada lá nos anos 60, em poucas linhas me encantei com o seu jeito simples e impactante de relatar seu dia a dia, com muita humildade e sinceridade. Ela sabia o que era a fome e a descrevia. Nunca parei para pensar nisso, mas depois que li passei a prestar mais atenção e me sensibilizar mais com as pessoas que pedem. Seja dinheiro, seja comida. Carolina passou a ser minha inspiração.
ver. São 6 mil obras, entre quadros, vestes, pinturas e objetos, como correntes e pedaços de navio negreiro. O lugar traz história, luta e sofrimento, assim como cultura, tradição e força. Uma experiência que todo brasileiro deveria vivenciar para entender minimamente o espaço e o lugar de fala que o negro lutou e ainda luta para ocupar na sociedade. O museu me pareceu um contraste, ao perceber todas as pessoas brancas que circulavam fora dele. Visitamos, também, a Biblioteca Carolina Maria de Jesus, com cerca de 10 mil materiais relacionados à escravidão, tráfico de escravos e abolição da escravatura em diferentes continentes pelo mundo. Uma biblioteca especializada no assunto, com um acervo absurdamente importante. O seu conteúdo deveria ser consultado, ensinado nas escolas e visitado, porquê não, por outros moradores de favelas de outros estados do Brasil. Perto de ir embora, um músico com sotaque diferente e batuque nas mãos se aproximou. Veio nos ensinar um canto com a frase de Mia Couto, autor nascido na África. Aprendemos rápido. Voltamos para a Maré cantando “A lua anda devagar, mas atravessa o mundo”.
*THAÍS CAVALCANTE - é jornalista comunitária. Participou da visita ao Museu Afro Brasil, em São Paulo, financiada através do Prêmio Todos O Museu Afro Brasil traz o olhar Por Um Brasil de Leitores concedido africano sobre a identidade, arte, ao Literatura Comunica! em 2015 cultura e terra brasileira. Ele tem pelo antigo Ministério da Cultura. uma energia que eu não sei descre-
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SÉRIE DEPOIMENTOS: ESPECIAL MULHERES
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“Série Depoimentos” consiste na recolha de histórias e impressões de algumas participantes das rodas de leitura que organizei em favelas do Rio de Janeiro (2013-2018), no Espírito Santo, Pernambuco e Rio Grande do Norte (2016). Neste número, a palavra é feminina. Outros textos ficaram de fora, mas contamos poder reuni-los nas próximas edições. BRASIL A primeira vez que ouvi falar da escritora Carolina Maria de Jesus foi através de uma professora que dava aula de dança afro no Museu da Maré. Depois me aprofundei mais ao conhecer Miriane Peregrino que trabalhou no Museu, fazia parte do Educativo e iniciou junto aos Jovens Talentos Faperj uma atividade de roda de leitura sobre o livro ‘’Quarto de Despejo”. Foi tão importante e envolvente que acabou resultando numa exposição coletiva sob a coordenação de Miriane. Outra coisa
importante que aconteceu foi uma viagem que fizemos a São Paulo para conhecer o Museu Afro Brasil, todos os jovens participantes dessa roda e alguns colaboradores do Museu também viajaram e lá visitamos uma exposição sobre Carolina. E além de conhecer o Museu, tivemos a oportunidade de ir na biblioteca que tem o seu nome e ler alguns escritos originais dessa escritora. Essa roda de leitura foi realizada em vários outros lugares também, espaços de leituras, bibliotecas. Conhecer a trajetória de Carolina Maria de Jesus me fez voltar ao passado, passear pelos becos da Favela da Maré, resgatar uma vivência de infância pobre, mas que muito me ajudou a valorizar esse lugar de luta, resistência e me sentir pertencente a ele.
água carreguei na cabeça para vender para as pessoas e recebia por esse serviço. Tenho em mim um pouco de Carolina Maria de Jesus. *MARILENE NUNES – coordenadora da biblioteca comunitária Elias José. Participou da visita ao Museu Afro Brasil, em São Paulo, financiada através do Prêmio Todos Por Um Brasil de Leitores concedido ao Literatura Comunica! em 2015 pelo antigo Ministério da Cultura.
Eu, como ela, também catava algo nos lixos da Maré (tampinha de alumínio dos litros de leite que naquela época era de vidro) e vendia no ferro velho para conseguir algum dinheiro pra comprar meu henê para passar no cabelo (também nessa época achava que cabelo liso era o bom). Quantas latas de
Ter viajado para São Paulo com o projeto foi muito bom, conheci o Museu Afro Brasil e eu nunca tinha visto umas obras tão bonitas, umas histórias sobre a nossa raça. E achei que o tempo foi muito curto pra ver tudo e seria bom voltar uma outra vez. *VERA MARTA, moradora da Maré e sobrinha-neta da personagem histórica Orosina Vieira (uma das primeiras moradoras do Morro do Timbau). Seu depoimento sobre Orosina faz parte da exposição “Da Maré ao Canindé, inspiração para as periferias” (2014). Também participou da visita ao Museu Afro Brasil, em São Paulo, financiada através do Prêmio Todos Por Um Brasil de Leitores (2015).
É linda a história desta que foi uma mulher, uma mãe maravilhosa, amorosa, lutadora, persistente, cuidadosa. Mesmo com muito pouco ela dividia tudo direitinho. Trabalhava fazendo tudo que podia com honestidade sem deixar de fazer seus deveres de mãe sem fazer briga por nada. Foi humilhada por algumas pessoas, passou falta de muitas coisas, não tinha condições de dar vida boa para seus filhos mas dava tudo o que conseguia.
Sofreram muitas maldades de uma vizinha que até sujeira de fezes jogou na casa de Carolina. Me emocionei muito com a história dessa guerreira de força e coragem, a vida dela tão pobre mas era feliz com seus filhos.
A Roda de leitura Carolina Maria de Jesus, ministrada pela Miriane Peregrino, aconteceu na Vila Autódromo (comunidade onde moro) num momento bem difícil. As remoções estavam acontecendo, em 2016; coincidentemente foi também no período que o nosso museu, o Museu das Remoções estava nascendo. Eu nunca tinha ouvido falar de Carolina Maria de Jesus e foi gratificante conhecer um pouco da sua luta para conquistar seu pedacinho de chão; luta semelhante a nossa, ainda que num contexto diferente.
Lamentável que, ainda hoje, tenhamos que sofrer com esse processo nefasto que são as remoções, mas revigora saber que uma mulher negra, periférica, brasileira, que quase não teve acesso a escola, tinha esse ímpeto de escrever, de transmitir através de suas palavras a dura realidade que é não ter um teto para chamar de seu. Quarto de despejo é um clássico da literatura brasileira, é uma obra-prima da realidade de um povo que foi massacrado e que até hoje tentam silenciar. Aproveito para registrar meu agradecimento
a Miriane por esse trabalho que ela desenvolve com tanto carinho.
Conheci a roda de leitura Carolina Maria de Jesus em uma ocasião muito especial: em 2016, na Vila Autódromo, no momento da construção das casas novas, em meio às ruínas do antigo bairro e às esculturas feitas pelo Museu das Remoções em homenagem a mulheres e espaços de convivência emblemáticos para a comunidade. A leitura dos excertos de Quarto de Despejo e Casa de Alvenaria em uma grande mesa ao ar livre permitia ressignificar a luta pela permanência no território, e alguns relatos de despejos foram feitos, como o da Associação
de Moradores. Gostei tanto da metodologia da oficina que convidamos Miriane, no final de 2016, para uma roda de leitura em Vitória, no Espírito Santo em um projeto da Prefeitura chamado Núcleo Afro Odomodê. De novo, a mágica aconteceu: muita conversa e muita identificação da juventude com a escrita de Carolina.
turais do projeto Escola da Vida, também da Prefeitura de Vitória e, inspirada na metodologia da roda, tivemos uma ótima oficina de leitura e criação com visitantes e alunos de Letras, com boas chances de transformar a atividade em um projeto de extensão permanente. Carolina e a roda de leitura vão se multiplicando, grande experiência!
No final de 2018, em um Laboratório de Extensão na Universidade Federal do Espírito Santo, recebemos pessoas em situação de rua que participam das atividades cul-
*JULIA DE ALMEIDA é professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Espírito Santo.
Eu chorei numa mesa de leitura que participei. Foi por acaso que meu filho me chamou. Ele é de um projeto na favela. Quando cheguei todos estavam lendo o livro da Ca-
rolina e na parte em que o filho dela fala “mamãe quando eu crescer vou trabalhar e vou dar uma casa de tijolos pra senhora” eu me emocionei e chorei muito. MARIA ANTÔNIA RODRIGUES é dona de casa. Participou da primeira roda de leitura descentralizada realizada na favela do Cerro Corá, zona sul do Rio de Janeiro, em 2013.
Viva as Carolinas nossas de cada dia! Viva Carolina Maria de Jesus! *NATHALIA MACENA - moradora da comunidade Vila Autódromo – integrante do Museu das Remoções.
Jornal Literatura Comunica - Página 10 A proposta de fazer uma roda de leitura com a professora Miriane Peregrino na Bernardo, à respeito da escritora Carolina de Jesus, ocorreu por conta da Carolina de Jesus ser a patronesse da nossa sala de leitura. E por que Carolina se torna o nome da sala de leitura da Bernardo?
ção a gente mudar a sala de leituFoi muito fantástico porque, a ra e decidimos também eleger um partir do material produzido pela novo nome para sala. professora, é possível identificar A partir de uma conversa com os temas como pobreza, falta de saprofessores surgiram três nomes: neamento, educação, racismo, vioLima Barreto, Carolina de Jesus e lência. Temas centrais do trabalho Júlio Emilio Braz. Três autores ne- de Carolina e que dialogam com a gros. A eleição e a escolha dos no- realidade dos nossos alunos.
mes para a Sala de Leitura foram realizadas pelo Professor Wander A escola vem passando por Pinto de Oliveira que era o profestransformações, como a derruba- sor da Sala de Leitura. Carolina de da de algumas grades físicas. Era Jesus ganhou disparado. uma escola cinza, pichada e, a parEm 2018, ela passou a dar o nome tir de 2017, com a nova direção, da nossa sala de leitura. A sala de nós colocamos em prática esse de- leitura também grafitada e a sala sejo de transformação da escola. E, tem nossa escritora estampada na claro, a sala de leitura não poderia parede. ficar de fora desse projeto. E mais do que dar o nome, a proA sala possuía outro nome, um posta de trazer a roda de leitura nome que no nosso entendimen- surgiu por conta de provocar nos to não dialogava com a proposta professores um mergulho na obra pedagógica da escola e, sobretu- de Carolina de Jesus, mostrando do, não dialoga com a realidade as convergências entre a trajetóna qual a escola está inserida. A ria dessa escritora e a realidade escola se localiza no entorno da de muitos dos nossos alunos. Não favela da Vila Cruzeiro no bair- só os de português, mas todos os ro da Penha. professores. Eu queria que todos se Só para ter uma ideia, para sentissem sensibilizados pela obra acessar a sala de leitura, era de Carolina, daí fiz o convite para preciso passar por duas grades que a professora Miriane fizesse e uma porta de ferro. Fez parte esse trabalho com o corpo docente desse processo de transforma- da unidade escolar.
DICAS DE PRESERVAÇÃO
Quando o projeto começou, em 2013, era muito difícil encontrar as obras de Carolina de Jesus. Hoje, é fácil localizar “Quarto de Despejo” em diversas livrarias do Rio de Janeiro, mas em 2013 não. Compramos “Quarto de Despejo” e “Casa de Alvenaria” usados, o primeiro custou 10 reais num sebo no centro da cidade, o segundo custou 150 reais na estante virtual. Cento e cinquenta reais!
Nossa edição de “Casa de Alvenaria: diário de uma ex-favelada” era antiga e estava bastante gasta. O livro foi recuperado por Thamires Ribeiro, moradora da Maré e estudante de Conserva-
ção e Restauração da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Este exemplar do livro ‘Casa de Alvenaria’ estava com sua capa e contracapa solta e sua lombada perdida, porém, o corpo do livro encontrava-se em bom estado. Em linhas gerais, as ações realizadas na sua recuperação foram a aplicação de um tecido para a proteção da lombada e a fixação da capa e contracapa ao corpo do livro por fim, fiz uma jaqueta de poliéster para protegê-lo de sujidades e evitar que partes suas soltem-se novamente” nos contou Thamires.
A ideia era trazer essa proximidade e fazer com que Carolina chegue de fato às salas de aula, sobretudo, do ensino fundamental para que a gente possa permitir aos nossos alunos terem contato com essa autora. Então, acho que o trabalho da Miriane foi fundamental para consolidação desse projeto. A ideia é desconstruir essa perspectiva eurocêntrica e até colonial do ponto de vista da literatura brasileira. E por isso a roda de leitura foi de suma importância e espero que a gente consiga estender essa parceria para avançar nesse trabalho à respeito dessa escritora brasileira, negra e favelada que é a Carolina de Jesus. *DANIELA HENRIQUE – diretora da Escola Municipal Bernardo Vasconcelos, na Penha, Rio de Janeiro que nos convidou a realizar a roda de leitura com o corpo docente da Escola Municipal Bernardo de Vasconcellos.
Jornal Literatura Comunica - Página 11 Conhecer Carolina Maria de Jesus foi, antes de tudo, um passo para repensar a minha graduação e as referências acadêmicas que tinha na época e, de certo ainda não eram negras, pobres e periféricas. Concidentemente ou não, conheci um pouco da vida e obra de Carolina de Jesus numa roda de leitura dentro de Ocupação Universitária no Campus Mata Sul da Universidade de Pernambuco, primeiro Campus a ocupar a universidade em Pernambuco e liderado por mulheres majoritariamente. Antes da roda acontecer, nós nunca tínhamos ouvido falar de Carolina de Jesus, e de cara ficamos impactadas, como podíamos esquecê-la? Sempre falávamos de racismo, feminismo, feminismo negro, inclusão e não tínhamos sa-
bido sequer da sua existência? Descobrir Carolina de Jesus, foi uma das descobertas de 2016, naquela conjuntura social, econômica e política foi e é libertador. Ler suas obras é perceber que o que ela fala não ficou só nos livros dela, está meio que se repetindo com outras roupagens. Carolina representa muitas mulheres que ao longo dos tempos tentaram falar e foram silenciadas, foram jogadas no quarto de despejo do mundo patriarcal, heterossexual, branconormativo e europeu. Carolina representa a resistência negra por lugar de fala, por direitos humanos, por acesso e por visibilidade. Carolina não acabou em si, ela está em mim, nas pessoas que participaram daquela roda de leitura em 2016 e em cada ser que
Sala de Leitura Carolina Maria de Jesus da Escola Municipal Bernardo Vasconcelos. Penha - Rio de Janeiro.
tiver a oportunidade de participar das rodas de leitura sobre ela. Inspirada nela eu construí meu projeto de mestrado sobre referência negra na academia. O som de cada letra denunciada por Carolina ecoará todos os dias enquanto o povo negro existir e resistir. Salve Carolina Maria de Jesus! Salve Dandara dos Palmares! Salve Marielle Franco! Salve todas as mulheres negras! *MAYARA TORLONY FERREIRA, assistente social. Participou da roda de leitura realizada na Universidade de Pernambuco em 2016.
Jornal Literatura Comunica - Página 12
RODAS DE LEITURA NAS ESCOLAS OCUPADAS DO RIO DE JANEIRO ELIZA VIANNA, GABRIEL DA MATTA E MIRIANE PEREGRINO
“A
crise da educação pública não é crise, é projeto”. A frase de Darcy Ribeiro, tão conhecida entre educadores, é uma espécie de eco que nos acompanha no magistério. Descaso, problemas estruturais, falta de investimentos, currículo engessado: são incontáveis os obstáculos que afastam os(as) jovens pobres - em sua maioria negros(as) - das universidades e das possibilidades de ascensão social. O projeto de que nos fala Darcy Ribeiro é a manutenção das desigualdades sociais. Contudo, em 2016, estudantes das escolas estaduais do Rio de Janeiro mostraram a sociedade que compreendem bem e discordam desse projeto. O movimento insurgente começou em São Paulo, com inúmeras escolas ocupadas pelos estudantes, fato repetido no Rio de Janeiro logo depois. Do oportuno momento, também eco das manifestações de 2013 que ocorreram por todo o Brasil, resultou uma aula de cidadania e participação política protagonizada pelos estudantes auto-organizados. Movidos por uma atmosfera propícia e sentindo no cotidiano escolar a concretização do pro-
jeto de destruição da educação pública denunciado por Darçy Ribeiro, estes estudantes fizeram nascer as ocupações a partir dos mecanismos democráticos disponíveis, como as assembleias, de onde emanavam as decisões coletivas que permitiam a reorganização do espaço escolar e a tomada de posicionamentos políticos coletivos. Se antes a escola era vista como um espaço opressivo e limitador, desmotivante e pouco atrativo, as ocupações, em sua maioria, ofereceram uma nova perspectiva de interação entre os diversos entes e espaços que formam a comunidade escolar. Isto porque a hierarquia dominante, na qual o estudante ocupava a base da pirâmide, fora, naquele momento, revertida. As assembleias estudantis tornaram-se soberanas, as decisões coletivas se sobrepuseram aos interesses individuais e justificaram o maior interesse do aluno em estar/participar/interferir no espaço escolar e contribuir com sua manutenção. Assim, a sala de aula tornou-se não o espaço intocável do professor, mas um espaço acolhedor de troca e aprendizado. Os corredores escolares tornaram-se locais de convívio e trabalho coletivo, auditórios tornaram-se espaço de democracia, voz e participação popular. Ali
os estudantes puderam experimentar então uma realidade diversa daquela então vigente. Se por um lado pudemos aplaudir um ato histórico relevante, por outro reconhecemos que as ocupações nos escancararam a realidade dura das escolas brasileiras (não apenas das ocupadas, podemos depreender). Problemas estruturais graves, como falta de espaço para atividades esportivas e científicas, espaços mal planejados, mal geridos e sem manutenção foram revelados. A existência de equipamentos novos nunca utilizados por falta de profissionais capacitados, pilhas de livros nunca distribuídos, bibliotecas inteiras ocultadas eram trazidas à luz. Um sem-fim de situações foram expostas e denunciadas e, no fim das contas, estas denúncias resultaram em algumas das vitórias mais significativas para o movimento, observados os contextos locais. Foi neste contexto e nestes espaços que a Roda de Leitura Carolina Maria de Jesus, projeto já desenvolvido pela companheira Miriane Peregrino em outros espaços, ganhou nova “temporada”. Do diálogo estabelecido entre o texto da escritora e a realidade de muitos daqueles estudantes surgiu uma proveitosa troca de experiências. Com material didático desenvolvido
no projeto Literatura Comunica! sobre os textos de Carolina e organizado por temas caros à escritora, a Roda de Leitura teve bastante adesão nas escolas em que pôde ocorrer e reafirmou a atualidade do texto de Carolina Maria de Jesus – escrito nos anos 50/60 – no contexto das periferias. Temas como a fome, a falta de água, o desemprego e o oportunismo de figurões políticos que surgem em épocas de eleições ainda são, infelizmente, realidade na vida do morador, sobretudo, das favelas cariocas. O processo de contato com as ocupações e a marcação de datas para as Rodas não foi tarefa das mais fáceis. Isto porque por um lado havia em muitas das escolas uma agenda repleta de atividades desenvolvidas por professores alunos e colaboradores diversos e por outro havia o desafio de chegar aos responsáveis, muitas vezes envoltos em problemas com movimentos contrários à ocupação ou com burocratismos advindos de grupos pouco afeitos aos processos horizontais propostos pelos estudantes. Mesmo assim, com telefonemas, visitas e conversas conseguimos acesso a diversas escolas ocupadas na cidade do Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo e na Região dos Lagos. Na empreitada, nos organizamos os três – Eliza, Gabriel e Mi-
riane -, professores com diversas trajetórias que se conheceram no Pré-Vestibular Machado de Assis, no Morro da Providência e que, a convite da última, aceitaram o desafio de penetrar no espaço agora gerido por estudantes. Funcionava da seguinte maneira: Primeiro buscávamos os contatos que poderiam nos colocar na agenda de atividades da escola. Organizávamos posteriormente o material que seria apresentado e então era pé na estrada. Algumas das escolas visitadas: Heitor Lira, na Penha, Pandiá Calógeras, em São Gonçalo, Compositor Luiz Carlos da Vila, em Manguinhos, David Capistrano, em Niterói, Monteiro de Carvalho, em Santa Teresa, Elisário Matta, em Maricá, dentre diversas outras. E então vinha a tarefa docente, o prazeroso primeiro contato com os estudantes, o impor-
tante processo de escuta das histórias de cada um que ali se dispôs a estar, voluntariamente, participando de uma atividade literária. Enfim, estava posta a troca de experiências em que nós, professores, também aprendíamos. Aprendíamos a reler Carolina Maria de Jesus na voz dos estudantes. Aprendíamos o quão importante é ler Carolina em voz alta, quanta potência tem o texto da escritora e quanta ressignificação há em lê-la no século XXI em escolas ocupadas por alunos das periferias fluminenses. Paulo Freire dizia que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra. É possível afirmar que o movimento de ler o mundo, cuja concretude ali era a ocupação estudantil, precedeu uma forma de ler a palavra de Carolina com a propriedade de quem sofre na pele a opressão diária. E
esse movimento de ler o mundo, cuja ambição, ainda seguindo Paulo Freire, seria a de reescrevê-lo, acreditamos ter recebido a interferência das novas leituras realizadas em nossas atividades. Na memória, para nós, fica a experiência de, por exemplo, ver reorganizados os espaços escolares, nos quais chegávamos com a ideia, o material e éramos recebidos por uma autogestão estudantil dedicada e participativa que demonstrava interesse em saber quem era esta escritora tão importante porém tão ignorada nas escolas brasileiras. Fica também a sensação de contribuir com a inserção do trabalho da escritora mineira no espaço escolar. Se há uma grande contribuição das Rodas para a vida daqueles estudantes é a de propor uma descolonização literária, da mesma maneira que o movimento
propunha a descolonização do estudante perante o espaço escolar. Levar a obra de Carolina de Jesus para a escola pública é aproximar o leitor do autor, é fazer com que o leitor possa vir a cogitar a possibilidade de também escrever, de entender a literatura como algo pertencente ao povo e que por ele pode ser produzida. Se o cânone literário apaga as Carolinas, então façamos o movimento contrário, escovando a história a contrapelo e invertendo os protagonismos da história e da literatura do Brasil. *ELIZA VIANNA / GABRIEL DA MATTA / MIRIANE PEREGRINO – Em 2016, os três eram professores do Pré-vestibular Machado de Assis, localizado no Morro da Providência.
#OCUPATUDO! 28/04 - CE Prof. Clóvis Monteiro, Manguinhos, Rio de Janeiro (noite). 29/04 - CE Monteiro de Carvalho, Santa Tereza, Rio de Janeiro (noite). 05/05 - CE David Capistrano, Santa Bárbara, Niterói (tarde) 05/05 - CE Pandiá Calógeras, Alcântara, São Gonçalo (noite) 12/05 - CE Paulo Assis Ribeiro, Badu, Niterói (tarde) 13/05 - CE Heitor Lira, Penha, Rio de Janeiro (manhã). 13/05 - CE Compositor Luiz Carlos da Vila, Manguinhos, Rio de Janeiro (tarde). 16/05 - ETE Helber Vignoli Muniz, Bacaxá, Saquarema (tarde) 19/05 - CE Elisiário Matta, Centro, Maricá (tarde) 23/05 - CE Herbert de Souza, Rio Comprido/Turano, Rio de Janeiro (tarde)
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A DISPUTA DO PROJETO EDUCACIONAL DO BRASIL E A IMPORTÂNCIA DE CAROLINA DE JESUS CARLOS GONÇALVES
“E
xílio ou cadeia” foram essas as palavras que Bolsonaro usou quando classificou o destino da sua oposição, nas eleições de 2018. É uma loucura, mas vivemos o momento em que existe um presidente da república que trata os que pensam diferente dele com tamanha estupidez. Não é à toa que é justamente sobre a pasta da Educação que os olavetes, evangélicos e militares se degladiam em praça pública para disputar o destino da educação dos mais pobres desse país. A criação dos fake news, a caça “as “ideologias de esquerda” e o ressuscistar do inimigo do século passado (sobre a visão estapafúrdia do “marxismo cultural”) deixa evidente a sinuca de bico que entramos. Logo, talvez exista coerência quando digo que esse “Trump da série B” me obriga a ler, escrever e jogar todas as minhas fichas nas leituras da periferia e suas ações populares. É justamente sobre esse contexto ímpar da história brasileira e sobre essa minha aposta que comecei a conduzir algumas rodas de leitura sobre Carolina de Jesus na Maré.
tir que não gostava de literatura é um paradoxo que embola qualquer meio de campo. Mas foi ai que conheci o trabalho de literatura comunitária organizado pela Miriane Peregrino e decidi me aproximar desse campo. Sei que pode parecer clichê, mas a realidade é que as leituras que tive na escola não me contemplavam, por isso, tomei como entendimento que talvez a literatura não fosse a minha praia e
encarei como uma matéria “chata”. Não podia imaginar que no dia 29 de maio de 2016 essa percepção iria mudar. Pois foi ali, organizado num evento do CCBB Rio pela Miriane, que fui apresentado pela primeira vez a Carolina de Jesus. Em roda, com uma leitura coletiva de trechos cuidadosamente separados, vi que o que era “chato” na verdade havia uma beleza que não fui apresentado quando mais novo.
Literária, negra e favelada, a literatura de Carolina tem muito a dizer sobre o nosso passado, e consegue iluminar esse clima de “anti-iluminismo” que, como os demais países ao redor do mundo, caminha a passos largos na direção Curioso dizer, mas depois daquele desses governos com perfis autori- evento tomei para mim a tentativa tários. de organizar algumas outras rodas. Antes de dizer sobre as experi- Dessas organizei 4 com a Miriane, ências que foram as rodas de lei- nos quais duas foram na Maré, e me tura, tenho que admitir aqui um aventurei em tocar pra frente uma pequeno segredo: nunca fui mui- sozinho. A experiência de construir to fã de literatura. Difícil de acre- uma atividade como essa com a ditar não é verdade? Dizer que juventude é sempre uma vivência pensou em atividades sobre lite- única. Exige por parte do educador ratura e logo em seguida admi- um certo jogo de cintura também,
já que ora os alunos podem estar dispersos com o whatsapp, ora entusiasmados para participar. Além desse “jogo de cintura” as dificuldades técnicas de leitura e interpretação de texto fazem juz ao legado de precarização em que as escolas públicas se encontram. Segundo o MEC, pesquisa divulgada no final de 2018, 7 a cada 10 adolescentes que estão no terceiro ano de ensino médio apresentam níveis insuficientes de aprendizagem em português. Dos que participam dessa pesquisa, menos de 4% apresentam conhecimento adequado. Ou seja, as coisas vão mal e é natural que para o profissional que atue nos espaços de favela a percepção seja mais evidente. Contudo, mesmo diante dessas barreiras, Carolina de Jesus consegue despertar a curiosidade, o desejo e a consciência da importância da leitura. Lido alguns trechos juntos com outros alunos, sua história de coragem ao escrever, mesmo sobre o efeito de uma fome indescritível, revelou para os alunos o ato de resistência que se tornou, e ainda é, escrever e ler. Não é a toa que muitos dos que participaram das rodas de leitura insistem em perguntar quando será a próxima. Tudo isso só nos mostra uma coisa: talvez só a literatura, o trabalho de base e as conversas frente a frente com o povão terá o potencial transformador de reverter toda essa nossa história, que se iniciou ao negarmos a importância desse tripé. *CARLOS GONÇALVES – estudante de Engenharia de Produção da UERJ e educador popular do CEC Orosina Vieira. Teve participação na elaboração e desenvolvimento do aplicativo “Nós Por Nós” voltado para área de direitos humanos. Faz parte da coordenação do jornal Literatura Comunica!
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RODA DE LEITURA COM ALUNOS DA UERN FRANCISCO ARRUDA Sem a intenção de romantizar a literatura, mas ela, por vezes, é quem cria nosso círculo de amizades, seja nas discussões sobre leituras ou nos encontros acadêmicos que ela nos proporciona. Através desses dois modos foi que conheci Miriane Peregrino, amiga deste o mestrado, e foi por meio dela que eu e meus alunos nos abrimos para Carolina de Jesus.
dêmicos, os quais ficam restritos ao clássico; ii) o contato com a escrita fora do cânone que versa uma realidade – que só aparentemente é local – era uma oportunidade para que jovens estudantes de Letras, de um universidade pública do interior do Nordeste, percebessem os elos literários entre passado e presente, local e universal, canônico e marginalizado, etc.
Foi em dezembro de 2016, quando Miriane passou pelas terras potiguares e surgiu a ideia de realizar uma roda de leitura sobre Carolina de Jesus na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, em Mossoró. A proposta foi ótima e aceita de imediato por mim por dois motivos: i) há uma carência de estudos sobre obras e autores contemporâneos nos currículos aca-
A roda de leitura, por ser um debate democrático e sem amarras teóricas ou conceituais, possibilita que seus participantes expressem os sentimentos de forma mais despreocupada de encaixes metodológicos, bem como proporciona um contato mais visceral com o texto. Foi assim que o projeto Literatura Comunica! e o texto de Carolina impactaram a vida daqueles jo-
vens por meio de um processo de empatia social e reconhecimento de si no Outro, no texto, na dor, no preconceito, nas dúvidas e nos desejos.
estético, de vivenciar o texto, de senti-lo e, numa atitude de humildade, de compartilhar com o próximo aquilo que nos encanta e nos incomoda. Miriane fez e faz isso através de seu projeto e, mesmo sem saber, desperta o interesse pela leitura em muitas pessoas mundo afora. E, talvez, muito mais que levar leitura, seu projeto impulsiona emancipação por meio do exercício da alteridade. Muito obrigado pelo seu trabalho, ele é necessário nas escolas, universidades, nas ruas, enfim, na vida.
Miriane não sabe, mas após sua passagem, e não acredito ser coincidência, aumentou o interesse de alunos – e, por conseguinte, de professores – em torno da obra e figura de Carolina, assim como despertou o interesse por outras autoras femininas contemporâneas – Conceição Evaristo, por exemplo. Num universo acadêmico em que o estudo da contemporaneidade é restrito, discutir literatura com quem versa com paixão verdadeira faz florescer *FRANCISCO ARRUno Outro a curiosidade e DA – Professor da animosidade literária. Universidade do EstaNa literatura, diferente do do Rio Grande do de muitas áreas, temos o Norte - Campus Mosprivilégio do experimento soró.
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O QUARTO QUE DESPEJA PARA O MUNDO LUIZ LOURENÇO
N
uma tarde qualquer, na casa da companheira avistei um livro bem antigo na mesa. A obra se chamava “Quarto do despejo” e pelo estado de conservação deveria ter décadas de uso. Ao indagar a companheira sobre o exemplar na mesa acabei descobrindo se tratar de uma escritora negra, brasileira, moradora de uma favela, e que apresentava através de suas palavras a realidade dura da vida de uma mulher negra.
com amigos surgiu a oportunidade de conhecer o Museu Afro Brasil no Parque Ibirapuera em São Paulo. É um museu monumental com diversas peças museológicas associadas aos negros. A identidade negra representada no Museu Afro Brasil aborda a totalidade do que é, e como foi sendo construído a figura negra no nosso país, da diáspora a
Ao ler Carolina Maria de Jesus, pude perceber a vivacidade do relato sobre vidas que sobreviviam atadas numa miséria enorme em uma favela de São Paulo. Ao percorrer suas escritas, vi nas paisagens desenhadas por Carolina, congêneres em diversas favelas que conheci. A importância dessa escritora negra reside no fato de ser uma daquelas pessoas que solapam estruturas herméticas, onde não são bem-vindas, e tornam-se paradigmas.
luta contemporânea, da escravidão a amplificação da identidade negra atual. A experiência de visitar esse Museu me revelou a necessidade de buscar amplificar o conhecimento sobre os negros pois, ao terminar a A partir dos debates travados visitação, a sensação que tive, senpor Carolina Maria de Jesus em suas do o negro que sou, é de que não obras e consequente discussões sabia nada sobre mim.
Em 14 de março de 2014, centenário de nascimento de Carolina Maria de Jesus, o Instituto Moreira Salles promoveu o evento comemorativo “Carolina é 100!”. O evento contou com a exibição do documentário “Favela-a vida na pobreza” (1971) da alemã Christa Gottmann-Elter e debate com repórter Audálio Dantas e Vera Eunice, filha caçula de Carolina.
Nesse universo rico e diversificado do ser negro é necessário buscar cada vez mais um autoconhecimento entendendo minha origem, meus problemas, minhas metamorfoses, minhas lutas e conquistas. E sem dúvida, poder ler, ver e ouvir relatos como o de Carolina Maria de Jesus forjam elos, e cimentam relações entre o eu e o coletivo, entre a parte e o todo do macrocosmo negro. Por fim, parafraseando a indiana Gayatri Spivak, “Pode o subalterno falar?”. Sim, pode, Carolina falou, narrou, expressou, afirmou... e se hoje, podemos com Conceição Evaristo caminhar pelos “Becos da Memória”, é porque lá atrás dormimos no “Quarto do Despejo”. *LUIZ LOURENÇO – professor de geografia e morador da Maré. Integrou o grupo de leitores de Carolina de Jesus na Viagem ao Museu Afro Brasil, em 2016, realizada pelo Literatura Comunica! através do Prêmio Todos Por um Brasil de Leitores do então Ministério da Cultura.