fev_2015-v2

Page 1

24

www.anj.org.br FEVEREIRO/2015

FEVEREIRO/2015/#253

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS

CELULARES/

JORNALISMO E PUBLICIDADE NO BOLSO DO LEITOR PÁGINAS 11 A 14

ENTREVISTA

Eugênio Bucci: não há democracia sem jornalismo PÁGINAS 4 E 5

CIDADANIA

Bom humor no apoio a iniciativas PÁGINA 19


/ARTIGO

FEVEREIRO/2015

MAU COMEÇO

J

CARLOS MÜLLER é editor do Jornal ANJ

ornalistas decaptados pelo Estado Islâmico e massacre na redação do Charlie Hebdo indicam que a intolerância violenta avança enquanto, mesmo no Brasil, haja quem relativize os crimes

Somente um otimista incurável pode não ficar extremamente preocupado com a situação da Liberdade de Expressão neste início de 2015. Como demonstram os dados compilados pela organização Repórteres Sem Fronteira (RSF) desde 1995, ela é alarmante (ver página 6). Embora o número de assassinatos de profissionais de imprensa tenha diminuído em 2014, ainda foi superior a três dos últimos dez anos. Desde 2005, 720 jornalistas foram mortos, segundo a RSF. No Brasil, foram 19, desde 2008, conforme os dados do Comitê de Liberdade de Expressão da ANJ. A gravidade da questão não se esgota nos números de vítimas, aos quais é preciso acrescentar os de jornalistas presos (853), sequestrados (119) e ameaçados ou severamente agredidos (1.846), somente em 2014, sempre segundo a RSF. No Brasil, o total de violações da liberdade de expressão chegou a 136 no ano passado, incluindo três assassinatos; e, apesar disso, significou uma melhora em relação às 152 violações à liberdade e aos quatro assassinatos ocorridos no ano anterior. Desde o segundo semestre de 2014, o problema adquiriu contornos ainda mais tenebrosos com a sequência de degolas de jornalistas e de outras pessoas por parte do chamado Estado Islâmico, um ator recente no cenário internacional que parece determinado a estabelecer um novo padrão para o terrorismo. Não bastasse isso, mal iniciado 2015, o mundo assistiu chocado o massacre perpetrado na redação do semanário satírico francês Charlie Hebdo. Dessa vez, de forma algo surpreendente, foi capaz de dar uma resposta política ampla e inequívoca. Duas circunstâncias agravam a crueldade da imensa maioria dos casos: a primeira é que as mortes e ferimentos não foram decorrentes da

ANJ

ASSOCIAÇÃO  NACIONAL DE JORNAIS

PRESIDENTE: Carlos Lindenberg Neto - CAFÉ - A Gazeta/ES VICE-PRESIDENTE FINANCEIRO Jaime Câmara Júnior - O Popular/GO VICE-PRESIDENTE SECRETÁRIO Álvaro Teixeira da Costa - Correio Braziliense/DF VICE-PRESIDENTES Ana Amélia Filizola- Gazeta do Povo/PR Francisco Mesquita Neto - O Estado de S.Paulo/SP João Roberto Marinho - O Globo/RJ Judith Brito- Folha de S.Paulo/SP Luciana de Alcântara Dummar - O Povo/CE

Mário Gusmão - Jornal NH/RS Nelson Sirotsky - Zero Hora/RS Sylvino de Godoy Neto - Correio Popular/SP Walter de Mattos Jr. - Diário Lance!/RJ

DIRETOR EXECUTIVO: Ricardo Pedreira

AS­SO­CIA­DOS

SÓCIOS HONORÁRIOS Jayme Sirotsky, Paulo Cabral de Araújo, Demócrito Rocha Dummar e João Roberto Marinho

exposição a riscos inerentes a coberturas de conflitos, mas resultantes da ação deliberada e por vezes planejada de indivíduos, grupos ou forças governamentais cujo denominador comum é a intolerância violenta. Mesmo no Brasil, onde as lesões e os danos ocorridos nas agressões e ataques a profissionais e veículos de mídia foram geralmente (mas com exceções importantes) de menor gravidade, é alarmante que os autores foram, predominantemente, agentes do Estado. Mais ainda, são abundantes as evidências de que seus autores agiram com o intuito claro de atingir quem tratava de cumprir seu dever de apurar e informar. Raramente a intolerância se esgota em si mesma. Quando praticada contra profissionais e veículos de mídia, a violência busca atingir outros objetivos e não apenas suas vítimas diretas. Não quer apenas punir o dissenso, mas também intimidar os demais, impor, pelo medo, seus preconceitos, ódios e ambições cuja adoção jamais se daria pelo consenso ou por qualquer mecanismo democrático. E é por isso que os casos mais graves aqui mencionados podem ser qualificados como ações terroristas. Nessas circunstâncias emerge o segundo aspecto chocante da questão: a ação violenta justificada ou relativizada em sua gravidade por pessoas que, até por motivos profissionais, deveriam ter uma melhor compreensão do papel da liberdade de expressão na vigência das instituições democráticas e repudiar tais ações de forma incondicional. O que se viu no caso do Charlie Hebdo, entretanto, foram inúmeras manifestações nas quais, após condenações protocolares, seus autores interpunham um “mas”, que atenuava a culpa dos terroristas, transferindo-a, ao menos em parte, às vítimas. Definitivamente, um mau começo de ano.

ACRE A Gazeta - Rio Branco ALAGOAS Gazeta de Alagoas - Maceió AMAZONAS A Crítica - Manaus Dez Minutos - Manaus Diário do Amazonas - Manaus Jornal do Commercio - Manaus BAHIA A Tarde - Salvador Correio* - Salvador Massa! - Salvador

PARANÁ Correio Paranaense - Curitiba Diário do Noroeste - Paranavaí Folha de Londrina - Londrina Gazeta do Povo - Curitiba Jornal da Manhã - Ponta Grossa Jornal de Londrina - Londrina O Diário do Norte do Paraná - Maringá O Estado do Paraná Online - Curitiba O Paraná - Cascavel Tribuna do Norte - Apucarana Tribuna do Paraná - Curitiba Umuarama Ilustrado - Umuarama

CEARÁ Diário do Nordeste - Fortaleza O Povo - Fortaleza

PERNAMBUCO Diario de Pernambuco - Recife Folha de Pernambuco - Recife Jornal do Commercio - Recife Jornal Extra de Pernambuco - Caruaru

DISTRITO FEDERAL Correio Braziliense - Brasília Jornal de Brasília - Brasília

PIAUÍ Jornal Meio Norte - Teresina O Dia - Teresina

ESPÍRITO SANTO A Gazeta - Vitória A Tribuna - Vitória Notícia Agora - Vitória Tribuna do Cricaré - São Mateus GOIÁS O Popular - Goiânia MARANHÃO O Estado do Maranhão - São Luís O Imparcial - São Luís MATO GROSSO A Gazeta - Cuiabá MATO GROSSO DO SUL Correio do Estado - Campo Grande O Estado de Mato Grosso do Sul Campo Grande O Progresso - Dourados MINAS GERAIS Correio de Uberlândia - Uberlândia Diário do Comércio - Belo Horizonte Estado de Minas - Belo Horizonte Hoje em Dia - Belo Horizonte Jornal da Manhã - Uberaba O Tempo - Belo Horizonte Tribuna de Minas - Juiz de Fora PARÁ Amazônia - Belém Correio do Tocantins - Marabá Diário do Pará - Belém O Liberal - Belém PARAÍBA Correio da Paraíba - João Pessoa Jornal da Paraíba - Campina Grande

RIO DE JANEIRO A Voz da Cidade - Barra Mansa Diário Comercial - Rio de Janeiro Diário do Vale – Volta Redonda Diário Lance! – Rio de Janeiro Diário Mercantil - Rio de Janeiro Extra - Rio de Janeiro Folha da Manhã Campos dos Goytacazes Folha Dirigida - Rio de Janeiro Jornal Corporativo - Rio de Janeiro Jornal do Commercio - Rio de Janeiro Monitor Mercantil - Rio de Janeiro O Debate – Diário de Macaé - Macaé O Diário de Teresópolis - Teresópolis O Fluminense - Niterói O Globo - Rio de Janeiro O São Gonçalo - São Gonçalo RIO GRANDE DO NORTE Gazeta do Oeste - Mossoró Novo Jornal – Natal Tribuna do Norte - Natal RIO GRANDE DO SUL Correio do Povo - Porto Alegre Diário da Manhã - Passo Fundo Diário Popular - Pelotas Gazeta do Sul - Santa Cruz do Sul Jornal do Comércio - Porto Alegre Jornal do Povo - Cachoeira do Sul Jornal NH - Novo Hamburgo O Sul - Porto Alegre Pioneiro - Caxias do Sul Jornal VS - São Leopoldo Zero Hora - Porto Alegre RONDÔNIA Diário da Amazônia - Porto Velho

RORAIMA Folha de Boa Vista - Boa Vista SANTA CATARINA A Notícia - Joinville Correio Lageano - Lages Diarinho - Itajaí Diário Catarinense - Florianópolis Jornal de Santa Catarina - Blumenau Notícias do Dia - Florianópolis SÃO PAULO A Cidade - Ribeirão Preto A Tribuna - Santos Comércio da Franca - Franca Comércio do Jahu - Jaú Correio de Itapetininga - Itapetininga Correio Popular - Campinas Cruzeiro do Sul - Sorocaba DCI-Comércio, Indústria e Serviços - São Paulo Diário - Marília Diário da Região - S. José do Rio Preto Diário de Notícias - São Paulo Diário de S.Paulo - Osasco Diário de Suzano - Suzano Diário do Alto Tietê - Mogi das Cruzes Diário do Litoral - Santos Diário Regional - Diadema Expresso Popular - Santos Folha da Região - Araçatuba Folha de S.Paulo - São Paulo Gazeta de Piracicaba - Piracicaba Gazeta SP - São Paulo Jornal Cidade de Rio Claro - Rio Claro Jornal da Cidade - Bauru Jornal de Piracicaba - Piracicaba Jornal Exemplo - Indaiatuba Jornal Propaganda e Marketing - São Paulo Mogi News - Mogi das Cruzes Notícia Já - Campinas O Diário de Mogi - Mogi das Cruzes O Estado de S.Paulo - São Paulo O Regional - Catanduva O Vale - São José dos Campos TodoDia - Campinas Tribuna de Indaiá - Indaiatuba Tribuna Impressa - Araraquara Valor Econômico - São Paulo SERGIPE Jornal da Cidade - Aracaju Jornal do Dia - Aracaju TOCANTINS Jornal do Tocantins - Palmas SÓCIO COLABORADOR Pisa Indústria de Papéis Ltda.

SE­DE

SCS - Quadra 1 - Bloco K -Edifício Denasa - 14º andar — Telefone: (61) 2103-7488 - Fax: (61) 3322-1425 CEP: 70398-900 - Brasília - DF - Brasil - Internet: http://www.anj.org.br

JORNAL ANJ DIRETOR RESPONSÁVEL Ricardo Pedreira

IMPRESSÃO Correio Braziliense /DF

EDITOR Carlos Müller Reg. nº 518/3/23 E-mail: carlos.muller@anj.org.br

COMERCIALIZAÇÃO Mais Comunicação Tel.:(61) 3328-5683 www.maiscomunicacao.com

EDITORA ASSISTENTE Alana Letícia Araújo

Best Publicidade e Marketing Tel.:(11) 32592739 E.mail: ricardo@comercialsaopaulo.com.br

PROJETO GRÁFICO Gil Dicelli DIAGRAMAÇÃO Enir Menezes Mendes Foto capa: Tuca Reines

23

FEVEREIRO/2015

APOIO Juliana Toscano E-mail: juliana.toscano@anj.org.br

EMPRESA PARCEIRA DA ANJ

LUIZ FERNANDO ROCHA LIMA *

PONTO DE VISTA

2

RISCO E CASTIGO CABE A CADA VEÍCULO, A CADA REDAÇÃO, A CADA EDITOR, ELEGER OS CRITÉRIOS DO QUE PODE ATENDER MELHOR OS INTERESSES DO SEU PÚBLICO. E ISSO SÓ SE FAZ SOB O IMPÉRIO DA LIBERDADE Os disparos das armas terroristas, que no dia 7 de janeiro assassinaram 12 pessoas e ensanguentaram a sede do satírico semanário Charlie Hebdo, ressoaram nas redações da maioria dos jornais do mundo. Provocaram, junto à emoção diante da violência do episódio, palpitante discussão sobre o valor e a relevância da liberdade de expressão e de imprensa. Polêmica que dominou segmentos jornalísticos, acadêmicos, núcleos religiosos e boa parte da sociedade. Parece claro que a atitude de milhares de franceses, ocupando praças e ruas de Paris, ainda sob a tensão da chacina, potencializou o impacto que tirou da zona de conforto representativos segmentos sociais e, principalmente, as salas de redação dos mais diversos veículos de comunicação. O fato levou ao limite reflexões sobre conceitos de censura, direito à retaliação, privilégios às crenças religiosas, liberdade de expressão, de manifestação e de imprensa, e à prevalente conclusão sobre a importância da defesa dessas liberdades. Dúvidas sobre isso, se havia, certamente foram dissipadas nas vozes das multidões, que continuaram tomando conta das ruas de Paris e do mundo. Junto à certeza, o questionamento: teriam limites essas liberdades? Pareceme firme a convicção de que a liberdade deve, sim, ser tratada como dogma. Somente sua integralidade conceitual permite a autonomia sobre a decisão do que fazer ou deixar de fazer. Qualquer relativação será sempre sustentada em conveniências. Somente a lei pode ser o limite. Jornais e jornalistas a conhecem, assim como as consequências quando transgredida, inclusive as promovidas por seus leitores. Ao se permitir publicar ironias e desenhos críticos acerca de símbolos religiosos, o Charlie Hebdo usou os mesmos conceitos de liberdade de que dispõem outros veículos de não os publicarem. Assumiu o risco no limite da liberdade que a democracia francesa

Estudantes de jornalismo franceses apoiaram o Charlie Hebdo, mas a reprodução dos cartuns é uma decisão de cada editor Foto: GettyImages

lhe garante, e riscos fazem parte do jornalismo. Afinal, a difusão de fatos e pensamentos nem sempre conta com a unanimidade em sua recepção, muito pelo contrário. Certamente, boa parte das publicações do mundo não concorda com a linha do Charlie Hebdo, mas aparece como evidente que a maioria defende firmemente o seu direito de adotá-la. Cabe, a cada veículo, a cada redação, a cada editor, eleger os critérios do que pode atender melhor os interesses do seu público. E isso só se faz sob o império da liberdade. Qualquer ameaça a esses princípios carrega o odor acre da censura. Na democracia, há espaço para que indivíduos, grupos ou instituições se julguem especiais ou imunes à crítica e no de se derivar ao terreno da difamação, da ofensa ou da injúria, o caminho é crivo da lei, pelo poder judiciário. Por entender pertinente, transcrevo trecho do editorial publicado pelo jornal O Popular , neste 8 de janeiro:

“As tentativas de censura, condução ou interferência na linha editorial de veículos de comunicação, seja por meio da pressão política ou econômica, mesmo que pontuais, dissimuladas, sutis ou institucionalizadas sob qualquer título, inclusive com codinomes como 'regulação', em caso de sucesso fazem uma única vítima, a sociedade.” O Charlie Hebdo assumiu os riscos e pagou caro, com o castigo capital de vários de seus integrantes, mas permanece, como demonstra, firme em suas convicções. O episódio e a postura do semanário francês representam, de forma trágica, mas eloquente, a resistência aos desafios e às pressões por que passam todas aqueles que têm sua prática jornalística sustentada na independência, na isenção e no respeito às liberdades democráticas. É um exemplar espelho. *Luiz Fernando Rocha Lima é diretor de Conteúdo Editorial do Grupo Jaime Câmara


FEVEREIRO/2015

A REVOLUÇÃO DIGITAL E A SAÍDA DO BURACO

LIVRO

CARLOS MÜLLER de Brasília

A maior parte dos resenhistas de Os Inovadores optou por destacar que ao longo de 575 páginas, Isaacson trata de sustentar a tese de que a história das tecnologias da informação não se caracteriza pela criatividade de gênios isolados, nerds, mas pela colaboração entre muitos cientistas e pesquisadores com sólida formação ou intuição extraordinária - mas, sim, em colaboração. Os resenhistas não se perderam. O próprio autor afirma que esse foi mesmo o seu propósito, embora o subtítulo “Uma biografia da revolução digital” pareça apontar para o caminho oposto ao enfatizar a singularidade do indivíduo, como ocorre normalmente com as biografias, inclusive a de Steve Jobs, escrita pelo próprio Isaacson. Não é um livro fácil de ler ao longo de todos os seus capítulos, apesar do esforço do autor por decodificar as inevitáveis explicações técnicas do avanço tecnológico. Continuará sem entender o elo essencial entre uma válvula, um transístor e um chip quem, na escola, não teve noções de eletrônica, passou displicentemente pelas aulas de física ou, ao contrário de alguns dos personagens do livro, não teve brinquedos instrutivos do tipo do brasileiro Engenheiro Eletrônico. Nada de abalar a autoestima. Basta fazer de conta que entendeu e ir em frente. Vale a pena. Isaacson fez um grande trabalho ao descrever o trajeto da tecnologia digital desde Ada Lovelace, a excêntirca (como não?) filha de Lord Byron, e sua relação com interlocutores como o mais conhecido Charles Babbage, na fase paleolítica da tecnologia digital. E o faz competentemente até os parágrafos finais, nos quais especula sobre a “próxima fase da Revolução Digital [que] trará uma verdadeira fusão da tecnologia com indústrias criativas como a mídia, a moda, a música, o entretenimento, a educação, a literatura e as artes”. Para o eventual leitor desta resenha, presumivelmente ligado de alguma forma à indústria jornalística, sugiro dois outros focos de leitura de Os Inovadores: o primeiro é as origens da ainda atual polêmica (misto de mal-entendido e esperteza) sobre

ENIAC, um dinossauro com capacidade de processamento de uma ameba Foto: Getty Images

a suposta “vocação” da era digital para o gratuito. Issacson mostra de forma cabal como grande parte da inovação na informática foi resultante da colaboração desinteressada de pessoas como Tim BernersLee, hackers como Stewart Brand e ativistas da contracultura, malucos-beleza como Ken Kesey, que achavam a tecnologia um barato e que poderiam, dessa forma, sabotar os desígnios orwellianos do “complexo industrial-militar”. Foi algo tão intenso que Brand, escrevendo para a revista Time sobre a influência da contracultura no

OS INOVADORES - Uma biografia da revolução digital Walter Isaacson 575 páginas

desenvolvimento do computador pessoal, afirmou: “Devemos tudo aos hippies”. O idealismo contracultural, como Woodstock, não resistiria aos anos. Não pela sua ingênua generosidade, mas devido ao próprio desenvolvimento da tecnologia digital até penetrar todas as esferas da atividade humana. A tensão é real como sintetizada numa frase do mesmo Brand na primeira conferência hacker, em 1984 (em geral maliciosamente reproduzida apenas em sua segunda metade). Ele mesmo resumiria mais tarde: "Por um lado, a informação quer ser cara, porque é tão valiosa... por outro lado, quer ser livre porque o custo se torna menor o tempo todo". Isaacson ajuda a entender essa tensão tão atual. O segundo foco, relacionado ao primeiro, diz respeito a outro tema atualíssimo: o financiamento da produção de conteúdo em meio digital. Nesse ponto Isaacson dá um testemunho pessoal. Ele era editor de novas mídias da Time na primeira metade dos anos 90. “De início planejamos cobrar uma pequena taxa ou assinatura, mas os publicitários da Madison Avenue ficaram tão encantados com a nova mídia que acorreram ao nosso prédio, oferecendo-se para comprar banners... O resultado não foi um modelo de negócios sustentável”. Ou, como diz Jaron Lanier, o autor de Who Owns de Future: “Todo negócio de usar publicidade para financiar a comunicação na internet é inerenetemente autodestrutivo”. Em 2015 ainda estamos buscando a saída desse buraco.

3

FEVEREIRO/2015

ENTRE LINHAS Chamada para a eternidade Julio Scherer García era um ícone e reserva moral do jornalismo mexicano. Junto com Vicente Leñero e outros intelectuais fundou a revista Proceso de grande prestígio até hoje. Em novembro de 1994, a matéria de capa era o escândalo de corrupção envolvendo Raúl Salinas, irmão do presidente Carlos Salinas. Tão competente quanto gozador, Scherer socorreu Leñero que não encontrava uma chamada adequada. “El Hermano, Incómodo”, soprou Scherer García e, para tripudiar, sapecou: “Dime que te gusta, dime que te fascina, dime que te enloquce”. Leñero faleceu de câncer, aos 81 anos, no dia 3 de dezembro do ano passado. Scherer García, em 7 de janeiro último, aos 88 anos, de um choque séptico. Seu último texto foi um artigo sobre o amigo Leñero. Apesar das provas irrefutáveis e do patrimônio incompatível com seus ganhos legais, Raúl foi absolvido das acusações de enriquecimento ilícito em 12 de dezembro de 2014 (sic), mas jamais deixará de ser “El hermano incómodo”.

// O terror está

funcionando, porque agora a principal preocupação dos medios de comunicação e dos terroristas é a segurança pessoal. Temos que enfrentar isso"

JON LEE ANDERSON Jornalista, autor de grandes reportagenms internacionais

800 anos

De assinatura da “Magna Carta”. É o que os ingleses comemoram em 2015, o primeiro documento com características constitucionais.

50 anos

Há 50 anos, o fundador da Intel, Gordon Moore, enunciou o que ficou conhecido como “Lei de Moore”, segundo a qual a densidade do transístor dobra a cada 18 meses. Segundo o diretor sênior da Intel, Mark Bohr, ela continuará em vigor.

Entre 88% e 98%

Dos anúncios digitais em plataformas como Google, Yahoo, Facebook e LinkedIn contêm fraudes nos números de interação, segundo pesquisa feita pela Oxford BioChronometrics.

19,3%

Foi o crescimento da receita de publicidade digital do The New York Times no quarto semestre de 2014.

CONTEUDO

22

O QUE ACONTECE NA INDÚSTRIA JORNALÍSTICA DO BRASIL E DO MUNDO

IRONIA AOS COMUNISTAS NO JORNAL DO PC FRANCÊS G e o r g e s Wolinski, o veterano cartunista morto no massacre terrorista contra o jornal satírico Charlie Hebdo , tinha 80 anos e, não apenas pela idade, era um dos mais prolíficos profissionais franceses, com mais de 90 álbuns compilando os desenhos publicados em inúmeros jornais e revistas. Seus desenhos eram simples, e frequentemente a piada estava nos “balões” em textos que poderiam ser mais longos que o usual em cartuns. Seu traço (o duplo sentido não é involuntário) mais característico, assim como o de seus colegas do Charlie, era a irreverência em relação a tudo e a todos. É o que fica evidente no cartum

Cartum publicado no jornal L'Humanité, do PC Francês

acima, publicado no jornal L’Humanité, do Partido Comunista, no qual trabalhou de 1977 a 1984. Aqui ele ironiza a pequena expressão eleitoral dos então seguidores de Georges Marchais. “Queridos camaradas”, afirma o homem à janela, num suposto comício, ao que um grupo de apenas oito pessoas às suas costas responde: “Eh! Estamos aqui”.

GRÁFICO DA EDIÇÃO

Notícias locais são as mais lidas

Editorias/cadernos preferidos Notícias da cidade/Cotidiano Esportes Notícias policiais Política brasileira Classificados Cultura/Lazer Economia brasileira Celebridades/Fofocas Automóveis Horóscopo Coluna social Clima/Tempo Novelas Economia Internacional Política Internacional Editoriais/Articulistas/Colunistas Ciência Internacional/Mundo (Exceto Política e Economia) Meio Ambiente Turismo/Viagens Outros NS/NR

Que parte, assunto ou caderno do jornal o brasileiro costuma ler? A pergunta integrou a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, SECOM, cujos resultados foram divulgados em dezembro do ano passado. Notícias da cidade e do cotidiano foram as mais apontadas, seguidas pelas informações sobre esportes, o que era previsível. Também sabido é que o noticiário sobre economia, internacional, opinião, ciência e meio ambiente não têm muitos leitores, embora em geral

28 24 16 14 12 10 10 9 8 7 4 4 4 3 3 3 3 2 2 1 1 8

esses sejam leitores qualificados. O que não deixa de ser surpreendente foi a preferência relativamente baixa por celebridades e fofocas, horóscopo, coluna social e novelas. Veja a cima os resultados publicados na página 72 do relatório da PBM 2015.


/ EUGÊNIO BUCCI

FEVEREIRO/2015

A DEMOCRACIA NÃO PODE PRESCINDIR DA IMPRENSA Prolífico e versátil, Eugênio Bucci é formado em Jornalismo e Direito pela Universidade de São Paulo, onde obteve o doutorado e atualmente é livre-docente. Foi presidente da Radiobrás (2003-2007).

É autor de livros sobre jornalismo e articulista em O Estado de S.Paulo e Época. Nesta entrevista por e-mail, adverte contra a tendência de exclusão do jornalismo do debate político sai perdendo. A publicidade é legítima e necessária nas campanhas políticas, mas não é a instância ideal para a conformação de um ambiente informativo e crítico. Isso só pode ser proporcionado pela imprensa e pelo jornalismo independente. Não é por outra razão que se costuma dizer que sem imprensa livre a democracia não funciona -- e, no limite, não existe.

CARLOS MÜLLER de Brasília

Num artigo publicado após as eleições, o Sr. observou que o marketing político crescentemente trata de impedir que os jornalistas abordem e questionem os candidatos. Poderia sintetizar essa análise? Eu quis chamar a atenção do público para a clamorosa ausência de jornalistas nos debates. Vimos isso em todas as emissoras, num cenário praticamente sem exceção. Por exigência das campanhas, quero dizer, do marketing das campanhas de cada candidato, a figura do repórter com a incumbência de questionar os candidatos foi vetada. É interessante observar que, nisso, os candidatos estavam perfeitamente de acordo entre si. Daí me veio a seguinte pergunta: isso significa que a democracia pode prescindir da imprensa? Pode parecer uma pergunta um tanto extremada, mas não é bem isso. Veja que, para os candidatos e seus partidos, o debate ideal era aquele sem a presença de jornalistas. Bastava que um candidato pudesse fazer perguntas ao outro e, com isso, o princípio do contraditório estaria perfeitamente atendido. E o que se viu na TV? Algo desolador. Um candidato perguntava sobre um assunto, o outro respondia sobre um tema completamente diferente, e assim o telespectador tinha de se contentar com o dito pelo não dito. Um candidato era cúmplice do outro na construção da mentira pessoal de cada um. Aquilo não era contraditório, mas um diálogo de surdos, em que um não levava em conta o argumento do outro. No final, um ofendia o outro, e nada era esclarecido. A falta que faz o bom

exigências que eles impõem ou os candidatos simplesmente não vão ao debate. A tendência, portanto, é muito forte. Caberá aos meios jornalísticos saber encontrar modos de resisitir a ela.

Quais as consequências disso? A primeira consequência é o empobrecimento perverso do debate público. A outra consequência é o enfraquecimento da instituição da imprensa. Não há como não constatar que a imprensa sai debilitada desse processo. Ela sai relativamente humilhada. É como se os partidos políticos dissessem, em coro, em uníssono, para os órgãos de imprensa: "Ei, vocês não são necessários! Podemos muito bem fazer uma eleição sem a presença incômoda de vocês!". De nossa parte, seria o caso de perguntar: eleições sem imprensa são realmente eleições livres? Seria também o caso de perguntar: qual o compromisso desses candidatos com a democracia, se eles entram num acordo entre si para expulsar os repórteres dos debates?

Estamos assistindo a uma desintermediação da informação a exemplo do que ocorre, em parte, com a publicidade? Sem dúvida. Os debates sem jornalistas são exatamente isso: a prevalência do discurso publicitário, decorado pelos candidatos, que podem monologar à vontade, sem ter de prestar esclarecimentos ao cidadão e à imprensa. Isso esvazia os debates de conteúdo crítico. Os debates deixam de ser esclarecedores e o eleitor é quem

É apenas uma questão de marketing e de cultura política ou está associada à emergência das novas tecnologias? Seguramente, as tecnologias estão relacionados a tudo o que se passa à nossa volta. Mas, nesse caso, o problema é exclusivamente de mentalidade política. Mais exatamente, é um problema de falta de culturoa democrática no ambiente eleitoral brasileiro. Nesse sentido, o ponto grave aqui não tem relação direta com tecnologia.

"A verdade não é a média aritmética entre duas mentiras", adverte Bucci ao comentar os debates políticos Foto: Divulgação

jornalismo ficou evidente, mas ninguém parece ter se dado conta disso. Para os partidos, contudo, a democracia ideal é aquele teatro de nonsense, um estúdio sem repórteres capazes de contestar os monólogos de cada um. É essa a democracia que queremos? Queremos mesmo uma democracia sem imprensa? Essa é uma tendência que veio para ficar? Creio que sim, uma tendência forte. O poder de barganha dos partidos é muito grande. Quando estão unidos, como estão nessa exigência de expulsar os jornalistas dos debates, o poder de barganha é maior ainda. Ou as emissoras concordam com as

21

FEVEREIRO/2015

JORNAL E EDUCAÇÃO

4 / ENTREVISTA

JORNAL E EDUCAÇÃO APOSTA EM INOVAÇÃO PARA 2015 O PROGRAMA JORNAL E EDUCAÇÃO 2015 PREPAROU

Divulgação

NOVAS ESTRATÉGIAS PARA CONTRIBUIR COM A EDUCAÇÃO NO BRASIL

O cenário econômico não nega, será um ano desafiador para os jornais. Nessa perspectiva, o planejamento e a inovação tornam-se elementos indispensáveis para se obter bons resultados. Para isso, os jornais têm buscado novas estratégias que permitem manter uma boa audiência. Com o Programa Jornal e Educação não poderia ser diferente. Novos cursos para professores, educação a distância, concursos culturais, mostras e programas de visitas, estão entre as atividades oferecidas pelos jornais, em parceria com o Programa Jornal e Educação. Os programas têm como hábito avaliar anualmente suas ações, e com isso conseguem manter uma rotina de planejamento, atividades e inovações que garantem a satisfação de seus stakeholders. O resultado das avaliações feitas ao fim de cada ano pelos programas é, sem dúvidas, muito importante para auxiliar no planejamento do ano seguinte e para indicar quando o público pede novas ações. Alguns jornais já definiram suas principais ações para 2015. O Programa A Tribuna na Escola, do jornal A Tribuna, de Vitória/ES, irá formar novos Professores nas Oficinas Pedagógicas Compartilhadas. Os participantes contarão com os relatos das experiências dos professores que realizaram práticas inovadoras em 2014. Outra iniciativa será a edição do Caderno Especial – A Escola da Paz, cujo obje-

O POVO dá voz a indígenas e quilombolas Dois alunos da comunidade indígena de Caucaia e dois da comunidade quilombola de Horizonte, municípios da Grande Fortaleza (CE), agora fazem parte do time de Correspondentes O POVO. Eles estão entre os 54 estudantes do 9º ano do Ensino fundamental de escolas públi-

O Programa Jornal e Educação incentiva o uso de jornais nas escolas

tivo é incentivar a cultura da Paz nas escolas. Os professores receberão orientação técnica da coordenação do Programa e posteriormente incentivarão os alunos para a produção das matérias para o caderno especial. A Gazeta do Povo, de Curitiba/PR, fará mudanças na Plataforma de Educação e voltará a utilizar o sistema Moodle. O objetivo é facilitar a navegação e a frequência dos professores. Outra ação do jornal para 2015 é a Pesquisa de Impacto, que será aplicada a alunos e familiares no município de Curitiba. Dentre as ações do programa O Diário na Escola, do jornal Diário do Norte do Paraná, de Maringa/PR, estão os cursos bimestrais para treinamento de professores no uso das mídias nas escolas e a troca de experiências com colegas de profissão, mestres e doutores da área. Outra novidade é o 1º Concurso de Poesias “Notícias em Versos”.

Ler para Crescer, do Diário do Noroeste, de Paranavaí/PR, lança ações em comemoração ao 60° aniversário do jornal, entre elas, palestras para professores com o tema “Gerando Talentos”. Ao comemorar 18 anos, o Programa DM na Sala de Aula, do Diário da Manhã, de Passo Fundo/RS, promove o concurso Jornalista Por Um Dia, em parceria com o Instituto Roberto Pirovano Zanatta. No plano coletivo, o encontro anual dos Coordenadores do Programa Jornal e Educação já tem data. Será no mês de agosto em Uberlândia. Todos serão recebidos pelo Grupo Algar / Programa Algar Lê e pelo jornal Correio de Uberlândia, de Uberlândia/MG. O encontro acontecerá em dois dias e terá uma pauta bastante diversificada. A coordenação da ANJ está esperando a participação de programas de todas as regiões do país.

cas e privadas de Fortaleza e região metropolitana selecionados na oficina de fanzines que ocorreu em 2014. O projeto visa estimular a leitura e a escrita dos jovens e contribuir para a sua inclusão social, por meio de matérias de sua autoria publicadas na coluna Direto da Escola, e no jornal O POVO impresso e Online. Em 2015, o projeto, que faz parte do programa Jornal e Educação, dará aos alunos da comunidade indígena Tapeba e aos quilombolas de Alto Alegre a oportunidade de participar de toda produção e rotina de um jornal. Ao final do programa de um ano, os estudantes recebem prêmios, troféus e o título de

Correspondentes O POVO. “O jornal valoriza o pluralismo, e por isso queremos dar voz, e vez, à todas as classes”, declara Carlos Eduardo, coordenador do programa O POVO na Educação, destacando que os indígenas e quilombolas poderão mostrar um pouco de sua cultura. O blog Correspondentes O POVO, criado neste ano, é um espaço no qual alunos que já participaram do projeto podem publicar matérias sobre seu cotidiano. De acordo com Carlos Eduardo, é visível a melhora na escrita e na leitura dos estudantes, que passam a ter uma nova perspectiva de mundo e formação cidadã.


JORNAIS BRASILEIROS

20

FEVEREIRO/2015

O POVO REFORÇA

RELACIONAMENTO COM LEITOR

JORNAL PROMOVE RENOVAÇÃO DE SEU OMBUDSMAN E DO CONSELHO CONSULTIVO

ALANA LETÍCIA ARAÚJO de Brasília

O ano de 2015 começou com mudanças no jornal O POVO. Como parte das comemorações, em janeiro, do 87° aniversário do jornal, foram empossados os novos membros do Conselho Consultivo e sua nova ombudsperson. O cargo foi instituído em 1993, e o Conselho em 1998. Ambos decorrem do fato de ser a interação com o leitor um dos principais ideais do diário cearense. Tania Alves é a nova ombudsperson, a quem os leitores podem recorrer por telefone ou por e-mail para expor opiniões a respeito do que é publicado no jornal. Seu mandato tem duração de um ano, e inicia-se no dia 7 de janeiro, data da fundação de O POVO. Ela é a 15ª jornalista a assumir o cargo. Atualmente, os únicos jornais que possuem ombudsman são O POVO e a Folha de S.Paulo. Todos os dias ela produz e distribui um relatório para os jornalistas. Aos domingos, redige uma coluna pública na qual analisa as principais críticas da semana. O tema do texto semanal é definido pela própria Tânia e depende do que foi publicado no jornal durante a semana. Ex-repórter da editoria de Cidades, ela diz que a ombudsperson O POVO não está subordinado à redação e sim à presidência da empresa, atuando como uma espécie de ouvidoria. Mesmo assim, acaba por contribuir com o trabalho da redação, por repassar aos repórteres a opinião do público sobre os mais variados assuntos. “O jornal que possui um ombudsman se aproxima seu leitor. É um canal de transparência,” comenta. De acordo com Plínio Bortolotti, Diretor Institucional de O POVO, os 16 novos membros do Conselho Consultivo de Leitores foram indicados por jornalistas da Redação para mandatos de um ano. Os

A presidente da Empresa Jornalística O Povo, Luciana Dummar (vestido vermelho, ao centro) recepcionou os novos membros do Conselho Consultivo Foto: Rodrigo Carvalho

// É um grande ganho discutir o

jornal com alguém que não faz parte do meio jornalístico

conselheiros reúnem-se mensalmente para analisar, de forma crítica, o fazer jornalístico do Grupo de Comunicação O POVO. O grupo é formado por pessoas de várias idades, classes e profissões, sempre com o objetivo de manter a pluralidade. “Procuramos uma composição que represente a média de leitores do jornal, como empresários, professores, médicos e taxistas,” explica Bortolotti. Os nomes são escolhidos por uma comissão formada

pelo diretor-geral de jornalismo; diretores da redação, diretor institucional, diretor de negócios digitais e mercado leitor, assessora de imprensa, editor sênior, editores executivos e editores adjuntos, do portal e do jornal. Nas reuniões mensais com os conselheiros, é gerada uma ata que em seguida é distribuída entre conselheiros e profissionais de O POVO. O Conselho de Leitores analisa o conteúdo editorial do jornal e seu aspecto gráfico, inclusive a angulação das matérias. Plínio Bortolotti conta que o jornal O POVO tem a tradição de valorizar a proximidade com o público e acredita que os jornais brasileiros são muito refratários à intervenção do leitor, “De modo geral, alguns jornais guardam uma certa distância e algumas vezes um certo temor do leitor. No entanto, a verdade é que se trata de um grande ganho discutir o jornal com alguém que não faz parte do meio jornalístico. O benefício é ter o olhar de alguém que lê o jornal, essa é a vantagem. Submetemos o jornal ao escrutínio do leitor, cuja a crítica é muito valiosa para o jornal", conclui o diretor.

ENTREVISTA/ EUGÊNIO BUCCI

FEVEREIRO/2015

Qual deve ser a resposta do jornalismo a esse desafio? Penso que a resposta deve vir dos meios jornalísticos. Eles deveriam ter um acordo entre si de nunca mais, sob nenhuma justificativa, aceitar realizar debates eleitorais sem a presença de jornalistas livres para perguntar o que julgam pertinente aos candidatos, com direito de réplica.

os delírios do candidato A e os delírios do candidato B. A verdade, nesse caso, entendida como uma leitura dos fatos menos poluída de veleidades e de voluntarismos propagandísticos, só pode emergir do diálogo crítico (e, portanto, um debate mediado) entre as proposições de cada um deles, à luz das necessidades, dos direitos e das indagações da cidadania.

E qual o papel do leitor nisso? O leitor e o telespectador, assim como o ouvinte, deveriam protestar, também. O nosso problema adicional é que muitos deles mal perceberam a real dimensão do vazio aberto pela falta de jornalistas nos debates.

Em que consiste uma imprensa independente, no seu entender? Pensemos a imprensa como instituição social (uma instituição não estatal), e não pensemos tanto em termos deste ou daquele órgão de imprensa. Se vista como instituição, a imprensa pode ser entendida como a resultante dos processos pelos quais a sociedade civil dialoga consigo mesma em relação ao poder, tematizando o poder, lançando pontes que permitem a interlocução da sociedade com o próprio poder (geralmente cristalizado no comando do Estado). A imprensa pode ser independente na exata medida em que não depende, para existir, dos favores, das permissões ou da sustentação financeira vinda do Estado. Além disso, ela precisa também ser independente do chamado poder econômico, que por vezes se materializa em cartéis não-declarados, que tentam direcionar o debate público. A imprensa é mais independente quando a sua sustentação provém diretamente dos cidadãos que compõem a sociedade. Só assim ela poderá ser veículo de críticas em relação ao poder econômico. O mesmo raciocínio vale para o poder das igrejas, que hoje constitui uma fator de graves distorções na demoracia brasileira.

No mesmo artigo, o Sr. afirma que “precisamos da imprensa porque o poder mente, mesmo quando seus agentes não desejam mentir”. Como é isso? É isso mesmo. Quando entregue à lógica de seu próprio monólogo, o poder tende a mentir, pois se lança ao autoelogio sem travas, o que é uma forma estranha de discurso patológico, mitômano, possuído pelo culto de si mesmo. A democracia depende de contrapesos e da contestação, o que, nesse caso, só pode ser proporcionado pela instituição da imprensa. Não há outro modo. Não é verdade que, sem imprensa, o público faria isso sozinho. Esse é um raciocínio enganoso. Sem imprensa, o público não faria isso pela simples razão de que a imprensa nada mais é do que a forma concreta, histórica, pela qual as sociedades livres questionam o poder. Se não há imprensa, é porque, naquela sociedade, o poder não está sendo investigado, debatido e questionado. É possível mudar esse quadro? Sim. Isso depende, antes de mais nada, da atitude dos próprios veículos e dos profissionais de imprensa. É preciso ir a público e explicar o significado sombrio dessa tentativa delirante do poder de expulsar os jornalistsa dos debates eleitorais. Há quem cobre do jornalismo que seja objetivo no sentido de que se limite a apresentar os fatos e as versões de cada parte envolvida em cada questão. Por exemplo: apresentar a versão do governo e a da oposição, deixando ao leitor a avaliação crítica. Isso é bom jornalismo? Objetividade não é isso. Objetividade, no jornalismo, resulta do

Foto: divulgação

exercício crítico da intersubjetividade. A objetividade não é apenas o discurso que decorre dos objetos (em oposição ao discurso subjetivo, que seria aquele que decorre dos pontos de vista subjetivos, sem laços com a realidade objetiva). Na imprensa, a objetividade é produzida pelo diálogo (e não apenas pelo embate) das várias versões, dos vários critérios, das várias leituras possíveis dos fatos de domínio comum. A intermediação, aí, é imprescindível e insubstituível. Essa intermediação precisa passar por instâncias relativamente independentes em relação aos grupos que disputam diretamente o poder. Aí é que entra o papel essencial da imprensa. Só ela pode proporcionar esse tipo de mediação. Não que ela seja o critério final da verdade. Não é. Ela é apenas indispensável para a qualidade do debate público. Sem ela, vou repetir, não há democracia e muito menos eleições de qualidade. O Sr. já afirmou que a verdade "não é a média aritmética entre duas mentiras". Poderia detalhar isso? Claro. Quem acredita que da troca de ofensas entre dois candidatos pode emergir a verdade, acredita que a verdade é a média aritmética entre duas mentiras (as mentiras de cada um dos dois candidatos). Isso é um absurdo, um claro absurdo, mas é nisso em que acreditam os partidos que acreditam que não são necessários os jornalistas no debate eleitoral. A verdade não resulta do choque entre

O Sr. foi presidente da Radiobrás no primeiro governo Lula. Num debate sobre emissoras públicas, algum tempo depois, afirmou que elas não são transparentes nem têm independência, comprometendo a liberdade de imprensa. Por quê? Porque não há dados disponíveis, públicos, abertos, sobre os detalhes da gestão de cada uma delas. Não houve, no nosso país, uma evolução da transparência nas emissoras públicas no mesmo nível em que se deu a evoução da transparência do próprio Estado. Aliás, a publicidade oficial no Brasil também não é transparente. Por fim, o nível de independência das emissoras públicas no Brasil é baixo porque elas não são geridas por diretorias independetes, mas por diretorias

5 nomeadas formal ou informalmente pelos governos. A presidente Dilma passou o primeiro mandato afirmando que o único controle da mídia que admite é o controle remoto. Antes mesmo de eleita, assinou a Declaração de Chapultepec. Agora fala em “regulação”, em termos vagos, embora alguns setores do PT explicitamente defendam que a regulação seja aplicada sobre o conteúdo. Imprensa independente é compatível com regulação? Há um grande mal-entendido aqui. A imprensa não deve ser regulada, de nenhuma maneira. Por outro lado, o mercado em que atuam os meios de comunicação não apenas pode, como deve e precisa de regulação. É assim nas grandes democracias que aí estão. É assim há muito tempo nos EStados Unidos, na França, no Reino Unido, etc. Regular o mercado não é regular o conteúdo. Aliás, regular o mercado é proteger o conteúdo contra interferências estatais nos conteúdos. No Brasil, por exemplo, como o Estado pode ser anunciante, e como não há limites para o que o Estado anuncica, muitas vezes a autoridade pública tenta cooptar editores com base em pressões típicas de anunciantes. Isso é a selva. Isso não é democracia. Não é democrático que igrejas mandem em redes de rádio e televisão. Não é democrático que parlamentares sejam acionistas de empresas que vivem de concessões públicas. Isso precisa ser regulado. E, se isso for democraticamente regulado, a imprensa no Brasil será mais livre e mais plural. A questão da independência da mídia é indissociável da liberdade, não é? No entanto, diante do recente ataque ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, com o assassinato de diversos colaboradores, foram abundantes os comentários condenando a violência, seguidos de um “mas” que, na prática, matizava a condenação e o direito do jornal de publicar o que bem entendesse. Qual a sua opinião a respeito? Não deve haver "mas" nenhum. A democracia precisa suportar a mais radical liberdade de expressão. A democracia deve assegurar esse direito. Tudo pode depois ser discutido na Justiça, é claro. Mas nunca a violência deve ser admitida como limitadora, como um "mas", diante desse valor supremo que é a liberdade de expressão.


/LIBERDADE DE EXPRESSÃO

RANKING: BRASIL SOBE, MAS AINDA É O 99º

EM 2014, OCORREU UMA "DETERIORAÇÃO GLOBAL DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO", SEGUNDO REPÓRTERES SEM FRONTEIRA

Na maior parte do mundo a situação é difícil ou muito difícil. Na América Latina, o quadro é difícil no México, Venezuela, Honduras, Colômbia e Guatemala.

119 Jor nali stas

seq ues trad os

Foto: Divulgação

s ado ssin ssa sa ista nal Jor 66

A redução do número de profissionais de imprensa assassinados no Brasil, entre 2013 e 2014, de cinco para dois, acompanhada pela diminuição das agressões, foi um dos poucos aspectos positivos da edição de 2015 do Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa, divulgado pela organização nãogovernamental Repórteres Sem Fronteira no dia 12 de fevereiro. Em consequência da redução dos casos de violência, num total de 180 países, o Brasil subiu do 111º lugar para o 99º, revertendo uma tendência de deterioração da liberdade, registrada desde 2010. Ainda assim, o país segue na categoria dos que apresentam “problemas dignos de nota”, uma posição intermediária entre os que se encontram em “boa situação” e os que estão em “situação muito séria” (ver mapa ao lado). Na avaliação dos dados que acaba de divulgar, a ONG avalia que no ano passado ocorreu uma “deterioração global da liberdade de informação” em decorrência do aumento das ameaças provenientes de atores não-estatais, de agressões cometidas durante manifestações ou associadas à crise econômica e financeira mundial. Em dois terços dos 180 países, os resultados de 2014 foram piores que no ano anterior. A melhor situação segue sendo a dos países escandinavos, com a Finlândia em primeiro lugar há cinco anos, seguida por Noruega e Dinamarca, Holanda e Suécia. Os Estados Unidos aparecem em 46º, a pior posição desde 2007, devido à pressão judicial contra o jornalista James Risen, do The New York Times, para que revelasse sua fonte numa grande reportagem sobre ações da Agência Central de Inteligência (CIA), e às prisões arbitrárias de repórteres durante as manifestações em protesto pela morte de um jovem negro em Ferguson, no estado do Missouri. Entre os países latino-americanos, o melhor posicionado é a Costa Rica, cuja situação é considerada “invejável”, seguida por Uruguai e Chile, que ganhou 15 posições passando ao 43º lugar. A Argentina ficou em 57º. O pior posicionado no continente é o México (148º), embora tenha subido quatro posições. Nas cinco piores posições estão China, Síria, Turquemenistão, Coreia do Norte e Eritreia.

FEVEREIRO/2015

15 Síria 7 Palestina 6 Ucrânia 4 Iraque 4 Líbia 30 Resto do mundo

178 Jornalistas presos

29 China 28 Eritréia 19 Irã 16 Egito 13 Síria 73 Resto do mundo

33 Ucrânia 29 Líbia 27 Síria 20 Iraque 3 México 4 Resto do mundo

ESTATÍSTICA MACABRA O ano de 2014 não foi o mais mortífero desde que a organização nãogovernamental Repórteres Sem Fronteira iniciou seus balanços, em 1995. Mesmo assim, os números são alarmantes: 66 jornalistas assassinados, aos quais é preciso acrescentar 19 jornalistas-cidadãos e 11 colaboradores de meios de comunicação, sem falar dos casos a respeito dos quais não há informações conclusivas e que continuam sendo investigados. O destaque macabro ficou por conta das decapitações de jornalistas no Oriente Médio, onde a Síria se destaca como o país no qual foi maior o número de profissionais mortos - 15.

19

FEVEREIRO/2015

JORNAIS BRASILEIROS

6

POLÍTICA CIDADÃ COM BOM HUMOR

CAMPANHA DA GAZETA DO POVO PROMOVE AÇÕES SOCIAIS DOS CURITIBANOS

MILTON CORREIA de São Paulo

Todo cidadão tem um papel na sociedade, e toda cidade tem histórias de pessoas que abraçam uma boa causa e conseguem fazer muito com pouco. Para descobrir esses que tanto fazem pelo próximo e pela cidade onde vivem, a Gazeta do Povo, de Curitiba, colocou uma Kombi circulando pela cidade. É a campanha Política Cidadã, cuja principal finalidade é descobrir e apresentar os autores de grandes iniciativas, no urbanismo, no incentivo à leitura, no assistencialismo, na transformação da comunidade e no respeito ao idoso. As experiências foram contadas na Kombi da Política Cidadã, que circulou pelas ruas da capital paranaense e tem sido palco para que histórias inspiradoras sejam conhecidas e compartilhadas. O material se transformou numa websérie com oito episódios. Axeu Beluca, Diretor de Marketing da Gazeta do Povo, explica que cada episódio conta a história de um personagem que foi protagonista em sua própria comunidade e “dá o exemplo de que, para mudar, a gente não precisa esperar que os outros ou as instituições políticas façam algo por nós. Nós mesmos podemos agir”, diz. A estreia foi com o episódio Praça de Bolso do Ciclista, mostrando que a comunidade, liderada por ciclistas, transformou um terreno baldio em praça, no Centro de Curitiba. Outra história foi a do Carrinho de Leitura, em que uma moradora da Vila Izabel colocou alguns livros da sua coleção particular em um carrinho de supermercado e emprestou a vizinhos.

No interior da Kombi, os responsáveis pelas iniciativas gravam seus depoimentos

Para dar ainda mais visibilidade ao projeto, no dia de estreia de cada história, uma equipe da Gazeta do Povo circulou na região de Curitiba onde mora o protagonista para ampliar a divulgação entre os vizinhos e moradores da mesma área. A Gazeta do Povo tem adotado o posicionamento Política Cidadã – Assuma seu Poder desde 2013 para estimular o cidadão a intervir, de forma positiva, em sua realidade social no dia a dia. A campanha integra as diferentes plataformas do jornal para motivar pessoas, grupos e instituições a realizarem tarefas simples, que provocam mudanças na sociedade. A campanha incentivou o movimento Dê Espaço para Bicicleta, abraçou a causa Ocupe o Passeio e a campanha Despiche a Cidade, para motivar a população a denunciar as pichações em Curitiba.

REPERCUSSÃO AMPLIA CONCEITO Segundo Beluca, a repercussão da série Política Cidadã tem sido expressiva em diversos canais digitais, multiplicando o conceito da iniciativa e tendo mais de 30 parceiros externos ajudando a disseminar e compartilhar a campanha, ampliando o alcance e a visibilidade da marca Gazeta do Povo. “Registramos no canal Política Cidadã no youtube mais de 415 mil visualizações, além de inúmeros comentários e compartilhamentos nas redes sociais. Usamos a plataforma

impressa e digital para informar as pessoas de onde a Kombi vai estar, além dos próprios protagonistas que ajudam a disseminar a ideia junto à comunidade. Recebemos sugestões e novas histórias por meio das mídias sociais e interações via plataforma digital da Gazeta do Povo”, informa. A série não contemplou patrocínio por ser uma bandeira adotada pelo jornal. Essa iniciativa será estendida para 2015 e 2016, já visando as eleições municipais de 2016.

CAMPANHA PREMIADA Axeu Beluca informa que a campanha Política Cidadã – Assuma seu Poder, iniciada em 2013, já foi premiada com bronze na categoria Best Brand Awareness Campaign Across Platforms no INMA AWARDS. Essa iniciativa foi desenvolvida entre as áreas de MKT e Editorial do jornal com objetivo de trabalho integrado na disseminação de protagonistas que vêm atuando e desenvolvendo iniciativas cidadãs junto às comunidades. Editorialmente, trouxe reportagens que mostram como funcionam as instituições brasileiras e que explicam como o cidadão pode contribuir, fiscalizar o poder público, reivindicar direitos junto a parlamentares e a governos. E, ainda, discutiu a função da política partidária, como elemento indispensável para o bom funcionamento da democracia. Por ser multiplataforma, a série Política Cidadã é constituída por reportagens impressas e digitais, além da força de campanha de comunicação nos veículos que integram o GRPCOM. Essa iniciativa também conta com 15 episódios distribuídos no canal Política Cidadã no youtube e nas mídias sociais de mais de 30 parceiros estratégicos ligados a entidades e associações. Para tornar a campanha ainda mais próxima das pessoas, foram realizadas inúmeras ações promocionais para divulgação e promoção da temática Política Cidadã.


18

/JORNAIS BRASILEIROS

FEVEREIRO/2015

FÓRUNS DISCUTE 2018 LIVRO COM SÍNTESE DAS DISCUSSÕES FOI ENTREGUE A AUTORIDADES

mia do veículo. Para compor a mesa, os palestrantes Marcos Lisboa (vicepresidente do Insper), João Manoel Pinho de Mello (professor titular do Insper), Carlos Eduardo Soares Gonçalves (professor da FEA/USP) e Samuel Pessoa (professor da EPGE/ FGV) estiveram presentes. O livro reúne 36 artigos de especialistas e apresenta entrevistas, reprodução de debates e uma síntese de todos os cadernos especiais publica-

dos no jornal após a realização de cada fórum, apresentando um diagnóstico dos desafios que os governantes terão para os próximos anos. Como parte da iniciativa, o Estadão lançou um caderno especial com toda a cobertura do evento acrescido de matérias e artigos exclusivos da edição impressa. Ricardo Gandour, Diretor de Conteúdo de O Estado de S.Paulo, comenta que o principal objetivo de séries como essa, criadas em

2014, é o de ampliar a maneira de produzir conteúdo jornalístico e ao mesmo tempo alavancar a receita publicitária por meio de parcerias com patrocinadores. A estrégia multiplataforma envolve todos os veículos do Grupo e oferece ao mercado anunciante uma nova oportunidade de exposição em diversas mídias. No caso dos Fóruns Estadão Brasil 2018, foi feita uma curadoria em conjunto com uma entidade de alta credibilidade, como é o caso do Insper, e estabelecida uma programação ao longo do ano. Houve uma série de divulgações que antecederam cada evento e no dia do debate aconteceram flashes da cobertura em tempo real pelo Broadcast Estadão, boletins na Rádio Estado, transmissão ao vivo pela TV Estado, na web, notas no site (portal) e matérias na edição impressa. Um dos encontros, inclusive, rendeu a manchete de capa da edição impressa do dia seguinte. As redações de O Estado de S. Paulo foram mobilizadas e estiveram juntas no projeto, comandadas pelos respectivos editores-executivos. As mesmas equipes darão respaldo para a cobertura de novos eventos, uma vez que o projeto continua em 2015. Os temas estão em discussão, e o conjunto de fóruns para este ano deverão ser divulgados ainda em março.

O GLOBO AMPLIA ACERVO DIGITAL

sua história por meio dos anúncios publicados no jornal. Luiz Henrique Romanholli, Gerente de Produto Digital da Infoglobo, conta que a ideia da Seção Propaganda surgiu em 2012, durante o projeto de digitalização do acervo de O Globo, posto na web em agosto de 2013. “A ideia veio da equipe que desenhou o produto. Quando passamos para a fase de produção, contamos com a curadoria do publicitário Armando Strozenberg e contribuições de Silvia Fiuza, diretora da TV Globo e responsável pelo projeto de memória da emissora”, explica. O objetivo da nova seção é dar visibilidade ao imenso acervo dos anúncios publicados nas páginas de O

Globo. Ao fazer a seleção dos temas e peças, Armando Strozenberg e equipe tiveram a preocupação de contar um pouco da história do Rio de Janeiro e do Brasil por meio da propaganda. Assim, tanto profissionais de propaganda, marketing, comunicação e pesquisadores, como leigos podem aproveitar a seleção. “A propaganda tem um apelo emocional forte para as pessoas, que gostam de lembrar peças que viam quando eram mais jovens ou conhecer como se fazia publicidade no passado”, assegura Romanholli. Ele diz que Armando Strozenberg e a antropóloga Ilana Strozenberg, responsável pela coordenação executiva, deram "um sentido histórico e sociológico ao conteúdo."

MILTON CORREIA de São Paulo

O destino do país esteve no centro das discussões na série Fóruns Estadão Brasil 2018, em São Paulo, com o apoio do Insper, uma instituição sem fins lucrativos de ensino superior e pesquisa. No total, seis reuniões abriram espaço para debater educação, segurança, saúde, infraestrutura e meio ambiente e agricultura no Brasil. O resultado foi sintetizado num livro intitulado Fóruns Estadão Brasil 2018, lançado no final de 2014, com edição limitada. O material, com as propostas discutidas, foi entregue à presidente Dilma Rousseff, aos governadores e aos prefeitos das 20 maiores cidades brasileiras, entre outras personalidades responsáveis pela condução dos destinos do país. Os fóruns aconteceram ao longo de 2014. Cada um dos encontros reuniu convidados do poder público e da iniciativa privada para discutir e apresentar propostas para os temas que estiveram na pauta de todos os candidatos durante a campanha eleitoral. Durante o lançamento do livro, o Estadão realizou painel de debates sobre as perspectivas econômicas para os próximos anos, com moderação de Cley Scholz, editor de econo-

O Acervo O Globo lançou a Seção Propaganda, nova área do site cujo objetivo é levar o internauta a uma viagem pela história da publicidade do Rio de Janeiro e do Brasil. Para contar essa história, matérias feitas especialmente são ilustradas por anúncios publicados no jornal ao longo de seus 89 anos. Lançado em 2013, o Acervo O Globo permite que os assinantes do jornal tenham acesso à versão digital de todas as matérias de O Globo, desde sua primeira edição. O conteúdo à disposição do público é composto por galerias de imagens que destacam as peças publici-

O sociólogo Claudio Beato (com o microfone) debate com o coronel José Vicente, com a mediação de Bruno Paes Manso Foto: Divulgação

tárias, abordando desde a história da lingerie até a construção do Maracanã. O acesso à nova Seção Propaganda é parcialmente aberto. Qualquer pessoa consegue ler as análises e ver uma das imagens selecionadas pela equipe curadora. Mas, para acessar a página do jornal digitalizada e o anúncio conforme foi publicado na época, é preciso ser assinante do pacote digital de O Globo. A nova seção também abre oportunidades para o departamento comercial de O Globo, pois permite a busca de parcerias e o patrocínio de empresas que tenham interesse em contar

FEVEREIRO/2015

7


8

MERCADO LEITOR/

FEVEREIRO/2015

17

FEVEREIRO/2015

JORNAIS LIDERAM EM CONFIANÇA DA AUDIÊNCIA SEGUNDA EDIÇÃO DE PESQUISA CONTRATADA PELA SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA CONFIRMA LIDERANÇA DOS JORNAIS

consumidores de TV e de rádio, ambos com 44%. Em termos de confiança, o suporte midiático importa na hora de se veicular notícias ou informação publicitária. Permaneceu estável o percentual de brasileiros que leem jornais ao menos uma vez por semana entre as duas rodadas da Pesquisa: 21%, sendo 2ª-feira o dia da semana mais mencionado pelos leitores (48%), e o sábado o menos mencionado (35%). A escolaridade e a renda dos entrevistados são os fatores que mais aumentam a exposição aos jornais: 15% dos leitores com ensino superior e renda acima de cinco salários mínimos (R$ 3.620 ou mais) leem jornal todos os dias. Entre os leitores com até a 4ª série e renda menor que um salário mínimo, os números são 4% e 3%. O uso de plataformas digitais de leitura de jornais

ainda é baixo: 79% dos leitores afirmam fazê-lo mais na versão impressa, e 10% em versões digitais. Piauí, Ceará e Paraná são os estados com maior adesão às versões online dos periódicos, respectivamente, 39%, 25% e 22%. Amapá, Amazonas e Rio Grande do Sul, os estados com menor adesão, respectivamente, 2%, 3% e 3%. A TV segue como meio de comunicação predominante, e o brasileiro já gasta cinco horas do seu dia conectado à Internet. De acordo com a pesquisa, 95% dos entrevistados afirmaram ver TV, sendo que 73% têm o hábito de a assistir diariamente. O Rádio ainda é o segundo meio de comunicação mais utilizado pelos brasileiros, mas seu uso caiu entre 2014 e 2015 (de 61% para 55%). Praticamente a metade dos brasileiros (48%) usa Internet. O percentual de pessoas que a utilizam todos dos dias cresceu de 26% em 2014 para 37% em 2015. Os usuários das novas mídias ficam conectados, em média, 4h59 por dia durante a semana e 4h24 nos finais de semana – na pesquisa de 2014, os números eram 3h39 e 3h43 –, valores superiores aos obtidos pela TV. Mais do que as diferenças regionais, são a escolaridade e a idade dos entrevistados os fatores que impulsionam a frequência e a intensidade do uso da Internet no Brasil. Entre os usuários com ensino superior, 72% acessam a Internet todos os dias, com uma intensidade média diária de 5h41, de 2ª a 6ª-feira. Entre as pessoas com até a 4ª série, os números caem para 5% e 3h22. Dos jovens na faixa de 16 a 25, 65% se conectam todos os dias, em média 5h51 durante a semana, contra 4% e 2h53 dos usuários com 65 anos ou mais. O uso de aparelhos celulares como forma de acesso à Internet já compete com o uso por meio de computadores ou notebooks, 66% e 71%, respectivamente. O uso de redes sociais influencia esse resultado. Entre os internautas, 92% estão conectados por meio de redes sociais, sendo as mais utilizadas o Facebook (83%), o Whatsapp (58%) e o Youtube (17%).

“Sempre que surge um novo meio de comunicação especula-se que outro, mais antigo, irá desaparecer. Mas Rádio e TV continuam convivendo há mais ou menos 60 anos. A PBM 2015 mostra que as pessoas utilizam as mídias de maneira concomitante, dependendo das suas necessidades, interesses e capacidades cognitivas e financeiras. Se existem pessoas que realizam multitarefas durante o dia, por que não poderiam utilizar mais de um meio de comunicação ao mesmo tempo? É o que nós fazemos”, argumenta Pedro Mundim, Assessor Especial da Assessoria Especial de Pesquisa de Opinião Pública da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (SECOM). Segundo Mundim, a pesquisa de 2015 confirma que

os fatores que mais impactam no uso da internet são geracionais e socioeconômicos. No primeiro caso, o estudo indica que as pessoas mais jovens utilizam as novas mídias de uma maneira muito mais intensa do que as pessoas mais velhas. Mas a renda e a escolaridade ainda geram um hiato digital importante. “É provável que as pessoas estejam, cada vez mais, utilizando o celular para fazer coisas rotineiras, como ler jornal, fazer compras, pagar contas, etc. Esse é o futuro provável. Se os usuários de Internet brasileiros estão utilizando mais celulares do que computador para acessar a rede é de se esperar que agências de publicidade e anunciantes criem estratégias para chegar até os consumidores por essa plataforma”, acredita.

MILTON CORREIA de São Paulo

Os jornais continuam sendo o meio de comunicação mais confiável e, junto com as revistas, o meio com maior nível de atenção exclusiva. É o que revela a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 (PBM 2015), realizada pelo IBOPE a pedido da Secom - Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Esse amplo estudo, com mais de 18 mil entrevistas, tem como objetivo principal compreender como os cidadãos do país se informam e consomem as diversas mídias. Dentre os entrevistados, 58% afirmaram confiar muito ou sempre no meio Jornal, contra 40% que confiam pouco ou nunca. Na Pesquisa de 2014, esses valores eram de 53% e 45%, respectivamente. Ou seja, o nível de confiança no Jornal cresceu, apesar do avanço das plataformas digitais. Outro ponto importante: dos leitores de Jornal, 50% disseram não fazer nenhuma outra atividade enquanto o consome. Entre os de revista, o índice é de 46%. Já em relação às novas mídias, reina a desconfiança. Respectivamente, 71%, 69% e 67% dos entrevistados disserem confiar pouco ou nada nas notícias veiculadas nas redes sociais, blogs e sites. Em relação à publicidade, 48% dos entrevistados que leem jornal responderam que confiam sempre ou muitas vezes, seguidos dos

Novidades A Secom informa que, na pesquisa de 2015, buscou tanto confirmar os achados mais importantes da pesquisa anterior, de 2014, quanto introduzir algumas novidades como perguntas sobre o uso concomitante dos meios, as razões pelas quais as pessoas utilizam cada uma das mídias investigadas e questões específicas para TV, Rádio, Internet, Jornal e Revista. Também foi alterada a forma de calcular a intensidade de uso dos meios e foram incluídos alguns gráficos de perguntas que existiam no questionário de 2014, mas que não foram utilizadas na publicação.

Na comparação com mídias digitais, apenas os jornais tiveram mais de 50% de confiança

Olivetto Para o publicitário Washington Olivetto, que participou de um painel com a chef Carla Pernambuco, abordando, entre outros assuntos, culinária e comunicação, o Vox reafirmou convicções que são sagradas e que às vezes são esquecidas, como a intuição. “Reafirma algo que é muito óbvio. As grandes revoluções tecnológicas, na verdade, só são interessantes quando renovam comportamentos. A velocidade dessas transformações cresce em progressão geométrica. Quem ainda não mudou no mercado publicitário já ficou atrás do famoso bonde da história”, profetiza.

Progressão geométrica Eduardo "Duda" Melzer, presidente do Grupo RBS, diz que transformações são mais comportamentais do que tecnológicas Foto: Vinícius Costa/Agência Preview

SEJA VERDADEIRO O grupo investiu R$ 2,5 milhões no projeto. Até 2016, o valor deve dobrar, com captações na Europa e na Ásia. O presidente do Grupo RBS, Eduardo Melzer, reforçou que a mudança pela qual a Comunicação está passando é muito mais comportamental do que tecnológica. “Esse conteúdo de alto impacto terá grande utilidade e aplicabilidade não só para a RBS, por isso, resolvemos compartilhar com o mercado. Ele transcende as empresas de comunicação”, reiterou. O Vox será realizado anualmente na capital gaúcha. Sônia Bridi abriu a apresentação do estudo com a premissa #Be True (Seja Verdadeiro). Ela enfatizou a nova habilidade do homem contemporâneo, o bullshit detector, mecanismo que segundo Shane Smith, fundador da Vice, maximiza o pensamento crítico e rejeita a men-

tira e a falsidade. “A transparência torna-se um critério obrigatório e inegociável de profissionais e empresas em todos os setores. O poder é mais fácil de ser obtido, mas mais difícil de ser exercido e pode ser rapidamente perdido”, explicou a jornalista. Entre os entrevistados, estão Nick Bilton, colunista e repórter do The New York Times e James Canton, futurista que colabora com a Casa Branca e com a Apple e é CEO do Institute of Global Futures. Das opiniões captadas, resultaram as premissas #Be True, #Be Trusted (Seja Confiável), #Be Part (Seja Parte), #Think Mobile (Pense Mobile), #Be Beta (Seja Beta), #Think Ahead (Pense à Frente), #Think Higher (Pense Mais Alto), #Be Colaborative (Seja Colaborativo), #Be Intuitive (Seja Intuitivo) e #Be Useful (Seja Útil).

Flavio Bernardi, presidente da Associação Riograndense de Propaganda (ARP),considerou a iniciativa muito oportuna. “Estamos passando por um movimento desafiador e ao mesmo tempo muito instigante para o mercado publicitário. Ninguém sabe as respostas, mas está todo mundo interessado nas perguntas”, reflete. Segundo ele, a comunicação não é mais uma fronteira exata. Além da tecnologia, envolve ainda outras áreas tão básicas do conhecimento, como gastronomia, arte, cultura, que também produzem comunicação. “O mais icônico desse processo de transformação é a necessidade de compartilhar, não só a informação, mas os pontos de vista, a maneira de ver o mundo, a maneira de fazer. A troca mais do que tudo é um valor hoje”.

Óculos do futuro “Trata-se de uma contribuição fundamental. Essa ideia de pesquisar sempre ficou para a academia, inclusive, existia a discussão: a academia pensa e nós fazemos”, comenta Fabian Chelkanoff Thier, coordenador do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). “Se conseguirmos olhar, de maneira conectada, para os 11 elementos (premissas) juntos, conseguiremos colocar em prática aquilo que hoje não estamos conseguindo fazer, que é comunicar para todo mundo”, complementa. Para o professor, as pessoas comuns conseguem um grande alcance pelas redes sociais porque se comunicam de maneira horizontal. “O desafio da universidade é preparar o futuro profissional com os óculos do futuro e não do passado. Não tem alternativa”, conclui.


EVENTO

16

FEVEREIRO/2015

RBS LANÇA ESTUDO INTERNACIONAL SOBRE A REVOLUÇÃO DA COMUNICAÇÃO

É INGÊNUO ACREDITAR QUE O ECOSSISTEMA HOJE EXISTENTE VAI PERDURAR, AFIRMOU ROBERT DARNTON

“O ritmo das mudanças é estonteante, por isso seria ingênuo acreditar que o ecossistema hoje existente no mundo da comunicação vai perdurar. De modo algum. Vai mudar num ritmo espantoso”, afirma o historiador Robert Darnton, diretor da Biblioteca da Harvard Univerity. Seu depoimento faz parte do estudo internacional The Communication (R)Evolution, que reúne mais de 300 horas de entrevistas com 150 expoentes dos mais diversos perfis das áreas comunicação, história, sociologia e tecnologia. A pesquisa, encomendada pelo Grupo RBS, busca aprofundar e elucidar as transformações em curso na sociedade e os seus reflexos para a indústria da informação. O resultado da investigação foi apresentado durante o Vox 2014 para uma platéia de 400 pessoas em Porto Alegre no mês de dezembro. O evento proporcionou 10 horas de palestras mescladas com música, arte e gastronomia. Entre as atrações, o jornalista e escritor Xico Sá, Paulo Lima, da Editora Trip, Rene Silva, do Portal Voz das Comunidades, Roberto Klabin, empresário e fundador da SOS Mata Atlântica, Marco Fisbhen, da Descomplica, e Lorrana Scarpioni, da plataforma Bliive. Uma equipe multidisciplinar visitou universidades, laboratórios de inovação, agências de propaganda, empresas de

Foto: Jeferson Bernardes/Agência Preview

Evento mesclou palestras, música, arte e gastronomia durante dez horas

tecnologia e comunicação, e registrou o pensamento e a percepção dos estudiosos, dos pesquisadores e dos profissionais sobre os impactos da revolução digital na indústria da comunicação. O projeto foi realizado entre julho de 2013 a maio de 2014 no Brasil e no exterior sob a coordenação da cineasta Flavia Moraes, atualmente diretora-geral de Inovação e Linguagem da empresa. “O trabalho ganhou uma dimensão que extrapola o institucional e o mercado e passa a ser um registro histórico do momento em que estamos vivendo, com tantas ideias e especialistas participando. É como se fosse um termômetro da cabeça das pessoas, porque,

acima de tudo, estamos lidando com comportamento”, explica. O conteúdo que, inicialmente, seria transformado em um documentário, esteve a ponto de virar uma minissérie, mas mesmo assim, segundo Flavia, ficaria difícil selecionar oito horas de gravação de um universo tão vasto de 300 horas. A partir do surgimento de assuntos recorrentes, começaram a surgir premissas, as quais passaram a nortear o caminho. A solução encontrada foi criar uma biblioteca virtual e, com isso, os vídeos, sem edição, foram agrupados por temas, que estão disponíveis na plataforma thecommunicationrevolution.com.br.

UNIVERSIDADES APRENDEM Joyce Heurich, 21 anos, estudante de Jornalismo do sexto semestre da Unisinos, percebe que as universidades ainda estão aprendendo a lidar com esse mundo novo. “É uma fase de muita experimentação, inclusive de readaptação dos currículos. Os próprios professores estão tentando se apropriar dessas premissas”. Para a futura jornalista, é importante discutir não só com as universidades, mas com as próprias empresas da área para que possam abrir suas visões de mercado e a forma de fazer Comunicação. “A mudança já foi detectada e isso inquieta todos os comunicadores”, avalia.

Maria Berenice Machado, coordenadora dos cursos de Comunicação da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ficou satisfeita com a pesquisa e concorda com a incerteza. “O projeto tem muita aderência ao que estamos fazendo. Nós não temos certezas, mas intuições para ver o que está acontecendo. As técnicas de fazer o Jornalismo, as Relações Públicas e a Publicidade não mudam, mas a informação que nutre as áreas”.

Angela Ravazzolo, professora do curso de Jornalismo e coordenadora da Área de Pesquisa e TCC da ESPM, tem o mesmo entendimento. “É complexo prever o que vai acontecer daqui a 10 anos, mas é possível afirmar que a essência do jornalismo - apuração rigorosa, a informação e estar atento ao que está acontecendo na sociedade - vai permanecer, e se manifestar em novas plataformas. É para isso que temos de preparar os alunos”, analisa.

9

FEVEREIRO/2015

Dados confirmam mídia de qualidade Para Flávio Steiner, Diretor do Comitê Mercado Anunciante da ANJ, “o jornal é a mídia número um dos formadores de opinião e sinônimo de qualidade. Somos utilizados como fonte por outras mídias e isso é um exemplo muito claro da nossa importância para a sociedade e consequentemente para o mercado publicitário e anunciante”, afirma ele. Segundo Steiner, ano após ano, cresce a participação da plataforma digital dos jornais no investimento publicitário, em alguns casos atingindo até 15% das receitas. “Em diversos grupos de comunicação está ocorrendo convergência dos meios de forma criativa, agregando valor aos leitores e anunciantes, utilizando uma mídia para alavancar a outra”, informa. “Conseguir atenção exclusiva da audiência em tempos de smartphones e second screen (segunda tela) é uma grande demonstração de que é fundamental continuarmos investindo em conteúdo de qualidade para mantermos a relevância de nossas publicações tanto para os leitores quanto para os anunciantes. Apesar da enorme fragmentação no meio digital, os jornais vêm conquistando mais audiência em seus verticais de informação e entretenimento. A chave nesta disputa é levar para o meio digital a credibilidade que os jornais possuem no mundo offline”, assegura Steiner. Para Steiner, em qualquer plataforma, a confiabilidade é extremamente importante. Por isso, os dados da pesquisa de

2015 reforçam a crença no meio Jornal e a disposição para os players seguirem investindo no jornalismo de qualidade. “Essas premissas são importantes tanto para a manutenção de leitores quanto para a atração de novos anunciantes. Zero Hora, por exemplo, que acaba de passar por uma completa reformulação editorial e gráfica, é uma marca que imprime esse conteúdo de qualidade não importa em que plataforma esteja. O desafio é manter a credibilidade, porém adequando-a à linguagem da plataforma que o leitor estará utilizando e na qual a publicidade será veiculada." Atento às mudanças nos hábitos de consumo de mídia e também a outras variáveis, o Comitê Mercado Anunciante já estabeleceu diversas ações para 2015, com destaque para as seguintes: » Utilização de novas métricas para medir o real impacto do meio Jornal para o leitor e para o mercado anunciante. "Não queremos acabar com o uso da circulação mas as métricas de audiência online e offline estão mais alinhadas à linguagem das agências e anunciantes. Da mesma forma, buscamos um novo referencial para o share dos jornais na divisão do bolo-publicitário pois os investimentos publicitários em jornais não aparecem em sua plenitude nas pesquisas atuais." » Marketplace: lançamento de ferramenta com informações de mercado de diversos jornais em um único lugar, » Digital Premium Jornais: produto

Para Antonio Manuel, pesquisas ainda não refletem peso dos jornais no conteúdo disseminado pelos leitores via mídias sociais Foto: Divulgação

único no mercado, no qual o anunciante com apenas uma autorização estará no site de mais de 50 jornais. » Workshops de atualização: de informações e técnicas comerciais a todos associados. » Visitas e presença no mercado anunciante: maior presença nos fóruns de discussões de mídia e publicidade. Ao comentar a pesquisa da Secom, Antonio Manuel Teixeira Mendes, Diretor Superintendente do Grupo Folha, elogia a sua extensão e qualidade. Entre os pontos positivos, está o de constatar o avanço do meio digital, dando números. Outro aspecto importante é o de mostrar que a credibilidade dos jornais seja no meio impresso ou digital é muito grande. “Porém, o que a pesquisa talvez não consiga alcançar é como os jornais estão inseridos no meio digital. Ou seja, ao colocar o tempo de uso da internet comparado com o tempo dedicado pelo cidadão à TV ou mesmo jornais, a pes-

quisa não leva em consideração o papel do internauta na disseminação de notícias”, afirma. Antonio Manuel preocupa-se em detalhar sua posição: hoje, a distribuição de conteúdo informativo não está apenas a cargo dos jornais, mas também nas mãos dos seus leitores que acabam sendo multiplicadores, ao disseminar a notícia nas redes sociais e em outros locais da internet. “O leitor compartilha e replica o conteúdo dos jornais, para informar, comentar e criticar, espalhando a informação de uma maneira e velocidade inimagináveis. Por isso, a audiência dos jornais hoje é muito grande”, argumenta. Nesse cenário, surge a questão da monetização do digital, como a cobrança do conteúdo na internet. Outro aspecto importante é o crescimento do conteúdo jornalístico em smartphones, cujo maior problema é a limitação do tamanho da tela. “Trata-se de um grande desafio para os anunciantes".

A perspectiva do mercado publicitário Na opinião de Márcio Oliveira, presidente da Lew’Lara\TBWA, a pesquisa da SECOM ratifica a campanha de Reposicionamento do Meio Jornal feita por essa agência para a ANJ. “Ela mostra que nosso diagnóstico está corretíssimo, mas o prognóstico é mais lento porque exige uma mudança cultural e comercial. Ressignificar o jornal leva tempo. Exige mudança nas redações e na entrega diária. Exige habilidades novas (nosso mundo de hoje é muito mais vídeo), dinamismo novo, integração total entre on e off, mantendo a credibilidade que trouxe o jornal até aqui hoje. Nossa campanha deixa claro tudo isso”, afirma.

O avanço do meio digital tende a crescer no Brasil. Márcio Oliveira lembra: “somos o segundo país em número de usuários no Facebook, o second screen é mais que uma realidade e o e-commerce cresce muito no varejo. O digital mudou até o conceito de concorrência: hoje, hotéis competem com a AirBnB e os táxis competem com o Uber. O Netflix compete com Hollywood. Tudo isso reflete e molda o comportamento do consumidor, portanto, reflete diretamente no mundo da comunicação que tem a missão de engajar esse mesmo consumidor”. O mobile já superou o computador

desktop e os laptops no Brasil. “Os tablets estagnaram e já se fala em Phablet (celulares com tela maior onde faremos tudo: leitura, social media, compras, assistir a vídeos, etc. O mercado anunciante ainda engatinha nesse mundo. A expressão Mobile First é cada vez mais comum nas agências e clientes no Brasil”, explica Márcio. Na opinião de Márcio Oliveira, a leitura de jornal vem crescendo. “A questão é se estamos pesquisando e perguntando da maneira correta. Pergunte, para o máximo de pessoas que puder em uma manhã, se leram jornal. A maioria vai dizer que não. Aí repita a pergunta, substituindo a pala-

vra jornal pela marca de um jornal. Todos leram, em muitos casos, mais de um. Porém, leram em versões digitais". Por isso ele diz que é preciso ressignificar a palavra jornal. "Os jornais tornaram-se multiplataformas e são mais conhecidos e lidos do que nunca. Se o consumidor não separa a vida digital da vida offline, por que a gente do mercado fica separando?”, questiona. A confiabilidade também pesa: “Quando Eduardo Campos faleceu, tenho certeza de que o Brasil só acreditou após algum jornal dar a notícia. Essa credibilidade ninguém tira", assegura.


10

JORNALISMO/

FEVEREIRO/2015

RBS INVESTE EM MATÉRIA MULTIMÍDIA MILTON CORREIA de São Paulo

As grandes reportagens multimídia conquistam espaço nos jornais brasileiros, a exemplo do que já acontece no exterior. Luiz Antônio Araujo, de Zero Hora, viajou até a fronteira turco-síria para reportar o avanço do poder do Estado Islâmico (EI) e retornou com uma reportagem multimídia, que foi veiculada no impresso, na internet e nas rádios do Grupo RBS, em dezembro último. Ele assina a coluna Olhar Global e já cobriu a guerra do Afeganistão (2001), a revolução no Egito (2011) e a crise na Ucrânia (2014). Na cidade de Kobani, disputada pelo EI e grupos rebeldes sírios, a matéria resultou em caderno de 12 páginas veiculado na edição dominical de Zero Hora. No site, se transformou em narrativa multimídia, com gráficos e galerias de fotos. O leitor encontrou entrevistas e imagens de áreas sob o domínio do EI que compõem pequenos documentários. A ideia era mostrar a vida nessas regiões. O jornalista também ouviu diplomatas e estudiosos nos Estados Unidos, Brasil e Europa para avaliar como esses extremistas montaram seu exército e o que significa a emergência desse grupo. Araujo diz que a escolha do EI deveu-se ao triste impacto das ações desse grupo na conjuntura mundial. As dificuldades foram as de qualquer reportagem sobre a atual guerra na

Reportagem contou a vida sob o domínio do Estado Islâmico

Síria: alto risco para jornalistas no terreno, conflito de versões e informações, hostilidade em relação à imprensa. "Como a fronteira é porosa e há grande número de rebeldes que a cruzam com frequência, além de refugiados e ex-combatentes, pude realizar o trabalho sem ingressar na Síria”, explica. Mas o esforço valeu a pena, pois a resposta dos leitores foi imediata e positiva. A maior repercussão ocorreu nas redes sociais, por meio de comentários, compartilhamentos e outras formas de feedback. Passados dois meses, Araujo ainda fica sabendo de

alguém que acabou de ler a reportagem. Ele diz que a abordagem multiplataforma é uma tradição na RBS. Cotidianamente, repórteres produzem material para distintas mídias e diferentes veículos no decorrer de coberturas diárias. A grande inovação, na reportagem sobre o EI, foi que, pela primeira vez, optou-se por uma matéria especial multimídia internacional. Isso permitiu uma dedicação maior ao planejamento e à edição. “Os recursos multimídia são uma tendência, especialmente quando se trata de grandes eventos. Jornais e sites importantes se voltam para esse formato com o objetivo de explorar melhor os recursos da web. Desse ponto de vista, estamos apenas no início", diz Araujo. Ele acredita que só é possível oferecer tudo isso ao leitor se houver um investimento consciente e sustentado em grandes reportagens.

Folha fez dossiê sobre Belo Monte A Folha de S.Paulo é outro jornal que dá espaço para grandes reportagens multimídia. Em 15 de dezembro de 2013, publicou amplo material sobre a usina de Belo Monte, no Pará, com um dossiê sobre a construção da terceira maior hidrelétrica do mundo. O conteúdo foi veiculado no jornal impresso, no site da Folha de S.Paulo e em vídeos do TV Folha. A matéria inaugurou a série Tudo Sobre, em que grandes temas são explorados em profundidade por meio

de narrativas multiplataforma. O especial sobre Belo Monte exigiu dez meses de trabalho dos jornalistas Marcelo Leite, Mário Kanno, Douglas Lambert e Lalo de Almeida, auxiliados por uma equipe de quinze pessoas. Sergio Dávila, Editor-Executivo da Folha de S.Paulo, diz que, depois desse dossiê, a Folha deu continuidade à série com mais dois projetos multimídia: um sobre a Crise da Água e outro sobre o Golpe de 1964. O plano é fazer pelo menos duas a quatro grandes reporta-

gens por ano. “As reportagens multimídia vieram para ficar. A internet criou um ambiente de interesse por longas narrativas amparadas por recursos multimídia”, afirma Dávila. Esse tipo de reportagem tem diversas vantagens. Permite esgotar o assunto, como um livro animado, e é muito atraente para o leitor que busca informação detalhada. Ele diz que as matérias publicadas pela Folha exigem altos investimentos, mas foram um sucesso de público.

Série ganha reconhecimento internacional A série Diários Secretos da Gazeta do Povo e da RPC foi selecionada pela Rede Mundial de Jornalismo Investigativo como uma das dez mais impactantes do mundo. As reportagens revelaram, em 2010, um esquema milionário de desvio de recursos e contratação de funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa do Paraná. A seleção dos trabalhos foi apresentada em Nova York, em um evento do Google Ideas, para demonstrar o quão relevante é investir em reportagens investigativas. A série recebeu outras importantes premiações, como o Grande Prêmio Esso e o Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, ambos no Brasil, além de ser agraciada com o título de melhor reportagem investigativa da América Latina e com o Global Shining Light Award, prêmio concedido ao mais importante trabalho realizado em países em desenvolvimento. O trabalho foi realizado pelos jornalistas Katia Brembatti, James Alberti, Gabriel Tabatcheik e Karlos Kohlbach, com apoio de uma equipe de mais de 40 profissionais dos dois veículos que fazem parte do Grupo Paranaense de Comunicação (GRPCOM). A repórter Katia Brembatti destaca que o jornalismo desempenha uma função relevante para a sociedade mesmo que o custo seja alto. “Vontade e investimento são necessários para fazer jornalismo investigativo. Requer tempo e dedicação”, diz. Segundo ela, empresas jornalísticas que investem em reportagens aprofundadas ganham um diferencial. Para Katia, a seleção pela Rede Mundial de Jornalismo Investigativo é tão importante como um prêmio. “Mesmo quatro anos depois, a série Diários Secretos ainda repercute e é vista como modelo de jornalismo investigativo. É um assunto que fugiu da esfera jornalística. É tema de teses e dissertações”, comenta. Para José RobertoToledo, presidente da Abraji - Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a série da Gazeta do Povo e da RPC é uma das melhores investigações da história do jornalismo brasileiro porque combina praticamente todos os aspectos do jornalismo investigativo contemporâneo.

FEVEREIRO/2015

15

MÉTRICAS/

IVC PASSA A FAZER AUDITORIA DE EVENTOS MILTON CORREIA de São Paulo

O Instituto Verificador de Circulação (IVC) passa a fazer a auditoria de eventos, além da circulação impressa e online de jornais e revistas. O novo serviço, disponível para todo o mercado, cobre eventos sociais e empresariais, seminários online direcionados ao consumo e àqueles de cunho técnico-científico-cultural. A inserção do Instituto no setor acompanha o desenvolvimento da área, que, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Eventos (Abeoc), cresceu 80% em 2013. O principal objetivo do IVC Brasil é proporcionar números transparentes de audiência dos eventos, para que a comercialização de patrocínios e apoio

seja feita com maior precisão e aproveitamento dos investimentos. As métricas para a auditagem abrangem números de visitas pagas e gratuitas, as características de origem e o perfil dos visitantes. Outras atividades, como palestras, distribuição de brindes e realização de shows, também podem ser auditadas e parametrizadas. Ações realizadas antes, durante e após os eventos fazem parte do processo de auditoria, incluindo emissão de convites, bilheteria, controle de acesso e registros financeiros. O novo serviço foi desenvolvido a partir da experiência de auditoria em outras mídias e da análise das melhores práticas adotadas no Reino Unido, na Austrália e na Finlândia. Segundo Pedro Silva, presidente executivo do IVC, a auditoria é essencial para a oferta de dados isentos e detalhados, num segmento que se tornou forte ponto de contato com diver-

sos públicos. “Os eventos desempenham papel importante na construção de marcas por meio do relacionamento para publishers e anunciantes. O serviço é apontado como tendência pela Federação Internacional dos Institutos Verificadores de Circulação (IFABC, na sigla em inglês) e tem tudo para ser bem-sucedido no Brasil”, enfatiza. A novidade integra a proposta e posicionamento do Instituto, que visa disponibilizar números das mais diversas audiências ao mercado publicitário. Para auditar um evento é preciso ter cadastramento bem-estruturado, saber quem foi convidado, quem compareceu para fazer a conferência e se os números estão corretos. Pedro Silva explica que a auditoria de eventos pode ser usada para duas finalidades: planejamento, para saber o que aconteceu em um determinado

A INICIATIVA INTEGRA PROJETO DE REPOSICIONAMENTO DO INSTITUTO

VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO

evento, e também para o pós-venda. Isso porque os patrocinadores querem expor suas marcas para as pessoas certas. Portanto, necessitam ter mensagens adequadas a cada um dos diferentes públicos. Interessados em se associar ao Instituto em função do novo serviço precisam ter, pelo menos, um evento para filiar. A contribuição mensal varia de acordo com a quantidade de visitantes do evento ou da soma deles, nos casos em que houver mais de um evento. O prazo para disponibilização dos números do evento auditado é de dez dias e os relatórios trazem, entre outras informações: descrição do evento; média, origem e perfil dos visitantes; esclarecimentos gerais e parecer da auditoria. Outras informações e o pedido de filiação podem ser acessados no Portal IVC Brasil (www.ivcbrasil.org.br).

Jornais aprovam Os jornais aprovaram a nova auditoria de eventos do IVC. “Sempre existiu muita subjetividade no retorno que ações de live marketing dão para cada patrocinador. Será um ganho para o setor se conseguirmos quantificar isso"”, afirma Rodrigo Mathias, gerente-executivo da Engage, unidade de eventos do Grupo RBS. Por sua vez, Sérgio Abdon, Gerente de Projetos Especiais da Infoglobo, explica que existem alguns parâmetros diretos para determinar o sucesso de um evento, como o volume de público e a quantidade de patrocinadores. Em contrapartida, também são importantes outros indicadores cuja aferição não é simples, como a experiência de marca. “A existência de mais dados no setor vai facilitar o acesso do mercado a esse tipo de informação e, para as empresas que promovem eventos, gerar argumentos de venda auditados por uma entidade especializada”, acredita. Segundo Rodrigo Mathias, do Grupo RBS, os negócios tradicionais

da indústria da comunicação utilizam métricas quantitativas como circulação e audiência. Essa abordagem consegue mostrar para o cliente final qual retorno o produto gera para a marca. “Nos eventos, até agora, tínhamos o impacto in loco, mas não sabíamos como isso repercutia em outras esferas. Agora, ficará um pouco mais tangível”, acredita. Outro jornal que investe na realização de eventos é o Estadão. Ernesto Bernardes, diretor de Projetos Especiais de O Estado de S.Paulo, diz que, como em todas as mídias, a decisão de investir em um evento depende de uma expectativa de retorno. Nesse aspecto, os dados auditados pelo IVC são interessantes, porque permitem que os patrocinadores se sintam mais confiantes ao avaliar sua decisão de investimento. Mas a importância desse indicador precisa ser posta em perspectiva: no caso de eventos realizados por veículos importantes, o patrocinador não compra somente um público de x pessoas, mas também a qualida-

Eventos promovidos pelo Valor Econômico têm grande procura por parte de empresários Foto: Divulgação

de desse público, a qualidade do debate, a divulgação antes do acontecimento, a cobertura pós-evento a repercussão em mídias sociais. O Valor Econômico, jornal segmentado especializado em Economia e Negócios, realiza eventos voltados ao seu público constituído majoritariamente por executivos e CEOs de

empresas. “Assim como é muito importante a verificação do número real de leitores, é sempre importante para empresas organizadoras de eventos, patrocinadores e público ter dados confiáveis e verificáveis de audiência. No caso, nosso foco é a qualificação. Mensurar isso é importante”, diz Carlos Raíces, diretor de Eventos.


FEVEREIRO/2015

Modelos para todos os gostos O panorama no exterior endossa a boa expectativa dos veículos brasileiros em relação aos celulares. A já mencionada edição da Wired, de janeiro de 2015, trouxe uma análise sobre startups de conteúdo digital, como Circa e Buzzfeed que são focadas, especialmente, em dispositivos móveis. Essas iniciativas, além de outras como News Republic e Omni, são agregadores/curadores nascidos 100% digitais e exploram ao máximo funcionalidades móveis, como personalização e alertas, além de adaptar textos e a disposição de conteúdos para a tela pequena. “O Circa, por exemplo, ajuda o leitor a entender que o produto não é uma publicação adaptada para a plataforma móvel, mas sim uma publicação móvel”, avalia David Sancha. Além de “pure players”, jornais como NYT e Telegraph apostam em produtos móveis para enriquecer ofertas de conteúdo e converter usuários para dentro de seus paywalls. Já o USA Today ganhou o prêmio de “Mobile Publisher of the Year”, do Mobile Marketer Awards, por uma postura agressiva em relação ao meio, com conteúdos para nichos, curadoria de Twitter e aplicativos para segmentos de sua audiência, como estudantes universitários. Já o caso do Le Parisien, com uma aplicação super local, é um exemplo de serviço freemium para atrair novos leitores, como aponta a jornalista Cecília Campbell (leia entrevista ao lado). Para Fabrício Bloisi, que trabalha com aplicativos fremium como o Playkids (de vídeos e desenhos para crianças), os produtores de conteúdo precisam se reinventar, o que inclui não apenas foco no conteúdo, mas também na estratégia de monetização do canal: “o modelo de negócios em que acreditamos é o freemium, no qual o usuário tem alguma experiência de graça e paga para uma experiência completa. Com certeza acreditamos que há espaço para cobrar por serviços excelentes. Hoje a App Store vende US$ 10 bilhões por ano, e esse número vai continuar crescendo. Com certeza a reinvenção das empresas de conteúdo passa por uma estratégia de monetização pelo canal mobile”.

Cecília Campebell é consultora sobre mídia digital da WAN - IFRA

Entrevista

Um olhar global Confira abaixo uma entrevista com Cecília Campbell, jornalista especializada em mídia digital e consultora global da WAN-IFRA. No final de 2014, Cecília esteve no Brasil, com um grupo de executivos de jornais estrangeiros que participam do “WAN-IFRA’s Executive Programmes,” para visitar alguns dos principais veículos no Brasil. O encontro também rendeu uma entrevista sobre a mídia móvel, que traz uma visão global de uma jornalista nascida na Suécia - um dos países mais maduros do mundo em mídia móvel.

1

2

Divulgação

(PAULO HENRIQUE FERREIRA)

3 Fabricio Bloisi é CEO da Movile que desenvolve aplicativos freemium

Como você vê o crescimento de consumo de notícias pelo celular, a partir de uma perspectiva histórica? Há 15 anos, com exceção de alguns experimentos com tecnologia WAP na Escandinávia, o celular não era uma mídia. O lançamento do iPhone em 2007 mudou isso, porém, não do dia para noite. Os produtores de notícias continuaram focados no crescimento de audiência e receita dos sites para desktop até 2011-2012. Nessa época, a mídia social contribuiu para mover os consumidores para o smartphone, o mais privativo e móvel dos dispositivos. Em 2012, 60% do tráfego do Facebook já era por celulares. Então, agora, os produtores tradicionais de notícias encaram o desafio de competir por consumidores no mobile, não apenas com outros produtores, mas com aplicativos em geral, como Twitter, CandyCrush e Snapshat. Para você, quais são os fatores de sucesso para um produto móvel? Você pode citar alguns exemplos? Em geral, dois fatores principais determinam a boa experiência do usuário: usabilidade e utilidade. Na perspectiva do usuário, o design é peça fundamental. Os produtores devem resisitir à tentação de simplesmente transferir a experiência do desktop para o celular. Essa nova experiência deve levar em conta as funcionalidades do device, como localização, mobilidade, imediatismo e privacidade. Aplicativos agregadores de notícias, como Circa, de São Francisco, e Omni, da Suécia, são bons exemplos de experiência de usuários para mobile. Yahoo Digest é outro bom exemplo, pois foi criado por um time com 80% de designers focados em mobile e 20% de pessoas de conteúdo, o que releva muito o foco do produto. Sobre modelos de negócios, seja publicidade ou assinaturas, quais são os desafios para os publishers? Na publicidade, tem sido muito difícil para os produtores de notícia cobrarem taxas premium dos anunciantes de mobile, ou mesmo taxas que se comparem ao desktop. Mas agora estão surgindo casos de sucesso de anúncios no celular com formatos e entregas no contexto de “como” e “onde” eles são servidos. Segundo o IAB, em 2017, mais da metade do dinheiro investido em mídia móvel nos EUA será baseada em geolocalização. Também um número grande de produtores na Europa e nos EUA estão cobrando por seu conteúdo digital, e o conteúdo móvel constitui uma parte importante dessa oferta. Alcançar uma boa taxa de conversão no celular é um verdadeiro desafio. Ainda existem outras experiências como é o caso do Le Parisien, que lançou um aplicativo com um serviço superlocal, com informações para diferentes áreas de Paris. O objetivo é oferecer um serviço freemium, que vai do gratuito, para atrair usuários que não são assinantes, até 13 euros por mês para assinatura dos principais produtos digitiais.

11

FEVEREIRO/2015

TECNOLOGIA

TECNOLOGIA/

14

NOTÍCIAS NO CELULAR, UMA REALIDADE Os celulares são o dispositivo eletrônico de mais rápida penetração da história. No Brasil, ao final de 2014, já havia 300 milhões de aparelhos habilitados. Desde seu surgimento, são considerados como uma promessa de audiência, formatos e

Há mais de uma década o celular tem sido apontado por muitos especialistas como a mídia de maior capilaridade da história. Desde os idos de 2000 - com surgimento de protocolos como SMS e WAP -, o dispositivo atraiu a atenção de produtores de conteúdo e foi apontado como uma promessa de audiência, formatos e monetização. O tempo passou, as redes de telefonia evoluíram, o iPhone completou 8 anos como um paradigma de comunicador pessoal móvel (ou smartphones, como a indústria ainda prefere denominar) e, de uma forma consistente, o celular tomou a dianteira entre os suportes de mídia no país e no mundo. Para Mat Honan, jornalista da revista Wired, em edição de janeiro de 2015, o smartphone já é “o” canal para entrega de notícia. “Não importa o que você está fazendo – comendo, bebendo, vendo um filme – a notícia te acessa. As histórias vêm em notificações de alertas e de mídias sociais em um fluxo que não para. Existe apenas um verdadeiro canal agora e provavelmente está em seu bolso (ou sua mão) neste momento”. Nessa recente edição da Wired – cujo debate sobre as transformações da mídia ganhou a capa da revista –, Honan revela que 50% dos americanos já acessam notícias pelo celular. E, como o jornalista bem escreve, “essas métricas só sobem, sobem, sobem. A questão para os produtores de notícias não é como trazer audiência para seus sites, mas sim como se incluírem na vida de sua audiência”. No Brasil, assim como no mercado americano, essas métricas só sobem. O país fechou 2014 rumo aos 300 milhões de celulares habilitados. A penetração de smartphones no Brasil já representa mais de 30% da base total e impulsiona o crescimento da rede 3G, com quase 50% das linhas. “A oferta de conteúdo para celular acompanhou as mudanças tecnológicas dos últimos 10 anos. Dos celulares com menos recursos, hoje temos o smartphones conectados às redes 3G e 4G, que promoveu mudanças nos paradigmas tecnológicos e comerciais”, explica o jornalista Fernando Paiva, editor do portal Mobile Time, especializado no mercado de mobilidade.

O USO DOS CELULARES PARA A DIFUSÃO DE CONTEÚDO JORNALÍSTICO

CRESCE RAPIDAMENTE. NELE, "A NOTÍCIA ACESSA A AUDIÊNCIA"

monetização. Nas próximas páginas, Paulo Henrique Ferreira, jornalista, diretor de mídias digitais do Grupo LANCE! e membro do Comitê de Estratégias Digitais da ANJ, explora a evolução do celular como plataforma para o jornalismo.

Divulgação

Uso de celulares foi destaque na edição de janeiro da Wired

Notícias no celular: uma introdução ao tema Em novembro de 2005, o jornalista Paulo Henrique Ferreira, hoje diretor de mídias digitais do Grupo LANCE!, obteve o título de Mestre em Ciências da Comunicação, na ECA-USP. Com o título “Notícias no celular: uma introdução ao tema”, a dissertação foi pioneira no país ao abrir uma frente de pesquisa do jornalismo e de novas tecnologias, tendo o telefone celular como um dispositivo de mídia emergente. Para a dissertação foram entrevistadas empresas como Folha de São Paulo, O Estado de S.Paulo, iG, Terra, Abril, Trip, entre outros publishers, que já tinham iniciativas de conteúdo voltadas para a telinha. A pesquisa teve reconhecimento internacional, como no blog “Smart Mobs” de Howard Rheingold, e nacional, em diversas pesquisas de doutorado, mestrado e TCCs. A íntegra da dissertação está disponível na biblioteca da ECA-USP e também por download: http://migre.me/oiECc. (Carlos Müller)


12

TECNOLOGIA/

FEVEREIRO/2015

DOS JARDINS MURADOS À INTERNET ABERTA

COM O CRESCIMENTO DA BASE DE SMARTPHONES, OS SITES MÓVEIS E APLICATIVOS PASSAM A SER OS CANAIS PRIORITÁRIOS DE OFERTA DE CONTEÚDO

O novo paradigma, estabelecido pelo celular como suporte de mídia impacta nos modelos de negócios e formatos de distribuição de notícias. “No ano 2000, distribuíamos conteúdo via mensagens de texto e WAP, que estava nascendo. Desde aquela época acreditávamos que levar entretenimento e informação a qualquer lugar seria de muito valor para os usuários. Hoje sabemos que os smartphones vão ser o principal meio de acesso à Internet, e em 4 anos vão conectar 5 bilhões de pessoas à Internet”, diz Fabrício Bloisi, CEO da Movile, empresa brasileira líder em tecnologia móvel e dona de aplicações como Playkids, Apontador e iFood. Além de empresas de base tecnológica como a Movile, grupos de mídia como o Abril, Folha de S.Paulo, Terra, iG, entre outros, também se estruturaram para oferecer boletins de SMS e conteúdo via WAP nos “jardins murados” das operadoras, cobrando por assinatura, por envio de mensagem ou por tempo de navegação, com divisão de receita entre as operadoras. “No entanto, essa dinâmica está mudando, pois os produtores de notícias não precisam mais das operadoras. Com o crescimento da base de smartphones, os sites móveis e aplicativos passam a ser os canais prioritários de oferta de conteúdo para os usuários”, completa Fernando Paiva. Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, publicada pela Secom, o acesso à Internet via celular já está

Acesso via celular já alcança o via desktop, mostra a pesquisa da SECOM

alcançando o acesso via desktop. Segundo o estudo, 71% acessam a Internet via computador e 66% via celular. Os tablets se restringem apenas a 7% dos entrevistados. Dos entrevistados que usam a Internet (49% da população brasileira, segundo o estudo), 67%

a utilizam para o consumo de notícias e informações. Segundo o jornalista espanhol David Sancha, COO da Sol90 Labs, empresa especializada em projetos digitais para produtores de conteúdo, os números brasileiros são animadores: “O Brasil é o país da América do Sul que mais cresce em usuários de celulares, com mais de um dispositivo por pessoa. Nesse contexto, o celular se converteu em um dispositivo essencial de acesso à informação, afinal 57% dos usuários brasileiros de smartphones declaram que usam o dispositivo para ler notícias. À medida que a penetração deses aparelhos aumentar, esse uso se ampliará”. (PAULO HENRIQUE FERREIRA)

ADEQUAR CONTEÚDO É O DESAFIO Além da escolha entre site móvel ou aplicativos – ou ambos –, a adequação do conteúdo é outro desafio para os veículos, que precisam entender o device não apenas como mais um canal de distribuição, mas como a porta de entrada de um novo público consumidor de sua marca. Segundo Melissa Beltrão, gerente-geral de Negócios Digitais de O Globo, o meio é uma oportunidade de os jornais se aproximarem dos jovens leitores: “Nós temos o desafio extraordinário de atrair os jovens pelo celular. Quase não existe mais o hábito da leitura do suporte de papel ou da versão ‘flip’ dos tablets entre os jovens. Então é preciso repensar como adequar o conteúdo produzido nas telas de celular e como conseguir atrair esse leitor”. A executiva aponta que cerca de 30% da audiência do O Globo já acessa o site pelo celular.

Para Bruno Vilela, Diretor de Desenvolvimento de Produtos de O Popular, a experiência com o Expresso também foi um catalizador de mudança cultural não apenas para os usuários, mas também para os jornalistas. “O Expresso representou um amadurecimento da edição. Tags corretas, fotos em todas as matérias, preocupação com métricas, esses elementos típicos da cultura digital receberam um estimulo sem precedência após o lançamento do Expresso”. David Sancha, COO da Sol90 Labs, entende que a compreensão do meio, tanto no ponto de vista técnico, quanto de edição do conteúdo deve ser uma prioridade de qualquer publicação digital: “tendo em conta que, em muitas publicações, mais de 40% dos usuários já acessam os conteúdos via smartphones, é necessário dedicar esforços à

adaptação desses conteúdos: textos curtos e precisos, menus intuitivos, fotos e vídeos, todos esses elementos devem ser adaptados à edição mobile de qualquer publicação digital hoje em dia”. Fabrício Bloisi, CEO da Movile, com base em sua própria experiência na empresa, aconselha que os veículos tenham foco para conquistar uma posição relevante no meio móvel: “não dá para ter sucesso em mobile sem priorizar os negócios mobile. Vejo muitas empresas comprarem de um terceiro uma app, publicar e cruzar os dedos para que funcione. Não é o suficiente. O resultado se consegue por meio de dezenas de interações diárias até acertar, lideradas por uma equipe de alta performance e focada nessa mídia. A indústria de mídia impressa precisa dessa abordagem para vencer no mobile”. (PAULO HENRIQUE FERREIRA)

13

FEVEREIRO/2015

Viabilidade Os publishers brasileiros já experimentam crescimento de suas versões para celular. Em recente comunicado à imprensa, o Grupo LANCE! – onde eu trabalho como diretor de mídias digitais – anunciou que o número de usuários únicos ao seu site móvel cresceu 127% de 2013 para 2014. Segundo a Comscore de dezembro de 2014, é a décima maior propriedade em pageviews na internet móvel brasileira. Em dias de jogos e fins de semana, a plataforma já representa mais de 50% da audiência da versão do LANCENET! para desktop. Já O Globo, além de ter atualizado sua versão para browser em 2014, tem usado a experiência com aplicativos para aprender a oferecer serviços de geolocalização e alertas – recursos nativos de aplicativos e não de sites móveis. Segundo Melissa Beltrão, head de produtos digitais, a experiência de o O Globo com aplicativos tem sido importante como aprendizado. “Nosso aplicativo VaiRio sobre trânsito nos ensinou muito sobre como desenvolver e utilizar funcionalidades de geolocalização e alertas integradas com o CMS da redação”. O VaiRio teve mais de 200 mil downloads e tem uma base de 90% de usuários ativos. O desenvolvimento de aplicativos faz sentido caso o publisher tenha como ofertar diferentes conteúdos e serviços para as distintas aplicações. “Não adianta ter um aplicativo que simplesmente oferece o mesmo conteúdo do site móvel. Só faz sentido se tiver serviços exclusivos, que justifiquem o uso de aplicativo”, pondera Melissa. “Até porque o roadmap de atualização dos aplicativos é muito agressivo. Então o produtor tem de estar muito certo do que vai oferecer para decidir desenvolver um aplicativo ao invés de um site móvel”, completa a executiva. Bruno Vilela, Diretor de Desenvolvimento de Produtos de O Popular, de Goiânia/GO, concorda e

Melissa destaca experiência com aplicativos Foto: Divulgação

recomenda que a primeira opção para um entrante nos smartphones deve ser um site móvel: “os aplicativos, além de exigirem desenvolvimento e manutenção em diferentes plataformas, dificulta a consolidação dos dados de audiência e coloca o sistema operacional – IOS, Android ou Windows – entre o produtor de notícias e o usuário”. Portanto, no projeto o Expresso – uma versão simplificada e aberta das notícias produzidas pela redação de O Popular lançada em 2014 –, a opção escolhida foi justamente o site móvel: “No início de 2014, quando o número de acessos ao site de O Popular excedeu 15% de acesso, a gente acendeu um sinal vermelho, pois não tínhamos uma versão

móvel. Então, comoaprendizado e para atender essa audiência crescente, ficou claro que teríamos de desenvolver um site móvel. Aí desenvolvemos o Expresso, bem ao estilo BuzzFeed”. Vilela conta que, para o desenvolvimento do Expresso, a premissa era oferecer uma boa experiência para o usuário, com rápido carregamento. “Velocidade de carregamento é o indicador número 1 para um projeto mobile, considerando a rede brasileira”, avalia. Hoje, os acessos ao site móvel já representam 49% dos acessos da audiência digital do site de O Popular. Na discussão entre aplicativos e site móvel, alguns veículos apostam em uma versão híbrida, que disponibiliza um atalho nas lojas de aplicativos para a versão do site móvel. É o caso da Folha de S.Paulo. Segundo Paulo Schiavon, Diretor de Publicidade e Negócios Digitais da Folha, “temos um WebApp disponível para instalação nas lojas da Apple e do Android, além de também ser acessível nos browsers dos dispositivos móveis. O produto é tratado da mesma forma técnica, conteúdo e comercial por quem acessa via browser ou instalando diretamente o ícone pelas lojas de aplicativos”. O executivo ainda aponta que cerca de 35% dos acessos à Folha são feitos por dispositivos móveis, chegando a picos acima de 40%. Já o Estado de S.Paulo aposta na manutenção de ambas as modalidades, com diferentes objetivos. “Temos uma constante preocupação em aprimorar a experiência tanto nos nossos apps, como no site móvel. Hoje, os investimentos estão direcionados para ambos os produtos”, conta Luciana Cardoso, Gerente de Tecnologia e Conteúdo da empresa. “O lançamento mais recente foi o Estadão Favoritos, aplicativo para dispositivos móveis que reúne os melhores artigos e análises publicados no jornal, conteúdos selecionados e enriquecidos com recursos multimídia, como vídeos, áudios e infográficos interativos”. As propriedades móveis do Estadão já são responsáveis por 42% das visitas. (PAULO HENRIQUE FERREIRA)

Estoque de publicidade é menor O entendimento do meio é prioridade não apenas porque o acesso via smartphones é crescente, mas porque o device traz consigo ainda mais desafios de monetização para os produtores de notícias. “Agora temos de ser ainda mais eficientes em prender a atenção das pessoas. No celular, o consumo é mais rápido, você tende a diminuir o número de páginas por acesso e diminui o estoque da publicidade. Então, o desafio é fazer o conteúdo ter sentido para os leitores da marca”, observa Rafael Silveira, head de mídia digital de A Gazeta, de Vitória/ES. Rafael aponta que, segundo análises de mercado, a receita por página do mobile representa, em média, apenas um terço da receita por página da web. Assim, apesar do rápido crescimento da

audiência, as formas de monetização ainda engatinham. Para David Sancha, COO da Sol90 Labs, “nos USA, o uso do celular concentra mais de 20% da atenção dos usuários entre os diferentes meios, mas só atrai 6% dos investimentos em publicidade. Será necessário buscar novos formatos e modelos para atrair investimento e o dispositivo alcançar um alto nível de desempenho”. João Carvalho, diretor geral da Hands Mobile, adnetwork especializada em mídia móvel, enxerga que já existe espaço do mercado anunciante por formatos diferenciados. “Hoje, por incrível que pareça, falta inventário premium em portais móveis. Para campanhas específicas, há uma demanda crescente no mercado, para formatos diferenciados, como richmedia”. O executivo sustenta que o

publisher deve entender que existem oportunidades para o desenvolvimento de formatos diferenciados e não apenas a entrega de display. “O mobile oferece mais oportunidades de interação com resultados melhores, pois o usuário é exposto a menos anúncios durante a navegação”, completa. Paulo Schiavon confirma a expectativa de crescimento da Folha de S.Paulo para este ano. “Já temos venda direta e venda programática de nosso inventário mobile. Não posso abrir a porcentagem, mas posso dizer que a participação no todo ainda é pequena. Porém, há expectativa de um crescimento representativo ainda em 2015, a partir da expansão do acesso à Folha por dispositivos móveis, especialmente smartphones”. (PAULO

HENRIQUE FERREIRA)


12

TECNOLOGIA/

FEVEREIRO/2015

DOS JARDINS MURADOS À INTERNET ABERTA

COM O CRESCIMENTO DA BASE DE SMARTPHONES, OS SITES MÓVEIS E APLICATIVOS PASSAM A SER OS CANAIS PRIORITÁRIOS DE OFERTA DE CONTEÚDO

O novo paradigma, estabelecido pelo celular como suporte de mídia impacta nos modelos de negócios e formatos de distribuição de notícias. “No ano 2000, distribuíamos conteúdo via mensagens de texto e WAP, que estava nascendo. Desde aquela época acreditávamos que levar entretenimento e informação a qualquer lugar seria de muito valor para os usuários. Hoje sabemos que os smartphones vão ser o principal meio de acesso à Internet, e em 4 anos vão conectar 5 bilhões de pessoas à Internet”, diz Fabrício Bloisi, CEO da Movile, empresa brasileira líder em tecnologia móvel e dona de aplicações como Playkids, Apontador e iFood. Além de empresas de base tecnológica como a Movile, grupos de mídia como o Abril, Folha de S.Paulo, Terra, iG, entre outros, também se estruturaram para oferecer boletins de SMS e conteúdo via WAP nos “jardins murados” das operadoras, cobrando por assinatura, por envio de mensagem ou por tempo de navegação, com divisão de receita entre as operadoras. “No entanto, essa dinâmica está mudando, pois os produtores de notícias não precisam mais das operadoras. Com o crescimento da base de smartphones, os sites móveis e aplicativos passam a ser os canais prioritários de oferta de conteúdo para os usuários”, completa Fernando Paiva. Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, publicada pela Secom, o acesso à Internet via celular já está

Acesso via celular já alcança o via desktop, mostra a pesquisa da SECOM

alcançando o acesso via desktop. Segundo o estudo, 71% acessam a Internet via computador e 66% via celular. Os tablets se restringem apenas a 7% dos entrevistados. Dos entrevistados que usam a Internet (49% da população brasileira, segundo o estudo), 67%

a utilizam para o consumo de notícias e informações. Segundo o jornalista espanhol David Sancha, COO da Sol90 Labs, empresa especializada em projetos digitais para produtores de conteúdo, os números brasileiros são animadores: “O Brasil é o país da América do Sul que mais cresce em usuários de celulares, com mais de um dispositivo por pessoa. Nesse contexto, o celular se converteu em um dispositivo essencial de acesso à informação, afinal 57% dos usuários brasileiros de smartphones declaram que usam o dispositivo para ler notícias. À medida que a penetração deses aparelhos aumentar, esse uso se ampliará”. (PAULO HENRIQUE FERREIRA)

ADEQUAR CONTEÚDO É O DESAFIO Além da escolha entre site móvel ou aplicativos – ou ambos –, a adequação do conteúdo é outro desafio para os veículos, que precisam entender o device não apenas como mais um canal de distribuição, mas como a porta de entrada de um novo público consumidor de sua marca. Segundo Melissa Beltrão, gerente-geral de Negócios Digitais de O Globo, o meio é uma oportunidade de os jornais se aproximarem dos jovens leitores: “Nós temos o desafio extraordinário de atrair os jovens pelo celular. Quase não existe mais o hábito da leitura do suporte de papel ou da versão ‘flip’ dos tablets entre os jovens. Então é preciso repensar como adequar o conteúdo produzido nas telas de celular e como conseguir atrair esse leitor”. A executiva aponta que cerca de 30% da audiência do O Globo já acessa o site pelo celular.

Para Bruno Vilela, Diretor de Desenvolvimento de Produtos de O Popular, a experiência com o Expresso também foi um catalizador de mudança cultural não apenas para os usuários, mas também para os jornalistas. “O Expresso representou um amadurecimento da edição. Tags corretas, fotos em todas as matérias, preocupação com métricas, esses elementos típicos da cultura digital receberam um estimulo sem precedência após o lançamento do Expresso”. David Sancha, COO da Sol90 Labs, entende que a compreensão do meio, tanto no ponto de vista técnico, quanto de edição do conteúdo deve ser uma prioridade de qualquer publicação digital: “tendo em conta que, em muitas publicações, mais de 40% dos usuários já acessam os conteúdos via smartphones, é necessário dedicar esforços à

adaptação desses conteúdos: textos curtos e precisos, menus intuitivos, fotos e vídeos, todos esses elementos devem ser adaptados à edição mobile de qualquer publicação digital hoje em dia”. Fabrício Bloisi, CEO da Movile, com base em sua própria experiência na empresa, aconselha que os veículos tenham foco para conquistar uma posição relevante no meio móvel: “não dá para ter sucesso em mobile sem priorizar os negócios mobile. Vejo muitas empresas comprarem de um terceiro uma app, publicar e cruzar os dedos para que funcione. Não é o suficiente. O resultado se consegue por meio de dezenas de interações diárias até acertar, lideradas por uma equipe de alta performance e focada nessa mídia. A indústria de mídia impressa precisa dessa abordagem para vencer no mobile”. (PAULO HENRIQUE FERREIRA)

13

FEVEREIRO/2015

Viabilidade Os publishers brasileiros já experimentam crescimento de suas versões para celular. Em recente comunicado à imprensa, o Grupo LANCE! – onde eu trabalho como diretor de mídias digitais – anunciou que o número de usuários únicos ao seu site móvel cresceu 127% de 2013 para 2014. Segundo a Comscore de dezembro de 2014, é a décima maior propriedade em pageviews na internet móvel brasileira. Em dias de jogos e fins de semana, a plataforma já representa mais de 50% da audiência da versão do LANCENET! para desktop. Já O Globo, além de ter atualizado sua versão para browser em 2014, tem usado a experiência com aplicativos para aprender a oferecer serviços de geolocalização e alertas – recursos nativos de aplicativos e não de sites móveis. Segundo Melissa Beltrão, head de produtos digitais, a experiência de o O Globo com aplicativos tem sido importante como aprendizado. “Nosso aplicativo VaiRio sobre trânsito nos ensinou muito sobre como desenvolver e utilizar funcionalidades de geolocalização e alertas integradas com o CMS da redação”. O VaiRio teve mais de 200 mil downloads e tem uma base de 90% de usuários ativos. O desenvolvimento de aplicativos faz sentido caso o publisher tenha como ofertar diferentes conteúdos e serviços para as distintas aplicações. “Não adianta ter um aplicativo que simplesmente oferece o mesmo conteúdo do site móvel. Só faz sentido se tiver serviços exclusivos, que justifiquem o uso de aplicativo”, pondera Melissa. “Até porque o roadmap de atualização dos aplicativos é muito agressivo. Então o produtor tem de estar muito certo do que vai oferecer para decidir desenvolver um aplicativo ao invés de um site móvel”, completa a executiva. Bruno Vilela, Diretor de Desenvolvimento de Produtos de O Popular, de Goiânia/GO, concorda e

Melissa destaca experiência com aplicativos Foto: Divulgação

recomenda que a primeira opção para um entrante nos smartphones deve ser um site móvel: “os aplicativos, além de exigirem desenvolvimento e manutenção em diferentes plataformas, dificulta a consolidação dos dados de audiência e coloca o sistema operacional – IOS, Android ou Windows – entre o produtor de notícias e o usuário”. Portanto, no projeto o Expresso – uma versão simplificada e aberta das notícias produzidas pela redação de O Popular lançada em 2014 –, a opção escolhida foi justamente o site móvel: “No início de 2014, quando o número de acessos ao site de O Popular excedeu 15% de acesso, a gente acendeu um sinal vermelho, pois não tínhamos uma versão

móvel. Então, comoaprendizado e para atender essa audiência crescente, ficou claro que teríamos de desenvolver um site móvel. Aí desenvolvemos o Expresso, bem ao estilo BuzzFeed”. Vilela conta que, para o desenvolvimento do Expresso, a premissa era oferecer uma boa experiência para o usuário, com rápido carregamento. “Velocidade de carregamento é o indicador número 1 para um projeto mobile, considerando a rede brasileira”, avalia. Hoje, os acessos ao site móvel já representam 49% dos acessos da audiência digital do site de O Popular. Na discussão entre aplicativos e site móvel, alguns veículos apostam em uma versão híbrida, que disponibiliza um atalho nas lojas de aplicativos para a versão do site móvel. É o caso da Folha de S.Paulo. Segundo Paulo Schiavon, Diretor de Publicidade e Negócios Digitais da Folha, “temos um WebApp disponível para instalação nas lojas da Apple e do Android, além de também ser acessível nos browsers dos dispositivos móveis. O produto é tratado da mesma forma técnica, conteúdo e comercial por quem acessa via browser ou instalando diretamente o ícone pelas lojas de aplicativos”. O executivo ainda aponta que cerca de 35% dos acessos à Folha são feitos por dispositivos móveis, chegando a picos acima de 40%. Já o Estado de S.Paulo aposta na manutenção de ambas as modalidades, com diferentes objetivos. “Temos uma constante preocupação em aprimorar a experiência tanto nos nossos apps, como no site móvel. Hoje, os investimentos estão direcionados para ambos os produtos”, conta Luciana Cardoso, Gerente de Tecnologia e Conteúdo da empresa. “O lançamento mais recente foi o Estadão Favoritos, aplicativo para dispositivos móveis que reúne os melhores artigos e análises publicados no jornal, conteúdos selecionados e enriquecidos com recursos multimídia, como vídeos, áudios e infográficos interativos”. As propriedades móveis do Estadão já são responsáveis por 42% das visitas. (PAULO HENRIQUE FERREIRA)

Estoque de publicidade é menor O entendimento do meio é prioridade não apenas porque o acesso via smartphones é crescente, mas porque o device traz consigo ainda mais desafios de monetização para os produtores de notícias. “Agora temos de ser ainda mais eficientes em prender a atenção das pessoas. No celular, o consumo é mais rápido, você tende a diminuir o número de páginas por acesso e diminui o estoque da publicidade. Então, o desafio é fazer o conteúdo ter sentido para os leitores da marca”, observa Rafael Silveira, head de mídia digital de A Gazeta, de Vitória/ES. Rafael aponta que, segundo análises de mercado, a receita por página do mobile representa, em média, apenas um terço da receita por página da web. Assim, apesar do rápido crescimento da

audiência, as formas de monetização ainda engatinham. Para David Sancha, COO da Sol90 Labs, “nos USA, o uso do celular concentra mais de 20% da atenção dos usuários entre os diferentes meios, mas só atrai 6% dos investimentos em publicidade. Será necessário buscar novos formatos e modelos para atrair investimento e o dispositivo alcançar um alto nível de desempenho”. João Carvalho, diretor geral da Hands Mobile, adnetwork especializada em mídia móvel, enxerga que já existe espaço do mercado anunciante por formatos diferenciados. “Hoje, por incrível que pareça, falta inventário premium em portais móveis. Para campanhas específicas, há uma demanda crescente no mercado, para formatos diferenciados, como richmedia”. O executivo sustenta que o

publisher deve entender que existem oportunidades para o desenvolvimento de formatos diferenciados e não apenas a entrega de display. “O mobile oferece mais oportunidades de interação com resultados melhores, pois o usuário é exposto a menos anúncios durante a navegação”, completa. Paulo Schiavon confirma a expectativa de crescimento da Folha de S.Paulo para este ano. “Já temos venda direta e venda programática de nosso inventário mobile. Não posso abrir a porcentagem, mas posso dizer que a participação no todo ainda é pequena. Porém, há expectativa de um crescimento representativo ainda em 2015, a partir da expansão do acesso à Folha por dispositivos móveis, especialmente smartphones”. (PAULO

HENRIQUE FERREIRA)


FEVEREIRO/2015

Modelos para todos os gostos O panorama no exterior endossa a boa expectativa dos veículos brasileiros em relação aos celulares. A já mencionada edição da Wired, de janeiro de 2015, trouxe uma análise sobre startups de conteúdo digital, como Circa e Buzzfeed que são focadas, especialmente, em dispositivos móveis. Essas iniciativas, além de outras como News Republic e Omni, são agregadores/curadores nascidos 100% digitais e exploram ao máximo funcionalidades móveis, como personalização e alertas, além de adaptar textos e a disposição de conteúdos para a tela pequena. “O Circa, por exemplo, ajuda o leitor a entender que o produto não é uma publicação adaptada para a plataforma móvel, mas sim uma publicação móvel”, avalia David Sancha. Além de “pure players”, jornais como NYT e Telegraph apostam em produtos móveis para enriquecer ofertas de conteúdo e converter usuários para dentro de seus paywalls. Já o USA Today ganhou o prêmio de “Mobile Publisher of the Year”, do Mobile Marketer Awards, por uma postura agressiva em relação ao meio, com conteúdos para nichos, curadoria de Twitter e aplicativos para segmentos de sua audiência, como estudantes universitários. Já o caso do Le Parisien, com uma aplicação super local, é um exemplo de serviço freemium para atrair novos leitores, como aponta a jornalista Cecília Campbell (leia entrevista ao lado). Para Fabrício Bloisi, que trabalha com aplicativos fremium como o Playkids (de vídeos e desenhos para crianças), os produtores de conteúdo precisam se reinventar, o que inclui não apenas foco no conteúdo, mas também na estratégia de monetização do canal: “o modelo de negócios em que acreditamos é o freemium, no qual o usuário tem alguma experiência de graça e paga para uma experiência completa. Com certeza acreditamos que há espaço para cobrar por serviços excelentes. Hoje a App Store vende US$ 10 bilhões por ano, e esse número vai continuar crescendo. Com certeza a reinvenção das empresas de conteúdo passa por uma estratégia de monetização pelo canal mobile”.

Cecília Campebell é consultora sobre mídia digital da WAN - IFRA

Entrevista

Um olhar global Confira abaixo uma entrevista com Cecília Campbell, jornalista especializada em mídia digital e consultora global da WAN-IFRA. No final de 2014, Cecília esteve no Brasil, com um grupo de executivos de jornais estrangeiros que participam do “WAN-IFRA’s Executive Programmes,” para visitar alguns dos principais veículos no Brasil. O encontro também rendeu uma entrevista sobre a mídia móvel, que traz uma visão global de uma jornalista nascida na Suécia - um dos países mais maduros do mundo em mídia móvel.

1

2

Divulgação

(PAULO HENRIQUE FERREIRA)

3 Fabricio Bloisi é CEO da Movile que desenvolve aplicativos freemium

Como você vê o crescimento de consumo de notícias pelo celular, a partir de uma perspectiva histórica? Há 15 anos, com exceção de alguns experimentos com tecnologia WAP na Escandinávia, o celular não era uma mídia. O lançamento do iPhone em 2007 mudou isso, porém, não do dia para noite. Os produtores de notícias continuaram focados no crescimento de audiência e receita dos sites para desktop até 2011-2012. Nessa época, a mídia social contribuiu para mover os consumidores para o smartphone, o mais privativo e móvel dos dispositivos. Em 2012, 60% do tráfego do Facebook já era por celulares. Então, agora, os produtores tradicionais de notícias encaram o desafio de competir por consumidores no mobile, não apenas com outros produtores, mas com aplicativos em geral, como Twitter, CandyCrush e Snapshat. Para você, quais são os fatores de sucesso para um produto móvel? Você pode citar alguns exemplos? Em geral, dois fatores principais determinam a boa experiência do usuário: usabilidade e utilidade. Na perspectiva do usuário, o design é peça fundamental. Os produtores devem resisitir à tentação de simplesmente transferir a experiência do desktop para o celular. Essa nova experiência deve levar em conta as funcionalidades do device, como localização, mobilidade, imediatismo e privacidade. Aplicativos agregadores de notícias, como Circa, de São Francisco, e Omni, da Suécia, são bons exemplos de experiência de usuários para mobile. Yahoo Digest é outro bom exemplo, pois foi criado por um time com 80% de designers focados em mobile e 20% de pessoas de conteúdo, o que releva muito o foco do produto. Sobre modelos de negócios, seja publicidade ou assinaturas, quais são os desafios para os publishers? Na publicidade, tem sido muito difícil para os produtores de notícia cobrarem taxas premium dos anunciantes de mobile, ou mesmo taxas que se comparem ao desktop. Mas agora estão surgindo casos de sucesso de anúncios no celular com formatos e entregas no contexto de “como” e “onde” eles são servidos. Segundo o IAB, em 2017, mais da metade do dinheiro investido em mídia móvel nos EUA será baseada em geolocalização. Também um número grande de produtores na Europa e nos EUA estão cobrando por seu conteúdo digital, e o conteúdo móvel constitui uma parte importante dessa oferta. Alcançar uma boa taxa de conversão no celular é um verdadeiro desafio. Ainda existem outras experiências como é o caso do Le Parisien, que lançou um aplicativo com um serviço superlocal, com informações para diferentes áreas de Paris. O objetivo é oferecer um serviço freemium, que vai do gratuito, para atrair usuários que não são assinantes, até 13 euros por mês para assinatura dos principais produtos digitiais.

11

FEVEREIRO/2015

TECNOLOGIA

TECNOLOGIA/

14

NOTÍCIAS NO CELULAR, UMA REALIDADE Os celulares são o dispositivo eletrônico de mais rápida penetração da história. No Brasil, ao final de 2014, já havia 300 milhões de aparelhos habilitados. Desde seu surgimento, são considerados como uma promessa de audiência, formatos e

Há mais de uma década o celular tem sido apontado por muitos especialistas como a mídia de maior capilaridade da história. Desde os idos de 2000 - com surgimento de protocolos como SMS e WAP -, o dispositivo atraiu a atenção de produtores de conteúdo e foi apontado como uma promessa de audiência, formatos e monetização. O tempo passou, as redes de telefonia evoluíram, o iPhone completou 8 anos como um paradigma de comunicador pessoal móvel (ou smartphones, como a indústria ainda prefere denominar) e, de uma forma consistente, o celular tomou a dianteira entre os suportes de mídia no país e no mundo. Para Mat Honan, jornalista da revista Wired, em edição de janeiro de 2015, o smartphone já é “o” canal para entrega de notícia. “Não importa o que você está fazendo – comendo, bebendo, vendo um filme – a notícia te acessa. As histórias vêm em notificações de alertas e de mídias sociais em um fluxo que não para. Existe apenas um verdadeiro canal agora e provavelmente está em seu bolso (ou sua mão) neste momento”. Nessa recente edição da Wired – cujo debate sobre as transformações da mídia ganhou a capa da revista –, Honan revela que 50% dos americanos já acessam notícias pelo celular. E, como o jornalista bem escreve, “essas métricas só sobem, sobem, sobem. A questão para os produtores de notícias não é como trazer audiência para seus sites, mas sim como se incluírem na vida de sua audiência”. No Brasil, assim como no mercado americano, essas métricas só sobem. O país fechou 2014 rumo aos 300 milhões de celulares habilitados. A penetração de smartphones no Brasil já representa mais de 30% da base total e impulsiona o crescimento da rede 3G, com quase 50% das linhas. “A oferta de conteúdo para celular acompanhou as mudanças tecnológicas dos últimos 10 anos. Dos celulares com menos recursos, hoje temos o smartphones conectados às redes 3G e 4G, que promoveu mudanças nos paradigmas tecnológicos e comerciais”, explica o jornalista Fernando Paiva, editor do portal Mobile Time, especializado no mercado de mobilidade.

O USO DOS CELULARES PARA A DIFUSÃO DE CONTEÚDO JORNALÍSTICO

CRESCE RAPIDAMENTE. NELE, "A NOTÍCIA ACESSA A AUDIÊNCIA"

monetização. Nas próximas páginas, Paulo Henrique Ferreira, jornalista, diretor de mídias digitais do Grupo LANCE! e membro do Comitê de Estratégias Digitais da ANJ, explora a evolução do celular como plataforma para o jornalismo.

Divulgação

Uso de celulares foi destaque na edição de janeiro da Wired

Notícias no celular: uma introdução ao tema Em novembro de 2005, o jornalista Paulo Henrique Ferreira, hoje diretor de mídias digitais do Grupo LANCE!, obteve o título de Mestre em Ciências da Comunicação, na ECA-USP. Com o título “Notícias no celular: uma introdução ao tema”, a dissertação foi pioneira no país ao abrir uma frente de pesquisa do jornalismo e de novas tecnologias, tendo o telefone celular como um dispositivo de mídia emergente. Para a dissertação foram entrevistadas empresas como Folha de São Paulo, O Estado de S.Paulo, iG, Terra, Abril, Trip, entre outros publishers, que já tinham iniciativas de conteúdo voltadas para a telinha. A pesquisa teve reconhecimento internacional, como no blog “Smart Mobs” de Howard Rheingold, e nacional, em diversas pesquisas de doutorado, mestrado e TCCs. A íntegra da dissertação está disponível na biblioteca da ECA-USP e também por download: http://migre.me/oiECc. (Carlos Müller)


10

JORNALISMO/

FEVEREIRO/2015

RBS INVESTE EM MATÉRIA MULTIMÍDIA MILTON CORREIA de São Paulo

As grandes reportagens multimídia conquistam espaço nos jornais brasileiros, a exemplo do que já acontece no exterior. Luiz Antônio Araujo, de Zero Hora, viajou até a fronteira turco-síria para reportar o avanço do poder do Estado Islâmico (EI) e retornou com uma reportagem multimídia, que foi veiculada no impresso, na internet e nas rádios do Grupo RBS, em dezembro último. Ele assina a coluna Olhar Global e já cobriu a guerra do Afeganistão (2001), a revolução no Egito (2011) e a crise na Ucrânia (2014). Na cidade de Kobani, disputada pelo EI e grupos rebeldes sírios, a matéria resultou em caderno de 12 páginas veiculado na edição dominical de Zero Hora. No site, se transformou em narrativa multimídia, com gráficos e galerias de fotos. O leitor encontrou entrevistas e imagens de áreas sob o domínio do EI que compõem pequenos documentários. A ideia era mostrar a vida nessas regiões. O jornalista também ouviu diplomatas e estudiosos nos Estados Unidos, Brasil e Europa para avaliar como esses extremistas montaram seu exército e o que significa a emergência desse grupo. Araujo diz que a escolha do EI deveu-se ao triste impacto das ações desse grupo na conjuntura mundial. As dificuldades foram as de qualquer reportagem sobre a atual guerra na

Reportagem contou a vida sob o domínio do Estado Islâmico

Síria: alto risco para jornalistas no terreno, conflito de versões e informações, hostilidade em relação à imprensa. "Como a fronteira é porosa e há grande número de rebeldes que a cruzam com frequência, além de refugiados e ex-combatentes, pude realizar o trabalho sem ingressar na Síria”, explica. Mas o esforço valeu a pena, pois a resposta dos leitores foi imediata e positiva. A maior repercussão ocorreu nas redes sociais, por meio de comentários, compartilhamentos e outras formas de feedback. Passados dois meses, Araujo ainda fica sabendo de

alguém que acabou de ler a reportagem. Ele diz que a abordagem multiplataforma é uma tradição na RBS. Cotidianamente, repórteres produzem material para distintas mídias e diferentes veículos no decorrer de coberturas diárias. A grande inovação, na reportagem sobre o EI, foi que, pela primeira vez, optou-se por uma matéria especial multimídia internacional. Isso permitiu uma dedicação maior ao planejamento e à edição. “Os recursos multimídia são uma tendência, especialmente quando se trata de grandes eventos. Jornais e sites importantes se voltam para esse formato com o objetivo de explorar melhor os recursos da web. Desse ponto de vista, estamos apenas no início", diz Araujo. Ele acredita que só é possível oferecer tudo isso ao leitor se houver um investimento consciente e sustentado em grandes reportagens.

Folha fez dossiê sobre Belo Monte A Folha de S.Paulo é outro jornal que dá espaço para grandes reportagens multimídia. Em 15 de dezembro de 2013, publicou amplo material sobre a usina de Belo Monte, no Pará, com um dossiê sobre a construção da terceira maior hidrelétrica do mundo. O conteúdo foi veiculado no jornal impresso, no site da Folha de S.Paulo e em vídeos do TV Folha. A matéria inaugurou a série Tudo Sobre, em que grandes temas são explorados em profundidade por meio

de narrativas multiplataforma. O especial sobre Belo Monte exigiu dez meses de trabalho dos jornalistas Marcelo Leite, Mário Kanno, Douglas Lambert e Lalo de Almeida, auxiliados por uma equipe de quinze pessoas. Sergio Dávila, Editor-Executivo da Folha de S.Paulo, diz que, depois desse dossiê, a Folha deu continuidade à série com mais dois projetos multimídia: um sobre a Crise da Água e outro sobre o Golpe de 1964. O plano é fazer pelo menos duas a quatro grandes reporta-

gens por ano. “As reportagens multimídia vieram para ficar. A internet criou um ambiente de interesse por longas narrativas amparadas por recursos multimídia”, afirma Dávila. Esse tipo de reportagem tem diversas vantagens. Permite esgotar o assunto, como um livro animado, e é muito atraente para o leitor que busca informação detalhada. Ele diz que as matérias publicadas pela Folha exigem altos investimentos, mas foram um sucesso de público.

Série ganha reconhecimento internacional A série Diários Secretos da Gazeta do Povo e da RPC foi selecionada pela Rede Mundial de Jornalismo Investigativo como uma das dez mais impactantes do mundo. As reportagens revelaram, em 2010, um esquema milionário de desvio de recursos e contratação de funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa do Paraná. A seleção dos trabalhos foi apresentada em Nova York, em um evento do Google Ideas, para demonstrar o quão relevante é investir em reportagens investigativas. A série recebeu outras importantes premiações, como o Grande Prêmio Esso e o Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, ambos no Brasil, além de ser agraciada com o título de melhor reportagem investigativa da América Latina e com o Global Shining Light Award, prêmio concedido ao mais importante trabalho realizado em países em desenvolvimento. O trabalho foi realizado pelos jornalistas Katia Brembatti, James Alberti, Gabriel Tabatcheik e Karlos Kohlbach, com apoio de uma equipe de mais de 40 profissionais dos dois veículos que fazem parte do Grupo Paranaense de Comunicação (GRPCOM). A repórter Katia Brembatti destaca que o jornalismo desempenha uma função relevante para a sociedade mesmo que o custo seja alto. “Vontade e investimento são necessários para fazer jornalismo investigativo. Requer tempo e dedicação”, diz. Segundo ela, empresas jornalísticas que investem em reportagens aprofundadas ganham um diferencial. Para Katia, a seleção pela Rede Mundial de Jornalismo Investigativo é tão importante como um prêmio. “Mesmo quatro anos depois, a série Diários Secretos ainda repercute e é vista como modelo de jornalismo investigativo. É um assunto que fugiu da esfera jornalística. É tema de teses e dissertações”, comenta. Para José RobertoToledo, presidente da Abraji - Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a série da Gazeta do Povo e da RPC é uma das melhores investigações da história do jornalismo brasileiro porque combina praticamente todos os aspectos do jornalismo investigativo contemporâneo.

FEVEREIRO/2015

15

MÉTRICAS/

IVC PASSA A FAZER AUDITORIA DE EVENTOS MILTON CORREIA de São Paulo

O Instituto Verificador de Circulação (IVC) passa a fazer a auditoria de eventos, além da circulação impressa e online de jornais e revistas. O novo serviço, disponível para todo o mercado, cobre eventos sociais e empresariais, seminários online direcionados ao consumo e àqueles de cunho técnico-científico-cultural. A inserção do Instituto no setor acompanha o desenvolvimento da área, que, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Eventos (Abeoc), cresceu 80% em 2013. O principal objetivo do IVC Brasil é proporcionar números transparentes de audiência dos eventos, para que a comercialização de patrocínios e apoio

seja feita com maior precisão e aproveitamento dos investimentos. As métricas para a auditagem abrangem números de visitas pagas e gratuitas, as características de origem e o perfil dos visitantes. Outras atividades, como palestras, distribuição de brindes e realização de shows, também podem ser auditadas e parametrizadas. Ações realizadas antes, durante e após os eventos fazem parte do processo de auditoria, incluindo emissão de convites, bilheteria, controle de acesso e registros financeiros. O novo serviço foi desenvolvido a partir da experiência de auditoria em outras mídias e da análise das melhores práticas adotadas no Reino Unido, na Austrália e na Finlândia. Segundo Pedro Silva, presidente executivo do IVC, a auditoria é essencial para a oferta de dados isentos e detalhados, num segmento que se tornou forte ponto de contato com diver-

sos públicos. “Os eventos desempenham papel importante na construção de marcas por meio do relacionamento para publishers e anunciantes. O serviço é apontado como tendência pela Federação Internacional dos Institutos Verificadores de Circulação (IFABC, na sigla em inglês) e tem tudo para ser bem-sucedido no Brasil”, enfatiza. A novidade integra a proposta e posicionamento do Instituto, que visa disponibilizar números das mais diversas audiências ao mercado publicitário. Para auditar um evento é preciso ter cadastramento bem-estruturado, saber quem foi convidado, quem compareceu para fazer a conferência e se os números estão corretos. Pedro Silva explica que a auditoria de eventos pode ser usada para duas finalidades: planejamento, para saber o que aconteceu em um determinado

A INICIATIVA INTEGRA PROJETO DE REPOSICIONAMENTO DO INSTITUTO

VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO

evento, e também para o pós-venda. Isso porque os patrocinadores querem expor suas marcas para as pessoas certas. Portanto, necessitam ter mensagens adequadas a cada um dos diferentes públicos. Interessados em se associar ao Instituto em função do novo serviço precisam ter, pelo menos, um evento para filiar. A contribuição mensal varia de acordo com a quantidade de visitantes do evento ou da soma deles, nos casos em que houver mais de um evento. O prazo para disponibilização dos números do evento auditado é de dez dias e os relatórios trazem, entre outras informações: descrição do evento; média, origem e perfil dos visitantes; esclarecimentos gerais e parecer da auditoria. Outras informações e o pedido de filiação podem ser acessados no Portal IVC Brasil (www.ivcbrasil.org.br).

Jornais aprovam Os jornais aprovaram a nova auditoria de eventos do IVC. “Sempre existiu muita subjetividade no retorno que ações de live marketing dão para cada patrocinador. Será um ganho para o setor se conseguirmos quantificar isso"”, afirma Rodrigo Mathias, gerente-executivo da Engage, unidade de eventos do Grupo RBS. Por sua vez, Sérgio Abdon, Gerente de Projetos Especiais da Infoglobo, explica que existem alguns parâmetros diretos para determinar o sucesso de um evento, como o volume de público e a quantidade de patrocinadores. Em contrapartida, também são importantes outros indicadores cuja aferição não é simples, como a experiência de marca. “A existência de mais dados no setor vai facilitar o acesso do mercado a esse tipo de informação e, para as empresas que promovem eventos, gerar argumentos de venda auditados por uma entidade especializada”, acredita. Segundo Rodrigo Mathias, do Grupo RBS, os negócios tradicionais

da indústria da comunicação utilizam métricas quantitativas como circulação e audiência. Essa abordagem consegue mostrar para o cliente final qual retorno o produto gera para a marca. “Nos eventos, até agora, tínhamos o impacto in loco, mas não sabíamos como isso repercutia em outras esferas. Agora, ficará um pouco mais tangível”, acredita. Outro jornal que investe na realização de eventos é o Estadão. Ernesto Bernardes, diretor de Projetos Especiais de O Estado de S.Paulo, diz que, como em todas as mídias, a decisão de investir em um evento depende de uma expectativa de retorno. Nesse aspecto, os dados auditados pelo IVC são interessantes, porque permitem que os patrocinadores se sintam mais confiantes ao avaliar sua decisão de investimento. Mas a importância desse indicador precisa ser posta em perspectiva: no caso de eventos realizados por veículos importantes, o patrocinador não compra somente um público de x pessoas, mas também a qualida-

Eventos promovidos pelo Valor Econômico têm grande procura por parte de empresários Foto: Divulgação

de desse público, a qualidade do debate, a divulgação antes do acontecimento, a cobertura pós-evento a repercussão em mídias sociais. O Valor Econômico, jornal segmentado especializado em Economia e Negócios, realiza eventos voltados ao seu público constituído majoritariamente por executivos e CEOs de

empresas. “Assim como é muito importante a verificação do número real de leitores, é sempre importante para empresas organizadoras de eventos, patrocinadores e público ter dados confiáveis e verificáveis de audiência. No caso, nosso foco é a qualificação. Mensurar isso é importante”, diz Carlos Raíces, diretor de Eventos.


EVENTO

16

FEVEREIRO/2015

RBS LANÇA ESTUDO INTERNACIONAL SOBRE A REVOLUÇÃO DA COMUNICAÇÃO

É INGÊNUO ACREDITAR QUE O ECOSSISTEMA HOJE EXISTENTE VAI PERDURAR, AFIRMOU ROBERT DARNTON

“O ritmo das mudanças é estonteante, por isso seria ingênuo acreditar que o ecossistema hoje existente no mundo da comunicação vai perdurar. De modo algum. Vai mudar num ritmo espantoso”, afirma o historiador Robert Darnton, diretor da Biblioteca da Harvard Univerity. Seu depoimento faz parte do estudo internacional The Communication (R)Evolution, que reúne mais de 300 horas de entrevistas com 150 expoentes dos mais diversos perfis das áreas comunicação, história, sociologia e tecnologia. A pesquisa, encomendada pelo Grupo RBS, busca aprofundar e elucidar as transformações em curso na sociedade e os seus reflexos para a indústria da informação. O resultado da investigação foi apresentado durante o Vox 2014 para uma platéia de 400 pessoas em Porto Alegre no mês de dezembro. O evento proporcionou 10 horas de palestras mescladas com música, arte e gastronomia. Entre as atrações, o jornalista e escritor Xico Sá, Paulo Lima, da Editora Trip, Rene Silva, do Portal Voz das Comunidades, Roberto Klabin, empresário e fundador da SOS Mata Atlântica, Marco Fisbhen, da Descomplica, e Lorrana Scarpioni, da plataforma Bliive. Uma equipe multidisciplinar visitou universidades, laboratórios de inovação, agências de propaganda, empresas de

Foto: Jeferson Bernardes/Agência Preview

Evento mesclou palestras, música, arte e gastronomia durante dez horas

tecnologia e comunicação, e registrou o pensamento e a percepção dos estudiosos, dos pesquisadores e dos profissionais sobre os impactos da revolução digital na indústria da comunicação. O projeto foi realizado entre julho de 2013 a maio de 2014 no Brasil e no exterior sob a coordenação da cineasta Flavia Moraes, atualmente diretora-geral de Inovação e Linguagem da empresa. “O trabalho ganhou uma dimensão que extrapola o institucional e o mercado e passa a ser um registro histórico do momento em que estamos vivendo, com tantas ideias e especialistas participando. É como se fosse um termômetro da cabeça das pessoas, porque,

acima de tudo, estamos lidando com comportamento”, explica. O conteúdo que, inicialmente, seria transformado em um documentário, esteve a ponto de virar uma minissérie, mas mesmo assim, segundo Flavia, ficaria difícil selecionar oito horas de gravação de um universo tão vasto de 300 horas. A partir do surgimento de assuntos recorrentes, começaram a surgir premissas, as quais passaram a nortear o caminho. A solução encontrada foi criar uma biblioteca virtual e, com isso, os vídeos, sem edição, foram agrupados por temas, que estão disponíveis na plataforma thecommunicationrevolution.com.br.

UNIVERSIDADES APRENDEM Joyce Heurich, 21 anos, estudante de Jornalismo do sexto semestre da Unisinos, percebe que as universidades ainda estão aprendendo a lidar com esse mundo novo. “É uma fase de muita experimentação, inclusive de readaptação dos currículos. Os próprios professores estão tentando se apropriar dessas premissas”. Para a futura jornalista, é importante discutir não só com as universidades, mas com as próprias empresas da área para que possam abrir suas visões de mercado e a forma de fazer Comunicação. “A mudança já foi detectada e isso inquieta todos os comunicadores”, avalia.

Maria Berenice Machado, coordenadora dos cursos de Comunicação da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ficou satisfeita com a pesquisa e concorda com a incerteza. “O projeto tem muita aderência ao que estamos fazendo. Nós não temos certezas, mas intuições para ver o que está acontecendo. As técnicas de fazer o Jornalismo, as Relações Públicas e a Publicidade não mudam, mas a informação que nutre as áreas”.

Angela Ravazzolo, professora do curso de Jornalismo e coordenadora da Área de Pesquisa e TCC da ESPM, tem o mesmo entendimento. “É complexo prever o que vai acontecer daqui a 10 anos, mas é possível afirmar que a essência do jornalismo - apuração rigorosa, a informação e estar atento ao que está acontecendo na sociedade - vai permanecer, e se manifestar em novas plataformas. É para isso que temos de preparar os alunos”, analisa.

9

FEVEREIRO/2015

Dados confirmam mídia de qualidade Para Flávio Steiner, Diretor do Comitê Mercado Anunciante da ANJ, “o jornal é a mídia número um dos formadores de opinião e sinônimo de qualidade. Somos utilizados como fonte por outras mídias e isso é um exemplo muito claro da nossa importância para a sociedade e consequentemente para o mercado publicitário e anunciante”, afirma ele. Segundo Steiner, ano após ano, cresce a participação da plataforma digital dos jornais no investimento publicitário, em alguns casos atingindo até 15% das receitas. “Em diversos grupos de comunicação está ocorrendo convergência dos meios de forma criativa, agregando valor aos leitores e anunciantes, utilizando uma mídia para alavancar a outra”, informa. “Conseguir atenção exclusiva da audiência em tempos de smartphones e second screen (segunda tela) é uma grande demonstração de que é fundamental continuarmos investindo em conteúdo de qualidade para mantermos a relevância de nossas publicações tanto para os leitores quanto para os anunciantes. Apesar da enorme fragmentação no meio digital, os jornais vêm conquistando mais audiência em seus verticais de informação e entretenimento. A chave nesta disputa é levar para o meio digital a credibilidade que os jornais possuem no mundo offline”, assegura Steiner. Para Steiner, em qualquer plataforma, a confiabilidade é extremamente importante. Por isso, os dados da pesquisa de

2015 reforçam a crença no meio Jornal e a disposição para os players seguirem investindo no jornalismo de qualidade. “Essas premissas são importantes tanto para a manutenção de leitores quanto para a atração de novos anunciantes. Zero Hora, por exemplo, que acaba de passar por uma completa reformulação editorial e gráfica, é uma marca que imprime esse conteúdo de qualidade não importa em que plataforma esteja. O desafio é manter a credibilidade, porém adequando-a à linguagem da plataforma que o leitor estará utilizando e na qual a publicidade será veiculada." Atento às mudanças nos hábitos de consumo de mídia e também a outras variáveis, o Comitê Mercado Anunciante já estabeleceu diversas ações para 2015, com destaque para as seguintes: » Utilização de novas métricas para medir o real impacto do meio Jornal para o leitor e para o mercado anunciante. "Não queremos acabar com o uso da circulação mas as métricas de audiência online e offline estão mais alinhadas à linguagem das agências e anunciantes. Da mesma forma, buscamos um novo referencial para o share dos jornais na divisão do bolo-publicitário pois os investimentos publicitários em jornais não aparecem em sua plenitude nas pesquisas atuais." » Marketplace: lançamento de ferramenta com informações de mercado de diversos jornais em um único lugar, » Digital Premium Jornais: produto

Para Antonio Manuel, pesquisas ainda não refletem peso dos jornais no conteúdo disseminado pelos leitores via mídias sociais Foto: Divulgação

único no mercado, no qual o anunciante com apenas uma autorização estará no site de mais de 50 jornais. » Workshops de atualização: de informações e técnicas comerciais a todos associados. » Visitas e presença no mercado anunciante: maior presença nos fóruns de discussões de mídia e publicidade. Ao comentar a pesquisa da Secom, Antonio Manuel Teixeira Mendes, Diretor Superintendente do Grupo Folha, elogia a sua extensão e qualidade. Entre os pontos positivos, está o de constatar o avanço do meio digital, dando números. Outro aspecto importante é o de mostrar que a credibilidade dos jornais seja no meio impresso ou digital é muito grande. “Porém, o que a pesquisa talvez não consiga alcançar é como os jornais estão inseridos no meio digital. Ou seja, ao colocar o tempo de uso da internet comparado com o tempo dedicado pelo cidadão à TV ou mesmo jornais, a pes-

quisa não leva em consideração o papel do internauta na disseminação de notícias”, afirma. Antonio Manuel preocupa-se em detalhar sua posição: hoje, a distribuição de conteúdo informativo não está apenas a cargo dos jornais, mas também nas mãos dos seus leitores que acabam sendo multiplicadores, ao disseminar a notícia nas redes sociais e em outros locais da internet. “O leitor compartilha e replica o conteúdo dos jornais, para informar, comentar e criticar, espalhando a informação de uma maneira e velocidade inimagináveis. Por isso, a audiência dos jornais hoje é muito grande”, argumenta. Nesse cenário, surge a questão da monetização do digital, como a cobrança do conteúdo na internet. Outro aspecto importante é o crescimento do conteúdo jornalístico em smartphones, cujo maior problema é a limitação do tamanho da tela. “Trata-se de um grande desafio para os anunciantes".

A perspectiva do mercado publicitário Na opinião de Márcio Oliveira, presidente da Lew’Lara\TBWA, a pesquisa da SECOM ratifica a campanha de Reposicionamento do Meio Jornal feita por essa agência para a ANJ. “Ela mostra que nosso diagnóstico está corretíssimo, mas o prognóstico é mais lento porque exige uma mudança cultural e comercial. Ressignificar o jornal leva tempo. Exige mudança nas redações e na entrega diária. Exige habilidades novas (nosso mundo de hoje é muito mais vídeo), dinamismo novo, integração total entre on e off, mantendo a credibilidade que trouxe o jornal até aqui hoje. Nossa campanha deixa claro tudo isso”, afirma.

O avanço do meio digital tende a crescer no Brasil. Márcio Oliveira lembra: “somos o segundo país em número de usuários no Facebook, o second screen é mais que uma realidade e o e-commerce cresce muito no varejo. O digital mudou até o conceito de concorrência: hoje, hotéis competem com a AirBnB e os táxis competem com o Uber. O Netflix compete com Hollywood. Tudo isso reflete e molda o comportamento do consumidor, portanto, reflete diretamente no mundo da comunicação que tem a missão de engajar esse mesmo consumidor”. O mobile já superou o computador

desktop e os laptops no Brasil. “Os tablets estagnaram e já se fala em Phablet (celulares com tela maior onde faremos tudo: leitura, social media, compras, assistir a vídeos, etc. O mercado anunciante ainda engatinha nesse mundo. A expressão Mobile First é cada vez mais comum nas agências e clientes no Brasil”, explica Márcio. Na opinião de Márcio Oliveira, a leitura de jornal vem crescendo. “A questão é se estamos pesquisando e perguntando da maneira correta. Pergunte, para o máximo de pessoas que puder em uma manhã, se leram jornal. A maioria vai dizer que não. Aí repita a pergunta, substituindo a pala-

vra jornal pela marca de um jornal. Todos leram, em muitos casos, mais de um. Porém, leram em versões digitais". Por isso ele diz que é preciso ressignificar a palavra jornal. "Os jornais tornaram-se multiplataformas e são mais conhecidos e lidos do que nunca. Se o consumidor não separa a vida digital da vida offline, por que a gente do mercado fica separando?”, questiona. A confiabilidade também pesa: “Quando Eduardo Campos faleceu, tenho certeza de que o Brasil só acreditou após algum jornal dar a notícia. Essa credibilidade ninguém tira", assegura.


8

MERCADO LEITOR/

FEVEREIRO/2015

17

FEVEREIRO/2015

JORNAIS LIDERAM EM CONFIANÇA DA AUDIÊNCIA SEGUNDA EDIÇÃO DE PESQUISA CONTRATADA PELA SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA CONFIRMA LIDERANÇA DOS JORNAIS

consumidores de TV e de rádio, ambos com 44%. Em termos de confiança, o suporte midiático importa na hora de se veicular notícias ou informação publicitária. Permaneceu estável o percentual de brasileiros que leem jornais ao menos uma vez por semana entre as duas rodadas da Pesquisa: 21%, sendo 2ª-feira o dia da semana mais mencionado pelos leitores (48%), e o sábado o menos mencionado (35%). A escolaridade e a renda dos entrevistados são os fatores que mais aumentam a exposição aos jornais: 15% dos leitores com ensino superior e renda acima de cinco salários mínimos (R$ 3.620 ou mais) leem jornal todos os dias. Entre os leitores com até a 4ª série e renda menor que um salário mínimo, os números são 4% e 3%. O uso de plataformas digitais de leitura de jornais

ainda é baixo: 79% dos leitores afirmam fazê-lo mais na versão impressa, e 10% em versões digitais. Piauí, Ceará e Paraná são os estados com maior adesão às versões online dos periódicos, respectivamente, 39%, 25% e 22%. Amapá, Amazonas e Rio Grande do Sul, os estados com menor adesão, respectivamente, 2%, 3% e 3%. A TV segue como meio de comunicação predominante, e o brasileiro já gasta cinco horas do seu dia conectado à Internet. De acordo com a pesquisa, 95% dos entrevistados afirmaram ver TV, sendo que 73% têm o hábito de a assistir diariamente. O Rádio ainda é o segundo meio de comunicação mais utilizado pelos brasileiros, mas seu uso caiu entre 2014 e 2015 (de 61% para 55%). Praticamente a metade dos brasileiros (48%) usa Internet. O percentual de pessoas que a utilizam todos dos dias cresceu de 26% em 2014 para 37% em 2015. Os usuários das novas mídias ficam conectados, em média, 4h59 por dia durante a semana e 4h24 nos finais de semana – na pesquisa de 2014, os números eram 3h39 e 3h43 –, valores superiores aos obtidos pela TV. Mais do que as diferenças regionais, são a escolaridade e a idade dos entrevistados os fatores que impulsionam a frequência e a intensidade do uso da Internet no Brasil. Entre os usuários com ensino superior, 72% acessam a Internet todos os dias, com uma intensidade média diária de 5h41, de 2ª a 6ª-feira. Entre as pessoas com até a 4ª série, os números caem para 5% e 3h22. Dos jovens na faixa de 16 a 25, 65% se conectam todos os dias, em média 5h51 durante a semana, contra 4% e 2h53 dos usuários com 65 anos ou mais. O uso de aparelhos celulares como forma de acesso à Internet já compete com o uso por meio de computadores ou notebooks, 66% e 71%, respectivamente. O uso de redes sociais influencia esse resultado. Entre os internautas, 92% estão conectados por meio de redes sociais, sendo as mais utilizadas o Facebook (83%), o Whatsapp (58%) e o Youtube (17%).

“Sempre que surge um novo meio de comunicação especula-se que outro, mais antigo, irá desaparecer. Mas Rádio e TV continuam convivendo há mais ou menos 60 anos. A PBM 2015 mostra que as pessoas utilizam as mídias de maneira concomitante, dependendo das suas necessidades, interesses e capacidades cognitivas e financeiras. Se existem pessoas que realizam multitarefas durante o dia, por que não poderiam utilizar mais de um meio de comunicação ao mesmo tempo? É o que nós fazemos”, argumenta Pedro Mundim, Assessor Especial da Assessoria Especial de Pesquisa de Opinião Pública da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (SECOM). Segundo Mundim, a pesquisa de 2015 confirma que

os fatores que mais impactam no uso da internet são geracionais e socioeconômicos. No primeiro caso, o estudo indica que as pessoas mais jovens utilizam as novas mídias de uma maneira muito mais intensa do que as pessoas mais velhas. Mas a renda e a escolaridade ainda geram um hiato digital importante. “É provável que as pessoas estejam, cada vez mais, utilizando o celular para fazer coisas rotineiras, como ler jornal, fazer compras, pagar contas, etc. Esse é o futuro provável. Se os usuários de Internet brasileiros estão utilizando mais celulares do que computador para acessar a rede é de se esperar que agências de publicidade e anunciantes criem estratégias para chegar até os consumidores por essa plataforma”, acredita.

MILTON CORREIA de São Paulo

Os jornais continuam sendo o meio de comunicação mais confiável e, junto com as revistas, o meio com maior nível de atenção exclusiva. É o que revela a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 (PBM 2015), realizada pelo IBOPE a pedido da Secom - Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Esse amplo estudo, com mais de 18 mil entrevistas, tem como objetivo principal compreender como os cidadãos do país se informam e consomem as diversas mídias. Dentre os entrevistados, 58% afirmaram confiar muito ou sempre no meio Jornal, contra 40% que confiam pouco ou nunca. Na Pesquisa de 2014, esses valores eram de 53% e 45%, respectivamente. Ou seja, o nível de confiança no Jornal cresceu, apesar do avanço das plataformas digitais. Outro ponto importante: dos leitores de Jornal, 50% disseram não fazer nenhuma outra atividade enquanto o consome. Entre os de revista, o índice é de 46%. Já em relação às novas mídias, reina a desconfiança. Respectivamente, 71%, 69% e 67% dos entrevistados disserem confiar pouco ou nada nas notícias veiculadas nas redes sociais, blogs e sites. Em relação à publicidade, 48% dos entrevistados que leem jornal responderam que confiam sempre ou muitas vezes, seguidos dos

Novidades A Secom informa que, na pesquisa de 2015, buscou tanto confirmar os achados mais importantes da pesquisa anterior, de 2014, quanto introduzir algumas novidades como perguntas sobre o uso concomitante dos meios, as razões pelas quais as pessoas utilizam cada uma das mídias investigadas e questões específicas para TV, Rádio, Internet, Jornal e Revista. Também foi alterada a forma de calcular a intensidade de uso dos meios e foram incluídos alguns gráficos de perguntas que existiam no questionário de 2014, mas que não foram utilizadas na publicação.

Na comparação com mídias digitais, apenas os jornais tiveram mais de 50% de confiança

Olivetto Para o publicitário Washington Olivetto, que participou de um painel com a chef Carla Pernambuco, abordando, entre outros assuntos, culinária e comunicação, o Vox reafirmou convicções que são sagradas e que às vezes são esquecidas, como a intuição. “Reafirma algo que é muito óbvio. As grandes revoluções tecnológicas, na verdade, só são interessantes quando renovam comportamentos. A velocidade dessas transformações cresce em progressão geométrica. Quem ainda não mudou no mercado publicitário já ficou atrás do famoso bonde da história”, profetiza.

Progressão geométrica Eduardo "Duda" Melzer, presidente do Grupo RBS, diz que transformações são mais comportamentais do que tecnológicas Foto: Vinícius Costa/Agência Preview

SEJA VERDADEIRO O grupo investiu R$ 2,5 milhões no projeto. Até 2016, o valor deve dobrar, com captações na Europa e na Ásia. O presidente do Grupo RBS, Eduardo Melzer, reforçou que a mudança pela qual a Comunicação está passando é muito mais comportamental do que tecnológica. “Esse conteúdo de alto impacto terá grande utilidade e aplicabilidade não só para a RBS, por isso, resolvemos compartilhar com o mercado. Ele transcende as empresas de comunicação”, reiterou. O Vox será realizado anualmente na capital gaúcha. Sônia Bridi abriu a apresentação do estudo com a premissa #Be True (Seja Verdadeiro). Ela enfatizou a nova habilidade do homem contemporâneo, o bullshit detector, mecanismo que segundo Shane Smith, fundador da Vice, maximiza o pensamento crítico e rejeita a men-

tira e a falsidade. “A transparência torna-se um critério obrigatório e inegociável de profissionais e empresas em todos os setores. O poder é mais fácil de ser obtido, mas mais difícil de ser exercido e pode ser rapidamente perdido”, explicou a jornalista. Entre os entrevistados, estão Nick Bilton, colunista e repórter do The New York Times e James Canton, futurista que colabora com a Casa Branca e com a Apple e é CEO do Institute of Global Futures. Das opiniões captadas, resultaram as premissas #Be True, #Be Trusted (Seja Confiável), #Be Part (Seja Parte), #Think Mobile (Pense Mobile), #Be Beta (Seja Beta), #Think Ahead (Pense à Frente), #Think Higher (Pense Mais Alto), #Be Colaborative (Seja Colaborativo), #Be Intuitive (Seja Intuitivo) e #Be Useful (Seja Útil).

Flavio Bernardi, presidente da Associação Riograndense de Propaganda (ARP),considerou a iniciativa muito oportuna. “Estamos passando por um movimento desafiador e ao mesmo tempo muito instigante para o mercado publicitário. Ninguém sabe as respostas, mas está todo mundo interessado nas perguntas”, reflete. Segundo ele, a comunicação não é mais uma fronteira exata. Além da tecnologia, envolve ainda outras áreas tão básicas do conhecimento, como gastronomia, arte, cultura, que também produzem comunicação. “O mais icônico desse processo de transformação é a necessidade de compartilhar, não só a informação, mas os pontos de vista, a maneira de ver o mundo, a maneira de fazer. A troca mais do que tudo é um valor hoje”.

Óculos do futuro “Trata-se de uma contribuição fundamental. Essa ideia de pesquisar sempre ficou para a academia, inclusive, existia a discussão: a academia pensa e nós fazemos”, comenta Fabian Chelkanoff Thier, coordenador do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). “Se conseguirmos olhar, de maneira conectada, para os 11 elementos (premissas) juntos, conseguiremos colocar em prática aquilo que hoje não estamos conseguindo fazer, que é comunicar para todo mundo”, complementa. Para o professor, as pessoas comuns conseguem um grande alcance pelas redes sociais porque se comunicam de maneira horizontal. “O desafio da universidade é preparar o futuro profissional com os óculos do futuro e não do passado. Não tem alternativa”, conclui.


18

/JORNAIS BRASILEIROS

FEVEREIRO/2015

FÓRUNS DISCUTE 2018 LIVRO COM SÍNTESE DAS DISCUSSÕES FOI ENTREGUE A AUTORIDADES

mia do veículo. Para compor a mesa, os palestrantes Marcos Lisboa (vicepresidente do Insper), João Manoel Pinho de Mello (professor titular do Insper), Carlos Eduardo Soares Gonçalves (professor da FEA/USP) e Samuel Pessoa (professor da EPGE/ FGV) estiveram presentes. O livro reúne 36 artigos de especialistas e apresenta entrevistas, reprodução de debates e uma síntese de todos os cadernos especiais publica-

dos no jornal após a realização de cada fórum, apresentando um diagnóstico dos desafios que os governantes terão para os próximos anos. Como parte da iniciativa, o Estadão lançou um caderno especial com toda a cobertura do evento acrescido de matérias e artigos exclusivos da edição impressa. Ricardo Gandour, Diretor de Conteúdo de O Estado de S.Paulo, comenta que o principal objetivo de séries como essa, criadas em

2014, é o de ampliar a maneira de produzir conteúdo jornalístico e ao mesmo tempo alavancar a receita publicitária por meio de parcerias com patrocinadores. A estrégia multiplataforma envolve todos os veículos do Grupo e oferece ao mercado anunciante uma nova oportunidade de exposição em diversas mídias. No caso dos Fóruns Estadão Brasil 2018, foi feita uma curadoria em conjunto com uma entidade de alta credibilidade, como é o caso do Insper, e estabelecida uma programação ao longo do ano. Houve uma série de divulgações que antecederam cada evento e no dia do debate aconteceram flashes da cobertura em tempo real pelo Broadcast Estadão, boletins na Rádio Estado, transmissão ao vivo pela TV Estado, na web, notas no site (portal) e matérias na edição impressa. Um dos encontros, inclusive, rendeu a manchete de capa da edição impressa do dia seguinte. As redações de O Estado de S. Paulo foram mobilizadas e estiveram juntas no projeto, comandadas pelos respectivos editores-executivos. As mesmas equipes darão respaldo para a cobertura de novos eventos, uma vez que o projeto continua em 2015. Os temas estão em discussão, e o conjunto de fóruns para este ano deverão ser divulgados ainda em março.

O GLOBO AMPLIA ACERVO DIGITAL

sua história por meio dos anúncios publicados no jornal. Luiz Henrique Romanholli, Gerente de Produto Digital da Infoglobo, conta que a ideia da Seção Propaganda surgiu em 2012, durante o projeto de digitalização do acervo de O Globo, posto na web em agosto de 2013. “A ideia veio da equipe que desenhou o produto. Quando passamos para a fase de produção, contamos com a curadoria do publicitário Armando Strozenberg e contribuições de Silvia Fiuza, diretora da TV Globo e responsável pelo projeto de memória da emissora”, explica. O objetivo da nova seção é dar visibilidade ao imenso acervo dos anúncios publicados nas páginas de O

Globo. Ao fazer a seleção dos temas e peças, Armando Strozenberg e equipe tiveram a preocupação de contar um pouco da história do Rio de Janeiro e do Brasil por meio da propaganda. Assim, tanto profissionais de propaganda, marketing, comunicação e pesquisadores, como leigos podem aproveitar a seleção. “A propaganda tem um apelo emocional forte para as pessoas, que gostam de lembrar peças que viam quando eram mais jovens ou conhecer como se fazia publicidade no passado”, assegura Romanholli. Ele diz que Armando Strozenberg e a antropóloga Ilana Strozenberg, responsável pela coordenação executiva, deram "um sentido histórico e sociológico ao conteúdo."

MILTON CORREIA de São Paulo

O destino do país esteve no centro das discussões na série Fóruns Estadão Brasil 2018, em São Paulo, com o apoio do Insper, uma instituição sem fins lucrativos de ensino superior e pesquisa. No total, seis reuniões abriram espaço para debater educação, segurança, saúde, infraestrutura e meio ambiente e agricultura no Brasil. O resultado foi sintetizado num livro intitulado Fóruns Estadão Brasil 2018, lançado no final de 2014, com edição limitada. O material, com as propostas discutidas, foi entregue à presidente Dilma Rousseff, aos governadores e aos prefeitos das 20 maiores cidades brasileiras, entre outras personalidades responsáveis pela condução dos destinos do país. Os fóruns aconteceram ao longo de 2014. Cada um dos encontros reuniu convidados do poder público e da iniciativa privada para discutir e apresentar propostas para os temas que estiveram na pauta de todos os candidatos durante a campanha eleitoral. Durante o lançamento do livro, o Estadão realizou painel de debates sobre as perspectivas econômicas para os próximos anos, com moderação de Cley Scholz, editor de econo-

O Acervo O Globo lançou a Seção Propaganda, nova área do site cujo objetivo é levar o internauta a uma viagem pela história da publicidade do Rio de Janeiro e do Brasil. Para contar essa história, matérias feitas especialmente são ilustradas por anúncios publicados no jornal ao longo de seus 89 anos. Lançado em 2013, o Acervo O Globo permite que os assinantes do jornal tenham acesso à versão digital de todas as matérias de O Globo, desde sua primeira edição. O conteúdo à disposição do público é composto por galerias de imagens que destacam as peças publici-

O sociólogo Claudio Beato (com o microfone) debate com o coronel José Vicente, com a mediação de Bruno Paes Manso Foto: Divulgação

tárias, abordando desde a história da lingerie até a construção do Maracanã. O acesso à nova Seção Propaganda é parcialmente aberto. Qualquer pessoa consegue ler as análises e ver uma das imagens selecionadas pela equipe curadora. Mas, para acessar a página do jornal digitalizada e o anúncio conforme foi publicado na época, é preciso ser assinante do pacote digital de O Globo. A nova seção também abre oportunidades para o departamento comercial de O Globo, pois permite a busca de parcerias e o patrocínio de empresas que tenham interesse em contar

FEVEREIRO/2015

7


/LIBERDADE DE EXPRESSÃO

RANKING: BRASIL SOBE, MAS AINDA É O 99º

EM 2014, OCORREU UMA "DETERIORAÇÃO GLOBAL DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO", SEGUNDO REPÓRTERES SEM FRONTEIRA

Na maior parte do mundo a situação é difícil ou muito difícil. Na América Latina, o quadro é difícil no México, Venezuela, Honduras, Colômbia e Guatemala.

119 Jor nali stas

seq ues trad os

Foto: Divulgação

s ado ssin ssa sa ista nal Jor 66

A redução do número de profissionais de imprensa assassinados no Brasil, entre 2013 e 2014, de cinco para dois, acompanhada pela diminuição das agressões, foi um dos poucos aspectos positivos da edição de 2015 do Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa, divulgado pela organização nãogovernamental Repórteres Sem Fronteira no dia 12 de fevereiro. Em consequência da redução dos casos de violência, num total de 180 países, o Brasil subiu do 111º lugar para o 99º, revertendo uma tendência de deterioração da liberdade, registrada desde 2010. Ainda assim, o país segue na categoria dos que apresentam “problemas dignos de nota”, uma posição intermediária entre os que se encontram em “boa situação” e os que estão em “situação muito séria” (ver mapa ao lado). Na avaliação dos dados que acaba de divulgar, a ONG avalia que no ano passado ocorreu uma “deterioração global da liberdade de informação” em decorrência do aumento das ameaças provenientes de atores não-estatais, de agressões cometidas durante manifestações ou associadas à crise econômica e financeira mundial. Em dois terços dos 180 países, os resultados de 2014 foram piores que no ano anterior. A melhor situação segue sendo a dos países escandinavos, com a Finlândia em primeiro lugar há cinco anos, seguida por Noruega e Dinamarca, Holanda e Suécia. Os Estados Unidos aparecem em 46º, a pior posição desde 2007, devido à pressão judicial contra o jornalista James Risen, do The New York Times, para que revelasse sua fonte numa grande reportagem sobre ações da Agência Central de Inteligência (CIA), e às prisões arbitrárias de repórteres durante as manifestações em protesto pela morte de um jovem negro em Ferguson, no estado do Missouri. Entre os países latino-americanos, o melhor posicionado é a Costa Rica, cuja situação é considerada “invejável”, seguida por Uruguai e Chile, que ganhou 15 posições passando ao 43º lugar. A Argentina ficou em 57º. O pior posicionado no continente é o México (148º), embora tenha subido quatro posições. Nas cinco piores posições estão China, Síria, Turquemenistão, Coreia do Norte e Eritreia.

FEVEREIRO/2015

15 Síria 7 Palestina 6 Ucrânia 4 Iraque 4 Líbia 30 Resto do mundo

178 Jornalistas presos

29 China 28 Eritréia 19 Irã 16 Egito 13 Síria 73 Resto do mundo

33 Ucrânia 29 Líbia 27 Síria 20 Iraque 3 México 4 Resto do mundo

ESTATÍSTICA MACABRA O ano de 2014 não foi o mais mortífero desde que a organização nãogovernamental Repórteres Sem Fronteira iniciou seus balanços, em 1995. Mesmo assim, os números são alarmantes: 66 jornalistas assassinados, aos quais é preciso acrescentar 19 jornalistas-cidadãos e 11 colaboradores de meios de comunicação, sem falar dos casos a respeito dos quais não há informações conclusivas e que continuam sendo investigados. O destaque macabro ficou por conta das decapitações de jornalistas no Oriente Médio, onde a Síria se destaca como o país no qual foi maior o número de profissionais mortos - 15.

19

FEVEREIRO/2015

JORNAIS BRASILEIROS

6

POLÍTICA CIDADÃ COM BOM HUMOR

CAMPANHA DA GAZETA DO POVO PROMOVE AÇÕES SOCIAIS DOS CURITIBANOS

MILTON CORREIA de São Paulo

Todo cidadão tem um papel na sociedade, e toda cidade tem histórias de pessoas que abraçam uma boa causa e conseguem fazer muito com pouco. Para descobrir esses que tanto fazem pelo próximo e pela cidade onde vivem, a Gazeta do Povo, de Curitiba, colocou uma Kombi circulando pela cidade. É a campanha Política Cidadã, cuja principal finalidade é descobrir e apresentar os autores de grandes iniciativas, no urbanismo, no incentivo à leitura, no assistencialismo, na transformação da comunidade e no respeito ao idoso. As experiências foram contadas na Kombi da Política Cidadã, que circulou pelas ruas da capital paranaense e tem sido palco para que histórias inspiradoras sejam conhecidas e compartilhadas. O material se transformou numa websérie com oito episódios. Axeu Beluca, Diretor de Marketing da Gazeta do Povo, explica que cada episódio conta a história de um personagem que foi protagonista em sua própria comunidade e “dá o exemplo de que, para mudar, a gente não precisa esperar que os outros ou as instituições políticas façam algo por nós. Nós mesmos podemos agir”, diz. A estreia foi com o episódio Praça de Bolso do Ciclista, mostrando que a comunidade, liderada por ciclistas, transformou um terreno baldio em praça, no Centro de Curitiba. Outra história foi a do Carrinho de Leitura, em que uma moradora da Vila Izabel colocou alguns livros da sua coleção particular em um carrinho de supermercado e emprestou a vizinhos.

No interior da Kombi, os responsáveis pelas iniciativas gravam seus depoimentos

Para dar ainda mais visibilidade ao projeto, no dia de estreia de cada história, uma equipe da Gazeta do Povo circulou na região de Curitiba onde mora o protagonista para ampliar a divulgação entre os vizinhos e moradores da mesma área. A Gazeta do Povo tem adotado o posicionamento Política Cidadã – Assuma seu Poder desde 2013 para estimular o cidadão a intervir, de forma positiva, em sua realidade social no dia a dia. A campanha integra as diferentes plataformas do jornal para motivar pessoas, grupos e instituições a realizarem tarefas simples, que provocam mudanças na sociedade. A campanha incentivou o movimento Dê Espaço para Bicicleta, abraçou a causa Ocupe o Passeio e a campanha Despiche a Cidade, para motivar a população a denunciar as pichações em Curitiba.

REPERCUSSÃO AMPLIA CONCEITO Segundo Beluca, a repercussão da série Política Cidadã tem sido expressiva em diversos canais digitais, multiplicando o conceito da iniciativa e tendo mais de 30 parceiros externos ajudando a disseminar e compartilhar a campanha, ampliando o alcance e a visibilidade da marca Gazeta do Povo. “Registramos no canal Política Cidadã no youtube mais de 415 mil visualizações, além de inúmeros comentários e compartilhamentos nas redes sociais. Usamos a plataforma

impressa e digital para informar as pessoas de onde a Kombi vai estar, além dos próprios protagonistas que ajudam a disseminar a ideia junto à comunidade. Recebemos sugestões e novas histórias por meio das mídias sociais e interações via plataforma digital da Gazeta do Povo”, informa. A série não contemplou patrocínio por ser uma bandeira adotada pelo jornal. Essa iniciativa será estendida para 2015 e 2016, já visando as eleições municipais de 2016.

CAMPANHA PREMIADA Axeu Beluca informa que a campanha Política Cidadã – Assuma seu Poder, iniciada em 2013, já foi premiada com bronze na categoria Best Brand Awareness Campaign Across Platforms no INMA AWARDS. Essa iniciativa foi desenvolvida entre as áreas de MKT e Editorial do jornal com objetivo de trabalho integrado na disseminação de protagonistas que vêm atuando e desenvolvendo iniciativas cidadãs junto às comunidades. Editorialmente, trouxe reportagens que mostram como funcionam as instituições brasileiras e que explicam como o cidadão pode contribuir, fiscalizar o poder público, reivindicar direitos junto a parlamentares e a governos. E, ainda, discutiu a função da política partidária, como elemento indispensável para o bom funcionamento da democracia. Por ser multiplataforma, a série Política Cidadã é constituída por reportagens impressas e digitais, além da força de campanha de comunicação nos veículos que integram o GRPCOM. Essa iniciativa também conta com 15 episódios distribuídos no canal Política Cidadã no youtube e nas mídias sociais de mais de 30 parceiros estratégicos ligados a entidades e associações. Para tornar a campanha ainda mais próxima das pessoas, foram realizadas inúmeras ações promocionais para divulgação e promoção da temática Política Cidadã.


JORNAIS BRASILEIROS

20

FEVEREIRO/2015

O POVO REFORÇA

RELACIONAMENTO COM LEITOR

JORNAL PROMOVE RENOVAÇÃO DE SEU OMBUDSMAN E DO CONSELHO CONSULTIVO

ALANA LETÍCIA ARAÚJO de Brasília

O ano de 2015 começou com mudanças no jornal O POVO. Como parte das comemorações, em janeiro, do 87° aniversário do jornal, foram empossados os novos membros do Conselho Consultivo e sua nova ombudsperson. O cargo foi instituído em 1993, e o Conselho em 1998. Ambos decorrem do fato de ser a interação com o leitor um dos principais ideais do diário cearense. Tania Alves é a nova ombudsperson, a quem os leitores podem recorrer por telefone ou por e-mail para expor opiniões a respeito do que é publicado no jornal. Seu mandato tem duração de um ano, e inicia-se no dia 7 de janeiro, data da fundação de O POVO. Ela é a 15ª jornalista a assumir o cargo. Atualmente, os únicos jornais que possuem ombudsman são O POVO e a Folha de S.Paulo. Todos os dias ela produz e distribui um relatório para os jornalistas. Aos domingos, redige uma coluna pública na qual analisa as principais críticas da semana. O tema do texto semanal é definido pela própria Tânia e depende do que foi publicado no jornal durante a semana. Ex-repórter da editoria de Cidades, ela diz que a ombudsperson O POVO não está subordinado à redação e sim à presidência da empresa, atuando como uma espécie de ouvidoria. Mesmo assim, acaba por contribuir com o trabalho da redação, por repassar aos repórteres a opinião do público sobre os mais variados assuntos. “O jornal que possui um ombudsman se aproxima seu leitor. É um canal de transparência,” comenta. De acordo com Plínio Bortolotti, Diretor Institucional de O POVO, os 16 novos membros do Conselho Consultivo de Leitores foram indicados por jornalistas da Redação para mandatos de um ano. Os

A presidente da Empresa Jornalística O Povo, Luciana Dummar (vestido vermelho, ao centro) recepcionou os novos membros do Conselho Consultivo Foto: Rodrigo Carvalho

// É um grande ganho discutir o

jornal com alguém que não faz parte do meio jornalístico

conselheiros reúnem-se mensalmente para analisar, de forma crítica, o fazer jornalístico do Grupo de Comunicação O POVO. O grupo é formado por pessoas de várias idades, classes e profissões, sempre com o objetivo de manter a pluralidade. “Procuramos uma composição que represente a média de leitores do jornal, como empresários, professores, médicos e taxistas,” explica Bortolotti. Os nomes são escolhidos por uma comissão formada

pelo diretor-geral de jornalismo; diretores da redação, diretor institucional, diretor de negócios digitais e mercado leitor, assessora de imprensa, editor sênior, editores executivos e editores adjuntos, do portal e do jornal. Nas reuniões mensais com os conselheiros, é gerada uma ata que em seguida é distribuída entre conselheiros e profissionais de O POVO. O Conselho de Leitores analisa o conteúdo editorial do jornal e seu aspecto gráfico, inclusive a angulação das matérias. Plínio Bortolotti conta que o jornal O POVO tem a tradição de valorizar a proximidade com o público e acredita que os jornais brasileiros são muito refratários à intervenção do leitor, “De modo geral, alguns jornais guardam uma certa distância e algumas vezes um certo temor do leitor. No entanto, a verdade é que se trata de um grande ganho discutir o jornal com alguém que não faz parte do meio jornalístico. O benefício é ter o olhar de alguém que lê o jornal, essa é a vantagem. Submetemos o jornal ao escrutínio do leitor, cuja a crítica é muito valiosa para o jornal", conclui o diretor.

ENTREVISTA/ EUGÊNIO BUCCI

FEVEREIRO/2015

Qual deve ser a resposta do jornalismo a esse desafio? Penso que a resposta deve vir dos meios jornalísticos. Eles deveriam ter um acordo entre si de nunca mais, sob nenhuma justificativa, aceitar realizar debates eleitorais sem a presença de jornalistas livres para perguntar o que julgam pertinente aos candidatos, com direito de réplica.

os delírios do candidato A e os delírios do candidato B. A verdade, nesse caso, entendida como uma leitura dos fatos menos poluída de veleidades e de voluntarismos propagandísticos, só pode emergir do diálogo crítico (e, portanto, um debate mediado) entre as proposições de cada um deles, à luz das necessidades, dos direitos e das indagações da cidadania.

E qual o papel do leitor nisso? O leitor e o telespectador, assim como o ouvinte, deveriam protestar, também. O nosso problema adicional é que muitos deles mal perceberam a real dimensão do vazio aberto pela falta de jornalistas nos debates.

Em que consiste uma imprensa independente, no seu entender? Pensemos a imprensa como instituição social (uma instituição não estatal), e não pensemos tanto em termos deste ou daquele órgão de imprensa. Se vista como instituição, a imprensa pode ser entendida como a resultante dos processos pelos quais a sociedade civil dialoga consigo mesma em relação ao poder, tematizando o poder, lançando pontes que permitem a interlocução da sociedade com o próprio poder (geralmente cristalizado no comando do Estado). A imprensa pode ser independente na exata medida em que não depende, para existir, dos favores, das permissões ou da sustentação financeira vinda do Estado. Além disso, ela precisa também ser independente do chamado poder econômico, que por vezes se materializa em cartéis não-declarados, que tentam direcionar o debate público. A imprensa é mais independente quando a sua sustentação provém diretamente dos cidadãos que compõem a sociedade. Só assim ela poderá ser veículo de críticas em relação ao poder econômico. O mesmo raciocínio vale para o poder das igrejas, que hoje constitui uma fator de graves distorções na demoracia brasileira.

No mesmo artigo, o Sr. afirma que “precisamos da imprensa porque o poder mente, mesmo quando seus agentes não desejam mentir”. Como é isso? É isso mesmo. Quando entregue à lógica de seu próprio monólogo, o poder tende a mentir, pois se lança ao autoelogio sem travas, o que é uma forma estranha de discurso patológico, mitômano, possuído pelo culto de si mesmo. A democracia depende de contrapesos e da contestação, o que, nesse caso, só pode ser proporcionado pela instituição da imprensa. Não há outro modo. Não é verdade que, sem imprensa, o público faria isso sozinho. Esse é um raciocínio enganoso. Sem imprensa, o público não faria isso pela simples razão de que a imprensa nada mais é do que a forma concreta, histórica, pela qual as sociedades livres questionam o poder. Se não há imprensa, é porque, naquela sociedade, o poder não está sendo investigado, debatido e questionado. É possível mudar esse quadro? Sim. Isso depende, antes de mais nada, da atitude dos próprios veículos e dos profissionais de imprensa. É preciso ir a público e explicar o significado sombrio dessa tentativa delirante do poder de expulsar os jornalistsa dos debates eleitorais. Há quem cobre do jornalismo que seja objetivo no sentido de que se limite a apresentar os fatos e as versões de cada parte envolvida em cada questão. Por exemplo: apresentar a versão do governo e a da oposição, deixando ao leitor a avaliação crítica. Isso é bom jornalismo? Objetividade não é isso. Objetividade, no jornalismo, resulta do

Foto: divulgação

exercício crítico da intersubjetividade. A objetividade não é apenas o discurso que decorre dos objetos (em oposição ao discurso subjetivo, que seria aquele que decorre dos pontos de vista subjetivos, sem laços com a realidade objetiva). Na imprensa, a objetividade é produzida pelo diálogo (e não apenas pelo embate) das várias versões, dos vários critérios, das várias leituras possíveis dos fatos de domínio comum. A intermediação, aí, é imprescindível e insubstituível. Essa intermediação precisa passar por instâncias relativamente independentes em relação aos grupos que disputam diretamente o poder. Aí é que entra o papel essencial da imprensa. Só ela pode proporcionar esse tipo de mediação. Não que ela seja o critério final da verdade. Não é. Ela é apenas indispensável para a qualidade do debate público. Sem ela, vou repetir, não há democracia e muito menos eleições de qualidade. O Sr. já afirmou que a verdade "não é a média aritmética entre duas mentiras". Poderia detalhar isso? Claro. Quem acredita que da troca de ofensas entre dois candidatos pode emergir a verdade, acredita que a verdade é a média aritmética entre duas mentiras (as mentiras de cada um dos dois candidatos). Isso é um absurdo, um claro absurdo, mas é nisso em que acreditam os partidos que acreditam que não são necessários os jornalistas no debate eleitoral. A verdade não resulta do choque entre

O Sr. foi presidente da Radiobrás no primeiro governo Lula. Num debate sobre emissoras públicas, algum tempo depois, afirmou que elas não são transparentes nem têm independência, comprometendo a liberdade de imprensa. Por quê? Porque não há dados disponíveis, públicos, abertos, sobre os detalhes da gestão de cada uma delas. Não houve, no nosso país, uma evolução da transparência nas emissoras públicas no mesmo nível em que se deu a evoução da transparência do próprio Estado. Aliás, a publicidade oficial no Brasil também não é transparente. Por fim, o nível de independência das emissoras públicas no Brasil é baixo porque elas não são geridas por diretorias independetes, mas por diretorias

5 nomeadas formal ou informalmente pelos governos. A presidente Dilma passou o primeiro mandato afirmando que o único controle da mídia que admite é o controle remoto. Antes mesmo de eleita, assinou a Declaração de Chapultepec. Agora fala em “regulação”, em termos vagos, embora alguns setores do PT explicitamente defendam que a regulação seja aplicada sobre o conteúdo. Imprensa independente é compatível com regulação? Há um grande mal-entendido aqui. A imprensa não deve ser regulada, de nenhuma maneira. Por outro lado, o mercado em que atuam os meios de comunicação não apenas pode, como deve e precisa de regulação. É assim nas grandes democracias que aí estão. É assim há muito tempo nos EStados Unidos, na França, no Reino Unido, etc. Regular o mercado não é regular o conteúdo. Aliás, regular o mercado é proteger o conteúdo contra interferências estatais nos conteúdos. No Brasil, por exemplo, como o Estado pode ser anunciante, e como não há limites para o que o Estado anuncica, muitas vezes a autoridade pública tenta cooptar editores com base em pressões típicas de anunciantes. Isso é a selva. Isso não é democracia. Não é democrático que igrejas mandem em redes de rádio e televisão. Não é democrático que parlamentares sejam acionistas de empresas que vivem de concessões públicas. Isso precisa ser regulado. E, se isso for democraticamente regulado, a imprensa no Brasil será mais livre e mais plural. A questão da independência da mídia é indissociável da liberdade, não é? No entanto, diante do recente ataque ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, com o assassinato de diversos colaboradores, foram abundantes os comentários condenando a violência, seguidos de um “mas” que, na prática, matizava a condenação e o direito do jornal de publicar o que bem entendesse. Qual a sua opinião a respeito? Não deve haver "mas" nenhum. A democracia precisa suportar a mais radical liberdade de expressão. A democracia deve assegurar esse direito. Tudo pode depois ser discutido na Justiça, é claro. Mas nunca a violência deve ser admitida como limitadora, como um "mas", diante desse valor supremo que é a liberdade de expressão.


/ EUGÊNIO BUCCI

FEVEREIRO/2015

A DEMOCRACIA NÃO PODE PRESCINDIR DA IMPRENSA Prolífico e versátil, Eugênio Bucci é formado em Jornalismo e Direito pela Universidade de São Paulo, onde obteve o doutorado e atualmente é livre-docente. Foi presidente da Radiobrás (2003-2007).

É autor de livros sobre jornalismo e articulista em O Estado de S.Paulo e Época. Nesta entrevista por e-mail, adverte contra a tendência de exclusão do jornalismo do debate político sai perdendo. A publicidade é legítima e necessária nas campanhas políticas, mas não é a instância ideal para a conformação de um ambiente informativo e crítico. Isso só pode ser proporcionado pela imprensa e pelo jornalismo independente. Não é por outra razão que se costuma dizer que sem imprensa livre a democracia não funciona -- e, no limite, não existe.

CARLOS MÜLLER de Brasília

Num artigo publicado após as eleições, o Sr. observou que o marketing político crescentemente trata de impedir que os jornalistas abordem e questionem os candidatos. Poderia sintetizar essa análise? Eu quis chamar a atenção do público para a clamorosa ausência de jornalistas nos debates. Vimos isso em todas as emissoras, num cenário praticamente sem exceção. Por exigência das campanhas, quero dizer, do marketing das campanhas de cada candidato, a figura do repórter com a incumbência de questionar os candidatos foi vetada. É interessante observar que, nisso, os candidatos estavam perfeitamente de acordo entre si. Daí me veio a seguinte pergunta: isso significa que a democracia pode prescindir da imprensa? Pode parecer uma pergunta um tanto extremada, mas não é bem isso. Veja que, para os candidatos e seus partidos, o debate ideal era aquele sem a presença de jornalistas. Bastava que um candidato pudesse fazer perguntas ao outro e, com isso, o princípio do contraditório estaria perfeitamente atendido. E o que se viu na TV? Algo desolador. Um candidato perguntava sobre um assunto, o outro respondia sobre um tema completamente diferente, e assim o telespectador tinha de se contentar com o dito pelo não dito. Um candidato era cúmplice do outro na construção da mentira pessoal de cada um. Aquilo não era contraditório, mas um diálogo de surdos, em que um não levava em conta o argumento do outro. No final, um ofendia o outro, e nada era esclarecido. A falta que faz o bom

exigências que eles impõem ou os candidatos simplesmente não vão ao debate. A tendência, portanto, é muito forte. Caberá aos meios jornalísticos saber encontrar modos de resisitir a ela.

Quais as consequências disso? A primeira consequência é o empobrecimento perverso do debate público. A outra consequência é o enfraquecimento da instituição da imprensa. Não há como não constatar que a imprensa sai debilitada desse processo. Ela sai relativamente humilhada. É como se os partidos políticos dissessem, em coro, em uníssono, para os órgãos de imprensa: "Ei, vocês não são necessários! Podemos muito bem fazer uma eleição sem a presença incômoda de vocês!". De nossa parte, seria o caso de perguntar: eleições sem imprensa são realmente eleições livres? Seria também o caso de perguntar: qual o compromisso desses candidatos com a democracia, se eles entram num acordo entre si para expulsar os repórteres dos debates?

Estamos assistindo a uma desintermediação da informação a exemplo do que ocorre, em parte, com a publicidade? Sem dúvida. Os debates sem jornalistas são exatamente isso: a prevalência do discurso publicitário, decorado pelos candidatos, que podem monologar à vontade, sem ter de prestar esclarecimentos ao cidadão e à imprensa. Isso esvazia os debates de conteúdo crítico. Os debates deixam de ser esclarecedores e o eleitor é quem

É apenas uma questão de marketing e de cultura política ou está associada à emergência das novas tecnologias? Seguramente, as tecnologias estão relacionados a tudo o que se passa à nossa volta. Mas, nesse caso, o problema é exclusivamente de mentalidade política. Mais exatamente, é um problema de falta de culturoa democrática no ambiente eleitoral brasileiro. Nesse sentido, o ponto grave aqui não tem relação direta com tecnologia.

"A verdade não é a média aritmética entre duas mentiras", adverte Bucci ao comentar os debates políticos Foto: Divulgação

jornalismo ficou evidente, mas ninguém parece ter se dado conta disso. Para os partidos, contudo, a democracia ideal é aquele teatro de nonsense, um estúdio sem repórteres capazes de contestar os monólogos de cada um. É essa a democracia que queremos? Queremos mesmo uma democracia sem imprensa? Essa é uma tendência que veio para ficar? Creio que sim, uma tendência forte. O poder de barganha dos partidos é muito grande. Quando estão unidos, como estão nessa exigência de expulsar os jornalistas dos debates, o poder de barganha é maior ainda. Ou as emissoras concordam com as

21

FEVEREIRO/2015

JORNAL E EDUCAÇÃO

4 / ENTREVISTA

JORNAL E EDUCAÇÃO APOSTA EM INOVAÇÃO PARA 2015 O PROGRAMA JORNAL E EDUCAÇÃO 2015 PREPAROU

Divulgação

NOVAS ESTRATÉGIAS PARA CONTRIBUIR COM A EDUCAÇÃO NO BRASIL

O cenário econômico não nega, será um ano desafiador para os jornais. Nessa perspectiva, o planejamento e a inovação tornam-se elementos indispensáveis para se obter bons resultados. Para isso, os jornais têm buscado novas estratégias que permitem manter uma boa audiência. Com o Programa Jornal e Educação não poderia ser diferente. Novos cursos para professores, educação a distância, concursos culturais, mostras e programas de visitas, estão entre as atividades oferecidas pelos jornais, em parceria com o Programa Jornal e Educação. Os programas têm como hábito avaliar anualmente suas ações, e com isso conseguem manter uma rotina de planejamento, atividades e inovações que garantem a satisfação de seus stakeholders. O resultado das avaliações feitas ao fim de cada ano pelos programas é, sem dúvidas, muito importante para auxiliar no planejamento do ano seguinte e para indicar quando o público pede novas ações. Alguns jornais já definiram suas principais ações para 2015. O Programa A Tribuna na Escola, do jornal A Tribuna, de Vitória/ES, irá formar novos Professores nas Oficinas Pedagógicas Compartilhadas. Os participantes contarão com os relatos das experiências dos professores que realizaram práticas inovadoras em 2014. Outra iniciativa será a edição do Caderno Especial – A Escola da Paz, cujo obje-

O POVO dá voz a indígenas e quilombolas Dois alunos da comunidade indígena de Caucaia e dois da comunidade quilombola de Horizonte, municípios da Grande Fortaleza (CE), agora fazem parte do time de Correspondentes O POVO. Eles estão entre os 54 estudantes do 9º ano do Ensino fundamental de escolas públi-

O Programa Jornal e Educação incentiva o uso de jornais nas escolas

tivo é incentivar a cultura da Paz nas escolas. Os professores receberão orientação técnica da coordenação do Programa e posteriormente incentivarão os alunos para a produção das matérias para o caderno especial. A Gazeta do Povo, de Curitiba/PR, fará mudanças na Plataforma de Educação e voltará a utilizar o sistema Moodle. O objetivo é facilitar a navegação e a frequência dos professores. Outra ação do jornal para 2015 é a Pesquisa de Impacto, que será aplicada a alunos e familiares no município de Curitiba. Dentre as ações do programa O Diário na Escola, do jornal Diário do Norte do Paraná, de Maringa/PR, estão os cursos bimestrais para treinamento de professores no uso das mídias nas escolas e a troca de experiências com colegas de profissão, mestres e doutores da área. Outra novidade é o 1º Concurso de Poesias “Notícias em Versos”.

Ler para Crescer, do Diário do Noroeste, de Paranavaí/PR, lança ações em comemoração ao 60° aniversário do jornal, entre elas, palestras para professores com o tema “Gerando Talentos”. Ao comemorar 18 anos, o Programa DM na Sala de Aula, do Diário da Manhã, de Passo Fundo/RS, promove o concurso Jornalista Por Um Dia, em parceria com o Instituto Roberto Pirovano Zanatta. No plano coletivo, o encontro anual dos Coordenadores do Programa Jornal e Educação já tem data. Será no mês de agosto em Uberlândia. Todos serão recebidos pelo Grupo Algar / Programa Algar Lê e pelo jornal Correio de Uberlândia, de Uberlândia/MG. O encontro acontecerá em dois dias e terá uma pauta bastante diversificada. A coordenação da ANJ está esperando a participação de programas de todas as regiões do país.

cas e privadas de Fortaleza e região metropolitana selecionados na oficina de fanzines que ocorreu em 2014. O projeto visa estimular a leitura e a escrita dos jovens e contribuir para a sua inclusão social, por meio de matérias de sua autoria publicadas na coluna Direto da Escola, e no jornal O POVO impresso e Online. Em 2015, o projeto, que faz parte do programa Jornal e Educação, dará aos alunos da comunidade indígena Tapeba e aos quilombolas de Alto Alegre a oportunidade de participar de toda produção e rotina de um jornal. Ao final do programa de um ano, os estudantes recebem prêmios, troféus e o título de

Correspondentes O POVO. “O jornal valoriza o pluralismo, e por isso queremos dar voz, e vez, à todas as classes”, declara Carlos Eduardo, coordenador do programa O POVO na Educação, destacando que os indígenas e quilombolas poderão mostrar um pouco de sua cultura. O blog Correspondentes O POVO, criado neste ano, é um espaço no qual alunos que já participaram do projeto podem publicar matérias sobre seu cotidiano. De acordo com Carlos Eduardo, é visível a melhora na escrita e na leitura dos estudantes, que passam a ter uma nova perspectiva de mundo e formação cidadã.


FEVEREIRO/2015

A REVOLUÇÃO DIGITAL E A SAÍDA DO BURACO

LIVRO

CARLOS MÜLLER de Brasília

A maior parte dos resenhistas de Os Inovadores optou por destacar que ao longo de 575 páginas, Isaacson trata de sustentar a tese de que a história das tecnologias da informação não se caracteriza pela criatividade de gênios isolados, nerds, mas pela colaboração entre muitos cientistas e pesquisadores com sólida formação ou intuição extraordinária - mas, sim, em colaboração. Os resenhistas não se perderam. O próprio autor afirma que esse foi mesmo o seu propósito, embora o subtítulo “Uma biografia da revolução digital” pareça apontar para o caminho oposto ao enfatizar a singularidade do indivíduo, como ocorre normalmente com as biografias, inclusive a de Steve Jobs, escrita pelo próprio Isaacson. Não é um livro fácil de ler ao longo de todos os seus capítulos, apesar do esforço do autor por decodificar as inevitáveis explicações técnicas do avanço tecnológico. Continuará sem entender o elo essencial entre uma válvula, um transístor e um chip quem, na escola, não teve noções de eletrônica, passou displicentemente pelas aulas de física ou, ao contrário de alguns dos personagens do livro, não teve brinquedos instrutivos do tipo do brasileiro Engenheiro Eletrônico. Nada de abalar a autoestima. Basta fazer de conta que entendeu e ir em frente. Vale a pena. Isaacson fez um grande trabalho ao descrever o trajeto da tecnologia digital desde Ada Lovelace, a excêntirca (como não?) filha de Lord Byron, e sua relação com interlocutores como o mais conhecido Charles Babbage, na fase paleolítica da tecnologia digital. E o faz competentemente até os parágrafos finais, nos quais especula sobre a “próxima fase da Revolução Digital [que] trará uma verdadeira fusão da tecnologia com indústrias criativas como a mídia, a moda, a música, o entretenimento, a educação, a literatura e as artes”. Para o eventual leitor desta resenha, presumivelmente ligado de alguma forma à indústria jornalística, sugiro dois outros focos de leitura de Os Inovadores: o primeiro é as origens da ainda atual polêmica (misto de mal-entendido e esperteza) sobre

ENIAC, um dinossauro com capacidade de processamento de uma ameba Foto: Getty Images

a suposta “vocação” da era digital para o gratuito. Issacson mostra de forma cabal como grande parte da inovação na informática foi resultante da colaboração desinteressada de pessoas como Tim BernersLee, hackers como Stewart Brand e ativistas da contracultura, malucos-beleza como Ken Kesey, que achavam a tecnologia um barato e que poderiam, dessa forma, sabotar os desígnios orwellianos do “complexo industrial-militar”. Foi algo tão intenso que Brand, escrevendo para a revista Time sobre a influência da contracultura no

OS INOVADORES - Uma biografia da revolução digital Walter Isaacson 575 páginas

desenvolvimento do computador pessoal, afirmou: “Devemos tudo aos hippies”. O idealismo contracultural, como Woodstock, não resistiria aos anos. Não pela sua ingênua generosidade, mas devido ao próprio desenvolvimento da tecnologia digital até penetrar todas as esferas da atividade humana. A tensão é real como sintetizada numa frase do mesmo Brand na primeira conferência hacker, em 1984 (em geral maliciosamente reproduzida apenas em sua segunda metade). Ele mesmo resumiria mais tarde: "Por um lado, a informação quer ser cara, porque é tão valiosa... por outro lado, quer ser livre porque o custo se torna menor o tempo todo". Isaacson ajuda a entender essa tensão tão atual. O segundo foco, relacionado ao primeiro, diz respeito a outro tema atualíssimo: o financiamento da produção de conteúdo em meio digital. Nesse ponto Isaacson dá um testemunho pessoal. Ele era editor de novas mídias da Time na primeira metade dos anos 90. “De início planejamos cobrar uma pequena taxa ou assinatura, mas os publicitários da Madison Avenue ficaram tão encantados com a nova mídia que acorreram ao nosso prédio, oferecendo-se para comprar banners... O resultado não foi um modelo de negócios sustentável”. Ou, como diz Jaron Lanier, o autor de Who Owns de Future: “Todo negócio de usar publicidade para financiar a comunicação na internet é inerenetemente autodestrutivo”. Em 2015 ainda estamos buscando a saída desse buraco.

3

FEVEREIRO/2015

ENTRE LINHAS Chamada para a eternidade Julio Scherer García era um ícone e reserva moral do jornalismo mexicano. Junto com Vicente Leñero e outros intelectuais fundou a revista Proceso de grande prestígio até hoje. Em novembro de 1994, a matéria de capa era o escândalo de corrupção envolvendo Raúl Salinas, irmão do presidente Carlos Salinas. Tão competente quanto gozador, Scherer socorreu Leñero que não encontrava uma chamada adequada. “El Hermano, Incómodo”, soprou Scherer García e, para tripudiar, sapecou: “Dime que te gusta, dime que te fascina, dime que te enloquce”. Leñero faleceu de câncer, aos 81 anos, no dia 3 de dezembro do ano passado. Scherer García, em 7 de janeiro último, aos 88 anos, de um choque séptico. Seu último texto foi um artigo sobre o amigo Leñero. Apesar das provas irrefutáveis e do patrimônio incompatível com seus ganhos legais, Raúl foi absolvido das acusações de enriquecimento ilícito em 12 de dezembro de 2014 (sic), mas jamais deixará de ser “El hermano incómodo”.

// O terror está

funcionando, porque agora a principal preocupação dos medios de comunicação e dos terroristas é a segurança pessoal. Temos que enfrentar isso"

JON LEE ANDERSON Jornalista, autor de grandes reportagenms internacionais

800 anos

De assinatura da “Magna Carta”. É o que os ingleses comemoram em 2015, o primeiro documento com características constitucionais.

50 anos

Há 50 anos, o fundador da Intel, Gordon Moore, enunciou o que ficou conhecido como “Lei de Moore”, segundo a qual a densidade do transístor dobra a cada 18 meses. Segundo o diretor sênior da Intel, Mark Bohr, ela continuará em vigor.

Entre 88% e 98%

Dos anúncios digitais em plataformas como Google, Yahoo, Facebook e LinkedIn contêm fraudes nos números de interação, segundo pesquisa feita pela Oxford BioChronometrics.

19,3%

Foi o crescimento da receita de publicidade digital do The New York Times no quarto semestre de 2014.

CONTEUDO

22

O QUE ACONTECE NA INDÚSTRIA JORNALÍSTICA DO BRASIL E DO MUNDO

IRONIA AOS COMUNISTAS NO JORNAL DO PC FRANCÊS G e o r g e s Wolinski, o veterano cartunista morto no massacre terrorista contra o jornal satírico Charlie Hebdo , tinha 80 anos e, não apenas pela idade, era um dos mais prolíficos profissionais franceses, com mais de 90 álbuns compilando os desenhos publicados em inúmeros jornais e revistas. Seus desenhos eram simples, e frequentemente a piada estava nos “balões” em textos que poderiam ser mais longos que o usual em cartuns. Seu traço (o duplo sentido não é involuntário) mais característico, assim como o de seus colegas do Charlie, era a irreverência em relação a tudo e a todos. É o que fica evidente no cartum

Cartum publicado no jornal L'Humanité, do PC Francês

acima, publicado no jornal L’Humanité, do Partido Comunista, no qual trabalhou de 1977 a 1984. Aqui ele ironiza a pequena expressão eleitoral dos então seguidores de Georges Marchais. “Queridos camaradas”, afirma o homem à janela, num suposto comício, ao que um grupo de apenas oito pessoas às suas costas responde: “Eh! Estamos aqui”.

GRÁFICO DA EDIÇÃO

Notícias locais são as mais lidas

Editorias/cadernos preferidos Notícias da cidade/Cotidiano Esportes Notícias policiais Política brasileira Classificados Cultura/Lazer Economia brasileira Celebridades/Fofocas Automóveis Horóscopo Coluna social Clima/Tempo Novelas Economia Internacional Política Internacional Editoriais/Articulistas/Colunistas Ciência Internacional/Mundo (Exceto Política e Economia) Meio Ambiente Turismo/Viagens Outros NS/NR

Que parte, assunto ou caderno do jornal o brasileiro costuma ler? A pergunta integrou a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, SECOM, cujos resultados foram divulgados em dezembro do ano passado. Notícias da cidade e do cotidiano foram as mais apontadas, seguidas pelas informações sobre esportes, o que era previsível. Também sabido é que o noticiário sobre economia, internacional, opinião, ciência e meio ambiente não têm muitos leitores, embora em geral

28 24 16 14 12 10 10 9 8 7 4 4 4 3 3 3 3 2 2 1 1 8

esses sejam leitores qualificados. O que não deixa de ser surpreendente foi a preferência relativamente baixa por celebridades e fofocas, horóscopo, coluna social e novelas. Veja a cima os resultados publicados na página 72 do relatório da PBM 2015.


/ARTIGO

FEVEREIRO/2015

MAU COMEÇO

J

CARLOS MÜLLER é editor do Jornal ANJ

ornalistas decaptados pelo Estado Islâmico e massacre na redação do Charlie Hebdo indicam que a intolerância violenta avança enquanto, mesmo no Brasil, haja quem relativize os crimes

Somente um otimista incurável pode não ficar extremamente preocupado com a situação da Liberdade de Expressão neste início de 2015. Como demonstram os dados compilados pela organização Repórteres Sem Fronteira (RSF) desde 1995, ela é alarmante (ver página 6). Embora o número de assassinatos de profissionais de imprensa tenha diminuído em 2014, ainda foi superior a três dos últimos dez anos. Desde 2005, 720 jornalistas foram mortos, segundo a RSF. No Brasil, foram 19, desde 2008, conforme os dados do Comitê de Liberdade de Expressão da ANJ. A gravidade da questão não se esgota nos números de vítimas, aos quais é preciso acrescentar os de jornalistas presos (853), sequestrados (119) e ameaçados ou severamente agredidos (1.846), somente em 2014, sempre segundo a RSF. No Brasil, o total de violações da liberdade de expressão chegou a 136 no ano passado, incluindo três assassinatos; e, apesar disso, significou uma melhora em relação às 152 violações à liberdade e aos quatro assassinatos ocorridos no ano anterior. Desde o segundo semestre de 2014, o problema adquiriu contornos ainda mais tenebrosos com a sequência de degolas de jornalistas e de outras pessoas por parte do chamado Estado Islâmico, um ator recente no cenário internacional que parece determinado a estabelecer um novo padrão para o terrorismo. Não bastasse isso, mal iniciado 2015, o mundo assistiu chocado o massacre perpetrado na redação do semanário satírico francês Charlie Hebdo. Dessa vez, de forma algo surpreendente, foi capaz de dar uma resposta política ampla e inequívoca. Duas circunstâncias agravam a crueldade da imensa maioria dos casos: a primeira é que as mortes e ferimentos não foram decorrentes da

ANJ

ASSOCIAÇÃO  NACIONAL DE JORNAIS

PRESIDENTE: Carlos Lindenberg Neto - CAFÉ - A Gazeta/ES VICE-PRESIDENTE FINANCEIRO Jaime Câmara Júnior - O Popular/GO VICE-PRESIDENTE SECRETÁRIO Álvaro Teixeira da Costa - Correio Braziliense/DF VICE-PRESIDENTES Ana Amélia Filizola- Gazeta do Povo/PR Francisco Mesquita Neto - O Estado de S.Paulo/SP João Roberto Marinho - O Globo/RJ Judith Brito- Folha de S.Paulo/SP Luciana de Alcântara Dummar - O Povo/CE

Mário Gusmão - Jornal NH/RS Nelson Sirotsky - Zero Hora/RS Sylvino de Godoy Neto - Correio Popular/SP Walter de Mattos Jr. - Diário Lance!/RJ

DIRETOR EXECUTIVO: Ricardo Pedreira

AS­SO­CIA­DOS

SÓCIOS HONORÁRIOS Jayme Sirotsky, Paulo Cabral de Araújo, Demócrito Rocha Dummar e João Roberto Marinho

exposição a riscos inerentes a coberturas de conflitos, mas resultantes da ação deliberada e por vezes planejada de indivíduos, grupos ou forças governamentais cujo denominador comum é a intolerância violenta. Mesmo no Brasil, onde as lesões e os danos ocorridos nas agressões e ataques a profissionais e veículos de mídia foram geralmente (mas com exceções importantes) de menor gravidade, é alarmante que os autores foram, predominantemente, agentes do Estado. Mais ainda, são abundantes as evidências de que seus autores agiram com o intuito claro de atingir quem tratava de cumprir seu dever de apurar e informar. Raramente a intolerância se esgota em si mesma. Quando praticada contra profissionais e veículos de mídia, a violência busca atingir outros objetivos e não apenas suas vítimas diretas. Não quer apenas punir o dissenso, mas também intimidar os demais, impor, pelo medo, seus preconceitos, ódios e ambições cuja adoção jamais se daria pelo consenso ou por qualquer mecanismo democrático. E é por isso que os casos mais graves aqui mencionados podem ser qualificados como ações terroristas. Nessas circunstâncias emerge o segundo aspecto chocante da questão: a ação violenta justificada ou relativizada em sua gravidade por pessoas que, até por motivos profissionais, deveriam ter uma melhor compreensão do papel da liberdade de expressão na vigência das instituições democráticas e repudiar tais ações de forma incondicional. O que se viu no caso do Charlie Hebdo, entretanto, foram inúmeras manifestações nas quais, após condenações protocolares, seus autores interpunham um “mas”, que atenuava a culpa dos terroristas, transferindo-a, ao menos em parte, às vítimas. Definitivamente, um mau começo de ano.

ACRE A Gazeta - Rio Branco ALAGOAS Gazeta de Alagoas - Maceió AMAZONAS A Crítica - Manaus Dez Minutos - Manaus Diário do Amazonas - Manaus Jornal do Commercio - Manaus BAHIA A Tarde - Salvador Correio* - Salvador Massa! - Salvador

PARANÁ Correio Paranaense - Curitiba Diário do Noroeste - Paranavaí Folha de Londrina - Londrina Gazeta do Povo - Curitiba Jornal da Manhã - Ponta Grossa Jornal de Londrina - Londrina O Diário do Norte do Paraná - Maringá O Estado do Paraná Online - Curitiba O Paraná - Cascavel Tribuna do Norte - Apucarana Tribuna do Paraná - Curitiba Umuarama Ilustrado - Umuarama

CEARÁ Diário do Nordeste - Fortaleza O Povo - Fortaleza

PERNAMBUCO Diario de Pernambuco - Recife Folha de Pernambuco - Recife Jornal do Commercio - Recife Jornal Extra de Pernambuco - Caruaru

DISTRITO FEDERAL Correio Braziliense - Brasília Jornal de Brasília - Brasília

PIAUÍ Jornal Meio Norte - Teresina O Dia - Teresina

ESPÍRITO SANTO A Gazeta - Vitória A Tribuna - Vitória Notícia Agora - Vitória Tribuna do Cricaré - São Mateus GOIÁS O Popular - Goiânia MARANHÃO O Estado do Maranhão - São Luís O Imparcial - São Luís MATO GROSSO A Gazeta - Cuiabá MATO GROSSO DO SUL Correio do Estado - Campo Grande O Estado de Mato Grosso do Sul Campo Grande O Progresso - Dourados MINAS GERAIS Correio de Uberlândia - Uberlândia Diário do Comércio - Belo Horizonte Estado de Minas - Belo Horizonte Hoje em Dia - Belo Horizonte Jornal da Manhã - Uberaba O Tempo - Belo Horizonte Tribuna de Minas - Juiz de Fora PARÁ Amazônia - Belém Correio do Tocantins - Marabá Diário do Pará - Belém O Liberal - Belém PARAÍBA Correio da Paraíba - João Pessoa Jornal da Paraíba - Campina Grande

RIO DE JANEIRO A Voz da Cidade - Barra Mansa Diário Comercial - Rio de Janeiro Diário do Vale – Volta Redonda Diário Lance! – Rio de Janeiro Diário Mercantil - Rio de Janeiro Extra - Rio de Janeiro Folha da Manhã Campos dos Goytacazes Folha Dirigida - Rio de Janeiro Jornal Corporativo - Rio de Janeiro Jornal do Commercio - Rio de Janeiro Monitor Mercantil - Rio de Janeiro O Debate – Diário de Macaé - Macaé O Diário de Teresópolis - Teresópolis O Fluminense - Niterói O Globo - Rio de Janeiro O São Gonçalo - São Gonçalo RIO GRANDE DO NORTE Gazeta do Oeste - Mossoró Novo Jornal – Natal Tribuna do Norte - Natal RIO GRANDE DO SUL Correio do Povo - Porto Alegre Diário da Manhã - Passo Fundo Diário Popular - Pelotas Gazeta do Sul - Santa Cruz do Sul Jornal do Comércio - Porto Alegre Jornal do Povo - Cachoeira do Sul Jornal NH - Novo Hamburgo O Sul - Porto Alegre Pioneiro - Caxias do Sul Jornal VS - São Leopoldo Zero Hora - Porto Alegre RONDÔNIA Diário da Amazônia - Porto Velho

RORAIMA Folha de Boa Vista - Boa Vista SANTA CATARINA A Notícia - Joinville Correio Lageano - Lages Diarinho - Itajaí Diário Catarinense - Florianópolis Jornal de Santa Catarina - Blumenau Notícias do Dia - Florianópolis SÃO PAULO A Cidade - Ribeirão Preto A Tribuna - Santos Comércio da Franca - Franca Comércio do Jahu - Jaú Correio de Itapetininga - Itapetininga Correio Popular - Campinas Cruzeiro do Sul - Sorocaba DCI-Comércio, Indústria e Serviços - São Paulo Diário - Marília Diário da Região - S. José do Rio Preto Diário de Notícias - São Paulo Diário de S.Paulo - Osasco Diário de Suzano - Suzano Diário do Alto Tietê - Mogi das Cruzes Diário do Litoral - Santos Diário Regional - Diadema Expresso Popular - Santos Folha da Região - Araçatuba Folha de S.Paulo - São Paulo Gazeta de Piracicaba - Piracicaba Gazeta SP - São Paulo Jornal Cidade de Rio Claro - Rio Claro Jornal da Cidade - Bauru Jornal de Piracicaba - Piracicaba Jornal Exemplo - Indaiatuba Jornal Propaganda e Marketing - São Paulo Mogi News - Mogi das Cruzes Notícia Já - Campinas O Diário de Mogi - Mogi das Cruzes O Estado de S.Paulo - São Paulo O Regional - Catanduva O Vale - São José dos Campos TodoDia - Campinas Tribuna de Indaiá - Indaiatuba Tribuna Impressa - Araraquara Valor Econômico - São Paulo SERGIPE Jornal da Cidade - Aracaju Jornal do Dia - Aracaju TOCANTINS Jornal do Tocantins - Palmas SÓCIO COLABORADOR Pisa Indústria de Papéis Ltda.

SE­DE

SCS - Quadra 1 - Bloco K -Edifício Denasa - 14º andar — Telefone: (61) 2103-7488 - Fax: (61) 3322-1425 CEP: 70398-900 - Brasília - DF - Brasil - Internet: http://www.anj.org.br

JORNAL ANJ DIRETOR RESPONSÁVEL Ricardo Pedreira

IMPRESSÃO Correio Braziliense /DF

EDITOR Carlos Müller Reg. nº 518/3/23 E-mail: carlos.muller@anj.org.br

COMERCIALIZAÇÃO Mais Comunicação Tel.:(61) 3328-5683 www.maiscomunicacao.com

EDITORA ASSISTENTE Alana Letícia Araújo

Best Publicidade e Marketing Tel.:(11) 32592739 E.mail: ricardo@comercialsaopaulo.com.br

PROJETO GRÁFICO Gil Dicelli DIAGRAMAÇÃO Enir Menezes Mendes Foto capa: Tuca Reines

23

FEVEREIRO/2015

APOIO Juliana Toscano E-mail: juliana.toscano@anj.org.br

EMPRESA PARCEIRA DA ANJ

LUIZ FERNANDO ROCHA LIMA *

PONTO DE VISTA

2

RISCO E CASTIGO CABE A CADA VEÍCULO, A CADA REDAÇÃO, A CADA EDITOR, ELEGER OS CRITÉRIOS DO QUE PODE ATENDER MELHOR OS INTERESSES DO SEU PÚBLICO. E ISSO SÓ SE FAZ SOB O IMPÉRIO DA LIBERDADE Os disparos das armas terroristas, que no dia 7 de janeiro assassinaram 12 pessoas e ensanguentaram a sede do satírico semanário Charlie Hebdo, ressoaram nas redações da maioria dos jornais do mundo. Provocaram, junto à emoção diante da violência do episódio, palpitante discussão sobre o valor e a relevância da liberdade de expressão e de imprensa. Polêmica que dominou segmentos jornalísticos, acadêmicos, núcleos religiosos e boa parte da sociedade. Parece claro que a atitude de milhares de franceses, ocupando praças e ruas de Paris, ainda sob a tensão da chacina, potencializou o impacto que tirou da zona de conforto representativos segmentos sociais e, principalmente, as salas de redação dos mais diversos veículos de comunicação. O fato levou ao limite reflexões sobre conceitos de censura, direito à retaliação, privilégios às crenças religiosas, liberdade de expressão, de manifestação e de imprensa, e à prevalente conclusão sobre a importância da defesa dessas liberdades. Dúvidas sobre isso, se havia, certamente foram dissipadas nas vozes das multidões, que continuaram tomando conta das ruas de Paris e do mundo. Junto à certeza, o questionamento: teriam limites essas liberdades? Pareceme firme a convicção de que a liberdade deve, sim, ser tratada como dogma. Somente sua integralidade conceitual permite a autonomia sobre a decisão do que fazer ou deixar de fazer. Qualquer relativação será sempre sustentada em conveniências. Somente a lei pode ser o limite. Jornais e jornalistas a conhecem, assim como as consequências quando transgredida, inclusive as promovidas por seus leitores. Ao se permitir publicar ironias e desenhos críticos acerca de símbolos religiosos, o Charlie Hebdo usou os mesmos conceitos de liberdade de que dispõem outros veículos de não os publicarem. Assumiu o risco no limite da liberdade que a democracia francesa

Estudantes de jornalismo franceses apoiaram o Charlie Hebdo, mas a reprodução dos cartuns é uma decisão de cada editor Foto: GettyImages

lhe garante, e riscos fazem parte do jornalismo. Afinal, a difusão de fatos e pensamentos nem sempre conta com a unanimidade em sua recepção, muito pelo contrário. Certamente, boa parte das publicações do mundo não concorda com a linha do Charlie Hebdo, mas aparece como evidente que a maioria defende firmemente o seu direito de adotá-la. Cabe, a cada veículo, a cada redação, a cada editor, eleger os critérios do que pode atender melhor os interesses do seu público. E isso só se faz sob o império da liberdade. Qualquer ameaça a esses princípios carrega o odor acre da censura. Na democracia, há espaço para que indivíduos, grupos ou instituições se julguem especiais ou imunes à crítica e no de se derivar ao terreno da difamação, da ofensa ou da injúria, o caminho é crivo da lei, pelo poder judiciário. Por entender pertinente, transcrevo trecho do editorial publicado pelo jornal O Popular , neste 8 de janeiro:

“As tentativas de censura, condução ou interferência na linha editorial de veículos de comunicação, seja por meio da pressão política ou econômica, mesmo que pontuais, dissimuladas, sutis ou institucionalizadas sob qualquer título, inclusive com codinomes como 'regulação', em caso de sucesso fazem uma única vítima, a sociedade.” O Charlie Hebdo assumiu os riscos e pagou caro, com o castigo capital de vários de seus integrantes, mas permanece, como demonstra, firme em suas convicções. O episódio e a postura do semanário francês representam, de forma trágica, mas eloquente, a resistência aos desafios e às pressões por que passam todas aqueles que têm sua prática jornalística sustentada na independência, na isenção e no respeito às liberdades democráticas. É um exemplar espelho. *Luiz Fernando Rocha Lima é diretor de Conteúdo Editorial do Grupo Jaime Câmara


24

www.anj.org.br FEVEREIRO/2015

FEVEREIRO/2015/#253

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS

CELULARES/

JORNALISMO E PUBLICIDADE NO BOLSO DO LEITOR PÁGINAS 11 A 14

ENTREVISTA

Eugênio Bucci: não há democracia sem jornalismo PÁGINAS 4 E 5

CIDADANIA

Bom humor no apoio a iniciativas PÁGINA 19


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.