Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos (2014)

Page 1

Lisboa Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos GUIAS INSÓLITOS DO MUNDO

Vítor Manuel Adrião

2014


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos

Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos –– Por Vitor Manuel Adrião Terça-feira, Jan 07 2014 lusophia 20:02

2014 1


Lusophia | 2014__________________________________________________________

Impressão e Edição:

Etálides Edições

2


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos

INDICE

AS “PEDRAS NEGRAS” DO TEMPLO DE CIBELE .............................................................. 5 A ESQUECIDA QUINTA DAS ÁGUIAS ............................................................................. 6 O SUBTERRÂNEO DA PRAÇA DO PRÍNCIPE REAL........................................................... 8 MEMÓRIA DA QUINTA DO MINEIRO .......................................................................... 10 PENSÃO AMOR, EROTISMO E BURLESCO ................................................................... 11 O “POVO” NA ROTA DAS TABERNAS E CONFRARIAS .................................................. 13 A SINGULAR CASA DOS BICOS .................................................................................... 14 O ESTRANHO RELÓGIO DO ARCO DA RUA AUGUSTA.................................................. 16 JARDIM IMAGINÁRIO DE BORDALO PINHEIRO ........................................................... 17 O SEGREDO DO OBELISCO DOS RESTAURADORES ...................................................... 19 AS MÁSCARAS DE PELE DO MUSEU DE DERMATOLOGIA ............................................ 21 BALNEÁRIO D. MARIA II E OS ALIENADOS .................................................................. 22 A IGNORADA TAPADA DAS NECESSIDADES ................................................................ 24 3


Lusophia | 2014__________________________________________________________ MEMÓRIA ARTÍSTICA NO PALÁCIO DOS TÁVORA ....................................................... 26 JARDIM DAS FRANCESINHAS, MEMÓRIA E OLVIDO .................................................... 27 PALÁCIO BURNAY, DELÍRIO E FAUSTO ........................................................................ 29 JARDIM INTERIOR DO PALÁCIO DE SÃO BENTO.......................................................... 30 O ESQUECIDO PALÁCIO ALMADA-CARVALHAIS .......................................................... 32 O DESCONHECIDO HOSPITAL DE ARROIOS ................................................................. 33 CEMITÉRIO DOS INGLESES, A INGLATERRA DENTRO DE LISBOA ................................. 35 PALÁCIO DO MARQUÊS DE POMBAL .......................................................................... 36 ENCANTO E PIEDADE NO CONVENTO DOS CARDAIS ................................................... 38 NO TEMPO EM QUE NOSSA SENHORA ANDAVA DE CARRO ....................................... 40 CONDESSA D´EDLA, MEMÓRIA TUMULAR.................................................................. 41 OS FANTASMAS DO PALÁCIO BEAU SÉJOUR ............................................................... 43 A MISTERIOSA FONTE DAS 40 BICAS .......................................................................... 45

4


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos AS “PEDRAS NEGRAS” DO TEMPLO DE CIBELE Travessa do Almada. Autocarro: 37 O topónimo pedras negras é único na Europa e encontra-se em Lisboa, na rua que leva esse nome na proximidade do Largo da Madalena e da Travessa do Almada. A sua origem provém da primitiva calçada romana feita de pedras negras que levava ao templo da deusa Cibele, a Magna Mater ou “Grande Mãe” dos antigos gregos e romanos que habitaram em Lisboa há milénios atrás. As pedras negras da calçada tinham uma finalidade mágica: os antigos acreditavam que elas concentravam a energia telúrica da Terra e assim o espaço em redor do templo ficava fortemente magnetizado graças a essas energias concentradas, que a pedra negra impedia que se dispersassem. Além disso, a cor negra indicava a fase inicial de uma evolução progressiva assinalada na calçada terminando defronte ao templo de Cibele. Esse templo romano data do século II d. C. e está hoje subterrado sob o palácio de D. João de Almada de Melo, primeiro visconde de Vila Nova de Souto, que o mandou construir em 1749, altura em que foram descobertas as ruínas do templo de Cibele (pedaços de colunas, um capitel jónico bem cinzelado e conservado, e ainda um cipo com desenho elegante e a respectiva inscrição sepulcral), mas que foram novamente cobertas pelo novo edifício, recuperando-se, no entanto, quatro lápides epigrafadas em latim que o visconde mandou colocar na fachada do seu palácio no lado direito da travessa do Almada, fazendo gaveto com a Rua das Pedras Negras, ficando à vista de todos até hoje. A primeira das lápides, de base e bloco de secção rectangular, consta da dedicatória do tribuno Caio Júlio a Mercúrio e a César Augusto: “Caio Júlio, natural de Felicitas Júlia, dedica e oferece esta memória, com permissão dos magistrados, a Mercúrio e a Augusto César”. A segunda lápide, de secção quadrada suportada por fuste cilíndrico apoiado numa base octogonal, é dedicada à deusa Cibele: “Tito Licínio Amarantis, por voto feito de boa vontade, e justamente, dedica este padrão à Mãe dos Deuses”. A terceira lápide, mais pequena de todas apoiada numa base de calcário é uma ara 5


Lusophia | 2014__________________________________________________________ dedicada a Cibele cujo campo epigráfico preenche a sua face visível: “Tito Licínio Cerno, natural da Lycaonia, dedica esta memória à deusa Ida da Frígia, mãe dos deuses, sendo magistrados Cássio e Cassiano, na época dos cônsules Marco Atílio e Aproniano e do governador da província Gaio”. A última das peças é a de maior dimensão, com mais de 2 metros de altura e cerca de 1 metro de largura; terá sido parte do pedestal de uma estátua e onde consta, perfeitamente legível, a dedicatória da cidade Olisipo a um pretor: “Felicita Julia, Olisipo, dedica a Lúcio Cecílio, filho de Lúcio Celeri, recto questor da província da Bética, tribuno do povo e pretor”. Além da referência ao deus Mercúrio e indica-se também a deusa Cibele, ambos adoptados pelos romanos da cultura grega. Cibele era uma deusa originária da Frígia cujo culto iniciou-se na Ásia Menor e espalhou-se pela Grécia Antiga sob o título Potnia Theron, “Senhora dos Animais”. Os latinos chamaram-lhe Magna Mater e aqui, em Olisipo, a Lisboa romana, seria “nacionalizada” ao identifica-la com a deusa grecoibérica Ulisipa, fundadora mítica desta cidade. Cibele era representada com uma coroa de muralhas, símbolo do seu poder militar protector, junto de leões simbólicos do domínio imperial ou sentada num carro puxado por esses animais, tendo nas mãos uma cornucópia, o corno ou chifre da abundância, referente à fertilidade e riqueza. Conclui-se que o culto a Cibele em Lisboa destinar-se-ia a três facções distintas da sociedade: aos militares encarregues da defesa da cidade, reconhecendo nela o Genius Loci, “Génio local”, aos políticos que lhe pediam riqueza e distinção, e às mulheres estéreis que lhe rogavam fecundidade e bom-parto.

A ESQUECIDA QUINTA DAS ÁGUIAS Rua da Junqueira, 138. Autocarro: 32 O Palácio da Quinta das Águias constitui hoje um dos mais belos tesouros arquitectónicos esquecidos da capital portuguesa. Está à venda, apresenta o ar de desleixo de abandonado e esquecido. Contudo pode-se visitá-lo mediante marcação prévia, contactando a Sociedade de Administração Imobiliária Palácio das Águias, ou então contactando a delegação de Lisboa da Sothby´s International Realty, responsável pela venda do imóvel. Vale a pena o esforço, pois quem visitar este palácio ficará deslumbrado com a riqueza artística e monumental que ainda conserva ignoradas pela quase totalidade dos lisboetas. Classificada como Imóvel de Interesse Público situado entre as Ruas da Boa Hora e da Junqueira, a Quinta das Águias incorpora um lindo jardim, o palácio e a capela. Aforado 6


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos o seu terreno e iniciadas as obras em 1713 por Diogo de Mendonça Corte-Real, Secretário de Estado de D. João V, em 1731 realizou profundas obras na casa e na propriedade, datando dessa época a construção da capela e o delineamento do jardim. Foram famosas as festas dadas aqui contando com a presença do próprio rei. Depois a quinta foi vendida e conheceu vários donos, até ser adquirida em 1841 por José Dias Leite Sampaio, Visconde da Junqueira, e já no século XX pelo Dr. Fausto Lopo Patrício de Carvalho, que efectuou uma intervenção profunda neste espaço com a ajuda dos arquitectos Vasco Regaleira e Jorge Segurado, de que se destaca a varanda do palácio no alçado oeste. A quinta deve o seu nome a duas águias de pedra que ladeiam o portão. O jardim apresenta traçado setecentista, possui espécies vegetais notáveis e, além de uma graciosa cascata, é guarnecido de muretes de azulejos azuis e brancos representando cenas de caças e outros episódios rurais a ver com este sítio do vale de Alcântara, conhecido no século XVIII por “Curral” por ser zona de pastagem de ovelhas. O jardim é ainda enriquecido por composições cerâmicas nos bancos e alegretes, pelos bustos e as estátuas mitológicas que realçam-no como espaço nobre. O palácio, de planta regular quadrilátera, possui três pisos e é realçado nos cantos por torreões de secção quadrada, cujo avanço formou uma reentrância correspondendo a um alpendre cuja zona central apresenta uma arquitrave em curva que acompanha a elevação da entrada nobre, de arco de volta inteira, com frontão triangular sobre pilastras. No interior, as salas têm tecto de estuque branco relevados com grande beleza, admiram-se novos episódios corteses em caixilhos de azulejos aparecendo por toda a parte, nas salas e nas escadarias, que prendem a atenção pelos seus motivos e perfeição do desenho. 7


Lusophia | 2014__________________________________________________________ A capela é o maior primor da Quinta das Águias. Começada a construir em 1731 e terminada em 1748, a porta do átrio feita de cantaria e enriquecida por portal de ferragem portuguesa, da autoria de Vasco Regaleira, é guarnecida pela águia heráldica da família Sampaio. De planta quadrada com galeria superior limitada por balaustrada de madeira com ornamentos dourados, é enriquecida por raros silhares de azulejos com motivos religiosos, vendo-se também um riquíssimo retábulo (“A Anunciação”) da autoria do pintor setecentista francês Pierre-Antoine Quillard. A Quinta das Águias aguarda que os lisboetas e os visitantes da cidade venham descobrir os seus tesouros esquecidos.

O SUBTERRÂNEO DA PRAÇA DO PRÍNCIPE REAL Praça do Príncipe Real. Autocarro: 758. Horário de visita: de segunda a sábado, das 10 às 18 horas Quem calcorreia as ruas e calçadas do Bairro Alto e chega ao Jardim do Príncipe Real, dificilmente imaginará que debaixo dos seus pés há um imenso subterrâneo visitável que poderá percorrer com toda a segurança. Trata-se do Reservatório da Patriarcal, a impressionante cisterna cujo espaço enorme parenta o aspecto insólito de catedral, e sobre as suas colunas assenta, no exterior, um esbelto lago com repuxo, com quatro tubos no fundo que se prolongam até à superfície da água e que funcionavam como escoadouros. Do interior do Reservatório partem 3 galerias que levam o visitante à descoberta do mundo subterrâneo de Lisboa: uma entronca na Galeria do Loreto; outra vai em direcção à Rua da Alegria, onde pelo Aqueduto da Alegria ligava-se ao sistema do Alviela; finalmente, a terceira galeria vai em direcção à Rua de São Marçal e era a que abastecia a parte ocidental da cidade. O percurso disponível ao público, com a extensão de 410 metros, inclui a galeria de ligação entre o Reservatório da Patriarcal e a Galeria do Loreto e o troço desta entre o Príncipe Real e o Jardim de São Pedro de Alcântara, culminando, de forma surpreendente, no miradouro com o mesmo nome.

8


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos Se as Águas de Alfama abasteceram Lisboa Oriental, o Reservatório da Patriarcal abasteceu Lisboa Ocidental. Localizada sob a Praça do Jardim do Príncipe Real (D. José), também conhecido por Jardim da Patriarcal e Jardim França Borges, esta gigantesca cisterna subterrânea de formato octogonal edificado em alvenaria de pedra, com capacidade para 880 m3 de água e cota de soleira de 67 metros, tem 31 pilares de 9,25 metros de altura. Foi projectada em 1856 pelo engenheiro-inspector francês Charles Mary e construída entre 1860 e 1864, passando a abastecer a Baixa da cidade e os bairros ocidentais. Originalmente o terreno onde está o Jardim do Príncipe Real era, no século XVII, o lugar destinado a construir um palácio para o filho do Marquês de Alegrete, contudo, após o seu abandono e ruína, ficou conhecido como a lixeira do Bairro Alto. Depois o terreno foi comprado pela Companhia de Jesus que nele construiu o Colégio das Missões, destruído pelo terramoto de 1755. Numa série de sucessivas utilizações, no século XVIII foi construída aqui a nova Sé Patriarcal, que também veio a desaparecer no seguimento de um incêndio, mas o nome pegou e até hoje, desde o reinado de D. João V, todo este espaço do jardim romântico (mandado construir pela Câmara de Lisboa em 1830, cujo ex-libris é o enorme cedro do Buçaco) é conhecido como da Patriarcal, nomeadamente o reservatório. Com a implantação da rede de abastecimento da água do Rio Alviela à cidade, em 1949 o Reservatório da Patriarcal foi desactivado, até que, em 1994, foi recuperado e adaptado para espaço cultural pelo arquitecto Varandas Monteiro, passando a acolher eventos socioculturais, nomeadamente espectáculos, exposições de fotografia e 9


Lusophia | 2014__________________________________________________________ escultura. Em 1995, o projecto de recuperação do Reservatório da Patriarcal foi distinguido com o Prémio Municipal de Arquitectura Eugénio dos Santos.

MEMÓRIA DA QUINTA DO MINEIRO Rua de S. Bento, Amoreiras. Autocarro: 773 Quem sobe a Rua de S. Bento para as Amoreiras vê um edifício de aspecto nobre que apesar de bastante arruinado destaca-se na paisagem do casario moderno, e ante o insólito pergunta como, aliás, todos perguntam: que edifício é este? Parece um palácio de reis e nobres… Trata-se do palacete da Quinta do Mineiro. Aqui funcionou o Externato Marista de Lisboa, inaugurado na Rua da Estrela em 1947 mudando-se para este palacete em 1953, onde ficou até 1989. Apesar da sua ruína evidente, ainda sobrevivem restos da grandeza do passado recente: além da entrada principal com três arcarias de arco bem conservadas cujas portas de acesso à escadaria nobre eram de vidro trabalhado, ainda se vêem parcelas de frescos murais artísticos e de altos-relevos a gesso, obras atribuídas ao mestre Columbano Bordalo Pinheiro. Observam-se também excertos pictóricos com motivos orientais no tecto e nas sancas do ex-libris deste palácio: a sala chinesa, toda lacada e decorada segundo a tradição chinesa, que tinha fama de ser única na Europa. Nessa sala chinesa do palacete os professores maristas tinham instalado o gabinete de psicologia. No sótão funcionava o atelier de pintura e desenho, e as salas destinavam-se a aulas, havendo laboratórios em várias delas (de química, de física, de biologia e de mineralogia). Na antiga estufa funcionava a sala de trabalhos manuais, e nos terrenos da quinta eram cultivadas diversas espécies, para que os alunos travassem conhecimento 10


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos directo com a plantação de bananeiras, cana-de-açúcar, etc., cultivadas aqui como preparação dos futuros fazendeiros na antiga África portuguesa. Esta Quinta do Casal do Mineiro tem a sua origem no século XVIII, quando era conhecida por Casal ou Quinta do Tavares, sucedida no nome no século XIX pelo Casal Novo, sendo uma propriedade admirável com estufas, jardins e terrenos de cultivo que nos inícios do século XX passaria para a posse de Manuel José Monteiro, capitalista emigrado para Minas Gerais no Brasil onde enriqueceu, falecendo em Lisboa em Novembro de 1937. Era irmão do Dr. Vicente Monteiro, jurisconsulto ilustre, entretanto também falecido. Deixou em testamento esta propriedade ao seu filho Manuel Vicente Carvalho Monteiro (tutelado por doença incurável) e aos filhos do Dr. Vicente Monteiro. Cerca de 1952 esses herdeiros venderam a quinta à Ordem dos Irmãos Maristas, que instalou-se nela no ano seguinte. Por enquanto a ruína vetusta deste palacete mantém-se de pé, mesmo caindo aos poucos, reclamando obras urgentes para que não morra a memória da cidade e aos olhos do seu visitante não pareça deveras uma Lisboa insólita que os naturais não sabem estimar por ganância perdulária dividida entre políticos perdidos e construtores civis de perdição.

PENSÃO AMOR, EROTISMO E BURLESCO Rua do Alecrim, 19/Rua Nova do Carvalho, 38 – Cais do Sodré. Autocarro: 758 O nome Pensão Amor não engana: ele homenageia a história do edifício e o antigo quotidiano do Cais do Sodré, zona portuária frequentada por prostitutas e marinheiros. Em Novembro de 2011 esta antiga e degradada pensão renasceu para a cidade, para os seus habitantes e visitantes, como lugar de novos encontros, trocas e partilhas. Reconvertida para novas e múltiplos usos, o imaginativo projecto de recuperação da Pensão Amor integrou e valorizou as memórias, as histórias e as vivências obscuras desta parte da cidade. Pelos vários andares do prédio distribuem-se ateliês de trabalho, um restaurante/cabaret, um cabeleireiro, uma loja de lingerie, uma livraria erótica (“Ler Devagar com Amor”) e até uma sala do varão para eventos e espectáculos. Aqui recriase o ambiente erótico de cabaret e o universo do burlesco, num palco disponível para todo o tipo de eventos: concertos, poesia, teatro, lançamentos literários ou musicais, conversas de tertúlias. A Pensão Amor não está sozinha: tem por companhia o Povo e a Velha Senhora. O Povo recria a antiga tasca portuguesa, com fado, petiscos e vinho a 11


Lusophia | 2014__________________________________________________________ copo. A Velha Senhora é boémia e burlesca: dá de comer e beber e também dá espectáculo. Ao entrar no restaurante/cabaret fica-se com a sensação do salão mais parecer um museu, tal a concentração de cadeirões, mesas, puffs, quadros, estátuas e bibelots “de época”, estando os tectos pintados com réplicas de frescos dos quais pendem candeeiros de lustres. Pintado com cores quentes, espelhos pendurados, um piano antigo e inundado de fotografias sensuais de várias décadas, o ambiente de média luz sedutora completa a atmosfera onde o erotismo e o burlesco dominam. Subindo ao primeiro andar deste antigo bordel, as paredes da escadaria estão decoradas pelas pinturas de Mário Belém caracterizando as meninas de outros tempos: “A Regina dá um espectáculo que você nem imagina”, “Anita por quem o seu coração palpita” e “O jogo é de cintura”. Os quartos (onde originalmente se comerciava o sexo) são hoje alugados a outros frequentadores: artistas, arquitectos e outros criadores que numa multiplicidade de ideias trazem, com a sua reabilitação, a renovação da principal rua cor-de-rosa dos bares do Cais do Sodré. Com efeito, o Cais do Sodré ganhou uma nova vida e uma nova paixão. Se em tempos foi o lugar da chegada e partida dos marinheiros de todo o mundo que enchiam a Rua Nova de Carvalho em busca de divertimento, álcool e mulheres, nos últimos anos a zona tem sido ignorada e apenas sobram alguns bares esquecidos desses tempos. O projecto Pensão Amor sem dúvida contribuiu para apagar a má-fama do lugar, ao trazer novas pessoas, novas ideias, novos bares, novos hábitos e uma nova forma de estar nesta zona de Lisboa. O bar da Pensão Amor está aberto de segunda a quarta-feira entre as 12 horas e as 2 horas, às quinta e sexta-feira das 12 horas às 4 horas e aos sábados das 18 horas às 4 horas. Encerra ao domingo. A entrada está limitada à lotação do espaço. 12


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos O “POVO” NA ROTA DAS TABERNAS E CONFRARIAS Rua Nova do Carvalho, 32-36 – Cais do Sodré. Autocarro: 758 Fazendo parte do espaço imobiliário da Pensão Amor, aparece a taberna o Povo recriando a antiga tasca lisboeta, com fado, petiscos e vinho a copo. É um espaço castiço, típico da cidade que em boa hora os seus promotores reavivaram com o acolhimento imediato dos que cá vivem e dos que nos visitam. Aberto de terça-feira a domingo das 18 horas às 4 horas, o Povo mais que um bar de comes e bebes é sobretudo uma “tasca artística”, onde se ouve sobretudo o fado, contando com um artista residente todos os meses. Os petiscos e vinhos, vendidos a preços módicos, são do melhor e mais apetecível que Lisboa tem para oferecer. O Povo é também um animador que não deixa morrer a alma popular lisboeta representada neste tipo de estabelecimentos que, aqui e além, vão resistindo à modernidade descaracterizada: as tabernas típicas de Lisboa, castiças e bairristas da Madragoa, da Mouraria, de Alfama ou do Bairro Alto, sendo ex-libris da cidade castiça de outros tempos ainda se mantendo. Nelas o visitante pode degustar-se com boa comida e bom vinho, tudo barato a condizer com as bolsas humildes, conviver com gente simples e aberta, ouvir histórias prosaicas do povo anónimo mas sincero e, no meio da conversa animada, de súbito fazer-se silêncio para ouvir dois dedos de guitarra e uma voz grave, modorra e sentida, cantar a saudade num fado improvisado. As tabernas típicas de Lisboa foram, e algumas ainda são, pontos de encontro de confrarias jantaristas e excursionistas de gentes do bairro, onde todos se conhecem, deixando as provas da sua fraternidade em quadros e quadras que o taberneiro exibe nas paredes da locanda com grande satisfação e orgulho. Na taberna entram todos, desde o nobre ao vilão, da meretriz à varina, pois que é o mais democrático dos espaços de convívio onde a fraternidade entre os homens faz-se mais 13


Lusophia | 2014__________________________________________________________ intensa entre rodadas de vinho, boa comida e muito fado. Algumas tascas estavam decoradas de azulejos com figuras jocosas e simples no desenho, explicadas por quadras e ditos de sabedoria popular certeira, decorando as paredes da casa e fazendo pensar. Ali, lia-se: “ Eu gosto de trabalhar porque trabalhar faz bem, mas gosto mais do descanso que não faz mal a ninguém”. Além, uma outra: “Nesta casa entram professores, doutores, caçadores, pescadores, soldadores, engraxadores e outros bebedores”. A origem da taberna recua à távola ou lugar reservado de tertúlias, que nos meados do século XIII ficava sempre próxima da igreja e da escola, frequentada por goliardos (da raiz protogermânica goli, “falar e cantar alto, brincar, fazer rir”), clérigos pobres egressos das universidades, cantando e declamando os seus poemas satíricos, um tanto cínicos, muitas vezes denunciando os abusos e a corrupção da própria Igreja, ou poemas eróticos, frequentemente muito ousados. Os goliardos, desamparados pela Igreja, vítimas da má fortuna do mundo, tornavam-se itinerantes (clerici vagantes), vagabundos de espírito transgressivo e provocador. A sua cultura marginal, facilmente apreensível pelos espíritos simples, ficaria como herança secular resistindo ainda hoje nas castiças confrarias taberneiras dos bairros antigos de Lisboa, tradição retomada em hora feliz pelo Povo.

A SINGULAR CASA DOS BICOS Rua dos Bacalhoeiros. Autocarro: 25 Em 2012 a Fundação José Saramago, famoso escritor e prémio nobel português, instalou-se neste emblemático edifício da cidade, único no género. Pode ser visitado de 2.ª a 6.ª feira das 10 às 18 horas, e aos sábados das 10 às 14 horas, encerrando aos domingos. Situado no bairro da Sé, junto ao Campo das Cebolas, esse edifício é mais conhecido como Casa dos Bicos e é o mais estranho edifício civil da Baixa lisboeta cuja origem muitos procuram saber ao admirarem-se com a sua fachada de bicos singular no património arquitectónico da cidade e muito rara no país. Trata-se de um palácio quinhentista reflectindo a forte influência dos ideais divulgados pelo Renascimento e ainda uma certa mudança de mentalidade durante a época Manuelina, na sequência dos Descobrimentos Marítimos. 14


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos A data da sua construção terá sido por volta de 1523, após o regresso de Itália, em 1522, do nobre rico e viajante D. Afonso Brás de Albuquerque (1501-1581, filho primogénito do vice-rei da Índia, D. Afonso de Albuquerque). Nas suas viagens por esse país, teria conhecido o palácio de Bevilaequa, em Bolonha, e o Palazzo del Diamante, em Ferrara. Ao construir a sua casa com a fachada em pedra talhada em pirâmide ou “ponta de diamante”, esta foi marcar uma forte rotura com os outros palácios da Ribeira de Lisboa. No entanto, o desenho da fachada não seguiu à risca o programa em voga na Europa, quanto ao desenho octogonal na abertura dos vãos e a utilização de uma métrica no desenho da fachada, pois que foram os valores e necessidades funcionais do interior e a sua significação que determinaram os tipos de aberturas no exterior. Este palácio quinhentista ergueu-se sobre edifício recuando ao período romano, cujos vestígios, postos a descoberto nos anos 80 do século XX, hoje podem ser vistos no seu interior. Dentre os vários elementos líticos, além de 5 tanques para salga e conserva de peixe usados pelos romanos, destaca-se uma base de capitel em estilo coríntio, o lintel de uma porta, a parte superior de uma ara e um troço de marco miliário dedicado ao imperador Marco Aurélio Probo (276 a.C. a 282 d.C.), que deveria assinalar a passagem de uma via entre a actual Casa dos Bicos e a Sé, possivelmente sendo a que se dirigia a Scallabis (Santarém). O espólio recolhido abrange desde o século I a. C. até ao início do século IV d.C. A fábrica de salga e conserva de peixe terá sido desactivada no final do século III ou no começo do IV, na sequência da construção da muralha defensiva de Olisipo (Lisboa), já que aquela ficaria intramuros. Os vestígios romanos dessa fábrica, a estrutura semicircular adossada à Cerca Moura, parte da torre medieval e o pavimento mudéjar, conduzem o visitante numa fascinante e singular viagem, dentro da Casa dos Bicos, por distintos períodos da História de Lisboa, 15


Lusophia | 2014__________________________________________________________ e tem ainda a rica biblioteca e as exposições de pintura da Fundação José Saramago para o deliciar mais.

O ESTRANHO RELÓGIO DO ARCO DA RUA AUGUSTA Rua Augusta. Eléctrico: 28 Por qualquer motivo que ultrapassa a compreensão humana, o relógio do Arco Triunfal da Rua Augusta avaria constantemente e pára para grande irritação de Cronos, o deus do Tempo. Mas vai voltar a funcionar e a ser pontual, após a realização dos restauros recentes feitos no arco cujo acesso ao interior também vai ser franqueado ao público. São poucos os lisboetas que já entraram e subiram ao alto do Arco da Rua Augusta e puderam ver o intrincado mecanismo deste famoso relógio da sala que aí está. Raros ainda são aqueles que conhecem a sua história que aqui vamos contar em breves palavras. O relógio do Arco fazia-se ouvir ao meiodia em ponto soando as doze badaladas do tradicional sino de bronze no topo do arco, repetindo-se às horas certas e a cada meia hora. Subindo mais de 80 degraus de escada em caracol por dentro do arco, chega-se à sala onde o tiquetaque ritmado do pêndulo do relógio é o único som que se ouve. O brilho das peças de bronze, de aço vazado e de ferro fundido, juntamente com a tinta fresca verde e vermelha, são o reflexo das obras de recuperação levadas a cabo por Luís Manuel Cousinha em 2007, neto do fabricante do mecanismo e seguidor dos passos do avô e do pai. O relógio foi construído pela empresa “Boa Reguladora – Fábrica de Relógios Monumentais”, fundada em Almada em 1930 por Manuel Francisco Cousinha. O 16


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos aparelho data de 1941, altura em que ainda não tinha corda automática, pelo que necessitava de funcionários que, algumas vezes por semana, lhe dessem corda e o acertassem. Mais tarde, Manuel Francisco Cousinha, com a alcunha de “engenhocas”, inventou um mecanismo de corda automática que tinha por base o mercúrio. Mesmo assim, por questões climáticas como a humidade e, também, a falta de verbas para a manutenção, o relógio foi-se degradando e, além de parar constantemente, atrasava-se ou adiantava-se. Aquando da reparação em 2007, foi preciso maquinar a roda maior que tem 120 dentes, ou seja, 30 centímetros de diâmetro, mandando refundi-la para ser refeita, além de se terem corrigido alguns erros de reparação, como o terem-lhe mudado o sistema de transmissão aos ponteiros. Mas esse não é o primeiro mecanismo de relógio do Arco da Rua Augusta, pois que na sala onde está o de 1941 há também um outro mecanismo de relógio do século XIX, igualmente em fase em restauro. Ele veio do Convento de Jesus, hoje Academia das Ciências, e foi adaptado por Augusto Justiniano de Araújo (Valença, 1843 – Lisboa, 1908), grande relojoeiro português fundador da Escola de Relojoaria da Casa Pia, tendo essa notícia sido dado pelo próprio na revista que fundou nos fins do século XIX, o Cosmocronómetro. O Ministério da Cultura garante que a recuperação do Arco Triunfal e do seu relógio monumental é prioritária, e depois poderá abri-lo ao público – até hoje só podendo visitá-lo por dentro após marcação antecipada contactando os serviços culturais da Câmara Municipal – para finalmente conhecer os estranhos e insólitos pormenores deste arco que todos vêem mas, afinal, não conhecem.

JARDIM IMAGINÁRIO DE BORDALO PINHEIRO Museu da Cidade, Campo Grande. Metro: estação Campo Grande Lisboa tem um jardim mágico onde todos podem dar largas à imaginação e pode ser visitado no Museu da Cidade de terça-feira a domingo, das 10:00 às 13:00 horas e das 14:00 às 18:00 horas, encerrando às segundas-feiras e feriados. Num total de 1205 peças da autoria de Rafael Augusto Prostes Bordalo Pinheiro (lisboa, 21.3.1846 – Lisboa, 23.1.1905), célebre ceramista, decorador, desenhista e caricaturista, o jardim do Museu da Cidade tornou-se um zoo em pedra onde entre cobras, sardões, caracóis gigantes, enormes vespas, lagostas sobredimensionadas, macacos pendentes das 17


Lusophia | 2014__________________________________________________________ árvores, etc., o visitante tem a oportunidade rara de descobrir esta faceta desconhecida do imaginário de Bordalo Pinheiro. A ideia de criar um jardim com peças originais do famoso ceramista partiu da jornalista e empresária Catarina Portas, e o projecto veio a ser realizado por Joana Vasconcelos a partir dos moldes gigantes guardados há muito tempo na Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, na altura em que a mesma ameaçava encerrar. Cuidadosamente recuperadas, desde Janeiro de 2010 podem-se ver essas peças saídas da genialidade dessa figura ímpar e marcante da cultura portuguesa na segunda metade do século XIX. O projecto inclui ainda aplicação de painéis de azulejos de baixo-relevo representativos da obra de Bordalo Pinheiro, bem como taças ou jarrões em pedestais. Entre vespas, rãs, lagartos, gatos, cavalos-marinhos, troncos e até cogumelos mágicos, no percurso labiríntico do jardim surgem inesperadamente dos lagos, entre os buxos, as figuras mais surpreendentes, que sobem pelas paredes e muros deste antigo Palácio Pimenta, hoje Museu da Cidade. Não há quem não se sinta transportado para o mundo imaginário das fábulas de La Fontaine ou da Alice no País das Maravilhas, sem contemplar idades porque adultos e crianças vivem a mesma experiência mágica da imaginação inocente. Olhando para a escultura em cerâmica o lobo e o grou, por exemplo, ele identifica-se de imediato à inspiração criativa da peça, a fábula do contador de estórias grego, Esopo. Sucintamente, ela conta que um lobo engasgou-se com um osso que ficou atravessado na 18


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos sua garganta. Aflito, pediu ajuda ao grou que por ali passava. O grou ofereceu-se para ajudar o lobo, enfiou o seu longo bico na goela dele e retirou o osso. De seguida pediu ao lobo o seu quinhão pela ajuda, mas ele recusou dar a recompensa replicando: “Ingrato! Deves é agradecer-me o facto de teres metido o bico na minha boca e não teres sofrido uma mordidela, pois eu podia matar-te! Considera-te com sorte”. O grou afastou-se arrependido pela ajudada prestada ao lobo. A moral da fábula: a caridade pode ser alvo da ingratidão, nunca se deve esperar reconhecimento por um favor prestado a um inimigo. Mas aqui são todos amigos nas horas felizes em que se deleitam perdidos no sonho e na fantasia deste jardim mágico. Uma visita a não perder.

O SEGREDO DO OBELISCO DOS RESTAURADORES Praça dos Restauradores. Metro: estação Restauradores Não há em Lisboa quem não pergunte o que significa o obelisco no centro da Praça dos Restauradores, além do seu significado imediato como monumento patriótico inaugurado em 28 de Abril de 1886 como projecto do arquitecto António Tomás da Fonseca. Terá algum significado esotérico ou escondido este monumento? Será obra secreta da Maçonaria Portuguesa? Afinal, o que significa este obelisco e porque está aqui? Por causa do seu formato, o obelisco é o símbolo do raio do Sol, ligando-se ao mito da ascensão solar e à “luz do Espírito penetrante” por causa da sua posição erecta e da ponta piramidal em que termina. Tendo tido uma importância excepcional na religião do Antigo Egipto que cultuava o Espírito do Sol, representativo de Deus Supremo, o simbolismo do obelisco veio a ser importado daí para a Europa pelas antigas confrarias de construtores-livres reunidas sob o nome genérico Maçonaria. Talhado num único bloco de pedra (monólito), o obelisco condiz até no nome com o seu significado solar, pois deriva do grego obeliskos como diminutivo de óbelos significando “agulha”, como referência ao seu término pontiagudo. Por simbolizar o raio do Sol, o obelisco serve como pólo de atracção da energia celeste que se fixa na Terra através da sua forma pontiaguda. Por isto representa a força criadora e a estabilidade que possuía o deus solar Ra no Antigo Egipto, cuja expressão seria tomada entre os cristãos como Deus Todo-Poderoso. Tal como os egípcios acreditavam que os raios do Sol levavam até ao túmulo um grande poder vivificante que teria efeito 19


Lusophia | 2014__________________________________________________________ extraordinário na posterior ressurreição do defunto, também neste obelisco dos Restauradores havia a crença mítica na ressurreição de Portugal no sentido de independência dos grilhões da escravatura do jugo espanhol de que se libertou em 1 de Dezembro de 1640. O obelisco era considerado com a petrificação do raio solar, acreditando-se que a Divindade animava ou existia dentro da estrutura. Esta crença egípcia seria adoptada pela Maçonaria depois de 1717, chegando a dizer o maçom Albert Pike no seu livro Dogma e Moral: “Daí a importância do obelisco, erguido como um emblema da ressurreição da Divindade enterrada”. Foi assim que os maçons passaram a ter o obelisco como símbolo da Fraternidade Interna Invisível ou Espiritual, a mesma que a Igreja chama Comunhão dos Santos e outros de Grande Fraternidade Branca. O simbolismo solar deste obelisco nos Restauradores, com 33 metros de altura, é ainda representado pelo Anjo da Luz, que vai bem com a natureza astrolátrica do monumento, ou seja, o Génio da Independência, obra do escultor Alberto Nunes, e que é o próprio Prometeu liberto dos grilhões que o escravizavam, neste caso particular, incarnando a alma liberta de Portugal do jugo Filipino no século XVII. Essa estátua de bronze é completada no significado por outra no lado oposto, a Vitória, escultura de Simões de Almeida. A escolha do metal bronze é também muito significativa, pois entre os antigos egípcios era considerado como a “carne dos deuses”, juntamente com o ouro que aqui figura só no Sol de Lisboa. Fica assim revelado o segredo deste singular Obelisco dos Restauradores.

20


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos AS MÁSCARAS DE PELE DO MUSEU DE DERMATOLOGIA Hospital dos Capuchos. Autocarro: 723 O Museu de Dermatologia está dentro do Hospital dos Capuchos e reúne um acervo esplêndido de equipamentos médicos, documentos e fotografias, sobretudo uma colecção de figuras de cera super-realistas sobre patologia dermatológica como o principal motivo de atracção para médicos e não médicos. A colecção de figuras engloba 254 máscaras, das quais 92 são provenientes do Serviço de Dermatologia do Hospital dos Capuchos mandadas executar pelo médico Caeiro Carrasco cerca de 1950, e as restantes 162 pertenciam ao serviço de Dermatologia do Hospital do Desterro entretanto encerrado, encomendadas pelo médico Sá Penella e que foram executadas entre os anos 30 e 40 do século XX. Nestas máscaras estão documentadas tridimensionalmente muitas patologias que, devido aos avanços das técnicas terapêuticas, desapareceram ou são excepcionalmente raras, como as gomas sifilíticas, os estádios avançados da doença de Nicholas Favre, algumas formas de tuberculose cutânea e as alterações dermatológicas ocasionadas pela utilização do arsénico inorgânico. A técnica de execução destas máscaras era feita com os moldes directamente sobre o corpo. A parte do corpo do doente a ser reproduzida era coberta por substância não aderente e com gesso. Este, uma vez seco, tornava-se o negativo da lesão, no qual era introduzida uma mistura de ceras em fusão que, ao solidificarem, constituíam o modelo pretendido. Obtido o positivo em cera, tinha lugar a pintura e, para aumentar o realismo, a aplicação de pelos e cabelos naturais e olhos artificiais. O modelo, uma vez terminado, era envolto em pano pregueado, fixado em suportes de madeira e etiquetado com o nome da patologia. Ao contrário do que acontece com as peças do famoso La Specola, de Florença, estes moldes eram obtidos directamente sobre os doentes dermatológicos, gente real cujos nomes e fichas 21


Lusophia | 2014__________________________________________________________ clínicas podem-se conhecer. Há neste museu um vasto campo para obras de História e de ficção, pois o seu material conduz o visitante por um passeio enriquecedor pela História da Dermatologia em Portugal, sendo uma atracção imperdível para todos os estudiosos do assunto, em especial os dermatologistas que visitam o país, mas também para aqueles que querem conhecer de perto este espaço singular de transmissão do conhecimento e da evolução dos tratamentos de pele. De forma sucinta, a história da criação deste Museu de Dermatologia começou nos anos 40, quando se teve a ideia de criar três hospitais especializados em dermatologia nas cidades do Porto, Coimbra e Lisboa. Em 1947, Caeiro Carrasco, director do Serviço de Dermatologia do Hospital dos Capuchos, propôs que esses hospitais incluíssem museus dermatológicos. Em 1955, foi destinada uma sala do Hospital do Desterro ao então designado Museu da Dermatologia Portuguesa. Este museu tinha dois objetivos: homenagear a figura do médico dermatologista Luís Alberto de Sá Penella e salvaguardar a colecção de figuras de cera sobre patologia dermatológica. Em 2007, com o encerramento do Hospital do Desterro, o médico dermatologista João Carlos Rodrigues, protector e estudioso do espólio do museu, promoveu a sua transferência para o Salão Nobre do Hospital dos Capuchos. Em 2009, este espaço acolheu o espólio de Caeiro Carrasco.

BALNEÁRIO D. MARIA II E OS ALIENADOS Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, Rua Dr. Almeida Amaral, 1. Autocarro: 30 O primeiro edifício psiquiátrico português, desconhecido da maioria dos lisboetas, foi o Balneário D. Maria II que faz parte da Enfermaria-Museu do Hospital Psiquiátrico de Lisboa Miguel Bombarda, e que pelo excepcional valor arquitectónico e histórico está classificado Imóvel de Interesse Público. Este Museu faculta visitas públicas gratuitas guiadas às quartas-feiras das 11:30 às 13 horas, e aos sábados das 14 às 18 horas, incluindo no percurso além da visita ao Balneário o acesso ao Pavilhão de Segurança, um dos raros edifícios circulares panópticos existentes no mundo com uma forma vanguardista que antecipou o designe industrial dos anos 20 e 30 do século XX, e ao exgabinete do director, onde o professor Miguel Bombarda foi assassinado na véspera da revolução de 5 de Outubro de 1910.

22


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos O Balneário ou Casa dos Banhos foi inaugurado pela rainha D. Maria II em 29 de Outubro de 1853, dia de aniversário do príncipe-consorte D. Fernando, e podem-se ver nele a zona dos banhos terapêuticos, as caldeiras e a cozinha industrial adjacente. A sua arquitectura é de pendor romântico, conjugando de modo exuberante mas harmonioso diversas correntes estilísticas da época: revivalismo gótico, com portas de arco quebrado; revivalismo renascentista, com loggia de arcos de volta inteira dando para um pátio, a lembrar os hospitais italianos do Renascimento; arquitectura do ferro e industrial, observável no gradeamento de ferro do pátio e na madeira e ferro na zona das caldeiras; arrojada azulejaria de fachada, de cunho bem português, invulgar em edifícios públicos. Ele representava melhoria de suma importância na saúde mental pública, pois variados tipos de banhos integravam as terapêuticas psiquiátricas então prescritas: banhos de chuva, de onda, de imersão; de duche descendente, lateral ou local; frios, tépidos, mornos ou quentes; de estufa e de vapor, com aromas medicinais. O plano desta Casa dos Banhos patenteia uma significativa componente experimental, e na sua elaboração participaram Bernardino António Gomes e outras figuras da Medicina Portuguesa. A água quente e o vapor eram fornecidos por sofisticado sistema de caldeiras, tubagens e aparelhos, especialmente concebidos pelo fabricante português José Pedro Collares Júnior. O vapor produzido na sala das caldeiras também proporcionava o aquecimento das marmitas e fogões da avançada Cozinha Industrial que foi erguida adjacente ao Balneário. O Pavilhão de Segurança, edifício oitocentista de planta circular da autoria do arquitecto José Maria Nepomuceno, concebido de acordo com as teorias visionárias da época para o alojamento e vigilância da população reclusa, é composto por pequenos quartos contíguos para um ou dois pacientes, voltados para um largo pátio exterior ajardinado, e com janelas também para o exterior. Nota-se o facto de não existirem, em qualquer elemento da construção, arestas marcadas. Todos os cantos e arestas do edifício, 23


Lusophia | 2014__________________________________________________________ incluindo as ombreiras das portas e janelas e bancos de pedra, são arredondados, não fossem os doentes magoar-se em alguma tentativa suicidária. Este edifício hospitalar era no século XVIII o convento dos padres de S. Vicente de Paulo, conhecido por Convento de Rilhafoles, e foi utilizado em 1829 para alojar a recém-fundada Missão de Portugal da Companhia de Jesus. Poucos anos depois, em 1834, no seguimento da extinção das ordens religiosas em Portugal, ainda funcionou aí o Colégio Militar. Acabou sendo transformado em hospital para doentes mentais pelo marechal Duque de Saldanha, que fundaria em 1848 o Hospital de Alienados de Rilhafoles, e após 1910 recebeu o seu nome actual em homenagem ao professor Miguel Bombarda.

A IGNORADA TAPADA DAS NECESSIDADES Largo das Necessidades. Autocarro: 720, 773 A Tapada das Necessidades é um jardim que Lisboa traz esquecida. Com dez hectares de extensão, localiza-se entre Alcântara e a Lapa e tem duas entradas: uma lateral à igreja no Palácio das Necessidades (no Largo das Necessidades) e outra na Rua do Borja. Está aberta ao público sete dias por semana, das 10 às 18 horas. Aqui os visitantes esquecem-se facilmente que estão na cidade, neste espaço verde de características românticas cuja história remonta a sucessivas gerações da realeza portuguesa. A sua origem está na lenda da imagem de Nossa Senhora da Saúde trazido para aqui por um casal fugido de uma epidemia que grassava em Lisboa. Com essa relíquia fundaram, em 1604, uma ermida denominada de Nossa Senhora das Necessidades, em razão da multidão de devotos que iam interceder à santa pelas suas aflições. Em 1742, o rei D. João V mandou edificar neste local o convento da Congregação do Oratório (génese do Palácio das Necessidades), e em 1745 mandou levantar o muro envolvente da tapada, como se lê numa lápide encrostada da sua traseira, fixando residência aí. Desde muito cedo que o monarca apreciava vir a este espaço paradisíaco, fazendo-se acompanhar por religiosas que o ajudavam nos exercícios espirituais, como é noticiado na Gazeta de Lisboa de 24


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos 12.4.1702. No reinado de D. Maria II este espaço tornou-se a morada oficial da realeza, e o seu marido, D. Fernando II de Saxe Coburgo-Gotha, em 1843 encarregou o jardineiro Bonard de redesenhar a tapada, transformando-a num jardim romântico inglês, pleno de espécimes exóticos autóctones e provindos de todo o mundo, como alfarrobeiras, dragoeiros, medronheiros, zambujeiros, sóforas-do-japão, etc. Em 1844, D. Pedro V mandou construir a estufa envidraçada e circular para a sua esposa D. Estefânia. Com D. Carlos, a tapada é equiparada a um campo de ténis e enriquecida com novas construções, como por exemplo a Casa do Regalo, local do atelier de pintura da rainha D. Amélia. Com a implementação da República o palácio e a tapada entraram num período de esquecimento, sobretudo os jardins da segunda. Mas ela é mais que um jardim, é um paraíso no alto da cidade. Além da sua abundante vegetação, destacando-se o magnífico jardim de cactos, um dos mais antigos da Europa, pode-se ver o espaço do zoo que D. Fernando II fundou aqui como o primeiro do continente europeu, antes de todos os outros jardins zoológicos inaugurados em Lisboa, a estufa enorme e a Casa do Regalo que continua a surpreender o visitante pelo seu halo romântico. Em 1916 o Palácio das Necessidades acolheu o Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas continuou a ignorar-se os jardins e a tapada. Só no final do século XX, com a tutela da Estação Florestal Nacional conjuntamente com a Câmara de Lisboa, iniciou-se a sua recuperação, mas não de uma forma contínua. Hoje os seus canteiros encontram-se arranjados, os seus lagos limpos, mas continua esquecida pelos lisboetas, praticamente ignorando-a por completo. Com uma vista ímpar sobre o Tejo, a Tapada das Necessidades carece ser redescoberta por todos como espaço único e maravilhoso, autêntico Paraíso Terreal plantado no coração de Lisboa.

25


Lusophia | 2014__________________________________________________________ MEMÓRIA ARTÍSTICA NO PALÁCIO DOS TÁVORA Travessa da Nazaré, 21, Mouraria. Autocarro: 37 Contam-se pelos dedos das mãos os que conhecem o Palácio dos Távora, na Mouraria. Menos ainda os que sabem da riqueza artística que há no seu interior desde o século XVIII. O edifício é actualmente ocupado pelo Grupo Desportivo da Mouraria, que também se chamou os Leões da Mouraria, associação desportiva local cuja direcção e sócios são gente boa e trabalhadora deste bairro castiço. Ao entrar nele os olhos arregalam de espanto diante das inesperadas memórias artísticas que o decoram e resistem ao tempo muito graças a este Grupo Desportivo. Este Palácio dos Távora está dentro da moda rococó setecentista. As suas antigas cocheiras, de linhas sóbrias e severas, são hoje ocupadas pelo ginásio. A antiga cozinha continua a manter os azulejos de padrão ou pombalinos da segunda metade do século XVIII que a revestam completamente. É difícil ultrapassar a extraordinária criatividade dos fabricantes de azulejos dessa época, bem como a dos técnicos que procediam à sua aplicação nas paredes. A seguir ao grande terramoto que destruiu Lisboa em 1755, durante o Governo do Marquês de Pombal, 1.º Ministro do Rei D. José, houve necessidade de arranjar um material de revestimento barato e fácil de produzir, para ser usado nas novas construções que se erguiam rapidamente por toda a cidade. Assim, as oficinas de cerâmica começaram a produzir azulejo de padrão em grande escala para as novas casas e com as quais os compradores e os operários que os aplicavam, podiam fazer um sem número de combinações diferentes e muito imaginativas. O antigo salão nobre deste palácio, hoje chamado “catedral do fado”, é um mimo de encanto pelas suas pinturas no tecto de madeira e nas paredes, cujas figuras evocam as virtudes teológicas entre motivos florais. Tudo obra original do século XVIII. Entre querubins e rosas orna a entrada na sala a pintura da Prudência em duplicado, com os seus atributos do espelho e da serpente. Olhar-se ao espelho pretende significar o conhecimento de si mesmo, pois ninguém pode regular os seus 26


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos actos se não conhecer e corrigir os seus defeitos. A serpente, que foi o atributo da Sabedoria Antiga representada na deusa grega Minerva, quando é atacada protege a cabeça enroscando-se sobre ela e com isso ensina, moralmente, a defender do mal com toda a força. Por isso diz a Escritura Sagrada: “Sede prudentes como a serpente e simples como a pomba” (Mateus, 10:16). Mesmo assim, a prudência virtual não protegeu a família Távora da fúria efectiva da perseguição e extermínio que o Marquês de Pombal lhe moveu, acusando-a de atentado ao Rei D. José, acusação só fundamentada no interesse pessoal do Marquês mas sem provas nenhumas até hoje. Da destruição havida salvou-se este palácio esquecido numa travessa da Mouraria e que ainda tem tanto para mostrar e contar aos visitantes, apesar de Lisboa quase ignorar este tesouro artístico e histórico escondido dentro dela. O Palácio Távora também tinha uma sala decorada com pinturas a fresco do século XIX com vistas do Palácio da Pena de Sintra, mas foram apagadas por um qualquer desígnio misterioso partido da edilidade camarária lisboeta, actual proprietária do imóvel.

JARDIM DAS FRANCESINHAS, MEMÓRIA E OLVIDO Rua das Francesinhas. Autocarro: 706, 727, 773 O Jardim das Francesinhas ou Jardim Lisboa Antiga fica no cruzamento da Calçada da Estrela com a Rua das Francesinhas. Este lindo espaço ajardinado durante muito tempo permaneceu no esquecimento dos lisboetas, e por isso entrou em grande decadência até que recentemente a Câmara Municipal reabilitou-o devolvendo-lhe a graciosidade e beleza de outrora. Agora é preciso que a população redescubra este jardim com tanto para contar e mostrar. É um jardim artístico, vendo-se nele belos silhares de azulejos retratando a zona vizinha de São Bento da Saúde, onde hoje está a Assembleia da República, como era antigamente. Uma preciosa peça escultórica que é das mais valiosas, “A Família”, do escultor Leopoldo de Almeida, é o centro dominante de todo o espaço sobre um espelho de água com oito bicas como símbolo da Criação. Com essa peça o artista exigiu no motivo um ícone de valor moral sacro-religioso que organizou num conjunto de três personagens. Conjugou os volumes como se tratasse de uma peça só e no seu enconchado albergou a Trindade, rematada pela Pomba abençoadora. Na centralidade, a criança – amor, prosperidade e futuro – é acarinhada pela maternidade e protegida no cuidado vigoroso da figura masculina. Nesse escultórico consubstanciou-se o valor 27


Lusophia | 2014__________________________________________________________ moral da família que neste espaço lúdico partilha com outras o tempo de infância, instante da brincadeira, reservando-se o jardim como lugar de informalidades. “A Família” mede 2.30 metros, foi executada em mármore em 1947 e inaugurada em 1949. Vêem-se ainda quatro leões alados em volta de um jarrão enorme, dando ar solene e gracioso ao espaço, ao mesmo tempo evocando o nome de Cristo como “leão de Judah” representando a Lei e o Império de Deus de quem Ele seria o Soberano na Terra. Este significado evoca igualmente a presença de um convento de religiosas que aqui existiu. Esse convento foi demolido nos anos 30 do século XX e no seu lugar construiu-se, por ocasião das festas da cidade, um bairro antigo em miniatura, evocando o tempo das freiras do convento. Este parque de diversões, construído em 1935, recebeu o nome Lisboa Antiga e obteve grande sucesso. Passada pouco mais de uma década, em 1949, neste mesmo local foi inaugurado este lindo jardim de traçado geométrico, da autoria do arquitecto Cristino da Silva, com “A Família” no centro. Posteriormente, foi inaugurado aqui um monumento em homenagem ao professor Bento de Jesus Caraça. O nome Jardim das Francesinhas provém do Convento do Santo Crucifixo das Capuchinhas Francesas, conhecido como das Francesinhas, que era uma construção seiscentista que entre os anos de 1912 e 1934-35 foi demolida. Este convento de religiosas fora fundado em 1667 pela rainha D. Maria Francisca de Sabóia, esposa de D. Afonso VI e, em segundas núpcias, de D. Pedro II. Quando morreu, a rainha foi sepultada no convento que fundou. Em 1912, o corpo foi trasladado para o Mosteiro de São Vicente de Fora, dando-se início à demolição do convento. 28


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos É urgente redescobrir este jardim olvidado de Lisboa, com tanta história para contar e tanta beleza para oferecer, como oásis de sossego no bulício da cidade.

PALÁCIO BURNAY, DELÍRIO E FAUSTO Instituto de Investigação Científica Tropical. Rua da Junqueira, 86. Autocarro: 714, 732 O Palácio Burnay é um dos mais belos da cidade e nele o visitante é de imediato absorvido pelo fausto delirante da sua beleza sem par. O seu jardim, a arquitectura do edifício, a grandeza das salas, o zimbório magnífico, as mobílias e pratas da época, tudo deslumbra e transpira a grandeza. Este enorme edifício setecentista é coroado nos lados por torreões e no centro, pelo lado de dentro, sobressai um zimbório com lanternim de quatro faces e quatro janelas. De cada lado nascem dois corpos com platibanda de balaústres ornada de estátuas de mármore, vasos e urnas. O interior dá para um átrio com escadaria de dois ramos, de tecto de abóbada de aresta oitavada. A escadaria é de um só lanço em curva, com corrimão e guarda de ferro do século XVIII. As paredes são pintadas a claro-escuro, trabalho do último quartel do século XIX, e domina o grande delírio trompe d´oil de beleza inexcedível. As salas foram beneficiadas em 1942 com os restauros das pinturas dos tectos e das paredes, igualmente de enorme beleza, por Conceição e Silva. O átrio superior, de talha escura, abre-se sobre uma galeria envidraçada que dá para os jardins e tem cinco portas para as várias salas. As sobrepostas estão decoradas ora por um castelo, ora por um leão. O belíssimo antigo salão de baile, com tecto de estuque de Rodrigues Pita, tem lindos medalhões alusivos à Música. A antiga sala de jantar, de forma elíptica, tem o tem o tecto pintado com deslumbre e requinte por José Malhoa 29


Lusophia | 2014__________________________________________________________ (1886), representando um céu com meninos alados conduzindo flores e frutos, evocação romântica Parnaso ou Paraíso das Musas. Na antiga sala das colunas, que são quatro colunas de madeira caneladas com capitéis dourados, repete-se o deslumbre trompe d´oil no tecto de estuque com ornatos. A visita faz-se demorada porque ninguém tem pressa para sair. No jardim com plantas tropicais e subtropicais e que é de grande interesse, conservam-se algumas estátuas, um teatro muito danificado e duas estufas muito interessantes, onde na do lado do poente vê-se uma porta de mármore com colunas salomónicas e pedra de armas do século XVIII. Tudo obra do capitalista Henrique Burnay (1837-1909). A origem desta casa nobre recua a D. José César de Meneses, irmão do 1.º Conde de Sabugosa, que mandou construir depois de 1701, rodeando-a com lindos jardins. Depois do terramoto de 1755, a propriedade foi vendida à Igreja Patriarcal e tornou-se residência de Verão dos patriarcas, razão porque este palácio também é conhecido como Palácio dos Patriarcas. Em 1818 funcionou nele o seminário de S. João Baptista. Nesse mesmo século XIX o capitalista Manuel António da Fonseca, o “Monte Cristo”, homem muito rico e excêntrico que chegava a beber chá por taças de ouro, comprou o edifício e fez-lhe inúmeras alterações, quer externa quer internamente. Em 1865 o palácio foi adquirido por D. Sebastião de Bourbon, ifante de Espanha e neto do rei de Portugal, D. João VI. Mas em Agosto de 1879 o edifício foi leiloado pelos herdeiros de D. Sebastião sendo adquirido por Henrique Burnay, que o enriqueceu com belas decorações e mobiliário, dando nele festas famosas. Em 1940 o Estado português adquiriu-o e hoje funciona aqui o Instituto de Investigação Científica Tropical.

JARDIM INTERIOR DO PALÁCIO DE SÃO BENTO Praça de São Bento. Autocarro: 28E, 706, 790. A visita é possível após marcar com antecedência no Centro de Informação da Assembleia da República O antigo Convento de São Bento da Saúde, actual Palácio da Assembleia da República, esconde um tesouro no seu interior: um belíssimo jardim que é um oásis de encanto e paz, podendo ser visitado no último sábado de cada mês (com início às 15.00 horas e às 16.00 horas) com visitas guiadas e gratuitas, destinadas pessoas individuais e a pequenos grupos. Este Jardim Interior, situado nas traseiras do palácio, foi desenhado pelo arquitecto Luís Cristino da Silva (1896-1976), caracterizando-se por uma simetria de inspiração francesa 30


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos na disposição dos canteiros e estátuas, contando com quatro pequenos lanços de degraus que criam o efeito de socalcos por forma a ultrapassar o pronunciado declive do terreno. É separado da residência oficial do 1.º Ministro por um longo muro de 50 metros com 16 nichos e respectivas fontes e uma dupla escadaria (da autoria do mesmo Cristino da Silva) erguida nos anos 40 do século XX que conduz ao jardim superior, encimada por duas esfinges com as quinas do escudo de Portugal, da autoria de António Leopoldo de Almeida (1898-1975). De cada lado da escadaria, avançadas em relação a esta, encontram-se duas estátuas representando a Força e a Justiça, duas figuras alegóricas femininas que se correspondem ideologicamente com as inscrições latinas Lex (Lei) e Jus (Direito) em frente, no edifício. Esculpidas em idêntico mármore branco de grão grosso e dentro da mesma monumentalidade das estátuas da fachada, apresentam, porém, diferenças relativas a estas ao nível do talhe, da plasticidade formal e da riqueza de recursos expressivos. A alegoria escultórica da Força apresenta-se como um guerreira de traje bélico romano, com elmo de centurião, couraça escamada, capa e sandálias subidas, desembainhando uma espada. Sentada, parece preparada para se levantar num movimento rápido, adivinhado na posição e tensão do corpo e no gesto do braço direito. A torção da forma, acentuado pelo movimento serpenteado das pregas da capa, confere valor de dinamismo à figura, fazendo dela uma das mais ousadas estátuas de grande porte existentes neste palácio. A alegoria escultórica da Justiça acompanha o seu par neste jardim. Representada com a espada na mão direita e a balança no colo, tem o mesmo tratamento plástico daquela e denuncia o mesmo cuidado no registo de pormenores decorativos. Embora a sua posição seja mais estática, a disposição assimétrica e cruzada das vestes anima a leitura, criando a ilusão de dinamismo. Este belo jardim desconhecido da cidade merece visita demorada. A sua construção nos meados do século XX evoca o primitivo jardim dentro da cerca do convento beneditino 31


Lusophia | 2014__________________________________________________________ de São Bento da Saúde fundado pelo geral dos beneditinos D. Frei Baltasar de Braga, em 1598. Com a extinção das Ordens religiosas em Portugal, em 9.8. 1834 o edifício passou a ser o Palácio das Cortes por portaria de D. Pedro IV. Durante o Estado Novo foi a Assembleia Nacional e desde 1975-1976 é a Assembleia da República. Durante todos esses períodos sentiu-se a necessidade de devolver ao imóvel o seu jardim interior entretanto desaparecido com o terremoto de 1755, e finalmente ele reapareceu pela mão de Cristino da Silva como um dos mais belos tesouros escondidos da cidade à espera que os lisboetas o descubram.

O ESQUECIDO PALÁCIO ALMADA-CARVALHAIS Largo do Conde Barão, 48-57. Autocarro: 9, 727 No Largo do Conde Barão, logo a seguir à Rua das Gaivotas, virado para poente está um prédio cujo arco de entrada nasce de um pequeno ângulo desenhado no alinhamento urbano. Nesse pedaço de fachada da casa apalaçada setecentista encontra-se uma torre de cantaria, e a sua janela de volta redonda que fica sobre o portão é sobrepujada pelo brasão dos Almada-Carvalhais. Este solar pertenceu no século XVI ao Provedor da Casa da Índia D. Rui Fernandes Almada, que o mandou construir cerca de 1545. Por casamento adveio a união de duas famílias e casas, Almada-Carvalhais. O edifício sofreu sucessivas fases construtivas e decorativas até ao século XVIII, traduzindo uma arquitectura renascentista e barroca. Apesar de abandonado e degradado, está classificado como Monumento Nacional. O primeiro pormenor digno de nota é a própria localização do edifício: o primeiro proprietário mandou erguer a sua casa onde vinha dar o Rio Tejo, tendo existido sem dúvida um cais privativo na praia então fronteira. Embora discreta, a fachada ergue-se acima dos restantes corpos do palácio em um andar, funcionando como uma torre de reminiscências senhoriais 32


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos que, inclusive, teria tido um coroamento de ameias piramidais. Os vestígios deste palácio esquecido são muito curiosos. A entrada em rampa mostra ainda as pilastras e os arcos de cantaria em volta perfeita. À direita, um formoso arco de volta abatida abre para um delicioso claustro da Renascença, ao fundo do qual sobe-se a escadaria nobre do edifício. O claustro tem três faces adornadas, a do fundo de três arcos e as laterais de quatro arcos, apoiadas a colunas de lindos capitéis lavrados com decoração vegetalista e antropomórfica evocativa do gosto tardo-gótico nacional. A passagem após a rampa de entrada está revestida com curiosos azulejos setecentistas nos dois tramos de abóbada, apoiados em belas pilastras nuas. Sabe-se que aqui era a zona de acesso à cozinha do palácio e que constituía o seu jardim, de que já nada resta e apenas se sabe que era guarnecido com algumas estátuas e azulejos, alguns dos do tipo da Bacalhoa em Azeitão, vila onde os Carvalhais tiveram uma casa que se extinguiu com o último representante da família. O acesso aos pisos superiores do palácio é feito por uma escadaria monumental onde ainda se podem observar vestígios de pintura mural em trompe l’oeil da segunda metade do século XVIII. Os pisos superiores, foram profundamente alterados por intervenções tardias, sendo as mais importantes do período barroco, que lhe modificaram a original feição renascentista. As alterações setecentistas feitas após os danos causados pelo terramoto de 1755 conduziram à reconstrução das fachadas voltadas para a rua, a algumas alterações estruturais do interior e à decoração de todas as dependências com silhares de azulejos e tectos de madeira pintados, muitos dos quais ainda são visíveis e constituem por si só uma boa parte da riqueza e valor artístico do conjunto. Vale a pena visitar o Palácio Almada-Carvalhais pelo muito que ainda tem para mostrar como memória do fausto de outrora que engrandeceu Lisboa mas que hoje o traz no esquecimento, para não dizer, na ignorância da sua existência.

O DESCONHECIDO HOSPITAL DE ARROIOS Rua Quirino da Fonseca. Metro: estação Arroios São raros os que reparam, e os que reparam ficam surpreendidos ao verem as Armas de Inglaterra e de Portugal na portada da igreja do hospital de Arroios. Não há quem não pergunte o que fazem ali essas peças heráldicas e quem as mandou impor. Outros querem visitar este hospital desactivado, por terem ouvido haver património histórico 33


Lusophia | 2014__________________________________________________________ dentro dele, mesmo não sabendo qual seja, e não sabem como fazê-lo. Basta contactar a Divisão de Programação e Divulgação Cultural da Câmara Municipal de Lisboa. Foi D. Catarina Henriqueta de Bragança (Vila Viçosa, 25.11.1638 – Lisboa, 31.12.1705), princesa portuguesa que se tornou rainha consorte de Inglaterra e Escócia por seu casamento com Carlos II da Casa de Stuart, quem mandou esculpir essa peça heráldica à entrada da igreja no ano da sua morte (1705), anexo ao antigo convento que também mandou construir nessa data e foi utilizado para formação de jesuítas até 1755. Chamava-se na altura Colégio de São Jorge de Arroios, à beira da antiga Estrada de Sacavém. Após a expulsão dos jesuítas de Portugal em 1759, o Marquês de Pombal determinou que este convento fosse ocupado pelas freiras concepcionistas franciscanas, ficando conhecido como Convento de Nossa Senhora da Conceição da Luz de Arroios. Com a morte da última freira em 1890, o edifício ficou devoluto até 1892, ano em que o Estado passou a utilizá-lo como hospital, e em 1898 passou a chamar-se Hospital Rainha D. Amélia, tratando exclusivamente de casos de tuberculose. Só em 1911 tomou o nome de Hospital de Arroios, tendo sido ocupado pelos feridos do Corpo Expedicionário Português durante o conflito mundial de 1914-18. Em 1993 fechou portas e encontra-se devoluto até ao presente, contudo a igreja do convento ainda funciona e está a cargo da Igreja Ortodoxa que dá assistência religiosa sobretudo à comunidade ucraniana de Lisboa. A igreja de Nossa Senhora da Conceição de Arroios é muito bela e a sua talha dourada está conservada. Sobre a fachada principal desta igreja de planta cruciforme, permeio a duas torres sineiras vê-se ainda num nicho a imagem da Virgem com o Menino, tudo obra do século XVIII. No seu interior existem dois silhares com a altura de 12 azulejos, revestindo as paredes laterais a todo o comprimento e que são de 1750. No silhar da direita estão três painéis representando seis episódios da vida de Santo Estanislau Koskta, e no silhar da esquerda existem igualmente três painéis com seis episódios da vida de São Francisco Xavier. Todos possuem legenda em latim. No interior do convento, além dos claustros austeros do estilo da renascença italiana e que são um exemplar raro da 34


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos arquitectura jesuíta, podem-se ainda ver o que sobra dos bancos de pedra lioz e dos painéis de azulejos dos inícios de setecentos, que são um primor de arte causando admiração a todos que os vêem, sobretudo o registo da imagem de Santa do Menino Jesus produzido na Fábrica de Cerâmica de Constância e pintado por Leopoldo Battistini. Merece ser visitado este desconhecido e desactivado Hospital de Arroios como espaço único na cidade cujo insólito é permanecer da ignorância da ruína em que Lisboa o traz para empobrecimento da sua memória e história.

CEMITÉRIO DOS INGLESES, A INGLATERRA DENTRO DE LISBOA Rua de São Jorge, 15, Estrela. Autocarro: 738 Apesar da entrada ser livre e estar aberto diariamente, o Cemitério dos Ingleses parece ser um dos segredos mais bem guardados de Lisboa, pequeno e discreto, abrigado por altos muros e sombreado por imponentes árvores centenários, é um dos espaços verdes de necroturismo mais romântico e quase secreto da cidade, em perfeita sintonia com o Jardim da Estrela, cuja entrada norte se situa mesmo em frente, do outro lado da rua, e que lhe é posterior (1842). A cedência deste lugar para cemitério nos terrenos adjacentes à Travessa dos Ladrões, actual Rua da Estrela, foi feita em 1717 à comunidade inglesa e holandesa, numa época em que os protestantes eram hereges para os católicos que os perseguiam, apesar do seu culto ser livre em Portugal desde a Restauração de 1640. Também conhecido por Cemitério dos Ciprestes, ganhou este nome devido à ao Tribunal da Inquisição ter ordenado a plantação de um muro de ciprestes em torno do perímetro do cemitério para impedir que os católicos vissem as campas dos protestantes, tendo considerado este espaço como “chão dos hereges”. É assim que além de ser um dos mais bonitos cemitérios de Lisboa, é também um formidável repositório de histórias da longa e frequentemente 35


Lusophia | 2014__________________________________________________________ acidentada presença britânica em Portugal. A lápide tumular mais antiga, singela e naturalmente erodida, fica a dois passos da entrada. Data de 1724 e sob ela repousa Francis La Roche, um refugiado huguenote. A data do falecimento é o que mais se estranha, sabendo-se que a Aliança Luso-Britânica tem mais de 600 anos (1373). Mas aconteceu que desde o século XVI e do célebre cisma de Henrique VIII, a maioria da população inglesa deixou de obedecer ao Papa. Isso levou os fiéis anglicanos fixados em países católicos a conhecerem um sem-número de dificuldades, incluindo a proibição de serem inumados nos cemitérios existentes. Assim aconteceu em Portugal, onde os anglicanos, residentes ou viajantes finados aqui, acabavam sepultados às escondidas, à beira-mar ou à beira-rio. A lápide tumular mais famosa do cemitério, a única com direito a placa indicativa à entrada do recinto, é a de Henry Fielding, mais conhecido como “Pai do Romance Inglês”, autor da obra célebre Tom Jones que escreveu em 1449. A fim de recuperar a saúde sob o Sol português, embarcou para Lisboa e morreu ao chegar, em 1754, deixando a obra póstuma escrita a bordo, Journal of a Voyage to Lisbon. Muitas das campas e dos jazigos mais antigos e “artísticos” do cemitério datam da época da segunda metade do século XVIII. Da lista de nomes consta uma série de ingleses identificados como militares radicados em Lisboa depois de reformados, mas sem nunca cá terem servido. O mesmo não acontece com a geração seguinte, a daqueles que tombaram nas Guerras Napoleónicas (1799-1818), tantos que justificaram a ampliação do recinto que ganhou a designação de Cemitério dos Militares. Na nova parcela nasceu a igreja de São Jorge em 1822, entretanto encerrada. Quase todas as campas são coroadas por canteiros arbustivos, os caminhos mais antigos estão atapetados por musgo, havendo enormes dragoeiros, altos ciprestes e palmeiras gigantes crescendo entre campas góticas e cruzes célticas. Aqui repousam militares, aventureiros, sonhadores e empresários britânicos que fazem parte da História de Lisboa e hoje estão neste bucólico cemitério no alto da Estrela.

PALÁCIO DO MARQUÊS DE POMBAL Rua do Século, nº 65 a 85, Bairro Alto. Autocarro: 92 Ocupado pela Escola Superior de Dança que o torna possível de ser visitado de segunda a sexta-feira de manhã e à tarde, o Palácio do Marquês de Pombal ou dos Carvalhos é um daqueles pouco conhecidos dos lisboetas apesar do seu riquíssimo recheio monumental e 36


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos artístico, mesmo com uma placa comemorativa à entrada indicando que “nesta casa nasceu aos 13 de Maio de 1699 Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal”, que o mandou restaurar e ampliar por volta de 1770. O edifício apresenta planta em L cujo ângulo corresponde à esquina entre a Rua do Século (antiga Rua Formosa) e a Rua da Academia das Ciências. Por cima das janelas de sacada sobrepostas aos portões, foram colocadas as Armas dos Carvalho e Melo (estrela de oito pontas dentro de quatro crescentes) encimadas pela coroa de Marquês. O acesso ao andar nobre faz-se por ampla escadaria de pedra com dois patamares, onde se destacam quatro peças escultóricas de mármore representando Vénus e Hércules, e duas pedras com as Armas dos Carvalhos com a coroa de Marquês de sustentadas por um leão. É notável o tecto desta escadaria, com belíssima decoração de estuque de composição figurativa, representando uma alegoria da Morte e do Amor, da autoria do escultor João Grossi. O andar nobre é constituído por uma sequência de salas e salões interligados entre si, estando o salão nobre virado para o jardim e não para a via pública. Nas várias salas destacam-se os tectos com decorações de estuque, de composição ornamental e figurativa ilustrando temas da Mitologia, sendo os silhares de azulejos de composição figurativa, em monocromia azul e branco ou polícromos, representando também episódios mitológicos, paisagens com cenas campestres e marítimas e motivos de inspiração militar e heráldica (troféus de armas). Ainda no andar nobre há um pequeno oratório de planta quadrada, com claraboia e paredes totalmente revestidas de decoração em estuque, destacando-se em fundo de ornamentação rocaille medalhões com cenas da Sagrada Família, Santo António e o Menino. No altar subsiste ainda uma tela representando Nossa Senhora das Mercês, assistindo à entrada das almas no Paraíso conduzidas por São Francisco de Assis. No rés-do-chão (entrada pelo n.º 79), merecem menção os silhares de azulejos de composição ornamental, com motivos de albarradas, os silhares de azulejos de padrão de 37


Lusophia | 2014__________________________________________________________ tipo palacete e os azulejos de figuras avulsas. Também no rés-do-chão, actualmente a servir de arrecadação, encontra-se a grande cozinha seiscentista de planta quadrangular e tecto abobadado, conservando ainda uma grande lareira e um fontanário em forma de nicho com carranca de leão. O jardim, abandonado, é centrado por um lago de repuxo e delimitado por muretes e conversadeiras ferrados de azulejos de composição figurativa. Nos seus cantos há quatro pequenos pavilhões de planta quadrada com cobertura piramidal revestidos de azulejos e com tecto de decoração em estuque. Encostada à parede norte, vê-se um linda fonte ornamental com uma sereia cavalgando um golfinho. O Palácio dos Carvalho continua a espera que Lisboa o visite e conheça.

ENCANTO E PIEDADE NO CONVENTO DOS CARDAIS Rua Eduardo Coelho, 1. Autocarro: 58, 100. Horário: 14.30 h – 17 h, excepto à 2.ª feira Poucos lisboetas conhecem este maravilhoso Convento de Nossa Senhora da Conceição dos Cardais, das Carmelitas dos Cardais ou simplesmente dos Cardais, que tem tanto para mostrar e contar. Fundado em 1681 por D. Luísa de Távola e concluído em 1703, a sua igreja é de uma só nave decorada com pinturas emolduradas a talha e silhares de azulejos com molduras policromas ilustrando a vida de Santa Teresa de Ávila, assinadas pelo holandês Jan Van Oort, e faz parte do chamado “estilo nacional”. O seu espólio de maior interesse reúne uma vasta colecção de azulejos setecentistas e azulejos joaninos, únicos em Lisboa. Este convento é composto pela igreja, dois claustros, refeitório e demais dependências. O claustro maior, com passagem para o jardim e pavimentado com sepulturas, tem a suas paredes cobertas com silhares de azulejos e no centro há um pequeno tanque de pedra redondo com repuxo. No refeitório, de planta rectangular, repete-se a decoração com silhares de azulejos de albarradas ou padrão de camélia azuis e brancos. Na igreja de planta longitudinal, figuram as imagens de São José e de Nossa Senhora da Conceição e o altar-mor é de talha dourada criando um camarim fechado por uma tela figurando a “Imaculada Conceição com São João da Cruz e outros Santos Carmelitas”, execução do pintor André Gonçalves segundo desenho de Vieira Lusitano. Tanto o altar-mor como as paredes laterais da capela são revestidos por embutidos de mármore. No presbitério encontram-se dois altares de talha afins ao retábulo do altar-mor. Contíguos à igreja existem dois espaços paralitúrgicos, o coro baixo e comungatório (com acesso pelo lado do Evangelho do presbitério onde está a 38


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos sepultura da fundadora do convento, D. Luísa de Távola, com as respectivas armas) e a sacristia (cujo acesso faz-se pela parte inferior do retábulo do altar-mor). Igualmente contíguo à igreja encontra-se o coro alto, exibindo um imponente malheiro de ferro e silhares de azulejos figurando passos da vida de Santa Teresa. No antecoro, vê-se um painel de composição figurativa representando a Virgem da Conceição como Rainha de Portugal, datada de cerca 1730 e cujo estilo dá como seu autor o artista Teotónio dos Santos. Em 1834, com a publicação da lei da extinção das ordens religiosas, o regime liberal decidiu encerrar este Convento dos Cardais após a morte da sua última religiosa, ocorrida em 1876. Porém, antes mesmo do seu falecimento foi repensada a instituição com o nome de “Associação [de Nossa Senhora] Consoladora dos Aflitos [das Irmãs Terceiras Dominicanas]”, contornando desse modo o estipulado no decreto de extinção. Na realidade, houve um grupo de cidadãs católicas que antes da morte da última freira assinou (Março 1876) uma petição muito bem elaborada e argumentada, solicitando ao Estado autorização para converter o espaço conventual em associação, incluindo os “objectos de culto e alfaias litúrgicas; com o que evitariam a ruína do edifício e a desaparição de um espaço de piedade e evangelização, ficando então a Associação com o extinto convento dos Cardais de Jesus com a cerca, igreja e suas pertenças, para servir de Asilo aos cegos desvalidos”. Assim foi feito. Em 1878 o convento foi entregue às Irmãs Terceiras Dominicanas e permanece na sua posse até hoje. Cuidado com ternura e piedade, o Convento dos Cardais aguarda ser visitado e descoberto por ser um ninho de arte sacra único em Lisboa.

39


Lusophia | 2014__________________________________________________________ NO TEMPO EM QUE NOSSA SENHORA ANDAVA DE CARRO Praça Afonso de Albuquerque. Autocarro: 28, 714. Horário: 10.00 h – 18 h, terça-feira a domingo Poucos sabem mas aconteceu: houve uma época em que Nossa Senhora andava de carro, ou melhor, de berlinda, como as duas que estão expostas no Museu Nacional dos Coches Reais, em Belém, e passam desapercebidas apesar da sua grande singularidade e aspecto insólito. Com efeito, fazem parte deste Museu dos Coches (inaugurado em 23.5.1905 no antigo Picadeiro Real pela rainha D. Amélia de Orléans e Bragança) duas interessantes berlindas processionais que serviam para transportar a imagem da Virgem na longa viagem de procissão de Nossa Senhora de Mua ou do Cabo Espichel (Sesimbra), que se realiza anualmente por uma das 26 freguesias do Termo de Lisboa inscritas nesse périplo. O carro real transportador da Santa Virgem Mãe é viatura cujo tipo foi inventado em 1660 em Berlim, Alemanha, de onde lhe adveio o nome, berlinda. Sendo um género de veículo mais alto que o coche, era, porém, mais estável, virando-se menos. Muito usado em viagens longas e na cidade, devido à grande mobilidade que lhe vinha de não ter varal único, denotava um avanço técnico em relação ao coche. A caixa é montada sobre um par de varais laterais a que se liga por meio de correias, duas das quais seguem também por baixo e lateralmente ao longo da viatura, de modo a ampará-la e dar-lhe maior estabilidade. O formato da berlinda real oferecida à Mãe dos Céus e Rainha Soberana de Portugal pelo rei D. João V, que além de lhe ser muito devotado era igualmente um soberano ilustrado graças à corte de sábios que o cercava, a maioria apóstolos da Alquimia e do Hermetismo, configura no conjunto o M de Maria, e as alegorias marianas que decoram a viatura transferem para o significado hermético de pretender-se figurala como a Merkabah, isto é, o “Carro da Tradição” para os cabalistas judaico-cristãos, que dispunham nele a Shekinah, ou por 40


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos outra, a Real Presença Feminina de Deus representada por Nossa Senhora, como o centro das atenções e o motivo do movimento ou dinamismo da procissão. Assim, a Merkabah é representada pelo Carro e a Shekinah pela Virgem, esta que é Negra e tem o seu altar principal na Basílica Real do Cabo Espichel onde é aclamado como Stella Maris, “Estrela-do-Mar”. Tem-se assim nestas berlindas esquecidas legitimados os títulos sacros Mariae Virginis Carrus Gloriam, “Carro de Glória da Virgem Maria”, e Lucem Marialis Carrum, “Veículo de Maria Luminosa”, contendo ainda o sentido hermético de manifestação da Mãe Divina ou a Hipertúlia que na ladainha mariana é chamada “Orvalho Celeste” (Maris Coelum), este preanunciado pela “Luz” ou a “Estrela” d´Alva (Vénus) sobre o Oceano dos vivos e dos mortos, consequentemente, Stella Maris. Era para a praia defronte daqui que confluía o Círio processional do Termo, ficando assim Belém como o “Lugar do Nascimento” assinalado pela venusta Estrela, isto é, Restelo, e após, a caminho de Sesimbra, iniciava-se a Viagem Marítima para a outra banda do Tejo indo desembarcar no Porto Brandão, figurando a feliz chegada à “Ilha Afortunada” desse outro nauta irlandês São Brandão. Início e trajecto marítimo cujo sentido hermético coaduna-se com aquele designado Via Húmida na Alquimia da Alma que está assinalada em Nossa Senhora da Pedra de Mua ou Mu, apelativo da Atlântida, o “País de Mu”, para onde se dirigia no seu carro como quem vai de retorno à Origem Primordial.

CONDESSA D´EDLA, MEMÓRIA TUMULAR Praça São João Bosco. Eléctrico: 28E. Horário: 09.30 h – 16 h, encerra às segundasfeiras Elisa Hensler, a Condessa d´Edla (La Chaux-de-Fonds, Neuchâtel, 22.5.1836 – Lisboa, Coração de Jesus, 21.5.1929), foi a segunda mulher do rei D. Fernando II que tal como este devotou um amor extremo à Serra de Sintra, a ponto de querer para o seu túmulo neste Cemitério dos Prazeres uma réplica da Cruz Alta da serra, mandando vir pedras daí para aqui, numa demonstração comovente e significativa desta quase rainha de Portugal. Quando D. Fernando faleceu em 1885, deixou em testamento à viúva todos os seus bens, incluindo o Castelo dos Mouros e o Palácio da Pena, ambos em Sintra. Foi D. Carlos I quem, pagando 410 contos à condessa, conseguiu recuperar esses imóveis. Depois disso, Elisa Hensler abandonou Sintra e passou a viver com a sua filha Alice em Lisboa, onde faleceu aos 92 anos de idade. Antes, porém, deixou redigidas as seguintes determinações no seu testamento de Fevereiro de 1928, relativas a como queria que fosse o seu túmulo: 41


Lusophia | 2014__________________________________________________________ “Comprar-se-á um terreno de 4 metros de comprido por 4 de largura – colocar-se-á no centro uma cruz copiada da cruz que está na Cruz Alta do Parque da Pena em Sintra. O tamanho da cruz será apropriado ao terreno – a unir dos degraus que formam a base da cruz será gravado Aqui jaz Elisa Hensler viúva de sua majestade el-rei D. Fernando II, nascida em 1836”. Assim foi feito. Neste Cemitério dos Prazeres, na Rua 2A com o n.º 6399, o jazigo da Condessa d´Edla recria o cenário verde do ponto mais alto da Serra de Sintra, que ela tanto amava. É da autoria de Raúl Lino e é composto pela sobreposição de blocos irregulares de granito provenientes daquela serra, assentes numa base quadrada de calcário, envolta por densa vegetação e encimados por uma réplica da Cruz Alta que se encontra no sítio mais elevado do Parque da Pena, motivo muito significativo por alguns esoteristas apodarem esse lugar de “Pico do Graal”, talvez por o rei D. Fernando II ter recriado o cenário paradisíaco das óperas “Lohengrin” e “Parsifal”, de Richard Wagner, nesse mesmo Parque da Pena. Num recanto deste, a Condessa d´Edla possuía um chalet (o primeiro no país) onde se dedicava a experimentações com espécies vegetais, a chamada espagiria, e a pintar quadros e loiças com motivos mitológicos portugueses. Portanto, ela também não seria alheia a esses conhecimentos esotéricos. O seu epitáfio tumular frontal, diz: “Aqui jaz Elisa Hensler, viúva de sua majestade el-rei D. Fernando II de Portugal, nascida em 1836 e falecida em 1929”. Falecida no seu Palácio de Santa Marta, na freguesia do Coração de Jesus, em Lisboa, Elisa Friederike Hensler, a Condessa d´Edla, cantora, artista, pintora, ceramista e quase rainha, recebeu na morte o tratamento e as honras de uma figura de Estado. A rainha D. Amélia e o rei 42


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos D. Manuel II, depostos, mandaram o Visconde de Asseca como seu representante ao funeral. Visitar o túmulo da Condessa d´Edla e porventura deixar nele um ramo de flores, num preito de homenagem, será a maior demonstração de gratidão que Lisboa poderá fazer à memória desta figura ímpar que repousa eternamente sobre um ainda mais singular túmulo que só ela sabia porque queria ficasse assim.

OS FANTASMAS DO PALÁCIO BEAU SÉJOUR Estrada de Benfica, n.º 368. Autocarro: 16, 746, 768. Metro: Alto dos Moinhos (Linha Azul). Horário: 2.ª a 6.ª feira: 9 h – 18 h. Sábado: 10 h – 17 h A visita ao jardim e palácio Beau Séjour (“Boa Estadia”) é gratuita, mas deve-se ter muito cuidado porque dizem que está mal-assombrado e por lá andam as almas penadas dos antigos proprietários apoquentando os pobres mortais. Esta antiga Quinta das Louras ou das Loureiras, foi adquirida em 1849 por D. Ermelinda Allen de Almeida, viscondessa da Regaleira, e passou a ser conhecida por Quinta Beau Séjour, imitando o estilo francês. Com o passar do tempo ficou conhecida como Quinta das Campainhas, devido ao tilintar de umas campainhas de vidro de várias cores pendentes da cobertura metálica do coreto no jardim que se faziam ouvir á mais leve brisa. Em 1859 a baronesa da Regaleira, D. Isabel Allen Palmeiro, sobrinha e herdeira da viscondessa, vendeu esta quinta a António José Leite Guimarães (Guimarães, Pencelo, 21.8.1806 – Lisboa, 29.10.1876), primeiro barão de Glória, capitalista emigrado no Rio de Janeiro que faleceu solteiro sem deixar geração. Após a morte do barão em 1876, o Beau Séjour ficou na posse nos seus sobrinhos e herdeiros, e em 1887 tem lugar no palácio uma significativa campanha de enriquecimento artístico com as intervenções de Francisco Vilaça, Columbano, Rafael e Maria Augusta Bordalo Pinheiro, motivo mais que suficiente para uma visita demorada ao imóvel. Com a morte da descendente do barão de Glória na década de 30 do século XX, D. Maria de Glória Leite, o Beau Séjour é herdado por uma afilhada e seu marido, Augusto Fernandes de Almeida, mas em 1971 o recheio da quinta é levado a leilão e disperso e o palácio e jardim adquiridos pelos Irmãos Maristas que aí instalaram um colégio. Finalmente, na década de 80 a Câmara Municipal de Lisboa adquiriu o imóvel e desde 1992 serve de instalação ao Gabinete de Estudos Olisiponenses.

43


Lusophia | 2014__________________________________________________________ Pois bem, desde que o Gabinete de Estudos Olisiponenses instalou-se neste palacete que os funcionários andam desesperados com a aparição inquietante da alma defunta do barão de Glória que por aqui anda a arrastar grossos volumes de livros e caixotes de documentos, mudando-os de sítio, para dias depois os mesmos funcionários encontraremnos no exacto lugar onde haviam procurado. O barão também é culpado, acusam, pelo deslizar e tilintar das chávenas em cima das mesas sem ninguém tocá-las e pelo soar das campainhas que já não existem nesta quinta. Na cave, onde estão os arquivos, é onde se regista maior actividade dessa e outras andam mal-assombradas que se arrastam por aqui, um delas a própria viscondessa da Regaleira, dizem. Aliás, conto a seguinte estória que muitos têm por absolutamente verídica e até juram pela sua honra que assim aconteceu: Certa noite a campainha da porta tocou e o funcionário de serviço foi abrir. Não viu ninguém. Tornou a fechar a porta e a compainha voltou a tocar. Novamente não viu ninguém. A campainha voltou a tocar e o funcionário, aborrecido e contrariado, gritou: – Quem está aí? Então, ouviu-se uma voz rouca do outro lado da porta: – É o barão de Glória! E mais atrás uma outra voz, tíbia e tímida, acrescentou: – E a viscondessa da Regaleira também! O homem apanhou um susto de morte e nessa mesma noite despediuse do emprego. Enfim, fábulas urbanas que enriquecem o imaginário fantástico lisboeta. Mas vale muito bem a visita a este palacete que conta com uma das maiores colecções de arte romântica e naturalista portuguesa, cujas peças restauradas estão expostas ao público. É notável o denominado Salão Dourado ocupando a zona nobre do edifício e ostenta no tecto a grande tela de Columbano Bordalo Pinheiro, Carnaval de Veneza. Também na chamada Sala de Música, igualmente transformada em sala de leitura, Francisco Vilaça executou magníficos estuques figurando instrumentos musicais. Merece a visita demorada este singelo palacete oitocentista, e pode muito bem acontecer que o visitante seja recebido à 44


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos entrada pelo fantasma do próprio barão de Glória e a alma penada da viscondessa da Regaleira lhe seja guia nestes seus antigos aposentos.

A MISTERIOSA FONTE DAS 40 BICAS Calçada da Ajuda. Autocarro: 714, 732, 793. Eléctrico: 18. Horário: Abril a Setembro das 9 h às 20 h. De Outubro a Março das 9 h às 18 h (encerra 4.ª feira) Este é o mais antigo jardim botânico de Portugal mandado plantar em 1768 por Sebastião Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, ao italiano Domingos Vandelli, natural de Pádua, e chamou-se originalmente Real Jardim Botânico da Ajuda. Foi o rei D. José I quem encomendou ao Marquês a criação desta maravilha botânica destinada à educação dos príncipes seus filhos e da corte, plantando-a neste sítio já de si milagroso por a Virgem ter aparecido a um pastor que padecia grande contrariedade e Ela ajudou-o, e para sempre o seu nome ficou ligado a este bairro ocidental de Lisboa: Nossa Senhora da Ajuda. À mesma Virgem assistencial se consagrou este jardim e a maior prova de assim ser revela-se no simbolismo da enigmática fonte das 40 bicas, situada no tabuleiro inferior deste espaço edénico. Datada do século XVIII esta fonte barroca também é conhecido por fonte das serpentes e dela a água jorra por 40 bicas ornamentais para um tanque artisticamente lavrado. Está decorada com a escultura mitológica do deus grego dos oceanos, Neptuno, e por outras esculturas de golfinhos laterais e frontais no tanque, cavalos marinhos no topo do monumento e sobressaindo do conjunto serpentes, com duas enleadas defronte cujos corpos circundam o prato superior da fonte e dando origem a outras serpentes enroscadas em troncos secos, tudo em conformidade com o hermetismo próprio da época pombalina. Tal como a Mãe Divina é representada como as Águas da Vida calcando a seus pés a Serpente da Criação, como se vê na iconologia de Nossa Senhora da Conceição, é por isso que essa última é o símbolo da Energia ou Força Criadora conectada aos movimentos sinuosos das correntes telúricas que animam a Terra e os seus lençóis d´água subterrâneos, muito deles afloram à superfície através de fontes monumentais como esta do Jardim Botânico. Por isso o culto serpentário conecta-se inteiramente ao sentido de “Água de Vida”, acrescentando-se que a serpente era encarada pelas antigas religiões como guardiã das fontes de vida e da imortalidade, e assim mesmo dos tesouros espirituais que só os imortais poderiam obter. Tal como a Mãe Divina dá de seu seio interior a Sabedoria revelada no Filho, também a serpente por sua ligação telúrica ao seio da Terra tornou-se símbolo da “Sabedoria das Profundezas” revelada na Água de Vida 45


Lusophia | 2014__________________________________________________________ brotando à superfície, animando este Jardim do Paraíso pelas 40 bicas que retirando o zero e só ficando o quatro, indica justamente o compasso quaternário do Globo assinalado pelas quatro estações anuais marcadas pelas quatro fases da Lua, planeta “feminino” que assiste às Águas da Criação e que os antigos retratavam como uma grande serpente envolvendo o mundo, tal qual a serpente que envolve o prato superior desta fonte. As duas serpentes enroscadas adiante da fonte representam na Natureza o carácter masculino e feminino unidos gerando um terceiro estado de perfeição, o androginismo. Este carácter andrógino das serpentes macho e fêmea gerando outras tantas enroladas em troncos secos, evoca o episódio mitológico grego do profeta cego Tirésias de Tebas que encontrou duas serpentes copulando, tendo-as golpeouas com o seu cajado matando a fêmea que logo se transformou em mulher, e ao fim de sete anos viu novamente duas serpentes copulando: matou o macho que logo se transformou em homem, tal qual ele se viu porque já era não cego, por haver alcançado o estado de iluminação interior que lhe concedia a imortalidade como Andrógino Perfeito, que é o que significa a alegoria. Mais adiante, no conjunto escultórico, defronte para as duas serpentes aparece uma terceira serpente, isolada de corpo enrolado e cabeça levantada. Representa o Oceano Primordial das Águas da Vida. Por seu sentido de realeza, esta cobra é uma naja, a cobra real dos hindus. Finalmente, no topo da fonte aparecem cavalos-marinhos que simbolicamente são o “aspecto superior” das serpentes que representam na Terra o que aqueles representam para a Lua: ao participar do segredo das águas fertilizantes, o cavalo-marinho conhece o caminho por elas percorrido, e por isso acreditava-se que ele tinha o dom de fazer brotar fontes com um golpe da sua cabeça. Neste caso, a função da montada de Neptuno é a de despertar a imaginação como “mente criadora” e que está 46


__________________________________________MistĂŠrios de Lisboa, Lendas e Factos representada pelo peixe-voador sobressaindo do centro dos quatro cavalos-marinhos, cujas rĂŁs do segundo prato assinalam a rota do entendimento gradual para quem contempla esta mais que insĂłlita fonte das 40 bicas.

47


Lusophia | 2014__________________________________________________________

48


__________________________________________Mistérios de Lisboa, Lendas e Factos

Contactos: Por correio: ao cuidado de Dr. Vitor Manuel Adrião. Rua Carvalho Araújo, n.º 36, 2.º esq. 2720 – Damaia – Amadora – Portugal Endereço electrónico: vitoradrião@portugalis.com Sítio internet: Lusophia

49


Lusophia | 2014__________________________________________________________

50


Vítor Manuel Adrião, renomado escritor esotérico português, é consultor de investigação filosófica e histórica, formado em História e Filosofia pela Faculdade de Letras de Lisboa, tendo feito especialização na área medieval pela Universidade de Coimbra. Presidente-Fundador da Comunidade Teúrgica Portuguesa e Director da Revista de Estudos Teúrgicos Pax, Adrião é profundo conhecedor da História Medieval do Sagrado, sendo conferencista de diversos temas relacionados ao esoterismo, às religiões oficiais, aos mitos e tradições portuguesas, às Ordens de Kurat (em Sintra) e do Santo Graal, das quais também faz parte.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.