ANTOLOGIA FERNANDO PESSOA E CONVIDADOS - MAGICO DE OZ

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Antologia Fernando Pessoa e convidados


Ficha Catalogrรกfica


Sumário Prefácio ................................................................................................................................................................. 05 Apresentação ................................................................................................................................................... 08 Amélia Raposo da Luz ............................................................................................................................ 12 Ana Cristina Costa Siqueira ............................................................................................................ 15 Ana Oliveira Dias .......................................................................................................................................... 23 Arahilda Alves .................................................................................................................................................. 26 Benedita Azevedo ...................................................................................................................................... 29 Beth Oliveira .................................................................................................................................................... 33 C A Paulon .......................................................................................................................................................... 39 Carlos Alberto Carneiro Souza ..................................................................................................... 42 Carmen Hussein ............................................................................................................................................. 46 Cecy Barbosa Campos ........................................................................................................................... 49 Conceição Oliveira ........................................................................................................................................ 50 Daniel de Cullá ................................................................................................................................................ 53 Delmar Domingos de Carvalho ...................................................................................................... 58 Delmar Maia Gonçalves ........................................................................................................................ 61 Diana Josefina Guenzburger .......................................................................................................... 62 Eliane Negrão .................................................................................................................................................. 68 Francilangela Clarindo .............................................................................................................................. 70 Maria Aparecida “Gaiô”............................................................................................................................ 85 Irma Galhardo ............................................................................................................................................. 88 Izabellle Valladares .................................................................................................................................. 90 Isis Dias Vieira .............................................................................................................................................. 101 Ivete Furegatti ........................................................................................................................................ 104 Jani Brasil ......................................................................................................................................................... 107 Janice França ............................................................................................................................................... 110 Jô Mendonça Alcofarado .................................................................................................................. 111 José Donizetti ................................................................................................................................................ 114


José Wilmar Pereira ............................................................................................................................... 116 Licínia Girão ..................................................................................................................................................... 120 Lúcia Celeste Vasconcelos .................................................................................................................. 123 Luciano Marinho .......................................................................................................................................... 126 Luzia Lina de Souza .............................................................................................................................. 129 Madalena Mendes ..................................................................................................................................... 132 Mágda Côrtes Regadas Resende ............................................................................................. 134 Maira Mendonça ....................................................................................................................................... 138 Manoel Teixeira .......................................................................................................................................... 141 Marcelo Fontes ........................................................................................................................................... 143 Márcio Batalha .......................................................................................................................................... 145 Maria Cecília Castro .............................................................................................................................. 147 Maria do Socorro Cavalcanti ...................................................................................................... 149 Maria Inez Silva Queiroz ............................................................................................................. 151 Martha Tavares Pezzini .................................................................................................................... 154 Matusalém Dias de Moura .............................................................................................................. 158 Múcio Góes ....................................................................................................................................................... 161 Paola Rhoden ................................................................................................................................................ 163 Renata Sborgia ........................................................................................................................................... 165 Ribeiro - Canotilho .................................................................................................................................. 166 Rita Pea ............................................................................................................................................................. 170 Roberto Ferrari .......................................................................................................................................... 171 Rozelene Furtado Lima ..................................................................................................................... 175 Sandra Couto ............................................................................................................................................... 177 Sandra Ferrari Radich ...................................................................................................................... 180 Sérgio Borsoi Júnior .............................................................................................................................. 183 Sônia Nogueira ............................................................................................................................................. 185 Stela Oliveira ................................................................................................................................................. 188 Valdeck Almeida de Jesus ................................................................................................................ 191 Vanderlei Antônio de Araújo ........................................................................................................ 194


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Prefácio a Antologia Fernando Pessoa e Convidados Sim, a nossa pátria é a língua portuguesa 1. Comecemos pela famosa citação, mas recordemo-la no seu devido contexto e mantendo a orografia original: “Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente. Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.”. Curioso o destino de certas frases. No seu devido contexto, esta é uma posição que não nos pode deixar de merecer o maior repúdio: “Não tenho sentimento nenhum politico ou social (…). Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente”. Isto apesar de também valorizarmos, e muito, o correcto uso da língua portuguesa… Para bem da famosa citação, ela sobreviveu, porém, ao seu contexto. E daí que se tenha tornado num lugar-comum a que já todos nós, nem que apenas por uma vez, demos voz: “Sim, a nossa pátria é a língua portuguesa”. Para nós, contudo, essa posição, ao contrário do que se infere do esquecido contexto, é uma posição cultural, desde logo, mas também social e política. Em altíssimo grau. 2. Se há inevitabilidades históricas, a criação da CPLP: Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em 1996, foi, decerto, uma delas. Se os países se unem, desde logo, por afinidades linguísticas e culturais, nada de mais natural que os Países de Língua Portuguesa se tivessem unido num projecto comum: para a defesa da língua, desde logo, e, gradualmente, para cooperarem aos mais diversos níveis.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Se estranheza pode haver quanto à criação da CPLP, decorrerá somente do facto de ter nascido tão tarde. Mas isso deve-se, naturalmente, a todos os traumas que decorreram ao longo da nossa história e que escusado será aqui recordar. Sem esquecer esse passado, olhemos, sobretudo, para o futuro. 3. Mais de quinze anos após a sua criação, a CPLP está ainda muito aquém do sonho de um dos seus principais inspiradores: Agostinho da Silva, um grande estudioso da obra pessoana. Como ainda hoje é reconhecido, Agostinho da Silva foi, de facto, a par de Fernando Pessoa, um dos grandes prefiguradores de uma “comunidade luso-afro -brasileira, com o centro de coordenação em África, de maneira que não fosse uma renovação do imperialismo português, nem um começo do imperialismo brasileiro. O foco central poderia ser em Angola, no planalto, deixando Luanda à borda do mar e subir, tal como se fizera no Brasil em que se deixou a terra baixa e se foi estabelecer a nova capital num planalto com mil metros de altitude. Fizessem a mesma coisa em Angola, e essa nova cidade entraria em correspondência com Brasília e com Lisboa para se começar a formar uma comunidade luso-afro-brasileira”. Na sua perspectiva, assim se cumpriria essa Comunidade Lusófona, a futura “Pátria de todos nós: “Os brasileiros poderão chamar-lhe Brasil e os moçambicanos poderão chamar-lhe Moçambique. É uma Pátria estendida a todos os homens, aquilo que Fernando Pessoa julgou ser a sua Pátria: a língua portuguesa. Agora, é essa a Pátria de todos nós.” 4. Fiel a essa “Pátria de todos nós”, a essa visão estratégica de Fernando Pessoa, de Agostinho da Silva e de muitos mais, tem sido o MIL: Movimento Internacional Lusófono, um movimento cultural e cívico recentemente criado mas que conta já com várias dezenas de milhares de membros, de todo o espaço da lusofonia, e que tem defendido, de forma coerente e consequente, o reforço dos laços entre os países lusófonos. Como já alguém escreveu, o que temos procurado fazer é “construir a CPLP por baixo, ao nível da sociedade civil”. Desde logo, promovendo o sentido de cidadania lusófona, ainda tão incipiente na maior parte de nós.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Ainda e sempre, promovendo o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço da lusofonia, sem esquecer as várias diásporas – no plano cultural, desde logo, mas também nos planos social, económico e político. 5. Esta é uma antologia lusófona, que reúne contos, crónicas e poesia, de mais de meia centena de autores. Um insigne exemplo de como, com efeito, a nossa Pátria comum pode mesmo ser a Língua Portuguesa. Renato Epifânio Presidente do MIL: Movimento Internacional Lusófono www.movimentolusofono.org

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Apresentação da Antologia Fernando Pessoa e Convidados Fernando Pessoa foi um importante poeta português, considerado hoje uma das figuras maiores das literaturas escrita, dita e falada em Língua Portuguesa. Nasceu a 13 de Julho de 1988, às treze horas e vinte minutos, no Largo de São Carlos nº4, 4º Esquerdo, em Lisboa, filho de Nogueira Pessoa, natural de Lisboa, 38 anos de idade e de Maria Magdalena Pinheiro Nogueira de 26 anos de idade, natural da Ilha Terceira no Açores. Estes pormenores não seriam importantes, não fora o poeta um ilustre esotérico. Seu pai, funcionário público do ministério da justiça era crítico musical, e quando morreu deixou-o com apenas 5 anos de idade. Aos 6 anos de idade morre o seu irmão Jorge, altura em que cria o seu primeiro heterónimo o Chevalier de Pas. Com apenas anos de idade, escreve a sua primeira poesia, uma quadra dedicada à sua amada mãe. Nesta altura, parte com a mãe para a casa do seu padrasto o Comandante João Miguel Rosa, Consul de Portugal na República Federativa da África do Sul. Em 1901, com 13 anos de idade, escreve o seu primeiro poema em inglês, ano em que regressa a Portugal, abalado, navegando os oceanos para acompanhar o corpo da sua irmã Magdalena Henriqueta, falecida em Durban. Em 1902, vai aos Açores, à Ilha Terceira, com a mãe para estar com a família materna. Regressa novamente a Durban para estudar. Em 1906, regressa a Lisboa e passa a viver com a mãe e o padrasto. Após a morte da sua avó Dionísia, deixa Lisboa e vai viver sozinho em Portalegre, tendo regressado a Lisboa para montar uma tipografia. E quando falamos de Fernando Pessoa, de quem falamos realmente? De Ricardo Reis? De Alberto Caeiro? Ou de Álvaro de Campos? Certamente de todos num e do mesmo em todos. Todos estes acontecimentos, referidos anteriormente, moldaram o homem e o poeta que foi, como dizia o próprio poeta poliglota, ainda que precocemente “adivinhador de futuros” – Estou cansado de confiar em mim próprio, de me lamentar a mim mesmo, de me apiedar com lágrimas sobre o meu próprio eu – e sem dúvida marcou o seu lugar no mundo quando afirmou – Ora a civilização consiste simplesmente na substituição do artificial ou natural no uso e correnteza da vida. 8


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Tudo quanto constituí a civilização, por mais natural que nos hoje pareça, são artifícios. Por isso, esta justa homenagem ao poeta maior da língua portuguesa, no seu dizer Pátria sua, consegue gerar unanimidades e consensos sobre a sua reconhecida grandeza, reunindo poetas de países diversos irmanados pela poesia e pela língua comum, embora abraçando sua heterogeneidade e universalismo. No entanto, é bom que fique sempre claro, que “cada homem é um oceano. Nunca chegamos verdadeiramente a conhecê-lo” e que “a poesia é a expressão sublime do real e do imaginário surreal”. Sempre afirmei que o poeta se revela na generosidade com que se dá aos outros. Fernando Pessoa sempre se ofertou ao mundo, almejando um futuro melhor e renegando o hoje que o desencantava, por isso escreveu – Amanhã é dia dos planos. Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo. Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã – aqui se revela o poeta visionário, que premonitoriamente prevê o seu futuro. Aos poetas antologiados apenas se pode pedir que continuem dignificando o sonho deste poeta maior, dignificando-se. Delmar Maia Gonçalves

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Biografia Fernando Pessoa é poeta português nascido em Lisboa, crescentemente reconhecido como o maior poeta português desde Camões. Filho da pequena burguesia lisboeta, aos cinco anos perdeu o pai, que era crítico musical. Em virtude do segundo casamento da mãe, foi levado (1896) para Durban, África do Sul, onde cresceu, fez os cursos correspondentes ao primeiro e segundo graus, e freqüentou a Universidade de Capetown. Fluente em inglês e, como anglicizado, teve depois dificuldades em reencontrar-se na vida portuguesa. Em Durban, escreveu os primeiros poemas (1901), em inglês, e regressou sozinho para Lisboa (1905). Matriculou-se no Curso Superior de Letras, em Lisboa (1906) mas abandonou o curso no ano seguinte, dedicando-se, como autodidata, a vastas leituras de filosofia e poesia. Passou a trabalhar como tradutor autônomo em escritórios comerciais (1908). Levou vida modesta, complementando sua renda pela confecção de horóscopos. Suas primeiras poesias em português somente foram publicadas (1915) na revista Orfeu, onde criou um personagem, o mestre Alberto Caeiro. Criou e dirigiu a revista Atena (1924), juntamente com o amigo Ruy Vaz. Requereu (1926) patente de invenção de um Anuário Indicador Sintético, por Nomes e Outras Classificações, Consultável em Qualquer Língua, e dirigiu, com seu cunhado, a revista de Comércio e Contabilidade, e passou (1927) a colaborar com a revista Presença. Publicou Mensagem (1934), único livro em português que publicou em vida, e concorreu ao Prêmio Antero de Quental, do Secretariado de Propaganda Nacional. Por ser a obra muito pequena, segundo a justificativa alegada na ocasião, ganhou o segundo lugar. Com uma obra altamente intelectualizada, muitas delas também ficaram durante sua vida inéditas pois quando vivo, seu talento era apenas reconhecido pelos círculos limitados da boêmia literária de Lisboa. Vivendo modestamente, conflituoso e sujeito a crises de depressão e alcoolismo, no ano seguinte, 30 de novembro, morreu na capital portuguesa, aos 47 anos.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Suas obras completas foram publicadas postumamente em 8 volumes, a saber: Poesias de Fernando Pessoa (1942); Poesias de Álvaro de Campos (1944); Poemas de Alberto Caeiro (1946); Odes de Ricardo Reis (1946); Poemas dramáticos (1952); Poesias inéditas (1955-1956). Há traduções de sua obra em espanhol, francês, inglês, alemão, italiano e chinês, entre outras línguas. Fonte: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados AMÉLIA RAPOSO DA LUZ Amélia Luz – Pirapetinga/MG - Membro Honorário da Tertúlia Rafael Bordalo Pinheiro – Lisboa/PT, Membro da Academia Internacional de Heráldica, Lisboa/PT – Membro da Academia Portuguesa Ex-Libris, Lisboa/PT – Membro da Academia de Lisboa/PT, Membro Correspondente Honorário da ULHT – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias – Lisboa, Portugal e muitas outras entidades literárias.

ROSAS DE FERRO

Esculpir a poesia

Em fios de ferro

No alicate das próprias mãos,

Na forja, no fogo, no jogo do coração...

Modelar a palavra com sabedoria,

Dar vida ao verso livre, à fantasia,

Na lida insana, cotidiana,

Oficina da emoção!

A mão, delicada e pura,

Modelando o prazer de fazer,

O verso faminto que ora sinto,

À luz da manhã que inicia silenciosa.

Apalpar a poesia e o enigma,

Na perplexidade de criar do ferro bruto

Rosas modeladas em brasa viva.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Compor a fachada da alma

De um templo ornado de magia interior...

Esconder em páginas vibrantes

As idéias gigantes de um escultor,

Em sua hora plena de criação...

Ultrapassar o tempo

De um mundo para outro,

Enquanto a descoberta da felicidade

Embriaga-nos e enlouquece!

E não há cansaço ao fundir as rosas,

As rosas em versos da minha emoção,

Sublime centelha, minha inspiração!

PALCO DA VIDA

Logo à noite

quando abrirem-se

as cortinas vermelhas

serei mais um palhaço

no palco enganoso da vida!

Esconderei a lágrima

no bolso furado do velho paletó

ensurdecerei o mundo louco

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

com a minha falsa gargalhada.

Logo à noite, sim, logo à noite,

escondido nas cores da máscara

esquecerei a partida eterna

da minha amada e fingirei

para alegrar a platéia

sedenta de risos e diversão!

Mais tarde, pela madrugada,

ao chegar à casa solitária

encontrarei a alcova vazia

e a cama fria e nem olhos dela

estarão fitos na porta a me esperar...

Mergulharei um punhado de dor

no cálice do tinto que me entorpece

até que o sono me domine,

na certeza de que comigo

ela estará nos meus sonhos e delírios...

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados ANA CRISTINA COSTA SIQUEIRA Ana Cristina Costa Siqueira, nascida em 1958, é natural de Juiz de Fora (MG). Veio para o Espírito Santo em 1977, desembarcando com a família na antiga rodoviária de Vitória, imediações do Parque Moscoso, em dia claro, de céu muito azul. A família Siqueira se estabeleceu em Vila Velha. Ana graduou-se em Letras, iniciando na Universidade suas publicações literárias. Autora de “Poema deitado no seu peito, um jogo de amarelinha”(Scortecci Editora, 2012), participa das antologias do Selo Editorial Rebra/Scortecci e de edições bilíngues/ Intercâmbios Culturais (Universidade Federal da Paraíba e outros países; Edições Mandala, na Itália).

CIDADE FRIA Acredito que a maior parte de sua vida Evelyne viveu no Espírito Santo. Desde a última carta, em que mencionei uma provável surpresa, nunca mais escrevi; talvez por nos encontrarmos em regiões distantes, ou por julgar que não havia sentido em ocupá-la com minhas emoções. Certamente, engolimos aquele rompimento com uma dose de alívio, porque era necessário, sem mais perguntas ou fagulhas. O que nos dissemos ficaria no embarque, silencioso e repentino. Nas cartas que dobramos e ecoaram, por algum tempo, no contorno das ruas, enquanto ela respirava, como um peixe, o oxigênio de seu pequeno continente encharcado de maresia. Evy dançava, em suas vertigens, como se pudesse apequenar o porto naqueles pontos de sol esculpindo as sombras do Penedo. Deveriam caber em uma palavra, que soprasse luz e movimento aos meus ouvidos. Em certo tempo, senti o seu clamor de ave marinha. Evy tirava o pó escuro das unhas entranhado até o sabugo. Descia do ônibus todas as manhãs, na Av. Beira-Mar, e atravessava a Governador Blay, caminhando, ali, pela calçada do Bobs, até o Cine Glória. Acostumara-se àquele percurso no centro da Capital, ao movimento das lojas populares e ao ar gelado das lojas de departamentos, ainda fechadas às sete da manhã. 15


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Na Praça Costa Pereira, em frente ao Glória, virava à direita, entrando pela lateral do teatro Carlos Gomes. A Companhia Telefônica ficava na rua detrás. Era telefonista. Embora tivesse uma bela voz e aprendesse rápido, não foi indicada por sua monitora para extensão do contrato. Evy mantinha-se à distância, quase todo o tempo. A não indicação para o trabalho soara como uma improbidade sua - uma falta que ela não conseguia identificar. O “amigo X” já não fora uma grata experiência. A vida seguia, como nos trilhos. Evy não retornou; eu prossegui, abrindo o curso dos rios, que me levou ao Araguaia. Fosse por atavismo, ou não, já me tomavam inteiro por aquelas águas; estava de fato comprometido. Enquanto eu me encantava com os índios e lutava por suas causas, Eveline andava às voltas com os seus alunos, e pensava em escrever um livro. Não resta dúvida de que a poesia sempre foi a sua grande causa – ainda que no olhar inconsequente da juventude. Agora, no meio do caminho dela, pedra que rola, pedra solta, sou o seu pequeno brilhante no fundo da bateia, num dia de garimpo em terreno árido. Ela é personagem de minha tessitura. Suas mãos, entretanto, podem escrever o que não li, e talvez o que jamais dissesse. Todas as manhãs, chegando ao trabalho, comprava pastilhas de hortelã e um pacote de Piraquê no bar da esquina. Ninguém pensava em colesterol. O cheiro da manteiga no pão quente acompanhava-a pela rua, subia as escadas e misturava-se ao odor da cera, já nos corredores da empresa. Sentia náuseas; um suor frio e incômodo; tinhas picos de ansiedade, mesmo quando tudo parecia bem. Eram longos aqueles corredores; o piso escuro, impecavelmente limpo. Às quartas-feiras, comprava ingressos para os shows do Projeto Pixinguinha, na bilheteria do teatro. Numa dessas tardes, encontrou o Peri Ribeiro sozinho, à beira da rua, fumando um cigarro – aquele atalho incendiava o azul. Certamente, o sol fugira para aqueles olhos marinhos, em azuis de sanhaço, pulverizados na brisa. Estaria ele fumando de fato? Evelyne pediu-lhe que autografasse a agenda – algo de improviso tirado do fundo da bolsa.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Naquele momento, veio-lhe a certeza de que sua maturidade não atraía aos homens mais velhos – sim, em plenitude, seria ela algo semelhante a uma borboleta esvoaçando em vias públicas, nas sacadas dos edifícios e no que lhe sobrava dos jardins. O campus universitário era o seu habitat. Lá podia ser orquídea, e seduzir, com sua beleza discreta e delicada, à sombra das árvores e dos livros. Mergulhada em livros, acompanhava os anus pela vidraça da Biblioteca Central. Evy descrevera a orla da praia, frisando as telhas coloniais e os prédios baixos. Enviou cartões postais à minha irmã, que imagino lhe tenha retribuído sempre. Gostava de andar pelas ruas serpenteadas, na Cidade Alta, e de olhar pela janela do ônibus cada ponto da ilha, vielas, escadarias e as construções nas encostas. Toda a ilha ondulava num verde exuberante e escuro. Crescia então uma síndrome morna, sobre a qual não se podia arrazoar, imperceptível a quase todos os sentidos. Era como um estado de guerra, minando, aos poucos, refúgios reais e imaginários. No início era apenas o sonho, o flanar, entre a beleza e a escuridão do desconhecido. O percurso entre a Avenida Vitória e a Fernando Ferrari contrastava com a mobilidade da ilha, o cheiro da maresia: eram as velhas placas dos borracheiros, as passarelas pouco utilizadas e os bares escassos, sem muitas opções, ao longo das avenidas. Perguntava-me, nos primeiros meses, se haveria cumplicidade entre nós. Naqueles dois anos de convivência, apaixonara-me por Evelyne definitivamente, e nos envolvemos como náufragos. A brandura, para nós, significava um SOS; a branca urgência da paz. Tornei-me um Otelo, ciumento e subjugado, entregue completamente às tempestades e calmarias de um amor shakespeareano. Contudo, haveria, nesse Otelo, um ciúme que não subjugava, e um jugo que se diluía a qualquer gesto de afago. Segundo o meu “futuro sogro”, vivíamos os dois mais unidos do que se fôssemos marido e mulher.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Ela também nunca mais me escreveu, provavelmente pela mesma razão. O fato é que, aos quarenta e sete anos, eu morri (ou não exatamente com essa idade). Evelyne não o soube. Seguia compulsoriamente sua trilha drummoniana. No verão, flutuava com as baleias. Eu era ainda bem apessoado, e não ligava para pentear os cabelos – traço singular de minha ascendência indígena; perfeita combinação de maturidade e despojamento. Fiz de tudo um pouco: projetos de casas, topografia, até me envolver de fato com a música e, enfim, com o jornalismo e a arte gráfica. De espírito inquieto, busquei a história dos povos do Araguaia, descendo e subindo o rio em companhia dos índios, enquanto os fotografava com sua alegria ingênua. Imprimi na minha arte o que, neles, era primitivo, poético e verdadeiro. Esse foi talvez o meu maior embate, porque me colocou diante do mal. Nascemos de conflitos ancestrais, e nossas crenças viram armadilhas na transitoriedade. Entregue às emoções, fui um romântico incurável, à espera de um grande amor. Minhas mãos percorriam as de Evy, numa profusão de sentidos, como se o mundo, mergulhado em tinta, de repente, surpreendesse-me as formas, com todos os traços em nanquin, em sua dimensão mais ínfima; e lá estava eu, tão rápido e astuto e cego, como aquele maribondo na tela de Scliar; voo e passo desproporcionais (uma verdade Kafkiana). Tudo o que fosse visual e audível seria o gatilho para um mergulho em mim mesmo. Mas se, aos outros, a coexistência da sensibilidade e da fera talvez não parecesse algo sensato, certamente eu ainda estava por descobri-la. Esse animal, em meu íntimo, esperava que alguma coisa que o acordasse. E assim foi. Minha vida seguiu como numa avalanche. A certa altura, me vi pendurado num penhasco, pensando se mergulharia definitivamente no abismo. Jamais imaginei, até este momento, que me lembraria de mim e de Evy, como num filme, trocando beijos no pátio da escola, em todos os intervalos possíveis, a ponto de sermos advertidos, naqueles arrulhos, pela diretora da instituição.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Conheci Eveline quando veio com os pais para a fronteira. Após um mês inteiro de férias escaldantes, nos encontramos na mesma sala; começo de ano letivo. Éramos do 2º Ano e frequentávamos uma escola estadual. Não me lembro de seu sorriso – o que é incrível. O meu alcançou latitude ampla, no momento em que a vi. E éramos todos uma tribo. Comecei a desenhar e a dedilhar um violão invisível, e nesse estado de felicidade quase inconsciente, uma fúria silenciosa e mágica espalhouse dentro de mim como as raízes de uma mandrágora. Evy vestia calças cinza e blusa de organza arrematada com rendas. A leveza em pessoa; talvez um pouco excêntrica para a idade. Creio que Evelyne tinha olhos de medusa, porque aos poucos comecei a sentir medo das pedras. Não sei em que momento fomos cúmplices, ou se chegamos a sê-lo. Ela me parecia, ao mesmo tempo, maga e elementar. Nos meus sonhos não imaginara mulher alguma com olhos de pedra e de fúria. Sua beleza, entretanto, era sutil, inexplicavelmente sonora e olfativa, algo envelhecida e envolvida em pergaminho, como tudo o que seduz no tempo e no espaço. Uma música, e seus argumentos divinos, desenhada pelas chamas de um fauno. Ela mesma, talvez, não se desse conta do próprio tempo. O caminho dos cisnes é sempre mais adiante: um lago tranqüilo, de águas generosas. Até hoje me pergunto sobre o tempo perdido. Não encontro respostas. A vida apenas nos dá o fio do labirinto e um arco-íris. Evy me dizia, com sua pouca desenvoltura, no mais íntimo ou delicado do gesto, que ela era uma estrangeira por ali. Uma estrangeira em mim, que devorava parte do meu coração como uma doença sobre a qual não se tem domínio. Tínhamos momentos apaziguados, e outros, de pura ebulição – havia certos estranhamentos, entre nós, embora unidos pelo tempo incrivelmente privilegiado da juventude. Um pouco antes de sua partida, pusemos fim ao namoro. Encontrada a saída do labirinto, experimentamos todas as sensações de uma liberdade sem culpa, deliciosamente inesperada, embora há muito se quisesse um chão para depositar a carga.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Querer bem, amar, é a grande arte da sobrevivência. Aceitamos o outro com sua carga de espaços vazios. Evy criou um mundo sem ela. Quando juntos, então, eu simplesmente não sabia de mim. Tampouco se revelava para nós essa relação simbiótica, até mesmo antropofágica, em que nos alimentávamos do fígado um do outro. A verdade é que andamos muitas vezes pelas ruas poeirentas da avenida principal, na estrada de chão, perpendicular à Rua dos Operários, onde Evy morou, depois de passar um tempo em hotel de trânsito, como se chamavam as pousadas que hospedavam militares, até que se ambientassem. Viveu naquela casa por quase um ano – lugar que amava, segundo ela, por sua estrutura singular, de fachada antiga e portas altas; uma nave sem compartimentos, retilínea, cujo interior ia de um cômodo a outro, sem curvas ou esquinas. Gostava especialmente de uma área desabitada, passagem do quarto para a cozinha, único acesso ao banheiro (um parêntese em toda a descrição; uma cápsula), que cheirava a tinta fresca e a piso novo. Ali estava sua claraboia, em noites de lua cheia. Caminhar tornou-se hábito, na região; éramos ambos magricelas. À noite, geralmente de bicicleta, eu a levava na garupa. Os vira-latas nos seguiam, até certo ponto do caminho, incomodando mais pelo latido e o barulho que faziam. A avó de Evy servia bolinhos de carne e o pão que sobrara da manhã. Lembro-me de nós dois devorando seus sanduíches deliciosos. Evelyne ficava feliz por me ver alimentado – uma satisfação que a arrebatava por dentro: a de me compensar pelos seus vazios, tão retilíneos como a casa, sem curvas de afetos e sem relva.

Depois de um beijo, eu partia.

Foram tempos difíceis. Diria Evy, se fosse hoje: “Você tem uma bicicleta como as de Belleville”. Quantas vezes me viu arrancar, pela rua a fora, como um raio na tempestade, seguido de vendaval. Um dia após, de manhã bem cedo, lá estava eu, ainda com ar chuvoso; ela, entretanto, já exibia o brilho um de anjo. Não conheci as marcas de seus passos nem ela as dos meus. Nada escrevemos nos muros ou nos prometemos.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Nas escadas do CEOM ficaram os ecos de nossos risos e lágrimas, dos seus vazios e dos beijos trocados todo o tempo, como o curso de um rio, simplesmente eterno. Um avião sempre passa com o seu peso entre as nuvens. Depois, a chuva inundou a cidade. Tão longe, tão perto, espero em minha estação solitária. Ela percorre minhas águas, dentro de mim, e parece lembrar-se de um mural no Hospital Samaritano, visto apenas em fotografia. “Alma minha gentil que te partiste” assegura-me de que algo de mim deixei naquelas mãos, porque ninguém pode passar em branco por nossa vida. Os desenhos que mostrei a Evy eram ainda os de um menino tocando sua guitarra e que amava a música de Hyldo. Nunca a levei para conhecer minha família – mãe e irmãs (porque pai falecera ainda jovem). Talvez eu não quisesse expor a intimidade de minha casa; não sei se por insegurança ou se pela ausência do pai. Mas estávamos tão próximos, todos os dias, que hoje não me parece sensato. Quando a convidei para visitar minha casa nem procurei estar junto. Ela percorreu sozinha a Rua Porto Carrero, de cujo número se lembrava bem. Era boa com as datas e nenhum detalhe escapava aos seus registros. Evelyne sentira-se, de tal maneira, feliz, que passou aquela noite se preparando. Posso vê-la com a bata bordada, em tom de farda. Ela gostava de flores e de roupas leves. Naquela tarde, porém, vestira uma discreta farda de viajante, com detalhes que disfarçavam sua feminilidade. Creio que, ao seu modo, fardava-se, como em tempos de guerra. Mas, para mim, vestiu-se, todo o tempo, como princesa. Certo era que havia fuso horário entre nós. Certo é que havia a roca e seu fuso, e eu não deveria tocá-la. Evy viajaria com os pais no dia seguinte, após a visita a minha casa. O namoro já havia terminado e, naquela altura, já não importavam nossas expectativas ou a ausência delas.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Evy me disse, uma vez: “Você cheira a capim após a chuva. Para os meus olhos – concluí - a chuva fina não bastava, tinha que ser torrencial. Talvez ela sugasse o meu sorriso, por não entender as colisões do amor. Éramos barrocos, com certeza: sol e lua; música e silêncio; agonia e êxtase; pássaro e mar. Sei que ela me diria “Bendito seja todo o tempo em que passamos juntos”. Ao lhe enviar aquelas cartas, não tive coragem de contar que minha vida naquele momento se aquecia com a doce esperança de ser pai. Talvez devesse confirmar-lhe o que ela talvez já desconfiasse. Tínhamos os mesmos amigos, e me envolvi com outra pessoa, antes mesmo que ela se fosse. Não sei como uma paixão pode transformar-se em abismo, a não ser que seja ela mesma o próprio abismo. Isso me traz à consciência que uma última palavra é importante, como as placas que sinalizam as ruas e indicam às pessoas para onde devem seguir.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados ANA OLIVEIRA DIAS Ana Maria de Oliveira Dias nasceu a 12 de Fevereiro de 1952, na República de Moçambique. É professora do 3º Ciclo e Secundário. Tem vindo a participar em várias Antologias nacionais. Tem vários livros publicados, desde Contos Infanto-Juvenis e outros, crítica literária, poesia, prosa-poética. Contato: a.oliveiradias@gmail.com

Um Natal diferente

Lourenço Marques, anos ’50.

Vivíamos no centro da cidade, relativamente perto da baixa, num primeiro ou segundo andar, (não recordo com precisão). Embora tendo sempre quem nos fizesse tudo em casa, havia determinadas tarefas que a minha mãe gostava de fazer, e uma delas era preparar as refeições. Aproximava-se a hora do almoço, e, enquanto a minha mãe se encontrava de volta dos tachos, o meu pai fazia-lhe companhia, lendo as notícias de um jornal da época. Eu, encontrava-me na varanda a brincar com uma bola de celulóide, das que ainda por aí há para os miúdos se entreterem na praia – leve, aos gomos multicores. Atirava-a à parede, agarrava-a, atirava-a de novo... de repente, uma lufada de vento levou-me a bola para mais longe – para fora da varanda, rua fora. Debrucei-me no parapeito, mas, achando demasiado alta a distância até ao chão, entrei em casa, abri a porta da rua, e saí atrás da bola. Leve, com a aragem a dar-lhe impulso e a rua em descida relativamente acentuada, aí vai a bola, rebolando, e eu atrás dela. Não há noção do perigo; não há tempo que passe para uma miúda de cerca de três/quatro anos, que era a idade que tinha na altura.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Chegada a hora de almoçar, resolveram ir chamar-me à varanda. Depararam com a porta aberta, entraram em pânico, por não me encontrarem em casa, e decidiram que um iria à minha procura, e outro ficaria em casa, para qualquer emergência. Saiu a minha mãe. O meu pai ficou em casa. Qual dos dois estaria mais preocupado e ansioso, será difícil avaliar. A minha mãe foi perguntando por mim a quem passava, dando os sinais possíveis. Uma indiana disse-lhe que me tinha visto junto a uma montra, na baixa, de bola debaixo do braço. Não querendo perder mais tempo, com o coração em sobressalto e uma angústia tremenda – conta ela, e sei que é assim: será sempre assim, a minha “mãe-galinha”... – seguiu as indicações que a senhora lhe dera.

Estávamos em época natalícia.

As montras estavam decoradas e iluminadas a preceito. Apareceram nesse ano os primeiros brinquedos com movimentos impulsionados a pilhas. Recordo o meu espanto – eram normalmente animais: macacos, ursos, gatos, cães, ... Conta a minha mãe – que disto não tenho qualquer memória – que, de facto, foi dar comigo, de nariz esborrachado numa montra, de bola debaixo do braço, nos bicos dos pés, completamente alheada do resto. Bons tempos – poucos automóveis, pouco perigo, e gente boa, ainda...

Voltámos, mão na mão, ela admoestando-me pelo caminho.

Quando já estávamos perto de casa, recordo-me de ver o meu pai, fumando sôfregamente, à entrada do prédio – calculo, hoje, o desespero em que se encontrava. Pegou em mim pelas orelhas, e, escadas acima, ía-me dizendo: “Estou farto de te dizer que não se abre a porta, e que não se sai de casa sozinha”. Nunca chorei, nas poucas vezes em que senti o peso da mão dele; desta também não. Se me doíam as orelhas?!

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Acho que sim; mas, como noutras situações, interiorizava que ele lá deveria ter as suas razões para me castigar – e, neste caso, tinha-as, de sobra. Quando relembramos este episódio, a minha mãe remata sempre: “É por isso que tens as orelhas grandes...” Não ficaram dores, nem mágoas. Restam-me recordações das decorações de Natal, de uma feérica exibição de luz, de côr, de alegria e surpresa. Hoje, é mais forte que eu: percorro as ruas para ver as iluminações e as montras engalanadas. Para ver as novidades que aparecem, e também os presépios expostos –uma das minhas maiores tentações, e seduções, estes últimos.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados ARAHILDA ALVES Arahilda Alves é Graduada em canto e artística, pedagogia. Especialização em comunicação e expressão. Autora de vários hinos escolares, vinhetas e jingles e da comunidade. Escreve há 30 anos em jornais locais. Incentivadora cultural. Regente fundadora de cinco corais. Pioneira projeto citadino original “Pelos caminhos da ópera”. Consul Poetas Del Mundo. Diretora-fundadora do fórum articulistas de Uberaba. Participante em Antologia Bilingue Brasil-França. Aposentada do Conservatório Estadual Música Uberaba. Livros: “A voz que pensava demais” e “Sob mil olhares”.

Arte e manhas Não pensem ser o belo

Sempre belo

E que o feio não seja

O esboço do belo

Que a sensibilidade

Se esquece de retocar.

A memória traça

Aos pedaços

As muitas imagens

Retorcidas

Indefinidas

No abismo que o intelecto

Busca decifrar

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Tenta, dos escombros,

Salvar o que armazenou

Do processo evolutivo

Na volúpia da criação

Julgamentos díspares

Da arte

Enfeitada

Necessária

Utilitária

No juízo forjado

Da ação

Almas, em catarse

Purgam no horizonte vasto

Pedaços do coração!

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados O desenho

Sete anos de Giovanna

Cheios de entusiasmo

Descortinando sonhos

Na antevisão de ideais

Dezenas de folhas esparsas

Sobre a mesa,lápis traçam

E a cada surpresa

Surge a figura,entre cores

No espaço branco,entre amores

A barba branca

Sinal de vida longa

Traçado de um poema

Na figura de Noel

Chora e amassa

As folhas de almaço

Mãozinhas com esforço

Pedem reforço

Lágrimas esboçam

Primeira emoção

Na visão de um Papai Noel

Crescendo da tela

Para o coração!

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados BENEDITA AZEVEDO Benedita Azevedo, filha de Euzébio Alberto da Silva e Rosenda Matos da Silva, graduada em Letras, pós-graduada em Linguística, escritora, poeta e haicaísta. Recebeu vários prêmios e comendas, inclusive, o 1º lugar no 17º Encontro Brasileiro de Haicai / 2005, o 1º lugar, na V Edição do Concurso Nacional de Haicai Caminho das Águas, Santos, SP/2011. Publicou 19 livros individuais, 01 em parceria com Demétrio Sena; organizou 17 antologias e tem participações em jornais, revista, sites e mais de 60 antologias. Contato: www.beneditaazevedo.com/ Benedita_azevedo@yahoo.com.br

A VIDA CONTINUA II Após a missa de trigésimo dia da morte de Artur, o advogado da empresa marcou uma reunião para a leitura do testamento. Eurídice, a sócia majoritária da firma herdada de seu pai, deixou que o ex-marido continuasse a administrá-la após a separação. Sua retirada mensal permitia que vivesse tranquila ao lado dos dois filhos e do atual marido, professor universitário, sempre às voltas com seminários, palestras, aulas, trabalhos de alunos e pouco tempo para se preocupar com os negócios da esposa. A última esposa do morto, sem filhos com ele, gostava da vida social: teatro, reuniões nos vários clubes que freqüentavam e em casa de amigos. Nas constantes ausências do marido, reunia a turma para jogar cartas; viravam as noites, ora em casa de um, ora em casa de outro. Parecia um casal feliz. A doutora Eunice, médica oncologista, além de trabalhar naquele hospital especializado, dava plantão em dois outros. Morava em um apartamento que o pai comprara para a mãe dela, então sua secretária, quando ela engravidou dele e teve de sair da firma.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Estavam reunidos todos os interessados: Eurídice com os dois filhos. A viúva, que o tratara com desvelo até a hora da morte, mas que não se envolvera com os negócios. A doutora Eunice e sua mãe, que se passara por enfermeira, por ocasião das internações do pai. O advogado esclareceu que antes de abrir o testamento, precisava colocar os interessados a par da situação da empresa. Os últimos seis meses de vida de Artur foram de idas e vindas para o hospital e que também a saúde financeira da firma já não estava boa havia um bom tempo. Alguns prédios foram vendidos para cobrir despesas inadiáveis, de pessoal e impostos. Eurídice interrompeu a explanação e argumentou que a empresa sempre fora muito sólida e queria saber por que não fora informada de tais acontecimentos. O advogado disse que Artur tinha uma procuração com todos os poderes para representá-la, desde que se casaram havia trinta anos, e que ela nunca se interessara em saber dos negócios. A última esposa também quis saber que estória era aquela de que a firma não ia bem, pois Artur nunca comentara nada sobre o assunto. Ele sempre lhe parecera tranquilo quanto às finanças, em nenhum momento demonstrou que tinha dificuldades. Eurídice retomou a palavra, já bastante revoltada. Lamentou ter deixado os negócios correrem frouxos nas mãos de Artur. Disse que deveria tê-los retomado quando se separaram, mas que o pai dela confiava tanto no então genro que ela pensou não ter problemas deixando-o como presidente da empresa após a morte dele. A doutora Eunice e a mãe mantinham-se quietas em seus assentos. Não estavam à vontade e percebia-se que preferiam não estar ali. O advogado pediu calma e continuou a sua função de informar o conteúdo do envelope. Pediu a atenção de todos e leu a mensagem. Não era bem um testamento. Arthur dizia que fora um fraco, que mesmo amando sua primeira esposa deixara-se seduzir pela sua secretária, que acabou engravidando de caso pensado e o obrigou a assumir todas as responsabilidades por meio de chantagens, ameaçando contar tudo a Eurídice. 30


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Exigiu que comprasse um apartamento para ela morar com a filha, que pagasse todas as suas despesas e depositasse uma quantia mensalmente em caderneta de poupança em nome da criança. Aquela situação tornou-o uma pessoa ansiosa e refletiu em seu casamento, culminando com a separação. Após se separar de Eurídice, a secretária queria que ele se casasse com ela. Entretanto, ele disse que não ia ficar com nenhuma das duas, preferindo ficar sozinho. Passara-se mais de dez anos quando ele, em suas noitadas nos clubes, encontrou aquela que seria sua última esposa e resolveu se casar outra vez. Contou da pressão recebida por parte da secretária, controlada pelo argumento dele de que se tudo viesse à tona Eurídice o tiraria da presidência e até da firma, o que seria ruim para ela também, pois ele não poderia mais dar nada para ela e a filha.

Indignada, Eurídice interrompe a leitura:

- Meu Deus, eu me casei com um fraco, um cafajeste!

Dirigindo-se à secretária, xingou-a:

- Sua ordinária! Você destruiu o meu casamento e fica aí com essa carinha de santa. Sua chantagista!

Calmamente o advogado continuou:

Artur informava que, de seus dez por cento da empresa não tinha mais nada, pois consumira tudo com a chantagem da secretária e a boa vida que levara com a última esposa. Portanto, não tinha nada para deixar para ninguém, somente sua pensão para a viúva de fato. Pedia perdão a Eurídice e devolvia-lhe a empresa, quase metade menor, mas que se bem administrada poderia ainda se reerguer. Deixou documentos registrados em cartório abdicando de quaisquer direitos sobre a firma.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Após ler a informação, o advogado ponderou que Artur não tinha idéia da real situação da empresa e que precisaria ser feita uma auditoria, porém, pelo que constatara no último balanço, a situação era bem mais precária. Sugeriu uma reunião de diretoria com a presença dos três sócios minoritários, com seus dez por cento e Eurídice para assumir seus oitenta por cento da empresa e mais os dez por cento devolvidos por Artur, com todos seus problemas. A secretária manifestou-se dizendo que tinha direitos, pois tivera uma filha com ele. Eurídice enfrentou-a e disse que de posse daqueles documentos poderia processá-la e recuperar tudo que ela lhe roubara com chantagens. Aconselhou-a cuidar da própria vida e deixá-la em paz, pois já se intrometera e atrapalhara muito a sua. As surpresas ainda não tinham terminado. O advogado mostrou para Eurídice a escritura da casa onde ela morava com os filhos e o marido, passada para seu nome, como pagamento de seus honorários atrasados. Fora o último ato de Artur. Sua indignação extrapolou e ela não conteve o grito preso à garganta: - Bando de abutres, saiam todos daqui, deixem-me sozinha. Como pude ser tão enganada por um homem a quem sempre tratei com respeito e confiança, mesmo depois que nos separamos. Pensava estar tratando com um homem decente e era apenas um cafajeste sem escrúpulos. Tomara que queime no fogo do inferno! Todos saíram. Eurídice telefonou para uma de suas amigas, advogada experiente, e pediu que a visitasse ainda naquele dia, pretendia cuidar dos negócios, pessoalmente. Os filhos se despediram da mãe e foram cuidar de seus compromissos. Ela andou pela sala observando cada detalhe e parou diante da foto de Artur, pendurada na parede. Levantou o braço, retirou-a, passou a mão acariciando seu rosto e jogou-a de encontro à parede partindo-a em pedacinhos. A secretária entrou correndo. A nova presidente pediu que fossem retirados todos os pertences da gestão anterior e providenciada outra decoração para sua sala.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados BETH OLIVEIRA Beth Oliveira é natural de Recife/PE. Médica e Bacharela em Direito, Doutora/Mestre-UFPE. Docente/Pesquisadora-UFPE/1980-2009. Autora do livro O Ser Vivo Inconsciente Poder Ilimitado do Homem/2000/ Prêmio Interarte 2012/ALG. Participação nas antologias: Luiz Vaz de Camões e Convidados/2014/Magico de Oz; Histórias Para Você Dormir Especial de Natal/2012/Literarte e Poesias Encantadas III/2011, IV/2012, V/2013, VI/2013 e VII/2014.

ESPECIAL AGRADECER

Apesar de um pouco distante...

Não posso jamais relevar

Dos grandes momentos vividos...

Marcantes em realização

Eternos, deixaram vestígios...

De época, em recordação

Passado que traz no presente...

A vida em pleno vapor

Recordo com grande saudade...

A casa com grande louvor

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Relembro colegas e fatos...

Meus primeiros passos enfim

Com grande dedicação...

O curso médico, por fim...

Chegando à pós-graduação...

Tão jovem e inexperiente...

Cresci junto a tantos vividos

Galguei com responsabilidade...

Com amor no coração

Enfrentando muitos desafios...

Aos poucos, na grande missão.

Ensinei iniciantes e graduados...

Sempre passando experiência

Do melhor que aprendi...

De tudo um pouco vivi

Olhando sempre adiante...

E colhendo em vivência

Na pesquisa, com grande relevo...

Na produção do novo saber

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Com trabalhos publicados...

À níveis diversos, se vê

Revistas, congressos, encontros...

Marca-me o feliz reviver

Até administrando fui chefe...

Cheguei sem mesmo ter pretensão

São coisas da vida que chegam...

Sem nem ter imaginação

Mas tudo que chega à vida...

Reluz em missão desafios

Que Deus a mim confiou...

E muito feliz reuniu...

Em mim e me presenteou

Deixei marcas da minha presença...

Em grandes lembranças de vida

Inaugurando, orientando, ensinando...

Os frutos colhi, por onde passei...

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Impossível aqui descrever...

Na íntegra, meu grande viver.

Muitos vivem em meu coração...

Difícil a todos agradecer

Mas na vida existe o perdão...

De tudo que nos desagrada

Tentando entender o por quê...

Ajuda na humilde empreitada.

A todos colaboradores amigos...

Presença não marca respeito...

Mas vale o eterno pensar...

O amor em agradecimento...

De todos quero sempre lembrar

Mas há outros em especial...

Notórios do grande saber...

Ensinaram-me a enxergar...

Em planos e direções do crescer

Necessários no meu caminhar...

E repleta recordação quero ter

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Jamais aqui esquecer...

Do braço direito e amizade

Trocando ensinamentos...

Força e sinceridade.

Peço à Deus sempre em oração...

Pela amiga em lealdade.

Difícil descrever um a um...

Cada um com seu verniz...

Traduzido em verdade...

Trago todos no coração...

E como eterna aprendiz...

Deixo aqui o meu perdão

Relembro-me de alguns que se foram...

Subiram em outras missões

Lembrando das lutas e jornadas...

Distintas apenas em visões...

Mas sentidas e bem travadas

Hoje distante bem sei...

Feliz seguindo o destino traçar

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

A vida atrelada na lei...

Buscando o novo realizar

Sempre na luz do auxílio...

Conforme a luz precisar

Sigo firme com altivez...

O meu eterno caminhar

Em tudo um pouco do ontem...

No hoje com muito saber

Na vida, Jesus que me guia...

Por merecimento Divino

Mentores mostrando o caminho...

Que busco concretizar

Com devoção e muita alegria...

Agradecendo imensamente à vida

Por amar, amar e amar.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados C A PAULON C A Paulon é advogado, professor universitário, poeta, compositor. Livros publicados: Direito Alternativo do Trabalho. LTr Ed. São Paulo, 1984(direito);O Progresso da Ordem e o Direito Alternativo. Fabris Ed., Porto Alegre, 1986 (direito);Sindicalismo. Estudos Em Homenagem Ao Prof. José Martins Catharino. Ed. Ltr. S. Paulo. 1986(direito); Chorei & Ri- Ed.2006 (poesia); VIII Antologia Nau Literária; Poemas a Flor da Pele; Primeira Coletânea de Poemas Eróticos; Janjão e Maria (infantil); CD gravado: Toca na Toca, 2007. Contato: paulonca@hotmail.com Site: http://www.paulon.recantodasletras.com.br

Saudade

Parte de mim a acompanha quando você se vai.

Não sei se a que se vai é a minha melhor parte,

Mas provavelmente é a parte de mim que você atrai,

A mesma que quando você a leva me entrega a arte.

A parte que fica, por estar só, muito pouco me satisfaz,

Por ser ela insuficiente para tornar plena a minha vida,

Por não manter contida toda a paixão que a mim apraz,

Porque não a posso, não a devo e não a quero dividida.

E tudo isso me encontra na angustia de uma saudade,

Essa sensação sofrida, descontrolada, egoísta na essência,

A insistir na inconveniência de perturbar sua liberdade. 39


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Mas sem você, sem seu corpo, seu sorriso, seu cheiro,

Sempre me torno triste por vivenciar a sua ausência,

Porque na sua falta me falta a parte que me torna inteiro.

BRASIL

Perguntar, só mesmo com muito espanto:

“Que país é esse”, diz aí meu amigo?

Responder, só com suprema devoção de santo:

“Sei lá”... mas tentarei falar contigo.

É grande, muito grande, é belo e granduna.

É índio: ashaninka, bororo, kayapó, tembé,

Suruí, guarani, ye’kuana, waiana apalaí, mayoruna.

É mestiço, misturado, negro, mulato e branco até.

Há por cá portugueses, espanhóis, alemães, italianos,

Japoneses, coreanos, haitianos, ucranianos, finlandeses,

Angolanos, moçambicanos, árabes, chineses

e também ciganos.

Ah!, segundo o Lima Barreto, tem também um javanês.

De credos, cruz credo, o país está cheio, é demais sua crença:

Nas estatísticas, católico, não nas igrejas, nos cartórios.

Por Cristo, Orixás, Maomé, Buda, Jeová, sua fé condensa.

É muito propenso ao espiritismo de terreiros ou territórios.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Sua gente, como traça, pelos cantos do mundo

depressa se espalha,

Com futebol, com música, com dança, se faz alegre conhecida.

Tem Escolas de Samba, bumbas, bundas e bandalha.

Gente cantante de ciranda, baião, sertanejo, carimbó, caxambu,

E mais pagode, maculelê, partido alto, repente, moda de viola.

Ouvindo bem, tem o coco, o forró, o congo,

o frevo e o maracatu.

Afinal essa gente daqui pula ou dança ou canta ou joga bola.

No vanerão, no xote, no rasqueado e no xaxado é gente bamba

Que nos blocos, nos cordões e nas folias com o axé rebola.

E por fim surpreende com o choro, com a bossa nova e o samba.

Gente estranha, muito admirada, mas muito mal entendida.

Mas não se importa com que o mundo pensa a respeito.

Dizem ser uma nação que está beirando à nova raça.

“Sei lá”, pode ser... e se for o que será desse povo eleito?

Guardará suas matas, suas águas, suas terras sob

eficaz couraça?

“Sei lá”, pode ser... vejo a sua construção, com amor e dengo,

De uma pátria rica, varoa, mas tolerante e de brava gente varonil.

Gente enlouquecida pela cachaça, pelo Carnaval e pelo Flamengo

E que não desiste de torcer pelo seu esquisito Brasil.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados CARLOS ALBERTO CARNEIRO SOUZA Carlos Alberto Carneiro Souza é autor dos livros: Poesia aos meus-ed. DELICATTA-SP-2011; Poesia aos meus e aos nossos- ed. DELICATTA-SP-2012. Recebeu os seguintes prêmios de edição nos concursos culturais LITTERIS 2012: “Cada dia uma poesia” - Meus pequeninos mestres; “Literatura pela vida e pela paz” -Tributo aos poetas; “Veia poética” - Vida bendita!; “Meu Brasil brasileiro”-Ah um pai e amigo Brasil! Participou das seguintes Antologias: DELICATTA VI E VII-2011/ 2012-SP; “Um olhar sobre a liberdade no século xxI”-poesia-Liberdade ainda que tarde...DELLICATA-2013; “Nas asas da liberdade”-LITERARTE-Brasil/Chile-2012-poesia: Sou o ar. Autor da poesia: Tributo a Zeca-terceiro lugar no POÊTERE da FESO-Teresópolis-2012 Poesia :Memórias, no livro” Memórias “-Dias ,Paulo Roberto Vilela-RJ-2012 Poesia:IBEC Místico - Revista comemorativa dos 35 anos da Engenharia de Custo no Brasil-2013 Poesia : Apelo - Antologia do Centro Literário do FORTE DE COPACABANA em homenagem ao Papa “Francisco”. Centro Literário do MUSEU DO FORTE DE COPACABANA-2011/2012/2014 recebendo o título de: “ARTILHEIRO DA CULTURA” Membro da Associação Internacional de Escritores e Artistas Plásticos. Acadêmico correspondente da Academia de letras de Goiás Velho.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Poesia:Camões: dualidade e poesia – Antologia: Luis Vaz de Camões e convidados-Ed. Mágico de Oz – 2014- recebendo menção de estar entre os melhores escritores Luso-Brasileiros da Mágico de Oz em 2013.

Poetando “Fernando Pessoa”

Como tecelão

Teço esta rede de versos

Buscando capturar

“Fernando Pessoa”

Ilha perdida no mundo da criação

Em “Desassossego”

Cercado por diferente mar

Formado por águas de solidão

Pérola escondida

Em concha desenterrada

Mas perdida

À deriva da vida

Na “Autopsicografia”

De exímio inventor

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

“Pessoa”!

Não sabes,”quantas almas tens”?

Então trilha teus personagens

Por essa rachada estrada

De tua genialidade

Fugindo ao “Presságio”

De singular personalidade

Do agressivo ardor da pimenta

À escrita temperada

Refrescante como menta

Poemas nem tão doces

Como mel de cerejeira

Tua pena , caneta

Navalha afiada

Sangrando cada papel

Poeta polêmico

De ecléticas escolhas

Consequência

Fel...

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Amor

Emaranhada teia

Droga na veia

Prisão

Sofrimento mais que alegria

Povoou seu coração

Poeta louco

Em incontestável poesia sã

“Pessoa”

Às vezes

Detestável

Digno de um divã

Mas bombástico

Em todos os tempos...

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados CARMEN HUSSEIN Carmen Hussein é poeta e professora universitária de Psicologia. É Mestre e Doutora e tem um estágio de pós-doutorado nesta área no IPUSP. Publicou vários livros e artigos em revistas neste tema. Recebeu 5 distinções internacionais pela sua vida profissional. Publicou cerca de 1000 poesias. Ganhou vários prêmios,condecorações,concursos nacionais e alguns internacionais. Tem 90 Antologias sendo que 25 delas estão divulgadas no exterior em português, espanhol, francês e holandês. Tem ainda 19 livros de Poesias, sendo que 5 deles divulgados no exterior em português, espanhol, inglês e alemão O site é www. carmenluciahussein.com.br . A sua obra está no site--www.livrariacultura.com.br.

Tempo presente

Que tempo são os de hoje?

Cheios de guerra

Ódio Violência Competição Individualismo

Sem espaço para o amor

E as pessoas não sabem amar

Serem cooperativas

Fraternas

E solidárias

Que tempos são os de hoje

Que as pessoas não aprendem a amar? 46


Antologia Fernando Pessoa e Convidados A beleza

Rezo quando contemplo a beleza

Vejo Deus na beleza

Da música

Da poesia

Da verdade na ciência

Das boas atitudes

Do amor

No sorriso de uma criança

E no canto do sabiá nas árvores

A beleza está além das palavras

Que se transformam em poesia

E em música

A vida toda não seria uma busca da beleza

No meio do caos sem sentido?

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados CECY BARBOSA CAMPOS Cecy Barbosa Campos é natural de Juiz de Fora,MG. Bacharel em Direito e licenciada em Letras, Inglês. Mestre em Letras pela UFJF. Professora de Língua e Literaturas de Língua Inglesa, é aposentada pela UFJF. Leciona nos cursos de graduação e pós-graduação do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Trabalhos publicados em revistas especializadas e anais de congressos. Livros: The iceman cometh: a carnavalização na tragédia (2000),O reverso do mito e outros ensaios(2002), Recortes de vida, crônicas e contos(2009) e Cenas-poemas( 2010).

CANSAÇO Rodney estava cansado. Cansado da vida, do trabalho, da mulher, dos filhos, do trânsito. Também, trabalhava desde menino, aos dez anos já saía de casa aos sábados, bem cedinho e ia ajudar na faxina do botequim do seu Altino. Metido a importante,seu Altino não gostava que chamassem o seu negócio de botequim, era o Tino´s Bar. Nunca entendi porque aquele s, o seu Altino era um só – esquisito – ia pensando o Rodney enquanto dirigia o ônibus superlotado. Parecia coisa do destino, continuou pensando. O pai inventara aquele nome para o filho porque viu em uma manchete de jornal quando ele nasceu, em 1992. Depois ficou sabendo que o homem era um motorista americano e ele também acabou virando motorista. Distraído, dá uma freada brusca ao perceber que quase passava do ponto sem parar. A velha que já havia levantado de sua poltrona antes do ônibus estacionar, é jogada para a frente e quase cai. Foi sorte que um passageiro estava de pé, quase ao lado do motorista e, por acaso, ampara a mulher com o próprio corpo.. Gritaria, impropérios, pessoas reclamando ao mesmo tempo. Aquela mulher implicante que todas as manhãs toma o ônibus do Rodney, pega o celular e tenta fazer uma ligação para a empresa, querendo dar queixa.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Que merda , o meu nome escrito no ônibus, resmunga Rodney. Como o serviço de telefonia celular é péssimo, difícil alguém conseguir falar dentro do veículo. A mulher insiste algumas vezes mas acaba desistindo. Telefone, transporte, saúde, educação, corrupção...Será que hoje vai haver manifestação? O motorista queria mesmo era que tudo parasse e ele pudesse ir para casa dormir, ainda mais que além das horas extra teve que ir correndo de madrugada para levar o bebê ao pronto socorro porque ele engoliu não sei o quê... Repentinamente, Rodney vê um revólver apontado para a sua cabeça. Enquanto um bandido ameaça os passageiros com uma arma, outro pula a roleta e começa a fazer o serviço. Fudeu! Agora vai ter confusão de B.O., delegacia, isto aí vai render! E eu que só queria acabar o meu turno e ir para casa descansar algum tempo, pensou desanimado.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados CONCEIÇÃO OLIVEIRA Conceição Maia Rocha de Oliveira nasceu em Aveiro, Portugal. Formou-se pela Escola do Magistério Primário (Aveiro). Estudou na Alliance Française: Diplôme Pratique e Diplôme de Langue Française. Frequentou Línguas e Literaturas Modernas - Universidade de Coimbra. É licenciada em Português e Francês (Ensino) pela Universidade de Aveiro. Exerceu docência nos vários graus de ensino, durante 38 anos. Aposentada da docência, dedica-se à escrita; Dois livros publicados e participação em várias Coletâneas e Antologias – Poesia e Prosa, entre Portugal, Suíça e Brasil.

PRECISO DE TI

Preciso de ti,

Na crueldade dos dias

Que me dizem dissabores

Em disparos de ódios inúteis,

Tão completamente amargos…

Preciso muito.

Entre silêncios e vulcões frios…

Inundo-me de pensamentos impressionistas

Gerando lagos de nymphéas, nos luares quentes,

Quando das pontes escorrem magmas, secando rios…

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Sei que não precisas de mim em teus sonhos soltos

Há pessoas que nunca se perdem, nem precisam de colo

Ainda que o mundo lhes traga encruzilhadas, e mares revoltos…

Mas eu preciso de alguém que leia os meus dias

Me afague as noites que desabrocham mártires

Tornando-se a cada momento, eternas e frias…

Preciso,

Preciso muito! “Ser descontente é ser homem. Que as forças cegas se domem Pela visão que a alma tem! “ (F. Pessoa)

NOVOS TEMPOS…

Por entre ventos de espuma a crepitar,

lava e terra, asas de fumo,

Enceto meu voo nas cinzas amarelas das ondas em temporal

Percorro verdes campos de esperança.

O sonhar…

Desfraldam-se velas em lágrimas poéticas, em Odes de Mar…

Navegam odisseias em águas de livros desassossegados…

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Prumos,

Lábios, fogo,

Não padrões…

Carências de amar…

Mensagens de guerras, saindo

Mar azul, muito Mar

Vermelho coração

Dor fingida,

Verdadeira,

Parindo…

Fecundam-se de novo os oceanos em pluralidades

Morte de domínios terrenos.

Expulsos os algozes

Mentes acordadas, espreitam igualdades

O Futuro, em todas as cores,

No irmanar da palavra

Várias… as vozes.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados DANIEL DE CULLÁ Daniel de Cullá. Poeta, escritor, pintor e fotógrafo, membro fundador da revista literária Galo Tricolor. É membro da Associação Colegial de Escritores de Espanha. Na actualidade participa em espectáculos que fundem poesia, música e teatro. Dirige a revista de Arte e Cultura ROBESPIERRE.

A MORTE É UM CACHORRO VERDE (No Cemitério de Moradillo)

Vestido de preto com a sombra do Cipres

Dormiu entre as tumbas

Seus pés descalços a sentir a respiração do solo

Inexorável como as agulhas de um relógio de Centeron

A mente de um esquecido

E um “Eu amo Mario, Mary”

E “para você também, homem, mulher”.

Sua pegada é palpável em torno das tumbas

Dando passos ao vento das almas

Que vento vai um lado a outro

Aborrecimentos dos seus pecados

Pelo pecado da lantejoula, o pecado do asno

Por essas ruas em silêncio e famintas

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

De orações ou recordações

De século em cruz, em bandeiras ou pedras

Sobre suas cabeças acomodadas na tierra

Segundo as aparências da fé de cada qual

Por razões e coisas

Que concertam o que não concertam

Cada tumba escuta

O murmúrio silencioso das gentes

E do pesar de que sua corda quebrou pelo mais estreito

E pagaram justos por pecadores

Dando o defunto ou a defunta

Voltas eternas em sua tumba

Como podemos ver na frente da lápide

Esse momento acontece

Na nova morte de uma menina

Num dia de desventura

Quando o namorado lhe deu com um botijo na cabeça.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

A morte deambula e é tão eterna

Como a barata

Que habitou a terra antes que Deus e o que homem

E que vive noventa e nove dias sem cabeça

Antes de contar sete, e descansar

Como descansa a morte, agora

Levando-se um beijo

De cá para lá

Mudada de ar, e, voltamos a mão, dizendo:

Chega uma caixa de pérola

Onde dorme um menino ou menina

Que mentirá em seu berço ao vento

Despertando-lhes de um sono

Metido entre a roupa

Fazendo com que seus sorrisos voem

Por ruas calcetadas salpicadas de almas

“Para morrer, que fruta é que comeram?”

Se preguntam as gentes.

Enterrados por esta mesma gente submetida a um amo

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Chamado dor e tristeza

A menina, se é menina

Será enterrada com suas bailarinas

E o menino, se é menino

Com seu carrinho de bombeiros

Para dançar ela, quando vier o silêncio

Na habitação da Não Vida

E o menino queimar os ramos de flores , já secas

Que, contudo, para sua pena,

Não ardem.

Deixemos os mortos descançar

Da cansativa viagem dos porteiros

Na quem tem que os enterrar

Levando ás costas as caixas

Cruzemos o rio de A Vida

Que passa não muito lonje do portão

E rega as usinas

Que a morte está à porta

Sonhando caracóis ou cantáridas

Que não escute o desejo que algumas têm

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

De muda de marido ou ficar viúvas

E o cão verde

Que habita o cemitério

Que pela noite se assuta de ver fantasmas

Siga ladrando quando queira:

“Não entendo”

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados DELMAR DOMINGOS DE CARVALHO Delmar Domingos de Carvalho nasceu em Lisboa a 19 de Julho de 1939. Ensaísta, biógrafo, poeta, ficcionista, sociólogo, etnógrafo, filósofo, fotógrafo amador, jornalista, vegetariano. Idealista e utopista desde muito jovem é defensor dos Estados Unidos da Europa, do Parlamento Mundial, da Fraternidade Universal.

QUEM É FERNANDO PESSOA?

Quem é Fernando Pessoa?

Poeta imortal e escritor,

Que nasceu e morreu em Lisboa;

Alquimista da Dor.

Quem é Fernando Pessoa?

Filósofo universalista e tradutor,

Conhecido do Brasil a Goa;

Viu que o SAL… era ditador.

Quem é Fernando Pessoa?

Astrósofo e Profetizador,

Viu a HORA BOA,

A Luz do Libertador.

Quem é Fernando Pessoa?

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Um messianista renovador,

No espaço sideral ele voa,

Louvando a alvinitente Flor.

Nas asas do cavalo de Pégaso, entoa,

Dizendo que o “ poeta é um fingidor”:

Eis o cósmico Fernando Pessoa,

Da Lusofonia, o Imperador.

VIVEI A FRATERNIDADE

Vivei a Fraternidade,

Em serviços amorosos;

Defendei a Liberdade,

Em actos bondosos.

Defendei a Igualdade

Vencendo os maliciosos,

Respeitai a Diversidade,

Com sentimentos generosos.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Em cada idade

Há seres formosos,

Aprendei com a Humildade,

Em feitos valiosos.

Vale mais a qualidade

Dos trabalhos preciosos

Do que a quantidade

Em valores duvidosos…

Acordai Humanidade!

É Hora de mutações,

Haja Pureza e Lealdade,

Em nossos corações.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados DELMAR MAIA GONÇALVES Delmar Maia Gonçalves nasceu a 5 de Julho de 1969, na cidade de Quelimane, em Moçambique. É Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora. Publicou os livros de poesia “Moçambique Novo, o Enigma”; “Moçambiquizando”; “Afrozambeziando Ninfas e Deusas”; “Mestiço de Corpo Inteiro” e “Entre dois rios com margens”. Está representado em várias antologias internacionais.

Viajante…!

Viajante!

Ao carregares

as angústias do mundo

cometeste

um erro

Esqueceste

as tuas angústias!

País

De mim

me ausento

para me ausentar

do meu País!

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados DIANA JOSEFINA GUENZBURGER Diana Guenzburger nasceu no Rio de Janeiro em julho de 1940. Formou-se em Química Industrial, obteve o Mestrado em Química e o título de Doutor em Física. Trabalhou em pesquisa e ensino até se aposentar. Atualmente, dedica-se a escrever e às artes plásticas, tendo publicado o romance do gênero policial/suspense “Morte no Condomínio” em 2013. Participa da Oficina Literária do Professor Ivan Proença.

A Excursão O ônibus de turismo avançava pela estrada da costa com certa dificuldade, devido ao grande número de curvas e lombadas. O veículo era moderno e seu molejo procurava compensar as inevitáveis sacudidas que a estrada proporcionava. A excursão incluia um número grande de pessoas, cerca de quarenta e cinco, todas falando português ou espanhol. A maioria eram pessoas de meia-idade ou já idosas, pois estas dispunham de recursos e de tempo disponível para se permitirem viajar. Era o caso de Dora; aos setenta anos, viu-se subitamente viúva e sozinha. Após um longo periodo de luto, constatou que, com a pensão do marido e sua aposentadoria de professora do estado, poderia se dar ao luxo de conhecer um pouco mais o mundo. Quando avisou aos filhos que iria fazer esta viagem, estes procuraram dissuadi-la: “É muito perigoso você ir sozinha, Mãe. Você pode até ser sequestrada!” Ela tratou de tranquilizá-los, garantindo que não iria sozinha, pois estaria com a excursão. Mas não podia negar que uma pontinha de apreensão a acompanhava, desde que saira do Rio de Janeiro. Os passageiros do ônibus, de modo geral, estavam de bom humor. Dora tentava acompanhar, tornando-se mais sociável que de costume. O clima também estava colaborando; após dois dias de céu cinzento e chuva fina, o tempo abrira e um céu azul-turquesa e sol brilhante iluminavam a paisagem.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados O azul profundo do mar Adriatico, contrastando com o verde da vegetação das ilhas, arrancava exclamações de admiração dos passageiros, que clicavam suas máquinas fotográficas freneticamente.

A guia pegou o microfone e pediu silêncio.

“Estamos nos aproximando de uma das maiores atrações desta excursão”, anunciou. “O núcleo medieval da cidade onde iremos parar foi considerado pela Unesco Patrimônio Mundial da Humanidade!” O ônibus entrou na pequena cidade e parou para a descida dos viajantes. A guia, enérgica e apressada como sempre, seguiu em frente com passos largos, após um rápido “sigam-me!” O grupo iniciou a caminhada coeso, mas aos poucos foi se espalhando. Dora, que além da idade era franzina e tinha baixa estatura, avançava com passos miúdos. Logo viu-se uma das últimas do grupo. Chegaram ao muro do que fora a cidade medieval original. A guia entrou por um portal que ia dar numa ruela estreita, sem calçadas nem árvores, como era típico daquele período; desta ruela ramificavam-se outras, cada vez mais estreitas. As casas antigas eram de pedras, com janelas pequenas. Dora viu de longe os companheiros de excursão entrarem pelo portal; quando chegou a sua vez, não havia ninguém na ruela de entrada que pudesse reconhecer. O beco foi dar em outra ruela, que desembocou num beco mais estreito ainda. Escurecia; os turistas tinham desaparecido. Dora estava ficando cansada; às vezes, depois de andar muito, tinha a impressão que voltara para o mesmo lugar. O fato de não encontrar ninguém da excursão a estava deixando nervosa, e seu coração começou a bater mais rápido. Chegou a uma pequena praça, onde havia uma igrejinha medieval de pedra. Aproximou-se da porta de madeira, disposta a entrar e pedir informações. Ao colocar a mão na porta, que estava apenas encostada, esta abriu-se, e Dora se viu no interior, que estava na penumbra. Foi avançando cautelosamente, com medo de tropeçar em alguma coisa.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Quando chegou perto do altar ouviu um ruido pelas costas; virouse, e constatou que a porta tinha-se fechado sozinha. Voltou rapidamente até à entrada e verificou que a porta não tinha maçaneta por dentro; ao tentar empurrar para abrir, não conseguiu, mesmo empregando o máximo de sua força. Neste ponto, Dora começou a entrar em pânico. Tentou se acalmar, e sentou-se num degrau para descansar. Levantou-se mais tranquila, decidida a explorar cada canto da pequena igreja, procurando uma saída. Mas nada encontrou. Finalmente, notou uma entrada estreita; ao aproximar-se, viu que dava para uma escada de degraus de pedra, que subia em espiral. Deduziu que se tratava da torre da igreja, e resolveu subir para ver se haveria vista de alguma janela, ou mesmo do topo, que a ajudasse a se localizar. A escada dava voltas e mais voltas; as poucas janelas eram muito altas para que pudesse alcançá-las. Finalmente, chegou ao topo, após o que pareceu ser um tempo interminável. Arcos se abriam, permitindo vislumbrar a vista ao redor. Numa praça bem próxima, estavam estacionados vários ônibus de turismo, entre os quais o de sua excursão, inconfundível com suas listas diagonais roxas e vermelhas. Enquanto observava a cena, subitamente o veículo começou a moverse. Atravessou lentamente a praça e continuou por uma avenida larga até chegar à rodovia. Dora ficou olhando do alto, enquanto o ônibus de sua excursão seguia pela estrada e a escuridão avançava sobre a cidade medieval.

Os Macacos A vila de Botafogo chamava a atenção dos passantes que olhavam de fora, pela beleza de suas plantas e o charme de suas casinhas antigas. “Dá mesmo inveja de quem mora aqui”, pensavam os pedestres que andavam pela calçada da rua São Clemente em frente à vila, respirando o ar poluido dos carros e dos ônibus. 64


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Na verdade, quem morava nesta vila tinha certos problemas, desconhecidos dos passantes. Um deles era o calor no verão. De fato, as casas que davam de frente para a rua estreita da vila eram geminadas, o que impedia a circulação do vento. Outro problema se iniciara há pouco tempo, e estava deixando os moradores atônitos e sem ação. Eram os macacos. As últimas casas da vila davam para uma mata; nesta habitavam aves tropicais como tucanos, bem-te-vís, jacus e gaviões, assim como micos e gambás. Alguns anos atrás, começaram a aparecer também macacos-prego. No início, eram poucos; os moradores da vila, assim como seus visitantes, ficavam encantados quando êles surgiam. As crianças jogavam bananas, que os símios sabiam descascar com grande destreza. A incrível agilidade que demonstravam ao descer e subir pelas árvores tornavam seu aparecimento quase um espetáculo de circo. Não se sabe bem o que aconteceu, mas a população de macacos começou a aumentar. Em vez de três ou quatro, apareciam formando pequenos bandos. Este fato teve logo algumas consequências. Os animais tornaram-se mais agressivos; em vez de somente olharem de longe, como sempre haviam feito, começaram a entrar pelas janelas do andar de baixo das casas. Era comum encontrá-los nas cozinhas, onde iam roubar bananas e outras frutas que achassem. Frequentemente deixavam tudo revirado, panelas, panos de copa, e mesmo pratos quebrados no chão. As crianças, que antes achavam graça, passaram a ter medo dos símios, que as olhavam fixamente de cima dos galhos das árvores próximas. Os moradores reagiram colocando redes nas janelas do primeiro andar; no entanto, nas casas que tinham árvores perto, os macacos pulavam das mesmas e entravam pelas janelas do andar de cima. Finalmente, todos se sentiram tão incomodados que resolveram fazer uma reunião do condomínio da vila, para decidir o que fazer para se livrar desta praga. 65


Antologia Fernando Pessoa e Convidados A reunião realizou-se no meio da rua da vila, numa noite agradável de tempo bom. A síndica tomou a palavra, e logo todos se dispuseram a dar sua opinião. “Eu acho que devemos chamar as autoridades para eles levarem todos esses macacos para o Jardim Zoológico!”, disse um morador, conhecido por suas propostas radicais. “Está louco! Eles nunca iam fazer isto. Trata-se de animais selvagens, que têm todo o direito de ficarem livres”, retrucou uma senhora que trabalhava numa clínica veterinária. Um rapaz de camisa preta, tatuagens nos braços e argola de prata no nariz levantou-se e apontou os dois braços para cima, fazendo pontaria. “Uns tiros de espingarda de chumbinho em alguns desses bichos ia espantar os outros e acabar com o problema!”, exclamou. Esta proposta foi recebida com vaias. Ideia semelhante de um senhor sizudo de terno e gravata, que se dispunha a colocar raticida em algumas bananas, também foi rejeitada ruidosamente. A reunião prolongou-se até tarde da noite, sem que se planejasse nada de concreto para resolver o problema dos macacos. Ao final, todos se dispersaram, tendo ficado acordado que iriam pensar sobre possíveis soluções para levar a uma próxima reunião. No entanto, o tempo foi passando e nada foi feito. Não se sabe exatamente quando se iniciaram os estranhos acontecimentos. Uma manhã, o funcionário da padaria tocou a campainha de uma das casas, para entregar os dez pães franceses e o queijo que trazia todas as semanas. Ninguém atendeu. Voltou à tarde, mas não havia ninguém. Outros entregadores tiveram a mesma experiência. Em cima do tapetinho externo de várias residências, começavam a se acumular pilhas de jornal, que não eram recolhidos pelos moradores. O funcionário dos Correios reclamava com todos que estava cansado de voltar com a correspondência, pois não conseguia entregar nada. 66


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Finalmente, um dia apareceu um grupo de pessoas, dispostas a tomar uma atitude. Eram parentes dos moradores, alarmados por nรฃo conseguirem entrar em contato. Vinham acompanhados por um destacamento do Corpo de Bombeiros, e pela Defesa Civil. Escolheram uma das casas e arrombaram a porta, com a ajuda do machado de um bombeiro. Entraram e se depararam com uma cena assombrosa. O caos reinava na sala, com os mรณveis e objetos revirados. Dezenas de macacos estavam em toda parte, pulando de um local para outro. Sentado no sofรก calmamente, encontrava-se um macaco-prego que parecia ser o maior de todos, com o pelo no alto da cabeรงa jรก grisalho. Na pata dianteira, segurava um osso, que mordiscava com grande deleite.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados ELIANE NEGRÃO Eliane Negrão, nasceu em Mandaguaçu/PR; e morou até os 11 anos de idade, no interior do Estado. Aos 12 anos muda-se para a Curitiba, ali vivendo por 8 anos, com sua família. Frequenta neste período, o Centro de Criatividades. Retorna à Ibaiti, no ano de1981, passando a promover e participar de diversas oficinas e exposições, de pintura, clássica e contemporânea, e, escultura. Em 2001, é despertada sua veia poética. No ano de 2002, é premiada no 4º Salão Internacional de Artes de Chavantes/SP; com uma obra em escultura de ferro, intitulada “face”.

PERFEIÇÃO

Tudo é perfeito,

está perfeito.

A chuva que agora cai,

a falta que você me faz.

Saudades

de minhas crias,

é perfeito,

está perfeito.

Solidão,

é tempo de meditação.

É perfeito,

está perfeito... 68


Antologia Fernando Pessoa e Convidados MORTE

Quão incerta,

Por vezes em ti chego pensar,

com melancolia quando vejo

tudo que não vivi,

tudo o que não cumpri,

e, não me permiti.

Porém, me pareces amiga,

ao imaginar que em ti ,

poderia me deleitar, voar,

me libertar dos limites

que este corpo me impõe.

Mas, sei , és imparcial,

e o bem e o mal que de ti emanarão,

não passarão de sobras de minha torpe,

ou, consciente visão ...

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados FRANCILANGELA CLARINDO Francilangela Clarindo nasceu em Fortaleza. Lê e escreve antes mesmo de o saber fazer. A leitura e a escrita faziam parte do universo de suas brincadeiras pueris, encantando e trazendo magia e alegria. Quando se apropriou das letras e as decodificou, passou então a escrever suas histórias. Nunca mais parou. De natureza intimista, tem no ato de escrever uma arte que liberta seu ser, que vibra seu coração e libera sua mente. Em 2010 publicou seu primeiro livro.

Desbravando no peito e na raça

A primeira coisa que desbrava

o homem

É a si mesmo.

Lá no fundo de sua alma,

No íntimo de seu ser.

É ali, naquele recôndito inabitável

Que nascem sonhos, aspirações,

desejos...

Imagens futuras

Ali são instaladas.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

E como absurdo se diferente fosse

Pois ao fracasso estaria já marcado

O ser que dentro de si

Não tivesse a certeza da vitória.

Vitória que se processa

De forma diferente em cada um

Podendo uma pequena coisa ser

Ou mesmo grande.

Não importa!

Importa sim

O sentimento desbravador

Daquele que rompe as barreiras

de si mesmo

Para caminhar no desconhecido.

Aí então chega o momento

Dos primeiros passos dá

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

De sair de si mesmo

Para avançar.

O que foi pensado interiormente

Lança mão do espaço

Para invadir o terreno do outro

Do lugar alheio.

Medo? Dá sim!

Receio? Tem sim!

Luta? Claro que há!

Conquista? Não há sabor melhor!

O medo é algo inerente ao ser humano

sentimos mesmo sem querer

Como proteção

Do que virá acontecer.

Mas o vencemos

Por mais forte ser o objetivo

Por ter um ideal

Que torna-se o foco.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Já o receio bate à porta

De um coração temeroso

Que combate o sentimento

De um ponto nevrálgico.

E a luta temos sempre

Desde o início da vida

É ela que torna o momento da glória

Mais ainda saboroso.

É lutando pelos percalços da vida

É desbranvando cada caminho

Retirando cada pedra

Que nos transformamos interiormente.

É a luta o principal acordo

De um ser com ele mesmo

Combinadas as armas

No início do processo.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

E travada luta consigo,

Com o outro,

Com o lugar,

Vem então a vitória.

Vitória conquistada

Com lágrima, dor, suor, saudade

Coisas de agora ou de outrora

Com a certeza de um porvir.

Desbrava, ser!

Saia da inércia provocada pela inaptidão

De sonhar,

De viver intensamente o que se deseja.

Fácil é!

Muito fácil mesmo.

Do seu lugar não sair,

Em seu canto permanecer.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Mas o futuro é incerto

A dor nos alcança onde estivermos

E a luta diária

Faz o homem andar.

Desbrava homem, mulher, criança

Se és humano, desbrava!

Não te contentes

Com o prato que lhes é servido.

Busca a tua própria louça

Do jeito que queres

Do jeito que gostas

Do jeito que possas.

E sobre as escadas

Começando pelos teus

degraus

Até chegar aos outros

Que a sociedade te impõe.

75


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

E, de degrau em degrau,

Sempre subindo, nem que seja um.

Por vezes algum descendo ou parando.

Chegarás ao topo!

E lá chegando

Olharás enfim a todos os lados

E verás que há outros degraus

De escadas que nunca tinhas

percebido existirem.

A VIAGEM

Não sabia como seria aquela viagem

Já nos conhecíamos há algum tempo,

Mas apenas virtualmente.

Nunca havíamos nos encontrado.

Combinamos então uma viagem

para nos conhecermos.

Nem na minha cidade e nem na dele.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Estaríamos em pontos neutros.

Num lugar novo para nós dois.

Estava muito ansiosa.

Acredito que ele também.

Era a primeira vez que algo assim

Acontecia em nossas vidas.

O meu hotel era o mesmo que o dele

Também ficamos no mesmo andar

Ficaríamos próximos um do outro

Isto acelerava mais ainda nossos corações.

Cada um sairia de sua cidade no mesmo dia

Chegaríamos juntos, mesmo dia e hora

Para aproveitarmos ao máximo a viagem

E nossas presenças.

Fora isso

Nada estava mais combinado

Deixaríamos que o momento

Cuidasse do resto.

77


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Tinha prometido a mim mesmo cautela.

Não sabia como ele era de fato.

Estava cheia de medos e receios.

Mas confiava nele plenamente.

Agora como confiar em corações enamorados?

O meu ansiava por tê-lo ali presente fisicamente.

Fulminava meu ser

Esta ideia maravilhosa.

E sabia que ele também me desejava.

Já muitas vezes me confessara.

E muitos sonhos tivera comigo

Com tal expectativa.

Como coisas novas são boas em nossas vidas.

Um novo amor, uma nova casa, uma nova gravidez...

Eu estava encantada com ele

Com todo sentimento de uma grande novidade em minha vida.

A viagem foi tranquila.

A chegada ao hotel agradável.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

O encontro com ele maravilhoso.

Logo que se abriu as portas do hotel,

dei-me com ele no balcão.

Meu coração acelerou.

A voz embargou.

A segurança foi-se.

E as mãos tremulavam.

Falei com ele rapidamente.

Temia que minhas emoções me entregassem.

Combinamos o almoço

No restaurante do hotel.

No quarto meus passos eram rápidos.

De cá para lá,

E de lá para cá.

Não mais sabia como me comportar.

Estava ele tão pertinho de mim, ali naquele andar.

79


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Tentei reorganizar-me.

Precisava de cautela ali.

Logo, logo o encontraria.

Para um gostoso momento com ele.

Arrumei-me demoradamente.

Troquei de roupas inúmeras vezes.

Queria que ele me visse

Da melhor forma possível.

O almoço foi tranquilo.

Gostei de tudo nele.

Seu corpo, sua voz, seu jeito.

Era todo mais que imaginara.

Combinamos como nos comportaríamos

enquanto ali estivéssemos.

Nossos encontros, passeios, horários, enfim.

Tudo eu deixava por conta dele

Que de forma muito ajuizada tudo organizava.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Quanto mais o conhecia, mais o amava.

Estava mais certa ainda dos meus sentimentos por ele.

Não havia um homem mais maravilhoso.

Era tão especial para mim.

O almoço terminou com a promessa de um café, logo mais.

Café que se estendeu para um passeio.

Que culminou num jantar maravilhoso

Terminando a noite com um novo passeio na orla.

E assim foram três dias maravilhosos.

Sempre juntos

Em muitas atividades

E muito próximos ficamos.

Na última noite

Já depois do passeio noturno

Estava já nervosa

Com a perspectiva do fim daqueles dias maravilhosos.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Estava eu pensando nisto

Quando o telefone toca

E atendo com a adorável surpresa

De ser ele a me ligar.

Queria conversar comigo

Viria a meu quarto

Já naquele momento

Se eu permitisse.

Não havia até então

Estado em meu quarto.

E nem eu no dele.

Os encontros eram sempre no hall.

Aceitei trêmula.

Ter mais de sua companhia seria agradável.

Mas era diferente tê-lo ali,

Tão intimamente.

Mas logo chegou.

Lindamente vestido e perfumado.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Um ar de saudade no ar,

Com um sorriso largo ao rosto.

Conversamos muito.

E ríamos solto.

Quando nossos olhos se encontraram.

E eu timidamente baixei os meus.

Ele se aproximou.

Tocou em meu queixo.

Elevou minha cabeça

E beijou-me!

Eu me entreguei àquele beijo demorado

Num paraíso de duas pessoas enamoradas.

De uma forma tão consensual

De ambas as partes.

Ele soltou-me.

Aguardou um pouco como se esperasse minha aprovação.

Sorri!

E ele segurou minha mão.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Caminhamos para a cama lentamente.

Passos nervosos.

Silêncios que muito falavam.

Noite que não queríamos que acabasse.

Não há palavras que traduzam o que ali aconteceu.

Nosso amor foi selado naquele leito.

Éramos como um naquele ninho de amor.

Sem nada ser mais importante do que nós mesmos.

Foi maravilhoso acordar ao seu lado.

E lembrar de como havia sido aquela noite.

Que nunca seria esquecida.

De um amor que ali consolidava.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados GAIÔ Maria A. de Rezende Gaiô é brasileira de Ribeirão Preto-SP, Arte-Educadora e Pedagoga. Participou de várias Antologias, inclusive lançada na Bienal Internacional do Livro em São Paulo (2010). IX prêmio Literário Livraria Asabeça (2010). E pela Ed. Scortecci seu primeiro solo de poemas“VERSO-UNI-VERSÁTIL-DI-VERSO”, ilustrado pela autora. Menção Honrosa no Prêmio Varal do Brasil em Genebra. Participou da mostra Salão I. do Livro de Genebra–Suiça 2013 e 2014 (Varal Antológico 4). Menção Honrosa no Prêmio Literário Varal do Brasil (2013) e da A.C.I.M.A.-Itália (2014).

PODER da IMAGEM

Eis a vida gerada,

Consumida no anônimo gesto

Imagem captada distorce a linguagem

O instante,

Imagemda imagemda imagem

Do indigesto.

Acaso ou não

No espanto instantâneo

Em representação do trágico,

Da dor, do lúdico, do mágico,

Real imagem em dissolução,

Seja o que for de perturbador,

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Nos arrebata o poder da dor.

Ver, sentir, pensar, intuir,

O que concluir?!?

Fere a lança o olhar, a coragem,

Não nos falte o discernir!

E vidente da dor do outro

Vestígios sem cor o permeia.

Visualizemos a chama

Do fogo abrasador

Da alienante rotina!

Ilusão agoniza sobre o real.

O próprio sujeito que sofre ,

Na Imagem que tem de si

Se narra sangrando

Em vivo ritual-virtual,

Desvirtuada imagem,

Nova ordem global.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Eu...Tu...Ego...Nós...

Tão bom saber que posso

A essa altura da vida,

Separar o original:

Um Eu que me identifica

Do desarvorado Ego.

Paradoxo, não nego.

Meu, nunca o teu

Ego, egoísta,

Onde só eu existo,

onde só eu falo, sinto,

Em mim insisto,

Narcisista.

A mente,

Posta no coração

Pode conclamar

Um Eu que transcende,

O que evoca o infinito,

Congrega no nós, iguais,

Corpos e espíritos,

Irmanados,

Fraternais...

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados IRMA GALHARDO Irma Galhardo é graduada em Direito com registro na OAB, especialista em História da África e do Negro no Brasil e em Docência do Ensino Superior . Mora no Tocantins onde ocupa lugar de referência na Literatura Infantil, sendo autora de significativo projeto de apoio à leitura, contemplado em edital do Ministério da Cultura- MinC. É membro correspondente da Academia de Letras do Brasil/Suíça, tem cinco livros publicados, vários prêmios em editais de cultura e participação oficial no 27º e 28º Salão Internacional do Livro e da Imprensa de Genebra, na Suíça e no Salão do Livro de Turim 2014, na Itália. Tonhão Tonhão era mergulhador profissional. Alto, forte, vigoroso, com fôlego suficiente para ir ao fundo do rio e encher latas e latas de areia, uma areia especial, para poucos. Embora morassem na roça, seus filhos estudavam na escola da Colônia. Escola pequena, pois o distrito tinha apenas 96 pessoas, contadas pelos alunos da professora Marialda. Por conhecer bem a região e ter grande resistência física, Tonhão era requisitado sempre que pessoas queriam explorar o rio Formoso, com suas águas povoadas por lendárias sucuris. Dessa vez não foi diferente. Forasteiros precisaram de um guia. Estavam há pouco tempo na cidade, queriam fazer uma excursão por água. Mesmo sendo tempo das águas e o mais prudente seria permanecerem em terra. Passearam toda manhã e ao chegarem a um ponto onde havia um restaurante caipira, pararam para almoçar. Estavam eufóricos, alguns inclusive, embriagados. Era sábado, diria Vinícius! Depois de lauto almoço decidiram continuar o passeio. Subiriam o rio para descê-lo, em seguida, apreciando a exuberante paisagem. Na volta, parariam na “baixa fria” para ouvir Ednardo cantando “Pavão Misterioso”, na radiola do clube. Ali continuariam suas bebedeiras enquanto as crianças ficariam jogando “o homem de seis milhões de dólares” e a noite se fizesse. 88


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Porém, logo na saída, o barco bateu na raiz de uma árvore que estava metade submersa e virou. Os tripulantes, muito assustados, não conheciam aquelas águas, tão barrentas e pesadas em tempos chuvosos, com grosso volume depois de muita chuva na cabeceira. Além disso, poucos eram os que sabiam nadar. Tonhão, com sua prática de mergulhador, foi salvando todos. Oito, salvos um a um e devolvidos à margem, em segurança. Finalmente a última, uma mulher, que agarrada a uma galhada, esperava por socorro. De repente recomeçou a chover, fortes rajadas de vento dificultando o resgate. Um homem, atraído pelos gritos se aproximou a tempo de presenciar uma cena hollywoodiana: uma enorme sucuri, surgindo de uma moita de capim, do alagado que se formara ali às margens, se atirou com uma rapidez impressionante, sobre a mulher. O homem que se chamava Deusdete e portava sempre uma faca, por ser caçador, pulou na água e lutou com a sucuri, ajudado por Tonhão. O monstro soltou a mulher e o agarrou. Os dois lutaram com uma sucuri indiferente aos golpes deferidos pela faca, até Deusdete ter a feliz ideia de enfiar os dedos nos olhos da cobra. Solta, ela desapareceu nas águas escuras e profundas. Deusdete continuaria com a cabeça apertada até o fim dos seus dias, por muitas noites teria longos pesadelos. Seu juízo ficaria irremediavelmente sufocado depois do abraço fatídico. A mulher, já empurrada para uma parte rasa e, muito aterrorizada diante da cena, tentou agarrar outra galhada, mas, acabou deslizando na argila do barranco próximo. Com desespero, atirou-se ao encontro de Tonhão. Este, já cansado, tentou acudi-la, porém, com a agonia típica de náufragos, ela agarrou em seu pescoço e os dois, debatendo-se muito, afogaram-se ali, aos olhos de todos. Ninguém tentou salvá-los, nem conseguiria se tentasse. O salvador se fora, apesar do pedido insistente da música ao longe: ”me poupa do vexame de morrer tão moço, tanta coisa ainda quero olhar”. A chuva continuou forte por todo o mês de janeiro. A escola fechada lembrando a tristeza dos filhos de Tonhão, enquanto as águas turvas do rio, pouco a pouco foram se tornando claras...

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados IZABELLE VALLADARES Izabelle Valladares, nascida em 13 de maio de 1975, autora de diversos livros, escreve de forma simples, com ênfase no regionalismo e com forte tendência à realidade de finais infelizes. Gosta que seus textos sejam borbulhantes para a nossa inteligência e estimulante ao espírito. Autora dos romances: “A cúpula das vaidades”, “O regresso de Atlântida”, “Ecstasy”, “A colecionadora de espíritos”, do livro de humor “Quem disse que só fazemos amor? Volumes 1 e 2”, dos livros infantis “Heitor Flexter, o menino herói”; “A Viagem Mágica de Bia e Dora”; “A Viagem da Chuva”, “Crônicas de Tartan”, além de que participou de dezenas de antologias e as organizou. YOLANDA

_Infelizmente é isso que tenho para te dizer.

Ela foi fria e direta.

Como podia assim de uma hora para a outra terminar com tudo? Sem dó? Sem rodeios? Sem piedade?

Ele não acreditava no que ouvia.

_ Vamos Dagoberto, agora pode seguir o caminho da rua que eu tenho mais o que fazer. Dagoberto ali parado, absorvendo cada letra que aqueles lábios carnudos tão amados, desejados e possuídos por muitas noites de amor diziam. Ela, batia a pontinha do sapato no assoalho de madeira mostrando que seu tempo e paciência haviam chegado ao limite. Ele, pegou o chapéu que ao entrar havia colocado em cima da mesa da sala, e foi se esgueirando pelo corredor de saída, com lágrimas escorrendo pelos cantos dos olhos.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Não acreditava no que estava ouvindo. Tudo começara há poucas semanas. Pegou o bonde no centro, próximo Lapa, em direção a Santa Tereza, iria soltar no caminho e caminhar até a Urca, onde morava. Era 1960, estava distraído olhando o movimento intenso nas calçadas, o relógio da rua marcava 16:45 e nem havia percebido quando a jovem bem vestida sentou-se ao seu lado. Só notou verdadeiramente sua presença quando a mesma deu uma catucada em sua costela com os cotovelos finos e disse: _ Paisagens como a do RJ não encontramos em nenhum lugar do mundo, não é mesmo?

Dagoberto se ajeitou e respondeu a moça muito tímido:

_Apesar de não conhecer muitos outros lugares, confesso que as paisagens chegam a me distrair de tão belas. _ Mais belas que eu? Disse a moça surpreendendo Dagoberto com sua ousadia. _ Não. Retrucou Dagoberto, a senhora é mais bonita.Aliás... Qual a sua graça?

_ Para você... Yolanda.

Assim começou o romance.

Dagoberto nunca fora muito galanteador, e sua experiência de vida, havia sido, com meia dúzia de mulheres de vida fácil que lhe aliviavam a pressão da idade. Dagoberto tinha 26 anos, era um bom moço, bem apanhado, alto e forte, não tinha dificuldade em atrair ninguém, seu mal era a timidez. Desde muito menino, faltava pouco se esconder das visitas de tão tímido que era.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Lembra-se de uma semana em que ficou inteirinha trancado no quarto porque uma prima estava passando dias em sua casa e para evitar ter que cumprimentar só perambulava na casa durante a madrugada. A bela moça não perdendo o ritmo da prosa, fez diversas perguntas mantendo um diálogo inteligente com Dagoberto, ao descer do Bonde, Dagoberto já era chamado de Betinho e já se achava encantado por Yolanda.

Ela era uma morena bonita, de pele clara e modos refinados.

Já não era uma menina, já estava na casa dos 30, talvez por isso tinha tanta segurança. Morava sozinha a mercê da sorte de encontrar na vida um novo amor. Dagoberto não acreditou quando a moça o convidou pra acompanhá-la até sua casa.

Logo ele, o mais tímidos dos tímidos sob a face da terra.

Aceitou o convite sem muita convicção do que estava fazendo, ela explicou que trabalhava em hospital, era enfermeira das formadas, coisa rara naquele tempo, convidou-o para visitar sua humilde casa, e lá foi Dagoberto, acompanhando as batidas do sapato de bico fino, elegante e reluzente, subindo as ladeiras de paralelepípedos do bairro de Santa Tereza. A casa de construção tradicional da época, parecia igual a todas as outras. Dagoberto, muito surpreso com a coragem dela em lhe convidar para ir até sua casa, parou desconfiado na pequena escada. A noite começava a cair, e o calor insistente típico dos verões cariocas era um convite para a boemia, os insetos começavam a rodear as lâmpadas quentes da rua, e Yolanda convidou Dagoberto para entrar antes que os mesmos começassem a incomodar.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Dagoberto entrou timidamente e evitou olhar para os lados para a moça não achar que estava reparando a casa. Ela foi direto a cozinha e voltou com a blusa desabotoada e dois copos de cerveja. Dagoberto estranhou, nunca tinha visto uma mulher bebendo, mas estava adorando aquela aventura. Bebeu um copo, dois, seis, dez, perdeu as contas, dali em diante, só acordou no dia seguinte, na cama ardente de Yolanda. No dia seguinte, os dois caminharam juntos até o centro, ele estava muito feliz com sua nova conquista, até então só tinha conseguido sexo pagando e nunca havia tido uma mulher tão bonita quanto Yolanda. No dia seguinte no mesmo lugar, no mesmo horário, ela pegou novamente o bonde, e lá estava ele a espera de companhia tão agradável para uma noite de verão. E assim seguiu-se a rotina de Dagoberto durante semanas. Todos os dias pegava o Bonde, caminhava, refrescava-se e preparava-se para mais uma noite de amor nos braços de Yolanda, não fazia muitas perguntas sobre seu passado, via que ela usava duas alianças e tinha algumas fotos de vestido de noiva, logo concluiria que estava viúva, não seria Dagoberto, tímido como era que iria fazer perguntas sobre seu ex- marido ou sua vida. Ele só queria ser feliz, e a felicidade atendia pelo nome de Yolanda.Não precisava saber de mais nada, o que precisava estava ali. Por isso não pôde conter as lágrimas quando sem mais nem menos Yolanda terminara com o que pra ele já era mais que amor.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Dagoberto foi caminhando pelos cantos do muro, cambaleante, até que não conseguia dar mais nenhum passo.Ficou ali, com a cara no muro chapiscado que rodeava a esquina, com as lágrimas misturadas a poeira da rua, nem os insetos que insistiam em entrar em suas narinas o incomodavam.Na verdade ele queria que entrassem, tomassem seu corpo, o levassem ao céu para que acordasse e visse que era apenas um pesadelo, mas isso não aconteceu. Dagoberto foi escorregando pelo muro, querendo reduzir-se a nada.”Como pudera ter perdido Yolanda tão rápido?” “ Logo ela, a mulher que todo homem desejaria ter?” – pensava ele.

Certamente havia sido um estúpido.

Não fez nada para agradá-la,não deu flores, não deu presentes, sequer pensara em levar um café da manhã na cama, pensava que somente seu corpo era o suficiente pra ela. Se sentia naquele momento o maior dos idiotas.Teve a mulher dos seus sonhos em seus braços e conseguiu perder. No inicio eram só lagrimas quentes e sofridas, aos poucos o choro compulsivo virou uma dor gigantesca. Dagoberto sentou-se, chamando a atenção dos trausentes que passavam, uma moça trouxe um copo d’agua, ele recusou, queria Yolanda. Um senhor de boa vontade, afrouxou o nó da gravata, para que respirasse, ele não queria respirar, queria Yolanda. Aos poucos as pessoas perceberam que o mau de Dagoberto era uma desilusão amorosa e diziam ao rapaz, isso vai passar, mas ele não queria que passasse, queria Yolanda. E assim, Dagoberto passou a noite na calçada, a 500 metros da casa de sua amada. Acordou, cercado de cães vira-latas que buscavam a Cia dos mendigos durante a noite.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Dagoberto levantou-se e decidiu tocar sua vida em frente, uma noite de sofrimento mostrava ao amanhecer toda a força de um amor, que havia pego de surpresa a fraqueza de um homem. Caminhou até a Urca, e passou a tarde inteira refazendo em sua mente, cenas que poderiam ter levado o relacionamento com Yolanda por outros e menos tortuosos caminhos, mas todas as cenas desembocavam no mesmo surpreendente e triste fim. Durante dias, Dagoberto sofreu em silêncio, até que em uma tarde decidira que falaria com Yolanda, buscaria uma verdade que ao menos o consolasse. Ás 16:30 horas em ponto, lá estava ele no bonde, a espera de Yolanda, sentou-se no final queria observá-la, admirá-la, venerá-la com o olhar. Yolanda entrou no bonde pontualmente ás 16:45, mas, desta vez não estava só. O coração de Dagoberto batia tão forte no peito que parecia que iria rasgar-lhe a pele.

Yolanda de braços dados com um marinheiro.

Sorria, sem se dar conta que no final do vagão havia apenas o que sobrara de Dagoberto.

Foi quando algo chamou-lhe a atenção.

A mão fina de Yolanda carregava agora apenas uma aliança, e na mão do marinheiro a outra que fazia o par.

Foi quando Dagoberto não agüentou.Logo ele , tão tímido.

Levantou-se e foi até Yolanda.

Começou a bater palmas no centro do Bonde.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Pá,pá,pá, pá...O som das palmas se batendo com força ecoavam no meio do vagão. do.

_Muito bonito Dona Yolanda, disse em tom acusador e debocha-

Todos os passageiros olharam logo, para ver o que estava acontecendo. Yolanda olhou para Dagoberto com um olhar sem nenhum pingo de emoção. se:

O cavalheiro ao lado de Yolanda, em sua farda branca, levantou-

_ O que está acontecendo? Está confundindo minha esposa com alguém?

Yolanda estava imóvel, como se nada ali lhe dissesse respeito.

_ Sua esposa? Perguntou Dagoberto- desde quando Yolanda é sua esposa? _ Yolanda? disse o homem - o rapaz deve estar embriagado, pois aqui não há nenhuma Yolanda.

Dagoberto estava confuso com aquele diálogo.

_ Não estou entendendo nada.

_Quem não está sou eu! -Exclamou - Como ousa, levantar-se desta maneira em direção a minha mulher, chamando-a por outro nome, como se fosse íntimo da minha senhora. O motorista, que conhecia os três personagens da história, franziu o cenho preocupado com o desenrolar daquela discussão. _ Pois bem senhor, esta sua mulher, que se não for minha Yolanda eu furo meus olhos, durante semanas me amou e me conquistou e depois me abandonou como se faz a um cachorro.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Yolanda agora, já estava visivelmente impaciente com o vexame dado por Dagoberto, levantou-se e disse: _Certamente o senhor está me confundindo com outra pessoa, sou casada e direita. Meu marido estava de viagem de trabalho, e voltou na última semana, meu nome é Marina, não é Yolanda. Dagoberto estava vendo o mundo girar a sua volta, não podia não ser ela, ele não estava enlouquecendo, aquela era sua Yolanda, sua pele, seu cheiro, seu tom de voz, ainda ecoavam por todos os poros de Dagoberto e antes exalavam amor e admiração , agora exalavam ódio e desconfiança. Dagoberto,cego de amor e arfante com toda a confusão, lembrou-se do sinal de nascença que Yolanda tinha, no ombro direito, e puxando a manga de seu vestido com força, deparou-se com a marca que lhe dava a certeza de suas palavras e dava a seu marido a certeza de sua traição. O soco deferido em Dagoberto, foi tão forte que lhe arrancou dois dentes e assim deu-se início a tragédia. Soco pra lá, chute para cá, os dois atracados, e Yolanda olhava apavorada, sem saber se defendia o marido, ou se defendia o amante. Foi quando em uma das curvas da ladeira, os dois desequilibraram e foram arremessados para fora do bonde. O bonde parou alguns metros a frente, Yolanda e os outros passageiros correram para acudir aos dois enganados, mas, enganados estavam em pensar que estavam vivos, com a queda, os dois jaziam entre os paralelepípedos e os trilhos, mortos no fim de uma bela tarde e traídos pelo amor de uma bela mulher.

Yolanda, ali, entre os dois, não sabia o que fazer.

Sentou-se no meio fio, triste e desolada.

Os policiais a acompanharam até a casa.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Pediu que um deles entrasse enquanto apanhava os documentos do falecido. Enquanto o rapaz anotava todos os detalhes da ocorrência, eis que na porta da cozinha, surge inteiramente nua, com Dois copos de cerveja na mão, Marina. O policial de olhos esbugalhados sem acreditar no que via perguntou:

_Sra. qual a sua graça?

_ Pra você... Yolanda.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Brincar de Deus

Tempos inglórios,

Vãs mentiras,

Cálidos personagens,

Vítimas do fim dos tempos...

Ah o tempo, vasto tempo

Bastardo, fútil,irreparável.

Quase nos atrapalha quando nos

Damos conta do seu passar.

Nos atropelando e roubando mais um dia.

Ah o tempo!

Não o tempo do poeta que saudosamente

Em pensamentos ouvia o canto dos pássaros,

Mas o tempo moderno, virtual

Que nos transforma cada vez mais

Em serescibernéticos,

Buscando sustentabilidade

emocional e física.

Tempo, ah se eu por um dia,

Pudesse brincar de ser Deus,

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Divino, altíssimo, inimaginável,

Para brincar com o tempo,

Voltar, revirar, reviver, renovar

Trazer de volta quem amei,

Levar as mágoas para anos luz a minha frente,

Rasgar momentos que não valeram à pena,

Refazero tempo...

Mas tu ingrato tempo,

se perde até em meus versos,

Quando percebo o passar das horas,

Sem volta, neste labirinto de estrofes,

Que acabam, entreponteiros inexistentes

Lembrando-nos que o tempo do meu Eu

É o único que me permite brincar de Deus!

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados ISIS DIAS VIEIRA Ísis Dias Vieira é psicóloga desde 1978 e professora da Universidade Federal do Espírito Santo. Antes de se tornar uma psicoterapeuta, estudou Teologia e Filosofia. Durante os seus estudos de doutoramento em Dependência, treinou quatro anos Psicologia Transpessoal, em Paris. Criou o método V.I.T.R.I.O.L. Psicoterapia Transpessoal e utiliza-o desde 2000, com o qual realiza seminários de auto-conhecimento, em Brasília, onde vive desde 1995.

DEUS

Quando parti...

E no destino vaguei por labirintos sem fim,

Penetrando nas entranhas dos dias solitários,

Busquei-Te no vôo dos pássaros

E na beleza das flores,

“Porque Tu estás comigo”.

Quando parti...

E estive perdida na distância do país estrangeiro,

Busquei-Te nas lembranças

Porque fostes “Peregrino na Terra”.

Quando parti...

E me senti como uma estrela apagada,

Busquei-Te no sublime olhar de uma criança,

Porque Tu És a Luz e de Ti 101


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Vem o brilho que me dá vida.

Quando parti...

E tudo me parecia corrompido e impossível,

Busquei a pureza que de Ti emana

E, na solidão das noites, ao ouvir uma canção

Lembrei-me que Tu És a eterna esperança.

Quando parti...

E as garras da depressão me encarceraram,

Busquei-Te na Luz penetrante e Viva

Que aquece o frio da solidão.

Quando parti...

E estive no auge do desespero,

Busquei-Te na finitude da luta e do sonho,

Porque Tu estás nas palavras de amor

E És a essência e a poesia do “EU TE AMO!”

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados NOVO HOMEM

Maravilhoso Novo Homem!

Estou à tua procura

Procura no infinito de mim e de ti.

Infinito da capacidade de ser,

De se superar a cada instante,

Porque o hoje é eterno.

Eterno aquele beijo ardente

E teu peito ofegante

No ato de se transplantar

Tu em mim... Eu em ti...

Na incerteza da procura

Na certeza do encontro,

Cumprindo o destino de ser...

Mulher.

E tu, igual e desigual no poder

E na diferença sexual,

Ao viver a diferenciação e o desejo

Que nos leva à fusão...

No incerto caminho de conviver

Na busca do equilíbrio renovável,

És maravilhoso, Novo Homem! 103


Antologia Fernando Pessoa e Convidados IVETE FUREGATTI Ivete Furegati é paulistana radicada em Campinas. Artista Plástica. Auditora-fiscal do Trabalho aposentada. Bacharela em Ciências Jurídicas e Sociais – PUCCAMP. Diplomada, em piano, pelo Conservatório Musical Carlos Gomes, e pelo Instituto de Educação Carlos Gomes, em formação de Professores Primários, ambos em Campinas. Foi colaboradora dos jornais Diário do Povo, de Campinas, e A Comarca, de Moji Mirim. Tem participado das coletâneas do CPAC – Centro de Poesia e Arte de Campinas, da Editora Komedi e da Casa do Poeta de Campinas, bem como de publicações científicas.

Não chorem

Quando eu me chamar saudade,

Não chorem nem lastimem.

O meu corpo cansado,

Pelos anos maltratado,

Não sente mais dor,

Não enfrenta dissabor.

Não chorem,

Não lastimem.

Agora feliz sou,

Confortável estou.

De correntes pesadas,

De confusas amarras,

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

A alma, liberta,

No espaço flutua.

Não há mais desejos,

Nem pressões, nem medos.

Somente a felicidade plena

Da missão cumprida.

Não chorem,

Não lastimem.

Lembrem-se da amizade,

Do carinho e da alegria

Que nos uniu um dia

E que a eternidade conservará.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Manhã pachorrenta

Manhã de fim de inverno

Com o princípio da primavera.

Um friozinho domina o ar

E convida para o aconchego das cobertas.

Lá fora, o ar gelado da noite

Ainda domina o ambiente,

Apesar dos tímidos raios do sol

E do adiantado da hora.

Os pássaros piam sem cessar

E volteiam lépidos por entre galhos desnudos,

Como a ensaiar irrequieto balé.

O gado se movimenta, lento,

Na campina desbotada,

Coberta por pequenos flocos,

Resquícios da noturna geada.

Cachorros esticam as colunas,

Dão a volta pelas casas,

Olham, observam e tudo conferem,

E voltam a se enrodilhar.

Nada mais sábio que deixar

O tempo passar,

Despreocupado, sonolento,

Minuto a minuto. 106


Antologia Fernando Pessoa e Convidados JANI BRASIL Jani Brasil é natural de Urânia -SP/Brasil. Palestrante, poeta ,escritora. Artista plástica com um acervo contendo mais de 50 obras. Academia de Letras e Artes do Estado do Goiás-ALG. Melhores Poetas Luso Brasileiro de 2014. Academia de letras e Artes de Lisboa .Comendadora (Coninter). Enciclopédia Lusófona de Artistas Contemporâneos. Obras: “Analogia e Poesias, Poemas ao Vento. Amor em Movimento(conto)”. Contato: www.janibrasil.prosaeverso.net

“SAUDOSA!” Os pombos sorrateiros, ligeiros. Brincam pra lá e pra cá Esperando alguém para vi-los alimentar. Minha Lisboa, menina pura saudosa Moça, faceira e melancólica. Vem amada minha ... Em mim o teu olhar descansar Os lençóis em linho fino bordados Macios, cheirosos a esperar. As ondas descansam na areia Onde estendidas as toalhas estão Corpos quase nus... Sem tabus...

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Deixando o romantismo Remar os encantamentos! E mais um dia, dormir contigo Embalando os meus pensamentos. Mãe! Amiga! Amante! Mulher! És a mais bela entre elas Teu menino sapeca te pensa... Minha menina! Já que não vens Espere por mim quietinha... Quentinha... Quentinha!

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados “À MODA ANTIGA” Sou romântica à moda antiga Incomparável e sem medida. Sonho ser amada como jamais fui... E amar como jamais amei! Sonhar os sonhos teus e comigo Sonhares os sonhos meus Quero que sorrias os meus sorrisos E em ti... por ti... Eu... Sorrir os mais belos sorrisos teus. Andar de mãos dadas na chuva Dando gargalhadas do nada... Rindo das “nossas” traquinagens! Dos fetiches realizados Calçando juntos os mesmos sapatos. Sincronizados... Nos desejos realizados Em uma cumplicidade louca... De amar e ser amado!

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados JANICE FRANÇA Janice França é nascida em 16/09/1963 na cidade de Sete Lagoas – MG. Professora, pós-graduada em Metodologia do Ensino de Geografia, escritora/poetisa, é também membro correspondente da Academia de Letras de Cabo Frio RJ, da ALAF-Academia de Letras e Artes de Fortaleza- CE e do NÚCLEO ACADÊMICO DE LETRAS E ARTES DE BUENOS AIRES_ Argentina, NÚCLEO ACADÉMICO DE ARTES E LETRAS DE LISBOA_Portugal, Absorção

Triste lamento

Que em minha boca emudece.

Amargo sabor

Que meu horizonte escurece.

O desejo contido,

Há muito escondido,

Nega-me o prazer do beijo amado

E o tremor do toque apaixonado;

Sensações que falam da Terra

Têm o dom de elevar aos Céus...

Ah! O fogo ardente que queima

É sonho, não existe!

Absorta, miro a mulher no espelho:

“_ Mais uma vez fugiste!”

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados JÔ MENDONÇA ALCOFARADO Jô Mendonça Alcoforado é psicóloga, escritora, poeta, artista plástica, cantora, compositora e atriz. Escreve poesias, contos, crônicas, histórias infantis, romances, ensaios, artigos e outros. Publicou quatro livros autorais e participou em mais de 70 antologias. Recebeu premiações na música, na literatura, pela promoção e difusão da cultura nacional no Brasil e exterior e várias outorgas nacionais e internacionais. Colunista do Jornal Sem Fronteiras, escreve artigos para sites e jornais. Antologista coordenadora de projetos sociais e culturais difundindo a cultura nacional através dos Projetos da Universidade Federal da Paraíba, Qualidade de Vida e Intercâmbio Cultural entre a Paraíba, Brasil e outros países. Contato: jomendona@yahoo.com.br

DESPERTAR DE MUNDO

Acordei de um sonho

E fui jogada para um mundo real

Cheio de hipocrisia, onde os valores são deturpados

Sai da morada segura e segui tropeçando

Sempre em busca de algo bom, importante para mim

Deixei para tras as algruras da vida

Passei a ver as coisas boas, mesmo me irritando com as ruins

Meu despertar para o crescimento interior

veio de muitas bravuras

Acanhadas, mas seguras do que queria alcançar

Me deixei levar pelo sentimento do coração

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

E não me arrependo das luzes que surgiram

Mostravam caminhos que teriam chegada em algum lugar

Consegui chegar em alguns, outros ainda estão nos sonhos

Sonho meu, seu e de outros

Sedentos de um encontro de satisfação

Que faça sentidos, sentido.

Um fulgor de emoções e transpirações

Carregadas pelas jornadas vividas

Sonhos para um outro despertar de mundo

CORPO SEDENTO

Meu corpo navegava dentro do ventre de minha mãe.

Alimentava-me do que estava por vir através de outro corpo.

Bebi, sorvi a seiva e o néctar do melhor que tinhas a me oferecer.

Para crescer, ser vida, ser humano.

Descansei e dormi ouvindo, sentindo,

gozando daquele tempo determinado.

Resolvi romper as barreiras e me apresentei para o mundo.

Nasci de cabeça baixa, escutando o meu coração.

Meu grito de vida foi o meu choro de prazer!

E ao mesmo tempo de saudade de um

aconchego, tão resguardada...

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Queria me livrar dos perigos que iria encontrar lá fora.

Não sabia ainda, ao certo, que a vida dependia

de muitas coisas para se continuar vivendo.

Pequei pela curiosidade, por querer conhecimento.

E aprendi que nossas defesas são pequenas em

relação ao que está ao nosso redor.

O mundo transforma-se, as pessoas também.

Segui com meus erros, aprendendo com o jogo da vida.

A ser hoje um pouco do que gostaria de realmente ser.

113


Antologia Fernando Pessoa e Convidados JOSÉ DONIZETTI José Donizetti Nicolini Gonçales é paulista, nasceu em São Manuel – SP, em 04.05.1962 – Residente desde 1969 em Osasco – SP. É associado LITERARTE. Membro da Academia de Letras e Artes de Goiás, de Vitória – ES e do Núcleo Acadêmico de Buenos Aires, Academia de Artes de Cabo Frio - ARTPOP. Ainda da União dos Escritores e Poeta de Barueri - “Operários das Letras” e do Maepo - “movimentos de artistas e poetas de Osasco”, em São Paulo.

AMOR INFINITO

Como a um cometa

Que risca o universo

No cosmo infinito

Bem como nas estrelas

Dizem que estava escrito

Esse amor magnânimo

Um romance tão bonito.

Uma união permanente

Como o da flor

E o beija-flor

Onde um para o outro

É um eterno presente.

Encontro de almas

No etéreo reluzente

Onde abraços e beijos

Fortalecem os desejos 114


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Desse amor condizente

Que será abençoado

Definitivamente

Com todas as dádivas

Infinitamente. AMOR

No jardim da vida

Há alamedas de flores

Que forram o chão

De beleza e cores

Oriundos da paixão

O brilho no seu olhar

Coma luz do seu sorriso

São como pétalas da flor

Que ao desabrochar

Enfeita nossa vida

Com muita alegria

Mesmo com o peso

De se viver o dia-a-dia

Fruto da explosão

Solidificada no coração

Que chamamos de amor.

115


Antologia Fernando Pessoa e Convidados JOSÉ WILMAR PEREIRA José Wilmar Pereira é escritor, poeta, compositor. Natural de Itajaí/SC. Tem inúmeros trabalhos em seu currículo além dos seguintes prêmios: Estrela de Ouro pela CBJE pelos mais de cinqüenta mil acessos aos poemas e contos. Prêmio Nacional Panorama Brasileiro edições 2009, 2010 e 2011 que reúne os melhores trabalhos do ano escolhidos pela CBJE. Prêmio POEART 2010 e 2011 (Vozes de Aço). Participou de mais de cinqüenta antologias, incluindo participação na obra Tesouros Brasileiros Brasil-Egito Via Cairo parceria de Izabelle Valladares e Academia de Letras de Goiás.

POR FAVOR

Já caminhei por vielas sem saída

Numa procura incessante

O corpo trêmulo, uma só vontade:

Encontrar-consumir

Às vezes, viajo por outras dimensões

Fico tão fora de mim que

Quando perguntam meu nome

Respondo: não sei ou maluco

Tento lutar com todas as forças

Mas minha dependência pede

Então cato os últimos trocados

E corro atrás do combustível

Cujo nome é droga 116


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Quantas noites durmo no relento

Banco de praça, viadutos ou casarões abandonados

Minha coberta: um jornal

Sem banho, sem barbear, sem roupa lavada

Para a sociedade virei lixo

Os anos passam e a noção do tempo: perdi

Estou no fundo do poço

Numa situação difícil da mente humana assimilar

Preciso de liberdade para o meu vício: não tenho

Vivo a assaltar lixeiras para matar a fome

Roubo pequenas migalhas

Compro o combustível droga

Para me manter alucinado

Já pensei em partir

Esquecer este mundo e seus padrões sociais

Quem sabe longe daqui haja um mundo alucinado

Do meu jeito

Para mim felicidade não existe

Mas se ela realmente existe

Por favor, ajude-me a sair

Do emaranhado que me enfiei

117


Antologia Fernando Pessoa e Convidados saúde é o principal

Um dia destes fiquei procurando

Meu pensamento viajou distante

Eu revirei um velho dicionário

Procurando a palavra mais importante

Encontrei várias de grande valor

Um exemplo: amor é maravilhoso

Outra palavra chamada perdão

Pois perdoar é muito prazeroso

Uma palavra que é especial

O nome mãe é forte verdadeiro e amo

Ele é marcante em toda nossa vida

Nos acompanha por todos os anos

Outra palavra forte se chama amigo

Nasce com o tempo, não requer dinheiro

Sempre sonhamos em tê-lo por perto

Principalmente se ele é verdadeiro

Todos estes nomes marcam nossa vida

Estudei, pesquisei e por isso falo

118


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

São duas palavras muito importantes

Sem saúde e fé, perdemos o embalo

Ame sua mãe, cultive o amor

Lembre-se que a vida é feita de perdão

Escolha bons amigos, puros e verdadeiros

Tenha saúde, fé e Deus no coração

119


Antologia Fernando Pessoa e Convidados LICÍNIA GIRÃO Licínia Girão, jornalista e amante das palavras, escritas e faladas. Olha para “a palavra como a obra de quem a escreve e a arte de quem a lê”. É neste meio que trabalha. Entre vocábulos e desassossegos. Nascida a 16 de Junho de 1965 no distrito de Coimbra. Detém estudos superiores nas áreas da História, Português e Direito da Comunicação.

Luxúria dos amantes

Seria pobre o horizonte

se não fosse a luxúria dos amantes

Os verbos irregulares

com as badaladas sonhadas

Tocam os pássaros os sinos da igreja

Teus beijos são fortes

como a tormenta das águas

Meu corpo anseia teu afago

como a folha anseia o vento para voar

Sonho os teus lábios nos meus

como o canto das aves sonham com o calor da brisa

A tua pele na minha pele

como as borboletas nas flores

Quero o teu respirar ofegante a

sussurrar meu ventre

120


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

O teu destino sou eu

como as conchas são do mar

És a música da minha vida

O meu sonho mais profundo

Minha paixão carnal delirante

Meu amante de palavras e sentidos

Juntos na mesma estrada

Atravessaremos todas as madrugadas

Viveremos dias, romperemos noites

Seguiremos um só caminho

Por este amor ardente iluminados

Nojo em mim

Subo ao sótão todas a noites

porque ao telhado já não posso

É o mais perto mesmo que longe

que consigo para ficar junto a ti

Revejo o teu corpo em chama ardente

Sinto o teu perfume recendente

Eras paixão fogosa sem pejo

Um mar eterno de desejo

121


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Choro-te delirantemente pela madrugada

Venço ao cansaço e adormeço

Pela manhã as andorinhas chilram

acordando a minha insana alvorada

Mais uma noite sem ti na minha cama

O dia amanhece sem versos

O sol não tem brilho nem aquece

Voltam as horas de silêncio

Irrompidas pelo sino da igreja

Som mortuário da tua ausência

O sangue nas minhas veias não tem cor

Sofro por de novo não te ver

Como soluça o vento no arvoredo

Quem vem agora regar o meu jardim?

Saciar os pecados do desejo?

Demente aniquilo em mim novo destino

Amar-te eternamente é a minha sina!

122


Antologia Fernando Pessoa e Convidados LÚCIA CELESTE VASCONCELOS Lúcia Celeste Vasconcelos é engenheira pela (UFMG), sentese como uma poetiza bissexta, escreve de vez em quando. Autora da letra da música “Vamos Sambar”, primeira colocada no festival Municipal SESI-RJ/2009. Possui poemas publicados diversas antologias nacionais e internacionais. Livros publicados - “Desvairada em Poesia” (2011) e “Duas gotas de veneno entre poesia” (2013)

Astro Encantado

Não é um artista, tão pouco um purista.

É triste distante, confuso, hesitante.

Qual uma quimera, tal vaga inconstante.

Mergulha em sonhos soturno, distante.

É desde menino um ser penitente,

Às vezes calado, às vezes doente.

Vertigem o persegue vadio e demente,

Acorda mais velho, simplório, exigente.

Se vaga no escuro,

A luz o acompanha.

Ardente!

É um puro.

123


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

No sono perdido, na dor, no abandono.

Caminha aos saltos, felino sem trono.

Olhando do alto confunde de esguelha

As flores azuis e as pedras vermelhas.

É assim o poeta,

Um ente acanhado, um bobo babado.

Navega o universo de olhos fechados.

Brilhante proeza de um astro encantado

124


Antologia Fernando Pessoa e Convidados No Balanço das Palavras

Alguns pássaros sobrevoam os mares

Mantendo uma agenda migratória.

Percorrem o planeta em rotas regulares

Cruzando o horizonte em sua trajetória.

Para um humano não seria fácil

Fazer o que eles fazem com simplicidade.

Ficaria envolvido com passagens, navio, avião,

Revistas, passaporte, atrasos, confusão.

Colada à minha estante ao lado da sacada,

Devorando livros eu cruzo continentes, encantada.

Aventuro-me por contos em outras línguas

Onde conteúdos similares possuem grafias diversas:

Amore, Love, Amour, Liebe, Amor.

Como os pássaros eu também vôo rotineiramente

Adoro o balanço das palavras.

Percorro o planeta acaloradamente.

Passeio pelos livros, e viajo desvairada.

125


Antologia Fernando Pessoa e Convidados LUCIANO MARINHO Luciano Marinho é escritor recifense. Romancista, contista e poeta. Jornalista colaborador da Página Opinião do Jornal do Commercio, Recife - PE. Ex-professor de língua portuguesa da UFPE e dos colégios Nóbrega, São Bento, Santa Maria, Israelita e União Curso. Também foi coprodutor dos programas “Conexão” [TV. JornalSBT] e “O Grande júri” [TV Universitária]. É psicólogo clínico, de orientação psicanalítica, atuando em consultório privado em Madalena – Recife.

A prima de Açores Ainda criança, odiava as calças curtas que meu pai me obrigava a usá-las. À época, residia na Baixa Verde, planície que circundava o Aeroporto dos Guararapes na cidade do Recife. Mal chegava do colégio, tomava banho no quintal de casa, ensaboava-me com bucha de cheiro e enxugava-me com esbranquiçada toalha de feltro, que minha mãe me reservara para uso próprio. Meu pai era homem domado pelas garras possessivas de minha mãe - mulher moça, que cheirava a verdes anos. Nunca tive irmãos nem agregados à família. A não ser a faxineira a quem cognominei de velha senhora. A mulher viera de Açores, não sei quando, e agregou-se a casa. Deram-lhe serviços domésticos. Soube que tinha vínculo consanguíneo à família de meu pai, filha de primo lusitano, mas de distante genealogia. Afigurava-se linda criatura, apesar do sotaque e das roupas, que mais se assemelhavam à elegante senhora da sociedade lisboeta do que a uma campesina de além-mar. De face rósea, pernas e seios rechonchudos. Nos olhos dela, esparzia tépida luminosidade. Meu pai saía cedo, quase não o via nos dias úteis da semana. Ao chegar, tarde da noite, encontrava-me adormecido na cadeira do terraço com o rádio de pilha colado aos ouvidos. Amparava-me nos braços e conduzia-me ao leito. Às vezes eu acordava, fazia-me de sonolento, angariando a sua momentânea benevolência. 126


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Minha mãe aproveitava-se da ausência do marido e fugia às ruas a visitar amigas dos arredores a quem - já naqueles dias de infância - eu não olhava tais companhias com bons olhos. Até porque a vizinhança, sarcástica, apregoava que eram mulheres do mundo. A elas, eu as temia como o diabo, a cruz. Parte de mim conjecturava sobre a influência persecutória dessas mulheres, que ressoava mal nas reentrâncias de meu cérebro. Não entendia, pois, esses contatos maternos suspeitosos. Quase sempre, ela regressava a casa quando os raios de sol se debruçavam no horizonte. Eu ficava sozinho à tarde, entregue à disponibilidade da prima silenciosa e enigmática. D’Aparecida tinha uns quarenta anos. Na óptica de púbere, não passava de velha senhora. Ao olhar dos homens que moravam nas adjacências, devia ter qualidades femininas excepcionais. Viviam, pois, todos eles, a mirá-la de longe. Bem que aqueles espevitamentos masculinos me incomodavam. Aprendi com eles a gostar da estrangeira. Era quem me mandava tomar banho, almoçar na hora prevista e deitar-me à sesta. Apreciava a solidão. Mas nunca fiz as tarefas da escola. Detestava esse empenho ordinário. Um fazer cálculos aritméticos sem-fim, decorar capitais dos países, histórias legendárias da nacionalidade, tipos exóticos de flora e ossos do corpo humano. Tragédia pedagógica, ao invés de aprendizagem. Fui criando-me sem postura crítica. Preferia as letras melodramáticas dos fados. Escutava-os na programação de emissora africana, em ondas curtas. O meu minúsculo universo interior embevecia-se de onirismo. De fato, não entendia a intempestividade dos fados. Inspiravam nostalgia. De tais poesias cantantes, intuía que não apenas jorrasse melancolia. Aos poucos, além de só, virei criança lamurienta. O de que mais gostava eram as ladainhas que D’Aparecida cantarolava, ao me pôr para dormir após a refeição do meio-dia. Ela me desnudava e passava as mãos no meu corpo, acalentando-me da cabeça aos pés. Lembro que me arrepiava, sentia a respiração ofegante ao acarinhar-me o genital, ora com brandura, ora com alvoroço alucinado. Até contorcer-me, histriônico, sem entender o motivo desses espasmos.

127


Antologia Fernando Pessoa e Convidados A mulher, logo depois, deixava-me que dormisse em paz. D’Aparecida, afogueada de tanto amolgar-me, ia complementar os afazeres caseiros. O prazer me causava profunda estranheza. Viciei-me nessa empreitada voluptuosa. A cada dia sentia-me mais atraído pelo repouso da tarde. Os mimos da prima, melhores que os do sono. À noite, o delírio era auditivo. Mal acabava a ceia, recolhiame no terraço, a embalar-me, ouvindo música. Os acordes dos violões integravam-se à minha alma e comoviam-me, sem que tivesse consciência de que a vida não seriam apenas dores e desenganos. Nem a felicidade, um barco à deriva, sem velas içadas nos mares abissais da existência.

Era verão, a data fugiu-me da memória. D’Aparecida refestelavame no seu manuseio cotidiano, quando minha mãe achegou-se à porta do quarto. Gritou qual louca de hospício. Esbravejou palavras virulentas e odiosas. Vi, trêmulo de medo, que minha mãe expulsara de casa a sobrinha do marido. Temi também fosse arremessado à rua. Ajuntando os meus pertences, levaria na mochila meu rádio de pilha, para ouvir fados que me consolariam na condição de filho errante.

Já sem os afagos da prima, teria as noites para sonhar.

128


Antologia Fernando Pessoa e Convidados LUZIA LINA DE SOUZA Luzia Lina de Souza Correa é natural do município de São José do Calçado, no Estado do Espírito Santo. Gênero literário: Poesia. É ocupante da cadeira n. 08 da Academia Calçadense de Letras, cujo patrono é Fernando Tatagiba. Publica poemas, crônicas e reportagens no jornal A Ordem, e um romance, em capítulos semanais, “O sublime transplante de um coração!

MURO ETERNO

Construíram um grande muro

E duas novas realidades:

Algum povo deste lado,

algum povo do lado de lá.

Amigos, filhos e amores

Ninguém ficou de cá.

Quis pular o muro,

Mas os guardas

Me despularam no ar.

Numerosos e temíveis guardas,

Iguaizinhos ao arame farpado e eletrificado

que pontilhava a fortaleza.

Escapar. Quem há de?

Comecei a soprar o muro,

De manhã e sempre.

129


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Daí , passei a arranhá-lo, dia e noite

com unhas e dentes, lágrimas e sangue.

Os meus, do outro lado, faziam o mesmo.

A busca do outro horizonte não gerou fraqueza,

ao invés, fortaleceu a dignidade d´outro muro,

que tantos construíram com seus corpos.

Nesses anos eternos, a violência encobria

todas as fissuras do grande muro e era implacável

e era total e era impessoal.

A energia que nos anima foi tomando a Pátria querida

e fez o monstro ruir sobre si mesmo.

A Alemanha ergueu-se majestosa

sobre o entulho e com ela o Mundo.

Mãos e mãos se encontram e se afagam e se apertam...

Brindemos ao novo tempo?

Alegria onde há perplexidade.

O Muro de Berlim não era eterno.

Quem diria.

Foi só imitação do inferno.

130


Antologia Fernando Pessoa e Convidados PERDÃO

Sete vidas, um corpo.

Sete notas, uma clave,

Infinitos sons.

Sete anos prorrogáveis de serviços do pastor,

sete anos de paixão,

sete séculos de sonhos

e muito mais que sete devoções

cabem certos e medidos

em sete palmos de chão.

Sete palmos não comportam

setenta vezes sete vezes de perdão,

mas tudo deve caber

em meio palmo de coração.

Então,

meio palmo vezes sete,

vezes sete

vezes sete...

131


Antologia Fernando Pessoa e Convidados MADALENA MENDES Madalena Mendes nasceu a 5 de Setembro de 1961, em S. Bartolomeu de Messines, Silves, Portugal. Professora e Investigadora. Co-fundadora do Instituto Paulo Freire de Portugal e Coordenadora do Núcleo de Lisboa. Publicações na área da educação.

Pessoa ao Cubo Pessoa

Ser singular

Na pluralidade

Da recriação do olhar poético.

Nascer para o mundo condenado à

multiplicação por si próprio:

Campos em excesso e euforia futurista

Caeiro em apologia da natureza e dos sentidos

Reis em carpe diem fugaz e fatalista.

Perpetuar-se pessoas em Pessoa

no fogo inextinguível da criação uni-ver-sal

à heteronomínia veste de ser POETA e não ser

portuguesmente Pessoa.

132


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Outrar-se em desassossego

Eu heteron贸mico

em travessia

em curso

trans-curso.

Outridades (d)enunciadas

Eu que se torna Eus

Em adeus ao eu.

Obiquitando-me omnipresento-me:

Soares, tamb茅m Bernardo.

133


Antologia Fernando Pessoa e Convidados MÁGDA CÔRTES REGADAS RESENDE Mágda é fonoaudióloga, acadêmica da Academia de Letras de Goiás e do Núcleo Acadêmico de Letras e Artes de Lisboa. Recebeu o Diploma que a consagra com o título de imortal da Academia de Letras Brasil/Suíça. Acadêmica correspondente da Academia de Letras e Artes de Valparaíso – Chile. Em 2013 ela lança sua primeira obra de ficção, o romance “Princesinha” (Ed. Chiado). E por seu desempenho literário, recebeu o “I Prêmio Destaque poético da ALAF - Academia de Letras e Artes de Fortaleza” e o “Troféu Excelência Cultural ABD – 2013”. Se nome foi indicada para compor a Enciclopédia Lusófona em comemoração aos 8 séculos da língua Portuguesa.

Salão de beleza Em meio àquele barulho todo, estava difícil entender alguma coisa. A questão se torna ainda mais séria quando seus ouvidos estão parcialmente tampados por uma onda de papel que pendem da cabeça em cachos, formando a mais estranha das árvores de natal. Procuro outra forma de compreensão, faço uso da visão; olho fixamente para a boca da locutora, que repete pela terceira vez a pergunta, já alterando o tom da voz e a expressão facial - de delicada para impaciente. Funcionou! Entendi a pergunta. Estou ficando craque em leitura labial. - Qual o número de seu cartão? Claro que algum tempo atrás essa pergunta não faria o menor sentido, a não ser na hora do pagamento, ao final de todo o processo do “pit stop”. Mas não é o caso, estou no meio da minha “parada”, ainda falta um alinhamento aqui, outro ali e um apertinho na cola para a “unha” não sair no meio da corrida da semana.

134


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Ele existe aqui também! A era do cartão chegou ao mundo dos grandes salões de beleza. Você chega ao balcão da recepção, diz seu horário, recebe um cartão numerado e aguarda sua vez de cair nas mãos de vários profissionais. É a parada obrigatória antes de qualquer evento, seja profissional, social, ou apenas um jantar familiar. Toda mulher dá uma paradinha lá, seja para trocar o óleo, calibrar os pneus, regular a direção, não importa. Todas fazem o mesmo. Umas em casa, outras no salão da esquina e outras só se lançam nas mãos de velhos conhecidos – são fiéis aos profissionais que cuidam de sua “máquina”. Por isso existe também o cartão fidelidade, que lhe permite acumular pontos, que posteriormente são revertidos em vantagens ou descontos em algum tratamento ou numa compra de produtos. - Desculpe-me, querida, meu número é 1100. Não era a primeira que me perguntava isso hoje. Eu já devia ter deduzido, era óbvio que ela queria saber o número do meu cartão, por que demorei tanto a entender? A primeira foi a Sabrina, responsável por deixar minhas sobrancelhas na linha; depois, a Cláudia, que deixou meu buço clarinho, sem sobra; em seguida, o rapaz que lavou freneticamente meus cabelos. Então chegou a vez de a manicure perguntar como colocaria na minha conta os seus serviços. No fundo, eu sabia o que estava acontecendo comigo. Era o stress. Quem disse que salão de beleza é lugar de relaxar? O ruído do secador de cabelos, vindo de todas as partes, enche o ambiente com sua melodia “soprosa”. A essa orquestra juntamos a risada da manicure que conversa com a colega como se a cliente não existisse, a maquininha da podóloga logo atrás, somada a outra máquina de dar acabamento às unhas de gel, de cristal, de porcelana. Tudo isso se mistura com as notas musicais dos timbres mais variados de vozes que falam ao mesmo tempo formando um burburinho único e típico dos salões de beleza.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados É um local de tortura auditiva, superada apenas pelos consultórios dentários. Não importa o tamanho da tortura, todas nós, mulheres, resistimos aos aparentes danos por uma causa maior: a vaidade. Vaidade? Não gosto dessa palavra. Ela me remete a algo “menor” contra a qual devemos lutar e nos libertar de vez desse estigma. Até que um dia encontrei a expressão perfeita para definir o que fazemos e por que nos submetemos a isso: chama-se cuidado pessoal. Afinal já é sabido por todos que quem ama cuida. Me ajuda aí, né! Nada de deixar o bigode crescer, de andar desfilando com uma taturana acima dos olhos e estender uma mão toda ferida de cutículas arrancadas com os dentes. Ahhh, nem! Dedos dos pés com frieira e calcanhar rachado ninguém merece. Axila cabeluda é o fim! Ainda bem que inventaram a depilação a laser “Pelos nunca mais”.

Até aqui, completamente compreensível. Dá pra ver um toque mais higiênico além da pura vaidade?

Independente do que se passa, eu passo por aqui. É o teste prático da semana para saber se toda aquela meditação está valendo para alguma coisa. Tenho de entrar e sair dali sem me contaminar. Tenho de manter minhas convicções, senão vou sucumbindo ao que me é oferecido. Eles estão evoluindo, digo, os salões. O cardápio oferecido é variado. Unhas: Não é apenas deixá-las limpas, pintadas e bem cortadas, elas agora têm de ter um tamanho e formato regular – temos unhas de gel, de cristal, de porcelana. Você sai de lá com as unhas perfeitas, como elas nunca foram antes e do tamanho de sua preferência: pequena, média, grande ou extragrande. Cabelos: não há mais cabelo cacheado, ondulados, afro ou arrepiado. Todos são lisos e bem domados. Nada de “frizz” nada de cabelo volumoso, cheio. Todos são minguados, escorridos; no máximo, com um corte mais repicado que deixa um leve movimento nas pontas. 136


Antologia Fernando Pessoa e Convidados O tamanho do cabelo? Não é problema. Temos o mega hair, o aplique, o rabo falso, o tique- taque. Você escolhe o tamanho. A cor deles? Vai muito além da tradicional tinta para disfarçar e esconder os fios brancos. Somos na maioria loiras. Ser loira é moda. Todas são ou têm uns fios dourados para iluminar a face. Eu digo sempre que mulher não envelhece, ela enlourece. Sem falar nos cílios implantados um por um com cola, que duram meses. Do botox na testa, nos olhos, no pescoço, na boca, nos preenchimentos... É um desafio. Para todas! As mais novas querem ter aparência de mais velhas e as mais velhas, cara de mais nova. Sou grata aos profissionais que me ajudam a me cuidar, que tratam de mim, que cuidam da minha pele, dos meus dentes, do meu cabelo, do meu corpo. Sim, eu me cuido, tenho um cartão fidelidade! Mas quero envelhecer de bem comigo mesma, me achando linda em cada fase da minha vida. Linda aos 20, aos 30, aos 40 e agora aos 50. Infinita mulher! Parabéns aos salões de beleza. Vocês evoluíram, são informatizados, têm cartão e atendimento personalizados.

O desafio da classe? Diminuir o ruído interno.

O nosso desafio? Ficar de bem com o espelho e não sucumbir aos apelos da ditadura da beleza.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados MAIRA MENDONÇA Maira Suzeth Mendonça, de nome artistico „Suze-May“, nasceu aos 22 de Agosto de 1990, nacional de Angola, natural de Cabinda, filha de Adao João Antonio e de Nazaré da Silva Mendonça; solteira. Licenciada em administração pública federal pelo Instituto Federal de seguros da Alemanha. Funcionaria do BANCO MILLENNIUM ANGOLA, como assistente comercial corporate. Membro da associação dos Angolanos Imbondeiro. Escritora de poesias; começou a escrever poesias com apenas 12 anos de idade.

Não sei viver sem ti

Te aceitei em minha vida,

abri todo meu coração,

me mostraste a direção,

me tiraste da estrada perdida.

És meu tudo e nada

És meu alfa e omega

És meu principio e fim

assim como o teu amor sem fim.

Mudaste os meus sonhos,

cumpre em mim os teus planos,

pois sei que eles

são maiores que meus sonhos. 138


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Nunca ninguém me amou

como você me ama.

Nunca ninguém foi tão real

como a tua perfeição.

Não sei viver sem ti Jesus,

só tu és justo, só tu és digno

enche-me com o teu espírito,

nossa aliança é do tamanho do infinito.

Bandeira de Angola

Bandeira de Angola, emotiva e marcante,

quente como o ardor do nosso continente,

comovente como o hino, vibrante como a liberdade,

histórica como um museu que preserva a realidade!

Bandeira de Angola, simboliza a independência,

expressa compaixão com o seu vermelho!

carrega a agricultura no peito

e o continente africano com o preto! 139


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Bandeira de Angola, marca de Angola,

companheira das outras bandeiras!

sua alma para mim é impecável

mesmo com todo sangue derramado

não deixa de ser firme e poderosa!

Bandeira de Angola, filha de África,

Forte como a energia do amarelo que carrega

Bandeira de Angola, orgulho da nossa nação

Tem o 4 de Fevereiro tatuado em seu coração!

Bandeira de Angola é como um hino desenhado,

como um quadro q expressa sentimento sofrido!

meu amor habita no seu vermelho

minha solidariedade mora no seu amarelo.

140


Antologia Fernando Pessoa e Convidados MANOEL TEIXEIRA Manoel Teixeira é escritor e artista plástico. Terra com muito mato onde nasci. De poucas letras, quase vivi, sobrevivi. Anos a fio, cresci do lado de dentro, com pouca gramática! De fora, só talento disperso. Costurei durante os anos modernos a insensatez de ser Matemático. Linguagem difícil me fez rastro de literatura bivalente. Produtor cultural, arranjei tempo para pintar. Escrevi livro de histórias com enredo matemático. Editei catálogo de alunos e professor. Poeta e artista plástico de obras divulgadas pela LITERARTE. Contato: lagoadoboi@gmail.com Amigas

Dentro de um corpo

Pedaços de mim.

Expandem-se

No coração o amor, se alegra.

Se fustiguei

Nas lembranças

Qual cabeça

Murmurando, que se juntam

Pedaços de mim

cada passar dos tempos,

Lembranças...

Busco a solidão

Amigas muito

Longe.

141


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Interior

Na minha sanidade

Penso,

Como sou louco...

Fazer o que,

Você não faz?

Esses atos de loucura

Deixam-lhe sem ação

Na carne sinto.

Não sou Homem!

Esse jeito maluco de ser

Aproxima a rejeição.

A pessoa louca

Não se comunica

Sozinho sente que os

Outros,

Pensam assim no,

Interior.

142


Antologia Fernando Pessoa e Convidados MARCELO FONTES Marcelo Fontes é escritor, artista plástico e coordenador de turismo na cidade do Rio de Janeiro. Livro independente de prosa e poesias em 1980, “Impulsos da Adolescência”. Menção honrosa e integrante da antologia no 3º Concurso Raimundo Corrêa de poesia (Ano 1983). 1º lugar no concurso de crônicas das Faculdades Estácio de Sá com o tema: “Olimpíadas de Atenas” (Ano 2004). Lançamento do livro “O maestro dos Raios, contos, crônicas e reflexões poéticas”(2014). Participação na Antologia Camões e Convidados com o conto “o Maestro dos raios”- Literarte e editora Mágico de Oz(Ano 2014). Lançamento do livro “Severino Ilusão” pelo selo Mágico de Oz (Fevereiro de 2014) Rio de Janeiro e Portugal.

Retrato da vida - Cumplicidade

O canto cego do teu olho,

enxerga o que mais te incomoda!

Por todas as tentativas de amar,

continuo amar tentando...

Paixões eternas, vidas perfeitas,

palpita lembranças...Escancara

esperanças!

Ter ou Ser?

Conflito entre o poder e a felicidade...

Sou o que tenho?

Tenho o que serei?

143


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Fútil anarquista

tentando em vão dominar o mundo...

Que já anda de cabeça pra baixo!

Vai ao revés...Esse mundo!

O teu, o meu, o nosso...

Flores regadas com tuas lágrimas

dominam o jardim da tua existência.

Numa primavera de sonhos,

vives o outono da vida!

Trago-te um buquê de esperança e amor,

para que a explosão do mar viva em teus seios!

Tenhas a presença de minha sombra,

e na calada da noite, me possuas!

Mentes enlaçadas no suor que emana,

das pernas trançadas no latejar de teu ventre!

Sintas o pulsar de minha pele,

em tuas mãos suadas de tanto esfregar.

Tenhas a certeza de um amor eterno,

puro, verdadeiro, de dar e querer!

Quero, te quero, te amo,

Venero-te!

Mulher, tu tens todo o meu amor!

144


Antologia Fernando Pessoa e Convidados MÁRCIO BATALHA Aniceto Márcio de Moura Batalha ou, simplesmente, Márcio Batalha nasceu aos 4 de Janeiro de 1983, Nacional de Angola, natural de Luanda no município da Maianga, na província de Luanda. Licenciado em Gestão e Marketing pela Universidade Independente de Angola. Escritor de Poesias; poeta Declamador desde 2012, membro da Brigada Jovem de Literatura de Angola. Participa de diversas antologias importantes entre elas a Antologia Geografia Mágica da Kianda da BJLA a Antologia Luís Vaz de Camões e seus convidados, Antologia Varal do Brasil. Recebeu o Prémio intercâmbio - Cultural Latino - Americano na Argentina em 2013, Prémio Luso – Brasileiro de Poesias» melhores poetas de 2014 no Brasil. Proibida Amizade

Num momento nostálgico de magia …

Saboreie a vaidade do vento que trazia ..

Hipnotizei a alma .. a majestade o sabia ..

Quero amar-te feito louco…

Ter-te em meus braços por séculos

é muito pouco…

Donzela do mundo poético…

Uma angustia em pesadelo

Uma historia sem modelo

Nada quebra o gelo…

A vontade invade…

Esta…

Proibida amizade!

145


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Relações Mutiladas

Num começo brilhante afogam-se as pétalas

dos desejos em garras

Um romance quente falsificam-se as rosas dos

beijos nas masmorras

O tempo ultrapassa a mente e esboçam as

ciumentas frases em guerras

O amor acaba por egoísmo e desrespeito da

confiança … voam as cigarras

A desconfiança mutila a relação…

Desalento do vento … que decepciona

a emoção…

Insistência permanente a volta ..

do relento em mão..

Salivas soltas nos descalabros da união..

quero não!!

É assim …

Namoros curtos escrevem o fim…

Passados de memorias clim..

As incerteza invadiu o pedaço de cada um ..sim!!

Paixões fuziladas ..

Relações Mutiladas..

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados MARIA CECÍLIA CASTRO Maria Cecília Castro nasceu em 1º de maio de 1966 – Brasília/ DF, Brasil. Formou-se em Letras pela IESPLAN/DF, Gastronomia pelo IESB/DF e fez Pós- Graduação em Literatura Brasileira pela UNB/DF. É acadêmica titular da Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias – Rio de Janeiro; acadêmica da Accademia Internazionale Il Convivio - Verzella , Itália; membro da International Society of Poets; membro da REBRA ( Rede de Escritoras Brasileiras ); membro da UBE/ DF ( União Brasileira de Escritores); Ambassadeur da Divine Académie Française des Arts, Lettres et Culture – França

O canto

O eterno canto do peito

Há de derramar todo o sofrimento.

Há de estender toda uma vida

De desencanto.

O eterno canto do peito

Há de apagar a solidão.

Há de sufocar todo um sentimento

De desalento.

O eterno canto do peito

Há de superar

A cada passo de vida,

A cada passo de futuro.

O eterno canto do peito

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Há de acreditar

Que a vida ainda é bela

Apesar de todo o seu sofrimento

E de seu cantar.

Escuridão

Não vejo a luz

Que ilumina os meus dias.

Não vejo o sol

Que irradia as minhas manhãs.

Não vejo o verde

Que embeleza a minha alma.

Não vejo o amor

Que nasce a cada esquina.

Não vejo a escuridão

Que atravessou o meu caminho.

Não vejo,

Só sinto o escuro

Na vida e

No passo dado

Em direção ao futuro.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados MARIA DO SOCORRO CAVALCANTI Maria do Socorro Cavalcanti, brasileira, escritora e poeta, autora de 6 livros, Vice-presidente da Academia de Letras e Artes do Ceará, Presidente de Honra da Academia Feminina de Letras e Artes de Mossoró, Sócia do Nucleo Acadêmico de Letras de Lisboa, Embaixadora da Divine Académie Française des Arts Lettres et Culture, detentora dos troféus: Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Diamonds of Art and Education Austrian, da Sociedade Europeia de Belas Artes - Viena /Áustria.

O AMOR DO SOL E DA LUA Dizem, e eu acredito, que o Sol e a Lua são eternos apaixonados, se amam! Acredito nesse amor, porque ambos têm um poder de atração excitante, concentram beleza, bondade, se complementam e se deleitam com a missão de servir a humanidade. Contudo, eles nunca puderam, como desejam, viver no dia a dia aos beijos e abraços, sussurrando o grandioso e terno amor que os invadem e elevam suas almas. Mesmo separados por uma enorme distância, o amor existente entre o Sol e a Lua, se faz presente, alimentado pela força espiritual, nos dias e nas noites, através de momentos prazerosos, independentemente de tudo que queira afastá-los: - Das nuvens tumultuosas e sombrias, que encobrem a beleza do Céu estrelado e romântico; - Das chuvas temerosas que alagam tudo, vergando árvores sob a força do vento, desfigurando a paisagem, intimidando o mundo, anunciando o desabrigo; - Dos relâmpagos que riscam o Céu e a Terra, precedidos dos trovões, com suas ostentações ruidosas. 149


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Nada, absolutamente nada os contrariam, impõem medo, os afastam da fé, da vivência desse amor devotado. Eles acreditam na grandiosidade desse sentimento - o amor, ato maior advindo do CRIADOR, reproduzido em tudo, repassado para o mundo, para os animais, para todos os viventes. Por isso, em se falando de amor nada será, de tudo, impossível e, para eles o Sol e a Lua, DEUS determinou o eclipse, ocasião em que ambos se encontram, para desfrutar esse sentimento de felicidade, alimentar e dá continuidade à tão emocionante história de amor. E nesse momento eclipsado, o Sol, o Astro Rei e a encantadora Lua, avidamente se abraçam e vivem um momento singular, eternizando o amor, transbordando felicidade! Esse íntimo, profundo e sagrado encontro do Sol e da Lua, é realizado de forma mágica, transcende o padrão normal e torna-se invisível ao ser humano, porque dele emana uma intensa e expressiva luz, vindo da conjugação do amor, refletindo no universo, de forma deslumbrante e incandescente. Como seria importante para o ser humano, observar, se espelhar nesse amor incondicional, infinito... Mas, dado a impossibilidade de vê -los para imitá-los, Deus presenteou ao homem e a mulher, a liberdade para que cada casal planeje seu ninho de amor, e viva a felicidade que merece. VAMOS, POIS, EM BUSCA DO QUE HÁ DE MAIS SAGRADO O AMOR!

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados MARIA INEZ SILVA QUEIROZ Maria Inez Silva Queiroz é maranhense, licenciada em Letras pela UFMA com título de honra ao mérito de melhor aluna do curso é especialista em Didática Universitária e Gestão Pública. Possui vários livros, textos e artigos publicados nas áreas de Literatura, Redação Oficial e outras. Atualmente é servidora pública na Assembléia Legislativa do Maranhão, Pesquisadora pelo CNPq e colaboradora do Interlegis. Foi professora da UEMA e atua como professora de Redação Oficial. E-mail: inezqueiroz@gmail.com São Luís – Reminiscências de um passado alegre Alguns me chamam de ilha dos amores, mas na verdade é que tenho vários codinomes para muitos sou Jamaica brasileira, mas na realidade é que já fui Atenas brasileira, berço de muitos poetas e escritores, quando nasci eu era apenas ilha Upaon-Açu cultuada pelos índios e visitada por Padre Antonio Vieira. A realidade é dura, pois agora sou uma Senhora de 400 anos e continuo a inspirar poetas e artistas apesar dos maus-tratos e descuidos de um povo que me explora e despreza apenas porque sou velha. Até o sabiá não faz mais seu ninho em minhas palmeiras... as palmeiras foram derrubadas e não há mais abrigo nem para andorinhas somente para urubus que visitam as feiras do meu centro, e como sinto saudades de Gonçalves Dias... O Reviver onde abriga a minha ilustre hóspede, Aliança Francesa , está desprezado as paredes deterioradas e os azulejos não podem mais contar histórias e lendas, pois não lembram mais. Poucos ainda recordam que sou a única francesa deste imenso Brasil e sabem, orgulho–me disto , pois ainda guardo o refinamento dos hábitos.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Sei que esse fino trato herdei dos franceses, conheço tudo de cerimonial e etiqueta para fazer o meu visitante se sentir acolhido, pois zelo pela minha reputação. Apesar da minha aparência ainda possuo o calor humano que alguns que me habitam deixaram para trás. Ainda ofereço passeios alternativos de barco ou de lancha pela minha orla marítima e de carro pelas minhas dunas e isso é fantástico! Mas vou lhes contar um segredo. Sempre converso com meu pai Daniel de La Touche em frente ao Palácio La Ravardière, e com ele desabafo, faço minhas queixas, falo da minha preocupação com o futuro, e conto também minhas vitórias, como a de ser Patrimônio da Humanidade, embora não sinta humanidade do meu povo. Sabem o bonde? Aquele que me circulava lentamente? Agora não existe mais. As pessoas me visitam em carros novos sempre correndo e sem local para estacionar. Aquelas pessoas que vagam pelas minhas ruas sem destino as vezes me jogam lixo. Ah! Como detesto quando alguém me cospe ou me joga uma ponta de cigarro, aquilo dói e queima minha alma. Sinto-me amada por alguns que me visitam e conhecem minha rica culinária, minhas lendas e minha identidade e até exclamam oh com o centro histórico é parecido com Paris! E quando alguém me arrisca um sonoro bonjour, fico toda feliz e respondo ne me quitte pas! Confesso que mesmo com o francês tão esquecido por aqui ainda vou à toillete e visto o meu soutien. Sempre demonstro indignação pela violência e quando fazem das minhas praças locais de vis experiências inclusive uso de drogas. Não consigo aceitar isso apesar de ser um mal da contemporaneidade, então me deleito com a litorânea quando o por do sol se despede silenciosamente das minhas magníficas praias deixando apenas um rastro de luz incandescente sobre as areias que contemplam os barcos.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados O período que me deixa mais feliz é no mês de junho quando sou invadida por brincantes de bumba-boi, tambor de crioula e quadrilhas. Ah!!! As quadrilhas sempre lembram meu idioma de nascimento, e quando alguém grita meu francês de modo caipira somente eu traduzo “ anarriê”, “alavantú, ” “balancê” e logo penso nas mocinhas que antes vestiam renda francesa importada da França, mas hoje não me vejo mais nesses vestidos, tudo mudou. Fico assustada com o uso de expressões em outros idiomas e confesso que fico enciumada com a invasão dos holandeses e a colonização portuguesa que me obrigou a falar português, mas sei que tenho traços das minhas origens, principalmente no velho centro. Lembram da Ana Jansem? A minha lenda mais famosa? Está caindo no esquecimento as crianças trocaram pelos aparelhos digitais e não baixaram esse ícone. Nem recordam mais das carruagens na Rua de São Pantaleão sempre a meia-noite tocada por mulas sem cabeça. Também as ruas do centro são tão barulhentas que não dá mais para discernir os ruídos das correntes. Então só me resta a nostalgia, e cantar La vie en rose. Sei que se meu pai Daniel não tivesse partido me olhariam com outros olhos e quem sabe eu não seria a cidade mais importante do Brasil – a única que não nasceu lusitana! Uma verdadeira francesa encravada em solo brasileiro que ainda resiste ao tempo com seus casarões azulejados e telhados de porcelanas, apesar de tudo ainda são habitados por pousadas.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados MARTHA TAVARES PEZZINI Martha Tavares Pezzini, nasceu em São Pedro dos Ferros, MG. Escreveu um livro: Vieiras e Tavares – genealogia e lembranças. Criou o blog: Sobre Livros e Autores/ marthatavaresspf.blogspot.com, que a tornou conhecida e onde publica o que escreve. Participa de várias antologias. É membro da Literarte e da REBRA. Recebeu o Prêmio Cultural Literarte 2014. Pertence às Academias de Letras de Goiás, de Fortaleza e de Valparaiso, Chile.

O Mar e Eu Acordo ouvindo as ondas batendo nas pedras e o delicioso barulho do retorno das águas após deixar na praia, conchas e algas. Parece que Netuno rege uma sinfonia eterna com os mais puros acordes e o mar, majestoso gigante cumpre seu destino de trazê-la até nós com seu incansável movimento. Manhã toda feita de luz e cor, perfeito capricho do Criador, festa preparada para nosso deleite. Abro a janela. Imagens e sons de um cenário esplendoroso invadem meus sentidos. O sol subindo do horizonte, parece um medalhão de fogo sendo suspenso por corrente invisível, espalha profusamente todo o seu esplendor pela imensidão prata-verde-azul-lilás das águas. Nuvens contornadas de fogo passeiam devagar, levadas pelo suave sopro da brisa marinha, enquanto outras parecem incendiadas, como se fossem explodir. Pego um chapéu, minha câmera e saio para um passeio. Deslumbrada e inebriada pelo delicioso ar, ando descalça, pisando a areia molhada sentindo o prazer da massagem nos pés a cada passo... Vou parando para catar conchinhas que sempre me encantam pelas cores, formas e tamanhos, nacaradas ou não. Cada uma é um tesouro único. Selecionadas, serão transformadas em colares e pulseiras ou simplesmente guardadas para lembrar.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Uma doce alegria toma conta de mim. Delicio-me com o voo das gaivotas alto e baixo e seus pios que parecem acompanhar o ritmo da coreografia. Nada a pensar, absorta na plenitude daquele momento, apenas saboreando a vida, imersa em energia e encantamento. Se o vento soprar um pouco mais creio que flutuo como uma pluma, tão leve e solta me sinto, partícula intrínseca da natureza. Depois da caça ao tesouro, caminho mais um pouco sentindo o calor do sol e a carícia da brisa. Chego a pensar que há uma cumplicidade entre o sol e o vento. Um a nos queimar e o outro a soprar amenizando. Somos pessoas diferentes quando estamos à beira mar. Mais alegres, felizes, mais relaxadas. Paro para tomar água de côco, delicia refrescante e revigorante entre tantas dádivas do Criador aqui reunidas. Peroá assado. Resistir, quem há de? Ando um pouco mais, minha Rolley registrando tudo. Momentos gravados na câmera e nas retinas. Viver longe do mar é nostálgico. Por isso temos necessidade de voltar sempre e deixar para trás a rotina, preocupações e neuras. E retornar à magia e ao encantamento de estar perto do mar.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados O pilão e o piano Encontrei um dia desses, uma amiga dos meus tempos de adolescente. Companheira de viagens, horas dançantes e outras. Ela era ótima companhia, mas havia também outro motivo além deste: minha mãe só nos deixava sair com ela. Continua sendo a mesma pessoa encantadora com uma vida muito bem vivida repleta de realizações. Conversamos muito sobre experiências e acontecimentos recentes e acabamos relembrando fatos das nossas infâncias, meio desencontradas porque sou um pouco mais nova do que ela. Minhas lembranças são da fase em que ela já era uma jovem adulta. As recordações são de fatos simples de uma vida que era pobre materialmente, mas de uma riqueza inesgotável de sentimentos e vivências. Ela contou-me que na minha casa havia um pilão. Para quem não faz idéia, pilão era uma peça grande e maciça de madeira na qual se escavava um buraco para conter os grãos para pilar, que se dizia “socar”. Havia uma outra peça, chamada mão de pilão, nada leve e que era levantada e abaixada, manualmente, para esfacelar os grãos, geralmente de café. Devia ser uma operação cansativa. Vemos que as Academias não faziam falta... Nada era fácil naquele tempo, a não ser os sonhos. Apesar de o pilão já não ser usado na minha infância, eu me lembro dele. Era uma época em que os brinquedos eram criados pela imaginação infantil a partir do que havia em volta. Costurávamos roupinhas para as bonecas, moldávamos panelinhas de barro e os meninos faziam bois de sabugos ou de frutas verdes como mamão. Como minha amiga gostava de música, a criatividade veio à tona: cascas de mandioca recortadas por ela e foram colocadas como teclas, transformando o feio e rústico pilão em um piano aos seus olhos encantados de criança.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados A magia se estendeu à tudo que havia em volta. A menininha sentada no banquinho dedilhando as teclas do instrumento sonhado, usando lindo vestido em cetim cor de rosa tendo nos cabelos mimoso arranjo feito com delicadas e pequenas flores, meias e lindos sapatos. Uma aura de felicidade a envolvia completada pelo som que entrava pelos seus ouvidos. A cada número executado acenava em agradecimento aos aplausos. Era a poesia brotando daquela dureza de vida, sem brinquedos comprados e onde os sonhos eram apenas sonhados sem perspectiva de um dia se realizarem. E muitos daqueles sonhos se realizaram como o da menina pianista que mais tarde aprendeu música e trocou o piano pelo violino que toca maravilhosamente. Agora na vida real.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados MATUSALÉM DIAS DE MOURA Matusalém Dias de Moura é advogado e procurador de carreira da Assembleia Legislativa do Espírito Santo. Escritor, poeta e historiador, com mais de 20 livros publicados e alguns outros aguardando edição. Alcançou, em concursos literários, no Brasil e no exterior, mais de 20 (vinte) “primeiros lugares”, além de vários outros prêmios e menções honrosas. É membro efetivo da Academia Espírito-santense de Letras (Cadeira 34), a mais antiga instituição literária do Estado do Espírito Santo e de outras instituições culturais. Na política, foi vereador e presidente da Câmara Municipal de Iúna, Espírito Santo. SOU PEDRA

Sou pedra.

Até aqui sou pedra;

pedra de carne, osso e espírito, mas pedra.

Pedra bruta a rolar sem destino certo,

a esfolar-me a alma toda - também de pedra -,

estrada afora.

Sim, sou pedra.

Até aqui sou pedra

para resistir à maldade humana,

à traição, à insensatez, à mediocridade,

à provocação,

à inveja e à cólera injustificáveis de alguns;

ao deboche, ao escárnio e ao ódio gratuito

de muitos outros.

Sim, sou pedra.

Preciso ser pedra para aturar o mundo. 158


Antologia Fernando Pessoa e Convidados ANTIGAMENTE

Meu pai capinava,

minha mãe lavava

e minha avó benzia.

Eu tinha um quintal para brincar,

era dono do mundo... TROVAS

(01)

Tocada, discretamente,

a rasa treme no galho,

reluzindo ao sol nascente,

toda molhada de orvalho.

(02)

Em meu peito, soluçando,

escondo uma dor antiga,

para dizê-la, cantando,

nos versos de uma cantiga.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

(03)

Lá na Matriz eu te vi

sozinha e quieta , a rezar,

e o Cristo, na cruz, ali,

em silêncio a te escutar.

(04)

Ah, quantas mentiras,quantas...

disseste-me em meus ouvidos,

mas essas mentiras tantas

hoje são cristais partidos!

(05)

Contemplo a folha caída,

agora adubo no chão:

mesmo já seca sem vida,

dá vida a vegetação.

(06)

A pele da mão, rugada,

a do rosto, envelhecida,

minha mãe sofre, calada,

as dores da própria vida.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados MÚCIO GÓES Múcio Góes, apanhador de versos flutuantes e depois. Dessa vez nasceu em Palmares-PE no dia de Iemanjá do século que passou. Dos versos já capturados veem-se em Grãos ao alto! [Ed A árvore dos poemas 2009] e incensos, insônias, silêncios e outros sons [Ed Nossa Livraria 2010], Haicaos, parceria com a poeta Sandra Regina [Ed Limiar - 2012], O avesso e o verso [Ed Limiar – 2013]. Atualmente escreve no blog Travessuras e Facebook.

LIRA DELIRANTE vejo passos pelas ruas, ouço pessoas passando, seus passos largos, suas pressas, suas preces, e impressões. um assombro pop: po-pu-la-cio-nal.

um minuto de silêncio & gozo como ode à morte do tempo!

de manhattan a bagdá, de cubatão a madagascar, a pressa é a prece que apetece, se não é praga, é o que parece.

cadê a poesia? pergunta o vazio!

eu respondo: então me toque um rip-rock: rest in peace FERNANDO e suas pessoas. FERNANDO verbo no gerúndio, gerânios & gardénias in the Garden, e pelos campos alvos ÁLVAROcorre e discorre versos e GUARDA em REBANHOS nossos medonhos medos de papel. LISBOA, na boa, à tarde, à toa, sem lei nem loa, lendo PESSOA a poesia ressoa no ar. reverbera beirando o Tejo indo para lá de além, “dalémar”, e cai no mar doce mar, repetindo CABRAL, caravelas ao vento, páginas ao mar, e já nem lembro QUANDO FUI OUTRO.

POESIA: ame-a e não a deixe!

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados enquanto isso caem do céu estrelas tardias, silentes ciganas no mar doce mar , MAR PORTUGUÊS, mar ALBERTO, maracatu & eu. eu caio, CAIEIRO cai no estrondo cult, caldeirão cultural, recifeolindacarnaval, os tambores com seus valores, poesia instrumental.

pegue a sua alfaia e não fuja da raia!

em terra de cego RICARDO É REIS. I wanna holding yourhand num galope rasante à beira-mar: avohai. pergunto ao poço o quanto posso, PESSOA pôde o que eu não pude, when I feelgod, I feelgood. e que soe a poesia de PESSOA em qualquer pessoa, seja na ÍNDIA, seja em LISBOA, do nepal a noa-noa, do mar até a lagoa, e meu olhar alagado de tanto ler ressoa: PESSOA.

qualquer pessoa sabe

que pessoa não era um qualquer

um qualquer

não passa de qualquer um

e qualquer um

sabe bem qual é

o bom poeta não berra

seja ele qual quer

guimarães rosa rilke

rimbaud pessoa mallarmé

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados PAOLA RHODEN Paola Rhoden nasceu no Paraná. Oito livros editados, participou de 23 Antologias no Brasil e exterior. Suas obras abrangem romances, contos, crônicas, poesias e textos técnicos. Advogada, administradora de empresas, com doutorado em Direito, Mestrado em Administração e especialização em áreas de direito civil e trabalhista. Hoje reside em Brasília Distrito Federal, Brasil.

Sem destino Ele saiu de casa. Chorou muito, mas foi. O mundo lá fora o chamava insistentemente. Precisava ir. As lágrimas da única filha e da esposa de nada adiantaram. Deixou para trás uma convivência saudável, amiga e de apoio integral de mais de vinte anos, porque na rua estava o seu sonho: a liberdade. Precisava dela. Antes disso Paulo pensou muito. Analisou os prós e os contras, o que perderia e o que ganharia com sua decisão. Ganhou o pensamento de reviver a juventude. Coisas de homem maduro que ainda pensa como um adolescente. Durante seis anos viveu a mercê de festas e mulheres. Foram morenas, ruivas, loiras, negras, sararás e demais que encontrasse pela frente. Em cada uma procurava a satisfação de sua insatisfação, coisa essa que vinha lá do fundo da alma. Nem sabia bem o que era. E em cada aventura vivida foi deixando um pouco da dignidade, um pouco do caráter e do bom nome que construiu ao lado da família que deixou. Até que um dia percebeu que não havia mais reserva dessa dignidade, para um futuro que aos poucos se revelava escuro. Nessas andanças sem rumo pegou uma doença grave. Dessas sem cura. Para essa doença havia apenas paliativos que aliviavam as dores e o mal estar, mas não curavam. Ia ficar lá para sempre. Resolveu então voltar. Voltar para aquela mulher que o transformou de um jovem inexperiente em um homem de valor e de respeito, com muito amor e perseverança. 163


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Bateu à porta que um dia deixou para trás pensando nunca mais retornar. Chorou novamente. Só que agora de vergonha. A porta entreabriu-se, e a mulher que apareceu estava exuberante e cheia de vida. Seus olhares se encontraram. Ela bela ainda e o mesmo sorriso. Sorriso que sumiu ao vê-lo.

- Boa tarde! – disse ele.

- Que você quer? – perguntou ela, sem a doçura que ele conhecera tão bem.

- Posso entrar?

Ela pensou um pouco antes de deixá-lo entrar. Mas consentiu.

Ele contou seus problemas e seus medos. Pediu para voltar. Ela estava com o olhar altivo, sem nenhuma semelhança daquela esposa submissa e doce que sempre fora ao lado dele. A dor a transformou em alguém confiante, madura na sua integridade de saber o que queria da vida.

Ela disse apenas:

- Você escolheu!

E novamente a porta abriu-se o convidando para voltar ao mundo que escolhera. E ele foi. De cabeça baixa seguiu pela mesma rua que um dia percorrera cheio de liberdade. Hoje ia escravo do silêncio e da completa solidão. E sem destino.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados RENATA SBORGIA Renata Carone Sborgia nasceu em Ribeirão Preto, SP. É bacharela em Direito e em Letras. Mestra em Psicologia Social pela USP. Especialista em Língua Portuguesa e Pós-Graduada pela PUC/SP e FGV/RJ em Direitos Humanos e Gestão Educacional. Membro imortal da Academia de Educação(ARE). Docente, Educadora, Pesquisadora -USP-, Consultora de Português , Literária e Oratória, Escritora-vários livros publicados com temas ligados ao Português, Educação, Tabagismo, Literatura e Enxaqueca. Escreve na mídia impressa e virtual também. Decisão…

Decidimos sem definirmos:

amarmos e poetizarmos.

Em qualquer Estação do Ano, meu querido.

Porque o nosso tempo não há finitude para o amor.

Traga apenas: seu coração e emoção. Tomara...

Tomara que apesar dos apesares todos...

A gente continue tendo valentia e coragem suficientes...

para não abrir mão da tal felicidade.

As coisas no final vão dar certo porque: vai ter amor

Vai ter fé

Vai ter paz.

Tomara...

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados RIBEIRO-CANOTILHO Ribeiro - Canotilho, Nasceu em 1946, em Lourenço Marques, Moçambique. Professor de EVT - Educação Visual e Tecnológica e disciplinas afins, aposentado. Pintor d Arte, desenhista, ceramista, poeta, etc. Membro-Permanente da G.R.E.S. “ Beija-Flor de Nilópolis “, RJ, Brasil, “ Accademico Ordinario “ e “ Comendadore Accademico”,, em Arte, Itália, Sócio d’ Honra do CEMD, Parede, Portugal, 2011, Membro d’ Honra do NALAL, Lisboa / LITERARTE, RJ, Brasil, 2014, Comenda Poeta Castro Alves, LITERARTE, Rio de Janeiro, Brasil, 2014, por mérito e honra alcançados na cultura lusófona, etc.

LIÇÃO PATERNA

Aos Meus Pais

Com Uma Gratidão Eterna

É pela noite a redimir

Que dos tempos acalento,

Meu Pai verbera a bom contento :

“Ave nocturna, vai dormir !”

“Assim fazes, rapaz, da noite dia

Como do dia noite !”, ele afirmava,

Enquanto aquelas horas, à porfia,

A luz para pintar me encorajava.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Mas p´ra pintar o quê ou que narrar

Com tintas e pincéis já navegando,

As ideias pulsavam sem falar

E o pensamento solto, matutando…

Jangada de palavras perturbantes,

Rompia sempre quando o sol nascia,

E da minha alma, em ondas exultantes,

Surgia a tela finda. E ERA DIA !

CONVICÇÃO VERDE E AMARELA

Escutando a Poética Estridente e Multicolor

do Grande Viola – Solo Waldir Azevedo, do Brasil,

Sobrando expresso-me

Na desmedida forma

Dos passos do Samba,

Ao som repercutido

De atabaques, pandeiros e violões.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Sou indomável

Garboso desse rítmico sentir,

Deslizo em polisónicos

Carnavais inebriantes

A sopro de cuícas

E vivo revivendo

Mais ainda

O renascer desta

Acesa celebração !

Invulnerabilizo-me insuspeito

De felinos candomblés,

Esvoaçando na garôa dos sertões

Planaltos e palmares,

Porque passada – a – passada

E maré – cheia oh,

Drapejará vitoriosa e sempre,

Em ti, ó terra de Yemanjá

Mais elevada se assumindo

168


Antologia Fernando Pessoa e Convidados A SENHA DE PEDRO!

Glossário :

Samba : O ritmo brasileiro mais famoso, originário de África.

Cuíca : Instrumento de percussão.

Yemanjá : No tempo da Inquisição católica, os africanos convertidos à força em África e nas Américas ( Brasil ), tiveram urgente necessidade de sobrevivência espiritual e idiossincrática dos deuses do seu panteão, com os santos da citada igreja, por forma a viabilizarem os seus cerimoniais tradicionais traídos. Assim, Yemanjá, deusa do mar, cujas cores são azul e branco, foi reconvertida com nossa senhora cristã-católica. Pedro : Dom Pedro I do Brasil ( IV de Portugal ), 1º Imperador Brasileiro, célebre autor do “ Grito de Ipiranga “ , em 7 de Setembro de 1822, efectuado às margens do riacho Ipiranga, na actual cidade de S.Paulo de Piratininga, Brasil.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados RITA PEA Rita Pea, a jovem escritora portuguesa descobriu a sua paixão pela poesia no início da adolescência. Em 2009 com 22 anos, Rita Pea vence um concurso literário para jovens escritores e é publicado o seu primeiro livro intitulado “Fragmentos de uma Alma” com o pseudónimo “Ainoha Leporello”. Fez a sua primeira sessão de Autógrafos na Feira do Livro no Porto em 2010 e em 2013, no 27º Salão Internacional do Livro e da Imprensa em Genebra. Estreou em Lisboa, no Teatro da Comuna “Um Tango com Gardel” onde teve uma participação dramatúrgica. Participou em Antologias. Dedica-se à Poesia, Teatro e mais recentemente descobriu o gosto pela prosa poética erótica. Contato: ritapeas@gmail.com

Olho o barco

Navegar.

Ao longe,

no teu corpo a balançar

Escuto a poesia da noite…

A flutuar

Seduzes o pecado

Que me transborda a cada instante

E enlouqueces-me…

De olhos fechados,

Saboreio cada pedaço teu, imbuído de amor

E escrevo no tempo,

A magia da existência humana…. 170


Antologia Fernando Pessoa e Convidados ROBERTO FERRARI Roberto Ferrari, nasceu a 23 de abril de 1957 no Brasil. É engenheiro, analista de sistemas, administrador de empresas, poeta, escritor e comunicador. Já publicou os livros Sublime Amor, Ventos da Paixão, Identidade Assassina e Fundamental como o Amor. Está presente em várias Antologias e é membro de várias Academias de Letras, entre elas a Divine Académie Française des Arts Lettres et Culture, Paris.

Eternamente minha

Se você me entregar teu coração

Ai, que lindo será o nosso amor

Você poderia ser

Somente minha, amante e amiga

Exatamente desse jeitinho

Essa coisa toda minha

Que amo com todo meu ser,

Em uma jura de amor,

Dentro do meu pensamento

Ser só minha, viver no infinito da nossa paixão

De falar devagarzinho, bem juntinho do meu coração

Essas histórias do nosso amor

E me carinhar com teus olhos,

171


Antologia Fernando Pessoa e Convidados

E sorrir bem de mansinho

Só de felicidade,

Para que quando você chorar, eu

possa beber das tuas lágrimas

Você quer ser minha amada,

Minha amante, mas meu amor de verdade

Aquela predestinada que já escreveu

o nome no meu coração

Sem você a vida é nada

Você tem que ser meu caminho

O meu destino,

Os teus olhos têm que ser só meus

E os teus braços o meu aconchego

No silêncio do amar

No infinito de nós dois.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Amor sem medida

Por te amar tanto

Só via a tua alma

Você era céu e mar

Você era Lua e estrelas

Só sentia teu coração

Foi quando realmente te conheci e te amei…

Quando te fitava

Com meu olhar profundo

Você não era só o meu amor, minha vida

Era todo o mundo…

E agora que tenho- te junto de mim,

Sinto a força do teu amor.

Você sempre morou na minha alma

Por esta razão não te via, só te sentia…

Tua presença acalmava minha

loucura, saciava minha paixão

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Só te sentia.

Só quando nossos corpos se fundiram em um

Percebi que sem você não sou nada.

Louca emoção,

Todos os nossos sentidos estão realçados,

Será que meu jeito de te olhar,

Meu sentir meu anseio

Meu jeito de te amar…

Você é parte da minha alma, fora

Do tempo e da hora…

Hoje eu choro de felicidade

Por te ter ao meu lado

E poder te amar…

É ter meu sonho materializado

Minha vida consagrada ao nosso amor.

O tempo parece parar quando estou a te amar

E quando confidencio a Lua o nosso amor

Vejo que não sentia e hoje sinto

E para nosso amor a eternidade é nossa medida.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados ROZELENE FURTADO LIMA Rozelene Furtado de Lima é de Teresópolis/RJ/Brasil. Bibliotecária, professora, escritora, poeta, artista plástica. Livros: Banquete de Idéias-memórias ; No Limiar Sex - poemas; Sementes ao Vento-haicais; Participa em mais de duzentas e quarenta Antologias nacionais e internacionais. Pertence a várias Academias de Letras e Artes; Associada à: REBRA; LITERARTE; Poetas Del Mundo; Portal CEN –PT; Prêmios nacionais e internacionais em literatura e artes plásticas. Adeus a um sonho

Lágrimas estão prontas para brotar

Sinto um aperto no peito

Num cantinho me ajeito

São lágrimas puras e quentes

Que rolam como serpentes

Vão salgando minha face, meu rosto

Chega aos lábios um forte gosto

De tempero salgado de saudade

Prato servido na intimidade

É choro, choro oposto ao riso

Choro comprido de preciso

Do aconchego amoroso ausente

Do calor de colo presente

De abraço forte apertado

De coração compassado

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

Como vara de violino em prece

Que toca a corda e ela estremece

Que ecoa no fundo da alma

Que a mão acaricia enxugando com a palma

É lágrima de que não me envergonho

É choro de adeus a um sonho

Doce mel

Hoje eu só quero encontrar

Um amor carregado de vontade

Desejoso de morrer de amar

De ser momento na eternidade

Quero beijos muito ardentes

Carícia livre sem restrição

Entregar tudo, totalmente

Corpo, pele, sonhos e ilusão

Sussurrando com estrelas deixar fluir

Provar o néctar, saborear o doce mel

Sem parcelar a liberdade de ficar

Pagar, receber, dar e dividir

Ser ponte, ser escada, ser céu

Ir onde nunca almejei chegar 176


Antologia Fernando Pessoa e Convidados SANDRA COUTO Sandra Couto é mulher, mãe, avó, tradutora e escritora, nasceu no Rio de Janeiro, morou em São Paulo por muitos anos e atualmente vive em Rochester/Michigan, EUA. Em 2002, selecionada no Projeto Caça-Talento da Editora Nativa, publicou o livro de poesias “Foto Antiga”. Nos últimos anos participou de diversas antologias e teve dois microcontos escolhidos pela Geração Editorial para figurar no ebook Geração em 140 Caracteres. Download: http://wp.me/pC6mz-yh

O ESCRITOR

- Moça

Quase meia-noite. No ponto da Brigadeiro, só eu ainda esperava o ônibus. A lanchonete fechara as portas, a faculdade apagara as luzes. Absorta em mil pensamentos, não percebi o homem que se aproximara de mim e, com aquela única palavra pronunciada com delicadeza, pregou-me um enorme susto, fazendo-me saltar para o lado.

- Moça -- ele insistiu.

Olhei em torno, buscando uma rota de fuga.

-- Não precisa ter medo. Eu só quero...

-- Olhe, eu não tenho dinheiro, mas, se servir passe de ônibus...

- Não sou mendigo. Não vim pedir esmola -- replicou em tom quase arrogante. Num rasgo de coragem, atrevi-me a fitá-lo. Um sujeito magro, cabelos compridos, barba por fazer. Parecia ameaçador, mas não do modo usual.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados

- Também não vim roubar. Não precisa-se encolher contra a parede.

- Olhe, o meu ônibus deve estar chegando e...

- Eu só preciso de alguém que me ouça.

- Eu...

- Você é de São Paulo?

- Não, eu ...

- Foi o que imaginei. Eu sou de muito longe. Vim porque escolhi São Paulo como cenário. Meu medo começava a se desvanecer. O homem não era ladrão, mas sim um dos inúmeros tipos intrigantes que se viam pelas ruas. Já curiosa, indaguei:

- Cenário? O senhor é de teatro?

- Não, sou escritor.

- E gosta de São Paulo?

- Esta cidade me agrada por ser um lugar onde nada é demasiado absurdo. - Tem razão. Acontece de tudo por aqui. E já começou a escrever o seu romance?

- Não. Estou procurando novas personagens.

- Como assim?

- As anteriores morreram.

O medo retornou com toda a força. Como pude baixar a guarda daquela maneira? Aquele “escritor” parecia-me cada vez mais perigoso. E nada do ônibus! 178


Antologia Fernando Pessoa e Convidados - Foi um erro de planejamento -- ele prosseguiu com ar de naturalidade. -- É preciso elaborar a trama com muita atenção. Eu sei que, a certa altura, o controle tende a escapar das mãos do autor. Portanto, todo o cuidado é pouco.

- O senhor disse que... “procura” personagens?

- É lógico. São Paulo é o cenário. As personagens estão pelas ruas, em botequins, pontos de ônibus, necrotérios. É só uma questão de escolher as pessoas certas, as que mais se encaixam no meu enredo.

- Será um romance de costumes ou coisa assim?

- Não, não gosto de frivolidade. Eu trabalho com o mistério, com o lado sombrio e insólito do real.

- Muito interessante!

- Fico feliz que lhe agrade. Porque agora você faz parte do livro.

- Não, eu não. O senhor só pode estar brincando. Afinal, nem me conhece.

- Não preciso.

Nesse exato instante, meu ônibus virou a esquina. Não disfarcei um suspiro aliviado. - Olhe, foi uma conversa muito boa, mas preciso ir embora. Até mais ver! Subi esbaforida e olhei para a calçada. Ele apontou o dedo para mim e fez o gesto de escrever alguma coisa. Isso foi há vinte anos. Até hoje, sempre que algo estranho me acontece, sempre que caminho pelas ruas de São Paulo e vejo a mim mesma como um de seus milhões de personagens, eu me lembro desse homem. E, dos desvãos da minha mente, surge a pergunta inquietante. Esta é mesmo a minha vida ou o enredo que ele escreveu para mim?

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados SANDRA FERRARI RADICH Sandra Ferrari nasceu no Rio de Janeiro – RJ e reside em Americana - SP. Fez Letras Português e literatura e pós-graduação em Língua Portuguesa com Ênfase na Formação do Leitor - UNIMEP - Piracicaba - SP. É Professora, Escritora e Poeta, se dedica a escrever contos, crônicas e poemas e têm alguns de seus trabalhos publicados em antologias.

A voz da solidão Alma, pacientemente, esperava a chuva passar, sentada na cadeira de balanço perto da lareira. Seu rosto, por detrás de um invisível véu cinza, desabrochava um ar melancólico, esculpido pela dor. Alma nascera do lado estreito da vida. Tudo foi sempre muito difícil para ela. Mulher franzina, triste e solitária. O casebre onde Alma morava ficava distante do povoado; era escuro, de cor verde musgo, úmido, cheio de limo nas paredes. Cheirava a mofo, parecia abandonado. E era ali, naquele lugar, que ela vivia, ao som da sorte daquela que esperava bem vagarosamente a morte. Ela tinha o costume de caminhar pelo campo no lusco-fusco. Gostava de sentir o vento no rosto do desabrochar da alvorada. Essa era a hora que sentia viva a presença de seu falecido marido. Enquanto caminhava na alvorada fria, procurava algum sinal do seu amor falecido, que lhe escapara por entre os dedos naquele dia maldito. A dor infinda deixava Alma contemplar bem do fundo a destruição de seu pequeno mundo. Em seu íntimo, desejava intensamente ser sempre aquele o seu último segundo. No silêncio do lusco-fusco frio, ouviu o pio da coruja, que mais parecia um canto de dor em resposta ao seu clamor. Seus olhos, atentos no horizonte, brilhavam. A coruja assustada alçou voo. Já era hora de recolher-se.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados O barulho de suas asas confundia-se ao do vento. Foi quando alma avistou um vulto ao longe, na neblina do clarear do dia. Fora em direção ao vulto, com o corpo curvado pela idade, muito fraca. Na mão, carregava uma bengala; no peito, um coração acelerado que pressentia estar errado, no entanto, arriscava-se pelos estreitos e esburacados caminhos. Durante o percurso, em meio aos tropeços, trazia nos olhos os tons sombrios iluminados ainda pela lua que se despedia. Memórias de seu passado etrusco a envolvia. No pensamento, um acalento a embalava; as lembranças de sua única e eterna companhia. - Olá! Quem é você? Espere, não se vá, quero lhe falar! - grito surdo de sua dor. Com as mãos geladas, enrolou o cachecol no pescoço e, apressada a seu modo, avançou em direção ao desconhecido, na ânsia de rever seu amor perdido. Escutou ruídos silenciosos, o ranger de galhos, enquanto via a sombra fugir e, embaçada, sumir. Mais uma vez, bateu no coração a saudade, uma dor profunda que a consumia e a levava ao limite da solidão. Desorientada, perdida, desiludida, precisava voltar para casa. Não havia outro lugar no qual pudesse descansar. Tinha que ser ali, naquela casa escura, onde fazia de seu corpo franzino sua própria sepultura. Seu único consolo era o retrato na parede do seu amor perdido. Depois de acender o fogo da lareira, sentou-se na cadeira de balanço. Sentindo-se impotente, olhou fixo para a parede onde se encontrava o retrato do marido morto que, por um instante, lhe pareceu vivo. Olhava-a tranquilo, como que para consolá-la. No silêncio, pairava o som do balanço da cadeira, que rangia. Seu olhar confundia-se à meia luz amarelada. O tempo inflexível, diante dela, jazia. Com as mãos trêmulas, pegou a caneta e um pedaço de papel velho que estava em cima da mesa e eternizou, naquele instante, o seu único desejo ardente:

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados “Aqui vaga uma alma viva, que escreve para seu grande e único amor, que lhe resta apenas um desejo na vida, o último suspiro sem dor”. A infeliz definhava na cadeira de balanço. Sentia, na calada da alvorada, sua morte anunciada pela voz da solidão. Ficou ali parada a contemplar o retrato do seu amado Ludovico. Em seguida, deu seu último suspiro. Alma, morta, restava-lhe apenas o ruído do papel e da caneta, caídos de suas mãos frias e tortas, no caminho estreito que tinha recebido da vida por direito. Agora, já sem vida e sem dor, tinha apenas como única companhia o retrato do marido na parede, que expressava um delicado sorriso e que parecia dizer: - Adeus, Alma minha querida. Ao menos uma vez, meu amor, fora feliz como quis, sem dor, em sua solitária e silenciosa despedida.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados SÉRGIO BORSOI JÚNIOR Sérgio Ribeiro Borsoi Júnior, 21 anos, estudante da Universidade Federal Fluminense e nascido no Rio de Janeiro. Membro da academia de letras e artes de fortaleza, membro da academia de letras e artes de Buenos Aires, participou de várias antologias, escreve no site da Literarte, Casa da poesia e recanto das letras. Conluindo um romance juvenil e em breve lançará sua antologia poética. Possui um lado de sua vida voltado para as artes, músico e amante da natureza. Contato: sergioborsoi_junior@yahoo.com.br

Domingueiramente Despertei naquele domingo com o canto dos pardais. O céu estava ainda coberto de nuvens escuras, que eram perfuradas pelos primeiros raios do sol. Os filhos dos vizinhos já faziam algazarra na rua, e as redes nas varandas balançavam...balançavam. O ar estava dominado pelo clima domingueiro, com cheiro de panquecas e suco de laranja. Era domingo, portanto era dia de ir à igreja santificar a alma e trazer pureza para casa. Bem, pedir perdão pelos pecadinhos da noite anterior também, mas... Apesar de ser um pouco cedo, não conseguia conter minha empolgação, pois era dia de ir ao estádio, cantar, pular e empurrar o meu time com minha voz. Já podia sentir o calor da torcida cantando: - DOMINGO EU VOU AO MARACANÃ...As bandeiras balançariam e nossas palmas dariam ritmo quando a bola rolasse. Foi pensando nisso, que nem percebi o domínio total do sol quente, e o desaparecimento das nuvens. Quando cheguei na parte de baixo da casa, minha mãe já estava na cozinha preparando o almoço. Macarronada com queijo, um prato típico da família, feito por gerações. O aroma do orégano com o vapor da erva-doce, inundava a casa inteira. Depois de alguns minutos satisfazendo minhas narinas, dei bom dia para minha mãe.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Ela veio em minha direção, com uma folha de louro presa no cabelo, e amavelmente retribuiu com um abraço e um beijo na testa. O almoço estaria na mesa meio-dia em ponto, afinal pontualidade sempre foi um traço forte da casa. A mesa sempre foi bem composta por nós três. Sou filho único, mas nunca recebi mimos por isso. As responsabilidades sempre foram passadas com seriedade, e meu caráter moldado sem moleza. Já que morava na casa, tinha que ajudar a mantê-la esplendorosa e com beleza. Não sei se isso conota orgulho, mas aos oito anos, já sabia cuidar de um jardim com precisão, sendo totalmente detalhista. As horas foram passando e enfim chegou o momento do almoço. Para poder degustar a comida sem limites, nem tinha tomado café - da - manhã. Por isso, em algumas parte da manhã, senti tonturas. Era verão, e o sol queimava sem dó. Sendo assim, tomei um banho gelado para me refrescar e sentar à mesa de forma apresentável. Os pratos já estavam posicionados. Pratos fundos, pois cabiam mais. Quando a primeira quantidade saiu da panela, um rastro de fumaça foi feito e meu estômago vibrou em entusiasmo. Como a partida seria as 16 horas, já estava pronto, com a camisa, uma bermuda e um tênis velho. Quanto ao meu pai, ainda estava de pijama, o que me deixou irritado. Comemos o macarrão quase todo, sem piedade. Me levantei, corri para o banheiro e escovei os dentes. A ansiedade do almoço já havia passado, e agora a que me tomava era a de estar logo no estádio. O fato de meu pai ainda não estar pronto, me deixava inquieto. Por isso, fui esperar no carro. Lá tinha ar condicionado, e poderia escutar a cobertura esportiva na rádio, sabendo a possível escalação. Não posso reclamar, porque depois de alguns minutos, meu pai chegou com sorriso no rosto, pendurou uma bandeira no carro e entrou cantando o hino em voz alta. Bem, o clima estava formado. No caminho para o estádio, cruzamos com outros torcedores, que buzinavam alegremente como se fossem nossos conhecidos. O trânsito estava ótimo, e a cidade parecia ser somente nossa. Em pouco tempo estávamos na porta do estádio. Deixamos o carro umas ruas atrás, para facilitar na hora de ir embora. Quando chegamos em frente.... Bem, essa parte fica para um outro dia! 184


Antologia Fernando Pessoa e Convidados SÔNIA NOGUEIRA Sonia Nogueira é graduada em História, Estudos Sociais, pósgraduação Planejamento Educacional, Língua Portuguesa e Literatura – Membro em 4 academias literárias; Associação de Escritores. Publicou seis livros, 50 Antologias, classificada cinco concursos, 23 menções honrosas, Cinco medalhas, sendo duas, Prêmio Buriti. Agraciada com 7 Troféus: Cecília Meireles, Drummond de Andrade, Categoria Especial, Mulheres Notáveis, troféu Of Art And Educacion Austrain, 2013, em Viena. Catalogo Luso-brasileiro de melhores poetas de 2014, Prêmio Ideal Clube de Fortaleza, Comenda Castro Alves, 2014, Troféu 70 anos da ADB, 2014. *Suspenso por um Fio Suspenso por um fio transparente pendendo, entre o amor e o ódio, querendo a chave de si próprio. O pensamento estava abarrotado de quereres e pensares em explosão contínua. Queria ficar com aquele amor imaginário, real, quase irreal por conta da indiferença do outro. O destino, porém, tem suas teias de aranha, atraiu o outro de forma inesperada. Nada seguro. Dúvidas e incertezas rondavam a atmosfera. Durou menos de uma estação primaveril, sem flores, caindo cada pétala, dando início a nova florada. Rumou para outra estação com terreno adubado, estrutura promissora para até que a morte os separe. A desilusão arrastou ódio contra amor, dois amigos conflitantes, transparentes e inseparáveis, se digladiando na mente irrequieta e confusa. Tal qual um relâmpago, empresta claridade, solta imenso grito aquece a terra ressequida, umedece a telha protetora e volta tranquilo pela missão cumprida. Mary saiu. Caminhava na praia, ao morrer do sol, de olhar fixo admirando a beleza do colorido vermelho pálido e amarelo alaranjado. À noite se aproximava por conta do compromisso coma a natureza. Olhou para o dia e disse: 185


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Vai claridade das angústias e desilusões, dos dias turbulentos, do sangue no asfalto, das crianças sem nome, dos portões com grade, da liberdade dos maléficos. Engana-se, minha amiga invisível, que aparece na minha ausência. Os gritos ecoam na calada da noite, fingido silêncio, deturpando a moralidade na penumbra da cortina. Somos irmãos gêmeos univitelinos, com o mesmo sangue correndo nas veias, permitindo as mesmas ações, com livre arbítrio. Salvem-se quem puder. Marly andou a ermo, caiu na areia, o sono deitou no corpo e mente fatigada. Um vulto alto, belo, sorriso largo, pegou sua mão. Caminharam em silêncio, na escuridão total. Apenas as pernas obedeciam ao comando da mente.

Andaram muito tempo e o silêncio era benéfico para a situação.

Caíram num vazio. Pontos brilhantes enfeitavam o piso parecendo estrelas no firmamento.

Pegue um.

Eu pegar em algo desconhecido? Saí agora de algo desconhecido que me deixou suspensa entre o amor e o ódio. Estou num fio a ponto de cair.

Ninguém encontra fácil. Tentamos até dar certo.

Então é lutar com a sorte?

Mais ou menos. Entra nesta procura, inteligência, perspicácia, tolerância, criatividade, e sorte, por que não?

E sexo?

O maior dos corruptos, envolve, simula, encanta e foge, sem aviso prévio. Mas uns são tão felizes, na medida certa, sem nada fazer. Outros a infelicidade gruda como tatuagem. 186


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Se analisarmos com detalhes nossos atos, somos metade culpados. Procure sua chave.

Ei, não vá, me ajude a procurar.

Você é a dona de suas ações. Encontre-a.

Ficou a ermo, sem luz, sem a mão que fortifica, sem rumo, sem prumo. Sentiu alguém lamber seu rosto, abriu os olhos. Meu amigo Half! Há! Nem você é confiável, já me mordeu três vezes. Mas dos piores é o melhor amigo. Mary observou o dia. Mais um dia. É esta a chave, mais um dia de vida, e em cada amanhecer o maior e melhor de todos com o aprendizado inteligência, perspicácia, tolerância, criatividade, e sorte, por que não?

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados STELA OLIVEIRA Maria Stela de Oliveira Gomes é mineira de Abre Campo, mas reside atualmente em Governador Valadares - MG. É graduada em Pedagogia e pós-graduada em Psicopedagogia. Trabalhou muitos anos como Professora e Pedagoga em uma escola pública onde coordenava concurso de poesia, sarau poético e projeto de leitura. É Escritora, Poeta, Artista Plástica, membro da Academia Valadarense de Letras, Secretária da Associação dos Artistas Plásticos do Vale do Rio Doce e Delegada Cultural. Possui obras publicadas em jornais, revistas, antologias e o romance “Marcas de Sofrimento e Esperança”.

O charme dos óculos Os óculos surgiram na Antiguidade Clássica, eram usados somente para leitura e as lentes eram de vidro. Hoje, eles servem para corrigir deformidades oculares e é um dos principais acessórios da moda. Com o objetivo de proteger os olhos dos raios solares, eles proporcionam segurança e conforto para a visão em dias de sol quente. Servem também de proteção para algumas atividades profissionais. O tipo de armação segue a tendência da moda atual e as lentes, para óculos de sol, podem ser coloridas ou escuras. O inventor dos óculos foi sábio e ousado ao perceber que através de uma lente, poderia enxergar melhor tanto de perto, quanto de longe. O certo é que eles chegaram para ficar, seja de grau ou esportivo. Trouxeram charme aos seus usuários. Anita é uma dessas pessoas que também desfruta deste acessório. Tem óculos para assistir televisão, para ler e se proteger do sol.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Um dia, ela saiu para fazer um curso. Durante o intervalo, foi andar pela rua afora. Ia almoçar e depois ver as vitrines das lojas. Andava tranquilamente bem no centro da cidade, quando uma moça a chamava insistentemente. A princípio, ela nem se importou, não pensou que fosse com ela. Porém, a moça chegou perto dela e disse assim: - Moça, acho que está tendo um probleminha com os óculos da senhora. Dê uma olhada. Anita retirou os óculos do rosto e ao perceber que o lado esquerdo estava sem uma lente deu uma gargalhada, agradeceu a moça e comentou com ela: - Eu nem percebi. Obrigada. Quem me viu assim deve ter pensado que eu sou louca. E sorriu de novo.

A moça sorriu também e com grande gentileza comentou:

- Isso acontece. A senhora me desculpe, mas eu não podia deixar de falar. Anita agradeceu novamente e continuou sua caminhada rindo o tempo todo do tal acontecimento e por ter passado em diversos lugares, certamente com os óculos daquele jeito. Quanto mais pensava no fato ria sozinha pela rua afora. Curiosa resolveu mexer na bolsa, pois não vira o momento em que a lente se soltou, ficou surpresa ao encontrá-la dentro da bolsa. Aí riu mais ainda. Ao chegar ao local do curso, contou para as colegas e mostroulhes os óculos e todas riram demais. Quase não acreditaram.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Anita achou este fato muito engraçado, pois o hábito de usar óculos de sol é tão grande que tal fato aconteceu naturalmente. Se a moça não falasse nada ela continuaria andando pela rua até na hora de retornar para o curso. Aí sim ia ser muito mais engraçado, pois eram duas horas de intervalo e ela iria andar muito. No final semana seguinte, Anita foi passear na casa de sua irmã em outra cidade e quando ela abriu o portão, Anita colocou os óculos sem a lente e desceu as escadas naturalmente para ver se a irmã percebia. Ao vê-la, a irmã falou: - Espere aí, tem que tirar um retrato, pois esta moda eu não conheço. Quando os filhos dela chegaram, Anita pôs os óculos para recebê-los, então uma de suas sobrinhas falou:

- Isso é caso para psiquiatra. É o último estágio de loucura.

Todos caíram na gargalhada e tiraram fotos para registrar o fato.

Anita chegou à conclusão de que algumas situações que vemos as pessoas praticarem, nem sempre podem ser julgadas mal, pois muitas vezes ela nem está vendo o que está acontecendo. O bom, é que quando acontece um fato desses, sempre tem alguém que fala com carinho. Isto já aconteceu outras vezes com Anita. Uma vez a lente caiu perto do caixa eletrônico, no banco. Na hora ela se lembrou do fato. Outra vez a lente caiu na hora em que ela ia sair de casa. Por isso toda vez que vai colocar os óculos no rosto olha primeiro se ele não está se soltando e de vez em quando passa a mão nas lentes, para confirma se elas estão nos lugares. Os óculos de sol ou de grau com suas nuances de cores, são a bola da vez e cada vez atrai mais adeptos.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados VALDECK ALMEIDA DE JESUS Valdeck Almeida de Jesus (1966) é jornalista, funcionário público, editor, escritor e poeta. Embaixador da Divine Académie Française des Arts, Lettres et Culture, Embaixador Universal da Paz, Membro da Academia de Letras do Brasil, Academia de Letras de Jequié, Academia de Cultura da Bahia, Academia de Letras de Teófilo Otoni, Academia Nevense de Letras, Ciências e Artes – ANELCA, Poetas del Mundo, Fala Escritor, Confraria dos Artistas e Poetas pela Paz e da União Brasileira de Escritores. Site: www.galinhapulando.com

Fiapos de Vida - Você nunca vai fazer sucesso na vida com essas bobagens que escreve. Muita gente já tentou e poucas delas sobrevivem como artista. Segue o exemplo da maioria e procura um trabalho, acorda cedo, sai de casa e volta à noite pra descansar e recomeçar tudo no dia seguinte... Faz como teu pai e todos os nossos parentes. O caminho é este, filho. Não adianta querer mudar o mundo. Tem que botar comida na mesa todo dia... Durante muitos anos a voz do pai soava na mente de Sérgio como uma trovoada em noite de chuva torrencial. A tristeza e o desânimo que invadiram a alma dele decidiram o rumo a tomar dali por diante. Se não podia sobreviver com a escrita, nem com outra atividade artística na cidade natal, era melhor mudar dali, esquecer família, amigos e investir naquilo que acreditava, longe dos olhos daqueles que lhe condenavam. E assim fez no mesmo dia. Duas maletas de roupas e sapatos, passagem para São Paulo e o começo de uma nova jornada. Cada vez que algo não dava certo em sua vida, reverberava do passado os estridentes gritos do patriarca, lhe avisando que a profecia estava mais viva do que nunca.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Nos momentos mais difíceis, como em dias de baixa bilheteria ou desclassificação num edital público, a voz soava na mente, em off, a bradar. A imagem do velho sisudo com o discurso do fracasso estava memorizada para sempre. Sua insistência no mundo das artes, entretanto, ainda estava latente. Se não dava certo com uma peça, tentava outra, tentava estudar, aprender algo novo. Nesse percurso, se especializou em teatro, virou crítico de arte, montou uma companhia e apresentou peças de muito sucesso que percorreu cidades do país inteiro, inclusive foi encenada no teatro do lugar onde nasceu. Com tantas apresentações, o trabalho lhe absorveu por inteiro. E os fiapos de relacionamentos familiares iam se tornando cada vez mais escassos, frágeis. Perdia um casamento, porque estava ensaiando um trabalho. Outra hora deixava de ir a um batizado, aniversários ou comemoração de bodas de amigos e parentes. Tudo podia ficar para depois. O tempo era corrido e precioso, não sobrava para frugalidades, festas particulares. Acompanhava de longe as notícias, recados, telefonemas cada vez mais curtos. Valia a pena o sacrifício, tudo em nome de uma resposta que queria dar a si mesmo, mostrar que poderia, sim, viver de arte. O sucesso, pouco a pouco, lhe rendia mais e mais troféus, matérias em jornais, encontros com secretários de cultura, convites para eventos seletos. Na mesma medida, seu ego inflava, e dava vontade de se aprofundar na profissão. Não perdia um seminário, um colóquio, um encontro nacional relacionado ao teatro. Os aplausos calorosos ao final de suas apresentações eram o combustível para seguir adiante. Mas sentia falta de ver alguém conhecido lhe assistindo. Ao fim de cada espetáculo, durante os agradecimentos, percorria a plateia com os olhos em busca de gestos e olhares familiares. A frustração lhe sombreava o rosto, e uma leve tristeza lhe abatia o semblante, que ele disfarçava muito bem. Já tinha quase tudo, mas faltava a Sérgio, ainda, o reconhecimento daqueles que lhe eram caros, quem sabe um parente distante, um vizinho de infância.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Afinal, São Paulo tem gente de todo lugar, por que não esperar que alguém de Salvador estivesse ali no teatro? Voltou à capital baiana com a peça em turnê nacional e, após uma das apresentações, notou rostos familiares, de pessoas que lhe conheciam de vista, das noitadas em festas. Nenhum parente foi assisti-lo, no entanto. Se bem que o preço da entrada não era popular e seus familiares, nascidos e criados em Águas Claras, mesmo que recebessem cortesias não iriam ao Teatro Castro Alves, no centro da cidade, devido ao transporte precário no horário que a apresentação terminava. Resolveu passear no bairro de sua infância, durante uma manhã de domingo, para rever conhecidos e ver se havia alguma novidade por lá. Ali não era mais o mesmo lugar onde nasceu e viveu momentos mágicos. Não havia sequer fiapos de sua vida passada. Depois da visita convidou os dois irmãos e cunhadas para o teatro, com direito a taxi na ida e na volta. Na apresentação seguinte, recebeu aos convidados, que lhe abraçaram com sentimentos, vozes e cheiros que não lhe faziam mais tanto sentido. Eram como abraços e beijos de fãs comuns. Em mais uma visita, procurou pelo pai que já não morava mais sob o mesmo teto, pois tinha abandonado o lar. Após a separação, seu genitor começou a beber e entrou em depressão, se desfez de bens da família e até foi internado para tratamento do vício alcoólico. Na visita que fez ao papai, sentiu muita pena e vontade de ajudar, mas não deixou que as lágrimas rolassem. Aquela cena era como uma resposta que somente ele, Sérgio, queria guardar para si. O fracassado não era ele.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados VANDERLEI ANTÔNIO DE ARAÚJO Vanderlei Antônio de Araújo, nasceu em Posse, Estado de Goiás. Formado em Geologia, pela Universidade de Brasília,. Ainda não publiquei livros, mas tenho participado com alguns contos e crônicas em sites e antologias. Participou do Prêmio Luso-Brasileiro de Melhore Contistas de 2013 com o conto Remédio Milagroso

Como num conto de fadas Numa cidade distante, uma moça romântica observava sua amiga, escrevendo uma carta para um amigo, o rapaz desta história. Aí então, ela se queixou de nunca receber cartas, não tinha com quem se corresponder. A amiga sugeriu que escrevesse para ele, seu amigo, e colocasse dentro do envelope de sua carta. O inesperado foi que ela se interessou pela sugestão, pegou um papel e escreveu para o rapaz. Dias depois, ele encontrou dentro da carta que recebeu da amiga, uma cartinha. Abriu-a, cautelosamente, não disfarçando certa curiosidade, e a leu em voz alta. Havia um pedido. A moça queria trocar correspondências com ele, e perguntava se seria possível. Morria de inveja da amiga que recebia muitas missivas, enquanto ela não recebia nenhuma. Os argumentos apresentados o convenceram da sua sinceridade, deixando-o encantado. Então, o rapaz criou um mundo de ilusões em torno daquela estranha moça. E entre tantos pensamentos, imaginou que algo muito especial estava acontecendo em sua vida. Imediatamente, lhe respondeu. A moça ficou contente com a resposta, agora sim, teria alguém para lhe mandar cartas. Ela logo lhe enviou uma segunda carta, cheia de palavras retas e certas, precisas. Palavras bonitas e meigas. Durante os minutos da leitura o rapaz se transformou. Todo o tédio da sua existência dissipou-se. E, quando menos eles esperaram, já correspondiam regularmente.

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Antologia Fernando Pessoa e Convidados Com o passar do tempo, o rapaz se mostrou interessado num relacionamento amoroso mais serio, ao descobrir que em poucos meses, sentia seu coração bater mais acelerado todas as vezes que recebia cartas dela. Eram cheias de ternura e sinceridade, só que traziam sempre a preocupação de que aquele relacionamento não passasse de uma bela amizade e que não poderia se transformar em outro sentimento. E essa posição o desconsertava, pois sentia algo mais que uma simples amizade, apesar de não conhecê-la. Num belo e calmo dia de janeiro ela chegou a sua cidade. O rapaz estava lá, soube da sua chegada e ficou alegre. Soube também que a noite haveria uma festa e que ela estaria lá. Finalmente ele iria conhecer a moça com a qual, durante três anos, trocava cartas e nenhuma fotografia. Chegando a festa, ele viu duas moças com sua amiga. O interesse surgiu, mas não conseguia saber qual era a moça das cartas. Ele as observava com muito interesse, com uma curiosidade de detetive. A noite ia passando e a ansiedade aumentando, tanto que o rapaz não tirava os olhos das moças, queria falar com elas e descobrir qual era a sua missivista. Até que, tomando coragem partiu para o encontro. A moça estava sentada a uma mesa ao lado de sua amiga. Ele se aproximou e as apresentações foram feitas. Depois da apresentação e relaxado, o rapaz pode ver o quanto ela era graciosa, não apenas por causa da beleza simples, mas também pela sua capacidade de conversar o que ele já sabia pelas cartas. Tinha um corpo leve e firme, cabelos longos e negros como a noite; pele morena clara com pequeninas pintas escuras de sardas. Seus olhos eram brilhantes e elétricos. Seu rosto redondo conferia um ar de felino, mas afável. Ela sorriu para ele. Depois de algum tempo, tomou coragem e a chamou para dançar. Ela sorriu como quem tivesse gostado de ouvir aquilo. Sorriso discreto, tímido, olhar sincero. E a noite seguiu. Surgiu uma conversa. As palavras foram-se montando, as frases foram tomando a melhor forma para cativá-la. 195


Antologia Fernando Pessoa e Convidados Embora, neste momento, não precisassem de palavras, os olhares e o toque discreto seriam mais do que necessários. Talvez até rolasse há tempos um sentimento mútuo. A noite continuou, ele se declarou apaixonado. Ela sorriu e disse que gostou muito de tê-lo conhecido. No outro dia novo encontro, novos passeios, outras conversas. Depois de uma semana, chegou a hora da despedida. Despedida com corações acelerados. Ela apertou sua mão e o abraçou. Depois lhe beijou no rosto e foi-se embora, como num sonho. O rapaz demorou-se por alguns dias inquieto, esperando uma carta dela, fantasiando enredos, sonhando encontrá-la na rua e deparar-se com seus olhos brilhantes e elétricos. Mas eram enredos curtos de sonhos que acabavam sempre, sem que ele sentisse o gosto do beijo daquela moça que estava tão longe e fora das suas possibilidades. Depois de alguns dias o rapaz recebeu uma carta e, assim passaram a corresponder, como namorados. Eram cartas cheias de carinhos e saudades. Não havia mais as fugas e despistes. Suas cartas faziam-no acreditar ser possível amar. Três anos depois do começo dessa história, a moça chegou à cidade onde ele morava, para trabalhar e estudar. Os primeiros anos deles juntos foram ótimos. Ele gostava do seu jeito apressado de encarar as coisas. E aos poucos, sem pressa, ficaram íntimos e noivos. O dia do casamento chegou. Ela estava mais bela do que nunca..., parecia uma princesa dos contos de fadas. Ele estava encantado. E depois, viveram felizes para sempre... Muitas vezes, histórias de amor do tipo contos de fadas, acontecem. As pessoas acham que nunca vai acontecer com elas, até que o destino as surpreenda. Foi assim que aconteceu com o rapaz desta história, quando uma surpresa encontrada numa carta o fez descobrir a mulher de sua vida.

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