Porque és o avesso do avesso | projeto de expografia para o Centro Histórico de São Paulo

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Projeto de expografia para o Centro Histórico de São Paulo Antonio Souza Santos Neto





Antonio Souza Santos Neto

Porque és o avesso do avesso: Projeto de expografia para o Centro Histórico de São Paulo

Trabalho Final de Graduação apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Neto”, campus de Presidente Prudente. Orientadora: Profª Dra. Luísa Gonçalves

Presidente Prudente 2022



AGRADECIMENTOS

Agradeço, antes de tudo, a Deus por tudo! Aos meus pais pelo amor, por todos os ensinamentos e pela motivação e confiança - meu âmago. Aos meus amigos mais próximos, que tive o prazer de conhecer através desta graduação, Flávio, Isabela e Catarina. À minha orientadora, Profª Dra. Luísa Gonçalves, por conseguir traduzir minhas inquietações e desejos, pela primorosa orientação e pela coragem de embarcar neste desafio. À FCT-Unesp, por me possibilitar diversas experiências. Aos professores Dra. Paula Vermeersch, Dr. Marcos Gabriel e Dr. Fernando Okimoto, pela grande experiência de aprendizado não limitada apenas à sala de aula.



For from him and through him and for him are all things. To him be the glory forever! Amen. Romans 11:36



RESUMO

A cidade entendida como palimpsesto, do qual provém das formas de relação da sociedade ao longo dos séculos, contém elementos de valor patrimonial que expressam as metamorfoses pelas quais percorreu, tal como a memória social. Possibilitado através das ferramentas projetuais da arquitetura, urbanismo e design, o caráter comunicativo se mostra de fundamental importância como meio de contar essa história aos citadinos. Com base nisso, este Trabalho Final de Graduação intenta ler e reconhecer as camadas históricas de relações de sociedade e projetos de modernidade que tiveram como resultado intervenções no espaço físico que configuram o Centro Histórico da cidade de São Paulo, para a formulação de projeto expográfico que contenha diretrizes projetuais para a proposta de exposição histórico-urbana com intuito de comunicar e transmitir aos transeuntes as transformações e sobreposições históricas pelas quais o espaço urbano do centro histórico perpassou.

Palavras-chave: Expografia urbana; Patrimônio urbanístico; Centro Histórico de São Paulo; Intervenção urbana.


SUMÁRIO

Apresentação .................................................................................................................................................................... 14 PARTE I - Bases teóricas ........................................................................................................................................... 18 1. Exposição e Expografia .................................................................................................................... 20 2. Patrimônio ................................................................................................................................................. 24 3. Cidade e Paisagem Cultural ........................................................................................................ 30 4. Patrimônio, Centro Histórico e Cidade Histórica ...................................................... 35 5. Contexto nacional ............................................................................................................................... 40 PARTE II - São Paulo: camadas da história .............................................................................................. 48 6. Preâmbulo paulistano ..................................................................................................................... 50 7. A Vila (século XVI - século XVIII) ............................................................................................... 55 8. O avesso do avesso do avesso (século XIX e início do século XX) ............... 78 8.1. Influência estrangeira ............................................................................................... 98 9. São Paulo moderna (1920-1960) ............................................................................................ 123 9.1. Administrações públicas, intervenções urbanas e patrimônio (1934-1945) ........................................................................................................................................................................... 133 8.2. O edifícios públicos .................................................................................................. 136 9.2.1. A Biblioteca Municipal ................................................................... 142 9.2.2. O Viaduto do Chá ............................................................................. 145 10. São Paulo metrópole (1970-2000) ..................................................................................... 172 10.1. Partida e chegada .................................................................................................... 188 PARTE III - Diretrizes de projeto .................................................................................................................... 196 11. Diretrizes gerais ................................................................................................................................ 198 11.1 Sistema de Expografia e Mapeamento ..................................................... 199 12. Identidade Visual ............................................................................................................................ 206 12.1 Logotipo e Ícone ........................................................................................................ 208 12.2 Aplicações publicitárias ....................................................................................... 212 13. Estudo de flâmulas para espaços de exposição .................................................... 224 14. Projeto Módulo Expográfico ................................................................................................. 230 15. Estudo preliminar: Pátio do Colégio ................................................................................ 244


Considerações finais ................................................................................................................................................ 254 Referências ...................................................................................................................................................................... 256


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Apresentação

Este Trabalho Final de Graduação, em seu cerne, nasce sob a vivência do eixo de disciplinas que englobam o projeto de arquitetura e histórias da arte e da cidade e a vontade de expressar esta construção no espaço urbano. Parte também do entendimento de cidade como produto entre a relação do homem e do espaço, permeando seus patrimônios construídos como marcas que evidenciam as camadas históricas entre o tempo e projetos e expressões de sociedade. O recorte espacial apresentado e proposto para investigação e proposição de exposição histórico-urbana é o Centro Histórico de São Paulo. Com batismo simbólico em 25 de janeiro de 1554, no alto da colina histórica, entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, os jesuítas deram início à chamada Vila de São Paulo do Piratininga. Em seus primeiros séculos de existência, o desenvolvimento urbano da cidade ficou contido ao entorno da colina histórica e dos rios que a conformam. Logo após a chegada da ferrovia, em meados do século XIX, a ocupação começou a se distanciar dos rios e do triângulo histórico - formado pelos Largos do Carmo, São Francisco e São Bento. Este trabalho final tem por objetivo identificar e compreender os diferentes tempos históricos que formam o centro histórico de São Paulo, bem como suas metamorfoses a partir da dinâmica urbana vivida por moradores, trabalhadores e frequentadores do espaço como leitura e levantamento de conteúdo inserido no processo pesquisa de temática expositiva. Por fim, objetiva propor projeto de expografia contendo


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diretrizes para a concepção de exposição histórico-urbana no Centro Histórico de São Paulo. A partir do percurso expositivo arquitetônico-urbano-visual possibilitando aos transeuntes a compreensão do patrimônio como reflexo das camadas históricas, tem-se os objetivos específicos: - Apreender a formulação do debate acerca do termo patrimônio; - Compreender a história da formação da cidade de São Paulo e as camadas sobrepostas que configuram o centro histórico; - Identificar espaços do centro histórico que possibilitem sua fácil legibilidade à população; - Propor diretrizes de projeto expográfico para exposição urbana a ser locada no centro histórico de São Paulo. Esta pesquisa e proposição projetual justifica-se devido a relevância de compreender as dinâmicas sociais e construtivas empregadas no centro histórico da cidade de São Paulo ao longo dos anos. Dada sua especificidade, pois mesmo tido como histórico, o centro não é visto como um objeto patrimonial único e datado que remete exclusivamente a um período da história, mas que está vivo e atuante na dinâmica urbana. A natureza metodológica propõe-se a ser aplicada e possui caráter exploratório, pois parte da coleta e entendimento das informações


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e dados históricos. Parte de uma análise histórica e sua abordagem se mostra qualitativa, dado que pretende observar e compreender os diferentes cenários históricos para que se possa chegar em conclusões ideais destinadas à proposta de intervenção projetual no espaço. Este Trabalho Final de Graduação é estruturado em três partes, sendo: (1) Bases teóricas; (2) São Paulo: camadas da história e (3) Diretrizes de projeto. Os capítulos se desenvolvem internamente às partes.


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PARTE I Bases teóricas Capítulo organizado com o intuito de compreender as bases teóricas para o desenvolvimento de expografia e pesquisa de conteúdo expositivo - representado pelos itens de patrimônio.



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1. Exposição e expografia

Em concordância com o Instituto Brasileiro de Museus (2017, p. 08), uma exposição se concretiza na confluência entre sujeitos (visitantes) e objetos (conjunto expositivo) - em sentido amplo, podemos afirmar que esta confluência se desenvolve entre sociedade e seu patrimônio. O conjunto expositivo se desenvolve como um sistema de comunicação, interligando os sujeitos aos objetos, com intuito de sustentar narrativaenredo desenvolvidos. São meios de reprodução e disseminação de conhecimento, fluxo de ideias e, com isso, debates ideológicos e políticos. Saturnino (2014, p. 31) nos explica que a interação à uma exposição é uma experiência de ativação para o sujeito. Cabe evidenciar a diferença entre exposição, expologia e expografia. De maneira simples, a exposição é o objeto final, o produto a ser experienciado pelo sujeito. A expologia é a área de estudo que engloba os conhecimentos acerca das exposições e, a expografia, por sua vez, define-se como o projeto da exposição - ou também como concepção, organização e manutenção do espaço expositivo, como salienta Douglas Saturnino (2014, p. 34). O IBRAM (2017, p. 11) ressalta que expor é, acima de tudo, propor. Isto é, a partir da narrativa construída, escolher o pode ser exposto, ocultado, lembrado e esquecido. Estas escolhas são feitas a partir da pesquisa de conteúdo, que faz o levantamento e análise dos temas que têm potencial para orientar as matérias da exposição. A pesquisa se desenvolve como uma das mais importantes fases de um processo de exposição, e tem


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característica de englobar diversos fatores, como por exemplo, caráter histórico, antropológico, cultural e tecnológico. Pesquisar, nesse sentido, também é investigar, interpretar, mapear, interrogar (no sentido de arguir, questionar), documentar e preservar o patrimônio em toda sua diversidade cultural, regional, étnica e linguística. A pesquisa pode e deve ir além das dimensões materiais, pode ampliar-se para as representações do intangível, dos conhecimentos, dos saberes, técnicas, artes, crenças, ritos, sons, palavras, expressões, movimentos (Instituto Brasileiro de Museus, 2017, p. 23).

Entende-se hoje a flexibilidade de um conjunto expositivo, o qual não necessita obrigatoriamente de objetos materiais, assim como também seu formato não requer a utilização de espaços fechados ou edificações, pode cumprir-se em espaços livres (parques, praças, ruas, florestas) e do mesmo modo virtualmente. Ou seja, o objetivo da exposição em representar e comunicar pode ser extensivamente aprofundado. Assim como a atividade expositiva tange tópicos interdisciplinares, a formação da equipe para a criação e desenvolvimento da exposição deve seguir este mesmo princípio. Desta maneira, as equipes-base para concepção de exposições devem ser englobadas pelas áreas de: design gráfico, arquitetura e urbanismo, design de exposição, pedagogia/ educação, história, jornalismo, conservação, museologia, entre outras. A ação da exposição em dialogar com o sujeito pode ser elaborada a partir de ações educativas ou da educação patrimonial termo mais difundido no país, de acordo com Souza (2012, p. 02), que


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tem por propósito instigar os visitantes a compreender e interpretar obras, objetos e provocações para a construção, ou compreensão, de significados. A partir de incentivos do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), no ano de 1996, é lançado o “Guia Básico de Educação Patrimonial”. Escrito por Maria de Lourdes Parreiras Horta, Evelina Grunberg e Adriana Queiroz, o texto parte de uma metodologia progressiva que envolve 04 etapas para a apreensão de objetos e fenômenos culturais - observação, registro, exploração e apropriação. Segundo as autoras, a educação patrimonial consiste em um processo permanente e sistemático e se desenvolve como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo, se aplicando a qualquer evidência cultural material - desde manifestações até conjuntos históricos, arqueológicos e paisagens naturais. (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 1999, p. 06). A espacialidade do conjunto expositivo denomina-se por circuito - direcionado pelo sistema de comunicação espacial, ou wayfinding, e desdobra-se em: (a) circuito fechado; (b) circuito livre e (c) circuito sugerido. (a) circuito fechado: o percurso é integralmente predeterminado e possui apenas uma entrada e uma saída. (b) circuito livre: o percurso é livre permitindo a elaboração de um percurso individual para cada visitante.


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(c) circuito sugerido: existe a disposição e condução sequencial de conteúdo, porém o visitante é livre para escolher seu percurso.


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2. Patrimônio

A maturidade no debate acerca do termo patrimônio provém de meados do século XVIII e início do século XIX (GONÇALVES, 2002, p.116) e seu discurso nasce no processo de formação dos Estados nacionais, ou seja, onde se pretende a construção de memórias, tradições e identidades, na busca, como nos relata Gonçalves (2002, p. 116), de uma “subjetividade coletiva, a nação”. Para Choay (2014, p.11) o patrimônio surge pela acumulação de uma diversidade de objetos que reúnem a sua “pertença comum ao passado”, que evocam ao passado como uma memória viva. Ainda de acordo com a autora, o patrimônio edificado possui um caráter especial, em razão de criar uma relação de maior proximidade com a vida de “todos e de cada um” (CHOAY, 2014, p. 12), englobando todas as artes de edificar (eruditas e populares, urbanas e rurais) e todos edifícios (públicos e privados). O primeiro desenvolvimento do termo patrimônio, antes da compreensão madura que se consolidou no século XIX, denominava-se unicamente como monumento - que, segundo Françoise Choay (2014, p. 17-18), pode ser qualquer objeto edificado que tem por finalidade induzir a recordação de um acontecimento, povo, pessoa, rito ou sacrifício. Além disso, a expressão monumento carrega consigo a intenção de poder, grandeza e beleza. Trazendo ao debate o ponto de vista do historiador Alois Riegl, Choay nos apresenta a dupla possibilidade de existência de um monumento. Em primeiro lugar, o monumento pode ser uma criação deliberada - e que nos leva ao encontro da definição clássica de ser um


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objeto construído para rememorar algo. Em segundo lugar, e acrescido de um termo, podemos encontrar o monumento histórico que não é almejado como marco, mas que ao passar do tempo e sob olhar histórico, este objeto edificado se notabiliza e ganha o caráter de monumento. Sob a influência da Revolução Industrial, a cidade torna-se objeto do saber e por consequência, a cidade antiga torna-se objeto de investigação (CHOAY, 2014, p. 193). Neste contexto, avançando no tempo para a primeira metade do século XIX, na França, o patrimônio ganha novos significados e deixa de se referir apenas às tipologias recorrentes, como vestígios da antiguidade, edificações religiosas da Idade Média e castelos. A partir desse momento, o termo começa a compreender conjuntos edificados e o tecido urbano, desde poucos quarteirões até conjunto de cidades. O estudo da expressão patrimônio nos direciona aos debates das teorias da restauração, porém, esta pesquisa não visa centrar-se na conservação ou alteração de edificações, mas do espaço urbano patrimonial em que o conjunto de edificações proporciona. Para tal, Choay (2014, p. 191) nos explica que a noção de patrimônio urbano nasceu na Grã-Bretanha, sob a pena de Ruskin, e em concordância com Rupf e Queiroga (2015, p. 140), este patrimônio edificado urbano se faz presente como uma espessura que, ao mesmo tempo, remete ao passado e ao futuro, dando base à memória social. Ou seja, acrescido do entendimento de Mesentier (2005, p.168), este conjunto de “edifícios e


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áreas urbanas de valor patrimonial como ponto de apoio da construção da memória social” perdura ao longo de gerações. Ainda sobre memória social, Mesentier explica: [...] enquanto suporte da memória social, o patrimônio atua como um estímulo ao processo de desenvolvimento da consciência social, pode-se dizer que o faz de modo especial na construção do sentido que propicia a percepção do caráter histórico da existência das estruturas sociais (MESENTIER, 2005, p.170). A memória social é, portanto, decisiva para a construção do sentido da dimensão histórica da vida social, propiciando a percepção do processo de desenvolvimento social como algo sujeito a mudanças que se produzem, por intervenção das forças sociais do presente, a partir de acúmulos produzidos historicamente (MESENTIER, 2005, p.170).

De forma geral, conforme explica Cecília Santos (2012, p. 03) a origem do patrimônio se fundamenta no entendimento da relação de cada sociedade com o tempo, que é uma relação de caráter mutável. No Brasil, o estudo sobre este termo nos remonta à década de 1930, a partir do “Anteprojeto para a criação do Serviço Histórico e Artístico Nacional”, escrito por Mário de Andrade em 1936, que teve como objetivo formalizar a institucionalização do patrimônio. Este escrito foi base para o Decreto-lei N.25 de 1937, redigido pelo advogado Rodrigo Melo Franco de Andrade, que funda o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico (SPHAN), hoje Instituto (IPHAN). De acordo com Nabil Bonduki (2010, p. 25), nosso país foi um dos primeiros a redigir uma legislação


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com o intuito de proteger e preservar o acervo de patrimônio histórico e artístico, e teve como referência também as ideias do urbanista Lúcio Costa. O anteprojeto indica uma nova instituição designada a cuidar do patrimônio, desenhando seu campo de ação e reflexão - como descreve Santos (2012, p. 03), em concordância com o costume europeu, englobava arte, arquitetura, museus, arqueologia, dentre outros. Mário de Andrade propôs uma organização técnico-administrativa para o Serviço, definindo a obra de arte patrimonial em categorias. O redator do anteprojeto cria um novo termo para a preservação, o chamado “tombamento”, criando os 4 livros do tombo e os 4 museus nacionais. Descreve sobre o que seria o patrimônio artístico nacional e como deveria se dar sua preservação. Tal escrito de Mário de Andrade possuía também um caráter de cunho cultural, pois abordava o que ele descreveu como “monumentos da arte popular”, porém, no Decreto-lei este termo e este alcance ficaram de fora. Cecília Santos nos apresenta que os escritos de Mário de Andrade e Rodrigo Melo Franco que deram surgimento ao SPHAN, entre os anos de 1936 e 1937, trouxeram um campo de discussão intelectual do assunto patrimônio. Porém, na prática, o texto do Decreto-lei N.25 que instaura o SPHAN possui uma característica “elitista” e até “classista” (SANTOS, 2012, p. 04), pois visa proteger essencialmente a arquitetura religiosa e militar da era Brasil colônia. Santos traz uma citação da tese de doutorado


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defendida por Antonio Gilberto Ramos Nogueira, o qual descreve a primeira fase de atuação do SPHAN como “sacralização da memória em pedra e cal [...] e a eleição de uma etnia, dita civilizada, em detrimento de outras à margem do processo”. No contexto político, o nascimento do SPHAN data da época do Estado Novo, regime caracterizado pela centralização do poder, e que acaba refletindo na primeira fase de atuação do Serviço, concebendo uma ação limitada que se deu por vozes correntes e os gostos das elites dirigentes da época. Desde logo o início de sua atuação, o Serviço começa a receber críticas, como as de Lauro Cavalcanti, arquiteto e antropólogo, que analisa as primeiras produções da Revista do Patrimônio e percebe que se privilegia, na maior parte, os monumentos de pedra e cal de Minas e do Rio. Ainda em 1937, na primeira edição da Revista, Mário de Andrade já indagava sobre a cultura popular fazer parte do programa de conservação e valorização do patrimônio com a pergunta: “E folclore? Já pode entrar na revista?”. Cavalcanti ainda critica a grande atuação dos profissionais arquitetos no Serviço, dizendo que esta seria a causa do grande privilégio às obras de pedra e cal, de cunho elitista ou religioso. Neste mesmo pensamento, Mariza V. Motta Santos (apud SANTOS, 2012, p. 05) descreve que a forte atuação dos arquitetos é carregada até a década de 1970, quando a partir disso as ideias centrais passam ao arcabouço teórico antropológico. O documento que instituiu o Serviço trazia referências à Carta


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de Atenas, que foi a primeira carta internacional de princípios para a restauração de monumentos. Segundo Santos (2012, p. 05), a Carta não se desenvolve como uma cartilha, discutindo regras ou leis, mas como uma natureza teórica e, neste sentido, Rodrigo Melo se fez referência na redação do Decreto-lei, no sentido de um “rigor conceitual e atualização”. Mário de Andrade, além de ter papel fundamental na discussão brasileira acerca do patrimônio, foi o primeiro responsável pela regional paulista do SPHAN. E, na construção da ideia do Serviço, os ideais de Mário não foram opostos aos de Rodrigo, todavia os dois são “faces solidárias da mesma ação”, como descreve Santos (2012, p. 07).


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3. Cidade e Paisagem Cultural

A cidade nos é apresentada como uma “produção humana e histórica” (FORTUNATO, 2015, p.112) portadora de múltiplos discursos, revelando identidades que convergem e divergem em meio à sua realidade diversa e complexa, transformando o cidadão ao mesmo tempo em leitor, escritor, agente e intérprete dos signos apresentados pelo conjunto urbano, podendo-o transformar por ele e se deixar ser transformado (MACIEL et al., 2016, p.3827). Conforme escreve Choay (2014, p.192), até o século XIX o espaço da cidade era lido através de seus monumentos e símbolos, mas ela se torna em si mesma um monumento e, ao mesmo tempo, um tecido vivo (CHOAY, 2014, p.210). Sobre esta mudança, a autora versa: A conversão de cidade material em objeto do saber foi provocada pela transformação do espaço urbano consecutivo à revolução industrial: abalo traumático do meio tradicional, emergência de outras escalas variáveis e parcelares. É então, que, por efeito da diferença e, de acordo com a palavra de Pugin, por contraste, a cidade antiga se torna objeto de investigação. Os primeiros a perspectivá-la historicamente e a estudá-la segundo os mesmos critérios que as transformações urbanas contemporâneas são, antes de mais, os fundadores (arquitetos e engenheiros) da nova disciplina, à qual Cerdá dá o nome de urbanismo (CHOAY, 2014, p.193).

Este espaço construído transformado pelo homem, uma materialidade edificada, segundo Pesavento (2004, p.26) “se reveste de forma, função e significado”. A cidade tem em si, ao se deparar no contexto urbano, marcas da passagem do tempo, uma vez que se busca


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sua história e memória (PESAVENTO, 2004, p.26). Assim sendo, dentre esses conceitos debatidos pelos autores, Pesavento (2004, p.26) traz uma definição de cidade pertinente a esta pesquisa, a autora apresenta a cidade como palimpsesto - “enigma a ser decifrado” - que sofre uma superposição de camadas de experiência da vida, ou seja, “a cidade é, sobretudo, exibição da marca do homem num universo mutável” (PESAVENTO, 2004, p.27). Como referiu Ítalo Calvino, nas suas cidades invisíveis, é preciso entender que uma cidade abriga muitas outras cidades, e só a vontade e a atitude hermenêutica de enxergar para além daquilo que é visto é que permitirá chegar até as cidades soterradas, na História e na Memória. A cidade que se vê, a cidade onde vivemos, abriga as cidades mortas, soterradas ou fantasmáticas do passado, a partir de traços que nos permitirão fazê-las despertar. Despertar, revelar, expor, fazer lembrar, dizer como foi um dia são todos procedimentos que, articulando História e Memória, dão a ver o passado, no caso, a cidade de uma outra época (PESAVENTO, 2004, p.28).

Em uma linha de raciocínio evolutiva, a cidade carregada de significados patrimoniais e de memória, surge o termo paisagem cultural. O conceito propriamente dito surge em 1992 a partir de discussões promovidas pela UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura e, aqui no Brasil, é incorporado pela portaria n. 127 do IPHAN no ano de 2009. A geógrafa Sandra Scifone (2016) define a paisagem cultural como uma porção espacial composta de elementos construídos que estão envolvidos numa dinâmica


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morfológica e natural, vinculada a uma significação social. Em outros termos, expressa os vestígios deixados pela dinâmica historicamente construída na vivência da sociedade e natureza. Isto posto, trata-se de um conceito amplo, o qual compreende patrimônios materiais e imateriais, envolvendo as práticas culturais em suas relações com os espaços e artefatos construídos. Scifoni acrescenta que a inserção do termo paisagem evoca uma discussão acerca de seu significado. De acordo com a autora, este conceito advém da geografia tradicional alemã, entre o final do século XIX e início do século XX, e se refere estritamente aos elementos naturais (relevo, solo e vegetação), enquanto que o termo paisagem cultural não necessariamente precisa abranger elementos naturais. Dessa maneira, Simone Scifoni traz uma noção integradora da paisagem a partir da produção do geógrafo americano Carl Sauer. Sauer escreve que as duas dimensões (paisagem - elementos naturais; paisagem cultural - cultura humana) são construções do único termo paisagem. Para a autora, a utilização do termo paisagem cultural pela Unesco se restringe unicamente à identificação das áreas com valor patrimonial, um mecanismo de diferenciação das demais áreas. Em linhas gerais, a transformação da cidade em objeto do saber, ou de investigação, e a estruturação do termo paisagem cultural gera um movimento de compreensão do espaço urbano patrimonial, que engloba não apenas as edificações isoladas de valor patrimonial, mas


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também o conjunto de manifestações oriundas da dinâmica urbana. Isto proporciona uma visão integradora do espaço urbano patrimonial, e move-se além das práticas burocráticas de tombamento de edificações. A partir disto, constitui-se um novo mecanismo, chamado de chancela da paisagem cultural. No Brasil, este mecanismo é formalizado a partir de estudos realizados entre 2003 e 2004 em municípios do estado de Santa Catarina e da formulação da proposta Roteiros Nacionais de Imigração (IPHAN, 2011). Chegou-se a conclusão que devido a abrangência e complexidade da ação, era necessário articulação com diferentes esferas do poder público, a fim de possibilitar a subsistência social e econômica. Segundo Scifoni, é a partir desse experimento que surge o conceito de rede de proteção, descrito por Dalmo Vieira Filho em 2011, que sugere a gestão compartilhada do patrimônio. Levando em consideração a ação e vivência dos grupos sociais, tradições, costumes e manifestações no espaço. Os espaços urbanos e rurais que, em todo o território nacional, podem ser chancelados como paisagem cultural, são aqueles em que a vivência ou a ciência humana imprimiu marcas ou reconheceu valores, tornando-as suporte dos cenários, conhecimentos e das realizações que exemplificam, singularizam ou excepcionalizam a interação do homem como o meio natural. (IPHAN/Depam/2007, p. 3)

No Decreto-Lei 25 de 1937 havia mecanismo de tombamento relacionado a paisagem, porém com enfoque natural de notáveis feições,


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este termo ficou conhecido como tombamento de sítio paisagístico. De acordo com Simone Scifoni, esta experiência não deve ser confundida com o termo de paisagem cultural.


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4. Patrimônio Urbano, Centro Histórico e Cidade Histórica

A ideia de cidade como palimpsesto, ou portadora de uma superposição de camadas históricas, evoca a importância de seus centros históricos que, se explorados, remontam ao traçado inicial, expressando as estruturas urbanas e arquitetônicas, bem como manifestações de cunho político, econômico, social, cultural e tecnológica, como descreve Salcedo et al. (2015, p. 227). Neste sentido, a vivência das áreas urbanas de valor patrimonial propicia o deslocamento da idéia de história da visão que reporta a coisas excepcionais realizadas no passado, em favor da idéia de história que corresponde a um processo marcado por continuidades e descontinuidades, no qual todos participam e onde o excepcional e o comum se articulam (MESENTIER, 2005, p. 173).

Configurando como uma visão integradora do patrimônio, defrontamo-nos com o artigo “Centros históricos de Bolonha e do Porto”, escrito por Andréa Sampaio (2017). Este texto ressalta que a reflexão sobre os centros históricos é potencializada quando se analisa do ponto de vista urbanístico, pois desta forma é capaz de reunir diversas circunstâncias - evitando enclausurar a análise apenas em questões isoladas arquitetônicas ou de políticas urbanas. No trato do patrimônio, a ausência da abordagem integrada pode acarretar na incapacidade de entendimento e articulação do objeto arquitetônico junto à escala urbana (SAMPAIO, 2017, p. 43). De acordo com Sampaio (2017, p.45), o patrimônio se desenvolve


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como um “ativo da cidade contemporânea”, consistindo em uma relação tempo-espaço no tecido urbano. E tendo como pressuposto a compreensão da cidade como um artefato produzido pelo Homem, esta relação tange três dimensões: I. dimensão do artefato - urbanização; II. dimensão do campo de forças - tensões políticas, econômicas, sociais e culturais; III. dimensão de significações - que dão sentido e inteligibilidade ao espaço. A concepção de patrimônio como ativo na dinâmica da cidade possibilitou adotar a nomenclatura de patrimônio urbanístico, que consiste “no sistema de relações formais estáveis sobre o qual a urbe se cria e recria” (ROSSA, 2015 apud SAMPAIO, 2017, p.46). Isto é, a característica de patrimônio urbanístico se relaciona com valores materiais e imateriais, resultando na paisagem e identidade da cidade. Tendo o habitante como figura central da dimensão cultural, Sampaio (2017) discorre ser indissociável a estrutura física da estrutura social como parte do patrimônio cultural. Dito isso, recorda o nascimento do conceito de patrimônio urbano por Giovannoni no século XX, sobre a qual inicia a questão da “cidade integral” como a relação dos patrimônios não monumentais com o planejamento urbano. Porém, estas práticas de pensamento somente foram evidenciadas na década de 1960 na Europa


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e no final da década seguinte aqui no Brasil. A partir destes pensamentos, Sampaio explica a alteração do entendimento de salvaguarda do patrimônio, pois passa da preservação ou apenas congelamento de alterações - para “conservação dos atributos de significação cultural”, da qual surge pela UNESCO o conceito-ação de Paisagem Urbana Histórica (SAMPAIO, 2017, p.47-48). Neste artigo, Sampaio nos traz dois estudos de caso que são relevantes à esta pesquisa e à construção teórica desenvolvida. À frente, nos é apresentada a experiência da comuna italiana Bolonha, cujo estudo foi a partir da elaboração do Plano de Recuperação para seu centro histórico, datado de 1969 e elaborado pela equipe liderada pelo arquiteto urbanista Pier Luigi Cervellati. Sampaio explica que o ponto norteador do Plano foi identificar o principal catalisador da dinâmica existente no centro histórico - tanto do ponto de vista material como imaterial, e de acordo com Portas (2005 apud SAMPAIO, 2017, p.48), este catalisador central era a universidade. O Plano de Recuperação do centro histórico de Bolonha partiu de uma política territorial, do qual se propôs a frear o espraiamento da cidade para as periferias e recuperar o centro. Atua, portanto, nas esferas físicas, sociais, econômicas e culturais para resguardar a dimensão humana da cidade. Sua abrangência possui um caráter social, e isto é de suma importância para se implantar critérios históricos, explica a professora.


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Podemos destacar uma noção que é formulada a partir da visão do arquiteto urbanista Cervellati, de que a conservação do objeto arquitetônico não subsiste fora da conservação social (BRAVO, 2009 apud SAMPAIO, 2017, p.51-52). Acrescido desta noção, o centro histórico é compreendido como um conteúdo complexo por possuir vitalidade e diversidade (GULLI e TALÒ, 2012 apud SAMPAIO, 2017, p.52) - a partir dessas conceituações, é importante destacar que o centro histórico de São Paulo possui tais características, em virtude de não se conformar como uma porção histórica abandonada, mas ao contrário, pulsa na dinâmica urbana dos paulistanos. Em suma, Sampaio explica que o Plano de Bolonha tem notoriedade pois parte da “significação cultural imanente da paisagem urbana histórica e da sociabilidade e urbanidade do centro histórico” (SAMPAIO, 2017, p.53) e por fazer parte das referências na construção dos planos brasileiros. Como segundo estudo, temos o caso da cidade portuguesa do Porto. As propostas iniciais do plano de reabilitação arquitetônica e urbanística da área da Ribeira-Barredo - área de tecido urbano medieval, datam de 1969 e um dos propósitos foi conciliar valores históricos e artísticos com os valores sociais - “a mudança de imagem do centro histórico passa por estratégias de promoção de um centro cada vez mais “exclusivo” (SAMPAIO, 2017, p. 57). A autora relata que, a partir da mudança administrativa no plano, o qual deixou de existir no ano de 2003, foram iniciados procedimentos voltados para a turistificação do


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espaço, que foi tratado como uma cenografia e pastiche, resultando por produzir o processo de gentrificação. Assim dizendo, o resultado foi contrário aos anseios e legados da conservação integrada. As experiências históricas abordadas sobre as cidades de Bolonha e Porto contribuem para o entendimento do patrimônio urbanístico de áreas centrais como patrimônio vivo e atuante na cidade corrente. Sua reapropriação evita processos de musealização ou descaracterização (SAMPAIO, 2017, p. 59). A autora reforça a ideia de que a presença de moradia nestes espaços reconhece e valoriza a memória urbana, uma vez que partem da conjugação das dimensões social e urbanística, abraçando o morador e seus laços identitários com o lugar. Ao fim, Sampaio (2017, p.62) evoca as ideias de Françoise Choay e escreve que é necessário a participação coletiva na produção de um patrimônio vivo e que este patrimônio deve corresponder às demandas contemporâneas da dinâmica social, sempre tendo como base o respeito ao passado. Assim dizendo, ressaltando a ideia do patrimônio incorporado à dinâmica viva da cidade, deve-se ter como ponto de partida a associação dos bens patrimoniais com o planejamento urbano.


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5. Contexto nacional

Na esfera nacional, podemos elencar duas experiências que se organizaram, em certo tom, a partir de uma noção mais integradora do patrimônio junto a outras esferas da vida e espaço urbano. Desenhado por um grupo multidisciplinar no início dos anos 1970, o Programa de Cidades Históricas tinha como finalidade a recuperação de cidades históricas da região nordeste do país através da organização descentralizada da preservação, destinando grande responsabilidade aos estados. O programa visava preservar monumentos tombados para torná-los economicamente viáveis principalmente para utilização de atividade turística. A coordenação nacional do programa era de responsabilidade do Ministério do Planejamento e Coordenação Geral (Miniplan) e as atividades estaduais entravam com compromisso financeiro de 20% para obras e planos de desenvolvimento local. As cidades eram escolhidas de acordo com nível de classificação de prioridades e os critérios eram descritos em ordem por: 1. possuir infraestrutura turística adequada; 2. possuir monumentos “em vias de destruição”; 3. possuir infraestrutura turística inadequada, mas em razoável estado de conservação. Logo em seus primeiros movimentos o programa já recebia críticas tanto internas como externas, pois suas ações estariam voltadas


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aos monumentos históricos isolados e não numa compreensão geral do sítio histórico. No ano de 1975, a partir de uma nova formação do Grupo de Trabalho Interministerial, tem-se uma ampliação do programa para abranger os estados: Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. E, nos anos seguintes, foi configurada a Comissão de Coordenação e Acompanhamento (CCA), que era composta pelo IPHAN, Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU) e pela Secretaria de Planejamento da Presidência da República (Seplan/PR). Doravante à modelação desta comissão, os critérios de seleção das cidades visavam uma análise mais precisa do potencial da localidade. Com isso, ficaram assim os critérios para escolha das cidades: 1. em desagregação ou empobrecimento e que por suas características possam vir a se constituir em receptoras de fluxos turísticos; 2. om atividades turísticas consolidadas ou em vias de consolidação; 3. atingidas ou em vias de serem atingidas por obras ou atividades que por sua dinâmica possam representar perigo à preservação dos bens culturais; 4. em processo de crescimento urbano acelerado. Segundo Sandra Magalhães Correa (2015), a partir disto os monumentos não foram mais vistos como objetos isolados, mas como


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um potencial organizador do espaço intraurbano, possibilitando usos econômicos e sociais. A partir de 1979, com o Decreto nº 84.198/1979, quando temse a transformação do IPHAN em Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)1, o PCH foi incorporado na estrutura da Secretaria e nos anos seguintes não se constituía mais em um programa específico, mas de âmbito geral da política preservacionista. De acordo com Correa, a criação do programa permitiu o exercício conceitual da intervenção em áreas urbanas e a inserção de novos agentes (equipes estaduais e órgãos federais), em especial, a autora chama a atenção 1 Ao longo do tempo, a instituição passou por diversas fases de composição e recebeu diferentes nomenclaturas. Em 1979 transforma-se em Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, logo após, no ano de 1981, torna-se uma subsecretaria vinculada à Secretaria da Cultura. Com a criação do Ministério da Cultura (BRASIL, 1985) em 1985, voltou a ser uma secretaria. Neste período, entre 1979 e 1990, a Secretaria/Subsecretaria ficou conhecida como SPHAN/Pró-Memória. Foi substituída em 1990 com a criação do Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC). Porém, no ano de 1994 volta a ser intitulado como Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/detalhes/59/ secretaria-de-cultura-do-ministerio-da-educacao-e-cultura-1981-1985> Acesso em: 21 jul, 2021 <http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/detalhes/60/secretaria-e-subsecretaria-do-patrimonio-historico-e-artistico-nacional-1979-1990> Acesso em: 21 jul, 2021 <http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/detalhes/55/instituto-do-patrimonio-historico-e-artistico-nacional-iphan-1970-1979-e-1994> Acesso em: 21 jul, 2021


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para a participação da CNPU. Com um total de 17,3 milhões de dólares de investimento entre os anos de 1970 e 1979, o PCH realizou cerca de 143 obras em monumentos, 8 cursos de qualificação de mão-de-obra para os níveis superior, intermediário e operário, 7 planos urbanísticos, 6 obras em espaços públicos urbanos e 10 ações diversas. Em uma experiência mais próxima dos dias atuais, elencamos o Monumenta - Programa de Preservação do Patrimônio Histórico Urbano. O Programa foi concebido na década de 1990, realizou intervenções em 26 cidades conveniadas com o Ministério da Cultura e inovações nas políticas de preservação durante seus 11 anos de existência. O professor Nabil Bonduki (2010, p. 10) comenta que o objetivo das intervenções era qualificar os espaços públicos dos núcleos históricos e de gerar impactos, de âmbito econômico, urbano, social e cultural. Em outras palavras, proteger e incorporar o patrimônio à vida urbana. A atuação do programa contou com colaboração de agentes públicos e privados para dinamizar os procedimentos de preservação. O exercício deste programa leva em consideração alguns pontos importantes para se pensar a intervenção em um centro histórico, como por exemplo, a interferência das atividades turísticas, permanências e usos da população local, enfeixamento com outras políticas urbanas e sociais e também o papel do Estado e do mercado na proteção deste patrimônio. Bonduki (2010, p. 12) escreve que as intervenções realizadas nos


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centros históricos através do Monumenta desempenham um papel de extrema importância, tanto na qualidade de vida urbana quanto na criação de novas possibilidades econômicas, gerando um impacto no desenvolvimento local - quer dizer, dar base para a sustentabilidade na preservação do patrimônio histórico. De grande importância também é o impacto que gera na imagem da cidade perante os cidadãos, pois possibilita enxergar que as políticas de preservação vão muito além do caráter de restauração de edifícios isolados. Estas mudanças são causadas pela destinação de bens preservados para usos comuns - como habitação, universidades, parques, mercados públicos, áreas de lazer, entre outros, e que acabam por afetar diretamente a vida urbana. Com essa postura, minimiza a ideia de que o bem preservado tenha que ser destinado especialmente ao uso turístico-cultural. O Programa trouxe uma nova forma de reabilitar os núcleos históricos no país, uma vez que articulou intervenções no espaço público e em imóveis públicos ou privados à formulação de uma política nacional de preservação com o desenvolvimento urbano, econômico e social. Foi proposto pelo BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento e começou a ser pensado no ano de 1995. Sua ideia é originária de Quito, a partir dos desdobramentos do terremoto que atingiu a cidade equatoriana em 1987. Antecedentes do Monumenta datam das décadas de 1960 e 1970, no qual se tinha um movimento de arquitetos modernistas no


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trabalho de preservação do patrimônio arquitetônico e artístico de tradição luso-brasileira - ideias pioneiras formuladas ainda na época do Estado Novo. A renovação de pensamento vem anos depois a partir de consultores da UNESCO, que ampliam o debate teórico acerca da noção de patrimônio cultural, e buscando articular a política de preservação com o desenvolvimento econômico. De forma colateral à atuação do SPHAN, na década de 1970, surgem projetos que visam ampliar a noção de patrimônio, abraçando o patrimônio imaterial e o saber popular e com objetivo de envolver as três esferas: União, estados e municípios. Dentre esses projetos, podemos destacar o já citado Programa das Cidades Históricas - PCH e o Centro Nacional de Referência Cultural - CNRC. De certa maneira, o Programa “foi concebido [...] como um instrumento capaz de criar referências para uma prática de gestão sustentada do patrimônio cultural brasileiro” (BONDUKI, 2010, p.23). Em termos financeiros, o Programa investiu cerca de 125 milhões de dólares (aporte financeiro superando em quase 8 vezes o do PCH) em intervenções relacionadas a obras e documentação, difusão, educação patrimonial e fortalecimento de órgãos de proteção. A intenção básica das ações do Programa era de “criar consciência sobre a importância da preservação e da memória”, como escreve Bonduki (2010, p. 24). Ainda segundo o autor, a atuação do Monumenta não foi linear ou homogênea, mas esteve no entremeio da visão neoliberal (atividades econômicas


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voltadas e fomentadas ao mercado) e às práticas de uso cotidiano dos moradores. Dessa maneira, o projeto teve uma atuação flexível, no qual as duas visões tiveram espaço para se desenvolver. A idealização do Programa vem para contrariar a ideia, até então vigente no país, de “tutela paternalista” sobre os bens tombados, em seu máximo sentido de proteção, excluindo-os dos processos econômicos e da dinâmica urbana.


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PARTE II São Paulo: camadas da história Capítulo estruturado como pesquisa de conteúdo expositivo - representado pelo levantamento histórico através do arranjo das camadas históricas.


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6. Preâmbulo paulistano

Imagem 01: Fundação da Cidade de São Paulo, Oscar Pereira da Silva, 1909. Fonte: Acervo Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira.

Embora de forma oficial a cidade de São Paulo tenha nascido em 25 de janeiro de 1554, a partir de um ato simbólico que foi a celebração da comunidade jesuítica no alto da colina histórica, é com certa imprecisão que se inicia o povoamento deste território (FORTUNATO, 2015, p. 123; REIS


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FILHO, 2004, p. 16). Quando Martim Afonso de Sousa, militar português e primeiro donatário da capitania de São Vicente, chega ao litoral por volta de 1532, já havia registros de moradores portugueses serra acima e de diversos aldeamentos indígenas - como nas regiões de Pinheiros, Barueri, São Miguel, Guarulhos, Escada, Itaquaquecetuba, Embu, Carapicuíba e Itapecerica (GODOY, 2014, p. 194).

Imagem 02: Capitania de São Vicente, 1597. Fonte: Novo Milênio, 2010.

A localização da colina conformada entre os rios Tamanduateí e


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Anhangabaú se mostrava como estratégica para os povos originários. Além de se constituir como uma porção elevada do território, o que conferia segurança contra ataques, também direcionava a numerosas trilhas indígenas - e que hoje simbolizam as grandes rodovias paulistas, com caminhos para Rio de Janeiro, Minas Gerais e estados da região sul do país. Em especial, tem-se o chamado caminho do Peabirú, que era uma rota terrestre tupi que tinha por objetivo conectar algumas cidades do litoral brasileiro ao Paraguai e aos Andes, devido à descoberta de ouro na porção oeste do continente. Havia grande interesse, por parte do governo português, no planalto e em seus caminhos para o interior, principalmente na rota do ouro do Peabirú (ver imagem 03). Após finalizada sua missão em São Vicente, Martim Afonso sobe a serra e funda a ocupação denominada Piratininga. De acordo com Reis Filho (2004, p. 16), o planalto já se mostrava como ponto de importância para o governo português, pois recebia constantemente a visita de governadores, e em 1553 recebe a visita do governador-geral, Tomé de Sousa, que funda a Vila de Santo André da Borda do Campo em local existente de ocupação por João Ramalho - explorador português que vivia entre os índios e era praticante do comércio de escravos. A partir de Tomé de Souza chegaram os padres jesuítas, direcionados por Manoel da Nóbrega. A estratégia empregada por Manoel da Nóbrega teve como finalidade se aproximar da aldeia indígena. Para isso, construíram próximo a aldeia uma pequena igreja com cobertura


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Imagem 03: Caminho do Peabirú. Fonte: Autor, 2021.

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de palha e uma escola para meninos, e mesmo que em estado provisório de construção, realizaram ali a primeira missa na data simbólica de 25 de janeiro de 1554. A aliança entre Martim Afonso Tibiriçá1 e os jesuítas também foi de primordial importância para o sucesso da colonização do Planalto Paulista pelos europeus, ou seja, atentar para a tessitura das alianças entre europeus e indígenas é crucial para a compreensão do desenvolvimento dos dois primeiros séculos da colonização, não só do planalto paulista, mas também da própria América portuguesa, inclusive para os papéis assumidos pelos índios no decorrer deste processo. Pode-se afirmar hoje que de alguma forma essas alianças também favoreceram indígenas, aos seus olhos e em sua época, ainda que o resultado delas nos pareça catastrófico em termos demográficos, culturais, políticos etc. (GODOY, 2014, p. 195). Os povos indígenas foram essenciais ao projeto de colonização, sobretudo em seus primórdios, quando a conquista e a preservação dos territórios se faziam em meio de guerras violentas, nas quais os índios participavam intensamente na condição de aliados ou inimigos (CELESTINO, 2006, p. 13 apud GODOY, 2014, p. 202). 1 Cacique da aldeia de Piratininga que foi batizado com o nome ‘Martim Afonso’ em homenagem ao fundador da capitania de São Vicente após firmar aliança com os padres jesuítas e adotar práticas cristãs-europeias.


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7. A Vila (século XVI - século XVIII)

Imagem 04: Colina onde foi fundada a Vila de São Paulo de Piratininga. Fonte: Pintura de Jean-Baptiste Debret.

A gênese do estudo sobre o povoamento do território perpassa as características do sítio escolhido. No percurso de visitar a São Paulo do início de sua ocupação, o estudo arquitetônico se desenvolve como história e arqueologia, e visa buscar a lógica de distribuição dos espaços para identificação de possíveis racionalidades (REIS FILHO, 2004, p. 15). Especificamente no caso paulista, deve ser tratada com certa relevância a relação da topografia, acessos e procedimentos construtivos da época da colonização e moradores - a saber quem eram e o que pretendiam ali.


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“Na fase inicial, os núcleos urbanos repetiam em seus sítios padrões que só podem ser explicados como culturais. A principal cidade, que era Salvador, e a modesta vila de São Paulo, no Planalto, foram implantadas em sítios extremamente semelhantes. Instaladas sobre colinas, junto às bordas das respectivas encostas, com um pequeno vale à retaguarda e conventos dispostos como pontos de apoio ao sistema de dominação e defesa, tinham partidos urbanísticos extremamente semelhantes.” (REIS FILHO, 1995, p. 21 apud HEREÑÚ, 2007, p. 19).

O planalto em que se localiza a ocupação da vila de São Paulo assenta-se entre os níveis 745 e 755 em relação ao nível do mar e, mais especificamente, a colina histórica ergue-se em um desnível de 20-25 metros acima dos fundos de vale que a conformam.

Imagem 05: Planta Topográfica da área central de São Paulo e Seção geológica. Fonte: AB’SABER, 1957.


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A inexistência de plantas e registros iconográficos dos primeiros anos de ocupação da Vila pode ser resultado de seu afastamento do litoral, visto que são cidades de passagem-embarque-desembarque, ou seja, sempre recebendo viajantes, e precisarem de objetos notáveis que as identificassem, a cidades litorâneas tomaram partido disso para que pudessem receber obras e monumentos artísticos. O caso paulistano somente tem mudança no século XIX, época em que a cidade recebe produções de artistas como Hércules Florence, Debret, Ender, Pallière, Landseer e Burchell e do ituano autodidata Miguelsinho (TOLEDO, 1983, p. 23). Com isso, o professor Reis Filho (2004, p. 15) compara a prática do estudo da cidade com a reconstrução de um vaso antigo, que é constituído séculos depois a partir de fragmentos. No que concerne aos primeiros moradores, podemos destacar: padres jesuítas, representantes do governo português e colonos. O propósito de cada grupo deu rumo ao desenvolvimento da Vila, mas coube aos padres jesuítas a fundação da ocupação inicial e, especificamente, ao Pe. Manuel da Nóbrega a decisão de sitiar no planalto. Acerca do interesse dos representantes do governo vigente, estes pretendiam ter domínio sobre a região e sobre os caminhos que levavam ao interior; os colonos desejavam a conquista de riquezas, a escravização do povo indígena e o domínio sobre suas terras e mulheres; os padres jesuítas pretendiam cativar os indígenas através da fé e ação intelectual. Nosso ponto de partida cronológico acerca da análise sobre o


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território paulistano é a inauguração da primeira construção símbolo da Vila. Em 1º de novembro de 1556, sob a batuta do Pe. Afonso Brás, inaugurou-se a igreja de taipa de pilão, onde hoje temos o Pátio do Colégio. Possuía características simples, como uma única porta na fachada, sem janelas ou óculo em seu frontão. Seriam traços simples da arquitetura religiosa portuguesa, mais singela dos que os apresentados, na mesma época, na Bahia e no Rio de Janeiro. Após a finalização da igreja, tem-se o início da construção de dois pavilhões que serviram de abrigo aos padres e instalações do colégio - que figuram com notável importância até os dias de hoje no tecido urbano do centro histórico mesmo que tenham passado por modificações ao longo dos anos.

Imagem 06: Croqui Instalações Jesuíticas. Fonte: Novo Milênio, 2010.


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O primeiro movimento de chegada de moradores na Vila se deu no ano de 1559, onde moradores do povoado de Santo André da Borda do Campo - mais antigo e mais populoso -, através de carta, solicitaram à rainha regente permissão para trocarem de povoado. A resposta positiva veio no ano de 15601 - a prática de migração para o território paulistano se torna comum no progresso da cidade e ganha notoriedade com as chegadas de imigrantes entre os séculos XIX e XX -, e junto também veio o reconhecimento formal da ocupação nomeada como Vila de São Paulo2, que até 1570 totalizavam aproximadamente 300 habitantes. O povoamento na área escolhida por Manoel da Nóbrega prosperou e logo ultrapassou Piratininga e Santo André em importância, se tornando o principal canal de apoio à ocupação de terras sentido interior. Esta prosperidade pode ser entendida através das condicionantes do local: a região escolhida, em escala maior, abrangia os vales dos rios Tamanduateí, Tietê e Pinheiros, possuindo áreas de mata e várzeas 1 Em documento de 26 de maio de 1560, a partir da visita do governador Mem de Sá à Capitania de São Vicente, foi determinada a transferência da população de Santo André da Borda do Campo para o povoamento de São Paulo, englobando os livros da Câmara e o pelourinho, que simbolizavam o poder municipal. Esta transferência também simboliza uma união de forças e movimento de defesa, visto que algumas tribos indígenas não eram favoráveis à presença dos europeus no local, e o território ocupado pelos jesuítas se apresentava como um local mais propício à defesa. A contagem estipulava o deslocamento de cerca de 30 portugueses e 30 mamelucos. 2 O povoamento ganha reconhecimento de Vila em 1560, Capitania em 1681, Cidade em 1711 e de Metrópole em 1973 (FORTUNATO, 2015, p. 113).


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cobertas por capim, e também por ser rica no quesito alimentação3. E, de acordo com Nestor Goulart (2004, p. 17), havia uma disparidade entre as condicionantes locais dos povoados existentes e a Vila de São Paulo possuía vantagem ao conter os melhores atributos. A porta de entrada da Vila era a orientação voltada para o Rio Tamanduateí, e internamente dois eixos tinham grande importância: (1) do Largo da Sé4 seguindo em direção à Rua Direita e à Rua José Bonifácio, destinando um caminho para a região de Pinheiros; (2) sentido Rua da Liberdade, destinando caminho para a região de Santo Amaro. A região do Vale do Anhangabaú era tida como “quintal dos fundos da colina central” (TONTI, 2017, p. 04). A gênese do quadro viário dentro desse triângulo ainda está para ser estabelecida com segurança. A existência de muros defensivos, no primeiro século, poderia ter condicionado o traçado de algumas ruas, inexplicavelmente irregular. [...] É uma acrópole que abrigou a cidade em seus três primeiros séculos de existência (TOLEDO, 1983, p. 13).

A vila possuía muros de taipa em seus limites, que tiveram início de construção por volta de 1560 e 1562 como mecanismo de defesa da 3 Peixes, aves e caças de pêlo, e seus campos e clima permitiam a criação do gado europeu e diversas plantas trazidas do velho continente - legumes, verduras, frutas e flores. 4 Cabe ressaltar que a localização da igreja matriz da Vila não compatibiliza com a atual. Inicialmente era localizada mais próxima do Pátio do Colégio.


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vila. Possuíam dimensões consideráveis em torno de 8 metros de altura e 1 metro de largura - porte para garantir proteção contra ataques de flechas. A própria ocupação do sítio se configura como um mecanismo de defesa, uma vez que ao se instalar próximo a uma vertente com grande declividade a chance de ataque inimigo é ínfima, com essa atitude também podemos ver esta estratégia portuguesa na ocupação das cidades de Olinda e Salvador (REIS FILHO, 2004, p. 24).

Imagem 07: Croqui do muro de taipa a partir da descrição de REIS FILHO, 2004. Fonte: Autor, 2021.


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A ocupação sobre a colina histórica nos primeiros anos era singela. Para se ter uma ideia, até 1580, quando se chega a Ordem Franciscana, os terrenos hoje ocupados pelo Convento de São Francisco e Mosteiro de São Bento eram chácaras que se localizavam fora dos muros da vila neste período histórico, a vila de São Paulo ocupava uma porção de terra de cerca de 250 metros de largura e 300 metros de comprimento, dessa forma, pode-se entender como primeira camada histórica (ver imagem 08) da cidade de São Paulo os limites dos muros sobre a acrópole. Na década de 1590, com o aumento populacional, tem-se a ampliação do perímetro através da construção de novos muros. O traçado mais antigo da cidade é o que compreende o Pátio do Colégio e o Largo da Sé, conformando um polígono de traçado irregular. Expansões deste perímetro trazem ruas com traçados mais regulares a partir do século XVII. Neste momento, já estavam erguidos os três edifícios de taipa de pilão que foram construídos sob orientação do Pe. Afonso Brás. Essas edificações foram as mais importantes da Vila até o final do século XVI. Tem-se registros do início da construção da Casa de Câmara por volta de 1575 e 1584 e a construção da matriz se deu de forma lenta, no ano de 1595 existia uma capela que foi demolida para a edificação de um espaço religioso de maior porte, porém esta nova edificação somente é inaugurada no início do século XVII (BAZIN, 1956 apud REIS FILHO, 2004, p. 27). No ano de 1594 via-se na paisagem da colina a Igreja do Carmo,


Imagem 08: Primeira camada histórica: delimitação inicial dos muros. Fonte: Autor, 2021.


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inicialmente fora da vila.

Imagem 09: Casa da Câmara e Cadeia, no Largo da Cadeia, atual Praça João Mendes. Foto de Marc Ferrez, 1880. Fonte: Acervo do Instituto Moreira Salles. Imagem 10: Largo da Sé e as igrejas da Matriz e de São Pedro, foto de Marc Ferrez, 1880. Fonte: Acervo do Instituto Moreira Salles. Imagem 11: Igreja e Convento do Carmo. Fonte: Quando a cidade era mais gentil, 2013.


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Imagem 12: Distância entre as Ordens Religiosas conformando o Triângulo Histórico. Fonte: Modificada pelo autor Mapa da Cidade de São Paulo em 1775 (CARVALHO, 2013, p. 8).

As casas eram térreas e suas coberturas eram constituídas de palhas, pois não havia olaria nos primeiros 15 anos de vila, aproximadamente. O primeiro sobrado é erguido no final do século. Com a chegada de um oleiro, constituiu-se uma nova imagem às edificações da vila, que perdura até a primeira metade do século XVIII, protegidas com largos beirais para resguardar as paredes de taipa, características fortes que compuseram a imagem da cidade. Posto que a região não possuía abundância em pedras, também nascia ali uma tradição de construção em taipa de pilão que perdurou até meados do século XIX, se conferindo como base para a


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importante caracterização do professor Benedito Lima de Toledo em seu estudo acerca dos momentos arquitetônicos e evolução urbana de São Paulo. As quadras tinham dimensões apertadas - entre 30 e 70 metros e formas irregulares, sendo serpenteadas por becos e vielas.

Imagem 13: Ladeira do Ouvidor. Fonte: Acervo Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. Imagem 14: Mercado Municipal, tendo ao alto o Mosteiro de São Bento. Fonte: Foto de Militão Augusto de Azevedo (TOLEDO, 1983, p. 49).

A barreira natural que forma a colina história, constituída pelo desnível topográfico dos fundos de vale do Anhangabaú e Tamanduateí, era vencida pelo conjunto de pontes - as chamadas “pontes de dentro”: do Lorena e a do Marechal (Anhangabaú); do Carmo e a do Fonseca (Tamanduateí). Para além destas, existiam as chamadas “pontes de fora”


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- Pontes de Pinheiros, Santana e Emboaçava5. Com isso, a face que se volta para o Rio Tamanduateí se conformou como porta de entrada da ocupação e também como porto de chegada de abastecimento, ponto que se confirma em 1860 com a edificação do Mercado Municipal no local, segundo Toledo (1983, p. 46-48) a região era conhecida como “mercado caipira”, e por estar em área aterrada do Tamanduateí, o baixio era local de sucessivas inundações. “A conquista de outros pontos dessa colina central, durante os séculos XVI e XVII, acabou sendo definida em decorrência do estabelecimento de três ordens religiosas na cidade: a dos beneditinos, a dos carmelitas e a dos franciscanos e de seus respectivos conventos. Cada uma dessas construções era provida de uma igreja com uma torre e de um corpo lateral bastante extenso onde se localizava o mosteiro ou o convento. Essas três ordens, deviam manter um certo distanciamento entre si, em respeito às suas respectivas circunscrições territoriais. Assim, a localização delas acabou definindo os vértices de um triângulo, assentado sobre os pontos dominantes da colina central.” (SIMÕES JR, 1995, p. 7 apud HEREÑÚ, 2007, p. 19-21).

Desse modo, podemos destacar como segunda camada histórica (ver imagem 15) da cidade de São Paulo a ligação do núcleo inicial por sobre 5 Em sua dinâmica de uso no século XIX, pelos termos do “Registro das Instruçoins para o Governo das Pontes”, tinha taxa de pedágio aos feirantes e tropeiros que abasteciam de mantimentos a cidade. Existiam guaritas nas “pontes de fora” e, com o pagamento do pedágio, os viajantes recebiam uma espécie de comprovante que deveriam apresentar aos fiscais das “pontes de dentro”.


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as águas, a transposição dos vales com as pontes, conformando como porta de entrada a elevação por sobre o Rio Tamanduateí e a chamada “cidade nova”, porção que se erigia após o vale do Rio Anhangabaú. Destacando a Ponte do Lorena, que se localizava entre as ladeiras do Meio e de São Francisco (atual Rua José Bonifácio e Rua São Francisco, respectivamente) e o Largo do Piques (atual Largo da Memória), região se destinava a saída para a estrada de Sorocaba. Cabe ressaltar também que, sob o governo de Lorena6, a cidade de São Paulo conheceu várias obras, entre elas o Chafariz da Misericórdia projetado pelo Brigadeiro João da Costa Ferreira e executado pelo lendário pedreiro Tebas. Por ser uma obra em granito em plena “cidade de barro”, passou a ser olhada como um monumento da cidade” (TOLEDO, 1983, p. 18). O chafariz foi erigido com o objetivo de abastecer a cidade com a água recolhida do Tanque Reuno (local hoje do Viaduto Martinho Prado). 6 Bernardo José Maria de Lorena e Silveira, fidalgo e administrador colonial português, governou São Paulo por nove anos, até o ano de 1797.

Imagem 15: Segunda camada histórica: Demarcação das pontes na cidade. Fonte: Autor, 2021.



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Imagem 16: Ponte da Santa Ifigênia. Fonte: Aquarela de J. B. Debret (TOLEDO, 1983, p. 35).

Imagem 17: Ponte do Carmo. Imagem 18: Ponte do Lorena, Fonte: Foto de Militão Augusto de Azevedo (TOLEDO, Fonte: Foto de Militão Augus 1983, p. 45).


, Largo do Piques, 1862. sto de Azevedo.

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Imagem 19: Daniel Pedro Muller, engenheiro militar. Planta Imagem 20: Chafariz da Misericórdia. e Praça do Chafariz, localizada no Piques, 1814, desenho Fonte: Arte fora do museu, 2021. aquarelado. Fonte: CAMPOS, 2007, p. 41.

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Sob forte influência dos bandeirantes, no ano de 1640 os jesuítas são expulsos do território paulista pela primeira vez, tendo suas construções entrado em processo de ruína e desmoronamento. Retornam ao povoado cerca de treze anos após, 1653. O grupo jesuíta é novamente expulso do território no ano de 1759. A partir do ano de 1765 as edificações jesuíticas começam a sediar a residência dos governadores da capitania, pois eram tidas como as melhores infraestruturas da localidade, com isso, o local ficou conhecido como Palácio. Não sendo mais utilizadas pelos religiosos, as edificações transformaram-se em abrigo para diversos usos, como por exemplo, Casa de Fundição dos Reais Quintos e um pequeno hospital (FORTUNATO, 2015, p. 129-130).

Imagem 21: Palácio do Governo, aquarela de J. B. Debret, 1827. Fonte: Acervo Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira.


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“[...] há, na evolução histórica da cidade de São Paulo, um entrelaçamento muito íntimo entre tempo e espaço, entre história e geografia, entre historicidade e geograficidade, que configuram sua identidade. [...] É algo muito mais significativo na história do Pateo, porque, conforme estudamos a sua história e a história da própria cidade que ali nasceu e dali foi se expandindo, entendemos o quanto elas estão imbricadas, principalmente nos primeiros séculos de sua existência, quando São Paulo era o Pateo, e vice-versa, e os seus desdobramentos ou eram reflexos ou eram refletidos no coração da cidade” (FORTUNATO, 2015, p. 113).

Outra obra que merece destaque é o Quartel da Legião dos Voluntários Reais, edificado onde hoje é o Fórum, se constituindo como o maior edifício da cidade e superando em área construída as grandes edificações conventuais. Toledo (1983, p. 19) reforça a importância abordada pelo professor Mário Barata sobre um importante edifício da época, a Casa da Câmara e Cadeia, com risco de 25 de agosto de 1783. Se tratava de um edifício expressivo em tamanho, regular e com muitas aberturas7. Possui frontão triangular, mas não se sabe se já contava no risco original ou se foi adição construtiva em posterior reforma. Existe um embate sobre a classificação neoclássica, se somente o atributo do frontão triangular seria suficiente para classificá-lo, pois o restante da edificação apresentava vergas recurvadas, uma novidade chegada ao país em meados do século XVIII pelo engenheiro militar Pinto de Alpoim. 7 Tido como a primeira manifestação do neoclássico em São Paulo e, provavelmente, no Brasil.


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Imagem 22: Quartel da Legião dos Voluntários Reais. Fonte: TOLEDO, 1983, p. 51. Imagem 23: Mapa da cidade de São Paulo em 1775. Planta da cidade de São Paulo - Henry P. Joyner para a Companhia Cantareira de Água e Esgoto, 1881. Fonte: CARVALHO, 2013, p. 8.


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Três edifícios de grande expressão, para a época, foram: Hospital Militar, Casa de Câmara e Cadeia e o Quartel dos Voluntários Reais. Todos foram edificados no século XVIII e o Hospital trazia, em seu risco, traços de uma arquitetura neoclássica, o que, devido a técnica construtiva de taipa de pilão e sua rigidez, não se concretizou da mesma forma. Mesmo sendo edifícios de grande expressão, sua linguagem não se destacava muito do restante das construções vizinhas. Citando Roger Bastide, acerca desses grandes edifícios, Toledo descreve que estas edificações marcaram com “alguns traços novos a fisionomia do burgo paulistano” e que significava a presença absolutista na localidade (1983, p. 20). O primeiro plano de expansão da cidade nasce já na São Paulo reconhecida como cidade (após 1711) e data de 1792, sob o governo de Lorena - importante salientar que ainda no século XVIII a cidade se torna capital da província, atraindo recursos e mais olhares da Coroa. O Plano de Lorena é considerado o primeiro registro no qual menciona a dificuldade de continuar o traçado das ruas após o Vale do Anhangabaú, no morro do Chá, pois ali se desenvolvia como um terreno “monstruoso e desigual” (TOLEDO, 1983, p.18). Esta direção de crescimento da cidade se fortalece como principal vetor de expansão (ver imagem 24) e é berço para a chamada cidade nova. O principal meio de ligação entre o núcleo histórico e a porção nova da cidade era a ponte do Lorena, e não era visto distinções construtivas entre as edificações do núcleo histórico e da nova cidade - as construções de taipa, de um ou dois pavimentos,


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eram guarnecidas de beirais e suas bases - propriamente o calçamento do passeio público - eram cobertas por pedras a fim de resguardar infiltrações.

Imagem 24: Área urbanizada de São Paulo até 1881. Fonte: Autor, 2021.


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Imagem 25: Vista da cidade tomada do paredão do Piques. Fonte: Acervo do Instituto Moreira Salles.

Em suma, o grande desnível topográfico para a colina histórica era sinal de proteção - como dito ser uma característica do local, com o crescimento da cidade isto se tornou uma barreira, e esta situação “se modificou somente no começo do século XX” (SEGAWA, 2000 apud TONTI, 2017, p.03). Na paisagem da grande colina, os três primeiros séculos de existência da cidade deixaram traços e marcos que perduram até os dias atuais. De forma inicial, podemos destacar a área ocupada pelo Pátio do Colégio e Palácio que, apesar de ter sofrido grandes remodelações ao longo dos anos, sempre se manteve como ponto central da acrópole. Embora não seja de dimensões exorbitantes, em virtude da existência


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de diferentes ordens religiosas, tem-se uma abastança nos espaços públicos. Ressaltamos os largos do Mosteiro de São Bento, Convento de São Francisco, Convento do Carmo, Igreja Matriz - Sé e da Cadeia (atual praça João Mendes).

Imagem 26: Principais edificações de São Paulo, 1775-1881. Fonte: Modificada pelo autor Mapa da Cidade de São Paulo em 1775 (CARVALHO, 2013, p. 8).


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8. O avesso do avesso do avesso (século XIX e início do século XX) Mais do que um palimpsesto, a paisagem é um precioso instrumento de trabalho, na medida em que, como salienta Fernand Braudel, é como nossa pele condenada a conservar a cicatriz das feridas antigas. Como acumulação desigual de tempos, as rugosidades dos sucessivos passados amalgamados na paisagem atual permitem supor cada etapa do processo social, cumprindo-nos retomar a história que esses fragmentos de diferentes idades representam tal como a sociedade a escreveu de momento em momento. (BUENO, 2016, p. 100-101)

O verso de Caetano Veloso em Sampa (1978) - Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso - nos ilustra de forma certeira o que se desenvolve por século XIX na cidade de São Paulo. Consiste em ser o século de caráter mais peculiar, marcado por transformações rápidas e sucessivas. Dentro de um período de 100 anos podemos observar três avessos, ou melhor, cidades se configurando: a cidade colonial, a cidade imperial e a cidade republicana. São Paulo adentra ao século XIX sendo nomeada como “cidade de taipa” e no decorrer do século recebe o título de “metrópole do café”. Nos é retratado como o século das viradas, da transição entre o estado formal de vila para o prenúncio de grande cidade, sendo neste período a designação da metáfora do professor Benedito Lima de Toledo: “três cidades em um século”. O crescimento da cidade no quesito espacial acompanhou o crescimento populacional. Em 1808, a cidade de São Paulo contava apenas com cerca de 7 mil habitantes. Em contraponto, no ano de 1872, este número saltou para 26.040 habitantes, em razão da crescente


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economia cafeeira e também como consequência da imigração. De forma crescente, o número de habitantes varia consideravelmente de acordo com os anos: 1886: 47.697 habitantes; 1890: 64.934 habitantes; 1905: 300.569 habitantes; 1913: 460.261 habitantes; 1920: 579.000 habitantes; 1930: 900.000 habitantes e em 1940: 1.326.261 habitantes. No século XIX, as vias da cidade ainda possuíam desenho irregular, tortuoso e estreito. De maneira geral, desde o século anterior as vias e pontes da cidade eram dotadas de um aspecto desagradável, visto que possuíam calçamentos danificados e dejetos de animais. Esta condição começa a ser alterada no início do século XIX com as atividades do engenheiro João da Costa Ferreira - responsável pelo calçamento da cidade. A atuação do engenheiro englobou também questões como alinhamento e abertura de ruas, da mesma maneira que tratava da limpeza e desobstrução das vias, caminhos, estradas e praças, dando importância para a salubridade pública. As ruas irregulares de São Paulo eram palco de manifestações culturais diversas, como congadas, batuques, encontros, venda de alimentos, entre outras coisas (ASSUNÇÃO, 2006, p. 03). Grande parte das renovações ocorridas no século XIX partiu da junção entre as iniciativas privadas e a ordenação e indução pelo poder público. Deste período até a Lei do Inquilinato8 (1942), cerca de 50% do 8

Lei que propôs o congelamento dos preços dos aluguéis e a regulamentação


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tecido urbano da cidade era composto por imóveis com destinação à locação - prática que atraiu investidores imobiliários e permanece como uma marca no tecido urbano hoje, visto que alguns dos edifícios do triângulo histórico ainda pertencem às famílias destes investidores oitocentistas. De acordo com Bueno (2016, p. 113), no século XIX, os maiores proprietários de imóveis de aluguel eram as ordens religiosas, comerciantes vinculados aos negócios internacionais, para além de tropeiros e senhores de engenho de açúcar. Entre as décadas de 1840 e 1850, com a substituição da cultura da cana-de-açúcar pelo café, gerando mais riqueza e densidade demográfica, foi possível o investimento em obras de infraestrutura. Com a solidificação da economia cafeicultora e, como resultado, uma acumulação do capital nas mãos dos grandes produtores, nasce um novo modelo de relação entre Estado e o mercado (CARVALHO, 2013, p. 12). As alterações urbanas foram fomentadas sobretudo através de investimentos privados, com suporte no fortalecimento dos negócios comerciais na cidade. Edificações de uso misto começam a apoderar-se da cena nas principais vias centrais da acrópole - como por exemplo a Rua Direita - escritórios, restaurantes, consultórios, lojas, cafés, charutarias e etc… todas essas funções compartilhando o edifício com moradias nas nas relações entre inquilinos e locadores. A lei resultou em grandes consequências na produção e consumo de moradias populares; foi anunciada como uma lei em prol da classe trabalhadora, porém, desviou o grande capital para outras áreas.


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ruas centrais da cidade. Esta mesma Rua Direita destacava-se como a principal via da cidade, e durante o século XIX passou por grandes transformações - início de verticalização por edificações assobradadas e, a tradicional materialidade construtiva de taipa, neste período, começa a dividir a cena com tijolos. O ar da cidade até a metade do século XIX estava muito ligada ao “pulmão” formado no triângulo histórico, do qual dava fôlego para atividades religiosas, políticas, econômicas e sociais (ASSUNÇÃO, 2006, p. 03). Durante o século XIX, e principalmente no início do século seguinte, tem-se um - este fator é resultado do vínculo dialético entre aceleração das demandas, transformações arquitetônicas e urbanas junto à especialização do comércio e serviços de alto padrão (BUENO, 2016, p. 116), como também efeito da criação da Lei de Terras9 (1850). Esta relação aponta para o interesse das classes da elite financeira em protagonizar tais mudanças urbanas, visto que seus atores despontam papéis no palco do poder público vigente. Com isso, tem-se a convergência para as obras de melhoramentos urbanos, embelezamento e o proêmio de uma verticalização.

9 Projeto do fazendeiro e Senador do Império Nicolau dos Campos Vergueiro, no qual aplicava-se um aumento no preço dos terrenos circunscritos à área urbana, logo dificultando a aquisição de terras das classes mais populares.


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Imagem 27: Valor dos imóveis em 1809. Fonte: Modificada pelo autor Mapa do Valor dos imóveis em 1809 (CARVALHO, 2013, p. 113).

Dessa forma, a metáfora descrita pelo professor Toledo ganha fisionomia - não apenas é sustentada pelas transformações de cunho urbanístico realizadas pelo poder público, mas são pautadas nas sucessivas remodelações, demolições e reconstruções de edificações privadas no centro histórico de São Paulo, e que em muitos casos tais edifícios não possuíam muitos anos de existência e muito menos deficiências formais e estruturais, contudo tornavam-se materialidade das ações da elite


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financeira que iniciava o complexo imobiliário que perdura até os dias atuais. Aceitar a efemeridade do estar em detrimento do ser se faz através da concepção da inexorabilidade do “progresso”, de que o “tempo não pára” e que, portanto, deve ser gozado como presente sempre. Essa valorização do presente em detrimento do passado depende da contração deste naquele, dilatando-o. (FREHSE, 1996, p. 146)

A dinâmica imobiliária da cidade no século XIX destinava altos preços às regiões junto aos largos da Sé (igreja matriz da cidade), Pátio do Colégio e das ruas adjacentes, que comportavam edificações assobradadas de uso misto - majoritariamente residencial e comercial. Em contrapartida, as regiões de várzea acomodavam as casas mais simples, majoritariamente térreas - sendo tratada como região menos valorizada (ver imagem 28). Entre o século XVIII e início do século XIX tem-se a imagem do próprio proprietário morar em seu edifício da área central e por vezes compartilhar o espaço com outro uso - comércio, por exemplo. Durante o século XIX e rumando ao século XX, especificamente a partir da década de 1870, o panorama se transforma. A tradicional oligarquia que se constituía na cidade - famílias de sobrenomes tradicionais, sendo detentoras da maior parcela de edificações no triângulo histórico -, agora loca seus edifícios de uso misto na área central para a instalação de comerciantes estrangeiros, que neste período de chegada ao Brasil


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Imagem 28: Usos dos imóveis em 1809. Fonte: Modificada pelo autor Mapa dos Usos dos imóveis em 1809 (CARVALHO, 2013, p. 112).

não tinham capital para edificar suas próprias instalações. A organização destes edifícios com finalidade rentista “antecedeu a lógica condominial” (BUENO, 2016, p. 117). Neste mesmo período, observa-se o vetor de transição espacial das elites, em que estas não mais residem no centro histórico, mas começam a se instalar em palacetes no cinturão de chácaras e vilas que, em sua maioria, se localizam para além do Vale do Anhangabaú - o chamado subúrbio, que pouco tempo depois começa a se transfigurar em bairros


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residenciais elitistas. Este vetor ganhou força já na década de 1860, com a implantação da primeira estrada de ferro paulistana, que fazia ligação entre a cidade, o litoral e interior do estado10. Este movimento contém a abertura de novas vias, e aqui podemos destacar a Rua Ipiranga (hoje avenida). A década seguinte é marcada pela chegada de muitos fazendeiros à cidade, e demarcada pela construção de grandes casarões. As moradias continuam existindo no centro histórico até o início do século XX, e majoritariamente eram residências dos comerciantes estrangeiros que ali também realizavam seus negócios. O início da verticalização da cidade deu-se a partir do crescimento vertiginoso da economia da cafeicultura e da imigração, na segunda metade do século XIX. Com os primeiros prefeitos de São Paulo - Antônio Prado, Raimundo Duprat e Washington Luís - realizando obras de cunho higienista, desenvolvem legislação que suscita a verticalização das edificações no centro histórico. 10 Inauguração da São Paulo Railway em 1867, e tomamos como marco a Estação da Luz. “Até a década de 1870, a villa imperial de São Paulo é um universo social basicamente rural. Para além dos ventos cosmopolitas trazidos à cidade pela Academia de Direito, inaugurada em 1828, predominam na cidade um “relativo isolamento e provincianismo; a modesta economia de


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Imagem 29: Vetor de deslocamento da elite paulistana. Fonte: Modificada pelo autor Mapa Nova Planta da Cidade de São Paulo e Subúrbios de Jules Martim, 1881. subsistência de seus arredores, refletindo-se na configuração urbana e na vida de seus habitantes; a importância das relações pessoais, a unidade devida aos ritos e festejos de uma mesma fé.” (MORSE, 1970, p. 23 apud FREHSE, 1996, p. 121).

A elite econômica e intelectual que desponta no cenário paulistano a partir da década de 1870 também interfere nos padrões do fazer arquitetônico. Agora sem a mão-de-obra escrava, entra em sintonia com formas européias da época, refletindo em uma arquitetura de cunho urbano.


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Em fins do século XIX e início do século XX, a ocupação dos espaços próximos ao núcleo central ocorreu vinculando os elementos naturais e de infra-estrutura à dinâmica social de uma cidade que se transformava do ponto de vista da economia. A rede de transporte, dirigida inicialmente para o atendimento da economia cafeeira, transformou-se em importante elemento organizador do espaço urbano, principalmente das atividades industriais e residenciais, delineando a setorização das atividades e tipologias que a cidade seguiu nas décadas seguintes (AMADIO, 2004, p. 293 apud MOTA, 2007, p. 78).

As transformações que ocorrem a partir da década de 1870 podem ser reconhecidas como o ponto de encontro entre a dinâmica cultural 11 colonial e moderna - a taipa e o tijolo, do carro de bois ao bonde elétrico. O espírito moderno incorporado à alma da elite cafeicultora paulista, juntamente com a influência estrangeira, tomam corpo e significado no espaço físico da cidade e em seus equipamentos. Como nos traz Fraya Frehse (1996, p. 117), no cenário de 1870, a cidade de São Paulo entra em uma dinâmica de Ouro-Preto-que-vira-Paris. Com relação a importância da década de 1870, Azevedo (1958) nos relata: 11 De acordo com Frehse (1996, p. 118), entende-se por dinâmica cultural o processo de construção de múltiplos significados engendrados pela inserção de novos valores e costumes no contexto social predominantemente rural que é a vila na década de 1870.


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“Inúmeros estudos no campo da geografia e da história do urbanismo indicam a década de 1870, como marco das transformações que a cidade experimentou nos tempos seguintes, sendo o café o principal agente deflagrador desse processo, modificando o que era antes o “burgo dos estudantes” de 1872 a 1918” (AMADIO, 2004, p. 18 apud MOTA, 2007, p. 169).

A Sé, antigo Largo e atual Praça, se configura como elemento notável na feição urbana da paulicéia, em razão de carregar consigo valiosa carga histórica, funcional e simbólica para a dinâmica da construção da cidade, além de ter sido alvo de uma grande transformação física em seu espaço de implantação (FREHSE, 1996, p. 120). [...] São Paulo que muda de forma vertiginosa a partir da década de 1870 se vê e quer ser vista por aquele que não a conhece, acabam por compor, em conjunto, uma imagem contraditória de cidade. Cidade do novo tempo, mas fundamentalmente velha. Cidade de espaços urbanos, onde o rural insiste em aparecer e ser... (FREHSE, 1996, p. 120-121).

Neste trecho anteposto do texto de Fraya Frehse, podemos perceber como as tessituras do espaço urbano paulista se sobrepõem e estão em constante contato. Sobre esta condição, conseguimos ponderar como uma permanência de estado, na qual vestígios e fragmentos dos tempos passados aparecem no tecido atual. Partindo também da percepção de palimpsesto, ou de camadas, Frehse relaciona a condição da cidade de São Paulo na diferença entre os verbos “ser” e “estar”. Para


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a antropóloga, a cidade não “é” um todo único materializado no espaço, contudo “está” em constante materialização - em um “sistema sem dimensão temporal”. Em outras palavras, a cidade sempre introduzida na dinâmica construtiva do progresso e desenvolvimento. Completando, as impressões do antropólogo Claude Lévi-Strauss em 1935 ao chegar à São Paulo: “nas metrópoles do Novo Mundo, seja Nova Iorque, Chicago ou São Paulo, que se lhe costuma comparar, não é a falta de vestígios que me choca; essa ausência é um elemento de sua significação” (LÉVI-STRAUSS, 1957, p. 96 apud FREHSE, 1996, p. 118).

Na década de 1870 podemos demarcar a atuação do Presidente da Província, João Teodoro Xavier12, que realizou muitas e grandes obras de melhoramentos urbanos. Dentro deste pacote de obras públicas estavam as remodelações do Jardim Público, do Palácio do Governo e do Largo dos Curros (atual Praça da República). Abriu novas vias a fim de conectar ocupações mais distantes do triângulo histórico. Nas intervenções mais pontuais dentro do triângulo histórico, cabe elencar: a substituição dos lampiões de querosene por iluminação a gás em 1872; implantação de paralelepípedos no calçamento do Largo da Sé em 1873 e início do bonde puxado a burro - antes destas transformações, o Largo 12 Foi presidente da província de São Paulo entre os anos de 1872 e 1875 e é considerado um dos primeiros urbanistas do Brasil com as reformas no traçado urbano na cidade de São Paulo.


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da Sé já figurava como ponto modal da cidade, uma vez que o local servia de estacionamento para tílburis.

Imagem 30: Largo da Sé (1880), com Lampiões a gás e calçamento recente, em destaque (à direita), Catedral da Sé (demolida em 1911 para a reconstrução da nova praça da Sé) e à esquerda Igreja de São Pedro. Fonte: Informativo Preserva SP, 2013.


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Após 1870, a expansão urbana da cidade teve por movimento aglutinar as chácaras do entorno e, através do parcelamento do solo, dar origem a alguns bairros direcionados às elites. De acordo com Morse (1970, p. 20 e 41 apud MOTA, 2007, p. 79), três questões são substanciais para a compreensão da nova espacialidade de São Paulo: (1) o fato da cidade se constituir em ponto mediador para o contato comercial e ideológico com países estrangeiros; (2) a transformação técnica ocorrida nos transportes e o aparecimento do mercado de trabalho nos moldes capitalistas e, por fim, (3) a vinda intensiva dos imigrantes estrangeiros que, de forma crescente, se fixaram na cidade. No desenho geral de ocupação da cidade, percebemos a transição da orientação principal, uma vez que no início do século havia predominância da orientação norte-sul de ocupação das edificações - eixo acentuado pelo sentido de saída para o litoral, a partir das transformações ocorridas ao longo dos anos, a ocupação espraia-se sentido leste-oeste - conformando uma região periférica da cidade nas saídas das ferrovias sentido Rio de Janeiro e interior do estado. O eixo leste-oeste é importante para entendermos o desenvolvimento da cidade no século XX, com a ocupação gradativa dos bairros - sentido leste - do Brás, Mooca e, posteriormente, Penha. A ocupação das terras além Anhangabaú, a partir dos planos urbanísticos de João Teodoro, teve por definição a criação dos loteamentos nomeados em Campos Elíseos, Vila Buarque, Consolação e Higienópolis,


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dotados de uma propaganda que vendia o espaço como “cidade nova”. “Enquanto manteve-se enclausurada na colina histórica, a cidade não conhecia diferenças funcionais relevantes, além das chácaras em sua periferia. Os primeiros bairros operários se localizaram nas terras baixas vizinhas ao Tamanduateí, próximas à colina e nas proximidades das estações ferroviárias e ao longo das vias férreas (a SPR e posteriormente a São Paulo-Rio de Janeiro), estruturando os bairros do Brás, Luz e Bom Retiro. Por outro lado, os primeiros bairros residenciais da elite se instalaram nas terras mais altas situadas além Anhangabaú, a oeste, onde foram abertas ruas largas, como foi o caso de Campos Elísios” (Petrone in AMADIO, 2004, p. 25 apud MOTA, 2007, p. 88).

Nesta configuração observamos o desenho de ocupação da cidade: inicialmente todas as classes partilhavam da colina histórica e, no decorrer do tempo, as classes mais baixas foram transcorrendo em direção às várzeas e baixios enquanto que as classes de maior poder aquisitivo permaneceram na topografia elevada - dos Campos Elísios para Higienópolis e, posteriormente, em direção ao espigão da Avenida Paulista com direção sentido a calha do Rio Pinheiros (MELLO FILHO, 2001, p. 61 apud MOTA, 2007, p. 156). Junto ao aumento populacional e expansão territorial, cresce também o aumento da demanda por moradias e, com isso, conseguimos observar a prática da especulação imobiliária de forma mais explícita - e se instaurando como prática corriqueira e permanente no tecido paulistano. Esta forma de acumulação do capital, a partir do comércio


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de terrenos e/ou construções de habitações, é tratada como notável por Paula Mota (2007, p. 159) quando comparada às práticas rentistas majoritárias do período, como o café e as indústrias. Como exemplo, temos o caso de lucro de aproximadamente 800% na abertura do loteamento dos Campos Elísios.

Imagem 31: Várzea do Carmo parcialmente alagada. A rua em primeiro plano é a 25 de Março. Em baixo, à direita, a Ponto do Carmo, principal acesso ao bairro do Brás. Fonte: MOTA, 2007.

A chegada da ferrovia na cidade e o fortalecimento do vetor de


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expansão da elite em direção oeste, resulta na transmutação da imagem do Vale do Anhangabaú - antes tido como “quintal dos fundos”, agora é eleito como “porta de entrada da cidade”. Fator importante que nos fornece fundamento para entender a mudança de “entrada da cidade” é que, a partir do enaltecimento das ferrovias - que sinalizava o moderno e o progresso -, as áreas que carregavam a imagem de ser o antigo povoamento e caminho de tropas de burros entram em decadência (MOTA, 2007, p. 150). Ainda que tenha sido figurada como porta de entrada da cidade em seus primeiros séculos, a várzea do Rio Tamanduateí foi local de despejo dos dejetos da cidade, desde animais mortos até os excrementos produzidos pela vida urbana (MOTA, 2007, p. 146). Ou seja, a várzea não representava apenas prejuízos de âmbito material - com as sucessivas reformas nas pontes que sofriam danos após as enchentes, mas também apresentava malefícios da ordem de saúde pública, pois por consequência da expansão urbana, as habitações mais precárias achegam-se mais próximas aos baixios. Sob este contexto, desde o início do século XIX, já se pensava em obras de saneamento para as várzeas do Tamanduateí, contudo, apenas na última década do século que criou-se a “Comissão de Saneamento” pelo Governo do Estado. A administração da cidade, com o prefeito Antônio Prado (1899-1910), realizou obras de saneamento e canalização do rio e, desde a década de 1870, se vê movimentos de aterramento da


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várzea do Tamanduateí, inicialmente deu origem à região do Gasômetro.

Imagem 32: Construção do Canal do Rio Tamanduateí. Fonte: Modificada pelo autor - apa Planta Histórica da Cidade de São Paulo 1800 - 1874, por Affonso A. de Freitas. Imagem 33: Panorama das modificações no curso do Rio Tamanduateí. Fonte: Portal G1, 2017


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No ano de 1892, com a construção do Viaduto do Chá, o primeiro viaduto da cidade, foi proporcionado maior travessia e expansão da cidade em direção a região em que hoje se localiza a Praça da República. Responsável por averiguar os projetos edilícios, a partir de 1893 a Seção de Obras e Viação demonstrou postura a uniformizar o gabarito da cidade - como inspiração a Paris do Barão de Haussmann. Em documento do Código de Posturas de 1886, as alturas são determinadas em: (1) primeiro pavimento - 5m; (2) segundo pavimento - 4,88m; (3) terceiro pavimento - 4,56m. Com isso, o gabarito da edificação com 3 pavimentos deveria estar próximo a 17 metros. Para as edificações com mais pavimentos, alterava-se a altura a partir do segundo pavimento - devendo contar com 4,80m, e o terceiro pavimento com 4,50m. Na virada do século, onde as infraestruturas urbanas já possuíam certa qualidade e já despontavam incipientes bairros elitistas, somado aos melhoramentos dos espaços públicos, tem-se a elitização dos espaços públicos.

Imagem 34: Viaduto do Chá, 1902. Fonte: Arquivo Arq, 2021


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8.1 Influência estrangeira

“Vivera a colônia nos três primeiros séculos relativamente segregada da Europa não ibérica, principalmente nas regiões de maior especialização econômica e intensa endogamia” (FREYRE, 1936, p. 257 apud COSTA, 2000, p. 279).

A partir de meados do século XIX, a cultura francesa se mostra como influenciadora nítida e direta da cultura brasileira. Dividia espaço com a influência inglesa que, sobretudo, possuía o predomínio econômico e de paisagem urbana, refletindo no campo político e ideológico - a cultura brasileira abraçou também variados elementos de tradição inglesa, como: uso do chá, cerveja, bife com batatas, residências em subúrbio, júri e habeas corpus. Com a vinda da corte portuguesa para as terras do novo mundo (1808), o contato direto com Inglaterra e França sofreu certa intensificação, introduzindo uma espécie de europeização dos costumes aqui praticados, assim como fez surgir novas necessidades - não que antes da corte chegar ao Brasil isso não existisse, mas com a chegada da família real portuguesa, seus hábitos luxuosos foram supridos com a vinda de cabeleireiros e modistas franceses e alguns comerciantes ingleses. Os primeiros sinais deste contato intenso com a cultura francesa são verificados ainda no final do século XVIII, quando algumas famílias enviam seus filhos para estudarem em faculdades francesas, sobretudo em Montpellier, da mesma maneira que a interação entre as culturas também foi influência para a Inconfidência Mineira. Ponto chave para compreender a dimensão da influência


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francesa nos campos intelectual e artístico da sociedade brasileira é a partir da missão francesa. Tal missão foi o desenrolar do movimento de estreitamento de laços entre D. João VI e Luís XVIII e trouxe ao Brasil importantes nomes do pensamento francês a partir de 1816, como: Lebreton, Debret, Montigny, Tauna e Ferrez - importante destacar que o professor Toledo chama atenção para a missão francesa, uma vez que a começar por ela, tem-se a inserção das primeiras produções artísticas na e sobre a cidade de São Paulo. Emília Costa (2000, p. 06) nos relata que a influência francesa solidificou-se com maior intensidade em núcleos do Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e São Paulo - com destaque para Rio, Pernambuco e Bahia que já manifestavam tal influência já na primeira metade do século XIX. São Paulo alcança esta marca cerca de 50 anos mais à frente. E, diferentemente das outras localidades, na cidade de São Paulo a presença francesa começou a ganhar forma no campo das ideias, atuando na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Indo de encontro ao que nos trouxe Benedito Lima de Toledo, Emilia Costa (2000, p. 284) nos explica o porquê da cidade de São Paulo expor-se quase que impenetrável frente a estas influências. Assim como pontuou Toledo, Costa argumenta que o afastamento da cidade frente ao mar é o ponto crucial, e salienta que a dificuldade de meios de transporte para acessar a paulicéia e sua pequena população com hábitos modestos também fomentaram esse atraso de influência.


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Podemos elencar um marco físico como símbolo do fortalecimento da influência francesa na cidade de São Paulo - a Casa Garraux. Inaugurada em 1964 pelo francês Anatole Louis Garraux, inicialmente no Largo da Sé e posteriormente na chamada Rua da Imperatriz (atual Rua 15 de Novembro), “a mais célebre das casas comerciais” (COSTA, 2000, p. 287) era uma mistura de livraria, tipografia, depósito de vinhos, de guardachuvas e de objetos de arte que teve papel significativo na difusão da cultura francesa.

Imagem 35: Postal circulado em 1902 mostrando a Novembro, com destaque no centro da imagem para o edifício da Rua 15 de Casa Garraux. Fonte: São Paulo Antiga, 2021.


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Além de comercializar produtos importados, suas vitrines comportavam exposições, como de plantas de arquitetura - tendo como exemplo a exposição do projeto da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Fato interessante abordado por Emilia Costa (2000, p. 287) é que na segunda metade do século XIX, os estabelecimentos comerciais eram divididos em duas categorias: os franceses e os nacionais, que também poderiam ser importadores de artigos franceses - situação que denota a dimensão do predomínio francês nas principais cidades até então. Sobre os comerciantes e artesão franceses na cidade: Da sua atividade ficaram mais que traços materiais: alguma coisa do espírito e da cultura de cada um. Foram eles fontes de novos modos de vida para toda uma sociedade. Agiram como centro de propagação da cultura francesa com a irradiação comercial de produtos, intelectual de idéias e principalmente social de costumes, usos e estilos de vida. (COSTA, 2000, p. 292293).

A riqueza e notoriedade alcançadas através da economia cafeicultora de São Paulo proporcionou aos paulistas um contato mais próximo com a cultura francesa ao longo do século. Alguns ofícios estiveram quase que sob domínio estrangeiro, como é o caso dos cabeleireiros e do ensino de música - neste momento histórico temse o desenvolvimento das modinhas brasileiras e a gênese da música popular, apesar disso, as composições francesas ganham espaço entre os membros da elite e também o universo literário.


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A influência pois, da língua e literatura sob a forma de livros jornais e revistas, a favor da irradiação da cultura francesa entre nós, foi enorme. Franceses eram os compêndios em que se estudava, os romances que se liam, os filósofos que orientavam os conceitos; os livros técnicos de medicina, direito ou arquitetura, onde ia o intelectual buscar inspiração; francesas as revistas e mesmo alguns jornais. Não podemos esquecer, entretanto, que a ação desses agentes: livros, jornais e revistas, por mais difundida que tenha sido, esteve sempre circunscrita a um grupo relativamente limitado de pessoas – de uma certa cultura, a elite – não exercendo grande influência sobre a massa do povo (COSTA, 2000, p. 300).

Tamanha é a influência estrangeira na cidade de São Paulo que vemos na transformação do espaço urbano-rural em espaço urbano industrial, na segunda metade do século XIX (MOTA, 2007, p. 48-49). No âmbito arquitetônico-paisagístico, os jardins das chácaras vizinhas à cidade possuíam características do planejamento e desenho dos mestres franceses. Na paisagem urbana da cidade, a idealização do Viaduto do Chá por Jules Martin é mais um exemplo dos traços franceses. Santos Dumont e Antônio Prado são dois personagens da história brasileira figurantes do século XIX que representam simbolicamente o espírito francês, pois sob eles é visto toda uma geração que foi formada aos moldes franceses. A cidade republicana, em vias de adentrar ao século XX, se traduzia na imagem afrancesada e dominada pela dinâmica da elite no centro. Por intermédio dos variados agentes: artesãos, comerciantes,


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artigos, livros, revistas, jornais, colégios, professores, governantes, artistas, missões culturais, viajantes de proveniência francesa, técnicos contratados, viagens de estudo ou de recreio à França, firmou-se entre nós, de modo acentuado a influência da cultura e da técnica francesa. Cada um desses fatores agiu à sua maneira e com intensidade diversa sobre a sociedade paulista. Essa influência estendeu-se nessa época, pela diversidade de agentes a todos os setores e manifestouse em todos os campos: nas coisas materiais e imateriais, nas modas, na literatura, na casa, na filosofia, na alimentação, no folclore, etc. Não se pode esquecer entretanto que ela esteve praticamente restrita a um certo grupo social cuja educação (grau de cultura) e situação econômica facilitaram os contatos com os agentes divulgadores dessa cultura (COSTA, 2000, p. 302-303).


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Imagem 36: Área urbanizada de São Paulo até 1900. Fonte: Autor, 2021.

No início do século XX, a cidade se tornou um grande canteiro de obras. A partir de 1900, com a implantação das linhas de bonde e iluminação pública e, entre 1906 e 1908, com as instalações de água encanada e esgotamento sanitário. Com isso, muito do que se tinha de original de taipa dos séculos XVIII e início do XIX, acabou por ser reformulado - podemos destacar as permanências do Solar da Marquesa


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de Santos e algumas poucas igrejas. O campo expandido da modernidade nos ares de São Paulo chegou também no desejo de um novo templo para a igreja matriz. Apoiados no lema de “afastar o passado colonial” (FREHSE, 1996, p. 122), a administração pública regida pelo prefeito Antônio Prado idealiza a demolição da igreja matriz para a construção de uma catedral que representasse o novo status moderno da cidade. O anseio na verticalização e imponência do novo templo materializaram o espírito moderno. As ideias iniciais de se construir uma nova igreja matriz para a cidade são formuladas já nos idos de 1874, com a doação de um terreno da Praça dos Curros (atual Praça da República) para a igreja. Entretanto, a decisão foi sacramentada apenas no ano de 1911, após a nomeação de São Paulo como capital de Arquidiocese - feito ocorrido em 7 de junho de 1908. O terreno localizado na Praça dos Curros, como sabemos, não serviu de base para a edificação da nova catedral paulistana. No local foi erguido o edifício para a Escola Normal, e o edifício data de 1894. Dom Duarte Leopoldo e Silva (1867-1938), primeiro Arcebispo de São Paulo, sonhou com a demolição do templo até então edificado e a construção de um novo. Assim o fez, mesmo que a priori contrariado pela administração pública e paulistanos. A nova catedral é desenhada sob preceitos neo-góticos que fazia cena para novas construções de templos religiosos no país desde a metade do século XIX, mais precisamente entre 1850 e 1930, como nos


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Imagem 37: Escola Normal, projeto de Antônio Francisco de Paula Souza, Ramos de Azevedo. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

relata a historiadora da arte e da arquitetura Paula Vermeersch (2020, p. 224). O risco da nova catedral foi concebido pelo engenheiro-arquiteto alemão e também professor da Escola Politécnica Maximilian Emil Hehl (1861-1916) e previa a demolição da até então igreja matriz e de três quarteirões em direção ao largo de São Gonçalo. Sobre a escolha do estilo arquitetônico: Dom Duarte justifica o Neo-Gótico do projeto de Hehl em duas direções: a primeira, que este estilo teria se desenvolvido junto com as devoções marianas (a Sé de São Paulo é dedicada a Nossa Senhora da Assunção) e a segunda, que tal partido


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arquitetônico seria condizente com a modernidade da São Paulo surgida com as grandes modificações do café, da imigração e da ferrovia. Apesar de ser um estilo histórico, de citação de séculos passados, o Gótico, para Dom Duarte, nunca teria deixado de ser belo, elegante e piedoso. (VERMEERSCH, 2020, p. 223)

Imagem 38: Perspectiva da nova Catedral da Sé. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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Para além deste relato de Dom Duarte, livros manuscritos de datas posteriores reforçam a escolha do neo-gótico devido sua “nobreza de elementos do estilo, como as ogivas e os vitrais, na homenagem às devoções marianas” (VERMEERSCH, 2020, p. 225). Outros exemplares de templos paulistanos construídos no início do século XX que trazem esse referencial estilístico são: Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Igreja de Santa Cecília e a Igreja de Nossa Senhora da Consolação, que figuram nos arredores do centro histórico da cidade. A construção do novo templo iniciou-se no ano de 1913 e previu uma edificação com 112 metros de altura e 47 metros de largura, com finalidade de abrigar em torno de 8 mil pessoas. O almejo de expandir a dimensão do Largo em uma grande área cívica da cidade teve por significação a convergência entre fé, pujança e alma coletiva (SEVCENKO, 1992, p. 103 apud FREHSE, 1996, p. 122-123). Tem-se um período de diminuição das atividades do canteiro de obras da nova Sé. Este período teve como pano de fundo a queda da bolsa de Nova York, em 1929, e conflitos com o governo de Getúlio Vargas - ambos acontecimentos tiveram peso em reflexo à economia cafeicultora paulista, e trouxe anos de recessão. Com a inauguração do Teatro Municipal na continuidade do Viaduto do Chá em 1911, a administração pública contrata o urbanista francês


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Joseph-Antoine Bouvard13 para conceber Planos de Melhoramentos para a cidade, especificamente para as áreas do Vale do Anhangabaú e Várzea do Carmo - constituída como Parque Dom Pedro II. Assim como nos diz Escudero e Abrahão (2017, p. 217), a contratação do profissional francês foi resultado de debates e formulações de planos e projetos por profissionais urbanistas em anos anteriores. Dentre eles, destacamos: Samuel das Neves (1906); Victor da Silva Freire e Alexandre de Albuquerque (1910). Neste momento, disposta como porta de entrada da cidade, o Vale do Anhangabaú emerge no processo de valorização potencializado pela implantação do Viaduto do Chá e pelo vetor oeste de locomoção das elites sobre o território, em direção às regiões de Higienópolis e da Avenida Paulista. O Vale se torna cenário para a edificação do principal edifício da época, o Teatro Municipal, com isso, novas e luxuosas construções também tomam a paisagem do local. Antes um vale inóspito, agora com a instalação da elite, requer uma valorização dos espaços - isso resume a investida pública e privada para os planos de embelezamentos para a área entre o final do século XIX e início do XX. 13 Arquiteto francês responsável pelo Plano de Melhoramentos da Capital (19111913) e, assim como nos relata Escudero e Abrahão (2017), Bouvard se mostra como um personagem central nos desenhos de transformação do tecido urbano e na paisagem do centro de São Paulo no início do século XX.


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“A grande transformação que ocorreu na cidade do café foi, sem dúvida, a configuração de uma segregação espacial mais clara: territórios específicos e separados para cada atividade e cada grupo social. Isso se deu por meio da constituição dos bairros proletários e dos loteamentos burgueses, da apropriação e reforma do centro urbano pelas novas elites dominantes e da ação discriminatória dos investimentos públicos e regulação urbanística” (ROLNIK, 2001, p. 18 apud ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 218-219).

As transformações urbanas ocorridas na São Paulo do final do século XIX e início do século XX estiveram sob a batuta, principalmente, dos prefeitos João Teodoro (1872-1875) e Antônio Prado (1899-1910) - este último, diretamente ligado às elites cafeicultoras, foi responsável pelos melhoramentos nas vias e calçamentos públicos, plantação de árvores ao longo das principais avenidas, assim como também responsável pela construção do Teatro Municipal, que foi desenhado à sombra da influência francesa. “A cidade de São Paulo, em especial seu núcleo central, assumiria durante a República Velha, um perfil mais cosmopolita, com a intensificação de usos comerciais e serviços considerados “chiques” para os padrões da época: como confeitarias, os cafés, livrarias, casas vinícolas, as lojas de produtos importados, magazines casas de moda, dentre outros. Essas atividades favoreceram, ainda segundo aquele autor (SIMÕES JUNIOR 1994, p. 74), o footing, as promenades, que haviam se tornado a coqueluche dos paulistanos influenciados pelos hábitos estrangeiros, em especial os oriundos Paris” (ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 220).

O relatório entregue por Bouvard em 1911, denominado “Estudos


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de melhoramentos e extensão da capital do Estado”, tinha como base a análise da cidade real, ou seja, no estudo dos terrenos, monumentos, aspectos físico-naturais, movimentação comercial e movimentação de pessoas entre os bairros. Em contraponto com a tradição aplicada na época - a ocupação dos espigões -, o relatório de Bouvard sugere a ocupação explorando as diversidades do terreno, com essa prática, se revelaria o pitoresco. “Enquanto o inglês Barry Parker metamorfoseava o Parque da Avenida, os franceses Bouvard e Cochet redesenhavam a orla da colina central da cidade, apagando os últimos traços originais ao redor do santuário onde os jesuítas haviam celebrado a sua fundação, transformando as vertentes do Anhangabaú e os pântanos do Tietê num panorama cenográfico dos mais elegantes, com toques decór europeu ponteados de palmeiras e vastos tapetes gramados recortados de trilhas, passeios e canteiros. O lance final dessa reforma da paisagem foi estabelecido pelo arquiteto franco-argentino Victor Dubugras, ligado ao grupo de urbanistas encabeçados pela sumidade internacional, o arquiteto Bouvard. Ele foi encarregado de desmatar, desarborizar, ajardinar e redecorar o Largo da Memória e seu tradicional obelisco, na embocadura do Vale do Anhangabaú” (SEVCENKO, 1992, p. 15 apud ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 225).

A união dos interesses da esfera administrativa pública (centrados nas questões da estética urbana, mobilidade e salubridade, a partir das inundações da Várzea do Carmo) e privada (propriamente o mercado imobiliário) deram base para o cumprimento do Plano desenvolvido pelo urbanista francês. Alinhado aos interesses privados, Bouvard funda a Cia.


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City, em razão da necessidade de desapropriação de lotes ao entorno do Vale do Anhangabaú para viabilizar a execução do projeto, como relata Escudero e Abrahão (2017, p. 225). As transformações urbanas que a cidade passou dos anos 10 até os até meados dos anos 30, não eram, apenas técnicas, mas ligadas à estética, embelezamento e cenografia. [...] o mundo estava passando por mudanças: na economia – em especial pelo boom da industrialização-, nas artes, na arquitetura e em especial nas cidades. A grande Paris, remodelada pelo Barão de Haussmann no século XIX, serviu de exemplo e motivação para a modernização das demais cidades que também estavam crescendo pela força da economia industrial. (ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 225).

De acordo com Escudero e Abrahão (2017, p. 226), podemos destacar o Plano de Bouvard para São Paulo em quatro núcleos de atuação, sendo eles: (1) conceber espaço público e belo no Vale do Anhangabaú - parque; (2) conceber um espaço público e belo na Várzea do Carmo - parque; (3) centro cívico e (4) meios de comunicação do Centro com os bairros - avenidas. Para viabilizar tais ações, foram escritas legislações que englobassem os ideais. Dentre elas: (1) Lei nº1.457/1911, designa o melhoramento das ruas Líbero Badaró e Formosa e da parte do Vale compreendida entre a Rua São João e o Largo do Riachuelo; (2) Lei nº1.473/1911, orientando a construção de uma praça na entrada do Viaduto do Chá - hoje Praça do Patriarca; (3) Lei nº1.484/1911, direcionando o alargamento da Rua Conceição e prolongamento da Rua


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Dom José de Barros. “A não ser a finalização das pequenas obras em andamento, prestes a acabar [...] pode-se considerar pronto o Parque do Anhangabaú, que, dentro de poucos dias, será entregue ao gozo público. [...] As obras de arte, as grandes exedras nas extremidades, os grandes terraços, as fontes luminosas, os jogos d’água, a mudança do viaduto, as grandes construções, as obras propriamente de embelezamento podem esperar melhores tempos” (Prefeitura Municipal de São Paulo, Relatório de 1918 apresentado à Câmara Municipal de São Paulo pelo prefeito Washington Luís Pereira de Sousa, p. 19 apud ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 227).

A transformação do baixio do Anhangabaú em parque, e consequente valorização, transforma o local em cartão postal da cidade. Na paisagem da encosta com a Rua Líbero Badaró, encontramos a Praça do Patriarca (que antecede o Viaduto do Chá) e um conjunto arquitetônico dos 2 palacetes do Conde Prates e incipientes edifícios; na outra margem, ao fim do viaduto, nos deparamos com o Teatro São José (inaugurado em 1900) e o Teatro Municipal (inaugurado em 1911).

Imagem 39: Teatro São José, projeto de Carlos Ekman - demolido em 1924. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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Mesmo de origem francesa, os ideais de Bouvard não eram os mesmo ideais haussmannianos - arrasamento de quarteirões no centro histórico para implantação de grandes avenidas retilíneas. “É preciso, para esse fim, abandonar o sistema arcaico do xadrez absoluto, o princípio por demais uniforme da linha reta, vias secundárias que nascem sempre perpendicularmente da artéria principal. É necessário, numa palavra e no estado atual das cousas, enveredar pelas linhas convergentes, radiantes ou envolventes, conforme os casos” (Prefeitura Municipal de São Paulo, Relatório de 1911 apresentado à Câmara Municipal de São Paulo pelo prefeito Raymundo Duprat, p. 12-18 apud ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 229).

Imagem 40: Teatro Municipal, 1911. No primeiro plano, à esquerda, o Viaduto do Chá. No centro, parte das plantações e as casas de aluguel da chácara do Barão de Itapetininga. No fundo, à esquerda, o Teatro São José, inaugurado em 1900; no centro, o Teatro Municipal recém-construído. Fonte: ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017.


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Imagem 41: Vista do Parque Anhangabaú e seu belíssimo conjunto arquitetônico. Foto da segunda metade da década de 1920. Autoria desconhecida. Retirada do livro SP 450 anos. Fonte: ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017.

O projeto do Parque do Anhangabaú se desenvolvia como um tapete ajardinado com vegetações ornamentais. A utilização das altas palmeiras localizadas no desnível entre o Teatro Municipal e o Vale tinham por objetivo equilibrar a paisagem, assim como a utilização da vegetação arbustiva nos canteiros do arruamento quase que orgânico. Do outro lado da colina histórica, a Várzea do Carmo, junto ao Rio Tamanduateí, foi local de chegada dos viajantes, assim como ponto de alimentação, abastecimento e transporte para a população inicial. Foi caracterizada pelas diversas enchentes, por se tratar de um espaço com grandes dimensões e topografia baixa. A partir da retificação do trecho


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Imagem 42: Projeto de Bouvard: parque no Vale do Anhangabaú. Postais do primeiro quartel do século XX. Fonte: ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017.

do Rio Tamanduateí chamado “Sete Voltas” em 1849 com o projeto de C. A. Bresser e gestão do padre Vicente Pires Motta, deu-se origem à Rua 25 de março - o local está próximo ao Mercado Municipal, e na época chamado “mercado caipira”, carregando forte tradição comercial. Anos após esta primeira grande intervenção no curso do


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Tamanduateí foram propostas novas intervenções, porém, somente no ano de 1897, o engenheiro Carlos Escobar desenha o projeto para a sua canalização efetiva. As obras tomaram os governos de Bernardino de Campos (1902-1904) e Jorge Tibiriçá (1904-1908). Com isso, até a década seguinte já se tem a canalização efetiva do trecho do Tamanduateí entre o Rio Tietê e a região do Cambuci. Para a época, o plano de canalização resolveria os problemas das enchentes - como bem se sabe, não resolveu. Por consequência, tem-se a formulação da ideia de parque para a região. Somente no ano de 1918, ao final do mandato do prefeito Washington Luís (1914-1918), que firmou-se o contrato entre a Diretoria de Obras e a Companhia da Várzea do Carmo. O projeto prossegue com alterações pelo arquiteto-paisagista E. F. Cochet e pelo engenheiro Antonio de Almeida Braga, na qual previa loteamento do setor noroeste da várzea, a construção do Palácio das Indústrias, implantação de campos esportivos e de mercado público como substituto do localizado na Rua 25 de março. Foi inaugurado em 1922, dentro das comemorações do Centenário da Independência, e logo se tornou um importante ponto de lazer para os bairros lindeiros. “Os planos de Freire e Bouvard não se limitavam ao reordenamento da paisagem, esboçando a reestruturação do centro paulistano. O núcleo terciário denso sobre a colina histórica seria estruturado pelos dois “triângulos” concêntricos (o original mais o “circuito exterior” de Victor Freire) e ladeado por espaços verdes planejados. Na direção menos privilegiada, o Parque Dom Pedro II (concluído em 1925) organizava usos


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menos nobres: exposições utilitárias (Palácio das Indústrias, inaugurado em 1922), comércio de alimentos (Mercado Municipal, iniciado em 1925) e quartéis, intermediando a passagem entre o centro urbano e a “outra cidade”, industrial e operária da Zona Leste. A oeste, na direção mais valorizada, o conjunto do Anhangabaú configuraria novo centro simbólico para São Paulo” (CAMPOS, 2002, p. 182 apud ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 235).

Imagem 43: Parque D. Pedro II. (British Chamber of Commerce of São Paulo & Southern Brazil, ed. São Paulo: Official Yearly Handbook. São Paulo, 1930. Fonte: ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017.

Imagem 44: Panorama das modificações no curso do Rio Tamanduateí. Fonte: Portal G1, 2017.


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Com o aterramento de áreas da várzea, a retificação do Rio Tamanduateí e, consequentemente uma maior ocupação, a grande separação entre a colina histórica e o bairro a leste (Brás) é reduzida. Ainda mais que a grande população moradora dos bairros operários limítrofes ao parque faziam daquele espaço seu quintal de fim de semana. “Acreditamos mesmo que até certo ponto houve um princípio de segregação intencional, que justificou a mudança da várzea do Tamanduateí num grande parque, ou jardim tampão, separando a cidade histórica, ainda habitada pela burguesia nacional bem postada, do bairro dos italianos operários que mal falava o português. Bairro do Brás, que se transformou numa verdadeira cidade à parte, pura cidade peninsular” (Carlos Lemos in AMADIO, 2004, p. 56-80 apud MOTA, 2007, p. 89).

Imagem 45: Palácio dos Correios, projeto de Domiziano Rossi e Felisberto Ranzini. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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Imagem 46: Escola de Comércio Álvares Penteado, projeto de Carlos Ekman. Fonte: Arquivo Arq, 2021. “Dessa maneira, iam se compondo os elementos do novo espaço a ser criado no Anhangabaú, por meio de iniciativas cuidadosamente articuladas entre o poder público e os interesses particulares envolvidos. A harmonia arquitetônica da nova via não era garantida apenas pela preocupação dos projetistas. Por lei, as edificações na área central deveriam ocupar os alinhamentos, formando massas contínuas – o que destacava mais ainda a excepcionalidade da solução de Bouvard para os “blocos” do Anhangabaú –, e não poderiam ter menos de dois andares. Além disso, segundo a lei que aprovou a primeira seção do plano Bouvard, as construções a ser erguidas na Líbero Badaró deveriam ter pelo menos três andares [...]” (CAMPOS, 2002, p. 156 apud ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 236).


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Portanto, podemos compor a terceira camada histórica do centro histórico de São Paulo com os componentes de grande importância que compuseram as remodelações da cidade entre o início dos séculos XIX e XX, demarcando tais itens: Viaduto do Chá, Praça Antônio Prado, Praça do Patriarca, Praça da República, Teatro Municipal, Praça Ramos de Azevedo, Mercado Municipal, nova Catedral da Sé, remodelação no Vale do Anhangabaú e Parque Dom Pedro II, instalações do governo no Pátio do Colégio, Viaduto Santa Ifigênia.



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9. São Paulo moderna (1920-1960)

Apesar de a historiografia destacar o caráter eclético da arquitetura dos primeiros anos do século 20, as intervenções urbanas realizadas em São Paulo nesse período produziram uma cidade servida por um sistema de transporte coletivo sobre trilhos através de concessão para a empresa canadense Light desde 1901. O crescimento da cidade para além do Triângulo Histórico Central impunha a transposição dos dois rios que cercam lateralmente a colina (Anhangabaú e Tamanduateí), resultando em projetos marcantes para o período. Além dos parques associados ao vale do Anhangabaú e à Várzea do Tamanduateí, esses projetos apresentavam novos padrões de viários, com seus viadutos e novas configurações para as antigas ruas do centro colonial. (ANELLI, 2007, p. 03)

Outrora influenciada pela cultura francesa, nos primeiros anos do século XX a influência teria atravessado o Atlântico e aterrissado na América do Norte, pois com advento do concreto armado, o estilo formal dos edifícios passa a ser referenciado nos Art Decó nova-iorquinos. Com essa postura, a altura das edificações ganha representação de modernidade e isto induz proprietários a colocarem abaixo seus edifícios - muitos até que recém construídos - para respirarem este novo ar. Sinais concretos da verticalização e o “culto do automóvel” (ANELLI, 2007, p.05) também eram sinais da modernidade na paulicéia em constante transformação. Para Anelli (2007, p. 05), o rodoviarismo desponta como transcendente na forma de organização do território, como diretriz econômica e política - neste contexto tem-se a recusa de projeto de metrô da Companhia Light em detrimento do Plano de Avenidas de

Imagem 47: Terceira camada histórica. Fonte: Autor, 2021.


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Prestes Maia14, concebido em 1930 e efetivado em 1938. 14 Plano de Avenidas desenhado nas décadas de 1920 e 1930 por Prestes Mais e Ulhôa Cintra - influenciou o crescimento da cidade nas décadas seguintes.

Imagem 48: Versão final perímetro de irradiação, São Paulo. Fonte: ANELLI, 2007.


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Tratava-se de um excelente negócio para os proprietários construírem imóveis cada vez mais verticalizados e multifuncionais, pois havia demanda, mas as obras foram feitas com projetos assinados pelos melhores profissionais da época, edificados em conformidade com uma legislação urbanística e sanitária que zelava pela qualidade do produto (garantindo pé-direito generoso, aberturas fartas, materiais construtivos de primeira). Os memoriais e projetos arquitetônicos hoje reunidos na Série Obras Particulares do Arquivo Histórico de São Paulo alicerçam tais afirmações. O resultado hoje é um importante patrimônio em vias de dilapidação que resiste ao tempo galhardamente a despeito de tanto descaso. Resiste porque foi feito sólido mesmo no âmbito de um efervescente mercado imobiliário rentista. (BUENO, 2016, p. 128)

O movimento urbano da verticalização sofreu intensificação a partir da década de 1920, apoiada em uma legislação urbanística orquestrada a corresponder às demandas do mercado imobiliário estabelecido. Dessa forma, o mercado imobiliário adquire cada vez mais espaço, seja nas negociações ou propriamente na fisionomia urbana. Nesta década podemos encontrar a gênese da arquitetura racional modernista, em razão de começar a surgir na paisagem urbana espécimes deste novo gênero de arquitetos como Rino Levi, Vital Brazil, Jacques Pilon, Elisiário Bahiana, dentre outros. Acerca do campo artístico no geral, destacamos a forte influência que bradou na realização da Semana de Arte Moderna, que não se limitou aos ateliês artísticos, mas transformou o centro histórico de São Paulo em


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palco para o evento-manifesto15 - cabe ressaltar que o desenvolvimento desta pesquisa precede e está às portas da celebração de 100 anos da Semana. O evento foi realizado entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922 - ano de comemoração do centenário da independência -, foi um encontro que reuniu escritores, músicos, artistas e arquitetos a fim de traçar um novo projeto cultural para o país. Aconteceu sob o contexto que emerge após a Primeira Grande Guerra Mundial, em concordância com a formação do pensamento europeu, entretanto podemos incitar uma diferença um tanto quanto grande para o que se desenvolve no Brasil. Enquanto a vanguarda europeia eleva o pensamento moderno ao universalismo, a formação do pensamento moderno no país evoca as questões nacionalistas e nativistas16 - dessa forma, decidido à exuberância dos assuntos típicos brasileiros, como temáticas indígenas e folclóricas, na ação de explorar e encontrar o que é genuinamente nacional.

15 O Theatro Municipal foi palco para o evento, pois nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro, em seu interior ocorrem conferências e concertos e, no saguão, exposições de trabalhos de artistas e arquitetos. 16 Segundo Ferreira Gullar (2014), em vídeo disponível em: <https://www. youtube.com/watch?v=_sk-2TlyZSY&list=WL&index=143&t=44s>. Acesso em: 19 jul, 2021.


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“[...] o objetivo da Semana é renovar o estagnado ambiente artístico e cultural de São Paulo e do país. Acentua-se a necessidade de “descobrir” ou “redescobrir” o Brasil, repensando-o de modo a desvinculá-lo, esteticamente, das amarras que ainda o prendem à Europa” (AJZENBERG, 2012, p. 26).

A germinação da Semana começou a brotar alguns anos antes, propriamente no ano de 1917 com a exposição das obras de Anita Malfatti (1889-1964) - realizada no número 111 da Rua Líbero Badaró no centro paulistano. A rua adquire prestígio a partir do plano de Bouvard, dado que é a via que faz limite entre o centro histórico e o Vale do Anhangabaú, local agora que é destino das novas e mais elegantes construções. A implantação da nova via se torna referência para as demais, pois em seu projeto já se incorporam os trilhos dos bondes, o desenho dos passeios públicos, da rede de drenagem, da iluminação pública e do mobiliário urbano. Ainda que agora o Vale do Anhangabaú figure com certo prestígio para a sociedade paulistana, não existe uma superação da relação com os fundos de vale - de forma mais clara, com o curso d’água. Esta relação mostra-se ambígua, pois da mesma maneira que grandes cidades do mundo tiveram seu crescimento guiado por eixos fluviais, a cidade de São Paulo também obteve seu crescimento. Se desenvolveu no curso do Tamanduateí e do Anhangabaú e muitas construções tinham seus materiais provenientes dos leitos dos rios, como no caso do primeiro


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arranha-céu paulistano, o Edifício Martinelli, erguido em 1929.

Imagem 49: Edifício Martinelli, projeto de William Fillinger. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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Concomitante ao desenvolvimento da economia cafeicultora na década de 1920, tem-se também um crescimento das atividades industriais, a partir de uma implementação de indústria de base no país. O estado de São Paulo ganha destaque como principal polo industrial e econômico nos anos do governo Vargas. O desenvolvimento econômico da cidade aquecido pelo crescimento populacional refletiu no tecido urbano as políticas públicas engendradas pela administração pública. Já a partir da década de 1930, de acordo com Oliveira (2008, p. 41), podemos observar dois traços do modelo de organização espacial de São Paulo: (1) desenvolvimento extensivo - parcelamento e ocupação das periferias; autoconstrução e implantação de infraestrutura para sistema de veículos automotivos - e (2) verticalização - que neste momento se limitava ao centro da cidade. Na morfologia urbana do centro histórico, os lotes coloniais estreitos e profundos agora dão lugar aos primeiros edifícios. A atividade construtiva no centro mostra-se sempre aquecida, dado que em um período de 5 anos o valor de área construída na cidade dobra. O principal motor deste salto quantitativo é o setor privado, porém o setor público tem sua parcela de importância, principalmente quando percebemos as transformações urbanas entre 1930 e 1945 que tiveram como papel de fundo a justificativa, ou melhor, meta viária (ver imagens 50 e 51). Ainda na década de 1920 o rodoviarismo começa a ganhar palco


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Imagem 50: Área construída na cidade de São Paulo por ano em metros quadrados. Fonte: OLIVEIRA, 2008.

Imagem 51: Evolução do número de automóveis licenciados na cidade de São Paulo. Fonte: OLIVEIRA, 2008.

nas discussões e decisões do poder público17. O congestionamento da região central mostrava-se como um problema a ser enfrentado. Desse modo, os engenheiros da prefeitura, Francisco Prestes Mais e João Florence de Ulhôa Cintra, entre os anos de 1924 e 1926 publicam artigos que apresentaram “Os Grandes Melhoramentos de São Paulo” - artigos estes que foram alicerces para as diretivas do Plano de Avenidas. Na perspectiva dos engenheiros, os alargamentos das ruas Líbero Badaró, Benjamin Constant e Boa Vista - realizados na década de 1910 17 Deve-se lembrar que no ano de 1927 o governador do estado de São Paulo era Washington Luis e seu lema era: “governar é abrir estradas” (OLIVEIRA, 2008, p. 43).


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sob a administração de Raymundo Duprat - já estariam superados e não refletiam mais aos anseios do crescimento da cidade e seu futuro grandioso (RICCA JUNIOR 2003, p. 176 apud OLIVEIRA, 2008, p. 44). No ano de 1925, Ulhôa Cintra apresentou o projeto da Avenida de Irradiação que, de forma simples, formava um anel viário no centro da cidade. No período, o brilho da cidade estava sob o triângulo histórico e a chamada cidade nova, e a proposta espacial da Avenida de Irradiação denota este caráter. Seu percurso parte da Praça da República, sobrepõese sobre o Vale, transpassa o triângulo histórico até a Ladeira do Carmo, circunda o Parque Dom Pedro II e retorna à Praça da República através das ruas Senador Queiroz e dos Timbiras. Este anel central estava circunscrito em um panorama maior, no qual desenhava-se dois anéis exteriores - Bulevar Exterior no raio do leito ferroviário e o Circuito Parkways, às margens do Tietê, Pinheiros e Tamanduateí.

Imagem 52: Perspectiva o Vale do Anhangabaú no Plano de Avenidas (PRESTES MAIA, 1930). Fonte: OLIVEIRA, 2008.


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Imagem 53: Projeto da Avenida de Irradiação, 1925. Fonte: OLIVEIRA, 2008.

Imagem 54: Diagrama lógico do sistema viário paulista (PRESTES MAIA, 1930). Fonte: OLIVEIRA, 2008.


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9.1 Administrações públicas, intervenções urbanas e patrimônio (1934-1945) Fábio Prado (1887-1963) era filho de uma família tradicional da elite cafeicultora paulista e teve formação em engenharia na Bélgica. Antes de chegar à prefeitura, foi diretor da Federação das Indústrias de São Paulo e da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e também vereador. Sua administração estava alinhada à administração estadual, sob as rédeas de Armando Salles de Oliveira (que governou entre os anos de 1933 e 1936 como interventor federal). Dentre as novidades implantadas pela tutela de Fábio Prado, frisamos a criação do Departamento Municipal de Cultura (1935) sob a chefia de Mário de Andrade - como já vimos, personagem importante na criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e da cultura do patrimônio nacional, assim como também teve papel de destaque na Semana de 22. O departamento era composto por 5 conjuntos: Expansão Cultural, Bibliotecas, Educação e Recreio, Documentação Histórica e Social, Turismo e Divertimentos Públicos. Suas atividades obtiveram grande êxito e foram consideradas inovações para a época, tanto que cidades como Paris e Praga viram neste um referencial para constituir similares. Após a saída de Mário de Andrade da gestão do Departamento paulista para o SPHAN, observa-se um declínio nas atividades. Mesmo que ainda tenha mantido grandes verbas, como na gestão de Prestes Maia, o Departamento já não teve grande visibilidade. Outro ponto a se prestar atenção do governo de Prado é a nova construção do Viaduto do Chá.


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De maneira geral, a administração de Fábio Prado é entendida como uma primeira leitura de reflexão dos problemas sociais sob um ponto de vista científico (OLIVEIRA, 2008, p. 52), e também um salto nos melhoramentos públicos - ruas pavimentadas, construção de túneis, viadutos e edifícios públicos. As grandes obras urbanas deste período de administração encaixam-se em um panorama maior de continuidade entre os anos de 1930 e 1945, nas gestões: Pires do Rio, Fábio Prado e Prestes Maia. Com o golpe de Estado de Vargas no ano de 1937, Armando Salles de Oliveira foi tirado do governo paulista e, consequentemente, também Fábio Prado, sendo substituído por Prestes Maia. Francisco Prestes Maia (1896-1965), engenheiro formado pela Escola Politécnica de São Paulo, assumiu a administração da cidade no ano de 1938, após Adhemar de Barros tornar-se interventor federal no estado. Sua gestão tem grande ênfase nas obras públicas e ele era visto como “mestre de obras”, nas palavras de Mercel Oliveira (2008, p. 60). Em contraponto com as obras públicas, e principalmente de cunho viário, a cultura passa quase despercebida em seu governo, não fosse a continuação das obras da Biblioteca Municipal na esquina da Rua da Consolação com a Avenida São Luiz. “O urbanismo de paulista atravessa um período brilhante. Iniciados os primeiros trabalhos na administração Fábio Prado, coordenados e incrementados sob o governo passado, atingem presentemente, na Interventoria Fernando Costa, uma atividade inusitada. Depois da conclusão de obras


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importantes, como o Estádio, a Biblioteca Municipal, a Ponte Grande, as avenidas Ipiranga, Vieira de Carvalho e Senador Queiroz, têm lugar grandes empreendimentos novos, como as avenidas Anhangabaú Inferior, Duque de Caxias, as praças do Estádio, Carmo, Consolação e João Mendes, o prolongamento das avenidas Paulista, Pacaembu, Nove de Julho e Rebouças, o alargamento da Rua da Liberdade, os viadutos Jacareí, D. Paulina e Nove de Julho, as pontes Mercúrio, Indústrias e Pequena, a canalização do 3º e 4º trecho do Tietê e a do trecho final do Tamanduateí, numerosas praças e jardins de bairro, etc. Ainda não se acham estas concluídas, e já vão ser atacadas outras, como o Parque da Água Branca, o Monumento das Bandeiras, as avenidas Leste, Itororó, Rio Branco e Sumaré. Este acervo de concretas realizações comprova dum modo insofismável, no campo do municipalismo, a excelência do regime administrativo e das diretrizes implantadas pelo Presidente Vargas, pois não se conceberia no regime das disputas demagógicas, dos embaraços formalísticos e da incerteza financeira” (PRESTES MAIA, 1945, p. 05 apud OLIVEIRA, 2008, p. 61).


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9.2 Os edifícios públicos

Entre as décadas de administração que englobam os governos de Fábio Prado e Prestes Maia, a anatomia construtiva da cidade sofria forte influência da corrente chamada Art Déco - ainda que, segundo Oliveira (2008, p. 63), o termo tenha sido empregado apenas na década de 1960, a maturidade do estilo vinha em decorrência da Exposição de Artes Decorativas Industriais e Modernas de Paris em 192518. Como vimos, a entrada no século XX dotada do Ecletismo construtivo e, nas primeiras décadas do século começam a despontar influências do Art Déco e Modernismo. O Art Déco não era tido como um estilo efêmero e passageiro, mas sim um arauto da modernidade, de grande penetração na América Latina (CAMPOS, 2003, p. 02 apud OLIVEIRA, 2008, p. 63). A linguagem que nasce na França atinge rapidamente e de forma contundente o continente americano e pousa no centro histórico paulistano. Ainda que autores tenham divergência acerca dos componentes que identificam a linguagem arquitetônica do Art Déco, podemos mencionar alguns deles, como: tripartição dos edifícios em base, corpo e coroamento; integração entre arquitetura, interiores e design; embasamentos revestidos em mármores e granitos e valorização das esquinas. Campos (2003, p. 03 apud OLIVEIRA, 2008, p. 66) nos explica 18 Entre o final do século XIX e início do século XX, a França era o âmago das artes mundiais. Após o final da Primeira Guerra Mundial e seus reflexos, o cenário da França artística altera-se - a Beaux Arts estava enfraquecida.


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que não se tratava de um estilo “rupturista”, pois tomava partido de elementos previamente consagrados para constituir uma linguagem artística que fosse rica em repertório e linguagem compositiva. Ainda fazendo uso dos ornamentos, gera debate entre os estudiosos acerca de seu posicionamento histórico. Enquanto alguns teóricos dizem ser a última versão do Ecletismo, outros dizem ser a transição entre este e o Modernismo. Por outro lado, essa ruptura entre o Ecletismo e o racionalismo ortodoxo não se deu de maneira tão abrupta, como a corrente historiográfica sugere. No processo de consolidação do ideário moderno na arquitetura e urbanismo produzidos no início do século XX nas principais cidades latino-americanas, ações mediadoras têm sido negadas, como é o caso do Art Déco. [...] A expansão do Art Déco na América Latina disseminou-se com grande rapidez, em função do desejo político de se conferir uma identidade moderna a um ideário político de caráter fortemente nacionalista. Não ficou restrito a setores internos da elite, sendo absorvido por amplos setores da sociedade. (OLIVEIRA, 2008, p. 68)

Acerca das obras que carregam consigo o caráter Art Déco, chamamos atenção para a produção do arquiteto Elisiário Antônio da Cunha Bahiana, natural do Rio de Janeiro, mas que se transfere para São Paulo e projeta no centro o Edifício Saldanha Marinho (1929-1933), o Viaduto do Chá (1935-1938) e o Edifício João Brícola (Mappin Stores / 19361940). Importante salientar que estas três obras, ainda que inseridas no centro da cidade, estão no entorno do Vale do Anhangabaú, local de


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grande prestígio no período dos projetos. Logo após o aparecimento da corrente Art Déco, a paisagem urbana de São Paulo sofre influência dos traços da arquitetura fascista. Tal fato pode ser justificado pela presença do arquiteto italiano Marcello Piacentini19 (1881-1960) no Brasil, que ascendeu uma proposta de projeto para a Cidade Universitária no Rio de Janeiro e projetos para a família Matarazzo20. A linguagem de projeto adotada por Piacentini e, de certo modo o estilo fascista, era sinalizada pela monumentalidade. Esta linguagem foi incorporada por diversos projetos de edifícios no centro e também por residências nos chamados bairros-jardim, que começavam a despontar no quadrante da cidade entre a Avenida Paulista e o Rio Pinheiros. Dentre todos os projetos realizados por Piacentini, o que desponta em importância e que se mantém vivo e atuante na paisagem urbana paulistana, é o Edifício Sede das empresas do Conde Matarazzo. Localiza-se em um entroncamento no qual pode-se apontar a Praça do Patriarca, Rua Líbero Badaró, Viaduto do Chá e Vale do Anhangabaú. Não 19 Piacentini compunha uma das duas vertentes existentes no campo arquitetônico fascista da Itália no início do século XX. Uma de suas alegações era a superação do Ecletismo, pós Primeira Guerra Mundial. No cenário italiano, conquistou grande prestígio na época, e pôde realizar diversos projetos de monumentos, edifícios vastos, palácios e até conjuntos urbanos. 20 Família de origem italiana que se estabelece em São Paulo e ganha notoriedade no cenário da elite paulistana ao compor o maior complexo industrial da América Latina entre os anos iniciais do século XX


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apenas por sua localização superposta no cenário urbano-financeiro da cidade, carrega consigo a monumentalidade de ser o maior edifício revestido em travertino romano do mundo. Alicerçado nos traços fascistas da arquitetura - imponente, robusto, dotado de uma plástica racionalista, que estabelece a dinâmica compositiva da forma, pelos ritmos e hierarquias (TOGNON, 1999, p. 32 apud OLIVEIRA, 2008, p. 72) -, transmitia a noção do poder da elite financeira. Hoje, como edifício sede da Prefeitura Municipal de São Paulo, de forma similar reproduz o poder.

Imagem 55: Palacete Prates I (1908-19011), projeto Imagem 56: Edifício Sede das empresas do de Christiano Stockler das Neves e Samuel das Conde Matarazzo, atual Prefeitura de São Paulo. Neves. Antiga Prefeitura e Câmara Municipal de Fonte: Arquivo Arq, 2021. São Paulo - demolido em 1970. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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A grande questão é que o fascismo “já tinha se feito sentir há tempo em São Paulo, no campo moral e político, e tinha se espalhado para o campo específico da arquitetura, por intermédio do conhecimento das obras do Regime”. Tanto as autoridades fascistas e alguns membros da elite paulistana já tinham desenvolvido uma obra de propaganda entre os compatrícios. Além disso, a imprensa de leitores de língua italiana em São Paulo, como o jornal ``Fanfulla’’, contribuiu para difundir os ideais do regime fascista na cidade.” (OLIVEIRA, 2008, p. 73)

A visão arquitetônica e artística fascista que despontava na paulicéia não regeu sobre os pensamentos de todos profissionais e críticos destas áreas. Apresentamos uma consideração de Mário de Andrade - personagem já citado nesta pesquisa e de grande relevância que foi publicada em seu artigo para a Folha da Manhã em março de 1944. Em suma, o poeta registra sua aversão ao estilo fascista o classificando como “tumor” (OLIVEIRA, 2008, p. 73), especificamente direcionado ao edifício sede das empresas do Conde Matarazzo. “Ninguém ignora que os ítalos-brasileiros miliardários de São Paulo se tomaram de pavor diante dos berros e ameaças do sr. Ex-Mussolini. Até a serem controlados se sujeitaram, dizem. De tudo isso, o edifício Matarazzo há de ficar (ficará?) como denúncia arquitetônica entre nós. Porque ele é berro e paura, música-de-pancadaria deslumbrante e deslumbrante subserviência. [...] O edifício Matarazzo deslumbra, também, pela estupidez grossalana da massa e pela maravilhosa beleza da pedra de revestimento. Que pedra sublime, cruz-credo! Dá vontade de comer! Mas nem comidas, nem revestimentos ainda são arquitetura.” (Mário de Andrade in: XAVIER, 2003, p. 178 apud OLIVEIRA, 2008, p. 74)


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Imagem 57: Perspectiva do Edifício Conde Imagem 58: Vale do Anhangabaú e Viaduto do Matarazzo com novo viaduto do Chá. Chá, com edifício de Marcello Piacentini. Postal Fonte: OLIVEIRA, 2008. de 1955. Fonte: OLIVEIRA, 2008.


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9.2.1 A Biblioteca Municipal

Dentro da classe fascista, o edifício da Biblioteca Municipal é tido como o edifício público mais importante. Entretanto, o projeto não nasceu efetivamente de feição fascista. O projeto data do governo de Fábio Prado, e tinha por objetivo reunir as duas bibliotecas públicas da cidade: a biblioteca estadual - localizada na Praça João Mendes e a biblioteca municipal - localizada na Rua 7 de abril. O espaço cedido ao novo edifício localiza-se além Viaduto do Chá, na Rua da Consolação terras antes pertencentes ao Brigadeiro Luis Antônio. O desenho do edifício foi executado pelo arquiteto francês Jacques Pilon (1905-1962) e trazia consigo riscos do Art Déco. As obras iniciaram no ano de 1936 mas pausaram no mês de novembro do ano seguinte. Nesse ínterim, com a promulgação do Estado Novo e a deposição do prefeito Fábio Prado, Prestes Maia assume o cargo da administração municipal e decide promover alterações no projeto. Alterou-se questões em planta, sistema de iluminação, decoração e, de forma mais acentuada, a implantação de uma entrada monumental sustentada por 6 grandes pilares de secção quadrada. Para a arquiteta e pesquisadora Maria Lucia Bressan Pinheiro (1997, p. 147 apud OLIVEIRA, 2008, p. 103), o edifício se destaca em ser o mais importante devido a qualidade acerca do racionalismo estrutural do projeto. Constitui-se em dois volumes sobrepostos - um vertical com cerca de 20 andares e o outro horizontal. O volume horizontal caracteriza-se por abrigar exposições, salas de leitura, dependências de


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funcionários e administração, assim como o hall de entrada que possui pé direito proporcional à 7 andares do edifício mais alto. No edifício de volume vertical, sua maior característica era de abrigar a reserva técnica. “Para isso, para o dia 25 de janeiro de 1942, promoveu-se um programa de arromba, destinado a mostrar aos povos as realizações do Estado Novo em São Paulo. E marcou-se para serem inauguradas as duas mais grandiosas obras do Estado Novo: o edifício da Biblioteca e a Ponte das Bandeiras.” (DUARTE, 1985, p. 77 apud OLIVEIRA, 2008, p. 103)

Imagem 59: Construção da Biblioteca Municipal. Foto tirada por B. J. Duarte em 25 de outubro de 1939. Fonte: OLIVEIRA, 2008.


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Imagem 60: Foto da Biblioteca Municipal, 1945. Fonte: OLIVEIRA, 2008.


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9.2.2 O Viaduto do Chá

O primeiro Viaduto do Chá foi projetado no ano de 1877 por Jules Martin (1832-1906) e construído em estrutura metálica importada da Alemanha - como datado nesta pesquisa, sua inauguração ocorreu no ano de 1892. Inicialmente houve certa resistência com relação à construção do viaduto, principalmente da figura do Barão de Tatuí - proprietário da chácara que cultivava o chá. Com o crescimento financeiro, populacional e sobretudo espacial da cidade, o viaduto metálico não comportava mais a dinâmica urbana. A partir disso, na década de 1930, a prefeitura municipal decide demolir o viaduto e propor uma nova e maior estrutura em concreto armado, que se concretizou no ano de 1938. O arquiteto vencedor do concurso e responsável pelo novo projeto do viaduto foi o Elisiário Bahiana. Sua proposta foi de um viaduto com um arco central de 60 metros, justaposto de dois vãos de 17,5 metros. O projeto propõe o aproveitamento das áreas laterais abaixo das praças Ramos de Azevedo e do Patriarca, possibilitando a implantação da Galeria Prestes Maia, Escola Municipal de Bailado e Museu do Teatro Municipal.

Imagem 61: Perspectiva do Vale do Anhangabaú com Viaduto do Chá. Elisiário Bahiana. Fonte: OLIVEIRA, 2008.


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Imagem 62: Antigo Viaduto do Chá. Foto de B. J. Duarte, 1935. Fonte: OLIVEIRA, 2008.


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Imagem 63: Vista da Praça do Patriarca do Viaduto do Chá. Elisiário Bahiana. Fonte: OLIVEIRA, 2008.

Imagem 64: Desenho dos pilones do Viaduto do Chá. Elisiário Bahiana. Fonte: OLIVEIRA, 2008.

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Imagem 65: Projeto do Viaduto do Chá. Elisiário Bahiana. Fonte: OLIVEIRA, 2008.

Imagem 66: Projeto do Viaduto do Chá. Elisiário Bahiana. Fonte: OLIVEIRA, 2008.


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As transformações urbanas não cessam, e os tradicionais edifícios coloniais dão lugar aos ícones da modernidade e, com eles, o automóvel. No ano de 1934, implanta-se na Praça da Sé o marco zero, reconhecido como coração da cidade, ainda que nos registros históricos esse papel pertença ao Pátio do Colégio. E, com a construção do novo Viaduto do Chá, a Praça da Sé começa a perder destaque na cena elitista paulistana. Os comércios de luxo transferem-se agora para o “centro novo” - além Anhangabaú.

Imagem 67: Inauguração do Marco Zero de São Paulo. Fonte: São Paulo Antiga, 2015.


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Para preparação das comemorações do quarto centenário da cidade, em 1952 a Praça passou por uma nova reforma. Antes intrincada como um estacionamento, agora cede lugar a uma esplanada com mosaico em preto e branco modelado com pedras do tipo portuguesas dividindo espaço com palmeiras imperiais. Chegado o dia da comemoração, 25 de janeiro de 1954, inaugurase a nova Catedral - ainda por finalizar sua obra, e a estátua de José de Anchieta. Mesmo com o término das obras da nova Catedral em 1969, o movimento de esquecimento da praça continua em voga. Com a nova dinâmica e transformações no espaço urbano, o local acaba por se tornar um “dejeto no presente em meio a novas sociabilidades surgidas” (FREHSE, 1996, p. 124). Nestes anos de construção do novo templo a cidade mudou e o paulistano também mudou. Observando a Catedral, em eterna construção, o mais paulistano dos paulistanos, Mário de Andrade, já havia notado que é nas festas dos projetos de modernidade propostos para São Paulo desde o final do século XIX que germina a “minha alma” paulistana. Tal como “a catedral de São Paulo”, que “nunca se acaba”, a “alma” do poeta, do paulistano, não se acaba: está em eterna construção. Mesmo sendo “feita de pedras bonitas” o todo da Catedral é “horrível” - “como minha alma”. Perspicazmente, Mário sabe que o monumento surgiu “da necessidade” - das elites paulistanas, ávidas de símbolos que ilustrassem seu poderio? Sabe também que, mesmo contendo “pedras novas” e modernas, as “antigas” insistem em persistir, lembrando outros tempos, outros espaços - de um mais “sacro (...) edifício”? E prevê Mário o destino da Catedral que é “de se acabar, mas que depois se destruirá” - e de tantos


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outros elementos do espaço físico paulistano que, “como o meu corpo” material, se transformam em pó (FREHSE, 1996, p. 146-147).

Imagem 68: Fotografia da primeira inauguração da Catedral da Sé. Fonte: VERMEERSCH, 2020.


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Assim como tratamos sobre o centro histórico de São Paulo em seu movimento de transmutação, é possível elencarmos alguns exemplos de edifícios que passam por essas metamorfoses. Este é o caso do Edifício São Marcos, situado na Praça da Sé. O atual edifício de traços modernos desponta na paisagem urbana desde 1959, sob desenho do arquiteto alemão Adolf Franz Heep (1902-1978). Entretanto, como nos elucida Marília Oliveira (2020, p. 03), antes de ser estabelecido o edifício moderno, existia no mesmo lote e em mesma projeção, um edifício de características tradicionais ecléticas - o Edifício da “Previdência” Caixa Paulista de Pensões. Tal exemplar havia sido erguido no ano de 1912, com projeto do engenheiro-arquiteto italiano Julio Micheli - profissional que teve notável produção arquitetônica e urbana entre 1888 (ano de sua chegada ao Brasil) e 1919 (ano de seu falecimento). Dentre seus principais exemplares estão: o Viaduto Santa Ifigênia (inaugurado em 1913, elaborado em estrutura metálica belga com desenho Art Nouveau que compõe a cena do Vale do Anhangabaú) e a Santa Casa de Misericórdia (quando se associa ao arquiteto Luigi Pucci).

Imagem 69: Viaduto Santa Ifigênia. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 70: Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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Ainda que a projeção do edifício não tenha sofrido intensa modificação, ao olharmos para sua volumetria, não chegamos a esta mesma conclusão. Alavancados por um processo intenso de verticalização, novos coeficientes de aproveitamento e normas para iluminação permitem a “extrusão” da forma do edifício.

Imagem 71: Edifício São Marcos visto da Praça da Sé, 2010. Fonte: OLIVEIRA, 2020.


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Imagem 72: Vista da Rua Anchieta e 15 de Novembro, 1925. Fonte: OLIVEIRA, 2020.

Imagem 73: Mapa Vasp Cruzeiro, 1954. Fonte: OLIVEIRA, 2020..

Imagem 74: Ortofoto MDC, 2004. Fonte: OLIVEIRA, 2020.


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Este período de tempo no século XX tem como demarcação o estabelecimento de São Paulo como uma cidade grande - a busca pela modernidade resultou em projetos de intervenção urbana. Percebemos uma nítida mudança na feição estética da cidade entre as duas décadas do século e após as administrações públicas da década de 1920 e seguintes. Um grande marco que este período nos traz é o início do declínio do triângulo histórico na vida social do paulistano. Ou seja, como o movimento da elite em valorizar a cidade nova acaba por refletir negativamente o núcleo histórico urbano da cidade.

As grandes intervenções municipais realizadas por Fábio Prado e Prestes Maia apagaram o cenário harmônico e pacato que caracterizava São Paulo antes de suas gestões e abriram caminhos para deixar a cidade como a conhecemos hoje. A ornamentação dos edifícios, o cuidado com os detalhes nas fachadas, as alamedas tranquilas e os jardins bem cuidados da região central abriram espaço para a cidade veloz, de grandes avenidas, industrial, envergonhada de seu passado provinciano.” (OLIVEIRA, 2008, p. 123)

Imagem 75: Edifício Clube Comercial, localizado no Vale do Anhangabaú e demolido em 1969. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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Imagem 76: Panorama do Centro Novo de São Paulo. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Entre as décadas de 1930 e 1960, com o estabelecimento de uma arquitetura moderna, o Centro Novo, região conhecida como cidade nova, ganha diversos exemplares das chamadas galerias - edifícios que abrigam comércios, restaurantes, bares, entre muitos outros comércios e serviços, e sua maior característica é a de conectar duas ou mais vias por um percurso interno à quadra. Estes edifícios trazem consigo espaços


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de sociabilidade, a relação dos largos do passado agora introjetam o térreo como continuação do passeio público (que, por vezes, se estende à mezaninos) borrando as fronteiras entre o público e privado.

Imagem 77: Permeabilidade e espaços públicos no Centro Novo: (1) Praça da República; (2) Praça Dom José Gaspar; (3) Praça Ramos de Azevedo e (4) Largo do Paissandu. Fonte: COSTA, 2010.


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Imagem 78: Um exemplar das galerias comerciais existentes no Centro Novo, A Galeria Nova Barão (1962) de Maria Bardelli e Ermano Siffredi. Fonte: MEYER et al., 2018.

Ainda na década de 1930 nasce na Praça da República o prenúncio de edifícios que surgiriam na região. O Edifício Esther foi o primeiro edifício de preceitos completos modernistas e que, além da galeria no térreo, em seus andares, comparecem escritórios e moradias. Projetado pelos arquitetos Álvaro Vital Brazil (1909-1997) e Adhemar Marinho (19112000) em 1935 e inaugurado em 1938, foi palco para a vida do pintor Di Cavalcanti (1897-1976) e também para a primeira sede do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB).


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Imagem 79: Croqui Edifício Esther Adhemar Imagem 80: Álvaro Vital Brazil em frente ao Marinho e Álvaro Vital Brazil, via Revista Acrópole. Edifício Esther. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

O capítulo da história moderna paulistana conserva diversas edificações que são símbolos e estão inseridos na dinâmica urbana do paulistano. Situado em um período temporal no qual tem-se a profusão de correntes - trazidas do século XIX e aquelas alcançadas pela modernidade, observamos a pluralidade estilística e construtiva que representa este período. Para demarcar este momento e a quarta camada histórica, elencamos a divisão entre triângulo histórico e centro novo com as edificações: Palácio das Indústrias (1911-1924), Palácio da Justiça (1920-1933), Hotel Esplanada (1921-1923), Mercado Municipal (19221933), Edifício Sampaio Moreira (1922-1924), Edifício Alexandre Mackenzie


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(1924-1929), Edifício Rolim (1925), Edifício do Centro Cultural do Banco do Brasil (reformado e inaugurado em 1927), Faculdade de Direito (1930-1934), Edifício João Brícola/Mappin (1936-1939), Edifício Sede do Banco do Estado de São Paulo S.A. (1939-1947), Edifício Sede do Banco do Brasil (1942-1955), Edifício CBI Esplanada (1946-1951), Edifício do Banco Paulista do Comércio (1947-1950), Sede do IAB-SP (1947-1950), Edifício e Galeria Califórnia (19501955), Edifício Copan (1952-1966), Edifício Conde de Prates (1952-1957), Edifício Triângulo (1953-1955), Edifício Ordem dos Advogados (1955), Galeria Metrópole (1956-1964), Edifício Barão de Iguape (1956-1959), Edifício Itália (1960-1965), Edifício Mirante do Vale (1960-1966) e Hotel Hilton (1963-1971).

Imagem 81: Qarta camada histórica. Fonte: Autor, 2021.



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Imagem 82: Palácio das Indústrias, projeto de Imagem 83: Palácio da Justiça, projeto de Felisberto Ranzini Imagem 84: Hotel Esplana Domiziano Rossi. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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ada, projeto de Joseph Gire. Imagem 85: Mercado Municipal, projeto de Felisberto Imagem 86: Edifício Sampaio Moreira, projeto de Ranzini. Christiano Stockler das Neves e Samuel das Neves. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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Imagem 87: Edifício Alexandre Mackenzie, projeto de Imagem 88: Centro Cultural Banco do Brasil. John Pollock Curtis, William P. Preston. Fonte: Guia das Artes, 2021. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 89: Edifício Rolim, Hippolyto Gustavo Pujol Júnio Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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projeto de Fred Reimann, Imagem 90: Faculdade de Direito, projeto de Ricardo Imagem 91: Edifício João Brícola/Mappin, projeto de or e Tito de Carvalho. Severo Elisiário Bahiana. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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Imagem 92: Edifício Sede do Banco do Estado de São Imagem 93: Edifício Sede do Banco do Brasil, projeto de Imagem 94: Edifício CBI Es Paulo S.A., projeto de José Camargo e Plínio Botelho do Caio Pedro Moacyr. Korngold. Amaral. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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splanada, projeto de Lucjan Imagem 95: Edifício do Banco Paulista do Comércio, Imagem 96: Sede do IAB-SP, projeto de Abelardo de projeto de Rino Levi. Souza, Galiano Ciampaglia, Hélio Duarte, Jacob Ruchti, Fonte: Arquivo Arq, 2021. Miguel Forte, Rino Levi, Roberto Cerqueira César, Zenon Lotufo. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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Imagem 97: Edifício e Galeria Califórnia, projeto de Imagem 98: Edifício Copan, projeto de Oscar Niemeyer. Oscar Niemeyer. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 99: Edifício Conde d Mathias, Giancarlo Palanti. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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de Prates, projeto de Alfredo Imagem 100: Edifício Triângulo, projeto de Oscar Niemeyer. Imagem 101: Edifício Ordem dos Advogados, projeto Fonte: Arquivo Arq, 2021. de Luiz Roberto Carvalho Franco, Rino Levi e Roberto Cerqueira César. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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Imagem 102: Galeria Metrópole, projeto de Gian Carlo Imagem 103: Edifício Barão de Iguape, projeto de Gian Imagem 104: Edifício Mirant Gasperini, Salvador Candia. Carlo Gasperini, Jacques Pilon, John Ogden Merrill, Louis Kogan e Waldomiro Zarzur. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Skidmore, Nathaniel Owings. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


te do Vale, projeto de Aron Imagem 105: Edifício Itália, projeto de Franz Heep. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

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Imagem 106: Hotel Hilton, projeto de Ermano Siffredi, Maria Bardelli. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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10. São Paulo metrópole (1970-2000)

No período em que São Paulo ganha dimensão metropolitana, a noção de centro histórico altera-se. O que antes era conformado pelo distrito da Sé, e mais especificamente a colina histórica, a partir da década de 1970 acaba por englobar também o distrito da República conformando uma área de 4,4 km² na cidade (NAKANO et al., 2004, p. 124). O termo “Centro Novo”, que durante o século XX nomeou a região República, agora identifica a região entre a Avenida Paulista e o baixio do Rio Pinheiros. Ao passo em que as elites desenvolvem financeiramente e territorialmente este quadrante sudoeste da cidade, o centro histórico acaba por perder a sua “singularidade funcional”, usando o termo de Nakano; Campos e Rolnik (2004, p. 126). A constituição dos pólos administrativos, de consumo e de serviços nas avenidas Paulista, Engenheiro Luís Carlos Berrini, Brigadeiro Faria Lima e em alguns trechos da via marginal ao rio Pinheiros (avenida das Nações Unidas) revela a reconfiguração econômica-territorial das atividades que apresentam grande dinamismo e capacidade de polarização. A expressão “centro expandido” é insuficiente para designar esse fenômeno, pois não se trata de uma simples expansão do centro abarcando algumas áreas do quadrante sudoeste. Trata-se de um processo de mudança na própria configuração espacial das atividades centrais, principalmente naquelas de cunho administrativo empresarial, de cultura e lazer e nas formas de territorialização. Estas novas formas edificadas ocorrem seja a partir da substituição do patrimônio edificado pré-existente - a exemplo da avenida Paulista, cujos prédios de escritórios e apartamentos levantados nas décadas de 1970 e 1980 substituíram os palacetes dos tempos do café -, seja a partir do aproveitamento de áreas não ocupadas - a exemplo


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das operações imobiliárias conduzidas pela empresa BratkeCollet na avenida Luís Carlos Berrini nas duas últimas décadas. (NAKANO et al., 2004, p. 126) A transformação da própria Avenida Paulista que iniciou seu percurso concomitantemente à realização do Centro Novo, a abertura das avenidas Faria Lima e Luiz Carlos Berrini criadas nas décadas seguintes e acompanhadas de inúmeros desdobramentos, não chegaram a organizar espaços urbanos com os mesmos predicados do Centro Novo. (MEYER et al., 2018, p. 14-15)

O desaparecimento da singularidade funcional do centro histórico acarreta no aparecimento de edifícios vazios. Estes edifícios vazios não estão abandonados, mas sim fechados ou vagos - em tese, sem uso. Ao analisarmos a vacância das edificações, O’Flaherty (1998, p. 109 apud BOMFIM, 2004, p. 30) nos explica que tal consequência pode estar relacionada às características do espaço urbano, como por exemplo deterioração do imóvel e região, variação de preços, nível de qualidade, demanda e segregação. E, desta forma, sendo catalisado pelo capital imobiliário. Quando observamos o desenvolvimento urbano das áreas centrais, é possível perceber que se comporta tal como um gráfico da função do 2º grau - quando o valor do coeficiente a for menor que 0 -, dado que ascende e se desenvolve e, ao chegar no topo, muda de direção e vêse o declínio. É neste momento de incerteza que pode ser estabelecido o processo especulativo e de experimentações, segundo Bomfim


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(2004, p. 31). Isto posto, avaliamos que o papel do poder público é de fundamental influência na concretização da recuperação, renovação ou requalificação urbana de áreas degradadas. Hoje, após a total concretização deste processo de abandono do centro por parte do polo financeiro, conseguimos observar na fisionomia urbana paulista que diversos edifícios continuam obsoletos. Compreende-se, portanto, que os vazios construídos para o setor privado são indicadores que orientam os investimentos e as futuras aplicações. O acompanhamento dos vazios construídos permite o conhecimento da relação de oferta e demanda, permitindo assim previsão de riscos, retorno e lucratividade de investimentos imobiliários. O conhecimento dos vazios para o setor público permite a definição de aplicação de recursos para as políticas públicas. No caso das áreas centrais, são vazios intrínsecos aos processos de recuperação, requalificação, renovação ou reabilitação urbana. (BOMFIM, 2004, p. 31-32)

Em grande expansão, aliado à São Paulo metrópole, corria também os planos do metrô paulista. A evolução da chamada Rede Básica do Metrô se desenvolveu entre os anos de 1968 e 1985, e foi a primeira rede concebida através do consórcio HMD21 para a nova Companhia do Metropolitano de São Paulo. Adjacente ao triângulo histórico, o plano básico propunha a estação D. Pedro II como uma estação de conexão, 21 Consórcio formado por 3 empresas. Sendo composto por 2 empresas alemãs e 1 brasileira, respectivamente: Hotchief, Montreal e Deconsult.


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possibilitando a transferência das linhas Sudoeste Sudeste e Nordeste Noroeste (atuais 4-Amarela e 3-Vermelha).

Imagem 107: Evolução da rede básica do metrô e as estações de conexão. Fonte: OAKLEY, 2017.

No ano de 1975 a Rede Básica se formaliza como uma revisão dos estudos desenvolvidos em 1968 e propõe algumas alterações. No meio destas alterações, marcamos a substituição da linha Casa Verde-Vila Maria para a linha Lapa-Itaquera, em razão de influenciar fundamentalmente a configuração espacial definitiva da estação Sé, e consequentemente sua projeção de área ocupada do triângulo histórico, como nos explica Tiago


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Oakley (2017, p. 86). A estação da Sé caracteriza-se em ser o principal ponto nodal do transporte sobre trilhos na capital paulista. Entretanto, sua proposta original não coincide com sua conformação atual. No plano de 1968, havia sido proposta como Estação Clóvis Bevilácqua, ao passo em que localizava-se na praça de mesmo e defronte ao Palácio da Justiça. De imediato a proposta para a estação de metrô compreendia-se subterrânea e com uma grande claraboia alinhada ao eixo da praça e do edifício do Palácio da Justiça - neste momento, a Praça da Sé, vizinha à Praça Clóvis Bevilácqua, comportava um terminal de ônibus.

Imagem 108: Praça Clóvis Bevilácqua e Palácio Imagem 109: Terminal de ônibus em frente à da Justiça. Ao fundo, a construção da cúpula da Catedral da Sé. Catedral da Sé. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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Imagem 110: Estação Clóvis Bevilácqua (anteprojeto de Marcello Fragelli). Fonte: OAKLEY, 2017.

Incorporado no traçado inicial do Plano, previa-se uma segunda linha, também subterrânea, na região da Avenida Celso Garcia/Baixada do Glicério. Contudo, por ser uma região de baixio - local antes do serpenteio do Rio Tamanduateí -, encontraram dificuldades para lidar construtivamente com o terreno pantanoso. Com isso, tem-se a revisão da configuração espacial do traçado e uma nova proposta, como explica


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o engenheiro Plinio Assmann: “A evidência impôs. Mudar o projeto da Estação da Sé, ligar as duas praças Sé e Bevilácqua numa só e enorme praça e com isso abrir um grande espaço público no centro e reduzir as obras da estação para algo como a metade.” (ASSMANN, 2013, p. 203 apud OAKLEY, 2017, p 94)

Ao observarmos a organização atual da Praça da Sé, confirmamos que a proposta de aglutinar as duas praças existentes se concretizou. Para que esta grande obra pudesse ser realizada, foi necessário desapropriar e demolir edifícios que estavam no entremeio das praças. Como é o caso do Palacete Santa Helena e do Edifício Mendes Caldeira.

Imagem 111: Palacete Santa Helena, projeto de Giacomo Corbeli, José Sacchetti - demolido em 1971. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 112: Demolição do Edifício Mendes Caldeira em 1975, projeto de Jorge Zalszupin, Lucjan Korngold. Fonte: Arquivo Arq, 2021.


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Os arquitetos da companhia já haviam proposto e conseguido a demolição de todo um quarteirão entre as praças da Sé e Clóvis Bevilácqua, para localizarem ali a enorme estação de transferência. Como cobertura desse espaço subterrâneo, propuseram uma grande praça pavimentada, com apenas uma estreita faixa ajardinada. Bem no meio e em forma de C projetaram uma passarela pesadíssima sobre pilotis, verdadeiro viaduto que, visto do limite inferior da praça, pareceria um embasamento do Palácio da Justiça. (...) pedi ao colega que conversasse com o autor do projeto e tentasse convencê-lo a criar uma praça verde sobre a estação, o que era tecnicamente muito possível. Pedi também que o convencesse da conveniência da abertura do subsolo no nível da rua, para que o céu pudesse ser visto de baixo. (FRAGELLI, 2010, p. 280 apud OAKLEY, 2017, p. 98) A praça que marca literalmente o centro da cidade é dotada de uma forte carga simbólica e dominada por pedestres, que contam com um sistema de ruas exclusivas que se desenvolve em direção ao Anhangabaú. (OAKLEY, 2017, p 102)

Imagem 113: Praça da Sé. Plantas das configurações nos momentos históricos: 1889, 1954 e 1978. Fonte: OAKLEY, 2017.


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É possível montarmos um paralelo de análise entre a constituição da Catedral da Sé e a grande Praça da Sé. Mesmo que pautada sob justificativas técnico-construtivas acerca do traçado metroviário, a constituição da Praça da Sé como a vemos hoje também foi um movimento de demarcação do sítio. Assim como a nova Catedral foi erguida como símbolo de progresso e modernidade na São Paulo do início do século e que resultou em grande área de demolições, da mesma maneira a construção da nova estação-praça, como símbolo de uma São Paulo do progresso, e sobretudo agora de dimensões metropolitanas, também resultou em demolições. Esta ação, dentre muitas outras demarcadas nesta pesquisa, reforça o sentido do centro histórico de São Paulo como um palimpsesto. Ou seja, de como projetos de modernidade são sobrepostos em camadas históricas. E, ao longo do século XX, observamos que as obras de cunho viário implementadas, sobretudo a partir do Plano de Avenidas, tiveram como desfecho ilhar o centro histórico. Durante todo o período, foram constituídas vias arteriais expressas, elevados, pontes e viadutos, sinalizando e buscando uma dimensão metropolitana, do macro-acesso. Com isso, a acessibilidade na escala local do centro histórico foi prejudicada (ver imagem 114). Sendo grande local de concentração dos transportes públicos, desde os anos 1940 com a substituição dos bondes, a região do centro histórico sofreu forte popularização. Este fator aumenta quando inaugura-se o modal do transporte metropolitano sobre trilhos. O transporte feito por


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Imagem 114: Histórico das intervenções na área central - Transporte coletivo de massa - 4º momento (a partir de 1975). Fonte: NAKANO et al., 2004.


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linhas de ônibus começa a se multiplicar e, a partir da década de 1960, são improvisados terminais urbanos nas regiões do Parque Dom Pedro II, Praça da Bandeira e Princesa Isabel. Um marco que chamamos atenção é o movimento de pedestrianização que ocorreu nas ruas do centro histórico, transformando-as em calçadões entre 1975 e 1978 - efeito possibilitado após a criação da CET22 em 1976. Com isso, as elites longe e a intensa popularização, o centro histórico passa a comportar comércios e serviços de caráter popular. Tal fenômeno solidifica-se na década de 1980 (NAKANO et al., 2004, p. 138). 22

Companhia de Engenharia de Tráfego.

Imagem 115: Rua Senador Paulo Egídio, 1977. Fonte: PMSP, 2021.


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Imagem 116: Perímetro da contra-rótula e calçadões (azul). Fonte: PMSP, 2021.

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O centro passa, então, a ser utilizado por uma população de menor poder aquisitivo e seus espaços, ocupados pelas estratégias de sobrevivência dos segmentos empobrecidos - sem-teto, ambulantes, desempregados, moradores de rua e demais setores excluídos dos circuitos produtivos formais. A macro e a micro-organização do sistema de transporte coletivo condiciona os fluxos de pedestres no centro histórico e induz à ocupação da economia informal nos espaços públicos. Isso, por sua vez, acentua a fuga das camadas dominantes e a desvalorização imobiliária, realimentando o processo. (NAKANO et al., 2004, p. 138)

As transformações ocorridas no centro histórico sempre tiveram como plano de fundo legislações urbanas. Não diferente, nas décadas de 1970 e 1980, o poder público utiliza-se do zoneamento como principal meio para as regulações urbanas. O histórico de normas e leis do passado reforçaram o perfil elitista do território, assim como por meio dos Códigos de Obras - entre as décadas de 1920 e 1930 -, viabilizou-se a verticalização das edificações. A partir do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (1971), foi concebida a legislação de zoneamento e ocupação do solo no ano de 1972. Esta legislação foi baseada nos planos norte-americanos e se debruçou nos detalhes para a região central. Como exemplo, na zona de maior densidade de ocupação e variedade de usos, o coeficiente de aproveitamento máximo permitido era de 3,5 vezes a área do lote, com taxa de ocupação de 80%. Na segunda metade do século XX o Vale do Anhangabaú ganha novo significado para a sociedade. Em seu histórico carrega consigo a marca de ter sido “fundo” da cidade até meados do século XIX e com


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o advento da ferrovia, tornou-se a “porta de entrada” da cidade. Ao se tornar extensão da porta de entrada, novas funções passaram a integrar a dinâmica espacial do vale. Grandes empreendimentos, residências e centro financeiro e de negócios passaram a tomar as bordas do local - o que resultou em projetos de embelezamento para a área. Entretanto, como consequência do Plano de Avenidas, vê-se uma remodelação do Anhangabaú para atender aos interesses do mercado imobiliário e da indústria automobilística (ROLNIK, 1997 apud TONTI, 2017, p.4). Projeto que se concretiza na década de 1950, transformando o vale em uma grande avenida, fazendo a ligação norte-sul da cidade.

Imagem 117: Perímetro da contra-rótula e calçadões (azul). Fonte: Revista Sampa Histórica, 2013.


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Após a transferência do centro econômico e cultural da cidade para o quadrante sudoeste, o declínio e a deterioração do espaço central também abrangeu a área do Vale. Com isso, na década de 1980, a Prefeitura Municipal através da EMURB23, realiza o Concurso Público Nacional para a Elaboração de Plano de Reurbanização do Vale do Anhangabaú em parceria com com o Instituto de Arquitetos do Brasil, o qual tem como vencedor o projeto do arquiteto Jorge Wilheim em parceria com a arquiteta paisagista Rosa Kliass. O projeto se desenvolve por cobrir as vias com uma laje transformando a ligação norte-sul em um túnel - que abriga recintos ajardinados e espaços abertos, uma grande esplanada. O espaço converte-se em palco para vivências culturais, manifestações e convívio. No ano de 1991 é tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da cidade de São Paulo (CONPRESP), por seu “valor histórico, social e urbanístico representado pelos vários modos de organização do espaço urbano” (RESOLUÇÃO N. 37/92 apud TONTI, 2017, p.8).

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Empresa Municipal de Urbanização, hoje com o nome de SP-Urbanismo.


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Imagem 118: Projeto vencedor do concurso. Imagem 119: Vista do Vale do Anhangabaú, anos Perspectiva com a “Praça para comícios e 2000. eventos públicos” em primeiro plano. Fonte: Archdaily Brasil, 2020. Fonte: TONTI, 2017.


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10.1 Partida e chegada

Da mesma maneira em que foi norteada a investigação desta pesquisa com as iniciais intervenções no Pátio do Colégio, assim também balizamos o último ato na mesma localidade de forma proposital, visto a intencionalidade da intervenção. Tal como apresentamos a metáfora do professor Benedito Lima de Toledo - a São Paulo do século XIX desenvolvendo-se em três diferentes cidades -, o Pátio do Colégio também é atravessado por três metamorfoses ao longo de sua existência. Suas mutações acompanham e expõem esse movimento de transição entre as formas de cidade, e acaba por tornar-se testemunha e representante guardião dessas três cidades (FORTUNATO, 2014, p. 105). Assim como Lima (1999 apud FORTUNATO, 2014, p. 106) descreve: o que aconteceu com o Pateo foi o que aconteceu com a própria cidade à sua volta. Como dito anteriormente, as instalações do Pátio foram estabelecidas pela missão jesuítica e comportou suas atividades até serem expulsos da colônia - de forma que suas instalações eram dotadas de boa infraestrutura, passaram a ser sede do governo do Estado. O conjunto de construções passou por diversas modificações construtivas, até que no fim do século XIX, tem-se a demolição do conjunto colégioigreja, ainda de taipa, para abrigar o novo Palácio do Governo, em estilo neoclássico. Seria esta, uma das marcas da transição entre a “cidade de taipa” - em sua imagética acanhada - para a “metrópole do café” - no poderio financeiro.


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O coração vivo paulistano, como Fortunato denomina o Pátio do Colégio (2014, p. 122), ainda perpassa por mais uma fase - a retomada de sua imagem colonial. O Palácio do Governo é demolido para construção do conjunto colégio-igreja como uma réplica jesuítica - conjunto inaugurado no ano de 1979. Anos antes, em 1925, instalou-se no Pátio o monumento Glória Imortal aos Fundadores da Cidade, compreendido por Ivan Fortunato (2014, p. 125) como um “símbolo do remorso” pela destruição de patrimônio secular.

Imagem 120: O Pátio como palimpsesto. Fonte: FORTUNATO, 2014.

Imagem 121: O Palácio do Governo nos cartões-postais de Gaensly. Fonte: FORTUNATO, 2014.


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Imagem 122: Monumento Glória Imortal aos Fundadores da Cidade. Fonte: Acervo Digital da Unesp, 2015.


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A reconstrução das instalações do colégio-igreja dos jesuítas pode ser considerada como um desejo de conexão com a memória da cidade, ainda mais se observada com sua via contígua - Rua Roberto Simonsen, que é compreendida com o último vestígio do urbanismo inicial de São Paulo (TOLEDO, 1983, p. 5). A gênese deste pensamento se desenvolve na década de 1950 em vias de comemoração do aniversário de São Paulo neste mesmo período existia um forte movimento para finalização da construção da Catedral da Sé e construção do Parque do Ibirapuera. Ao demolir as estruturas do Palácio do Governo, encontraram uma parede de taipa originária dos tempos passados. Nas palavras de Salgado (1976, p. 136 apud FORTUNATO, 2014, p. 132), essa relíquia engloba “derradeiros vestígios de um passado longínquo, que sobravam no Pátio do Colégio, como espectros perdidos numa floresta de arranhacéus”. Hoje a parede histórica encontra-se exposta no interior do Museu Anchieta.

Imagem 123: Descoberta a secular parede de Imagem 124: A réplica do passado, agora igreja taipa de pilão, no Pátio do Colégio. e museu, inaugurados em 1979. Fonte: FORTUNATO, 2014. Fonte: FORTUNATO, 2014.


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Com tudo isso, a partir do croqui elaborado por Ivan Fortunato (2014), conseguimos observar nas vistas do Pátio do Colégio como perpassam as três cidades representadas: (A) a representação da pacata cidade de taipa, rememorando a memória da fundação e seus primeiros séculos de vida; (B) a ascensão da metrópole do café e (C) a cidade moderna, industrializada, com vista aos céus com a verticalização.

Imagem 125: A partir do Pátio, elementos representativos de cada uma das “três cidades”. Fonte: FORTUNATO, 2014.


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Em suma, ao perpassar pelas camadas - sendo elas: (1) delimitação do muro inicial da Vila; (2) superação dos limites físico-naturais; (3) expansão e consolidação sentido Anhangabaú e (4) consolidação do Centro Novo em além Vale do Anhangabaú - conseguimos ter um panorama de como o centro histórico se modificou. Este condição mostra-se de forma clara ao compreendermos a quinta camada histórica, a qual nos aponta: a mudança espacial na noção de centro histórico, a remodelação da Praça da Sé após as obras da estação de metrô, o Vale novamente como parque e o monumento Glória Imortal aos Fundadores da Cidade no Largo do Pátio do Colégio.



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Imagem 126: Quinta camada histórica. Fonte: Autor, 2021.

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PARTE III Diretrizes de projeto Capítulo disposto como diretrizes de projeto na elaboração do projeto de expografia.


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11. Diretrizes gerais

As diretrizes de projeto aqui desenvolvidas levam em consideração a concepção de um estudo propositivo básico, visto que para a elaboração de um projeto expográfico é necessário a composição de uma equipe multidisciplinar, como tratado na parte I deste trabalho. À vista disso, com o objetivo de comunicar e instruir a leitura e reconhecimento das camadas históricas, de relações de sociedade e de projetos de modernidade que tiveram como resultado a constituição e intervenções no espaço físico do Centro Histórico da cidade de São Paulo, propõe-se a formulação do conjunto expositivo avessos: exposição histórico-urbana do centro de São Paulo. Objetiva alcançar o público diário corriqueiro que utiliza o centro histórico - moradores, trabalhadores e transeuntes (turistas ou não), através de conjuntos de módulos expositivos e itens da comunicação visual locados em espaços mapeados. A experiência de ativação do sujeito deve ser pautada nas atividades da educação patrimonial, que podem ser desenvolvidas em parceria com órgãos/entidades do patrimônio. Configura-se como uma exposição temporária e de circuito sugerido, uma vez que o conjunto expositivo intenta ser implantado em uma área urbana de grandes proporções. O local de exposição, de maneira ampla, localiza-se no espaço do centro histórico de São Paulo, entendido como junção entre o triângulo histórico (originário da formação da cidade) e expansão do centro da cidade do século XIX.


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11.1 Sistema de Expografia e Mapeamento

Sistema de Expografia: os espaços expositivos foram categorizados em: (1) Espaços âncoras e (2) Demais espaços. Os Espaços âncora subdivididos em espaços públicos, edifícios religiosos e edifícios culturais, são os locais que receberão a implantação dos conjuntos expográficos e flâmulas de identificação. Os Demais espaços são locais ou edificações que receberão apenas a flâmula de identificação - para este conjunto, a flâmula será dotada de um pequeno texto da obra e ficha técnica. (1) Espaços âncora Espaços Públicos: Pátio do Colégio/Praça Padre Manoel da Nóbrega, Praça da Sé/Praça Clóvis Bevilacqua, Praça Antônio Prado, Praça do Patriarca/Viaduto do Chá, Largo São Francisco/Praça do Ouvidor, Anhangabaú, Largo do Paiçandu, Largo São Bento, Praça Ramos de Azevedo/Vale do Anhangabaú, Praça da República, Largo da Memória, Estação da Luz/Praça da Luz, Praça Dom José Gaspar e Calçadões. Edifícios Religiosos: Catedral da Sé, Mosteiro de São Bento, Igreja São Francisco, Basílica José de Anchieta, Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Edifícios Culturais: CCBB, Caixa Cultural, Praça das Artes/Centro Cultural dos Correios, Sesc 24 de Maio, Teatro Municipal, Biblioteca Mário


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de Andrade, Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Mercado Municipal, Pinacoteca. (2) Demais espaços: Quartel da Polícia Militar, Antiga Escola Normal, Escola de Comércio Álvares Penteado, Edifício Martinelli, Edifício Matarazzo, Viaduto Santa Ifigênia, Edifício Esther, Palácio das Indústrias, Palácio da Justiça, Edifício Sampaio Moreira, Edifício Alexandre Mackenzie, Edifício Rolim, Edifício João Brícola, Edifício Banespa, Edifício CBI Esplanada, Sede do IAB-SP, Edifício e Galeria Califórnia, Edifício Copan, Edifício Triângulo, Galeria Metrópole, Edifício Mirante do Vale, Edifício Itália. Compete dispor no mapeamento e concepção do conteúdo, a diretriz para englobar as obras de arte dispostas no espaço público.


Imagem 127: Recorte do Centro Histórico com demarcação dos locais para a exposição. Fonte: Autor, 2022.

Espaços âncora Demais espaços

Curso d’água Praças e Parques


Imagem 128: Recorte do Centro Histórico com demarcação dos Espaços âncora - espaços públicos. Fonte: Autor, 2022.

Espaços âncora espaços públicos

Curso d’água


Imagem 129: Recorte do Centro Histórico com demarcação dos Espaços âncora - edifícios religiosos. Fonte: Autor, 2022.

Espaços âncora edifícios religiosos

Curso d’água


Imagem 130: Recorte do Centro Histórico com demarcação dos Espaços âncora - edifícios culturais. Fonte: Autor, 2022.

Espaços âncora edifícios culturais

Curso d’água


Imagem 131: Recorte do Centro Histórico com demarcação dos Demais espaços. Fonte: Autor, 2022.

Demais espaços

Curso d’água


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12. Identidade visual

Definindo-se pelo conjunto de elementos gráficos que constituem a comunicação do projeto, somado às condições propostas - exposição em percurso urbano, vias, praças e parques, a elaboração das diretrizes de composição da identidade visual levaram em consideração os conceitos de: versatilidade, dinamismo e deslocamento. Escolha cromática: a escolha cromática tomou como base a percepção ambiental e os aspectos cognitivos de pessoas com deficiência visual, ou seja, o processo de interação entre o sujeto e o ambiente. Com este fator, a temperatura de cor possui importância primordial, pois as cores tidas como quentes e mais saturadas, acabam por chamar mais destaque no cenário urbano devido seu contraste e pela maior facilidade de captura de informações através da estrutura cognitiva humana. As cores quentes contrastam com as estruturas existentes, em contraposição com as cores mais frias, ou seja, as cores mais chamativas tendem a atrair a percepção do sujeito e, consequentemente, induzir a parada-visitação. Com isso, foi selecionada uma paleta contendo 06 cores: rosa, vermelho, laranja, amarelo, azul e verde. As cores quentes desta paleta se direcionam aos Espaços âncora e à comunicação publicitária (flâmulas e demais itens de comunicação), as cores frias destinam-se às flâmulas para os Demais espaços e também à comunicação publicitária.


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Espaços âncora Espaços públicos

Demais espaços

Edifícios religiosos

Edifícios culturais

Imagem 132: Diagrama da paisagem urbana do Centro Histórico de São Paulo. Fonte: Autor, 2022.

Rosa #aa5376

Vermelho #c30133

Laranja #fb5731

Cores quentes

Amarelo #fbc200

Azul #3a5367

Verde #6d847e

Cores frias

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12.1 Logotipo e ícone

O desenho do logotipo também parte dos coneitos de versatilidade, dinamismo e deslocamento somados aos fatores de fácil identificação, popular e descontraído com propósito de transmitir as caracterísitcas da exposição aos visitantes. A partir das escolhas tipográficas, foram modificados os caractéres para incorporação dos conceitos. A letra e foi espelhada em seu eixo para fazer alusão aos avessos e a letra o foi segmentada com finalidade de demonstrar movimento e dinamismo. O desalinhamento do subtítulo indica o deslocamento. Tipografia: a escolha tipográfica preocupou-se em selecionar fontes com utilização gratuita.

O título avessos é composto pela fonte Syncopate Bold. abcdefghijlmnopqrstuv xz 1234567890 O subtítulo exposição histórico-urbana do centro de São Paulo é composto pela fonte Mukta Bold. abcdefghijlmnopqrstuvxz 1234567890


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Imagem 133: Logotipo da exposição Avessos. Fonte: Autor, 2022.

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Ícone: o desenho do ícone desenvolvido partiu das ações de espelhamento da letra e e do recorte da letra o. Visa transmitir a rápida comunicação da exposição em suas aplicações de forma minimalista e singular.

Imagem 134: Ícone da exposição Avessos. Fonte: Autor, 2022.


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12.2 Aplicação publicitária

O estudo de aplicações publicitárias tomou como base a divulgação da exposição a partir de ambientes de passagem, sejam urbanos abertos ou inseridos em ambientes edificados.

Imagem 135: Aplicação publicitária em painel de parada de ônibus 01. Fonte: Autor, 2022. Imagem 136: Aplicação publicitária em painel de parada de ônibus 02. Fonte: Autor, 2022.


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Imagem 137: Aplicação publicitária em painel urbano 01. Fonte: Autor, 2022. Imagem 138: Aplicação publicitária em painel urbano 02. Fonte: Autor, 2022.

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Imagem 139: Aplicação publicitária em painel de estação de metrô 01. Fonte: Autor, 2022. Imagem 140: Aplicação publicitária em painel de estação de metrô 02. Fonte: Autor, 2022. Imagem 141: Aplicação publicitária em painel de estação de metrô 03. Fonte: Autor, 2022.


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Imagem 142: Aplicação publicitária em painel de estação de metrô 04. Fonte: Autor, 2022.

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Imagem 143: Aplicação publicitária em banner urbano 01. Fonte: Autor, 2022. Imagem 144: Aplicação publicitária em banner urbano 02. Fonte: Autor, 2022. Imagem 145: Aplicação publicitária em banner urbano 03. Fonte: Autor, 2022.


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Imagem 146: Aplicação publicitária em banner urbano 04. Fonte: Autor, 2022.

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Imagem 147: Aplicação publicitária em poster. Fonte: Autor, 2022.


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Imagem 148: Aplicação publicitária em grade organizadora 01. Fonte: Autor, 2022. Imagem 149: Aplicação publicitária em grade organizadora 02. Fonte: Autor, 2022.

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Imagem 150: Aplicação publicitária em flâmulas para paredes cegas (medianeras) 01. Fonte: Autor, 2022. Imagem 151: Aplicação publicitária em flâmulas para paredes cegas (medianeras) 02. Fonte: Autor, 2022. Imagem 152: Aplicação publicitária em flâmulas para paredes cegas (medianeras) 03. Fonte: Autor, 2022.


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Imagem 153: Aplicação publicitária em flâmulas para ambientes internos 01. Fonte: Autor, 2022. Imagem 154: Aplicação publicitária em flâmulas para ambientes internos 02. Fonte: Autor, 2022. Imagem 155: Aplicação publicitária em flâmulas para ambientes internos 03. Fonte: Autor, 2022. Imagem 156: Aplicação publicitária em flâmulas para ambientes internos 04. Fonte: Autor, 2022.

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Imagem 157: Aplicação publicitária em flâmula para poste de iluminação urbana do centro 01. Fonte: Autor, 2022. Imagem 158: Aplicação publicitária em flâmula para poste de iluminação urbana do centro 02. Fonte: Autor, 2022. Imagem 159: Aplicação publicitária em flâmula para poste de iluminação urbana do centro 03. Fonte: Autor, 2022.


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13. Estudo de flâmulas para espaços de exposição

Seguindo critério definido, de que os Espaços âncora receberias as cores quentes nas flâmulas e que os Demais espaços receberiam as flâmulas com cores frias e pequeno texto da obra junto com ficha técnica, foi desenvolvido estudo de aplicação das flâmulas para o Pátio do Colégio e Mosteiro de São Bento (ambos Espaços âncora) e Pinacoteca do Estado (exemplo de Demais espaços).

Imagem 160: Elevação Pátio do Colégio. Fonte: Autor, 2022.

Imagem 161: Estudo de composição de flâmula p Fonte: Autor, 2022.


para o Pátio do Colégio em elevação.

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Imagem 162: Estudo de composição de flâmula para o Pátio do Colégio em perspectiva. Fonte: Autor, 2022.


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Imagem 163: Elevação Mosteiro de São Bento. Fonte: Autor, 2022.

Imagem 164: Estudo de composição de flâmula p Fonte: Autor, 2022.


para o Mosteiro de São Bento em elevação.

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Imagem 165: Estudo de composição de flâmula para o Mosteiro de São Bento em perspectiva. Fonte: Autor, 2022.


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Imagem 166: Elevação Pinacoteca. Fonte: Autor, 2022.

Imagem 164: Estudo de composição de flâmula p Fonte: Autor, 2022.


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Por não se tratar de um espaço âncora, e com isso não receber os módulos de exposição, a flâmula prevê um breve texto de apresentação da obra com dados da ficha técnica.

para a Pinacoteca em elevação.

Imagem 165: Estudo de composição de flâmula para a Pinacoteca em perspectiva. Fonte: Autor, 2022.


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14. Projeto Módulo Expográfico

Partindo da narrativa do professor Benedito Lima de Toledo, de que a cidade se constrói e reconstrói, o que originou a leitura urbana por camadas, objetiva evidenciar este fator através da utilização de estruturas de andaimes como módulos expográficos. Estes recebem cobertura de proteção por meio de pintura epóxi na cor cinza claro. Junto aos módulos se sobrepõem os painéis de conteúdo expositivo, que são formados por chapas de policarbonato que recebem a impressãoadesivagem do conteúdo.


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Imagem 166: Perspectiva isométrica Módulo Totem. Fonte: Autor, 2022.







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15. Estudo preliminar: Pátio do Colégio

Por intermédio da pesquisa histórica e identificação das camadas históricas, foi selecionado o Pátio do Colégio para receber o estudo de aplicação dos conjuntos expográficos. Assim como também se constitui como o ponto de partida para o circuito completo do conjunto expositivo previsto para ser disposto nos locais selecionados e mapeados. A localização dos conjuntos se faz entre o monumento Glória imortal dos fundadores de São Paulo e o conjunto de edificações do Pátio - defronte ao Museu Anchieta.


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A disposição conteúdo segue o conceito do circuito sugerido, ou seja, existe a disposição sequencial do conteúdo, entretanto o público visitante pode ter acesso por diversas faces do conjunto. A distribuição sequencial do conteúdo expositivo desenha-se: Entrada - acesso principal: texto de apresentação da exposição, orientação de percursos e disposição no Centro Histórico e ficha técnica. Conjunto 01 - Patrimônio: conceituação e histórico nacional na temática. Conjunto 02 - Preâmbulo paulistano + São Paulo: A Vila: contextualizar a formação de São Paulo e seus primeiros desenvolvimentos. Conjunto 03 - Primeira Camada Histórica: entendimento da primeira grande transformação da cidade. Conjunto 04 - Partida e Chegada: conteúdo sobre as transformações ocorridas pelas edificações do Pátio do Colégio e seu entorno.


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Placas demarcadas em rosa: receberão impressão-adesivagem identidade visual - elementos gráficos e cor.

Placas demarcadas em branco: receberão impressão-adesivagem de conteúdo expositivo.

Imagem 167: Diagrama esquemático Exposição Pátio do Colégio. Fonte: Autor, 2022.

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Módulo totem

Acesso principal do conjunto - texto de apresentação e ficha técnica.

Imagem 168: Vista do expositivo Pátio do Colégio. Fonte: Autor, 2022.

conjunto

Imagem 169: Vista do conjunto expositivo Pátio do Colégio - acesso principal ao conjunto expositivo. Fonte: Autor, 2022.


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Imagem 169: Vista interna do conjunto expositivo Pátio do Colégio. Fonte: Autor, 2022. Imagem 169: Vista interna do conjunto expositivo Pátio do Colégio 02. Fonte: Autor, 2022.

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Considerações finais

O estudo no campo patrimonial nos leva a apreender e compreender as camadas históricas que a cidade sobrepõe em suas relações de sociedade, política, economia, social, cultural e tecnológica, pois parte da assimilação de cidade como um objeto produzido pela humanidade sendo, desta forma, conduzida por projetos de poder e dotadas de formas e significados. Assim, este Trabalho Final de Graduação investigou a formação do Centro Histórico de São Paulo - seguindo o entendimento de sua constituição tal como um palimpsesto, onde camadas de relações sociais e projetos de modernidade são sobrepostos, raspados e permanecem como marcas e marcos na paisagem urbana, transformando-a em paisagem cultural -, como parte de análise e levantamento de conteúdo no processo de pesquisa temática para a elaboração de um conjunto expositivo. A construção do entendimento das camadas nos aponta como a cidade parte de uma ocupação acanhada circunscrita à colina histórica, seu amadurecimento e estabelecimento como vila para então superar seus limites físico-naturais. Na investigação ao longo dos séculos é possível perceber como a cidade se expande e se modifica em concordância com o vetor de interesse e deslocamento das elites pelo território. Da mesma maneira, em terras já arrasadas pelas elites, nasce o potencial de obsolescência das estruturas físico-urbanas por elas erguidas, como é o processo pelo qual o centro histórico adentrou a partir da década de 1970.


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Assim sendo, depreendemos como a noção de centro histórico sofre alteração com todo o processo de modificações no espaço urbano. Nasce ao entorno do Largo do Pátio do Colégio, ocupa a colina sob um traçado triangular e, por fim, estende-se por uma mancha urbana com aproximadamente 4,4 km². Apresentados tais fatores históricos, as diretrizes de projeto de expografia visaram o percurso do transeunte no solo do Centro Histórico, a fim de possibilitar a observação e compreensão de suas marcas e mutações.


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Projeto de expografia para o Centro Histórico de São Paulo

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