Revista A República 9ª Edição

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Fala, Presidente!

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m ato que tem a intenção de provocar terror, morra quem morrer: uma criança, um homem, ou um político. Ou uma ação premeditada para golpear uma pessoa específica em busca de um efeito preciso. O desafio de tipificar o terrorismo, um fenômeno complexo que se modifica em alta velocidade, é um dos mais polêmicos a ser enfrentado pelo estado brasileiro. Tudo isso, antes de dezenas de delegações, centenas de autoridades e milhares de turistas desembarcarem no país, todos ávidos para ver a Copa do Mundo. Suprir essa lacuna na legislação, estabelecendo tipos penais específicos, é dever do Brasil. Para se ter uma ideia, sem a devida regulamentação do crime, o país está deixando de cumprir 13 tratados internacionais dos quais é signatário, entre eles a Convenção Internacional da ONU para a Repressão do Financiamento do Terrorismo e a Convenção Interamericana contra o Terrorismo. O assunto é o foco da reportagem de capa desta edição da revista A República. Ainda no âmbito das relações internacionais, a publicação traz entrevista com o único representante brasileiro a compor a diretoria da Associação Internacional de Procuradores (na sigla em inglês, IAP), o promotor de justiça do Ceará Manuel Pinheiro. Ele explica como a entidade pode contribuir para o fortalecimento do Ministério Público (MP), por meio de parcerias com instituições do porte das Nações Unidas. Pinheiro revela, também, como pretende fomentar o intercâmbio de membros do MP brasileiro com outros países vizinhos, seja por meio de seminários, seja com a abertura de vagas para treinamentos. Ele explica tudo sobre o Prosecutors Exchange Program (PEP) e a possibilidade de abrir novas portas para o MP no exterior. Mudando o foco para direitos humanos, A República analisa as políticas de enfrentamento ao crack. A droga, que se tornou um problema crescente nos centros urbanos, soma 2,8 milhões de usuários. Em São Paulo, pesquisas apontam que 36,5% da população já usou o entorpecente. A reportagem revela as dificuldades para lidar com os usuários da droga e para superar o vício. Nesta edição, a revista traça, ainda, um panorama da atuação da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público da União (Frentas) na defesa da Proposta de Emenda à Constituição nº63/2013. Tramitando na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, a proposição regulamenta a valorização por tempo de magistratura. Trata-se da instituição de parcela indenizatória, calculada em 5% do subsídio a cada quinquênio. Tendo em vista os 50 anos do Golpe Militar de 1964, em artigo, a procuradora regional da República Inês Virgínia Soares Prado fala sobre a exposição ‘(Re)Conhecer... Para Nunca Esquecer’, que está sendo feita na sede da Procuradoria Regional da República da 3ª Região, localizada em São Paulo (SP). Boa leitura! Alexandre Camanho de Assis

Revista A República Esta é uma publicação da Associação Nacional dos Procuradores da República Diretoria Biênio 2013/2015 Presidente Alexandre Camanho de Assis (PRR1) Vice-Presidente José Robalinho Cavalcanti (PR/DF) Diretor de Comunicação Social Alan Rogério Mansur (PR/PA) Diretor para Aposentados José R. Ferreira (aposentado/PGR) Diretora-Secretária Caroline Maciel (PR/RN) Diretor Financeiro Gustavo Magno Albuquerque (PR/RJ) Diretor de Assuntos Legislativos Sergei Medeiros Araújo (PRR3) Diretora Cultural Monique Cheker de Souza (PR/RJ) Diretor de Assuntos Corporativos Maria Hilda Marsiaj Pinto (PRR4) Diretor de Assuntos Institucionais Léa Batista de Oliveira (PR/GO) Diretor de Assuntos Jurídicos Antônio Edílio M. Teixeira (PRR5) Diretora de Eventos Zani Cajueiro (PR/MG) Revista A República Abril de 2013 Tiragem: 4.000 exemplares Foto da capa: Pedro Lino Jornalista Responsável Renata Freitas Chamarelli MTB – 6945/15/172-DF Edição: Renata Freitas Chamarelli Textos: Rafania Almeida e Sylvia Dimittria Projeto Gráfico: Pedro Lino Contato: SAF Sul Quadra 4 Conjunto C Bloco B Salas 113/114 – Brasília (DF) Cep 70.050-900 Fone: 61 – 3961-9025 Fax: 61 – 3201-9023 e-mail: imprensa@anpr.org.br Twitter: @Anpr_Brasil Facebook: ANPRBrasil www.anpr.org.br

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Índice

Curtas

5e6 Em Destaque

30º ENPR

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Parlamento

Mobilização

Frente Associativa defende valorização por tempo de magistratura

Zonas de amortecimento terão plano de manejo

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Entrevista

ANPR recomenda

Parceria amplia horizontes internacionais

Nossos escritores

Capa

O terrorismo de acordo com o calendário da Copa do Mundo

14-17 Integração

A longa luta contra o crack

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18-19

21 Artigo

PRR3 e suas paredes sem olvidos: Grafites na fachada para lembrar os 50 anos do Golpe

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Curtas Membros do MP defendem retorno da capacidade eleitoral passiva na Câmara dos Deputados Legislativo. Ele conseguiu 191 assinaturas e a proposta comecçou a tramitar com o número 392/2014. “O pleito é justo e absolutamente explicável”, avaliou Fonseca. Contudo, ele alertou que é possível que haja uma resistência de alguns deputados para aprovar o texto. O presidente da ANPR, Alexandre Camanho, já se reuniu com o líder do PSDB, deputado Antonio Imbassahy (BA), com o primeiro vice-líder do partido, deputado Vanderlei Macris (PSDB/ SP), e com deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) (foto) para discutir o tema. “O Congresso Nacional cresce com a presença de membros do MP e o fosso entre as duas instituições, certamente, diminuirá”, argumentou. Ele explicou, também, que a proposição pode

contribuir para o aprimoramento do diálogo entre parlamentares e membros do Ministério Público.

“A proposição pode contribuir para o aprimoramento do diálogo entre parlamentares e membros do Ministério Público”, diz Camanho

Ascom/ANPR

Permitir que os membros do Ministério Público voltem a ter o direito de serem votados. Esse é o pleito que foi levado à Câmara dos Deputados, no início do ano, pelos representantes de classe do Ministério Público Federal e Estadual. Em minuta apresentada ao deputado federal Ronaldo Fonseca (PROS/DF), as associações propuseram emenda à Constituição neste sentido. Incluída pela Reforma do Judiciário de 2004, a alínea “e” do Artigo 128, §5, inciso II da Constituição Federal veda o exercício da atividade político-partidária para membros do MP. “Nossa proposta é alterar o texto constitucional para suprimir essa alínea”, explica o presidente da ANPR, Alexandre Camanho. O parlamentar mostrou-se disposto a defender a matéria no

II Prêmio República: Reconhecimento para membros do MPF e da sociedade civil tério Público. “A parceria entre sociedade e MP é fundamental na busca por resultados cada vez melhores e isso precisa ser reconhecido e valorizado”, afirmou. Camanho lembrou, ainda, o sucesso da primeira edição,

realizada no ano passado. “Foi uma oportunidade de lançar luz sobre iniciativas bem sucedidas, que contribuíram para a defesa da Justiça, da sociedade e do estado democrático de direito”, disse.

Ascom/ANPR

Com o intuito de dar publicidade e reconhecimento ao trabalho dos procuradores da República, o II Prêmio República de Valorização do Ministério Público Federal abriu inscrições de fevereiro a abril. Neste ano, a novidade é a criação de uma nova categoria: Responsabilidade Social. O objetivo é premiar iniciativas da sociedade civil, consideradas parceiras do MP na luta pela cidadania e pelos direitos humanos. De acordo com o presidente da ANPR, Alexandre Camanho, a nova categoria é uma forma de mostrar como a sociedade é importante na atuação do Minis-

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Curtas Innovare: inscrições ficam abertas até 31 de maio O Prêmio Innovare – uma das mais respeitadas premiações da Justiça brasileira – está com inscrições abertas desde o dia 10 de março, para sua 11ª edição. Este ano, o tema para concorrer nas ca-

Instituto Innovare

“Sistema Penitenciário Justo e Eficaz” é o tema da categoria especial

tegorias Juiz, Tribunal, Ministério Público, Defensoria Pública e Advocacia será livre. Na categoria Prêmio Especial, o Innovare dará novamente oportunidade a profissionais graduados de qualquer área do conhecimento. Para concorrer, os interessados deverão encaminhar ao Instituto Innovare iniciativas que já estejam em prática. O tema nesta categoria será “Sistema Penitenciário Justo e Eficaz”. O objetivo é estimular contribuições válidas para o aprimoramento da Justiça no Brasil, que sejam produto do exercício profissional dos participantes. “O sistema prisional está na ordem do dia. Queremos descobrir práticas que já estejam em andamento e que colaborem para a melhoria deste sistema. A nossa expectativa é de que essa discussão possa trazer um bom resultado para toda a sociedade”, afirma o diretor-presidente do Instituto Innovare, Sergio Renault. As inscrições vão até o dia 31 de maio. Em 2013, o Ministério Público Federal não levou o prêmio principal da categoria, mas foi agraciado com menção honrosa. Os subprocuradores-gerais da República Mário Gisi, Denise

Vinci Túlio, Antonio Fonseca e os procuradores da República Daniel César Azeredo Avelino (PR-PA), Anselmo Henrique Cordeiro Lopes (PR-DF), Walquiria Picoli (PRM-S. Mateus), Rodrigo Timoteo Silva (PR-MS), Leonardo Andrade Macedo (PRM-Uberlândia), Eduardo Henrique Aguiar (PR-AC), Álvaro Manzano (PR-TO), Marco Antônio de Almeida (PRM-Dourados) foram reconhecidos pelo trabalho Pacto com os supermercados pela pecuária sustentável no Brasil. O Prêmio Innovare é uma realização do Instituto Innovare, da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, da Associação de Magistrados Brasileiros, da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), com o apoio das Organizações Globo.

Crime organizado será o tema do 31º ENPR

Divulgação

Evento reúne cerca de 300 membros do MPF todo ano

Na 1ª Reunião Ordinária da Diretoria da ANPR de 2014, escolheu-se o tema do 31º Encontro Nacional dos Procuradores da República. Este ano, o assunto que pautará palestras e debates será

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“Crime organizado e suas engrenagens”. O evento ocorrerá em Angra dos Reis (RJ), de 28 de outubro a 2 de novembro. Anualmente, cerca de 300 procuradores da República de todo o país reúnem-se para debater temas importantes para a carreira. Trata-se de uma oportunidade de crescimento e confraternização entre os colegas.


Destaque

Redes sociais aproximam ANPR e sociedade RENATA CHAMARELLI

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um dito grupo de “justiceiros” estampou a campanha da Associação. No texto, a entidade argumentou que a onda de violência que assola o país não pode ser resolvida fazendo justiça com as próprias mãos. A peça teve quase 10 mil visualizações no Facebook e dezenas de compartilhamentos no Twitter. De acordo com matéria publicada pela Folha de São Paulo, ocorre em média um linchamento por dia no Brasil. Antes, eram registrados quatro por semana. Divulgação - Como representante de mais de mil procuradores da República em todo o país, a ANPR trabalha para que essas ferramentas sejam utilizadas cada vez mais em benefício de seus associados. A entidade dá visibilidade à atuação dos colegas nas redes sociais. Os interessados em divulgar vídeos, artigos, livros, reportagens, fotos e outros trabalhos podem encaminhar o material para a Assessoria de Comunicação (imprensa@anpr.org.br). O objetivo é apresentar à comunidade virtual e à imprensa as ações de excelência dos membros do Ministério Público Federal. Ascom/ANPR

atas comemorativas, campanhas de conscientização, notícias importantes. Tudo isso serve de inspiração para a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) quando o assunto é as redes sociais, como Facebook e Twitter. Engajada em divulgar o trabalho desempenhado pelos procuradores da República, a ANPR está ajudando a aproximar sociedade e Ministério Público. De 2013 para cá, o crescimento foi significativo. As campanhas publicadas no Facebook atingiram mais de um milhão de usuários em toda a rede. O número de curtidas na fanpage da Associação saltou de 740 para mais de 2.700, um aumento de 364%. Já no Twitter, foram contabilizados mais de 3.200 novos seguidores levando o perfil da ANPR de 5.200 seguidores para mais de 8.400. A quantidade crescente de acessos decorre de diversas ações desenvolvidas pela entidade. Uma das mais recentes foi a que celebrou o Dia Internacional da Mulher (8 de março). A campanha de conscientização criada pela Associação para a data ultrapassou a marca de 136 mil visualizações e teve mais de 2.100 compartilhamentos. A peça mostra que, apesar da evolução da sociedade quanto às questões femininas, as mulheres ainda têm muito pelo o que lutar. Entre os direitos abordados pela ANPR, estão os relativos a questões trabalhistas, violência e até sexuais. O objetivo é mostrar que nem todos os problemas dependem somente de legislação, mas também do comportamento da sociedade. A campanha chegou a ser publicada nas redes sociais do portal de notícias Brasil Post, derivado do americano Huffington Post, gerando debates sobre o tema na página. Atenta ainda aos últimos acontecimentos no país, a ANPR abordou nas redes a onda de linchamento de supostos criminosos pelo Brasil. Em campanha publicada em 20 de fevereiro, Dia Mundial da Justiça Social, foto do jovem negro acorrentado a um poste após ser espancado por

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Capa

O terrorismo de acordo com o calendário da Copa do Mundo Congresso Nacional corre para aprovar lei antiterror que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, aguarda uma definição há quase 26 anos RAFANIA ALMEIDA

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Divulgação

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om a proximidade do momento de receber delegações e autoridades internacionais para a Copa do Mundo de 2014, o Brasil sofre a vergonha de sequer ter conseguido tipificar o crime de terrorismo em sua legislação. Os debates acalorados, porém rasos, sobre o tema no Congresso Nacional, apenas confundem a população. Alguns grupos já desesperados espalham pela internet que um integrante de uma manifestação popular poderá ser condenado a até 15 anos de prisão, enquanto “corruptos sequer vão para a cadeia”. O diretor do Departamento de Contraterrorismo da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Luiz Alberto Sallaberry, faz um alerta assustador. “Historicamente, desde o descobrimento do Brasil, o país nunca, em tempo algum, esteve tão suscetível a uma ação terrorista como agora”. Enquanto isso, o Brasil mantém uma dívida internacional do não-cumprimento de 13 tratados assinados para tipificar, prevenir e combater o terrorismo. E corre, ainda, o risco de sofrer sanções e ter sua imagem abalada mundialmente. Contudo, a história é um pouco mais antiga, de acordo com o procurador regional da República Luiz Carlos Gonçalves (PRR3). Ele lembra que essa discussão se arrasta por quase 26 anos. “Pior do que ter assinado esses tratados e não ter cumprido é ver o claro mandado expresso de criminalização, que constou da Constituição de 1988 e até hoje está à espera de regulamentação legal”, diz. Gonçalves foi o relator geral da Comissão de Reforma do Código Penal instituída pelo Senado Federal (2011-2012) que discutiu, entre outras questões, o terrorismo. O procurador regional da República explica que a Constituição de 1988 deu ordens ex-

pressas de que o legislador defina um comportamento como crime, como é o caso do terrorismo. O grande desafio em fazê-lo, de acordo com ele, é uma confrontação ideológica. “A esquerda teme que este crime seja usado contra movimentos sociais e a direita pretende exatamente isso. Daí nunca se ter conseguido um texto de consenso, que pudesse ser apoiado por amplos setores”, afirma. Esse foi o cenário apresentado durante as discussões do Projeto de Lei (PLS) 499/2013 na Comissão Mista de Consolidação da Legislação e de Regulamentação de Dispositivos da Constituição, no ano passado e no início de 2014. Relator da proposta, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) afirmou que criminalizar movimentos sociais “nunca foi a intenção do projeto”. Depois de inúmeras reclamações na mídia e nas redes sociais, ele inseriu na nova proposição (PLS 44/2014), encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, um artigo (vide abaixo) exclusivo para “livrar” os movimentos sociais e sindicais de qualquer acusação de terrorismo caso a lei seja aprovada. Excludente de crime - Art. 3º

Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas, movimentos sociais ou sindicatos, movidos por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando

“A esquerda teme que este crime seja usado contra movimentos sociais e a direita pretende exatamente isso. Daí nunca se ter conseguido um texto de consenso, que pudesse ser apoiado por amplos setores”, diz Luiz Carlos Gonçalves

contestar, criticar, protestar, apoiar com o objetivo de defender ou buscar direitos, garantias e liberdades constitucionais.

Temendo que essa alteração não baste, o senador Humberto Costa (PT-CE) e o líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE), avaliaram que a definição prevista no novo Código Penal (CP) é mais precisa e menos subjetiva. Jucá defende que o projeto de lei relatado é mais adequado porque, ao contrário do CP, cria penalizações e é mais abrangente.

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Nesse sentido, o relator ganhou apoio da oposição. O líder do PSDB, senador Aloysio Nunes Ferreira (SP), nega que o texto considere manifestações da população atos de terrorismo e o avalia como “tecnicamente elaborado”. Com a repercussão, o Senado resolveu evitar polêmicas e solicitou que senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) elabore um substitutivo que trate, especificamente, do

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“terrorismo clássico”, para que não sofra resistências. O diretor de Contraterrorismo da Abin avalia que é melhor ter uma legislação para respaldar as ações e que ela seja aprimorada com o tempo do que permanecer num território sem lei. Lacuna - Segundo Romero Jucá, a lei antiterrorismo vem para preencher uma lacuna jurídica e

preparar o país para um combate mais efetivo do crime, especialmente no que diz respeito à repressão penal de conduta odiosa. Atualmente, o terrorismo está inserido na Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990) e na Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983); nova tipificação deve implicar a revogação dessa última, considerada obsoleta pelos juristas.


avalia que a criminalização da organização criminosa, além dos crimes tradicionais, como homicídio e roubo, oferecem um arcabouço para reprimir a atividade terrorista. “O que pode trazer prejuízos ao país junto à comunidade internacional, mais do que a inexistência de uma lei sobre terrorismo, é a omissão, a incompetência e a leniência do Judiciário em aplicar a legislação existente”, destaca. Esses obstáculos para a elaboração de uma lei sobre terrorismo também são relatados pelo procurador regional da República Luiz Carlos Gonçalves. “O terrorismo foi o crime de tipificação mais difícil, em todo o processo de discussão do anteprojeto de novo Código Penal”, conta. Ele lembra como os debates foram intensos e que a solução encontrada se baseou em dois fundamentos. O primeiro trata esse crime como imputação adicional; já o segundo exclui movimentos sociais e reivindicatórios em sua área de incidência. “Pelo primeiro fundamento, não há condutas de terrorismo que já não sejam, em si mesmas, crime. Quando forem praticadas com certa motivação e resultado, elas serão puníveis também como terrorismo”, explica. Segundo ele, ausentes estas características, serão puníveis como crimes comuns. “O sujeito ativo almejado pela tipificação é o terrorista que joga um avião num prédio ou ameaça explodir uma bomba numa concentração de pessoas, não quem luta pela terra, pela educação ou saúde”, esclarece.

Segundo Romero Jucá, a lei antiterrorismo vem para preencher uma lacuna jurídica e preparar o país para um combate mais efetivo do crime Agência Senado

Além do PLS 499/2013, pelo menos outros três projetos de lei sobre o tema estão em tramitação na Casa. Na Câmara, nove proposições acerca do combate ao terrorismo foram reunidas e estão paradas; foram apensadas ao Projeto de Lei (PL) 2.462/1991 e aguardam a criação de uma comissão especial para serem discutidas e levadas a votação em Plenário. “Não temos uma penalização e uma tipificação dura como exige o momento”, disse o senador, referindo-se à Copa do Mundo. Apesar disso, Jucá admite que a tipificação é, em tese, “um pouco genérica” e de difícil definição. “Estamos definindo um ato que gere terror e pânico, uma ação sistêmica, não isolada”, explica. No entanto, o subprocurador-geral da República e professor de Ciências Penais Carlos Eduardo Vasconcelos afirma que esse problema não é uma exclusividade do Brasil, mas de toda a comunidade internacional. Ele explica que os tratados existentes têm âmbito setorial ou regional: contra a tomada de reféns, o financiamento do terrorismo, a lavagem de dinheiro ou atos de terrorismo nuclear. “A ONU (Organização das Nações Unidas) se esforça há anos para concluir uma convenção abrangente”, relata. E completa: “A dificuldade é mais política do que conceitual”. Vasconcelos acredita que não é difícil estabelecer um conceito ou uma definição de terrorismo. “O difícil é fazer com que todos os estados a aceitem, porque querem incluir umas ações e excluir outras, segundo suas conveniências”, ressalta. Apesar das complicações, na visão dele, isso não impede que se estabeleçam estratégias nacionais e internacionais de combate ao fenômeno. Na falta de uma legislação que tipifique o crime no Brasil, o subprocurador-geral da República

Risco iminente - Luiz Alberto Sallaberry lembra que o mundo moderno foi surpreendido em 1972, nas Olimpíadas de Munique, Alemanha, com um ataque terrorista (vide quadro). “Naquele momento, não existia nada do ponto de vista de segurança de inteligên-

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Resoluções do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) I. Ratificação e aplicação dos instrumentos das Nações Unidas - Os países deveriam igualmente por em prática, de imediato, as resoluções das Nações Unidas relativas à prevenção e eliminação do financiamento de atos terroristas.

II. Criminalização do financiamento do terrorismo e do branqueamento de capitais associado.

III. Congelamento e perda de bens relacionados com o terrorismo. IV. Comunicações de transações suspeitas relativas ao terrorismo V. Cooperação internacional VI. Sistemas alternativos de remessa de fundos VII. Controle de transferências eletrônicas VIII. Fiscalização de organizações sem fins lucrativos, vulneráveis ao financiamento do terrorismo

IX. Controle transportadores de numerário, utilizados na lavagem de dinheiro por terroristas

cia para lidar com aquele fenômeno, nitidamente de característica política”, diz. A partir dali, as Nações Unidas se reuniram para criar um estamento legal para lidar melhor com essas situações. O mesmo, segundo ele, ocorreu 30 anos depois, no 11 de setembro, quando terroristas sequestraram dois aviões e os chocaram contra o World Trade Center, destruindo as torres gêmeas e matando cerca de 3 mil pessoas. “Mas dessa vez a motivação era religiosa”, pondera. Foi quando o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) – organismo intergovernamental criado para conceber e promover, a nível nacional e internacional, estratégias contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo – decidiu criar nove resoluções para combater o crime. Elas estabelecem os princípios básicos para detectar, prevenir

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e eliminar o financiamento do terrorismo e dos atos terroristas. O Brasil é signatário dessas deliberações, mas ainda não cumpriu nenhuma delas. A próxima reunião do Gafi em terras tupiniquins deve acontecer em junho, em paralelo aos eventos da Copa do Mundo. E aí vem a principal preocupação de Sallaberry: “Não temos uma legislação e estamos tendo problemas com o Gafi desde 2010. No próximo encontro, essa questão vai ser levantada de novo e estaremos suscetíveis a sofrer as sanções impostas pelo órgão”. Essas punições variam em intensidade, mas pior que isso é o constrangimento e o grande desgaste para o Brasil, no momento em que o país estará com todos os holofotes do mundo voltados para si. De acordo com ele, nenhum país no mundo hoje está preparado para lidar com esse fenômeno.

Ele explica as razões que levam o Brasil a estar cada vez mais próximo de sofrer atentados dessa natureza. “Com os grandes eventos realizados aqui, a presença de outras autoridades vai fazer com que essa temática esteja integrada no nosso dia a dia de ações”, justifica. E, historicamente, a prática do terrorismo em grandes eventos, especialmente esportivos, acabou se tornando comum (veja quadro). O fato de esse crime não ser uma realidade hoje no Brasil pode, segundo Sallaberry, apresentar o país como um território fértil para ação de terroristas. Sem detalhes, ele revela que a Abin, em parceria com outros órgãos, conseguiu identificar e, de forma preventiva, abortar ações com características terroristas. “Mas isso porque estamos trabalhando como se o terror fosse a principal ameaça para o país hoje”, pondera. O sistema de inteligência e segurança brasileiro inclui mais de 30 órgãos públicos, entre eles o MPF, e atua em parceria com 82 países ao redor do mundo. Carlos Eduardo Vasconcelos confirma que a imagem do Brasil é “vendida” como porto seguro para fugitivos da justiça internacional, como ocorreu no caso de Cesare Battisti, condenado pela justiça italiana à prisão perpétua por terrorismo. Ele fugiu para o território brasileiro em 2007 e, em 2009, mesmo com a extradição autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, permaneceu no país por decisão do então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2011, o STF decidiu pela libertação de Battisti, que se encontrava preso no Complexo Penitenciário da Papuda desde 2007. Na avaliação de Luiz Carlos Vasconcelos, “abrigar um terrorista em nosso país é abominável”. “Devemos sempre proceder num espírito de colaboração jurídica internacional”, diz.


Parlamento Frente Associativa defende valorização por tempo de magistratura RENATA CHAMARELLI

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O ministro Ricardo Lewandowski, que deve assumir o posto de presidente da Suprema Corte a partir de novembro – quando termina o mandato do ministro Joaquim Barbosa –, também sinalizou apoio à matéria. Em reunião com Camanho, o ministro afirmou que a aprovação da valorização por tempo de magistratura será uma das prioridades de sua gestão. Senado - As negociações em torno do projeto também foram intensas no âmbito do Legislativo e a interlocução da Frentas com o presidente da CCJ, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), foi constante. De autoria do senador Gim Argello (PTB/ DF), a PEC nº 63/2013 ficou sob a relatoria do senador Blairo Maggi (PR-MT). O parlamentar se mostrou receptivo às sugestões e argumentos apresentados pela Frentas e fez um relatório favorável ao texto. O tema foi abordado pela senadora Ana Amélia (PP-RS) durante discurso no Plenário. Ela pediu ao presidente da CCJ que colocasse

logo a PEC em votação. A parlamentar afirmou que a medida “é uma segurança necessária para todos os profissionais dedicados à carreira jurídica, seja no próprio Judiciário ou no Ministério Público”. Contudo, o senador Blairo Maggi não conseguiu apresentar seu relatório na CCJ. Em março ele se licenciou do cargo, sendo substituído pelo suplente Cidinho Santos (PR-MT). Antes de se licenciar, porém, Maggi atendeu ao pedido da Frentas, da AMB e da Conamp: tentou incluir a leitura do relatório como um item extrapauta na Comissão. Entretanto, o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes (PSDB-SP), não concordou com a medida, por se tratar de proposta de emenda à Constituição. Com a chegada de Cidinho Santos, o presidente da Comissão avocou a relatoria para si. “É um texto consensual entre as carreiras, o que acaba facilitando muito a sua tramitação”, afirmou Vital. A leitura do relatório foi feita por ele no dia 26 de março.

“É inegável a necessidade de criação de mecanismos que permitam retornar a atratividade das duas carreiras”, diz Vital do Rêgo

Ascom/ANPR

esde o início do ano, entidades de classe de membros do MPU e do Judiciário estão trabalhando para conseguir a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 63/2013, que regulamenta a Valorização por Tempo de Magistratura (VTM). A proposição prevê a instituição de parcela indenizatória, calculada em 5% do subsídio a cada quinquênio, e assegura a contagem do tempo em carreiras jurídicas e na advocacia. Eleita como tema prioritário para 2014 pela Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público da União (Frentas), a proposição movimentou os Três Poderes. De janeiro a março, ela foi o foco de reuniões do coordenador da Frentas e presidente da ANPR, Alexandre Camanho, com o vice-presidente da República, Michel Temer, o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Felix Fischer, e os parlamentares da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, entre eles o seu presidente, Vital do Rêgo (PMDB/PB). Ao pedir o apoio de Michel Temer para a aprovação da PEC no Legislativo, Camanho explicou que o objetivo da proposta é reconhecer os serviços prestados ao longo da carreira por aqueles que desempenham papel essencial na promoção, no fomento e na operação do Estado Democrático de Direito. “O vice-presidente Michel Temer considerou a proposição justa e se dispôs a ser um embaixador da matéria junto aos parlamentares”, afirmou Camanho.

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Ascom/ANPR

Entrevista

Parceria amplia horizontes internacionais RENATA CHAMARELLI

Único representante do Ministério Público brasileiro na Associação Internacional de Procuradores (na sigla em inglês, IAP), o promotor de justiça do Ceará Manuel Pinheiro revela seus planos para promover programas de intercâmbio com países da América do Sul e da América Latina.

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undada em junho de 1995, no escritório das Nações Unidas em Viena (Áustria), a International Association of Prosecutors (IAP) foi criada com o objetivo de combater a escalada de crimes transnacionais, em especial o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e a fraude. Trata-se, atualmente, da única organização mundial de membros do Ministério Público, congregando 166 associações de integrantes da carreira espalhados pelos sete continentes do globo. O Brasil tem somente um representante na diretoria da entidade. Membro do MP do Ceará há 18 anos, Manual Pinheiro é o atual vice-presidente da IAP na América do Sul. Entusiasmado com os projetos que pretende desenvolver, ele se diz apaixonado pelo modelo de Ministério Público do Brasil. Tendo participado de seminários e conferências internacionais, Pinheiro ressalta as

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qualidades do formato adotado pelo órgão brasileiro e a importância de a instituição ser uma ferramenta de mudança social. Ele relembra que a Constituição Federal de 1988 incumbiu o órgão de cobrar do próprio estado medidas positivas e inclusivas em várias áreas, como saúde, educação, proteção ao meio ambiente, proteção dos idosos, crianças e adolescentes e minorias étnicas. Para ele, esse é o diferencial do modelo brasileiro do MP, um formato que é referência para outros países. Na IAP, o promotor de Justiça vislumbra a possibilidade de abrir novas oportunidades de formação para os membros da carreira. A meta é promover parcerias entre as escolas do MP dos países da América do Sul, estimulando a troca de informações na região e, futuramente, expandir o programa de intercâmbio da IAP para outras localidades.


informações, experiências e boas práticas sobre técnicas de investigação e gestão de processos em casos mais complexos que envolvem tráfico de drogas, armas e pessoas, corrupção, lavagem de dinheiro, crimes financeiros, crimes cibernéticos e outros ilícitos praticados por organizações criminosas, internas e transnacionais, bem assim em várias outras áreas de atuação consideradas

Como uma entidade que reúne procuradorias-gerais, associações de procuradores e membros individuais, o que a IAP tem feito para aproximar e fortalecer os Ministérios Públicos ao redor do mundo? Desde que foi criada em 1995, a IAP tem trabalhado para cumprir com seus objetivos básicos, que são fortalecer a integração e a cooperação entre os Ministérios Públicos no combate à criminalidade organizada e defender a independência e a dignidade da instituição e de seus membros, que estão espalhados por mais de 140 países. Para tanto, a Associação tem colaborado permanentemente com a ONU na elaboração de documentos de Direito Internacional que dizem respeito à organização e ao funcionamento dos sistemas de justiça, sobretudo nas matérias que afetam as funções do MP. A IAP também tem colaborado com a ONU na realização de cursos, treinamentos e publicação de manuais de boas práticas em diversas áreas de atuação do Ministério Público, tendo em vista a convergência de interesses na efetividade, na imparcialidade e no respeito aos direitos humanos durante a persecução penal, bem como no combate ao tráfico de drogas, de armas e de pessoas, ao terrorismo, à corrupção e à lavagem de dinheiro, entre outros delitos graves, cujas ações e consequências extrapolam as fronteiras dos estados nacionais. Além de ser órgão consultivo da ONU, a IAP realiza diversas atividades, tais como as conferências mundiais e continentais, o Programa de Intercâmbio de Procuradores/Promotores (“Prosecutors Exchange Program” - PEP) e os grupos de trabalho sobre crimes cibernéticos (“Global Prosecutors E-Crime Network” - GPEN) sobre o tráfico de seres humanos (“Trafficking in Persons Platform”- TIPP) e sobre crimes de guerra e crises humanitárias (“Forum for International Criminal Justice”).

estratégicas pelas próprias instituições participantes. Através do PEP, os MPs participantes (Austrália, Canadá, China, Estados Unidos, Holanda, Inglaterra, Suíça, ...) podem enviar e receber procuradores/promotores para participar de cursos de capacitação em suas escolas e unidades de treinamento. No Manual do Programa de Intercâmbio, que foi traduzido e enviado para todas as procuradorias-gerais e associações de classe, há informações sobre as áreas de interesse de cada Ministério Público participante, bem como as informações de contato dos encarregados pela

Associação tem colaborado permanentemente com a ONU na elaboração de documentos de Direito Internacional

Divulgação

Como funciona o programa de intercâmbio e quais os proveitos que os membros do Ministério Público brasileiro podem extrair da participação nessa iniciativa? Através do Prosecutors Exchange Program (PEP), a IAP tem incentivado a realização de intercâmbios entre Ministérios Públicos que pertencem a jurisdições diferentes, mas que possuem tradições, institutos e práticas jurídicas e administrativas compatíveis. O objetivo principal do programa é facilitar a troca e a disseminação de

“O objetivo principal do Programa (PEP) é facilitar a troca e a disseminação de informações, experiências e boas práticas”

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gestão dos estágios de cada um deles. O Manual também possui referências sobre modelos de intercâmbio bem sucedidos que já foram firmados e executados por outros Ministérios Públicos. A IAP acompanha e participa das tratativas, mas não controla a execução dos acordos bilaterais ou multilaterais firmados através do Programa. São os próprios Ministérios Públicos interessados que decidem sobre as formas como irão enviar ou receber os procuradores e promotores em seus cursos e treinamentos. Eu tenho muito entusiasmo com o intercâmbio, porque ele é um processo rico, em que todas as partes têm muito para aprender e também para ensinar. Entendo que, para além dos ganhos em termos de qualificação profissional, a integração das nossas escolas superiores, dos nossos centros de apoio operacional e dos nossos núcleos especializados com as entidades congêneres de outros países representa uma excelente oportunidade para reforçar o protagonismo continental e a projeção internacional do nosso modelo de MP. Como a IAP organiza as suas pautas de atuação, tendo em vista que a entidade representa procuradores que atuam em mais de um centena de países que possuem ordenamentos jurídicos bastante diferentes? Têm existido conflitos, contestações ou outros tipos de dificuldades no contato com tantas soberanias nacionais? Essas questões são muito delicadas. Não é uma tarefa simples conviver com tanta diversidade e tentar compatibilizar a defesa dos interesses comuns. Respeitar as diferenças e manter a harmonia são preocupações constantes do Comitê Executivo. E é por isso que as ações da IAP sempre levam em consideração os tratados e outros compromissos assumidos espontaneamente pelos países perante a ONU e outros organismos multilaterais, justamente para não ser acusada de intromissão nos assuntos domésticos de cada país. Eu poderia citar como exemplo a articulação da comunidade jurídica internacional contra a PEC 37/2011, na qual a atuação da IAP foi extremamente respeitosa para com a soberania nacional. Quando a IAP emitiu manifestações contrárias à PEC, ela fundamentou as suas críticas na incompatibilidade da proposta com os compromissos que o Estado brasileiro já havia assumido, de forma livre, espontânea e soberana, perante a comunidade internacional. Antes de toda a discussão sobre a PEC 37, o Brasil havia

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“Respeitar as diferenças e manter a harmonia são preocupações constantes do Comitê Executivo” ratificado convenções internacionais que recomendavam o empoderamento do Ministério Público na investigação direta de crimes de tortura e outras violações de direitos humanos imputadas a agentes policiais (Protocolo de Istambul), de crimes de corrupção (Convenção de Mérida) e de crimes praticados por organizações criminosas (Convenção de Palermo). Em sendo assim, as correspondências que enviamos para o exterior e os expedientes que foram encaminhados aos deputados, aos senadores, à comissão formada pelo Ministério da Justiça e à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados sempre chamaram a atenção para o fato de que a aprovação da PEC poderia representar o rompimento dos compromissos assumidos pelo nosso País perante a comunidade internacional. Também nas notas públicas e nas entrevistas para os meios de comunicação sempre reconhecemos que o Congresso Nacional tinha poderes para mudar a Constituição, mas sem deixar de realçar que a mudança não seria bem vista pelas partes convenentes dos documentos internacionais que eu acabei de mencionar. E a IAP tinha que agir assim. Sem utilizar os compromissos internacionais como balizas, a atuação da IAP, além de ser contestável, seria absolutamente caótica, tendo em vista que a entidade representa aproximadamente 200.000 procuradores e promotores em mais de 140 países, que possuem sistemas jurídicos e ambientes políticos, sociais, econômicos e culturais muito diferentes. Tratando das diferenças que o senhor acabou de mencionar, qual a sua avaliação sobre o modelo de Ministério Público do Brasil no cenário internacional? Numa análise comparativa, eu diria que o nosso Ministério Público tem uma condição muito privilegiada em termos de autonomia com relação aos Poderes tradicionais do Estado e de garantias de independência para os seus membros. Na maioria absoluta dos países, o Ministério Público está vinculado organicamente ao Poder Judiciário ou ao Poder Executivo, muitas


vezes sem possuir autonomia orçamentária, financeira ou administrativa. Numa boa parte das jurisdições nacionais, os membros do Ministério Público fazem parte de uma carreira de Estado. Porém, em alguns países, a população elege um procurador-geral, que então escolhe e contrata livremente a sua equipe de assistentes para cumprir o programa de metas de seu mandato. Em outros, o Poder Executivo contrata advogados para desempenhar as funções ministeriais por um período de tempo determinado. Então, como não fazem parte de uma carreira pública, esses profissionais nem sempre estão amparados por garantias como vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. Quanto a isso, o Ministério Público brasileiro representa um verdadeiro paradigma. Isso não significa que o nosso sistema deva ser considerado o melhor. O que eu digo é que o Estado como um todo e cada instituição em particular são moldados de acordo com as condicionantes políticas, sociais, econômicas e culturais próprias dos momentos históricos e das sociedades nas quais terão que atuar e que o nosso modelo de Ministério Público é muito adequado para a nossa realidade.

A entidade representa aproximadamente 200.000 procuradores e promotores em mais de 140 países

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Este ano a ANPR reativou sua filiação à IAP. De que maneira isso contribuirá para o trabalho desenvolvido pela entidade? Estou muito feliz com esse acontecimento, principalmente por saber que essa reativação favorecerá a participação mais efetiva dos procuradores da República nos eventos, nos programas, nos grupos de trabalho e nas demais iniciativas da IAP. Nós temos que nos aproximar ainda mais dos colegas procuradores e promotores de outros países, já que fazer parte de uma rede de coopera-

ção e solidariedade é muito importante em todos os momentos, sobretudo nos momentos de crise. A concessão do Special Achievement Award 2013 da IAP à Procuradoria-Geral da República, como reconhecimento pela atuação no caso do Mensalão, e as dezenas de manifestações de apoio que recebemos de procuradorias-gerais, de associações e de organizações estrangeiras afins durante a campanha contra a PEC 37 geraram editoriais favoráveis nos meios de comunicação e ajudaram a convencer a opinião pública de que, caso aquela malfadada proposta fosse aprovada, o Brasil estaria dando um passo atrás na sua marcha civilizatória. Aliás, eu senti muito orgulho quando percebi que os outros membros do Comitê Executivo da IAP estavam admirados com o prestígio que o Ministério Público brasileiro possuía, ao ponto de que milhares de cidadãos tinham saído às ruas para defender o seu poder de investigação criminal que estava ameaçado pela PEC 37. E todos os diretores estavam muito felizes porque a IAP tinha apoiado a nossa causa vitoriosa. A luta contra a PEC 37 não marcou apenas a nossa história. A boa imagem do nosso MP e a força das nossas entidades de classe transpuseram fronteiras.

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Integração

A longa luta contra o crack Problema crescente nos grandes centros, o consumo de crack assusta os governantes. De medidas extremas à incentivos financeiros, diversas ações são planejadas para o enfrentamento à dependência SYLVIA DIMITTRIA

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omando 2,8 milhões de usuários de crack e cocaína – só no último ano –, o Brasil é o segundo maior consumidor desse tipo de entorpecente no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. O governo brasileiro vem tentando mudar essa realidade. Membro do MPF, o procurador regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Pedro Antônio de Oliveira Machado, alerta que a questão só poderá ser enfrentada com eficiência se houver uma ação conjunta. “É indispensável a interdisciplinariedade das políticas públicas e também o envolvimento do governo federal, estadual e municipal”, afirma. O trabalho não é fácil. Viciado por seis anos em crack, o marceneiro Adeílson Mota de Carvalho, 37 anos, passou por diversas recaídas até manter-se completamente limpo da droga. “Sempre tentei sozinho e das vezes que me ofereceram ajuda não foi por meio de ações do governo”, lembra. Com o aumento do número de usuários de crack – o Brasil corresponde hoje a 20% do mercado mundial da droga –, foram necessárias medidas mais incisivas. Em 2011, o Governo Federal lançou o programa “Crack é possível vencer”. Fundamentado em três eixos de atuação – prevenção, cuidado e autoridade –, o projeto busca conter o avanço da droga. “De 1998 a 2009, o investimento

não chegava a R$ 8 milhões por ano. Com esse programa, só em 2013, foram gastos R$ 161 milhões”, afirma Vitorie Maximiano, secretário nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça. Entre outras coisas, os recursos estão ajudando a aprimorar a instalação e o fortalecimento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que oferecem tratamento especializado. A implementação de unidades de acolhimento, os consultórios de rua e o convênio com comunidades terapêuticas são outras ações que demandaram capital. “O objetivo é que o paciente receba tratamento, preferencialmente na rede pública, mas nem sempre isso é possível. Por isso, recorremos às comunidades terapêuticas, onde já financiamos 6.500 vagas”, comemora Maximiano. Outra iniciativa para auxiliar no combate ao crack é o Programa Viva Voz, serviço de teleatendimento, disponível 24h. “O serviço ganhou muita importância na estrutura de prevenção, porque ele permite uma ampla ação no território brasileiro”, ressalta o secretário. Procurar ajuda é um passo que demora a ser dado e Adeílson faz parte do 1% de usuários que o fez. O objetivo dos programas de políticas públicas é fazer com essa estatística aumente. Porém, até optar pelo recomeço, a trajetória com a droga é longa. Cidade da pedra – No estado de São Paulo, 36,5% da população já usou a droga. Foi na maior cidade da América Latina que Adeílson foi apresentado ao crack. “Fui para lá na tentativa de uma vida melhor, mas ao contrário disso, acabei com tudo”, lamenta. Na capital, a região da cracolândia abriga reféns desse hábito. “Centenas de pessoas usam o entorpecente naquela área. Moram em barracos construídos nas calça-

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em uma clínica no entorno de Brasília (DF). “Tem que ser uma vontade. Das vezes que parei, sempre me senti seguro, mas no primeiro problema era no crack que me refugiava. No meu consciente pararia na primeira pedra, mas o corpo pede mais, por isso o tratamento é tão importante”. O amparo que Adeílson recebeu não é comum a todos os usuários. Segundo ele, muitos têm medo de procurar auxílio em instituições governamentais, pois acham que dessa forma podem ser punidos. O êxito no tratamento também está ligado a reinserção social. Para Xavier, esse é o ponto que merece maior engajamento dos governantes e que pode dar certo com o programa De braços abertos – iniciativa do governo de São Paulo que visa à redução de danos, oferecendo tratamento de saúde psicossocial, recuperação, reaproximação com a família, treinamento profissional , tentativas de recolocação no mercado de trabalho e aquisição de renda para sobrevivência. “O prioritário é o resgate da cidadania e da dignidade humana. A ênfase deve ser em uma política que promova a reinclusão com moradia, trabalho e acessibilidade a serviços e à saúde”, pontua o médico. O convívio social também é defendido pelo PRDC Pedro Machado. “O MPF deve atuar para garantir essas prerrogativas. Se valendo, caso necessário, da colaboração de profissionais e entidades da sociedade civil”. Para Adeílson, se sentir parte da sociedade foi importante para sua recuperação. “Ser tratado como um igual, sem julgamentos, poder trabalhar e mostrar que venci, isso me incentiva a não regredir”.

“Centenas de pessoas usam o entorpecente nessas áreas. Moram em barracos construídos nas calçadas, em condições subumanas”

Marcelo Camargo/ Agência Brasil

das, em condições subumanas”, afirma o PRDC, Pedro Machado. Para ele, o cotidiano da cracolândia demonstra o descaso ou a impotência do poder público para lidar com o problema. O governo estadual já adotou medidas diversas para conter o avanço da droga e desocupar a região da cracolândia. Porém, poucos resultados foram vistos até agora. Segundo o psiquiatra e coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Escola Paulista de Medicina da Unifesp, Dartiu Xavier, o tratamento de um dependente químico, para ser bem sucedido, deve ter como princípio básico a voluntariedade. “Ninguém deixa de usar uma substância porque outra pessoa quer ou porque os governantes querem limpar a cidade. É preciso que o dependente queira”, lembra. Medida polêmica para conter o avanço da droga e uma das iniciativas adotadas pelo governo paulista é a internação compulsória. Para Maximiano, o ato de internar involuntariamente um usuário não deve ser reservado à uma ordem judicial. “Pacientes graves devem ser interditados mediante determinação médica, que é quem constata a vulnerabilidade da saúde e avalia que a internação é necessária para fazer a desintoxicação”, ressalta. No entanto, Xavier lembra que modelos repressivos e coercitivos não funcionam e que a eficácia deste método é muito baixa e só se justificam em casos de gravidade extrema, quando a dependência está associada a uma doença mental. “A maioria dos internados involuntariamente tem recaídas, pois falta o elemento essencial de reintegração à comunidade”, afirma. O PRDC, Pedro Machado, lembra ainda que mesmo nas internações voluntárias a taxa de recaída é grande, em torno de 60%. “Vai exigir um tempo longo de acompanhamento para recuperação e depois um acompanhamento permanente para manutenção”, opina. As recaídas são partes difíceis no processo de recuperação. “Sempre achei que conseguiria me livrar da droga sozinho, mas nunca consegui”, diz Adeílson. Durante o período em que foi viciado, tentou interromper o uso por três vezes, todas elas quando já estava no fundo do poço e se desfazendo de bens materiais. “Eu mentia para minha família, dizia que não estava fumando, mas o comportamento muda. Eu passava dias sem voltar para casa, até que um dia penhorei uma moto, por 20 pedras”, lembra. Cansado de recomeçar, o marceneiro aceitou ajuda financeira para iniciar o tratamento

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Mobilização

Zonas de amortecimento terão plano de manejo MPF no Espírito Santo consegue na Justiça mais proteção para reservas biológicas do Córrego do Veado e de Sooretama SYLVIA DIMITTRIA

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ma das áreas mais ricas em biodiversidade, a Mata Atlântica é também uma das mais ameaçadas do planeta. O bioma corresponde a 13,04% do território brasileiro, abriga mais de 20 mil tipos de planta, 2.181 espécies de animais, e estende-se por 15 estados, um deles o Espírito Santo. Na tentativa de preservar as unidades de conservação (UC) do estado, o MPF/ES conseguiu, em janeiro, na Justiça que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)* elabore um plano de manejo com a delimitação da zona de amortecimento de duas importantes reservas do estado: a Reserva Biológica do Córrego do Veado e a Reserva Biológica de Sooretama, ambas em São Mateus, norte do estado. “O ICMBio tem 180 dias para apresentar um plano. Essas áreas são fundamentais para o meio ambiente”, explica o procurador da República Leandro Mitidieri, responsável pela ação. Funcionando como um filtro aos danos ambientais gerados externamente à UC, as zonas de amortecimento estão previstas na Lei nº 9.985/2000, que estabelece a integração das diferentes atividades de preservação da natureza, uso sustentável dos recursos naturais e restauração e recuperação dos ecossistemas. “Essas áreas são responsáveis por diminuir a pressão e o impacto dos fatores externos. Sem contar que o Brasil faz

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parte das Metas de Aichi e deve se engajar na proteção do meio ambiente”, ressalta a coordenadora do Programa Mata Atlântica da WWF, Anna Carolina Lobo. O procurador da República Leandro Mitidieri chama atenção para o cumprimento da legislação que estabelece a delimitação dessas zonas: “esse é um desdobramento do problema das próprias unidades de conservação. Se já é um desafio a criação e efetivação das UCs, mais difícil ainda é a implementação desse plus”, ressalta. Para Anna Carolina, a atuação do MPF no estado tem sido primordial para a efetividade da preservação do bioma, uma vez que há muito interesse econômico envolvendo a Mata Atlântica. “Ela é a casa de 120 milhões de brasileiros e mantém a produção de mais de 75% do PIB. O Espírito Santo tem uma localização estratégica de conectividade. É urgente a necessidade de proteger os sistemas que estão nessa rota”, acrescenta. Os resultados do trabalho de preservação feitos na região podem ser vistos nos últimos dados divulgados pela SOS Mata Atlântica, onde o estado obteve redução de 93% nos índices de desmatamento. Com a implementação das zonas de amortecimento nas reservas capixabas, a expectativa é de que 4.232 hectares sejam protegidos. * O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foi convidado a falar sobre a elaboração dos planos de manejo, mas não quis se manifestar.


ANPR recomenda

Nossos escritores Autor: Procurador Regional da República Roberto Moreira de Almeida Livro: Curso de Direito Eleitoral Editora: Juspodvim Sinopse: Com o prefácio assinado pelo ex-procurador-geral da República Roberto Gurgel, o procurador regional da República Roberto Moreira publica a 8ª edição do livro Curso de Direito Eleitoral. Dividida em 16 capítulos, a obra permeia temas importantes como os direitos políticos, os sistemas eleitorais, o abuso de poder e o papel do MPF no processo eletivo. Moreira lembra que o período como procurador regional Eleitoral contribuiu grandemente para o resultado dessa última edição, cujo conteúdo também é voltado para concursos. Há mais de quatro anos nas livrarias, a obra é um best seller e a temática cada dia mais objeto de estudo, como ressaltado por Gurgel no texto de apresentação. “Assim, pode-se dizer que o direito eleitoral – em intenso diálogo com o direito constitucional, a ciência política, a sociologia e com outros ramos do conhecimento – cumpre relevantíssimo papel de guarnecer a democracia”. Perfil do autor: Membro do Ministério Público Federal desde 24 de fevereiro de 1997, Moreira também se dedica a atividades acadêmicas. Ele é professor de direito eleitoral há 15 anos. No MPF, foi promovido a procurador regional em 2012 e já ocupou funções importantes. Foi procurador-chefe no Acre, Amapá e Roraima e exerceu funções eleitorais no Amapá, Roraima, Paraíba e Pernambuco. Entre ações importantes, Moreira lembra o afastamento de governadores no nordeste e o quanto contribuiu para seu aprimoramento na área. “É possível ter uma visão macro das irregularidades: desde o alistamento até o pós eleição”.

Autor: Procurador da República Duciran Van Marsen Farena Livro: A Copa da Corrupção Editora: Allprinteditora Sinopse: Copa do Mundo, Mensalão, cartéis... Esta obra é uma coletânea de artigos e crônicas publicados na imprensa que abordam, em especial, questões ligadas à corrupção e à impunidade. Outros temas relevantes no cenário atual também são discutidos na publicação: as nomeações para o Supremo Tribunal Federal, os protestos de rua, as pirâmides financeiras, a Lei da Anistia, o sistema carcerário, entre outros. Com disposição para enfrentar polêmicas, o autor aborda, ainda, temas como a ascensão e queda de Eike Batista, Joaquim Barbosa, crucifixos, a “cura gay” e cotas raciais. Perfil do autor: Doutor em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo (USP), Duciran Farena ocupa, atualmente, o cargo de procurador regional Eleitoral da unidade do MPF na Paraíba. Membro do MPF desde 1997, ele destaca que sempre teve uma forte identificação com temas ligados a Direitos Humanos e Minorias. A afinidade com o assunto o levou a ser procurador regional dos Direitos do Cidadão por 10 anos consecutivos na Procuradoria da República da Paraíba. Na mesma linha, foi presidente Conselho Estadual de Direitos Humanos, entre 2008 a 2012, e é coordenador geral do Comitê de Prevenção e Combate a Tortura da Paraíba. O hábito de publicar artigos na imprensa surgiu após alguns de seus textos ganharem repercussão na mídia. Hoje, ele mantém uma coluna quinzenal no Jornal da Paraíba e, periodicamente, envia artigos para outros veículos de comunicação como o Correio da Paraíba e o blog PB1.

Quer participar da editoria “Nossos Escritores”? Envie um e-mail para imprensa@anpr.org.br com os dados técnicos de sua obra e faça parte da nossa galeria. 21


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Artigo PRR3 e suas paredes sem olvidos: Grafites na fachada para lembrar os 50 anos do Golpe Inês Virginia Prado Soares*

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Procuradoria da Regional da República da 3ª Região (PRR3) não deixou os 50 anos do golpe passar em brancas nuvens: de 31 de março ao final de dezembro apresenta em sua fachada imensos painéis, de 4 metros de largura por 10 metros de altura, com grafites pintados sobre tecido pelos artistas Alexandre Puga, Alvaro Azzan, Fredone Fone, Gejo, Helder Holiveira, Mauro Nerti da Silva, Marilena Grolli e Tota. Estes painéis compõem a Exposição “(RE)Conhecer...para nunca esquecer”, que tem curadoria de André Bueno e Gejo e é organizada pelo Ministério Público Federal e pela Cátedra Unesco de Educação pela Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância da USP. A literatura especializada confere enorme importância a esses marcos de memória, os quais integram medidas de satisfação ou garantias não-repetição quan-

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do há situações em que ocorreram episódios de atrocidades inaceitáveis (massacre do Carandiru, por exemplo); ou quando um passado de violência decorrente de um regime ditatorial ou de uma guerra civil ainda não foi totalmente revelado ou assimilado pela sociedade. E o atual cenário brasileiro em relação ao legado da ditadura é exatamente assim: nem toda verdade foi revelada, poucos órgãos reconheceram sua cumplicidade com a ditadura, nenhum perpetrador foi condenado criminalmente. Enfim, ainda há muito a ser (re) conhecido. As iniciativas destinadas à lembrança coletiva fazem todo sentido quando conseguem envolver a comunidade. E certamente as datas redondas são mais convidativas para o “memorar juntos”. As datas oficiais também facilitam o envolvimento da comunidade e são um veículo para construção de símbolos. No caso do dia do 31 de março de 1964, os símbolos em torno dessa data oficial mudaram: na ditadura, era celebrada como dia da “revolução”; e, na democracia, é lembrada como o primeiro dia dos dias de autoritarismo que duraram 21 anos (uma concessão poética a partir do título do excelente filme de Camilo Tavares). Falando em filmes, a outra atividade escolhida pela PRR3 para lembrar os 50 anos do Golpe foi a Mostra de Cinema “50 Anos do Golpe: o regime militar no cinema brasileiro”. Este projeto, realizado em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e com o CINUSP Paulo Emílio, com

curadoria do colega Marlon Alberto Weichert e do Prof. Dr. Rodrigo Medina Zagni, consiste na exibição de 26 filmes e realização de 11 debates. Alguns considerarão ser inusitada, criativa ou ousada a escolha da arte para reafirmar à sociedade o papel do Ministério Público Federal como um dos importantes atores na consolidação da democracia e, especialmente, na promoção da justiça, memória e verdade e no repeito aos direitos humanos massivamente violados durante a ditadura militar (1964 – 1985). Mas a criatividade e a ousadia estão no cotidiano dos Procuradores da República, principalmente em seu trabalho de tutela coletiva, nas várias formas de atuação extrajudicial para promoção e defesa dos direitos coletivos. Sob esse ponto de vista, a iniciativa de colorir a fachada da PRR3 com painéis que são marcos de memória e de trazer filmes que abordam diversos aspectos de nosso passado recente é algo se harmoniza com o atual papel do Ministério Público na sociedade. Ir ao cinema na hora do expediente, cores alegres na fachada e a linguagem do Grafite para lembrar atrocidades: tudo diferente mas tudo igual nessa PRR3 e no MPF! Afinal, quem disse que os Procuradores da República não buscam inspirações nas artes para fazer bem o seu ofício? *Procuradora Regional da República em SP; Mestre e doutora em Direito pela PUC/ SP. Realizou pesquisa de pósdoutorado no Núcleo de Estudos da Violência da USP.


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