Antonio Cabral Filho
ECCE HOMO
Curupira Edições 1997 2ª Edição Janeiro 2013
Dedicat贸ria
A todos ( tantos ) Que sabem a sua import芒ncia Na minha vida.
ACF
ECCE HOMO NÃO SOU O QUE VÊS NEM O QUE ME FAÇO CRER E MENOS O QUE QUISERAM QUE EU FOSSE SOU O QUE RESTOU DE MIM
FRAG MEN TOS DIS PER SOS VAG AND O NO ESP AÇO POL UIÇ ÂOT ECN OLO GIC A & SÓ
Aviso aos Navegantes
PROIBIDO DOBRAR A ESQUERDA O U PROIBIDO DOBRAR À ESQUERDA
Cogitação (Ao Poeta e Amigo Pedro Giusti ) Pense Pense & Escreva Se não puder sussurrar. Pense Pense & Sussurre Se não puder falar. Pense Pense & Fale Se não puder gritar.
Sobre / Vivo Distante Ausente Náufrago Navego Além tudo. *** Aviso Onde há brasas vivas Há esperança de chamas. *** Faroleiro Meus olhos procuram Mas nessa escuridão Nada posso ver...
Mundinho
Nesse mar De remar Sem destino Quero ser menino Pra rumar ao lĂŠu Meu barco de papel. *** Ritmo Alucinante Nasci em tempo de sĂŠculos Vivi em tempo segundos
Convicção
Ainda que me arranquem as unhas a alicate A língua a chave de grife E os culhões a tesourão Não deixo de ser comunista!
Tempo de silêncio
Ainda que em silêncio me degolem Diante das perspectivas que antevejo Grito para surdos Desde que ouvi dizer Que há esperança De trevas no mundo
Sentinela
Deitado em minha cama Fitando o teto de meu quarto Capto todas as mensagens secretas Descubro todas as leis de exceção Possuo todas as mulheres que quero Mato todos os meus inimigos E fujo em todas as direções Com a felicidade no rosto
Sopa das cinco Depois do expediente Não ficarei bebendo Em nenhum bar De nenhuma cidade Do mundo de ninguém Irei para casa tirar cascão do nariz Pensando nos outros lábios De Marilyn Monroe E masturbar o cansaço do dia Estirado num sofá velho.
Miragem
N達o vejo os meus dias Em forma de montanhas A serem transpostas Por viajantes cansados. Pior ! Vejo-os como miragens No deserto dos meus sonhos.
Idílica
Há dias em que eu só queria Me sentar ao lado De um monte de areia E construir e destruir castelos Como um menino Indiferente a tudo Mas noto que nem isso A vida pode oferecer-me.
Evas達o Noite clara Plena de luar Todos est達o contentes A cerveja desce redonda O papo corre solto Mas aqui bem aqui Ao meu redor Tramam contra inocentes.
Subtudo
Sub Eu nasci Num lugar Sub Próximo a uma cidade Sub Cortada pelo rio Sub Em direção ao ponto cardeal Sub Do continente Sub Onde se localiza um país Sub Com povo Sub Que pensa Sub Onde você procurar algo Sub Verá que tudo lá é Sub
Bilhete do Condenado
Serei fuzilado nesta tarde E não terei tempo De dizer toda a verdade Mas antes que eu esteja morto Ela será dita No gemido selvagem Do vento das montanhas E na dor profunda dos desvalidos Para quantos queiram ouvi-la Por enquanto direi somente parte: Quero meu país liberto Do jugo do imperialismo! Que morram exércitos inteiros; Eu morri primeiro.
Às Vítimas do tempo em que o sol não brilhou I Calabouço Cala boca Calabouço Cala boca Calabouço Cala boca Calabouço Cala boca Calabouço Cala boca
II Não diz Não diz Deixa ficar inscrito Nos muros mudos do tempo Para que no futuro vejam O tempo que vivemos III Deixa falar mais alto Quem nunca pôde calar. Sr Silêncio Diz pra mim Diz pra mim Diz pra mim O que aconteceu Naquele instante Em que fiquei distante E tudo escureceu
IV ( Breve silêncio ) V O Sr Silêncio Não teve palavras Para exprimir seu pesar Mas sua expressão Fisionômica Nos diz tudo *** Diálogo - Senhor torturador, Não me espanque hoje. Olhe só pra mim, Sou tão fraquinho! Assim, o senhor Vai me matar. - Isso é uma guerra, cara! Se eu não te fuder hoje, Você me fode amanhã!!
Ociosidade Num dia de muito ócio Tentei escrever uns versos Não me lembro mais do tema Mas o desalento era tal Que fiquei o dia inteiro Matutando De ferramenta na mão Pra conseguir isto... *** Bóia-Fria Com braços trôpegos sulca a terra A barriga vazia provoca-lhe total desânimo Mas não pode parar Sabe que há mil olhos à espreita Esperando o momento Da morte de um bóia-fria Para constar nas estatísticas Como acidente de trabalho.
Atamamata
Estado de Sítio
Há sangue coagulado Na bênção dos filhos No beijo da amada Na festa do cão Há sangue coagulado No lenço de rosto No encontro das mãos Nas calçadas Há sangue coagulado Nas paredes Nas praças No chão
Há sangue coagulado Nos memorandus oficiais No fax No telefone Nas cartas dos namorados Nos postais que chegam E que partem Há sangue coagulado Há um poste sangrando Em cada esquina desta cidade ATENÇÃO: Há sangue coagulado No ar que respiramos Precisamos mudar o ar Precisamos evitar a volta Dos derramamentos de sangue E estancar as hemorragias Antes que seja tarde
Paz Atômica Como ensina o vento Em frente é que se deve ir Pelos desvios atalhos E extremos Sem chorar os mortos Ou se entreter com os feridos ..................................................... Em El Salvador Franco-atiradores da CIA Deram um banho de sangue Numa passeata da FAPU* Hubert Mattos deixou A prisão cubana Prometendo libertar Os que ficaram E os povos continuarão reféns Das segundas intenções, Até quando? Os subsolos do mundo Estão cheios de vampiros Sedentos de sangue.
Ainda o Homem não sabe amar Perdoar o inimigo Aceitar o adversário Ainda circula ódio em nossas veias Depois de séculos de busca Finalmente o Homem encontrou a paz Refugiada no ômega do átomo Onde se escondem nossas humanas raízes Assim tem sido infelizmente! Quem tem mais átomo Tem mais paz. *** Bula Palavras pedras Gestos abruptos Passos enérgicos Idéias obsoletas Mensagens inóquas E ações inúteis São os requisitos básicos Para um tirano.
Robin Hood Não quero o ódio das donzelas Nem o amor dos carrascos Meu negócio é paz e amor, E mais nada. *** Florão da América O menino era pivete E se chamava Joãozinho Vivia como engraxate Ganhando a vida por aí Sem Deus e sem diabo pra atentar Até que um dia Foi estuprado por um maníaco E encontrado morto na Lapa Dentro e um latão de lixo Não foi homenageado Com honrarias militares Nem imortalizado Num samba de carnaval Morreu e está morto Morto bem morto mesmo Morto até na memória
O menino que era pivete e chamava Joãozinho que vivia como engraxate ganhando a vida por aí sem voz sem vez e sem lugar na história *** Condição social Não sei o que está me acontecendo Mas hoje mais do que nunca Eu queria rir e gargalhar Beber até cair e se possível Amanhecer dormindo na calçada “como um negro bêbado Num domingo de sol De missa e carnaval”, Só para inspirar liberdade Todavia olho-me e noto Que muita coisa me proíbe disso E fico triste triste Porque não posso ser livre!