Prof. Toninho Vespoli
o mínimo que você precisa saber para não ser um idiota e defender o escola sem partido Um mandato a serviço da educação
DO MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO AOS PROJETOS DE LEI: O CONTEXTO DE UM PROGRAMA DE CENSURA DOCENTE O movimento “Escola Sem Partido”, criado em 2004, pelo advogado Miguel Nagib, ganhou força, sobretudo, a partir do ano de 2015 em todos os níveis legislativos (federal, estadual e municipal) por meio de projetos de leis que querem censurar a prática docente. Até 2018, foram quase 200 projetos apresentados em diferentes municípios do País. No âmbito Federal, a proposta do Escola sem Partido (PL 7180/14 e outros), que vinha sendo discutida desde 2014, foi arquivada em dezembro de 2018, por ocasião da mudança de governo. Contudo, já havia a perspectiva de que ele retornasse em 2019 mais “duro”. Atualmente, a deputada Bia Kicis (PSL/DF) assina o “novo” projeto de lei que tramita na Câmara, o PL 246/19, que foi apresentado já no primeiro dia de trabalho dos deputados. O “novo” PL do Escola sem Partido, conhecido como “versão 2.0” do anteprojeto
O Escola sem Partido é resultado de um movimento conservador que expõe professores que teriam conduzido mal alguma situação em sala de aula e transforma tais casos isolados em argumento para defender a existência sistemática de um grande projeto de “doutrinação ideológica” no país. Quando os responsáveis pelo “Escola sem Partido” falam publicamente sobre o assunto, eles mentem, porque não se trata apenas de fixar um cartaz nas escolas com os “deveres” do professor. Se fosse apenas isso, não haveria um enorme interesse desses grupos em apresentar Projetos de Leis em diferentes níveis legislativos. O Projeto de Lei nº 7.180, de 2014, de autoria do Deputado Erivelton Santana (PSC), propõe alterar o art. 3º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir entre os princípios do ensino o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar. Veja outros projetos na página x
do movimento, usa as mesmas justificativas do seu antecessor para sustentar a argumentação no Congresso. Trata-se de uma versão piorada. O Projeto de Lei abre a possibilidade de um brutal retrocesso na legislação que rege a educação brasileira ao mesmo tempo que incentiva, em nível local, a coação de escolas e docentes por O Projeto de Lei nº 7.180, de 2014, de autoria do Deputado Erivelton Santana (PSC), propõe alterar o art. 3º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir entre os princípios do ensino o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar.
O “novo” projeto de lei em tramitação, o PL 246/19 de autoria da Deputada Bia Kicis (PSL/DF), além de alterar os princípios e fins da educação, sobrepondo as convicções dos alunos aos valores da educação escolar, busca assegurar aos estudantes o direito de gravar as aulas, a fim de “viabilizar o pleno exercício do direito dos pais ou responsáveis de ter ciência do processo pedagógico e avaliar a qualidade dos serviços prestados pela escola”.
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meio de “denúncias” contra professores que supostamente estariam “doutrinando seus alunos”. Ao tratar o “Educando como parte mais vulnerável na relação de aprendizado”, o projeto
Se é assim mesmo, como haveria denúncias de “professores manipuladores” por parte de “alunos passivos”?
caracteriza o aluno como passivo de ser simplesmente “moldado” por quem ensina e o professor é tratado como um manipulador. Se isso fosse verdade não haveria denúncias de professores por parte de alunos considerados, pelo projeto, completamente passíveis e manipuláveis. Em outras palavras, por detrás de um discurso que empodera o aluno por meio de restrições jurídicas ao professor, na verdade, o que se opera é um esvaziamento do espaço de discussão por meio de uma caricatura do aluno marcado pela passividade diante de um professor maquiavélico e manipulador. O professor, além disso, não tem como obrigar alunos e alunas a pensar e ver o mundo como ele. É absurdo e autoritário querer proibir por lei que os alunos discutam a diversidade de ideias que caracterizam o mundo na escola. Aliás, é bastante sintomático que o projeto considere que discutir o diferente seja ofensivo ou uma medida de imposição de valores. Estudar determinada coisa não torna o sujeito seguidor dessa coisa. Estudar religiões de matriz africana, por exemplo, não implica em se tornar seguidor delas! É exatamente a mesma coisa de dizer que, por exemplo, vou me tornar gay ao discutir, ver ou ouvir falar sobre o assunto!
O projeto esquece que o conhecimento se constrói na relação professor e aluno no interior de um espaço aberto que propicia e demanda discussão e troca, como é
o caso da escola. A solução para o problema da “doutrinação”, se é que ela existe, não é diminuir a possibilidade de debate, muito pelo contrário, deveria ser, justamente, a ampliação do debate para potencializar o “pluralismo de ideias no ambiente acadêmico”. Os efeitos desastrosos da Escola sem Partido alcançariam todos os níveis da educação mesmo
Não pode haver pluralismo se há restrição ao debate caso as ideias discutidas no espaço escolar não estejam de acordo com as convicções das famílias dos alunos e alunas, como apregoa o projeto.
que os PLs do “Escola Sem Par3
tido” que correm em estados e municí- razões pelas quais nós o repudiamos. pios não sejam aprovados, já que os fu- Assim, não devemos buscar uma “escoturos professores e professoras seriam la sem partido”, mas uma escola COM formados sob a perspectiva defendida respeito aos alunos e as diversidades por esse grupo conservador.
que os compõem, uma escola com
Estes são alguns dos principais proble- valorização do trabalho docente e dos mas do PL 246/19.
saberes de professores e alunos, uma
Esperamos que seja o bastante para escola com biblioteca, escola com atique o leitor ou leitora tenha acesso a vidades culturais e de lazer, uma escola alguns argumentos que sirvam de base com participação da comunidade e fapara o esclarecimento do projeto e as miliares, uma escola com diálogo.
Veja outros projetos relacionados PL 867/15: de autoria do Deputado Izalci, que inclui, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o “Programa Escola sem Partido”; PL 6.005/16: de autoria do Deputado Jean Wyllys, que institui o programa “Escola livre” em todo o território nacional; PL 1.859/15: de autoria dos Deputados Alan Rick, Antonio Carlos Mendes Thame, Antonio Imbassahy, Bonifácio de Andrada, Celso Russomanno, Eduardo Cury e outros, que acrescenta Parágrafo Único ao art. 3º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) para prever a proibição de adoção de formas tendentes à aplicação de ideologia de gênero ou orientação sexual na educação; PL 5487/16: de autoria do Deputado Professor Victório Galli, que institui a proibição de orientação e distribuição de livros às escolas públicas pelo Ministério da Educação e Cultura que verse sobre orientação de diversidade sexual para crianças e adolescentes. PL 8933/17: de autoria do Deputado Pastor Eurico, que altera a Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, Lei de Base e Diretrizes da Educação Nacional, para dispor que o ensino sobre educação sexual somente será ministrado ao aluno mediante autorização dos pais ou responsáveis legais. PL 9957/18: de autoria do Deputado Jhonatan de Jesus, que acrescenta artigo à Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para coibir a doutrinação na escola.
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Por que o projeto é autoritário?
Passa por cima dos(as) profissionais da educação
Desrespeita os conhecimentos em educação desses profissionais
Desrespeita a liberdade de ensino e de aprendizagem
Foi pensado por quem não é profissional da educação
Não levou em consideração a opinião de alunos e professores
Interfere na prática docente sem passar por discussão dos profissionais da educação nem dos Conselhos de Educação
Quer proibir por lei que os alunos discutam a diversidade de ideias que caracterizam o mundo na escola
A escola é um espaço de discussão e debates, de experienciar a diversidade para desenvolver no educando a capacidade de conviver com ela. É desse modo que amadurecemos a democracia.
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O Projeto fere a Constituição CF. Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; CF. Art. 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
O Projeto fere a LDB Art. 2º - A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 3º - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
O Projeto já foi considerado inconstitucional A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal, já se manifestou sobre um projeto de lei inspirado no autodenominado ‘Escola Sem Partido’, no seguinte sentido: “O PL subverte a atual ordem constitucional, por inúmeras razões: (i) confunde a educação escolar com aquela que é fornecida pelos pais, e, com isso, os espaços público e privado; (ii) impede o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206, III); (iii) nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de aprendizagem (art. 206, II); (iv) contraria o princípio da laicidade do Estado, porque permite, no âmbito da escola, espaço público na concepção constitucional, a prevalência de visões morais/religiosas particulares. Enfim, e mais grave, o PL está na contramão dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, especialmente os de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. 6
Esse projeto tem a intencionalidade de formar estudantes alienados e irreflexivos, pois impede que os professores realizem debates sobre os diversos temas presentes na contemporaneidade. Não existe educação sem reflexão, não sou apenas uma “trans-
missora de conteúdos”. Na escola vivemos diversas situações em que precisamos intervir com humanidade! Questionar, refletir, apresentar diversos pontos de vistas e teorias que construa uma sociedade mais plural e humana. Não queremos mordaça!
Vanessa Guedes de Oliveira, Professora de Educação Infantil e Fundamental na EMEI Recanto Campo Belo Atuo na educação infantil e um projeto como sociedade (e mudar práticas sexistas deseste, caso seja aprovado, seria um compli- de a educação da primeira infância), além cador a mais na tentativa de colaborar com de trazer alguma insegurança na conversa o desenvolvimento das crianças, principal- com as famílias sobre os compromissos e mente nas questões de respeito a diversi- princípios de respeito ao diverso e plural da dade, de repensar os papéis de gênero na educação pública. Jaqueline Oliveira dos Santos, Professora de Educação Infantil na EMEI Maria Quitéria A escola sem partido é na verdade um to” dos que estão no poder, da elite. Esse projeto de uma escola sem pensamento tipo de projeto vem para deixar o nosso crítico, com pensamento único, sem liber- povo ainda mais submisso, sem voz. E na dade de expressão, com a intenção de verdade formar uma nova mentalidade de colocar, ou melhor, impor o “pensamen- subalternos “dóceis”. Nazaré Alves de Azevedo, Professora Fundamental II e Médio na EMEF Elias Shammas O projeto escola sem partido é um mecanis- desqualificar a educação pública frente a somo de repressão, baseado em uma ideologia ciedade, deturpando conceitos e princípios, conservadora, partidária e radical que visa ini- criando uma falsa ideia sobre o direito ao cobir a livre expressão do pensamento dentro nhecimento, a reflexão, a contra posição, a dos centros educacionais. O projeto objetiva crítica e a autonomia do pensamento. Cecília Aquino de Almeida, professora no CEU EMEF Água Azul A pluralidade faz parte do processo de formação dos indivíduos enquanto sociedade, o projeto prevê que nós professores sejamos apenas instrutores dos conteúdos ignorando quaisquer discussões que fujam
da cartilha proposta pelos seus idealizadores. O projeto nos coloca como vilões da doutrinação tentando mascarar o fato de que o conservadorismo não quer formar cidadãos conscientes politicamente.
Andressa Sodero, professora de Artes na EMEF Professora Helina Coutinho Na medida em que age na raiz existencial do fazer pedagógico, tira do professor e do currículo a abstração política da realidade, isto é, cerceando seu direito intelectual e acadê-
mico da incursão social da realidade, posto que perderá a possibilidade de analisar a realidade e a oportunidade de trazer para âmbito da discência uma arena democrática.
Reginaldo Pacheco da Silva, diretor no CEI Zacarias Mauro Faccio Gonçalves O projeto de escola sem partido é um farsa, continuar sendo um espaço de discussão de o próprio nome que é intitulado já traz essa diversas formas de pensar. O projeto vai tradenúncia, vivemos numa sociedade demo- zer amarras e medo para essas discussões. crática, onde todas as nossas escolhas sem- Acredito na necessidade de ampliar as dispre são políticas, o que faço ou deixo de fazer cussões, pois a conversa sobre pontos de vissempre é uma escolha política, ignorar isto é tas diferentes vem se tornando algo impossíno mínimo um equívoco. A escola é e deve vel na nossa sociedade. Ivan Neves Marques Junior, diretor do CEI COHAB Raposo Tavares 7
Um mandato a serviço da educação
Esse mandato também é seu! Colabore, envie críticas, sugestões e elogios que sempre são bem-vindos rsrs
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