CINZA DOS OSSOS POESIA 2012 * ANTONIO CABRAL FILHO

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Antonio Cabral Filho

CINZA DOS OSSOS

Edição Letras Taquarenses 2013 +


1 - Cinza dos Ossos Só espero um dia Ressurgir das cinzas Que restem dos meus ossos Após a queima das horas... Há pouco e agora são passados E a cada instante avanço Em todas as direções. Sigo sem medo e sem ódio, Levo um canto alegre E comunicativo E quem me espera confiante Sabe que não importa o caminho, Pois “caminho se faz ao caminhar”. 2 - Loucos da Praça da República Deles as palavras saltam Diretas sem medo sem rodeios E vão fluindo vulcanicamente. Um redemoinho de sensações Aflige diferenças e indiferenças E tudo parece confluir em torno deles. Não conhecem a arte de inventar as histórias Que falam de um mundo real Sem alegorias nem vãs glórias Mesmo que por ora possam chocar.


Aos poucos vão construindo um fio da meada, Vão dando forma ao outrora apenas louco. Suas inquietudes fazem-nos descobrir tudo ao seu redor E até achar tudo isso muito normal: O relógio quebrado e sem ponteiros, A roda de loucos entretidos no centro da praça, A multidão apressada que surge sem rumo, E tudo isso interligado pelo único elo possível Neste tempo de pressa: O imperativo verbo ignorar. 3 - Beijos de Gagárin Olhando de cima A terra transmite paz. Chego a ficar embevecido Com o espetáculo visual Que emocionou Gagárin. Mas ninguém imagina o vulcão Que avança sob meus pés... Pés descalços e rudes, Partes do corpo de um homem, Homem apenas, Que pode estar por aí Nas estradas ou nos bares Ou entre os braços da amada No seu barraco ou na universidade Ou na próxima esquina


Espreitando alguém pra assaltar Que não pode fazer nada Contra a avalanche dos fatos Se de repente tudo for pelos ares E misturar terra com sonhos água ar fogo Como se Nosso Senhor Houvesse esquecido de nós... 4 - Solilóquio de Inverno Tudo anda turvo. Cigarras silentes, Arbustos estáticos. Há muito não noto Formigas nervosas No seu ir e vir Nem os grilos silvam mais. Tudo anda turvo. Sapos aposentando pilões. Não sei mais dos agouros da côa E o bentivi não mais Dedura ninguém. Os cães nem ladram mais Nas noites frias, Não mais há bêbados Cambaleando calçadas Rumo ao incerto caminho de casa. Tudo anda turvo. Não mais se ouvem amigos Falando alto na esquina


Contando histórias de amores furtivos E mijando a saideira tomada agora há pouco. Tudo anda turvo E não basta dizer Que tudo anda turvo. A manhã vem rompendo, Netuno acaba de soltar os ventos E Vênus vem balançar os cachos Rindo-se de mim Com seu sorriso de Ninfa. 5 - Anônima Vida Não consto na vida que vivo Vida de faz de conta vai levando Que amanhã tudo se resolverá Clandestinidade do corpo na carne dos dias Vida sem barulho de passos Passo sem ritmo e rumo Levado no vendaval Seguindo todos os mapas Em quaisquer direções Vida sem marca patente No corpo de alguém Que pode a qualquer momento Alagar tudo em volta De sangue incolor E afogar todo mundo Sem vestígio de crime


Sem ódio nem compaixão 6 - Tempo de Amar em Silêncio Chega o dia em que fitamos Os olhos um do outro E não conseguimos entender tudo O que nossas almas espelham Então pra não nos perdermos Na confusão das entrelinhas Afogamos em beijos e abraços A nossa aflição Pra ouvir melhor Os nossos sentimentos 7 - Prisioneiros O cerco está se fechando... Quem puder safar, safe-se, Que os outros vão divertir-se Na arena dos infortúnios Até que o fogo os devore E a cinza de seus corpos Repouse tranqüila sobre o passado Servindo de memória para o presente. 8 - Vidaval É a vida a vida é isso Esse vendaval indócil Que verga uns E outros


Deita por terra sem piedade E eu nesse vendaval Não passo de um jornal velho Que vejo voando voando voando sem rumo vida a fora Agora estou nesse ponto de ônibus E passa por mim um cão magro e rabujento E o vendaval nos cobre de poeira e lixo No monte de entulho Um rato vasculha por alimento E o vendaval o espanta No arbusto à beira do valão Pousa uma borboleta em busca de algo E o vendaval chicoteia com os galhos E fá-la ir embora vagueando Uma nuvem de poeira cobre a cidade Eu pego o coletivo e sigo Por aí dentro da ventania É a vida Indócil A vida é isso 9 - Ronda Poética Inútil querer iludir-me Tentando transgredir


Os teus mistérios sombrios. Não adianta vir rondar-me Fingindo que não o fazes, Não adianta esconder-se Nas brincadeiras de Isabela Espalhando brinquedos pelo chão, Inútil arranjar-me um flerte Com o olhar de morena fatal De minha cunhada loura, Também já é demais disfarçar-se No meu cunhado barrigudo Com um copo duplo de caipirinha Chamando pra jogar sinuca No bar do Gonzaga, Que eu não caio nessa. Inútil rondar-me Com teus mil e um disfarces. Vate guerreiro ou ninja, te espreito De armadura e esgrima em riste. Convence-te, que os teus Mistérios eu conheço todos. E esse pássaro Pousado à minha janela... Apelação não vale!... 10 - Sono Proletário


Viajo incômodo No banco do ônibus E logo me vejo vergado pelo sono, Sono insólito Surgido das penumbras do cansaço Que com seu ataque súbito Domina todo meu ser E me conduz involuntário A ouvir seu som de flauta. Sinto inútil a luta que travo Contra o poder do seu feitiço, E vencido vejo-me Ante um anjo de neve. Ensaio a fuga e de várias direções Surge o anjo insinuando-se pra mim Com suas asas imensas. De fronte erguida e olhar distante, Noto que avanço por uma rua molhada Calçada de pedras portuguesas, E inesperadamente afundo o pé na lama E o anjo põe-se diante de mim. Percebo seu semblante pedindo-me calma... Súbito ouço um barulho, É o cobrador comunicando o fim da linha E concluo que a poesia é assim mesmo: Um ser intrépido e sem forma Que nos ataca sem aviso prévio E faz-nos prisioneiros De emoções estranhas.


11 - Do Pobre Arlequim Nasci ao sopé das montanhas, Lá onde terminam os bosques E as florestas se adensam. Bem cedo aprendi a brincar Com os habitantes desse mundo Onde reinam Sacis e Iaras. Ainda menino fui pras cidades Sem seio de mãe nem ombro de pai, Órfão de noite e de dia. Segui sempre o senfim dos caminhos E a poeira das estradas Tingiu de vermelho os meus sonhos. E o ronco do motor dos caminhões É que ninou a soneca do menino À sombra dos arbustos solidários. Meu prato requentado e rápido Eu soube sempre o seu sabor de sal Temperado de relento e sol. Na cidade sou um peixe fora d’agua E vez por outra ponho-me frente aos bares Perscrutando por que essa gente bebe tanto.


O meu amor não sabe o pranto Tão fartas comigo foram as mulheres francas Em darem-se inteiras e detalhes tantos. Não prometo ser algum dia um gentleman, Mas eu não mijo calçada a fora Após uns chopes com steinhägen. 12 - Inocência Todos me matam E eu tenho por dever Que agradecer a todos Pela parcela de morte Que me fornecem Nos anticoncepcionais E nas balas, pedidas ou não. Assim sou aquele Que tomba a todo instante E que é encontrado arrastando Os seus próprios restos Por entre os escombros De nossas aventuras, Mas que por desconhecer A própria fragilidade, Desconhece também o medo...


13 - Tocaia Espero em silêncio Como fera domada Ante o seu senhor. Olho ao redor, O mundo é cinzento e indiferente Às mortes, nascimentos, abortos, Fluxos menstruais, orgasmos... Fico extasiado: Nem alegria nem tristeza. Estado indefinido... Apenas o silêncio à minha volta E espero silente, Como fera domada, Mas pronta pra dar o bote Na jugular do domador. 14 - Mulher Mulher, flor em fogo, Mergulha-te em mim, Ser insaciável, Devora-me que eu te decifro E seremos um só ser em chamas De morro acima Com o vento a favor Em temperatura máxima E nossas cinzas serão labaredas Em que ser algum Deixará de queimar-se.


15 - Cão Sem Dono Hoje, Eu não consigo ler poesia E suspiro exausto com o livro De qualquer poeta. Hoje, Eu não alugo a minha cabeça Para aturar o porre de ninguém E me fecho como aranha Que prepara o bote Pra pegar a mosca Desatenta que a rodeia. Hoje, Eu não consigo ficar parado Olhando a paisagem Entumecida de contradições À espera de mudanças no cenário. Hoje, Eu não vou esperar que as pedras Rolem pelo caminho em busca do limo Até encontrarem-se ao sabor do acaso, Se acaso existe... Hoje, Eu tenho que sair danado Sem bagagem e despedida Como um cão sem dono E farejar o mundo Atrás de um osso pra roer.


16 - Navelua Vinte e três horas, Noite de lua cheia, Primavera de mil novecentos E noventa e oito, O corpo cansado Insiste em mostrar-se jovem, Quer dançar rock, Lambada e tenta... Há uma mulher que vive(?) ao meu lado, Diz que me ama(?), me admira, Fica encantada comigo dançando E quer dançar também... As crianças se emocionam E todos juntos dançamos Agarrados uns aos outros Numa alegria fugaz... Creio que todos fomos abduzidos Pelos poderes místicos Da noite enluarada E sem mais nos vimos dançando na rua, Mas acabou-se a música e nos sentamos ao chão Com as crianças entre nós... Aí meu filho olhou para a lua E perguntou pensativo: - Eu posso entrar dentro dela pai?


17 - Tediário Minha história Tu sabes de cor, Todo dia eu chego Com meu cansaço de sempre E te encontro cheia de amor E teu beijo sempre mais quente Me devolve as energias. Aí a gente avalia o nosso dia E chega à conclusão do dia anterior, Que não tem nada de novo. A gente janta e vai dormir E de manhã te conto Os sonhos malvados que tive contigo E tu me contas os teus, Então combinamos de realizá-los À noite quando eu chegar. Mas é como tu já sabes, O meu dia foi pesado, Eu chego arreado, Sem poder dar-te carinho. E dia após dia Durante a nossa vida É isso... Até já decidimos dar um basta nisso e... Ninguém sabe como Quem sabe fugir Para uma ilha distante De tudo e de todos E relaxar...


18 - Notícia de Ontem O Pé-de-Cana Foi à esquina E fechou o boteco, Depois saiu Batendo cabeça Como uma vaca Em noite de tempestade. Na manhã seguinte Todo o bairro soube Que o Pé-de-Cana Estava estirado No meio da rua. Não tinha morrido não. Apenas curtia seu porre Em profundo sono etílico. 19 - Notícia Pentecostal O pastor aos berros Prova por tudo que é sacro Que Jesus te ama. A cada palavra que diz O sonoplasta eleva o volume E todos saem correndo Em direção ao templo. Logo uma multidão implora, Ante o pastor, Não pelo amor de Cristo, Mas para que baixem o som.


20 - Elegia da Preta Efigênia Morreu a doceira da esquina Da esquina da rua principal Com a avenida central. Morreu a Preta Efigênia Mulher do João Salvador Mãe de dezessete filhos Avó de trinta netos E bisa não sei de quantos. Morreu de coma diabética E ainda veio a saber-se Que era empregada doméstica Na casa de um doto Desses de cargo importante Num ministério desses. Mas morreu a doceira da esquina Morreu a Preta Efigênia Morreu de como diabética No hospital municipal Por falta de atendimento E deixou João Salvador Sem a Preta Efigênia Doceira e empregada doméstica Na casa de um doto desses Sem José e sem Dummond Pra romantisar sua dor.


Agora João, chora seu banzo, Mas não vai ficar por aí Se afogando no copo De cabeça ao vento Pensando que a nega Mudou de ponto. Dá um breque, nego. Morreu a Preta Efigênia. 21 - Poema do João Tim O poço fundo forrado de musgo E cheio d’agua Não reflete nem revela O rosto do homem Alheio Ao que se passa em Soweto Entre Zulus e Inkatas Na terra de Mandela, Alheio A lutas separatistas Entre povos de algum país europeu E desconhece existência e situação De povos árabes e indochineses Nos anos noventa do século vinte. Sequer imagina O que seja América Latina Com seu mundo de classes Em que se dividem os homens.


Lá No fundo vale Sentado sobre uma pedra À margem do poço Cercado de bananeiras O homem alheio a tudo Esfrega sabão de barra Em sua roupa suarenta. O vento brinca Nas folhas secas e sacode as árvores Algo desperta O velho e alheio lavrador Um barulho sorrateiro Nas folhas do bananal misturado ao som do vento Não é um assassino Nem um guerrilheiro De alguma montanha latinoamericana não. É uma cascavel Se camuflando para jantar algum animal que venha beber água... Chegou a hora de cortar fumo E fazer o cigarro de palha Para espantar essa fera...

22 - Respostas de um Operário que Lê


Eu é que cultivo a terra E a colheita é do patrão. Eu é que levo carretas de alimentos Para encher supermercados E é meu o estômago roendo de fome. Eu é que produzo os carros de luxo Que deslizam nas ruas deste país E eu é que morro no ônibus batido Ou no trem descarrilado. Eu é que construo os arranha-céus desta cidade E eu é que moro no casebre do alto da favela. Eu é que faço a segurança das mansões E eu é que sou roubado Por um pobre mais pobre que eu Que leva meu bujão de gás Ou meu dvd de promoção E troca por uma pedra de craque. Eu é que ergo tantos hospitais E na hora do meu infarto Eu é que morro sem atendimento. Eu é que forneço tantos homens aos exércitos Mas na hora do meu grito É minha a revolta que eles sufocam. Eu é que sou o motivo do aplauso No discurso dos meus líderes E eu é que sou proibido De subir ao palanque Porque sou analfabeto. Eu é que faço tantas perguntas E também sou eu que fico sem respostas... Até quando?


23 - Me Disseram Eu menino me disseram Que eu era HOMEM Com todas as letras maiúsculas, Que eu teria uma mulher Com a qual me casaria E seríamos felizes para sempre. Porém, eu descobri o AMOR e a LIBERDADE E percebi que o amor é solteiro E a liberdade não se casa com ninguém. Em seguida me disseram Que todos tinham religião E me venderam um deus A que eu seguiria para sempre. No entanto, eu notei Que haviam muitos templos Tantas tendas onde comprar-se um deus Que eu desisti E fui tachado de ateu. Depois disseram-me Que todos tinham ideologia E venderam-me um partido No qual eu ingressaria ESPONTANEAMENTE


E a ele serviria enquanto eu quisesse. Tornei-me então violento ativista Mas constatei que todos tinham que ser iguais E que ser a si próprio era impossível, Até que um dia me avisaram Que eu estava fora do partido E que eu não era comunista. Desde então venho notando Que todas as coisas têm um preço E que eu não posso comprar nada De tudo que tentam vender-me, E mesmo assim O show business Não quer deixar-me em paz Por onde quer que eu passe. Como é possível Numa mesma praça De um lado um religioso Fantasiado de Cristo Servindo paz celestial E do outro um Tartufo Em comício eleitoral Ofertando Streep-tease Em troca de voto? Agora restou a pecha: Dizem que sou anarquista.


24 - Transe É o inusitado, o insólito, Que de repente acontece, Vem à tona, salta de detrás das pálpebras, surge das manchas escuras dos piscares de olhos e sobe às alturas, dominando as atenções e deixa todos estarrecidos, presos ao magnetismo do momento. Aí esquecem de tudo E saem tropeçando em suas próprias sombras, caindo e se machucando, insensíveis como a multidão em fuga. 25 - Quintais da Realeza O rei à janela Festeja o pavonear do pavão Desfilando entre as fêmeas, Soltando pavoneios... O pavão espia de soslaio O festejo do rei à janela E confere seu harém, Enquanto o escravo à distância Encostado à vassoura, Balbucia entre dentes: - Quem recheia a panela hoje?


26 - Cessar Fogo Alto lá com as armas! Parem todos, calma. Doravante nem mais Um disparo sequer, Por nada! Descobrimos a chave Dos conflitos E quanto aos supostos Inimigos, perdoemo-los todos! Eles não sabem que suas armas Estão carregadas de medo... 27 – Poetando a Quatro Mãos (*) A tarde está cinzenta Qual alma a vaguear, Acendo um Hollywood, Mil sonhos a tragar. Sento, sinto silêncio, Não sei o que escrever, Cansaço bate no peito, Mulher, não sei que fazer. Releio o que escrevi Numa tarde cinzenta, Sem saber o que se inventa Sem se ter pra onde ir.


Se busco, busco e busco, Perdido na multidão Na poesia me encontro, Mergulho com decisão. • Poema escrito em parceria com Semíramis Reis. 28 – Rua das Margaridas A Rua das Margaridas Não era a Rua da Praia, Não era a Rua da Feira, Não era a Rua Principal E muito menos A Rua das Flores. A Rua das Margaridas Era a Rua dos Amores, Era a Rua das Perdidas, Era a rua onde as mulheres Encontravam “vida fácil.” A Rua das Margaridas Era a rua onde os homens Temperavam seus suores No sal do prazer sem lei, Era a rua onde os velhos Beliscavam as mulheres E apanhavam sem pudor, Era a rua onde a molecada Jorrava sonhos eróticos E acordava melecada.


A Rua das Margaridas Nunca teve sua história Cantada em verso ou em prosa, Mas por causa de um PM Que matou uma prostituta, O mundo inteiro se chocou... A Rua das Margaridas Não tinha esse nome não; Quem lhe deu esse apelido Foi o Doca, meu irmão. A Rua das Margaridas Sabia de nossas vidas... Hoje, a Rua das Margaridas Virou um cartão postal. 29 – Dia de Volta às Aulas Perdoem-me todos Que se tornaram estéreis E perderam tudo, Até a nobreza de crer nos sonhos. É que nunca viram Um dia de volta às aulas Com suas nuvens de anjos Que marcham vergados Sob as mochilas Plenas de utopia.


30 – Grupo Escolar Frei Inocêncio As alpercatas gastas Postas ao pé da parede, À entrada da sala de aula Denunciam o professor: - Peregrino franciscano. 31 – Morbidez Meu poema e eu Somos como o amor De Rometa e Julieu. Só nos sentimos bem Graças à comoção Que vitimou Orfeu. É como sofrer do mal Que sofrem o boi E o olho do dono: Sem o outro, Um não é nada. 32 – Faixa de Gaza Nos recreios da escola Pintava sempre um briga Pra divertir a galera. Aí eu riscava Uma linha no chão e gritava: - “Qué brigá pisa qui !”


E abria-se logo uma roda De platéia para os brigões. Mas às vezes era rixinha, Coisa pouca para uma briga, Então eu riscava a linha no chão E cuspia: “Qué apanhá, pisa qui !” E sem saber nada de guerra Nem de oriente médio, Eu tinha inventado a “Faixa de Gaza.” 33 – Bão de Quebra Meu pai foi catireiro; Dos bão de quebra. Dava a tarde, montava O alazão coberto de tralhas E partia. Levava revórve, garrucha, Pomada chinesa, relóge De gringo, jóia de cigano, Perfume francês, e às vezes, O Chico, seu galo de rinha, Ia de quebra. Lá pelas tantas, voltava Tonto, cercando poico Na madrugada escura. Diz que vendia inté a mãe, Só não entregava.


34 – Dazibao Mão na cama Só fez Deng Deng Deng Mao nas marchas Só fez Xiao Xiao Xiao Mao no poder Só fez Ping Ping Ping Mao na história Só fez Tian Tian tiAn M E M


35 – Elegia de Augusto dos Anjos Fui ler Augusto dos Anjos, Mas assim, logo de cara, Fiquei que nem os arcanjos Caçando “Escarlete Ohara.” Pareceu-me um Frankenstein, Drácula sem Baviera; Por mais que vocês estranhem, Achei pior do que era. Mas depois eu me dei conta... Tanta riqueza lingüística Cuspida por gente tonta, Sem apreço com estilística; Fora os burros sem cabresto Aos coices pelos seus textos.


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